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2020 - 10 - 16 PÁGINA I

Epistemologia Judiciária e Prova Penal - Ed. 2019


CAPA

Capa
© desta edição [2019]
2020 - 10 - 16 PÁGINA 1
Epistemologia Judiciária e Prova Penal - Ed. 2019
PRIMEIRAS PÁGINAS

EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL


© desta edição [2019]

Thomson Reuters Brasil


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Fechamento desta edição: [05.08.2019]

ISBN 978-85-5321-840-0

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Epistemologia Judiciária e Prova Penal - Ed. 2019
FICHA CATALOGRÁFICA

Ficha Catalográfica

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Badaró, Gustavo Henrique

Epistemologia judiciária e prova penal [libro eletrônico] / Gustavo Henrique Badaró. -- São
Paulo : Thomson Reuters Brasil, 2019.

6 Mb ; ePUB

1. ed. em e-book baseada na 1. ed. impressa.

Bibliografia.

ISBN 978-85-5321-840-0

1. Poder judiciário 2. Processo penal 3. Processo penal - Brasil 4. Prova (Direito) - Brasil I. Título.

19-29227                                      CDU-343.14(81)

Índices para catálogo sistemático:

1. Brasil : Prova : Direito processual penal 343.14(81)

Maria Alice Ferreira - Bibliotecária - CRB-8/7964

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2020 - 10 - 16 PÁGINA III
Epistemologia Judiciária e Prova Penal - Ed. 2019
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Expediente

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2020 - 10 - 16 PÁGINA IV
Epistemologia Judiciária e Prova Penal - Ed. 2019
DEDICATÓRIA

Dedicatória

Para Professora

Ada Pellegrini Grinover,

com gratidão e saudade.

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2020 - 10 - 16 PÁGINA V
Epistemologia Judiciária e Prova Penal - Ed. 2019
NOTA DO AUTOR

Nota do autor

O livro “Epistemologia judiciária e prova penal” é fruto da tese para concurso de Professor
Titular de Direito Processo Penal da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, defendida
em dezembro de 2018, em que proponho a formulação de um modelo de epistemologia judiciária
para o controle lógico e racional do juízo de fato no processo penal.

Um livro que resulta de uma tese de concurso para professor titular é, antes e principalmente,
uma história de vida acadêmica, construída com ajuda e apoio de muitos.

Esta “Nota do autor”, portanto, não é apenas uma apresentação de livro. Muito mais do que
isso, deveria ser denominada: “Muito obrigado”!

Meu primeiro agradecimento é para a Banca Examinadora, presidida pelo Professor José
Rogério Cruz e Tucci e integrada pelos Professores Antonio Magalhães Gomes Filho, Jacinto Nelson
de Miranda Coutinho, Paulo Cezar Pinheiro Carneiro e Aluísio Gonçalves de Castro Mendes. Além
da lhaneza com que me trataram e a generosidade das notas atribuídas no Concurso, o que já seria
inesquecível, há mais a ser registrado publicamente. As arguições eruditas, as críticas corretas e
justas e as sugestões adequadas e pertinentes me permitiram corrigir a tese e entregar ao público
um livro que considero melhor e mais profundo. Efetivamente, cumpri meu compromisso
assumido com os Examinadores de, no dia seguinte ao concurso, já começar a corrigir a tese.

Além de ter eliminado os apontados erros, o livro traz dois itens que não existiam na tese: o
primeiro, acrescido no contexto da valoração, foi o desenvolvimento mais aprofundado da
inferência probatória, especialmente com base no modelo argumentativo de Toulmin (item
3.5.4.1). Descrever melhor o método adequado para que o julgador realize a inferência probatória
mostrou a necessidade de também aprofundar o contexto da justificação, como, aliás, fora
sugerido pelo Professor Antonio Magalhães Gomes Filho. Para tanto, foram acrescidos os itens:
“3.7.1. Espécies de justificação: justificação interna e externa” e “3.7.2. O conteúdo da motivação
do juízo de fato”.

Depois de um pouco da história da Tese e do Concurso, gostaria de destacar os professores e


amigos de minha vida acadêmica.

É fundamental agradecer a todos os professores da Faculdade de Direito do Largo de São


Francisco, que foram fundamentais em minha formação. Sou um Franciscano e carrego em mim
um pouco de cada um dos meus professores. A prudência recomenda não os nominar, para evitar
injustas omissões. Mas meu desejo de expressar o quão importante foram em minha formação, ao
ponto de permitir me tornar Professor Titular, exige que explicite meu muito obrigado, ao menos
para os Professores do Departamento de Processo dos quais fui aluno na graduação e na pós-
graduação: Cândido Rangel Dinamarco, Flávio Luiz Yarshell, Antonio Carlos Marcato, Sérgio
Marcos de Moraes Pitombo, José Roberto dos Santos Bedaque, Vicente Greco Filho, Ada Pellegrini
Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho, Antonio Carlos de Araújo Cintra, Rogério Lauria Tucci,
Antonio Scarance Fernandes, Carlos Alberto Carmona e Maria Thereza Rocha de Assis Moura.

Uma lembrança especial há de ser feita para a Professora Ada Pellegrini Grinover, minha
professora, orientadora e grande incentivadora. Deu-me ensinamento e carinho. Não há como
exprimir em palavras meu sentimento. Com gratidão e saudade, dedico-lhe este livro.
O Professor Antonio Magalhães Gomes Filho é meu exemplo de professor. Mais que isso. Uma
pessoa inigualável. É o Professor dos Professores. Convidou-me para o auxiliar na disciplina
Estudo Crítico da Teoria Geral da Prova Penal e, durante mais de uma década de ensinamentos,
mostrou-me a importância da prova penal para um processo justo.

Um elogio especial merece, também, o Professor Antonio Scarance Fernandes, a quem tive a
honra de suceder na Cátedra de Direito Processo Penal. Deu-me a primeira oportunidade de
lecionar em uma sala de aula da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Há mais de duas
décadas, como integrante do famoso PAE, sua confiança e generosidade me permitiram sentir, pela
primeira vez uma sensação inigualável e inesquecível.

Foram tantos amigos e amigas que me estimularam na vida acadêmica, mas não poderia deixar
de destacar e agradecer a Petrônio Calmon Filho, Adriana Beltrame, Paulo Lucon, Marta Saad,
Maurício Zanoide de Moraes, Aury Lopes Júnior, Geraldo Prado, Diogo Malan, Eduardo Talamini,
Pedro Dinamarco, Mariângela Gama de Magalhães Gomes, José Fernando Simão, Pierpaolo Cruz
Bottini, Renato de Mello Jorge Silveira, Cleunice Pitombo, Heloisa Estelita, Ricardo Donizete
Guinalz, José Alves Júnior, Paulo Busato, Kai Ambos, Luís Greco, Ezequiel Malarino, Paulo de Souza
Mendes e Eneas Romero de Vasconcelos.

Aos meus orientandos registro também meu agradecimento e orgulho por os ter presentes
durante os dias de concurso.

A Biblioteca da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo é uma joia rara. Mas o brilho
de seus livros não resplendeceria sem um corpo de bibliotecários sempre solícitos e competentes,
que foram fundamentais para minha pesquisa. Meu muito obrigado a todos. Agradeço, também,
pelo auxílio na pesquisa, ao amigo Andrey Borges de Mendonça, seja pelas sugestões de artigos,
seja pela ajuda em conseguir os textos estrangeiros.

A publicação do livro “Epistemologia Judiciária e Prova Penal” é também a oportunidade de


registrar a alegria de contar, uma vez mais, com a confiança e apoio da Editora Revista dos
Tribunais, que tem publicado meus livros há 20 anos, desde a primeira edição da obra “Correlação
entre acusação e sentença”.

Deixo público, também, o meu agradecimento a Luiz Fernando Kirchner de Magalhães e a


Renato Stanziola Vieira que, após o concurso, ofereceram-se para ler a tese e indicar pontos a
serem corrigidos para esta publicação. Mais do que aspectos formais, também fizeram importantes
sugestões sobre o conteúdo do trabalho.

Finalmente, o mais importante: agradeço e peço desculpas à minha família pelo tempo
dedicado aos estudos e à elaboração de mais uma tese. Foram irrecuperáveis momentos de
ausência e de convivência negligenciada com vocês. Se o Direito não sai da minha mente, o amor
de Jennifer, Luca, Enrico e Bárbara preenche e alegra meu coração. Tudo na minha vida só tem
sentido com vocês.

XI de agosto de 2019.

© desta edição [2019]


SUMÁRIO

NOTA DO AUTOR ................................................................................................................ 7

INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 13

1. PROCESSO E GARANTIAS PROCESSUAIS VOLTADAS À ATIVIDADE PROBATÓRIA ... 17


1.1. Noções gerais .......................................................................................................... 17
1.2. Processo penal como mecanismo de legitimidade da punição estatal..................... 18
1.3. As garantias processuais e sua relação com a epistemologia judiciária ................... 21
1.3.1. Imparcialidade do juiz ................................................................................ 24
1.3.1.1. Os poderes instrutórios do julgador ........................................... 25
1.3.1.2. A limitação dos poderes instrutórios do juiz aos fatos imputados ... 32
1.3.1.3. A produção de provas pelo juiz e o respeito ao contraditório de
partes .......................................................................................... 35
1.3.2. O contraditório ........................................................................................... 36
1.3.2.1. O direito à prova das partes ........................................................ 40
1.3.3. A presunção de inocência ........................................................................... 44
1.3.4. A motivação das decisões judiciais ............................................................. 48
1.3.5. O duplo grau de jurisdição ......................................................................... 51
1.3.6. A duração razoável do processo .................................................................. 58
1.4. O processo acusatório e a verdade .......................................................................... 62
1.5. O objeto do processo penal ..................................................................................... 68
1.5.1. Os “fatos” como objeto da prova no processo penal ................................... 69
1.5.2. Os fatos alegados pela acusação e pela defesa ............................................. 72
1.5.3. A alteração do objeto do processo e as mudanças da imputação quanto aos
fatos ............................................................................................................ 74

2. VERDADE, PROVA E EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA ................................................... 83


2.1. Noções epistemológicas para a análise da prova penal ........................................... 83
2.2. Verdade: possibilidade e critérios............................................................................ 84
2.3. Verdade e conhecimento ......................................................................................... 90
2.4. Lógica e tipos de inferência..................................................................................... 93
2.4.1. Dedução e indução ..................................................................................... 95
2.4.2. Abdução...................................................................................................... 103
2.5. As leis científicas ..................................................................................................... 107
2.6. As noções do senso comum e as máximas de experiência ...................................... 113
2.7. Verdade, conhecimento e prova no processo penal................................................. 121
12 | EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

3. EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E CONTEXTOS PROBATÓRIOS ................................. 131


3.1. O processo e a epistemologia: rumo a uma epistemologia judiciária ...................... 131
3.2. Contextos da investigação científica e da prova judiciária...................................... 137
3.3. Contexto da investigação ........................................................................................ 145
3.4. Contexto da instrução judicial................................................................................ 152
3.4.1. As regras legais de admissibilidade probatória e seus reflexos epistêmicos ... 154
3.4.1.1. As regras legais de exclusões probatórias fundadas em limites
lógicos ......................................................................................... 155
3.4.1.2. As regras legais de exclusões probatórias fundadas em limites
políticos ...................................................................................... 166
3.4.1.3. As regras legais de exclusões probatórias fundadas em limites
epistemológicos .......................................................................... 178
3.4.1.3.1. O problema da prova científica................................ 181
3.4.2. As regras legais de produção da prova e seus reflexos epistêmicos ............. 196
3.4.2.1. O contraditório na produção da prova: distinção entre provas
pré-constituídas e constituendas ................................................ 197
3.5. Contexto da valoração ............................................................................................ 200
3.5.1. Da prova legal ao livre convencimento ....................................................... 204
3.5.2. Exceções legais à livre valoração da prova .................................................. 211
3.5.3. Métodos de valoração ................................................................................. 214
3.5.3.1. A probabilidade estatística .......................................................... 216
3.5.3.2. A probabilidade subjetiva ........................................................... 221
3.5.3.3. A probabilidade indutiva ou lógica ............................................. 224
3.5.4. A inferência probatória ............................................................................... 227
3.5.4.1. A inferência probatória a partir do esquema de argumentação de
Toulmin ...................................................................................... 228
3.5.4.2. A inferência para a melhor explicação ........................................ 232
3.6. Contexto da decisão................................................................................................ 235
3.6.1. Diferença entre valorar e decidir ................................................................. 235
3.6.2. O standard de prova como critério de decisão............................................. 237
3.6.2.1. O standard de prova e presunção de inocência ............................ 245
3.6.2.2. Prova “além de qualquer dúvida razoável”: uma escolha axioló-
gica.............................................................................................. 248
3.6.2.3. As críticas ao standard de prova “além da dúvida razoável” ........ 249
3.6.2.4. Propostas alternativas ao standard de prova “além da dúvida
razoável” ..................................................................................... 253
3.6.3. O ônus da prova no processo penal ............................................................ 261
3.6.4. Interação e influência recíproca entre o standard de prova e o ônus da
prova ........................................................................................................... 262
3.7. Contexto da justificação ......................................................................................... 264
3.7.1. Espécies de justificação: justificação interna e externa ............................... 268
3.7.2. O conteúdo da motivação do juízo de fato ................................................. 270
CONCLUSÕES ...................................................................................................................... 275
BIBLIOGRAFIA ..................................................................................................................... 283
2020 - 10 - 16 PÁGINA VI
Epistemologia Judiciária e Prova Penal - Ed. 2019
INTRODUÇÃO

Introdução

O título da obra é: "Epistemologia judiciária e prova penal".

Por que propor um modelo para o juízo de fato no processo penal, saindo do campo
estritamente jurídico e buscando aportes da epistemologia?

A resposta para a pergunta, que dá a justificativa para a obra, pode ser extraída da contundente
afirmação de Perfecto Ibáñez, no sentido de que o tratamento da quaestio facti na sentença é “o
momento de exercício do poder judicial por antonomásia”. E complementa: “posto que é na
reconstrução ou elaboração dos fatos onde o juiz é mais soberano; mais dificilmente controlável, e
onde, portanto, pode ser – como foi e em não poucas ocasiões segue sendo – mais arbitrário”.1

Conter o arbítrio no processo penal é sempre necessário. E se a liberdade do juiz na valoração


da prova o está transformando de soberano em tirano, é necessário propor mecanismos de
contenção e controle do abuso do poder punitivo estatal.

Bastaria mudar a lei? A resposta negativa se impõe. Há vários temas de prova em que a solução
puramente jurídica é insatisfatória. Sob a ótica da epistemologia, mas com a consciência de que se
buscam mecanismos para resolver os problemas do juízo de fato no processo penal, vários temas
probatórios serão revistos: a necessidade da obtenção da verdade como critério de justiça, a
narrativa dos fatos no processo como delimitadora do objeto da prova, os tipos de inferência
realizados no raciocínio probatório, o emprego de leis científicas e de máximas de experiência na
reconstrução dos fatos, a observância do contraditório como estimulador de uma estrutura
dialética no processo, com finalidade heurística, os critérios racionais de valoração da prova, os
modelos de probabilidade e a definição de um standard de prova controlável intersubjetivamente,
são temas que não podem ser tratados satisfatoriamente fora do contexto epistemológico.

O que se busca é, ao final da obra, ter demonstrado a viabilidade de construção de um sistema


correto do ponto de vista epistemológico, e que permita ao processo penal funcionar, na melhor
medida possível, como um instrumento cognitivo, que tenha na busca da verdade um de seus fins
institucionais. Sem ingenuidade epistemológica, alinho-me com aqueles que combatem a
veriphobia, e a tese adotará enfaticamente a posição de que a verdade é condição necessária,
embora insuficiente, para a o atingimento de uma decisão justa.

Os dois primeiros capítulos irão expor noções necessárias para a pré-compreensão do tema,
estabelecendo e explicitando as matrizes jurídicas e epistemológicas com as quais se vai trabalhar
no terceiro capítulo, integrando-as num modelo de epistemologia judiciária, que será o coração da
obra.

No primeiro capítulo serão analisados aspectos legais e jurídicos fundamentais para a


compreensão do juízo de fato no processo penal, sendo a abordagem subdividida em três pontos. O
primeiro analisa para que serve o processo penal. O segundo trata das garantias processuais que
conformam o processo penal e que são relevantes para a epistemologia judiciária. Por fim, no
terceiro e último tópico será exposto como os fatos, que serão objeto da atividade probatória,
ingressam no processo penal.

O segundo capítulo trará os fundamentos epistemológicos relevantes para as atividades


desenvolvidas ao longo da persecução penal: investigação das fontes de prova, produção dos meios
de prova e, principalmente, a valoração da prova penal, com vistas à possibilidade de se atingir
um conhecimento verdadeiro. Serão expostas as premissas e quais os critérios de verdade
adotados. Também serão tratados, ainda que de modo sumário, a dedução, a indução e a abdução
como espécies de raciocínios lógicos. Além disso, os temas das leis científicas, das máximas de
experiências e do senso comum serão expostos com vistas à sua utilização na valoração da prova.
Diante de tal quadro, o capítulo se encera com o relacionamento entre verdade, conhecimento e
prova no processo penal.

Por fim, com o terreno preparado pela primeira parte da obra, chega-se, no terceiro capítulo, à
proposta de um modelo de epistemologia judiciária. Trata-se de uma concepção racionalista da
epistemológica judiciária, fundada em quatro premissas: é cognitivista ao invés de cética; é
correspondentista e não coerentista; adota o modelo indutivo para o raciocínio judicial; e tem na
busca da verdade uma condição necessária, mas não suficiente para a decisão justa. A partir da
distinção bastante comum na filosofia da ciência, entre o contexto da descoberta e o contexto da
justificação, mas adaptando tais noções para a realidade do processo penal, propõe-se uma
sequência probatória subdividida em cinco contextos: (i) investigação; (ii) instrução; (iii) valoração;
(iv) decisão; e (v) justificação. O contexto da investigação focará na atividade do investigador, sob o
prisma do raciocínio abdutivo. No contexto da instrução, serão analisados, sempre atento aos
reflexos epistêmicos, os limites lógicos, políticos e epistemológicos de produção da prova, com
especial destaque para o problema da prova científica. Na sequência, no contexto da valoração,
serão analisados o sistema do livre convencimento e os métodos de valoração da prova sob um
enfoque epistemológico, buscando o melhor modelo de probabilidade para preencher o vazio legal
deixado pelo livre convencimento, mas permitindo a sua racionalização e o controle
intersubjetivo. No contexto da decisão, dois temas profundamente interligados e também de fortes
contornos epistemológicos serão desenvolvidos: os standards de prova, com especial destaque
para a prova da culpa “além da dúvida razoável”, e o ônus da prova. Finalmente, no contexto da
justificação será exposta a importância da fundamentação das decisões sobre o juízo de fato para o
funcionamento de um modelo racional de valoração da prova.

NOTAS DE RODAPÉ
1

IBÁÑEZ, Perfecto Andrés. Sobre a motivação dos fatos na sentença penal. Valoração
da prova e sentença penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 67. No mesmo sentido:
ABELLÁN, Marina Gasçon. La valoración de la prueba. In: ABELLÁN, Marina Gascón
(Coord.). Argumentación jurídica. Valencia: Tirant lo Blanch, 2014. p. 374.

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2020 - 10 - 16 PÁGINA RB-1.1
Epistemologia Judiciária e Prova Penal - Ed. 2019
1. PROCESSO E GARANTIAS PROCESSUAIS VOLTADAS À ATIVIDADE PROBATÓRIA

1. Processo e garantias processuais voltadas à atividade


probatória
Capítulo I

Processo e garantias processuais voltadas à atividade probatória

1.1.Noções gerais

O presente capítulo tem por finalidade explicitar premissas jurídicas ou legais com as quais se
trabalhará no desenvolvimento de um modelo de epistemologia judiciária voltada para o processo
penal. Para tanto, há três indagações fundamentais a serem respondidas. A primeira: para que
serve o processo penal? A segunda: quais as garantias processuais que conformam o processo
penal e que são relevantes para a epistemologia judiciária? A terceira e última: como os fatos, que
serão objeto da atividade probatória, ingressam no processo penal?

Tendo por preocupação primária os reflexos e as implicações que cada uma dessas questões
gerais provoca no campo probatório, buscar-se-á expor, em síntese: a finalidade, o conteúdo e a
estrutura do processo penal. Não se pretende, nem seria possível, dar respostas definitivas ou
mesmo tranquilamente aceitas para cada uma das três interrogações anteriormente formuladas.

Ainda com esse escopo limitado, predominantemente descritivo, os temas serão expostos na
medida e na profundidade que tenham interligação mais próxima com o juízo de fato no processo
penal, que será objeto dos capítulos sucessivos.

1.2.Processo penal como mecanismo de legitimidade da punição estatal

Qual a finalidade do processo penal?

Numa resposta direta, para uma pergunta ambiciosa, pode-se dizer que o processo penal tem
por função a legitimação do exercício do poder de punir estatal.

Evidente que o tema é complexo e, em se adotando como ponto de partida uma finalidade
distinta, as conclusões também serão diversas. Adota-se, assim, um sistema de processo penal no
qual, segundo Ferrajoli, os diversos princípios garantistas se configuram, antes de tudo, como um
esquema epistemológico de identificação do desvio penal com o objetivo de assegurar, comparado
com outros modelos de direito penal historicamente concebíveis e que já existiram, o máximo grau
de racionalidade e de confiabilidade do julgamento e, portanto, de limitação do poder punitivo e
de tutela da pessoa contra o arbítrio.1

Nem sempre foi assim. Punição e poder são intrinsecamente ligados, sendo que o exercício do
poder assume diversas formas, algumas legítimas, outras não. O “processo” penal inquisitivo é um
exemplo de mecanismo punitivo aplicado por um sujeito sem imparcialidade, em que não havia
partes em sentido verdadeiro do termo e muito menos era possível o exercício do contraditório
para atuação do direito penal objetivo.2 Todavia, se no passado isso ocorreu, atualmente esse
modelo não é mais aceitável, em decorrência de longa evolução histórica, com a valorização dos
direitos e garantias do homem e, particularmente, do acusado.

No Estado de Direito não se pretende punir de qualquer modo ou a qualquer custo.3 Portanto,
no processo penal não se aplica a lógica de que os fins justificam os meios. Ao contrário, a correta
observância do meio, isto é, do processo enquanto instrumento para atuação do direito de punir
estatal, é condição para a legitimidade do resultado. Para tanto, o processo deve respeitar os
parâmetros constitucionalmente previstos e se desenvolver com a perfeita observância das regras
legais.

O respeito ao devido processo legal é condição necessária,4 embora não suficiente, para uma
decisão justa. Os processos que respeitem as regras legais poderão ter como resultado uma decisão
justa.5 De outro lado, um processo que viole garantias constitucionais, ou as leis de regência, não
terminará com uma decisão justa, independentemente das demais variáveis em questão.
Obviamente, uma punição injusta será ilegítima.

É essencial, portanto, definir quais as condições necessárias para uma decisão justa. Segundo
Taruffo, a justiça de uma decisão está condicionada ao correto juízo de fato, à correta escolha e
interpretação das regras jurídicas, bem como ao emprego de um procedimento válido.6 Trata-se,
assim, de um conjunto de três condições necessárias, embora nenhuma delas, isoladamente,
suficiente.7

O tema central da obra é a proposta de um modelo de epistemologia judiciária que permita a


adoção de mecanismos racionais para a produção e valoração da prova no processo penal. Mas
isso não pode se dar desprezando-se as garantias do devido processo legal. Um processo que
obtenha o máximo de rendimento epistêmico, mas às custas de violações de garantias processuais,
não levará a um resultado legítimo, ainda que baseado numa correta reconstrução dos fatos. A
investigação e a instrução criminal devem se desenvolver nos limites constitucionais e segundo os
critérios legais, sendo cada vez mais necessária a advertência de Ada Pellegrini Grinover: “a
investigação criminal e a luta contra a criminalidade devem ser conduzidas de acordo com um rito
probatório legalmente predeterminado”.8

É necessário, portanto, conciliar, como fins institucionais do processo, a busca pela verdade, no
que diz respeito ao juízo de fato ou à atividade epistêmica, com o respeito às garantias processuais,
no que toca ao correto funcionamento do procedimento.9

Retoma-se, assim, o ponto de partida: o processo penal, enquanto instrumento legal para a
verificação de uma imputação, na qual se atribui a alguém a prática de um fato definido como
crime e, em caso de conclusão positiva, de imposição de uma sanção, é um fator de legitimação do
sistema punitivo e, de forma mais ampla, do próprio exercício do poder.

O mecanismo processual é colocado em funcionamento para a verificação da imputação penal,


isto é, da atribuição de um fato concreto que se subsuma a um tipo penal e configure crime, a
quem o tenha praticado ou para o qual ele tenha concorrido. Se o juiz decidir que foram
comprovados os fatos imputados, a consequência será a aplicação de uma regra de direito penal
impositiva de sanção, punindo-se o autor do fato criminoso. De outro lado, em caso de
acertamento negativo da imputação, ou mesmo de dúvida sobre qualquer fato relevante, o
resultado será a absolvição.

Ao final, o juiz precisará decidir. O mundo do direito é o mundo das decisões.10 Bellavista dizia
que o processo nasce porque a dúvida é o seu prólogo, e uma certeza judicial deve ser o seu
epílogo.11 Realmente, a dúvida é a sua origem. Mas a certeza, num sentido racional, jamais será
atingida. O processo é o típico ambiente do conhecimento incerto, pois tudo o que a reconstrução
história do fato pode permitir é um resultado em termos de probabilidade e não de certeza.12 Mas,
sendo vedado o non liquet, o processo deverá terminar com uma decisão condenatória ou
absolutória. É preciso decidir, e mais que isso, decidir com justiça. O resultado do processo penal
somente será justo e legítimo se respeitadas três condições necessárias já enunciadas: um correto
juízo sobre os fatos, com vistas à reconstrução histórica dos fatos imputados;13 um correto juízo de
direito, com uma acertada interpretação da lei e aplicação da norma aos fatos; e, por fim, o
funcionamento do instrumento processual, respeitando direitos e garantias das partes, com estrita
observância do rito legal. Em suma, em extrema simplificação, uma decisão justa necessita de uma
correta atividade epistêmica, para resolver a quaestio facti, uma adequada atividade
hermenêutica, para resolver a quaestio iuris, e fazer a subsunção dos fatos à norma aplicável,
sendo tudo isso realizado em um instrumento que respeite o devido processo legal.

Para a relevantíssima realização do juízo de fato, o processo compartilha os problemas


epistemológicos da reconstrução histórica dos fatos, comum a vários campos do saber, como a
história, a medicina diagnóstica, as ciências naturais, entre outras. Mas, diferente da
epistemologia, no processo se conhece não somente por conhecer, mas para decidir uma questão
concreta. O conhecimento é meio e não fim. A busca da verdade se destina a permitir uma decisão
correta e, portanto, tendencialmente justa. Para tanto, a verdade é uma das condições necessárias,
assim como a correta aplicação da lei também o é. E tudo isso precisa se desenvolver por meio de
um processo disciplinado por um conjunto de normas legais que deem concretude a garantias
asseguradas em convenções internacionais e nas Constituições do Estados. Logo, o processo como
mecanismo cognitivo está sujeito a limites legais e constitucionais que afetam a admissão e a
produção da prova, o que faz com que o conhecimento sobre a verdade seja limitado. Ou, como se
costuma afirmar, atingirá uma “verdade juridicamente condicionada”.14

Antes de analisarmos as garantias processuais cujo respeito é fundamental, é preciso definir


qual é o objeto da prova no processo penal, quanto ao juízo de fato.

1.3.As garantias processuais e sua relação com a epistemologia judiciária

Como já exposto, o processo penal tem por finalidade legitimar o exercício do poder de punir
estatal, mediante a verificação probatória e posterior decisão sobre a imputação penal.

Não se pode aceitar, porém, qualquer instrumento como apto a legitimar o resultado final.
Mesmo que haja uma correta reconstrução histórica dos fatos, bem como seja realizada uma
adequada atividade hermenêutica, o desrespeito às garantias constitucionais do processo fará com
que o resultado seja injusto. Não é por outra razão que a Constituição, acertadamente, assegura
que ninguém será privado de sua liberdade sem o devido processo legal.

Mas, exigir o devido processo legal não pode significar dar uma folha assinada em branco para
o legislador infraconstitucional. Ainda mais num sistema como o brasileiro, no qual além da
cláusula geral do devido processo, também é estabelecido um riquíssimo conjunto integrado de
garantias processuais específicas. Não se pode imaginar como due process ou processo équo, para
usar a linguagem das Cortes Internacionais, um processo que tenha lugar perante tribunais de
exceção ou mesmo um juiz que não seja o natural, segundo os critérios de competência definidos
na Constituição e nas leis. O réu desse processo não será um sujeito de direito presumido inocente,
a quem seja assegurada a ampla defesa, em paridade de armas com a acusação. O processo não
será devido, aliás, nem processo será, mas sim mero procedimento, se não se desenvolver em
contraditório. Um rito com atos secretos e com decisões não motivadas será um processo
arbitrário. Além disso, o processo deverá se desenvolver em prazo razoável.15

Nesse conjunto integrado de garantias, há inegáveis áreas de sobreposição, o que não é


criticável ou sinônimo de má técnica. É preferível um conjunto de garantias processuais em que
haja redundâncias ao invés de faltas. Entre as diversas garantias há zonas de interpenetração
recíproca, bem como situações em que uma garantia assegura a efetividade de outra e ambas se
reforçam mutuamente. Por exemplo, sem independência judicial não haverá imparcialidade,
sendo a garantia do juiz natural destinada a assegurar o direito a um juiz imparcial.16 Ou, ainda:
contraditório garante a ampla defesa, ao possibilitar a informação, e por ela se manifesta, no
momento de reação.17 Portanto, as diversas garantias processuais asseguradas na Constituição e
em Tratados e Convenções de Direitos Humanos, embora tenham operacionalidade isoladamente,
ganham força quando atuam de forma coordenada e integrada, constituindo um sistema ou um
modelo de garantias processuais. Há, assim, um “sistema circular”18 que, em conjunto, assegura,
em níveis cada vez mais elevados, a proteção do indivíduo por meio do processo penal.19

Não é objetivo do livro passar em revista o conjunto de garantias constitucionais e


convencionais aplicáveis ao processo penal. Muito menos se pretende realizar uma análise crítica
e pormenorizada de cada uma delas. O que se almeja verificar é como as garantias processuais e,
em especial, seus corolários que mais concretamente regem o desenvolvimento do processo e da
instrução, portam-se perante um modelo de epistemologia judiciária que tenha na descoberta da
verdade – evidente que com os limites inerentes a todo conhecimento humano – um dos seus fins
institucionais. Sob essa ótica, as regras que estabeleçam garantias processuais serão analisadas a
partir de um tríplice critério epistemológico: positivas, neutras e negativas.20

As garantias processuais epistemologicamente positivas são aquelas que, além de seu escopo
processual propriamente dito, também são incentivadoras ou facilitadoras da descoberta da
verdade. Por exemplo, o contraditório, além de ser fundamental como elemento integrador do
processo, ao permitir o funcionamento de uma estrutura dialética no desenvolvimento do rito
processual, também tem uma relevante função heurística, sendo um potente mecanismo para a
descoberta da verdade.

Num segundo nível há garantias processuais que são epistemologicamente neutras, na medida
em que não favorecem nem obstaculizam a descoberta da verdade. Assim, por exemplo, a
publicidade processual em sua vertente geral ou ampla. A própria garantia do juiz natural, como
juiz competente predeterminado por lei, é neutra do ponto de vista epistemológico, pois se o juiz
for imparcial, mesmo que incompetente, não se estará prejudicando a descoberta da verdade.

Por fim, há garantias processuais que podem ser consideradas contraproducentes para o fim de
descoberta da verdade. São, assim, garantias processuais epistemologicamente negativas, ou
garantias antiepistêmicas, como seria o caso da ausência de motivação no tribunal do júri.

1.3.1.Imparcialidade do juiz

A imparcialidade é uma condição essencial do juiz e pressuposto da atividade jurisdicional. O


processo, enquanto um dos meios de heterocomposição dos conflitos e de aplicação da lei, somente
tem razão de ser quando o ato final de exercício de poder seja realizado por um terceiro, isto é, um
sujeito imparcial.

Embora a Constituição não assegure, expressamente, o direito a um juiz imparcial, é inegável


que a imparcialidade é conditio sine qua non de qualquer juiz, sendo uma garantia constitucional
implícita.21 Por outro lado, no âmbito dos tratados regionais e internacionais de direitos humanos,
há expressa previsão, entre as garantias processuais mínimas do acusado, do direito de ser julgado
por um juiz imparcial.22

Dos muitos aspectos sob os quais se pode analisar a questão da imparcialidade do juiz, no que
diz respeito ao juízo de fato, a questão mais relevante diz respeito aos chamados “poderes
instrutórios do juiz”. Isso porque, toda vez que o magistrado realiza uma atividade afeita a uma
das partes, corre o risco de perder a sua imparcialidade ou, o que já seria perigoso e suficiente
para que deixasse de ter condições de julgar, torna-se um julgador de cuja imparcialidade se possa
duvidar.

Num processo em que o juiz seja o protagonista da atividade probatória, estando a gestão da
prova em suas mãos, tal indagação não teria sentido. Em processos de cariz predominantemente
inquisitorial, ao determinar a produção de provas, não age em substituindo a atividade das partes.
Ao contrário, estará sendo juiz, como se espera que ele seja: investigando tenaz e completamente a
verdade dos fatos. Eis o seu papel.

Por outro lado, num processo em que a atividade de produção das provas decorra do exercício
do direito à prova das partes, se o juiz determina, de ofício, a produção de um meio de prova que
não foi requerido por nenhuma das partes, poder-se-á objetar que estará realizado uma atividade
de parte, colocando em risco a sua imparcialidade. No processo penal, o contra-argumento
normalmente utilizado no campo cível, de que o juiz, ao determinar a produção de um meio de
prova, não sabe, por antecipação, a quem o resultado do experimento probatório aproveitará, não
pode ser facilmente acolhido. Isso porque, embora não se saiba qual será o resultado, é
perfeitamente possível prognosticar aquilo que o juiz espera obter com tal meio: uma prova para
afastar a dúvida e permitir a condenação do acusado. Isso porque, como no processo penal não há
distribuição do ônus da prova, que é todo atribuído à acusação, se dúvida há, ela deve ser
resolvida em favor do acusado. Assim, quando o juiz determina a produção de um meio de prova
ex officio, é porque almeja afastar a dúvida, o que levará a um resultado condenatório. Esse risco,
portanto, precisa ser controlado.

Se, por um lado, é claro que um ordenamento que não confira poderes instrutórios ao juiz
estará fortalecendo a sua imparcialidade, por outro lado, não há segurança na conclusão oposta,
de que um juiz com poderes instrutórios terá, inevitavelmente, comprometida a sua
imparcialidade.

1.3.1.1.Os poderes instrutórios do julgador

Do ponto de vista da epistemologia judiciária e da correlata busca da verdade, a questão central


em termos de imparcialidade do julgador diz respeito à possibilidade ou não de o juiz produzir
prova por iniciativa própria.23

Um sistema em que o juiz dependa exclusivamente das provas produzidas pelas partes, não
tendo qualquer poder instrutório, ainda que supletivo, pode ser considerado inadequado do ponto
de vista puramente epistemológico. A possibilidade de incremento do material probatório
disponível para a valoração e decisão é algo sempre positivo, desde que se trate de provas
logicamente relevantes. Por outro lado, sempre que uma atividade tenha na busca da verdade um
de seus escopos, mediato ou imediato – como é o caso, além do juiz, do cientista ou do historiador
–, se quem realiza tal função estiver psicologicamente comprometido com o resultado da
empreitada heurística, sua conclusão tenderá a ser distorcida, seja pela supervalorização de
aspectos que, a priori, sejam considerados positivos, seja pela ocultação, relativização ou busca de
justificativa infundada para eventos negativos. A imparcialidade, além de uma garantia
fundamental do devido processo legal, também é uma condição necessária da atividade
epistêmica.

Duas soluções extremadas são possíveis: (i) a impossibilidade total de que o juiz tenha qualquer
poder instrutório;24 (ii) uma ampla e ilimitada iniciativa probatória do julgador,
independentemente de qualquer atividade das partes. Ambas as possibilidades, justamente por
seus radicalismos, parecem pouco propícias à construção de um modelo processual que seja
adequado para uma boa prestação jurisdicional, seja pensando nas garantias fundamentais do
acusado, seja com vista a uma maior eficácia da persecução penal.

Entre um juiz absolutamente passivo e inerte, no que diz respeito à produção da prova, e um
magistrado que seja o protagonista da instrução, com poderes absolutos e ilimitados, é preciso
encontrar uma solução intermediária, que permita o enriquecimento do material probatório por
iniciativa do juiz, sem que este comprometa a sua imparcialidade. O ponto fulcral do problema
está na compatibilidade ou não dos poderes instrutórios do juiz com um processo penal
acusatório.

Os sistemas concretos, sempre conferem ao juiz, em maior ou menor grau, a depender das
circunstâncias, o poder de determinar a produção de provas independentemente de
requerimentos das partes. Será raro, para não se dizer inexistente, um ordenamento jurídico em
que atividade probatória no processo penal esteja exclusivamente nas mãos das partes.25 Há
sistemas que, de modo amplo, reconhecem um poder geral de produção de toda e qualquer prova
que se mostre necessária à “descoberta da verdade”.26 Em outros, há previsões específicas em
relação apenas a determinados meios de prova.27 A questão, portanto, é estabelecer os limites ao
exercício de tais poderes de iniciativa probatória, e não propriamente a sua existência. Além disso,
é fundamental definir a relação entre os poderes instrutórios do juiz, de um lado, e o direito à
prova das partes, de outro, com vistas a estabelecer qual deverá predominar na atividade
instrutória.28

Porém, antes de resolver tais questões, é necessário um esclarecimento terminológico. A


categoria “poderes instrutórios do juiz” é bastante heterogênea, podendo incluir um amplo leque
de poderes, que vão desde a busca de fontes de provas (atividade investigativa) até a introdução
em juízo de provas de cuja existência já tenha conhecimento (atividade instrutória propriamente
dita).

Partindo da distinção entre fontes de prova e meios de prova, percebe-se, facilmente, que o
perigo para a imparcialidade está no juiz que é um pesquisador, um “buscador” de fontes de
prova. Quem investiga compromete a sua imparcialidade para o posterior julgamento.

Por outro lado, diferente de investigar é instruir. O juiz que, diante da notícia de uma fonte de
prova (p. ex.: a informação de que uma certa pessoa presenciou os fatos), se limita a determinar a
produção do meio de prova necessário (p. ex.: o depoimento da testemunha) para incorporar ao
processo as informações contidas na fonte de prova, não está agindo comprometido com uma
hipótese prévia por ele formulada. No caso, as hipóteses fáticas a serem objeto da prova já terão
sido colocadas, na acusação, pelo Ministério Público ou pela vítima. Já tendo sido formulada a
hipótese a ser investigada, e não realizando atos de investigação, o juiz que se limitar a
determinar, de ofício, a produção de meios de prova, decorrentes de uma fonte de prova já
conhecida no processo, não estará colocando em risco a sua posição de imparcialidade.29

Justamente por isso, uma importante limitação, de caráter geral, à iniciativa probatória do juiz,
diz respeito à impossibilidade de praticar qualquer ato de investigação, na fase de inquérito
policial ou qualquer outra forma de investigação preliminar, pois nessa etapa prodrômica, ainda
não há imputação, com a delimitação dos fatos a serem objeto do processo. Somente com o
oferecimento da denúncia ou queixa pelo acusador é que a imputação terá sido formulada e o
objeto do processo delimitado. Como na fase de investigação preliminar ainda não há a definição
formal da hipótese a ser investigada, formulada por um sujeito diverso do julgador, se o juiz atuar
na investigação fatalmente estará antecipando mentalmente uma hipótese a ser investigada e, com
isso, se comprometendo psicologicamente. Isso porque, o ato investigativo terá sido determinado
para a produção de um meio de prova tendente à confirmação da hipótese eleita.

Como explica Cordero, em passagem sempre lembrada por aqueles que negam qualquer poder
instrutório ao juiz, “a solidão na qual os inquisidores trabalham, jamais expostos ao contraditório,
fora dos grilhões da dialética, pode ser que ajude no trabalho policial, mas desenvolve quadros
mentais paranoicos. Chamemo-los ‘primado das hipóteses sobre os fatos’: quem investiga segue
uma [hipótese], às vezes com os olhos fechados; nada a garante mais fundada em relação às
alternativas possíveis, nem esse mister estimula cuidadosa autocrítica; como todas as cartas do
jogo estão na sua mão e é ele que as coloca sobre a mesa, aponta na direção da ‘sua’ hipótese”.30

Esse indevido e comprometedor primado das hipóteses sobre os fatos não é comprometedor da
investigação, mas sim do julgamento.

Quem investiga antecipa mentalmente a hipótese a investigar. E a colheita das fontes de prova
poderão gerar resultados que confirmem ou refutem a hipótese eleita. Logo, haverá perda da
imparcialidade num sistema em que o investigador também será o julgador. Diversa, contudo, é a
situação de sistemas em que um sujeito investiga; um segundo formula a hipótese acusatória; e,
por fim, um terceiro, no caso o juiz, simplesmente determina a produção de um meio de prova,
como instrumento para incorporação de eventuais elementos probatórios de uma fonte de cuja
existência já se tenha notícia.

Quando já há acusação formulada pela parte e o juiz se limitar a determinar a produção de um


meio de prova correspondente a uma fonte de prova já existente ou noticiada nos autos, que não
foi obtida por sua própria investigação, ele não se transfora em um inquisidor. Não se
comprometerá com a hipótese a ser verificada pela produção do meio de prova. Além disso, o
resultado dessa determinação de produção de um meio de prova, ou de modo mais técnico, o
resultado do experimento probatório poderá ser em sentido positivo ou negativo, quanto à
ocorrência do fato. Isto é, o resultado probatório do meio cuja produção o juiz determinou poderá
confirmar ou refutar a afirmação fática que constitui o thema probandum.

Portanto, o juiz pode ter poderes instrutórios que lhe permitam determinar a produção de
meios de prova, mas não poderes investigatórios de realizar atos de investigação em busca de
fontes de prova. Além disso, para exercê-lo, é necessário que já haja a delimitação do objeto do
processo, com a formulação da imputação pelo acusador.31 Nesse caso, os poderes instrutórios do
juiz poderão ser utilizados somente para determinar a produção de meios de provas
correspondentes a fontes de provas já existentes nos autos.32

Porém, uma vez reconhecido o direito à prova das partes, a atividade de instrução deve estar
prioritariamente nas mãos do acusador e do acusado. Cabe às partes requerer as provas que
considerem relevantes para demonstrar a veracidade dos fatos por elas alegados. Somente
quando, ao fim da instrução, houver a notícia de uma fonte cuja produção do meio de prova
respectivo não foi requerida pelas partes, e o resultado probatório possa tendencialmente gerar
elementos de prova logicamente aptos a esclarecer uma alegação de fato penalmente relevante,
será possível ao juiz, supletivamente, fazer uso dos seus poderes instrutórios.

Diante da perigosa força expansiva da “tentação inquisitória”, o reconhecimento de poderes


instrutórios exige que já tenha sido delimitada a acusação, bem como concluída a produção de
todas as provas requeridas pelas partes. Essa demarcação do caráter subsidiário dos poderes
instrutórios do juiz é condição para que se respeite a posição prioritária reconhecida ao direito à
prova das partes.

Em suma, é possível que a atividade probatória esteja concentrada nas partes, verdadeiros
titulares do direito à prova, mas que o juiz tenha poderes instrutórios subsidiários, sem
comprometer sua imparcialidade, nas seguintes condições: a primeira, o juiz pode determinar a
produção de meios de prova no curso do processo, mas não tem poderes investigatórios para
buscar fontes de prova antes de ser formulada a acusação; a segunda, o juiz, no curso do processo,
que já está com seu objeto delimitado, deve se limitar a determinar a produção do meio de prova
correspondente a uma fonte de prova relevante já existente no processo.

1.3.1.2.A limitação dos poderes instrutórios do juiz aos fatos imputados

Atividade instrutória supletiva do juiz no exercício de seus poderes instrutórios, como já foi
esclarecido, pressupõe que já tenha sido oferecida a denúncia ou queixa. Isto é, que ocorra no
curso do processo.

Essa limitação, contudo, não se justifica somente do ponto de vista temporal – depois do
exercício da ação penal – ou mesmo procedimentalmente pela fase em que se encontra a
persecução penal – após a conclusão da instrução, com a produção das provas requeridas pelas
partes. A questão substancial é que o poder instrutório do juiz somente poderá ser exercido, uma
vez delimitado o objeto da prova, a partir da atividade argumentativa das partes.

Aceitam-se os poderes instrutórios do juiz somente no perímetro traçado pelos fatos imputados
pelo Ministério Público e alegados pela defesa, que estabelecem o thema probandum. Ou seja,
nada poderá fazer o julgador, sendo-lhe vedado, por iniciativa própria, determinar a produção de
meios de prova com a finalidade de comprovar fatos não alegados pelas partes. Uma obstinada
busca pela verdade, em que o juiz possa produzir prova sobre fatos não alegados pelas partes,
comprometerá a sua imparcialidade.

Não é de se estranhar que, nos modelos de forte cariz inquisitório, esse limite fosse
solenemente ignorado, sob a justificativa maior da “busca da verdade real”. Cite-se, como exemplo,
a doutrina de Manzini, para quem “a prova penal é a atividade processual imediatamente voltada
para o escopo de obter a certeza judicial, segundo o critério da verdade real, sobre a imputação ou
outra afirmação ou negação que interesse a um provimento do juiz”.33 A partir de tal premissa
mor, afirmava que o juiz penal, uma vez proposta a ação penal, não podia permanecer sujeito à
iniciativa ou habilidade de outrem, “não podendo ser constrito a se convencer somente iuxta
allegata et probata dos outros sujeitos processuais”.34 Nada mais propício a um sistema
inquisitório, de concentração de poderes nas mãos do julgador, que é o senhor e dono do processo,
devendo buscar toda a verdade para a defesa da sociedade e condenação dos culpados. Nesse
sistema a atividade não só probatória, mas também de alegação fática das partes, não pode
subordinar ou mesmo limitar o julgador. O juiz é o principal e as partes são o acessório.

Por outro lado, num sistema acusatório, com a alteração da matriz para uma predominância da
atividade argumentativa e probatória das partes, em detrimento da onipotência instrutória do juiz
do sistema inquisitório, o panorama se inverte.35 Mais do que a atividade probatória, a própria
delimitação dos fatos objeto do processo compete à parte, e não ao juiz. O juiz não poderá exercer
os seus poderes probatórios em relação a fatos não alegados pela parte, quer estes digam respeito
a elementos do crime, quer se trate de qualificadores, causas de aumento ou diminuição de pena
ou mesmo circunstâncias agravantes ou atenuantes.

Não se está, ingenuamente, acreditando que na soma das alegações das partes o juiz terá o todo
o quadro fático necessário para uma visão completa dos acontecimentos passados. Mesmo sendo a
dialética um poderoso meio para a descoberta da verdade, nem sempre esse é o objetivo das partes
do processo. As partes normalmente selecionam fatos que lhe favoreçam e omitem fatos que lhes
possam ser prejudiciais. Assim, no ambiente processual, a tendência de ampliação cognitiva
propiciada pela divisão de conhecimento entre as partes, em posições antagônicas, nem sempre
assegurará que o saber produzido seja próximo do ideal.

Uma importante diferenciação, feita em sede de metodologia das ciências sociais, por Norbert
Elias, entre engajamento e distanciamento, tendo como critério a relação do sujeito que conhece
com a realidade a ser conhecida, pode ser utilizada em relação às partes no processo.36 Há
engajamento quando o sujeito tem interesse pessoal e dependente do resultado da sua atividade,
que pode lhe trazer prejuízo ou vantagem; há distanciamento quando o sujeito desenvolve uma
atividade cognitiva sem ter um interesse pessoal ligado ao resultado de tal atividade, mas apenas o
interesse de conhecer a realidade, sendo-lhe indiferente o resultado.37 E, com base em tais
critérios, afirma que toda parte tipicamente ‘engajada’ formula sobre os fatos hipóteses
duplamente parciais: porque essas não compreendem todos os fatos relevantes, mas apenas os
fatos idôneos a fundar o pedido da parte (parcialidade = incompletude), e porque esses
compreendem somente os fatos diretamente o indiretamente favoráveis à parte que os afirma
(parcialidade = partidarismo).38

As partes no processo estão em situação de engajamento, com interesse em ganhar a causa. Não
formulam suas versões dos fatos, sendo-lhes indiferente o resultado de procedência ou
improcedência, ou, no caso do processo penal, mais especificamente, a condenação ou a
absolvição. Não é interesse das partes demonstrar os fatos em sua integralidade, exatamente como
ocorreram. Seria ingênuo supor que cada parte, do seu lado, afirma ao juiz e depois deseja provar
toda a verdade, somente a verdade, e nada mais do que a verdade! Normalmente não lhe é
indiferente o resultado. Ao contrário. O Ministério Público acusa porque acredita que o acusado é
culpado e almeja a sentença condenatória. O réu, ressalvados os casos de confissão – e mesmo
assim muitas vezes, estas ocorrem com alguma reserva mental – quer ser absolvido ou em caso de
condenação, que lhe seja imposta a menor sanção possível.

Portanto, embora seja correto considerar que a existência de narrativas antagônicas é melhor
que a versão única dos fatos, isso não significa que a soma dessas duas partes seja igual ao todo. De
qualquer modo, eventual incremento em termos de busca da verdade, caso se admitisse que o juiz
pudesse produzir provas de fatos não afirmados pelas partes, já que ele seria um sujeito
“destacado” e sem interesse outro que a descoberta da verdade, não compensaria o enorme o risco
de perda da imparcialidade. Logo, o ponto de equilíbrio está em admitir que o juiz possa
determinar prova tendo por objeto fatos narrados pelas partes, na imputação ou na defesa, e que
já constituam o thema probandum. Por outro lado, ao juiz não é permitido criar hipóteses fáticas
novas, não alegadas pelas partes, e para confirmá-las, determinar a produção de prova de ofício.

Se as partes têm nos fatos imputados ou naqueles constantes da resposta à acusação uma baliza
para requerer a produção das provas de suas alegações, é evidente que o julgador, igualmente, não
poderá ultrapassar tais limites. Iniciativas probatórias do juiz somente podem ser aceitas em
caráter excepcional. Além disso, devem ser contidas nos limites traçados pela acusação e pela
defesa em suas alegações.39

Em suma, admite-se os poderes instrutórios do juiz que lhe permitem determinar a produção
de um meio de prova correspondente a uma fonte de prova que já se tem notícia no processo,
desde que respeitado o pressuposto inafastável do seu exercício: ao juiz somente é possível
determinar a produção de provas sobre alegações dos fatos objeto do processo, definidos pelo
acusador, ao realizar a imputação na denúncia ou queixa.40 Também poderá fazê-lo, com vista a
fatos narrados pela defesa e que ampliem o objeto de cognição do julgador, como alegações de
excludentes de ilicitude ou culpabilidade.

1.3.1.3.A produção de provas pelo juiz e o respeito ao contraditório de partes

O respeito ao perímetro traçado pelos fatos alegados pelas partes é um limite aos poderes
instrutórios do juiz, que atua previamente à determinação judicial de produção de um meio de
prova de ofício. Há, também, um importante fator de controle dos poderes instrutórios do juiz,
embora atuante ex post: o contraditório. Sempre que for determinada a produção de provas de
ofício pelo juiz, deve ser respeitado o contraditório, como “um poderoso fator de contenção do
arbítrio do juiz”.41

Se for determinada a juntada de documento, em respeito ao contraditório, é imperiosa a


necessidade de abertura de prazo para manifestação de ambas as partes,42 seja do ponto de vista
argumentativo, seja requerendo a produção de nova prova de confronto. Ao mais, por exemplo,
diante de um documento novo, poderiam as partes, por exemplo, suscitar o incidente de falsidade
documental.

Por outro lado, não basta assegurar que, contemporaneamente, a parte possa participar da
produção da prova e, posteriormente, possa argumentar sobre a prova produzida. É necessário
mais. Determinada e produzida a prova de ofício pelo juiz, o respeito ao contraditório exige que o
juiz conceda às partes prazo para eventualmente requerer a produção de prova contrária e, nesse
caso, sem a necessidade de valorar a pertinência e relevância, para demonstrar que os fatos
constantes do meio de prova cuja produção foi determinada por inciativa do juiz não seriam
verdadeiros.43

1.3.2.O contraditório

Mais do que uma garantia constitucional, o contraditório tem sido considerado como integrante
do próprio conceito de processo. Aliás, é exatamente a presença do contraditório que permite
distinguir o processo do procedimento.44 Na concepção de Fazzalari, processo é procedimento em
contraditório.45 O Autor considera essencial ao processo a participação dos interessados no
provimento final, embora essa participação seja um elemento necessário, mas não suficiente do
conceito de processo.46 Para que haja processo, essa participação deverá se dar por meio do
contraditório. No processo, os poderes, deveres e as faculdades pelas quais se exerce a participação
são distribuídos pela lei entre autor e réu, de maneira a atuar uma efetiva correspondência e
equivalência entre as várias posições processuais. A essa estrutura corresponde o
desenvolvimento dialético do processo: a simetria de posições subjetivas, sendo que a sua
substancial paridade traduz-se, para todos os participantes, na possibilidade de interlocução não
episódica e, sobretudo, de exercer um conjunto de controles, de reação e de escolha, bem como na
necessidade de submeter-se a controles as reações de outrem.47

Para os fins da presente obra, menos importante do que definir o conceito de processo é
destacar como o contraditório e a dialética das partes são fundamentais para o processo e,
portanto, ao exercício da jurisdição penal. No que diz respeito ao juízo de fato, ponto de interesse
da epistemologia judiciária, o respeito à garantia do contraditório impõe que o procedimento
probatório estabelecido pelo legislador se desenvolva em contraditório de partes, perante o juiz.48

Esse caráter dialético decorre do próprio conteúdo da garantia do contraditório. Na doutrina


nacional, é clássica a definição de contraditório formulada por Joaquim Canuto Mendes de
Almeida como “a ciência bilateral dos atos e termos processuais e a possibilidade de contrariá-
los”.49 Em tal definição destacam-se dois aspectos fundamentais do princípio do contraditório: a
informação e a reação. Tais elementos são também a base para outra definição bastante usual na
doutrina nacional, que acolhe a conceituação de Sergio La China, de contraditório como
informação necessária e possibilidade de reação.50 De se ressaltar que, no campo penal, mais do
que simplesmente possibilitada, a reação tem que ser efetiva.51 É necessário estimular e buscar a
realização da reação para que a estrutura dialética do processo se aperfeiçoe por meio de tese e
antítese com conteúdos e intensidades equivalentes, atingindo uma síntese que, apoiada em
premissas simétricas, seja a mais justa.52

Além disso, a garantia do contraditório tem uma função política de legitimar o resultado do
exercício do poder, por permitir que os destinatários de tal ato participem ativamente da sua
construção.53 No caso do processo, é assegurado às partes o direito de argumentar e contra
argumentar, produzir provas e contraprovas e influenciar o convencimento do juiz que irá
proferir a sentença.

Todavia, com vistas à proposta de um modelo de epistemologia judiciária, apto a permitir que o
processo funcione como um instrumento cognitivo que privilegie como fim institucional a busca
da verdade – embora não seja esse um valor absoluto –, o aspecto mais importante do
contraditório é a sua inegável função heurística.54

O contraditório é indispensável no processo, como dizia Calamandrei, “não para exacerbar as


discussões das partes ou para dar vazão à eloquência dos advogados, mas no interesse da justiça e
do juiz, que precisamente na oposição dialética das defesas opostas encontra sem dificuldade o
melhor meio para ver diante de si, iluminado sob os mais diversos perfis, toda a verdade”.55

Na dialética processual, o contraditório possibilita o funcionamento de um modelo de ação e


reação das partes, cada qual tendo a possibilidade de, diante da posição de seu contendor, indagar
e de verificar os contrários.56 Do ponto de vista heurístico, o contraditório representa garantia
epistemológica para a busca da verdade.57 O objeto do juízo de fato serão afirmações conflitantes,
que surgirão num procedimento em que cada parte dará a sua contribuição, seja argumentando e
contrariando os argumentos do contendor, seja produzido as provas que confirmem suas
asserções bem como refutem as afirmações fáticas da parte contrária. As opiniões e provas
contrapostas dos litigantes ampliam os limites do conhecimento do juiz sobre os fatos relevantes
para a decisão e diminuem a possibilidade da ocorrência de erros.58

Mesmo no âmbito científico, alertava Popper que “exatamente porque nosso objetivo é o de
formular teorias tão perfeitas quanto possível, devemos submetê-las a testes tão severos quanto
possível, ou seja, devemos tentar identificar erros que nelas se contenham, devemos tentar falseá-
las. [...]. Com efeito, se não formos críticos, sempre encontraremos aquilo que desejamos:
buscaremos e encontraremos confirmações, e não procuraremos nem veremos o que possa
mostrar-se ameaçador para as teorias que nos agradam”.59

Essa busca pela crítica e a necessidade de verificação de uma hipótese científica, para sua
posterior confirmação e justificação por dados empíricos, que no mundo cientifico é artificial, no
processo decorre da sua própria estrutura dialética, em que há partes contrapostas na qual uma
formula a tese e a outra a antítese, permitindo que o juiz chegue a uma síntese de melhor
qualidade.

Aliás, toda hipótese é um enunciado sujeito à verificação.60 Ao se verificar uma hipótese,


coloca-se à prova o seu valor explicativo. Logo, para que a hipótese acusatória possa ser
considerada válida, no sentido de serem verdadeiros os fatos nela enunciados, ela precisa
primeiro ser confirmada por provas que lhe deem suporte e, também, resistir às hipóteses
contrárias apresentadas pela defesa.

Em se submetendo a versão dos fatos de cada um dos atores processuais ao controle, bem como
havendo a produção de provas por cada um deles, interessados em provar a sua versão e também
demostrar a falsidade ou, ao menos, enfraquecer o suporte probatório dos fatos diversos alegados
pela outra parte, o juiz terá um material probatório amplo para verificar qual hipótese fática será
considerara verdadeira. Nesse confronto de perspectivas diversas, a verdade será considerada
como o resultado do paralelograma de forças que interagem no desenvolvimento do processo.61

Em suma, o contraditório é uma garantia processual fundamental, integrando o próprio


conceito de processo, e ao permitir o funcionamento de uma estrutura dialética no
desenvolvimento da atividade das partes, também tem uma relevantíssima função heurística. É
necessário jurídica e epistemologicamente.

1.3.2.1.O direito à prova das partes

Entre as atividades necessárias à tutela dos direitos postulados pelas partes, sobressai a
probatória, pois a prova é indiscutivelmente o momento central do processo, no qual são
reconstituídos os fatos que dão suporte às pretensões deduzidas pelo autor e à resposta
apresentada pelo réu.

Essa atividade relevantíssima deve ser exercida prioritariamente por quem? Pelo juiz ou pelas
partes?

Não é exagero afirmar que o reconhecimento do direito à prova das partes é “um dos mais
significativos elementos da transformação de um regime processual autoritário para um regime
processual democrático”.62

Para confirmar a assertiva, basta notar a mudança ocorrida no âmbito do processo penal
italiano, com a passagem de um modelo marcantemente inquisitório, com a atividade probatória
centrada no juiz, para um modelo fortemente acusatório, em que se reconheceu o direito à prova e
a atividade probatória passou a ter as partes como protagonistas. No ab-rogado Codice di
Procedura Penale de 1930, incumbia ao juiz instrutor a realização de todos os atos necessários ao
“accertamento della verità”.63 Já no vigente Codice di Procedura Penale de 1988, o artigo 190
assegura o direito à prova as partes prevendo que "as provas são admitidas somente por
requerimento das partes.64 E artigo 187 prevê que são objeto de prova: “os fatos que se referem à
imputação, à punibilidade e à determinação da pena e da medida de segurança”; “os fatos dos
quais depende a aplicação de normas processuais”; “os fatos inerentes à responsabilidade civil
decorrente do delito”.65

Assim, o direito à prova constitui um aspecto fundamental do contraditório, pois sua


inobservância representa a negação da própria ação e da defesa para a jurisdição, não podendo
haver outra fonte de conhecimento para a decisão.66 Por outro lado, num processo de partes, os
meios de prova produzidos em contraditório devem constituir a única fonte de cognição.67

A estreita ligação do contraditório com o direito à prova demonstra que a atividade instrutória
deve ser realizada, fundamentalmente, pelas partes.68 O juiz será o destinatário e não o produtor
da prova. Isto é, ao juiz cabe o papel de valorar os meios de prova requeridos pelas partes,
admitidos por ele e produzidos em contraditório.

Aliás, no direito estrangeiro dos países da chamada civil law, predomina o entendimento de que
direito à prova tem natureza constitucional, mesmo não havendo previsões expressas nas
Constituições de um direito à prova ou direito de produzir provas em juízo.69

No sistema processual anglo-americano, o right to evidence é conatural ao estilo competitivo do


processo, em que a iniciativa probatória das partes, sendo reconhecida como direito fundamental
de ser ouvido em juízo, engloba o direito a apresentar provas e interrogar as testemunhas trazidas
pelo adversário.

No Brasil, como não poderia deixar de ser, prevalece o mesmo entendimento. Os argumentos
em favor do reconhecimento do direito à prova, como aspecto insuprimível das garantias da
defesa e do contraditório, encontram confirmação e reforço no texto constitucional que, além de
consagrar tais garantias, também assegura que “ninguém será privado de sua liberdade [...] sem o
devido processo legal” (art. 5º, caput, LIV).

O direito à prova caracteriza um verdadeiro direito subjetivo à introdução do material


probatório no processo, bem como de participação em todas as fases do procedimento respectivo;
direito subjetivo que possui a mesma natureza constitucional e o mesmo fundamento dos direitos
de ação e de defesa: o direito de ser ouvido em juízo não significa apenas poder apresentar ao
órgão jurisdicional as próprias pretensões, mas também inclui a garantia do exercício de todos os
poderes para influir positivamente sobre o convencimento do juiz.70

Especificamente em relação ao processo penal, o direito à prova está expressamente previsto


no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e na Convenção Americana de Direitos
Humanos.71 Diante disso, o direito à prova de defesa, em processo penal, configura não somente
decorrência dos princípios do contraditório, ampla defesa e devido processo legal, mas, também,
regra de direito positivo, integrada ao nosso ordenamento, com a adesão do Brasil aos citados
tratados de direitos humanos. Tudo isso demonstra que não se pode negar às partes o direito à
prova, devendo a elas caber a gestão da prova no processo penal.

Reconhecido o direito à prova das partes, a elas caberá o papel de requerer a produção dos
meios correspondentes. E, ainda que se admita que os poderes instrutórios do juiz possam
conviver com o direito à prova das partes, o primeiro e mais elementar limite a tais poderes é que
sua utilização se dê em caráter supletivo da atividade das partes. Isso é resultado do câmbio de
uma visão do processo em que cabia ao juiz o protagonismo, sendo o ator principal da atividade
probatória, com um papel secundário e complementar dos sujeitos interessados, passando para
um modelo diverso, para não se dizer oposto, em que se confere às partes o direito à prova,
restando ao julgador poderes subsidiários de produção da prova, visando esclarecimentos
fundamentais que não foram trazidos ao processo pela atividade regular e principal dos sujeitos
parciais.

Em suma, sendo reconhecido um direito à prova para as partes, como condição para poder
demonstrar a veracidade dos fatos por elas alegados, a atividade instrutória deve se concentrar em
suas mãos, não nas do juiz. As partes são as titulares do direito à prova e os sujeitos principais da
sua produção. Caso se admita que o juiz, nesse sistema, tenha poderes instrutórios para, de ofício,
determinar a produção de prova não requeridas pelas partes, eles terão que ser subsidiários e
complementares.

1.3.3.A presunção de inocência

A garantia da presunção de inocência integra o conjunto de garantias do devido processo penal,


sendo um fundamento sistemático e estrutural do processo acusatório.72 É um componente basilar
de um modelo processual penal que respeite a dignidade e os direitos essenciais da pessoa
humana.73 A presunção de inocência, já dizia Carrara, “procedono da dogmi di assoluta ragione”, e
funciona como “assoluta condizione della legittimità del procedimento, e del giudizio”.74

Não seria exagero considerá-la pressuposto de todas as outras garantias do processo penal.
Trata-se de garantia que marca a posição do acusado como sujeito de direito no processo penal.
Não mais uma fonte detentora de toda a verdade a ser extraída, para não se dizer extorquida,
mediante tortura, para obter a confissão ex ore rei. O acusado, presumido inocente, é um sujeito
de direito, a quem se assegura a ampla defesa, com o direito de produzir provas aptas a
demonstrar sua versão defensiva. De outro lado, lhe é assegurado, de outro, o direito ao silêncio,
eliminando qualquer dever de colaborar com a descoberta da verdade. A prova da imputação cabe
à acusação e integralmente à acusação.

Além disso, no plano dos diplomas internacionais de direitos humanos, a presunção de


inocência integra o conjunto de garantias mínimas dos acusados,75 sendo reconhecida como
essencial ao processo penal équo.76
No campo probatório, aponta-se como corolário da presunção de inocência a regra de
julgamento do in dubio pro reo.77 Trata-se, assim, da regra a ser utilizada pelo juiz, sempre que
houver dúvida sobre fato relevante para a decisão do processo.78 O reflexo da presunção de
inocência na disciplina do acertamento penal se liga à própria finalidade do processo penal: um
processo necessário para a verificação judicial da imputação penal, isto é, da ocorrência de um
delito e a sua autoria. E, nesse sistema, a presunção de inocência garante que, para a prolação de
uma sentença condenatória, será necessário provar a culpa do acusado.79 Por outro lado, se
houver dúvida sobre qualquer dos elementos do crime, ou acerca da autoria delitiva, o acusado
será absolvido, sendo mantido seu estado inicial de inocência.80

Por que absolver na dúvida?

Do ponto de vista puramente lógico, não haveria justificativa para a adoção da presunção de
inocência, em seu aspecto de regra de julgamento, caracterizada pelo in dubio pro reo.

Considerando hipoteticamente o total de indivíduos de uma determinada sociedade, é intuitiva


a afirmação de que a maioria das pessoas é inocente. Certamente é menor o número de
delinquentes que a quantidade de pessoas honestas.81 Pimenta Bueno já dizia que “a presunção
natural é a de inocência”,82 utilizando a palavra “presunção” no sentido vulgar de conclusão
extraída de id quod plerumque accidit. Todavia, reduzindo o universo da amostra, e tomando por
base não mais a totalidade dos indivíduos de uma sociedade, em um certo momento histórico, mas
apenas o conjunto de acusados em processos penais, independentemente do local e do momento
histórico, essa prevalência seria mantida? Desde logo, não há como chegar a uma conclusão
fundada na realidade dos fatos. O que se pode tomar como parâmetro objetivo é o resultado dos
processos, admitindo-os como corretos. Isto é, em caso de sentença penal condenatória transitada
em julgado, os acusados serão tidos como culpados; no caso de absolvições não mais sujeitas a
recursos, serão considerados inocentes. Mesmo não dispondo de estatísticas, não parece
equivocada a premissa de que os acusados são, em sua maioria, condenados ao final do processo.83

Assim sendo, do ponto de vista puramente lógico, não há como negar razão a Manzini quando
considerava que a presunção de inocência é uma “absurdidade teórica”,84 algo “paradoxal e
irracional”, segundo a ordem natural das coisas, na medida em que, se para o início do processo, a
acusação já está parcialmente provada, pelos indícios em que se fundada a imputação, o que deve
ser presumida é a culpabilidade do acusado.85

Aliás, a presunção de inocência também já havia sido combatida pela Escola Positiva, que
contestou sua racionalidade e importância garantista, condicionando a sua validade a aspectos
contingentes da investigação.86 Não haveria sentido em presumir a inocência de um acusado que
já foi pronunciado; e seria um absurdo, no caso de prisão em flagrante ou de confissão, e,
principalmente, após uma condenação não definitiva.

O fundamento da presunção de inocência, contudo, não é lógico, mas axiológico.

Trata-se de uma escolha política orientada pela preservação da liberdade como valor
fundamental do ser humano.87 Não há nenhuma razão lógica para se preferir o in dubio pro reo ao
in dubio pro societate. Os critérios lógicos baseados na probabilidade, ou na normalidade da
ocorrência dos fatos a serem provados, que se aplicam ao processo civil, cedem a um critério
político no campo penal.88 Não havendo certeza, mas dúvida sobre os fatos, inegavelmente é
preferível a absolvição de um culpado à condenação de um inocente.89 Ou seja, o in dubio pro reo
revela o conteúdo garantista do ônus da prova no processo penal.90

Ainda assim, ao definir como o juiz deve decidir em caso de dúvida, a garantia da presunção de
inocência é epistemologicamente neutra. Se dúvida há é porque não foi possível obter um
conhecimento verdadeiro sobre os fatos. O problema gnoseológico já foi superado. Não se
conheceu a verdade. Resta o problema jurídico. É preciso decidir sempre, e para decidir, em caso
de dúvida, é necessário um guia legal da decisão. No caso: in dubio pro reo.
Por outro lado, para quem considera que a presunção de inocência implica, por si só, na
adoção, no processo penal, de um standard de prova mais elevado, ou até mesmo, o mais elevado
possível, seja ele identificado como o beyond a reasonable doubt, ou outra forma qualquer de
expressá-lo, nesse caso, há uma interferência por razões políticas, em um tema que condiciona o
atingimento da verdade.91

1.3.4.A motivação das decisões judiciais

A motivação das decisões judiciais apresenta uma dupla finalidade. Sob uma ótica
individualista, isto é, considerando a finalidade que a motivação desempenha no processo,
levando-se em conta apenas o interesse das partes, a garantia processual tem por escopo permitir
o conhecimento das razões de decidir, possibilitando a impugnação da decisão e de seus
fundamentos pela via recursal. Trata-se de um fundamento interno da motivação, ressaltando a
sua finalidade técnico-processual.

Por outro lado, tendo em vista o exercício da função jurisdicional, a motivação permite o
controle social sobre tal atividade. No primeiro caso, temos uma garantia para as partes,
destacando-se a função endoprocessual da motivação. Já sob o enfoque da sociedade, a motivação
apresenta uma relevância extraprocessual.

Com relação ao seu caráter interno, ou endoprocessual, a motivação não é uma descrição do
raciocínio judicial. Não se trata de uma descrição do iter psicológico seguido pelo juiz na confecção
da decisão.92 Aliás, se assim o fosse, somente no último momento, quando se findasse a motivação,
o juiz saberia se a causa seria julgada procedente ou improcedente. Na verdade, a motivação é
uma exposição, ou melhor, uma justificação da decisão. Nas palavras de Foschini, a motivação é
uma “argumentada conclusão”, ou uma “concludente argumentação”.93 A motivação da sentença
apresenta-se, portanto, como uma “justificação racional das escolhas do juiz”.94

A doutrina tem apontado, como requisitos para que a motivação seja considerada válida, que
ela seja expressa, clara, coerente e lógica.95 Com relação ao seu conteúdo mínimo, para Taruffo, a
motivação compreende: 1) o enunciado das escolhas do juiz com relação: 1.1) à individuação das
normas aplicáveis; 1.2) à análise dos fatos; 1.3) à qualificação jurídica dos fatos; 1.4) às
consequências jurídicas desta qualificação; 2) os nexos de implicação e coerência entre os
referidos enunciados.96

Ainda dentro da função endoprocessual, a obrigação de motivação das decisões judiciais se


relaciona com a possibilidade de impugnação do ato decisório. No caso da atividade recursal, o
conhecimento das razões de decidir que levaram à prolação do ato impugnado é relevante não só
para a parte prejudicada, mas também para possibilitar ao próprio órgão jurisdicional de segundo
grau um melhor controle da atividade jurisdicional de primeiro grau.97 Há, assim, um caráter
público, visto que permite ao próprio Estado o controle da sua atividade.98

Já o caráter extraprocessual da motivação, ou sua função político-axiológica, é destacado pela


Constituição. A garantia da motivação vem estabelecida na disciplina do Poder Judiciário. Muito
mais que uma garantia individual das partes, a motivação das decisões judiciais é uma exigência
inerente ao próprio exercício da função jurisdicional.99 A motivação confere “transparência” à
decisão judicial, permitindo um controle generalizado e difuso sobre o modo pelo qual o juiz
administra a justiça.100 No aspecto extraprocessual, a motivação tem por destinatário quisque de
populo, e não apenas as partes ou os magistrados integrantes dos tribunais que poderão rever o
julgado.101 É por meio da motivação que a população em geral poderá controlar a legalidade da
decisão, a imparcialidade do juiz, enfim, a justiça do julgamento.102 Em suma, é a motivação uma
garantia de controle democrático sobre a administração da justiça.103

Além disso, em tempos de comunicações instantâneas em redes sociais e de facilidade de acesso


às decisões de tribunais por meio da rede mundial de computadores, mormente nos últimos
tempos, em que o processo penal se tornou objeto de grande interesse dos cidadãos, mesmo que
leigos, não é pouco realístico pensar que esse controle será efetivamente exercido. Mas, ainda que
isso não venha a ocorrer de fato, como lembra Taruffo, a respeito da finalidade extraprocessual da
motivação, é essencial que esse controle “possa” ser exercido, devendo o juiz se comportar sempre
“como se” estivesse dando satisfação diretamente à opinião pública das razões de sua decisão, pois
exatamente nisso reside a função essencial da garantia da motivação.104 É evidente que isso não
significa que o juiz deve decidir para satisfazer ou atender a opinião pública. Muitas vezes, por
exemplo, uma Corte Constitucional necessita ser contramajoritária, para garantir os direitos
fundamentais das minorias, mas essa justificação precisa ser passada para a opinião pública.

A motivação é uma garantia do processo e um potente instrumento de controle da valoração da


prova. A necessidade de motivar exige que o juiz adote critérios racionais de valoração, pois desse
modo a justificação de suas escolhas poderá ser explicada de maneira acessível a todos. De outro
lado, se não se exige a motivação do juízo de fato, como no caso do tribunal do júri, o único modo
de assegurar normativamente que não sejam tomadas decisões com base em provas pouco ou
nada confiáveis, é determinando a sua exclusão do processo.105 Em tal caso, poderá haver um
empobrecimento do material a ser valorado, contrariando o princípio lógico segundo o qual toda
prova relevante deve ser admitida.106 A motivação é uma garantia fundamental do ponto de vista
processual e epistêmico.107

1.3.5.O duplo grau de jurisdição

O duplo grau de jurisdição é um poderoso mecanismo de controle do poder estatal. Se todo ato
de poder deve estar sujeito a alguma instância de controle, para que não se degenere facilmente
em arbítrio, no âmbito do Poder Judiciário, o resultado do processo não pode estar imune a um
amplo mecanismo de controle. Por isso, a garantia do duplo grau de jurisdição tem um relevante
valor político, à medida que o direito de impugnar a decisão judicial assegura que tal ato estatal e
imperativo seja controlável.108

Determinar o conteúdo do duplo grau de jurisdição significa “definir uma criatura do


pensamento jurídico, um paradigma pertencente ao conjunto dos conceitos jurídicos dos quais a
ciência se serve como instrumento de análise”.109 Do conteúdo semântico da expressão “duplo
grau de jurisdição” e com alguma complementação lógica, o mínimo que se pode extrair é que se
trata do direito a um sistema judiciário no qual o conteúdo das decisões de mérito poderá ser
objeto de duas estatuições sucessivas, por órgãos diversos, sendo que a decisão posterior prevalece
sobre a anterior.110

O duplo grau de jurisdição é uma exigência que se liga à sentença de mérito.


Consequentemente, não violará o duplo grau de jurisdição, um sistema que trabalhe com a
irrecorribilidade das decisões interlocutórias, desde que haja previsão de um recurso contra a
sentença, sendo que em tal hipótese, normalmente caberá ao recorrente, em tal recurso,
frequentemente denominado apelação, trazer como matéria recursal a impugnação da decisão
interlocutória irrecorrível anteriormente proferida.

A partir desse ponto, é necessário recorrer à estrutura legal de cada ordenamento jurídico para
se obter qualquer conteúdo mais preciso do duplo grau de jurisdição. E, como afirmou, com razão,
Barbosa Moreira “não há nenhum céu de puras essências, onde se logre descobrir um conceito de
recurso anterior ao que revelar o sistema da lei”.111 Portanto, a construção do conceito de recurso,
depende da disciplina legal de cada ordenamento.112

Para os fins de verificar a relação entre o duplo grau de jurisdição, como garantia que assegura
um controle intersubjetivo das decisões, de um lado, e a revisão do juízo de fato, como fator
integrante de um modelo de epistemologia judiciária, de outro, é preciso analisar o conteúdo de tal
garantia com uma profundidade maior. Nesse sentido, deve-se procurar um mínimo denominador
comum de tal direito no âmbito dos tratados internacionais e regionais de direitos humanos.
Advirta-se, contudo, que mesmo no plano dos tratados de direitos humanos é tranquilo o
reconhecimento do direito ao recurso como um componente obrigatório do processo équo.

O direito ao recurso é expressamente previsto na CADH, que assegura, no art. 8.2.h, entre as
garantias processuais mínimas de todo acusado, o “direito de recorrer da sentença a juiz ou
tribunal superior”.113 Por sua vez, o PIDCP, no art. 14.5, assegura que “toda pessoa declarada
culpada por um delito terá direito de recorrer da sentença condenatória e da pena a uma instância
superior, em conformidade com a lei”. Regime diverso era adotado no sistema europeu de direitos
humanos. A Convenção Europeia de Direitos Humanos, de 1950, estabeleceu várias garantias
processuais, que serviram de modelo para os tratados posteriores. O art. 6º da CEDH, considerado
a síntese dos “cânones europeus do justo processo penal”,114 não assegurou explicitamente a
garantia do acusado de recorrer da sentença condenatória. Posteriormente, o Protocolo VII à
referida Convenção, de 1984, em seu art. 2.1, assegurou o “direito a um duplo grau de jurisdição
em matéria penal”, nos seguintes termos:

1. Qualquer pessoa declarada culpada de uma infração penal por um Tribunal tem o direito de fazer
examinar por uma jurisdição superior a declaração de culpabilidade ou a condenação. O exercício deste
direito, bem como os fundamentos pelos quais ele pode ser exercido, são regulados pela lei.115

Sobre o conteúdo ou as características do recurso assegurado pela CADH, no caso de sentença


condenatória, é necessário que se trate de um meio amplo de impugnação da sentença, que admita
revisão de seu conteúdo tanto sobre questões de direito, quanto sobre questões de fato, isto é,
admitindo uma nova valoração da prova por parte do tribunal.116

Para o fim de análise do controle intersubjetivo como componente de um adequado modelo


epistêmico, é fundamental o reconhecimento de que o direito ao recurso assegura um mecanismo
que possibilite o reexame da valoração da prova. O condenado deve ter possibilidade de
impugnar, perante outro juiz, tanto os errores in procedendo quanto os errores in iudicando,
alcançando “uma” possibilidade de obter um “reexame de mérito”, em que os erros possam ser
verificados.117

No âmbito americano, a decisão mais significativa da Corte Interamericana de Direitos


Humanos ocorreu no Caso Mohamed vs. Argentina, julgado em 23 de novembro de 2012,118 em
que foi reconhecido que o respeito ao art. 8.2.h da CADH implica que, no caso de o acusado ter sido
absolvido em primeiro grau, mas em razão de recurso do Ministério Público, se vê condenado, pela
primeira vez, no julgamento do tribunal em segundo grau, deve lhe ser assegurado um recurso
amplo, podendo rediscutir questões de fato e de direito, contra tal decisão. Seria, necessário,
portanto, em sistemas como o brasileiro, estabelecer em casos que tais, uma espécie de “terceiro
grau”.

Ao possibilitar o controle do juízo de fato e da valoração da prova, o direito ao duplo grau é um


potente mecanismo epistêmico, que favorece um correto juízo de fato como condição para a
decisão justa.119 O recurso, se não garante o acerto da decisão proferida em segundo grau,
possibilita, ao menos tendencialmente, reduzir as chances de erro do resultado final.120 Podem ser
listados três motivos para tanto.

O primeiro argumento é que o recurso não é uma análise para a tomada de uma decisão, mas
um reexame de uma decisão já tomada. Em outras palavras, sendo um segundo julgamento, não se
trata de apreciação inicial da imputação, sobre a qual não terá havido qualquer posicionamento,
como ocorre na sentença. Ao contrário, o acórdão terá por base uma decisão anterior, que já será
fruto de análise dos fatos e do direito, cujo acerto ou equívoco será verificado pelo Tribunal. Trata-
se, nas palavras de Carnelutti, de um “julgamento sobre o julgamento e, dessa maneira, um
julgamento elevado à segunda potência”.121 O recurso ocorre quando o debate da causa já
esmiuçou as pretensões conflitantes e a sentença de primeiro grau já situou a intervenção judicial
em um certo sentido, “apresentando-se o debate escoimado de superfluidades”.122

Um segundo aspecto favorável à correção de eventual erro da decisão, é que a decisão inicial
será, por sua vez, submetida a um novo confronto dialético propiciado pelas razões e
contrarrazões recursais, tudo isso a permitir uma depuração de seu conteúdo, facilitando que seus
erros, se existirem, possam estar mais visíveis para o Tribunal.123

Por fim, em organizações judiciárias como a brasileira, nas quais o primeiro grau de jurisdição
é, em regra, monocrático, e o segundo grau, colegiado, a revisão por um órgão plúrimo minimiza a
probabilidade de erro. No julgamento por juiz singular, o erro do magistrado implicará uma
injustiça consumada. Já no caso de uma decisão colegiada, o equívoco individual será, apenas, um
voto errado, que poderá ser superado por uma posição correta dos demais julgadores.124 A
colegialidade das decisões, afirma Pontes de Miranda, assegura diversos exames ao mesmo tempo,
“que se transforma em superioridade sempre que desejamos maior certeza”.125

Do ponto de vista psicológico, de quem profere a decisão recorrida, é razoável também


acreditar que, quando alguém sabe que sua decisão poderá ser revista, submetida a um escrutínio
de outrem, tende a ser mais cuidadoso e usar métodos e critérios que não sejam eminentemente
subjetivos, mas, ao contrário, comumente aceitos pela generalidade das pessoas. Em outras
palavras, o duplo grau de jurisdição colabora para que a decisão seja tomada com base em
métodos racionais de valoração da prova, pois esses poderão mais facilmente ser expostos e
entendidos na fundamentação, como justificação da decisão tomada e,126 posteriormente, ser
compreendidos e acolhidos como corretos pelo órgão revisor que poderá ser chamado a vir atuar.

Em suma, sendo o recurso um mecanismo importante do ponto de vista heurístico, os valores


que inspiram um modelo de epistemologia judiciária, tendo na obtenção da verdade um fim
institucional do processo, aconselham que possa ser utilizado por ambas as partes. Em outras
palavras, o duplo grau de jurisdição deve ser assegurado para defesa e para acusação, pois
havendo tanto condenações injustas, quanto absolvições equivocadas, ambas poderão ser
corrigidas.

Porém, do ponto de vista das garantias processuais, a questão não é tão simples assim. Há forte
debate sobre quem é o titular do direito ao recurso reconhecido pelos tratados e convenções de
direitos humanos. O direito ao recurso é exclusivo do acusado? Ou a acusação também desfruta da
garantia processual de recorrer da sentença de mérito que lhe for desfavorável?

As garantias dos tratados de direitos humanos não são declarações de direitos em favor do
Estado, no caso, representado pelo órgão acusador oficial, mas escudos de proteção do indivíduo,
isto é, o acusado, que por ocupar a posição mais fraca no processo, necessita de garantias
mínimas.127 Como explica Chiavario, no processo penal, o direito ao justo processo é
essencialmente um “direito do acusado”, e a regra da “paridade de armas das partes”, longe de
refletir uma exigência de absoluta simetria de posições, representa a exigência de um
balanceamento estabelecido como garantia e não em prejuízo do acusado.128

Assim sendo, do ponto de vista do respeito às normas convencionais, o direito ao recurso – e


que viabiliza o duplo grau de jurisdição – é exclusivo do acusado. Consequentemente, não seria
possível um sistema que não previsse um recurso amplo para o acusado que fosse condenado,
possibilitando-lhe recorrer da sentença contra ele proferida.

Por outro lado, seria possível, nesse contexto, um sistema que somente admitisse recurso pro
reo. Por exemplo, as sentenças condenatórias seriam apeláveis, mas não caberia recurso das
sentenças absolutórias. Tal cenário não seria incompatível como o art. 8.2.h, da CADH, embora
pudesse ser questionado sob a ótica da paridade de armas, por representar um modelo
desequilibrado excessiva e injustificadamente, em prejuízo da acusação.

Mais do que possível, tal sistema é obrigatório ou impositivo para parte da doutrina. Julio
Maier, fazendo uma aproximação do direito ao recurso do acusado com a garantia contra a dupla
persecução,129 entende que não se deve admitir recurso do Ministério Público contra sentenças
absolutórias, pois tal fórmula tem um alcance maior, uma vez que impede a múltipla persecução
também em sentido processual, essa relacionada com a renovação do processo que ainda esteja
em curso. E conclui: “o principal efeito da regra é impedir absolutamente a possibilidade de
recurso de revisão contra o acusado absolvido ou do condenado por crime mais leve; em
conjugação com o direito ao recurso do condenado, determina também, a ab-rogação da faculdade
– comum entre nós: sistema bilateral de recursos – de o acusado recorrer da sentença, ao menos
em alguma instância”.130

Do ponto de vista de um adequado modelo de epistemologia judiciária, também não é acertado


um regime recursal que não admita apelação do Ministério Público, em caso de absolvição do
acusado. O recurso é um instrumento que possibilita uma correção de decisões equivocadas e, no
plano do juízo de fato, tem um importante papel de permitir um controle intersubjetivo das
escolhas racionais do julgador na valoração da prova. Portanto, admitir o recurso contra o juízo de
fatos somente de sentenças condenatórias errôneas, para transformá-las em absolvições justas,
mas vedar o recurso de absolvições equivocadas, tornando-as imutáveis e, assim, impedindo um
melhor juízo de fato como condição para a decisão justa é adotar uma solução claramente
antiepistêmica.

1.3.6.A duração razoável do processo

O direito ao processo em prazo razoável131 é uma garantia inerente ao processo justo132 ou,
numa linguagem mais típica da doutrina brasileira, do devido processo legal.133 O direito ao
processo em prazo razoável, que não constava expressamente do catálogo inicial de garantias
processuais da Constituição de 1988,134 passou a ser expressamente previsto com o acréscimo do
inciso LXXVIII ao caput do art. 5º da Constituição, pela Emenda Constitucional 45, de 08 de
dezembro de 2004.135

A seu tempo, Beccaria já afirmava, que o “processo deve terminar no mínimo de tempo
possível”, pois “quanto mais pronta e mais perto do delito cometido esteja a pena, tanto mais justa
e útil ela será”.136

Se justiça tardia é denegação de justiça, também não se pode cair no extremo oposto, dando ao
processo penal uma aceleração antigarantista, que servirá não para assegurar esse direito, mas, ao
contrário, para violá-lo. Não existe nada mais demonstrativo da arbitrariedade de um
procedimento que os juízos sumários ou sumaríssimos em matéria penal, pois eles impedem que o
imputado possa exercer todas as faculdades próprias de um processo penal adequado à
Constituição e aos tratados de direitos humanos. O processo penal reclama tempo suficiente para
satisfação, com plenitude, de seus direitos e garantias processuais. E a duração razoável do
processo tem que ser considerada sob a perspectiva dos direitos e garantais do acusado, e não
contra o réu ou em seu desfavor.

A razoabilidade do tempo de duração do processo prevista no art. 8.1, da CADH, é aquela


relativa à necessidade de uma justiça tempestiva, como um dos elementos necessários para se
atingir o justo processo.137 A exigência de tempestividade é normalmente satisfeita quando, em um
tempo razoável, é proferida uma decisão de mérito,138 seja esta de condenação ou tenha outro
conteúdo. É o desfazimento, em um sentido ou em outro, da dúvida sobre a acusação que pesa
contra o indivíduo. O processo penal possui uma carga infamante e sancionatória em si mesmo,
que não deve se prolongar por muito tempo. O processo que se desenvolve em um prazo razoável
evita que uma pessoa acusada fique muito tempo na incerteza de sua sorte.

Por outro lado, o direito a um julgamento no prazo razoável não pode ser entendido com um
processo em que se busque a celeridade processual a qualquer custo. O processo no prazo razoável
não é um processo em celeridade máxima. O direito ao processo no prazo razoável deve ver
compatibilizado com outras garantias, e a busca de celeridade não pode servir de justificativa para
a inobservância de outras garantias processuais como a ampla defesa e, mais especificamente, o
direito de a defesa possuir o tempo necessário para seu exercício adequado. Como adverte Conso,
“a celeridade do processo é um valor que deve ser perseguido em todas as situações e buscado com
firme propósito, com a condição, porém, de que não se pague o preço com o direito de defesa”.139

A celeridade, ou melhor, a razoabilidade do prazo de tramitação do processo, deve ser buscada


resguardando o direito de defesa do acusado ou de qualquer outra parte ou sujeito processual.140
Esse equilíbrio, inclusive, é previsto nas declarações de direitos humanos que garantem, de um
lado, o direito a um julgamento em prazo razoável, e, de outro, também asseguram o direito de
defesa e, mais do que isso, o direito de o acusado dispor de tempo necessário para preparar sua
defesa.141 Ora, é evidente que a celeridade não pode ser buscada suprimindo-se outras garantias
dos sujeitos processuais, principalmente da defesa.142
Em outras palavras, o processo no prazo razoável significa um processo que, naturalmente,
deverá durar algum tempo, mas que não pode ter uma demora exagerada, causada por dilações
indevidas e injustificadas.143

Partindo dessa premissa, o direito ao processo em prazo razoável não é uma garantia que
colida com a finalidade epistêmica da busca da verdade. Ao contrário, trata-se de garantia que
colabora com a busca da verdade.

Primeiro porque, especialmente com relação à prova decorrente de fontes pessoais, um tempo
muito grande entre a data do fato e de sua percepção pela testemunha e a do depoimento em juízo,
pode levar ao esquecimento do fato, quando não, em determinados casos, até mesmo à morte da
testemunha.144 Segundo, porque toda reconstrução histórica dos fatos, realizada a partir dos traços
existentes no presente, dos acontecimentos passados, demanda tempo. Uma justiça sumária
normalmente despreza a verdade ou, no máximo, não tem preocupação com que os fatos sejam
corretamente acertados. O processo não é algo instantâneo, mas um percurso, um caminho que
tem começo, desenvolvimento e fim. A instrução, que integra esse processo, não precisando ser
imediata ou brevíssima, mas tendo tempo razoável para se realizar, poderá ser de melhor
qualidade. Aliás, um dos critérios para aferir a razoabilidade da duração do processo é exatamente
a complexidade da instrução.

Esse aspecto é importante na medida em que a busca por técnicas processuais de imediata
aplicação da pena, mediante mecanismos de consenso, apresenta como uma de suas justificativas,
a necessidade de uma resposta rápida. Confunde-se eficiência do processo penal com punir mais e
punir logo. Nesse caso, contudo, a celeridade não fará com que a punição seja legítima. A
legitimidade da punição exige uma decisão justa, que demanda tempo para ser proferida.145 Trata-
se, ao fim e ao cabo, de uma tendência à renúncia ao processo em que a pena não decorre da
verdade que se consegue no processo, mas do não processo.146 Na chamada “justiça consensual” a
imposição da pena não é fruto de uma prévia verificação dos fatos, mas de um acordo. Ao se
conceber o processo essencialmente como um instrumento de resolução de conflitos que assumam
a forma de controvérsia jurídica entre as partes, a finalidade da descoberta da verdade torna-se
desnecessária.147 Se a finalidade primária do processo é a solução do conflito entre as partes, a
verdade dos fatos não é uma condição necessária ou indispensável.148 A boa solução pode ser até
mesmo uma decisão baseada em premissas fáticas falsas, desde que ela seja capaz de eliminar o
conflito.149

Em suma, desde que se aceite a premissa de que a verdade é uma condição necessária para a
decisão justa, e que ela deve estar fundada em provas, a garantia do processo em prazo razoável
protege a verdade.150 Assegurando uma razoável duração do processo e tempo para obtenção do
conhecimento verdadeiro, impede-se, que sob a justificativa da necessidade de soluções
imediatistas e de urgência, se aceitem decisões sem uma adequada e correta reconstrução dos
fatos.

1.4.O processo acusatório e a verdade

A busca por uma verdade real, uma “verdade verdadeira” como fim último do processo,
sempre serviu de justificativa para que o juiz, nos processos inquisitórios, tivesse cada vez mais
poderes, não estando limitado à iniciativa das partes quer quanto aos fatos alegados, quer quanto
às provas requeridas e produzidas.

A questão que se pretende analisar é se o processo acusatório é um processo que também tem
como fim institucional a busca da verdade e, em caso de resposta positiva, se a verdade que se
almeja no processo acusatório é diversa ou não daquela buscada no processo inquisitório.

Antes da resposta, é necessário um esclarecimento: “acusatório”, como qualificativo de


processo ou sistema, não pode ser concebido como um rótulo, ou uma questão de nomenclatura. É
necessário, portanto, fugir de estéreis polêmicas nominalísticas e se preocupar mais
realisticamente com a indicação daqueles que são os requisitos indefectíveis do “justo
processo”.151

Há hoje, até mesmo por força de diplomas internacionais de direitos humanos, um conjunto de
garantias processuais penais mínimas, asseguradas aos acusados no plano regional e mesmo
internacional: direito ao juiz independente, imparcial e com competência estabelecida
previamente por lei; direito ao processo em prazo razoável, direito à presunção de inocência do
acusado; direito a um defensor; direito de o acusado ser comunicado prévia e
pormenorizadamente da acusação formulada contra ele; direito de o acusado ter o tempo e os
meios necessários para preparar sua defesa; direito de inquirir as testemunhas presentes ao
tribunal e fazer comparecer as suas testemunhas; direito a não ser obrigado a depor contra si
mesmo nem a se confessar culpado; direito de recorrer da sentença condenatória. No caso
europeu, por exemplo, esse conjunto de garantias do acusado costuma ser denominado como
“mínimo denominador comum” do processo justo.152

Por outro lado, em relação ao processo penal brasileiro, é adequado falar em um devido
processo constitucional,153 como o conjunto de garantias constitucionais processuais estabelecida
na Constituição. E, em relação ao processo penal, além das garantais constitucionais gerais,
aplicáveis a qualquer tipo de processo jurisdicional, incluem-se, também, as garantias específicas e
exclusivas do investigado ou acusado. Podem ser elencadas, nesse conjunto integrado de garantias:
a vedação de tribunais de exceção e a garantia do juiz natural, o direito ao contraditório e à ampla
defesa, o direito à presunção de inocência, o direito ao silêncio com vedação da exigência de
autoincriminação, a vedação da utilização de provas ilícitas, a publicidade dos atos processuais e a
motivação das decisões judiciais, o direito à razoável duração do processo, o habeas corpus, o
direito à prisão somente em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade
judiciária competente e o direito à liberdade provisória.

Embora em muitos casos haja zonas de sobreposição entre as garantias de direitos humanos, de
um lado, e as constitucionais, de outro, esse conjunto de garantias necessariamente deverá ser
atendido pelo legislador, dando-lhe concretude, no Código de Processo Penal. Satisfeito esse
complexo garantista, se tal sistema será denominado “processo acusatório”, “processo justo”,
“processo équo”, “due process” ou outra expressão equivalente, parece ser uma questão muito
mais conceitual do que de conteúdo.154

Feito o esclarecimento terminológico, a análise pode principiar com as características históricas


do modelo acusatório. No processo acusatório que existiu no direito romano, das quaestione
perpetuae, ou em seu antecedente mais recente, no júri inglês, o julgador não tinha poderes
instrutórios. Isso, contudo, impediria que, atualmente, se denominasse como “processo acusatório”
um sistema em que o juiz tivesse poderes instrutórios? A resposta deve ser negativa. Somente se
houvesse um relativo consenso sobre a essência do modelo acusatório, e esta repousasse
justamente sobre a gestão da prova, é que seria inapropriado denominar de acusatório um sistema
concreto em que o juiz tivesse poderes instrutórios. De outro lado, se essa for uma característica
meramente histórica do sistema, em um aspecto não essencial, como era o fato de a acusação ser
privada e não pública, ou mesmo de a justiça ser organizada na forma de júri popular, não haverá
impedimento para se qualificar de acusatório, um processo penal no qual o juiz tenha poderes
instrutório. Em outras palavras, haverá processo acusatório em que o juiz não tem poderes
instrutórios, de um lado, e processos acusatórios no qual o juiz tem poderes instrutórios, de outro.

Embora com contestações, prevalece o entendimento teórico no sentido de que a característica


essencial e insuprimível do sistema acusatório, sua conditio sine qua non, é a clara separação de
funções de acusar, julgar e defender.155 Por outro lado, não são incompatíveis com a essência do
processo acusatório, podendo receber tal denominação ou qualificação, sistemas em que,
respeitada a separação de funções, o juiz seja dotado de poderes probatórios que lhe permitam, de
ofício, determinar a produção de provas.156

O processo acusatório também é um processo que busca a “verdade”, embora a “verdade”


almejada no processo acusatório não seja a mesma que aspira o processo inquisitivo.

Os amplos poderes do juiz no sistema inquisitório sugerem, à primeira vista, que este seria
mais eficaz na busca da verdade que o sistema acusatório. Todavia, o processo inquisitório é
contaminado por um vício de origem: o inquisidor busca apenas a confirmação de uma hipótese já
previamente escolhida e por ele mesmo formulada. Ou seja, denominava-se “verdade” algo que já
era, por motivos ideológicos, anteriormente determinado.157 Na escolha do tema de acusação há a
indicação de uma preferência, já estando implícita na formulação do problema a sua solução.158 O
inquisidor tinha a incumbência de provar a culpa do acusado e, depois, decidir se a presunção de
inocência fora adequadamente superada: essa duplicidade de papéis amesquinhava o conceito de
risco da prova faltante – pois o inquisidor estaria admitindo que falhou na sua missão de produzir
todas as provas necessárias para o descobrimento da “verdade material” –, e coloca em dúvida a
aplicabilidade da regra de julgamento.159

De outro lado, no processo acusatório, o fato de se atribuir às partes um papel proeminente na


argumentação e na produção da prova, não significa que se tenha abandonado a aspiração de
buscar a verdade como condição para obtenção de uma sentença justa. Haverá, apenas, uma
mudança dos mecanismos pelos quais se busca a verdade: substitui-se a atuação isolada e
monopolista de um juiz inquisidor, pelo contraste de argumentações e estratégias das partes.160
Em tal perspectiva, o direito à prova das partes não será um entrave à busca da verdade, mas sim
uma premissa para que a verdade seja obtida de modo epistemicamente mais eficaz, através da
dialética entre as partes, em sentido diverso ao da busca solipsística do inquisidor.161 O processo
acusatório conserva, portanto, a finalidade de busca da verdade, mas substituindo o velho método
monologante, por um método dialético de acertamento dos fatos, que exige uma clara distinção
entre as funções de juiz e acusador, além de estabelecer a paridade de armas entre este e a
defesa.162 Essa divisão do conhecimento163 entre as partes, ao longo da instrução irá gerar, no
momento da sentença, o saber do juiz.164

A comparação do processo acusatório com o inquisitório demonstra, inegavelmente, que há


maior probabilidade de uma decisão justa quando a prova se forma a partir da atividade das
partes, na dialética processual, ao invés da solitária pesquisa do órgão instrutor, seja ele o juiz ou o
Ministério Público. Um saber depurado pelo contraditório oferece garantias maiores do que um
saber buscado unilateralmente.165 Enquanto o “monólogo apouca necessariamente a perspectiva
do observador”, o diálogo “amplia o quadro de análise, constrange à comparação”.166

Além disso, há diferença sobre a “verdade” a ser buscada. No processo inquisitório a verdade é
ambiciosamente concebida como uma “verdade objetiva” ou “absoluta”.167 Já a “verdade” no
processo penal acusatório deve ser entendida como verdade de caráter aproximativo,
inevitavelmente condicionada à falibilidade dos meios de reconstrução histórica, e que deve ser
buscada respeitando as regras e garantias processuais. Além disto, enquanto que a “busca da
verdade” do processo inquisitório induz a pensar em qualquer coisa objetiva e autônoma em
relação à escolha dos meios cognoscitivos, o “acertamento dos fatos” do processo acusatório
depende do método empregado: variando o método, varia o resultado do acertamento
probatório.168

Como observa Ferrua, na busca da “verdade” é preferível o realismo do modelo acusatório, que
admite a limitação da busca da “verdade”, que será sempre relativa, à perigosa utopia do modelo
inquisitório, em que tudo é justificado para se atingir uma verdade absoluta.169

Sob o enfoque histórico, no paradigma acusatório/inquisitório, os poderes de iniciativa


probatória do juiz ligam-se à concepção inquisitória. Contudo, de acordo com a forma e a estrutura
processual em que tais poderes são exercidos, eles podem indicar, ora um verdadeiro processo
inquisitório, ora um modelo acusatório atenuado.

Em suma, parece adequado falar em modelo ou sistema acusatório, relativamente ao processo


penal no qual haja nítida separação das funções de acusar, defender e julgar, que devem ser
conferidas a pessoas distintas. Quanto à atividade probatória, pode ser rotulado de acusatório um
sistema no qual seja reconhecido o direito à prova da acusação e da defesa, tendo ainda o juiz
poderes para, em caráter subsidiário ou suplementar, determinar ex officio a produção de provas
que se mostrem necessárias para o acertamento do fato imputado.
Num certo sentido, porém, é de se reconhecer que os poderes instrutórios do juiz no processo
penal são prejudiciais ao acusado. Vigorando o in dubio pro reo como regra de julgamento, se não
houver prova suficiente para superar o estado inicial de inocência do acusado, a solução que se
impõe é a absolvição. Num sistema em que o juiz não tivesse iniciativa probatória, se a prova
produzida pela acusação fosse insuficiente para comprovar a culpabilidade, somente restaria ao
juiz a absolvição. Porém, podendo o juiz determinar a produção de provas ex officio, é possível
que uma prova produzida por determinação do juiz demonstre a culpa do acusado e leve-o à
condenação.

Os poderes instrutórios do juiz, nesse caso, não violam a presunção de inocência. Com ou sem
poderes instrutórios do juiz, o acusado será presumido inocente e, ao final, em caso de não ter
havido o acertamento positivo da imputação, seja quanto ao fato, seja quanto à autoria, será
aplicada a regra de julgamento do in dubio pro reo. A diferença estará na possibilidade de um
conjunto probatório mais limitado ou mais amplo para o juiz poder realizar o juízo de fato. Um
sistema concreto em que o juiz tenha poderes instrutórios e, ao final, na dúvida sobre qualquer
afirmativa das partes de fato penalmente relevante, deva absolver o acusado, será um sistema que
respeita a presunção de inocência, embora privilegie mais a busca da verdade que a manutenção
da dúvida.

De qualquer forma, isso não significa perda da imparcialidade, mas sim privilegiar um modelo
que, havendo o predomínio das partes na atividade instrutória, sendo-lhes reconhecido um efetivo
direito à prova, permite que para uma melhor busca da verdade – que é condição necessária de
uma decisão justa – o juiz também tenha poderes para, em caráter subsidiário, determinar a
produção de meios de provas, ensejando uma reconstrução dos fatos mais eficiente. Outrossim,
não se pode esquecer que, por outro lado, a prova produzida ex officio também poderá
demonstrar a inocência do acusado ou mesmo gerar dúvida sobre ela.

1.5.O objeto do processo penal

Exposta a concepção sobre qual é a finalidade ou escopo do processo penal, é preciso analisar
qual é o seu objeto. Tendo em vista que a obra se volta para a questão do processo como
instrumento cognitivo quanto aos juízos de fato, o ponto principal é delimitar em que medida os
fatos fazem parte do objeto do processo.

No processo penal, a imputação é o ato processual por meio do qual se formula a pretensão
penal. Imputar é atribuir um fato penalmente relevante a alguém.170 O conteúdo da imputação é,
portanto, a afirmação do fato que se atribui ao sujeito,171 a afirmação de um tipo penal e a
afirmação da conformidade do fato com o tipo penal.172 Em síntese, trata-se da afirmação de três
elementos: o fato, a norma e a adequação ou subsunção do fato à norma. Seu conteúdo, pois, só
pode ser a atribuição do fato concreto que se enquadra em um tipo penal.173

O pedido que existe na imputação penal é de acertamento do fato que se atribui ao imputado,
para que se passe da probabilidade de sua ocorrência, que caracteriza a justa causa, para a certeza
do fato e de sua autoria, com a consequente condenação, se aquela restar provada.174 O que se põe
perante o Poder Judiciário, o objeto do processo penal, é a verificação dessa pretensão. Ao final, o
juiz se manifestará sobre a ocorrência ou não do fato imputado, se tal fato foi praticado pelo
acusado a quem tal acontecimento é imputado e, por fim, se aquele fato se subsome ao tipo penal
invocado na denúncia ou queixa.

1.5.1.Os “fatos” como objeto da prova no processo penal

Os fatos concretos que serão objeto da prova ingressam no processo por meio da imputação.

O Ministério Público, ao oferecer a denúncia, ou o querelante, ao aforar a queixa, está


exercendo o direito de ação com a formulação da pretensão processual penal, pedindo ao Poder
Judiciário que se pronuncie sobre os fatos e sobre a sua qualificação jurídica e, em caso de juízo
positivo, que aplique a sanção adequada.
Dois esclarecimentos conceituais sobre os fatos no processo são necessários para maior
precisão e correção do raciocínio a ser desenvolvido sobre a epistemologia judiciária. Os fatos que
interessam ao processo não são os acontecimentos da natureza ou mesmo um agir humano sem
qualquer conexão com o mundo jurídico. Um mero bocejo não interessa ao direito penal e não
integrará o objeto do processo penal. Os fatos que importam para o processo penal são ações ou
omissões concretas, delimitadas abstratamente por tipos penais. A dicotomia entre questões de
fato em antagonismo com as questões de direito é por demais simplista, para não se dizer
equivocada. Toda questão jurídica envolve matéria fática e matéria de direito. O que existe são,
portanto, questões predominantemente de fato e questões predominantemente de direito.

Assim, quando se fizer menção à decisão “sobre os fatos” ou ao “juízo de fato”, tratar-se-á do
resultado da atividade probatória que permitirá o conhecimento de fatos passados, em sua
delimitação jurídico-penal. O acertamento dos fatos, de um lado, e a individualização da norma
com vistas a se determinar a qualificação jurídica dos fatos, de outro, são atividades preparatórias
da aplicação do direito e conexas entre si, não sendo concebível a existência de uma sem a
outra.175

Por outro lado, embora o fato que interesse para o processo penal seja um acontecimento
histórico concreto que se atribui ao autor por meio da imputação,176 tratar-se-á apenas de uma
hipótese fática. Haverá a afirmação de um fato, que o acusador diz ter ocorrido, mas que caberá ao
juiz, após a instrução, julgar se ocorreu ou não. O mesmo se diga com relação à tese defensiva que
agregue fatos novos, como a invocação de legítima defesa. É elementar que, quando se imputa um
fato a alguém, isso não quer dizer que esse fato efetivamente existiu. O que se tem, como “fato” no
processo, é algo hipotético,177 no sentido de que poderá ou não ter ocorrido.178 O fato processual é
um concreto acontecimento histórico tido por existente, mas que pode não ter efetivamente
existido. No momento em que são formulados esses enunciados fáticos, de natureza hipotética,
têm um status epistemológico de incerteza, podendo ou não ter ocorrido.179

Isso é fundamental para se compreender que o “fato” objeto do processo não é o fato enquanto
trecho da realidade, mas a afirmação sobre o fato feita pelas partes. Os fatos, em si mesmos, são
acontecimentos que têm existência no mundo real.180 O fato ocorreu ou não, existiu ou não, não
comportando adjetivações ou valorações.181 Aquilo que existe na realidade não pode ser
verdadeiro ou falso; simplesmente existe.182 Verdadeiros ou falsos só podem ser nossos
conhecimentos, nossas percepções, nossas opiniões, nossos conceitos ou nossos juízos a respeito de
um objeto.183 Os “fatos” debatidos no processo são enunciados sobre os fatos do mundo real, isto é,
aquilo que se diz em torno de um fato: é a enunciação de um fato e não o próprio fato.184 Em
consequência, o objeto da prova não é o próprio fato,185 mas a alegação de um fato e não o fato em
si mesmo.186 Os fatos não são verdadeiros ou falsos, eles simplesmente existiram ou não. O que se
prova são as alegações dos fatos feitas pelas partes como fundamentos da acusação e da defesa. O
que pode ser verdadeiro ou falso, verídico ou inverídico, ou “probo”, são as alegações sobre o fato,
sustentadas por provas.187

Como bem explica Taruffo, “no processo os fatos entram sob a forma de enunciados ou de
conjunto de enunciados que descrevem as circunstâncias que foram verificada” e,
consequentemetente, “não há, pois, m o que fazer com acontecimentos empíricos ou eventos
historicamente verificados na realidade material, mas sim com produtos linguísticos que
concernem a esses eventos” 188

Em suma, e para os fins de delimitação do objeto da prova quanto ao juízo de fato, é possível
extrair duas conclusões, a seguir enunciadas.

A primeira: o fato que importa ao processo penal é um fato concreto, e não um tipo penal, uma
abstração. Mas esse fato concreto ou acontecimento será recortado da realidade a partir de sua
repercussão considerando um específico tipo penal e seus elementos. Seu ingresso no processo
penal se dará por meio da imputação penal.

A segunda: o fato que integra o objeto do processo não é o fato em si, mas uma afirmação sobre
os fatos. O que será provado como verdadeiro ou falso é a afirmação do fato e não o fato em si.

1.5.2.Os fatos alegados pela acusação e pela defesa

Os fatos invocados pelas partes no processo serão objeto da atividade probatória. Ao se ver o
processo como um confronto dialético, as alegações feitas pelo acusador, de um lado, e as
formuladas pela defesa, de outro, normalmente terão por conteúdo hipóteses diversas ou até
mesmo excludentes entre si.189 Nesse contexto dual de divergências, o resultado probatório que
confirme uma hipótese de uma parte, muitas vezes implicará, automaticamente, a falsificação da
hipótese da parte contrária.

Esse antagonismo de partes, que formulam suas alegações e têm o direito à prova para
demonstrar a verdade dos fatos por si afirmados, gera uma divisão do conhecimento no processo.
As narrativas processuais ocorrem num contexto de “dialética institucionalizada”,190 que tem o
potencial de gerar uma visão mais ampla dos acontecimentos. Com propriedade, afirma Nappi que
“somente o confronto das diversas perspectivas das partes, permite obter os múltiplos significados
dos fatos”.191

A potencialidade de um conhecimento amplo, contudo, não deve ser supervalorizada. A


divergência entre as hipóteses dos fatos articuladas pelo acusador, de um lado, e pela defesa, de
outro, raramente é completa ou total. Em geral há muitos pontos de concordância ou, ao menos,
em que não há explícita controvérsia entre as partes. Não raro, a divergência será apenas quanto a
um ou dois pontos fáticos, embora de fundamental importância.192 Por exemplo, formulada uma
acusação de roubo, não haverá divergência sobre a vítima ser a proprietária ou possuidora da
coisa móvel subtraída; não se discutirá, que ela estava com a coisa no dia e local dos fatos; será
indisputável que ela foi desapossada da coisa mediante grave ameaça, com arma de fogo. A
divergência se limitará a que a acusação atribuirá tais fatos ao réu, que por seu lado negará a
autoria, dizendo que o mesmo deve ter sido confundido com o verdadeiro ladrão. A defesa
também poderá ofertar um álibi. No primeiro caso, ter-se-á uma negativa simples; no segundo,
uma negativa qualificada ou per positionem. Eventualmente, a divergência poderá ser sobre
apenas sobre uma circunstância ou qualificadora: v. g., negando que se tratasse de arma de fogo,
pois o que se tinha eram uma arma de brinquedo.

Outro exemplo, de grande concordância entre os fatos invocados pelas partes em que a
divergência ou disputa se restringirá a um ponto, ocorre quando se alega uma excludente de
ilicitude ou de culpabilidade. Aliás, nesses casos, a “controvérsia” será virtual ou pressuposta. Isso
porque, na denúncia ou na queixa não se afirma, explicitamente, que nenhuma excludente
ocorreu naquele caso. Muito menos, a peça acusatória costuma trazer um elenco negativo de uma
a uma das exculpantes. Não se afirma, v.g., que a lesão corporal que o autor causou na vítima não
ocorreu em estado de necessidade, em legítima defesa, no estrito cumprimento do dever legal ou
no exercício regular de um direito. A introdução da afirmação de que os fatos se deram em
qualquer dessas formas de exclusão de ilicitude virá com a resposta defensiva. Diante dessa
explicitação de que há um elemento que afasta a ocorrência do crime, segue-se uma negativa ex
post, do acusador, que reafirma o caráter delitivo da conduta imputada, embora pela primeira vez
se vá negar que o fato imputado se deu sob situação caracterizadora da excludente que invoca a
defesa (por exemplo, no caso de alegação da legítima defesa, negando que a agressão fosse atual
ou que fosse injusta).

Com isso não se está afirmando que a defesa possa alterar ou ampliar o objeto do processo.
Sendo o objeto do processo a pretensão processual, veiculada através da imputação,193 é evidente
que quem promove a ação penal é quem irá determinar o objeto do processo.194 A defesa não
altera o objeto do processo, pois nela não se formula nenhuma pretensão,195 podendo apenas
ampliar o objeto de cognição do juiz, e consequentemente, o thema probandum, que passará a
incluir a matéria defensiva.196 Por trazer novas alegações de fato ao processo, o conteúdo
narrativo da defesa é determinante para delimitar as alegações de fato que consistirão objeto da
prova e, muitas vezes, amplia esse objeto em relação aos fatos que tinham sido alegados pelo
acusador na imputação.
Em suma, o objeto do processo, no que toca aos fatos imputados, é definido com a imputação,
sendo delimitado apenas pelo acusador. Por outro lado, a resposta defensiva poderá, em relação a
esse mesmo objeto, ampliar o conjunto de fatos que serão considerados na cognição judicial e,
consequentemente, na atividade instrutória. Os fatos, portanto, ingressam no processo, não como
entes reais, mas como hipóteses meramente afirmadas, pela acusação e pela defesa.

1.5.3.A alteração do objeto do processo e as mudanças da imputação quanto aos fatos

Os fatos ingressam no processo em seu momento primeiro com a formulação da pretensão


processual, que contém a imputação de um fato penalmente relevante atribuído ao acusado.
Embora essencial, essa é apenas uma espécie de imputação: a imputação inicial.

Mas os fatos também podem ingressar no processo por meio de aditamento da denúncia ou
queixa, no que se convencionou denominar mutatio libelli. Assim, para o juízo de fato é relevante
definir os limites de tal alteração. Como os fatos, após esta mutação, serão alterados,
consequentemente, restará mudado o thema probandum.

Há, também, um segundo aspecto que justifica a análise da disciplina do aditamento da


acusação. Por ser pouco utilizada, e não tão debatida ou submetida a críticas doutrinárias, a
disciplina legal do aditamento da denúncia ou queixa muitas vezes deixa à mostra um traço
genético do processo. Mesmo naqueles sistemas em que o legislador denomina de acusatório, o
regime da correlação entre acusação e sentença poderá transparecer uma descendência
inquisitória.

Seja porque é um dos modos de ingresso dos fatos no processo penal, seja porque é um
“marcador genético” do sistema acusatório ou inquisitório que gerou o processo em questão, é
importante analisar o regramento do aditamento da denúncia ou queixa.

Nos sistemas que não admitem uma ação penal ex offício, parece óbvio e banal que cabe
somente ao acusador, público ou particular, delimitar os fatos objeto do processo. Se os fatos
ingressam no processo pela imputação e se quem a formula, mediante o exercício do direito de
ação, é a parte autora, é evidente que cabe à parte – e não ao juiz – delimitar os fatos objetos do
processo. Há, porém, um mecanismo que permite conferir se, efetivamente, tal atribuição é
exclusiva da parte, ou se o juiz, em alguma medida, pode influir da delimitação do objeto do
processo: a disciplina da correlação entre acusação e sentença. Mais especificamente, o regime de
aditamento da denúncia, quando a instrução revelar, numa análise ainda prévia à sentença, que
os fatos se passaram de modo diverso daquele constante da denúncia.

A questão é exclusivamente de direito posto e, por tal motivo, sua análise ficará limitada ao
processo penal brasileiro. Para tanto, a comparação entre o modelo originário do Código de
Processo Penal, que tinha traços fortemente inquisitórios, com o regime decorrente da Reforma de
2008, que teve por objetivo, tardiamente, adequar o código ao sistema acusatório da Constituição
de 1988, é bastante esclarecedora.

No regime originário do Código, podem ser encontrados dois importantes mecanismos que
permitiam ao juiz influenciar diretamente o conteúdo fático da imputação e, consequentemente, o
objeto da prova: o primeiro, era a possibilidade de o juiz condenar o acusado por fato diverso do
imputado; o segundo, seria a possibilidade de o juiz condenar pelos fatos originariamente
imputados, mesmo tendo havido o aditamento e estes tivessem sido substituídos por fatos
diversos.197

A possibilidade de o juiz julgar o acusado, e inclusive condená-lo, por fatos diversos daqueles
que constavam da imputação, decorria da disciplina da chamada mutatio libelli. Na redação
originária do art. 384, o Código distinguia duas situações, quanto à necessidade ou não de
aditamento da denúncia ou queixa, tendo por critério a gravidade da pena aplicada ao fato. 198 Se
a alteração do fato processual pudesse implicar a aplicação de uma pena, abstratamente
cominada, inferior ou igual à pena que seria consequência do fato originariamente imputado, não
se exigia o aditamento.199 Por outro lado, se a mudança fática pudesse redundar na aplicação de
uma pena mais grave, era obrigatório o aditamento.200 Como facilmente se percebe, no primeiro
caso, o juiz poderia condenar o acusado por fatos que não tivessem sido imputados pelo Ministério
Público. Logo, o objeto da condenação não precisava integrar o conteúdo da pretensão processual.
Somente na segunda situação, em que a mudança pudesse levar a um agravamento da pena, é que
se exigia o aditamento da denúncia ou queixa, com alteração da pretensão processual formulada
pelo acusador.

Importante entender que a antiga disciplina da correlação entre acusação e sentença era
compatível com uma visão de processo penal inspirada em um sistema inquisitório, em que o juiz
não se subordinava às partes, quer quanto às alegações de fato, quer quanto ao material
probatório. Mais do que isso, ao juiz incumbia buscar toda a verdade, mesmo que relativamente a
aspectos do fato que não tivessem sido imputados. Por exemplo, se houvesse a imputação de um
estelionato, cabia ao juiz perquirir toda a verdade, não se limitando a tal crime. Se ele descobrisse,
com base em seus poderes instrutórios, que o fato não foi, em verdade, estelionato, mas sim uma
apropriação indébita, poderia condenar o acusado por tal crime, mesmo não tendo sido esse o
objeto da imputação posta pelo Ministério Público.201 Por outro lado, se o juiz descobrisse que não
foi estelionato, mas sim que um funcionário público se apropriou de coisa que tinha em seu poder,
em razão do cargo, o juiz “baixaria o processo” para que o Ministério Público aditasse a
denúncia,202 alterando-a para conformar a acusação com a descoberta que as provas
demonstraram e o juiz confirmou em seu prejulgamento.

Tal situação tornou-se insustentável, diante do modelo acusatório adotado pela Constituição de
1988 e, particularmente, do disposto no seu art. 129, caput, inciso I: “São funções institucionais do
Ministério Público: [...] I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei”.

Mesmo assim, somente 20 anos depois, com a reforma de 2008 do Código de Processo Penal, tal
disciplina foi alterada. A nova redação do caput do art. 384, passou a exigir o aditamento em
qualquer caso de mudança fática, pouco importando se em comparação com o fato
originariamente imputado, a pena seria de maior ou menor gravidade.203 Surgida prova de
circunstância ou elemento não contido na acusação, tal aspecto fático somente poderá ser
considerado pelo juiz na sentença, se houver aditamento da denúncia. Além disso, restou claro que
a alteração da imputação, por meio do aditamento, se dará por ato exclusivo e de iniciativa
própria do Ministério Público, sem previsão de qualquer provocação judicial nesse sentido.204
Assim, se a instrução indicar uma alteração fática relevante, independentemente da pena aplicável
a tal fato diverso, deverá o acusador aditar a denúncia ou a queixa, para incluí-la na imputação e,
só assim, poderá o juiz considerar tais fatos ao sentenciar.

Isso vale para toda e qualquer hipótese de alteração fática. Quando se pensa na mudança do
objeto do processo, conhecida como mutatio libelli, normalmente o que se imagina é alteração,
pela substituição, de um fato narrado na denúncia, por outro diverso, descrito no aditamento.
Essa, contudo, não é a única possibilidade de alteração do objeto do processo, quanto ao fato
imputado. O objeto do processo pode ser alterado por: (1) substituição; (2) acréscimo; (3) redução.

A hipótese mais comum é de substituição, isto é, alteração de um fato por outro diverso. Por
exemplo, a denúncia narra fatos que se subsomem ao estelionato, porque o acusado teria,
mediante um engodo, fazendo-se passar por empregado de uma empresa de manutenção de
equipamentos, retirado da casa da vítima, um aparelho para consertá-lo. Todavia, depois, a
denúncia é aditada, porque efetivamente o acusado era empregado da empresa de manutenção de
tal equipamento, passou a detê-lo licitamente, pois lhe foi entregue pelo titular do mesmo, mas,
num segundo momento, resolveu não mais o restituir. Nesse caso, em termos mais simples, haverá
substituição de um fato por outro. E a acusação de estelionato será substituída pela acusação de
apropriação indébita.

É possível, por outro lado, que ocorra a alteração do objeto do processo por acréscimo:
mantém-se o conjunto fático inicial, mas a ele se agregam outros elementos. Seria o caso, por
exemplo, de alguém que foi denunciado por subtração de coisa alheia móvel e, depois, adiciona-se
a imputação do emprego da violência. Haverá alteração, por acréscimo da violência, com a
mudança do crime de furto para o de roubo.
Por fim, é possível a alteração por redução. É o que pode ocorrer nas situações em que há
relação de especialidade entre delitos, ou no crime complexo. Exempli gratia: partindo de uma
imputação inicial de um fato que caracterize peculato, se no curso da instrução é descoberto que o
imputado não era funcionário público, a acusação será alterada, suprimindo-se a condição de
funcionário público, e modificando-se o delito de peculato para de por apropriação indébita,
independentemente de qualquer alteração da acusação.

No caso substituição do objeto do processo, há alteração, ainda que parcial, dos fatos que serão
provados. No acréscimo, o que já constituía o thema probandum continuará tendo que ser
provado, e a esse contexto fático se agregam novos fatos. Por fim, na redução haverá diminuição
dos fatos que serão objeto da prova. De qualquer modo, todas essas mudanças do tema que será
objeto do juízo de fato se dará, sempre e exclusivamente, por ato do acusador. O juiz não poderá
alterar o objeto do processo.

Um segundo aspecto que precisa ser analisado diz respeito às consequências do aditamento.
Seria possível a chamada imputação alternativa superveniente? Ou, de modo mais concreto: por
exemplo, no caso de uma denúncia por estelionato, em que haja posterior aditamento para
apropriação indébita, o juiz, ao final, somente poderá condenar ou absolver o acusado pelo crime
de apropriação indébita, ou também poderá condená-lo pela imputação originária de estelionato?

Caso se adote a posição que admite a possibilidade de condenação por ambos crimes, a
mudança do fato objeto do processo amplia o thema probandum, que além do fato originalmente
imputado, também passará a incluir as alegações sobre fato diverso objeto do aditamento.
Diferentemente, admitindo-se apenas a possibilidade de condenação pelo fato decorrente do
aditamento, haverá uma alteração parcial do objeto do processo, deixando de integrá-lo o aspecto
fático que foi excluído pelo aditamento, e dele passando a fazer parte a porção de fato que foi por
ele acrescida. 205

Estabelecida a relevância da questão, para a sua resposta, novamente é importante analisar a


evolução da disciplina da matéria, comparando o regime originário com o decorrente da reforma
de 2008 do Código de Processo Penal. De uma maneira geral, a doutrina entendia que o art. 384,
parágrafo único, admitia uma forma de “denúncia alternativa superveniente”.206 Isto é, tendo
havido o aditamento, o juiz continuava livre para julgar o acusado – ou melhor, para condená-lo –
tanto pela imputação originária, quanto pela imputação superveniente, decorrente do aditamento.
Em outras palavras, o aditamento não substituiria a imputação originária, mas a ela se somaria,
em caráter alternativo.

Mesmo antes da reforma do Código não era possível concordar com a posição prevalecente na
doutrina nacional, que considerava haver, em tal caso, uma hipótese de imputação alternativa
superveniente.207 De qualquer forma, o § 4º do art. 384 do CPP, acrescido pela reforma de 2008,
deixou claro que, uma vez recebido o aditamento, o juiz ficará, “na sentença, adstrito aos termos
do aditamento”. Ou seja, havendo o aditamento da denúncia, o fato imputado passará a ser
exclusivamente o fato superveniente, que substitui o fato originário. Se o juiz condenar o acusado
pelo fato originário, que fora substituído, estará proferindo uma sentença extra petita e,
consequentemente, viciada pela nulidade absoluta, tal qual ocorre com qualquer sentença que
viole a regra da correlação entre acusação e sentença.

Portanto, retome-se o exemplo inicial, em que é formulada a denúncia por fatos que
caracterizam o crime de estelionato e, posteriormente, no curso da instrução, fica provado que não
houve emprego do meio fraudulento para o desapossamento, mas sim que o acusado já tinha a
posse da coisa da qual se apropriou. Feito o aditamento da denúncia para o crime de apropriação
indébita, não restará mais a acusação pelo estelionato. Nesse contexto, evidentemente, o acusado
não poderá ser condenado por estelionato, se o próprio Ministério Público afirmou no aditamento
que houve outro crime, no caso, apropriação indébita. Em suma, no caso de aditamento da
denúncia, com fundamento no art. 384, caput, do CPP, não há denúncia alternativa superveniente.
O que existe é uma imputação diversa, em substituição da imputação originária, como determina o
§ 4º do mesmo dispositivo.
Sumariando o conteúdo do presente tópico, há três pontos de relevo, que demonstram a
subordinação do thema probandum à alegação fática as partes, especialmente do acusador, no
caso de alteração do objeto do processo.

Primeiro: atualmente, a mudança do objeto do processo e, consequentemente, do tema de


prova, somente ocorrerá se houver aditamento da denúncia ou queixa. Consequentemente, o juiz
somente poderá conhecer os fatos diversos do imputado se houver aditamento da denúncia ou
queixa, pelo Ministério Público ou querelante, respectivamente.

Segundo: o aditamento da denúncia ou queixa será sempre espontâneo, não podendo o juiz
determinar, instar ou mesmo sugerir a sua prática, sob pena de comprometimento de sua
imparcialidade.

Terceiro: uma vez realizado o aditamento da denúncia ou queixa, o objeto do processo e,


consequentemente, o thema probandum terão sido alterados, não podendo mais se admitir a
produção de provas sobre os aspectos fáticos que foram alterados no aditamento. E, ao final, na
sentença, o juiz somente poderá absolver ou condenar o acusado, pelos fatos tais quais narrados
no aditamento.

NOTAS DE RODAPÉ
1

FERRAJOLI, Luigi. Diritto e ragion: teoria del garantismo penale. Roma: Laterza, 1998. p. 6.

Como lembra José Frederico Marques (Ensaio sobre a jurisdição voluntária. São Paulo: Saraiva, 1959. p.
253), “o Estado, como titular do direito de punir, poderia reprimir os delitos administrativamente, e isto ou
através de órgãos judiciários, como acontecia no processo inquisitório, ou de órgãos submetidos ao
Executivo”.

Antonio Magalhães Gomes Filho (A motivação das decisões penais. São Paulo: Ed. RT, 2001. p. 23) destaca
que “a moderna concepção de Estado de direito traduz, basicamente uma ideologia de limitação desse
poder”. E, especificamente com relação ao processo penal, Luciano Marques Leite (O conceito de lide no
processo penal: um tema de teoria geral do processo. Justitia, n. 70, jul.-set. 1970. p. 193) lembra que “O
Estado de Direito, para maior garantia e tutela da liberdade dos cidadãos, depois de percorrer uma linha
ascensional, que é a própria história da evolução dos direitos fundamentais do homem, autolimitou-se.
Colocou à sua frente uma barreira, a proibição da autodefesa penal, isto após ter estabelecido uma posição
de equilíbrio entre o seu direito punitivo e o direito de liberdade dos súditos”.

O tema será aprofundado, infra, no item 1.3.

5
Adotar a premissa de que o respeito ao procedimento é condição necessária, mas não suficiente, para
decisão justa implica rechaçar a concepção meramente procedimentalista, no sentido de que basta o
respeito ao procedimento para que se considere justa a decisão proferida ao final. Michele Taruffo (Idee
per una teoria della decisione giusta. Sui confini: scritti sulla giustizia civile. Bologna: Il Mulino, 2002. p.
225) afirma, com razão, que a justiça da decisão não pode coincidir somente com o respeito ao
procedimento, pois a um processo justo pode se seguir uma decisão injusta, se o juiz valora de modo
errôneo o resultado das provas. No mesmo sentido: NOBILI, Massimo. Esiti, errori, arbitrii dietro
un’illustre formula: gli ultimi trent’anni. Il libero convincimento del giudice penale: vecchie e nuove
esperienze. Milano: Giuffrè, 2004. p. 41.

TARUFFO. Idee per una teoria della decisione giusta, cit., p. 224; Idem. Processo civil comparado: ensaios.
Trad. Daniel Mitidiero. São Paulo: Marcial Pons, 2013. p. 38. No mesmo sentido: PASTORE, Baldassare.
Decisioni, argomenti, controlli: diritto positivo e filosofia del diritto. Torino: G. Giappichelli, 2015. p. 97-98;
TUZET, Giovanni. Filosofia della prova giuridica. 2. ed. Torino: G. Giappichelli, 2016. p. 81.

Deixando de lado a questão da interpretação e aplicação da lei, que não é o objetivo desta obra, no
presente capítulo se examinarão as garantias do devido processo legal e sua interação com o juízo de fato.

GRINOVER, Ada Pellegrini. Liberdades públicas e processo penal: as interceptações telefônicas. 2. ed. São
Paulo: Ed. RT, 1982. p. 58.

A tríade se completa com o terceiro escopo institucional do processo, relacionado com o quaestio iuris,
consistente na correta interpretação e aplicação da lei. Mas, para os fins da obra, esse terceiro escopo não
está diretamente em questão.

10

IRTI, Natalino. Dubbio e decisione. Rivista di Diritto Processuale, 2001. p. 64.

11

BELLAVISTA, Girolamo. Il processo come dubbio. Studi sul processo penale. Milano: Giuffrè, 1976. v. IV. p.
31.

12

IACOVIELLO, Francesco Mauro. I criteri di valutazione della prova. In: BESSONE; Mario; GUASTINI,
Ricardo (Coord.). La regola del caso: materiali sul ragionamento giuridico. Padova: Cedam, 1995. p. 398.
13

No sentido de que a verdade é condição necessária, mas não suficiente para a justiça das decisões:
LAUDAN, Larry. Verdad, error y proceso penal: un ensayo sobre epistemología jurídica. Trad. Carmen
Vázquez e Edgard Aguilera. Madrid: Marcial Pons, 2013. p. 23; GOLDMAN, Alvin I. Knowledge in a social
world. Oxford: Oxford University Press, 1999. p. 284; UBERTIS, Giulio. Profili di epistemologia giudiziaria.
Milano: Giuffrè, 2015. p. 3; HAACK, Susan. A respeito da verdade, na ciência e no direito. Perspectivas
pragmáticas da filosofia do direito. Trad. André de Godoy Vieira e Nélio Schneider. São Leopoldo: Editora
Unisinos, 2015. p. 324.

14

IBÁÑEZ, Perfecto Andrés. “Carpintaria” da sentença penal (em matéria de fato). Valoração da prova e
sentença penal. Trad. Lédio Rosa de Andrade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 128.

15

Nesse sentido: CARVALHO, Luiz Gustavo Grandinetti Castanho de. Processo penal e Constituição. 3. ed. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 125.

16

Sobre a garantia do juiz natural como meio de assegurar o direito ao juiz imparcial: BADARÓ, Gustavo
Henrique. Juiz natural no processo penal. São Paulo: Ed. RT, 2014. p. 35 e ss.

17

Analisando a interação entre defesa e contraditório, Ada Pellegrini Grinover (Defesa, contraditório,
igualdade e par conditio na ótica do processo de estrutura cooperatória. Novas tendências do direito
processual. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990. p. 5-6) explica: “[...] defesa, pois, que garante o
contraditório, e que por ele se manifesta e é garantida: porque a defesa, que o garante, se faz possível
graças a um de seus momentos constitutivos – a informação – e vive e se exprime por intermédio de seu
segundo momento – a reação”.

18

A feliz figura de um “sistema circular” é de Alfredo Bargi (Procedimento probatorio e giusto processo.
Napoli: Jovene, 1990. p. 105). Dela também faz uso Magalhães Gomes Filho (A motivação das decisões
penais..., cit., p. 33).

19

MAGALHÃES GOMES FILHO, A motivação das decisões penais..., cit., p. 33.

20

Gascón Abellán (Los hechos en el derecho: bases argumentales de la prueba. Madrid: Marcial Pons, 2010.
p. 122), tendo com critério o fim de averiguação da verdade, divide as garantias institucionais do processo
em três categorias: garantias institucionais epistemológicas, que contribuem para a averiguação da
verdade; garantias institucionais não epistemológicas, que não dificultam a averiguação da verdade; e
garantias institucionais contraepistemológicas, que dificultam ou entorpecem a averiguação da verdade.
Jordi Ferrer Beltrán (Prueba y verdad en el derecho. 2. ed. Madrid: Marcial Pons, 2005. p. 36, nota 19)
também faz referência a garantias contraepistemológicas.

21

Nesse sentido: GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 4. ed. São
Paulo: Malheiros, 2006. p. 144.

22

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Organização das Nações Unidas, de 10 de dezembro de
1948, prevê no item X que “Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública
audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir seus direitos e deveres ou
fundamento de qualquer acusação criminal contra ele”. No âmbito das organizações regionais, a
Convenção Europeia de Direitos Humanos, de 04 de novembro de 1950, em seu art. 6.1, ao assegurar o
direito ao processo equitativo, estabelece que: “Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja
examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial,
estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de caráter
civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela [...]”. O Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas, de 16 de
dezembro de 1966, em seu art. 14.1, primeira parte, estabelece que “Todas as pessoas são iguais perante os
tribunais. Toda a pessoa terá direito a ser ouvida publicamente e com as devidas garantias por um
tribunal competente, segundo a lei, independente e imparcial, na determinação dos fundamentos de
qualquer acusação de carácter penal contra ela formulada ou para a determinação dos seus direitos ou
obrigações de carácter civil. [...]”. A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, adotada no âmbito da
Organização dos Estados Americanos, de 22 de dezembro de 1969, igualmente assegura, no art. 8.1, que
“Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um
juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração
de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações
de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.”

23

Outra questão de grande importância diz respeito à organização judiciária, no caso, se o juiz deve ser um
magistrado profissional, ou um julgador leigo. Além disso, essa questão poderia se desdobrar em outras
tantas em cada uma das categorias, como: se o órgão julgador, na atividade de valoração da prova, deve
ser monocrático ou colegiado?

24

A negativa de poderes instrutórios ao juiz, por sua incompatibilidade com o modelo acusatório, é defendia
por parte da doutrina italiana: LOMBARDO, Luigi Giovanni. Ricerca della verità e nuovo processo penale.
Cassazione Penale, 1993. p. 755; MARAFIOTI, Luca. L’art. 507 c.p.p. al vaglio delle Sezioni unite: un addio
al processo accusatorio e all’imparzialità del giudice dibattimentale. Rivista Italiana di Diritto e Procedura
Penale, 1993. p. 845. Na doutrina nacional, o mesmo posicionamento é sustentado por: COUTINHO, Jacinto
Nelson de Miranda. O papel do novo juiz no processo penal. In: COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda
(Coord.). Crítica à teoria geral do direito processual penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 31 e ss.; Idem,
Glosas ao Verdade, Dúvida e Certeza, de Francesco Carnelutti, para os operadores do Direito, In: Revista de
Estudos Criminais – Instituto Transdisciplinar de Estudos Criminais – ITEC, Porto Alegre, n. 14, abr.-jun.,
2004, p. 87; e LOPES JR., Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade
garantista. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 173 e ss. Merece destaque, também, a posição
intermediária de Geraldo Prado (Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais
penais. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. p. 158-159): “entre os poderes do juiz, por isso, segundo o
princípio acusatório, não se deve encontrar aquele que pertinente à iniciativa judicial, permitindo-se,
quando muito, pela coordenação dos princípios constitucionais da justiça material e presunção da
inocência, que moderadamente intervenha, durante a instrução, para, na implementação de poderes de
assistência ao acusado, pesquisar, de maneira supletiva, provas da inocência, conforme a(s) tese(s)
esposada(s) pela defesa”.

25

A observação vale, não só para os sistemas nacionais, como para os tribunais internacionais. Por exemplo,
no caso do Tribunal Penal Internacional, Salvatore Zappalà (The rights of the accused. In: CASSESE,
Antonio; GAETA, Paola; JONES, John R. W. D. (Ed.). The Rome Statute of the International Criminal Court: a
commentary. Oxford: Oxford University Press, 2009. v. II. p. 1320), afirma tratar-se de um sistema
essencialmente adversarial, embora estejam presentes alguns elementos do modelo inquisitorial. De modo
semelhante, Kai Ambos (International criminal procedure: “adversarial”, “inquisitorial” or “mixed”?
International Criminal Law Review, p. 1-37, 2003, consultada versão em português, “É o procedimento
penal internacional ‘adversarial’, ‘inquisitivo’ ou ‘misto’”. In: AMBOS, Kai. Processo penal internacional.
Trad. Marcellus Polastri Lima e Margareth Vetis Zaganelli. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012. p. 54; Idem.
Derecho procesal penal contemporáneo. San José: Editorial Jurídica Continental, 2011. p. 70), se refere a
um processo misto adversarial-inquisitivo.

26

Na Espanha, por exemplo, embora o art. 728 da Ley de Enjuiciamiento Criminal estabeleça, como regra
geral, que “no podrán practicarse otras diligencias de prueba que las propuestas por las partes, ni ser
examinados otros testigos que los comprendidos en las listas presentadas”, o art. 729 excepciona-a,
dispondo que: “se exceptúan de lo dispuesto en el artículo anterior: 1º Los careos de los testigos entre sí o
con los procesados o entre éstos, que el Presidente acuerde de oficio, o a propuesta de cualquiera de las
partes; 2º Las diligencias de prueba no propuestas por ninguna de las partes, que el Tribunal considere
necesarias para la comprobación de cualquiera de los hechos que hayan sido objeto de los escritos de
calificación. 3º Las diligencias de prueba de cualquier clase que en el acto ofrezcan las partes para
acreditar alguna circunstancia que pueda influir en el valor probatorio de la declaración de un testigo, si
el Tribunal las considera admisibles”. Também na Alemanha, o § 244, n. 1, da StPO confere ao juiz os
poderes instrutórios de caráter geral: “El tribunal tiene que extender de oficio la recepción de las pruebas
para la investigación de la verdad de todos los hechos y medios de prueba que tienen significado para la
decisión”. Com relação a Portugal, no Código de Processo Penal de 1987, o art. 340, § 1º, do CPP português
estabelece um princípio geral segundo o qual “o Tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a
produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da
verdade e à boa decisão da causa”. Segundo Jorge de Figueiredo Dias (O novo Código de Processo Penal.
Separata do Boletim do Ministério da Justiça 369/15, Lisboa, 1987. p. 14), trata-se de “uma estrutura
acusatória, integrada por um princípio de investigação”. Quanto à Itália, o art. 190, comma 1º, do Codice di
Procedura Penale, que “enuncia il principio forse più emblematico del nuovo rito accusatorio”
(MELCHIONDA, Achille. Prova in generale (diritto processuale penale). Enciclopedia del diritto.
Aggiornamento. Milano, 1997. p. 847), estabelece que “1. Le prove sono ammesse a richiesta di parte”.
Contudo, tal regra não é absoluta. O art. 507, comma 1º, excepciona: “Terminata l’acquisizione delle prove,
il giudice, se risulta assolutamente necessario, può disporre anche di ufficio l’assunzione di nuovi mezzi di
prove”. O Código de Processo Penal Tipo para a Iberoamérica também assegura ao juiz o poder de
produzir provas ex officio. Como regra geral, o art. 289 estabelece que “en la decisión, el tribunal ordenará,
de oficio, la recepción de la prueba pertinente y útil que considere conveniente, siempre que su fuente
resida en las actuaciones ya practicadas”. Além disso, o art. 317 prevê que “El tribunal podrá ordenar, aún
de oficio, la recepción de nuevos medios de prueba, si en el curso del debate resultaren indispensables o
manifiestamente útiles para esclarecer la verdad”. Por fim, o art. 320 dispõe que “Si el tribunal estimare
imprescindible, durante la deliberación, recibir nuevas pruebas o ampliar las incorporadas, conforme al
art. 317, podrá disponer, a ese fin, la reapertura del debate”. No Tribunal Penal Internacional é
reconhecido o direito à prova das partes, mas o juiz também dispõe de poderes para, de ofício, determinar
a produção de provas. O art. 69.3 do Estatuto de Roma, na disciplina da prova, prevê: “69.3. As partes
poderão apresentar provas que interessem ao caso, nos termos do artigo 64. O Tribunal será competente
para solicitar de ofício a produção de todas as provas que entender necessárias para determinar a
veracidade dos fatos”. Por fim, mas não menos relevante, até pela natureza do órgão, importante lembrar
da disciplina prevista no âmbito das Cortes internacionais de direitos humanos. O art. 59.3 do
Regulamento da Corte Europeia de Direitos Humanos, que entrou em vigor no dia 1º de julho de 2014,
estabelece que: “The Chamber may decide, either at the request of a party or of its own motion, to hold a
hearing on the merits if it considers that the discharge of its functions under the Convention so requires”.
De forma semelhante, o art. 58 do Regulamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que dispõe
sobre “Diligências probatórias de ofício”, prevê, no subitem (a) que: “A Corte poderá, em qualquer fase da
causa: a. Procurar ex officio toda prova que considere útil e necessária. Particularmente, poderá ouvir, na
qualidade de suposta vítima, de testemunha, de perito ou por outro título, a qualquer pessoa cuja
declaração, testemunho ou parecer considere pertinente”. Para uma ampla análise dos poderes
instrutórios do juiz no processo civil, cf.: TARUFFO, Michele. Os poderes instrutórios das partes e do juiz
na Europa. Processo civil comparado: ensaios. Trad. Daniel Mitidiero. São Paulo: Marcial Pons, 2013. p. 57-
84, em que conclui que “Não existe qualquer conexão entre a atribuição ao juiz de mais ou menos poderes
de iniciativa instrutória e a presença de regimes autoritários e antidemocráticos”.

27

Mesmo nos países de common law, em que a iniciativa probatória é toda exercida pelas partes, tendo o
julgador um papel geralmente passivo, a lei lhe confere poderes probatórios em determinados casos. Por
exemplo, no processo norte-americano, a rule 614 (a) do Federal Rule of Evidence estabelece que “the
court may, on its own motion or at the suggestion of a party, call witnesses, and all parties are entitled to
cross-examine witnesses thus called”. De outro lado, a letra (b) dispõe que “the court may interrogate
witnesses, whether called by itself or by a party”. Também a rule 706 prevê que “the court may appoint
any expert witnesses agreed upon the parties and may appoint expert witness of its own selection”.
Também no processo penal inglês, o juiz pode chamar ex officio testemunhas, incluindo os peritos, sem
necessidade de consentimento das partes.
28

No caso brasileiro, o Código de Processo Penal de 1941, buscando atingir os fins almejados pelo Estado
Novo, pressupunha um juiz forte, verdadeiro protagonista ou ator principal do processo, que em tema
probatório, era o senhor da instrução. A ele eram reservados amplos poderes probatórios, na busca da tão
almejada verdade real. Lê-se na Exposição de Motivos do Código de Processo Penal, em seu item VII: “o
juiz deixará de ser um espectador inerte da produção de provas. Sua intervenção na atividade processual
é permitida, não somente para dirigir a marcha da ação penal e julgar a final, mas também para ordenar,
de ofício, as provas que lhe parecerem uteis ao esclarecimento da verdade. Para a indagação desta, não
estará sujeito a preclusões. Enquanto não estiver averiguada a matéria de acusação ou da defesa e houver
fonte de prova ainda não explorada, o juiz não deverá pronunciar o in dubio pro reo ou o no liquet”
(destaquei). Desde então, muita coisa mudou e, a partir da Constituição de 1988, tem havido um crescente
movimento doutrinário pela restrição dos poderes instrutórios do juiz. Todavia, ao menos no campo
probatório, essa tendência não se refletiu no direito posto. A Lei 11.690/2008, que alterou as regras gerais
sobre prova no Código de Processo Penal, deu nova redação ao art. 156, nos seguintes termos: “Art. 156. A
prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: I – ordenar, mesmo
antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes,
observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida; II – determinar, no curso da
instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto
relevante.”

29

BADARÓ. Ônus da prova no processo penal..., cit., p. 119-120. Em sentido contrário, posiciona-se Geraldo
Prado (Sistema acusatório..., cit., p. 136-137), que afirma: “Ao tipo de prova que se pesquisa corresponde
um prognóstico, mais ou menos seguro, da real existência do thema probandum, e, sem dúvida, também
das consequências jurídicas que podem advir da positivação da questão fática. Quem procura sabe ao
certo o que pretende encontrar e isso, em termos de processo penal condenatório, representa uma
inclinação ou tendência perigosamente comprometedora da imparcialidade do julgador”.

30

CORDERO, Franco. Guida alla procedura penale. Torino: UTET, 1986. p. 51. Invocando tal passagem, cf.:
COUTINHO, Glosas ao Verdade, Dúvida e Certeza, de Francesco Carnelutti ..., cit., p. 86.

31

Como explica Jorge de Figueiredo Dias (Direito processual penal. Coimbra: Coimbra Ed., 1974. v. I. p. 136-
137): “Já conhecemos o processo histórico através do qual se operou a evolução do processo penal de um
tipo inquisitório para um tipo acusatório, bem como a consideração material que esteve na base da
evolução: a imparcialidade e objectividade que, conjuntamente com a independência, são condições
indispensáveis de uma autêntica decisão judicial só estarão asseguradas quando a entidade julgadora não
tenha também funções de investigação preliminar e acusação das infrações, mas antes possa apenas
investigar e julgar dentro dos limites que lhe são postos por uma acusação fundamentada e deduzida por
um órgão diferenciado (em regra o MP ou um juiz de instrução). É precisamente com este conteúdo que
modernamente se afirma o princípio da acusação” (destaques no original) E, noutro passo, complementa o
ilustre Autor português (ibidem, p. 143-144): “Não basta porém, para que se dê satisfação às exigências
materiais contidas no princípio da acusação, que o princípio se consagre, é ainda necessário, como bem se
compreenderá, que integralmente se respeitem as implicações que dele substancialmente derivam [...]: 1º
O tribunal a quem cabe o julgamento não pode, por sua iniciativa, começar uma investigação tendente ao
esclarecimento de uma infracção e à determinação de seus agentes; isto tem de ter lugar numa fase
(processual ou pré-processual, tanto importa) cuja iniciativa e direcção caiba a uma entidade diferente. 2º
A dedução da acusação é pressuposto de toda a actividade jurisdicional de investigação, conhecimento e
decisão. Ela afirma publicamente que sobre alguém recai uma suspeita tão forte de responsabilidade por
uma infracção que impõe uma decisão judicial; é, digamos assim, a afirmação pública e solene de que a
comunidade jurídica chama um seu membro à responsabilidade.” (destaquei).

32

Há idêntico posicionamento na doutrina processual civil italiana. Para Bruno Cavallone (Crítica della
teoria delle prove atipiche. Rivista di Diritto Processuale, 1978. p. 723, nota 124) o juiz não pode buscar,
por si mesmo, e fora do processo “fontes materiais de prova”, que não tenham sido já identificadas e
mencionadas nos autos do processo, sob pena de violar princípios e valores relevantes, como a
imparcialidade do juiz, o contraditório, vedação da utilização de conhecimento privado do julgador e a
regra de ônus da prova.

33

MANZINI, Vincenzo. Trattato di diritto processuale penale italiano. 6. ed. Torino: UTET, 1967. v. III. p. 231.

34

MANZINI. Trattato di diritto processuale penale italiano, cit., p. 236-237. E completava: o juiz, assim como
o Ministério Público, “deve tutelar o interesse repressivo do Estado e, portanto, pode se convencer
livremente, seja valorando os resultados das provas fornecidas pela acusação, seja indagando por sua
própria iniciativa, de ofício”. Semelhante é o posicionamento de Eugenio Florian (Delle prove penale: in
generale. Milano: Casa Ed. Dott. Francesco Vallardi, 1921. v. I. p. 53): “o princípio da busca da verdade
material e efetiva, que rege todo o processo, e o seu caráter altamente público, fazem com ele
incompatíveis limitações apriorísticas, ainda que porventura sejam cogitáveis para outras espécies de
processo”.

35

. Sobre o sistema acusatório e a busca da verdade, cf., infra, item 1.4.

36

Michele Taruffo (Elementi per un’analisi del giudizio di fatto. Sui confini: scritti sulla giustizia civile.
Bologna: Il Mulino, 2002. p. 240-241, cita a obra de Norbert Elias, Coinvolgimento e distacco. Saggi di
sociologia della conoscenza, trad. it. Bolonha, 1988, p. 19 aa., 23 e ss. Preferiu-se traduzir a dicotomia para
engajamento/distanciamento, por ser mais fiel ao título original da obra: Engagement und Distanzierung.
Arbeiten zur Wissenssoziologie I. Editado por Michael Schröter. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1983.

37
TARUFFO, Elementi per un’analisi del giudizio di fatto..., cit., p. 240-241.

38

TARUFFO, Elementi per un’analisi del giudizio di fatto..., cit., p. 240-241.

39

ORLANDI, Renzo. L’attività argomentativa delle parti nel dibattimento penale. In: FERRUA, Paolo et al. La
prova nel dibattimento penale. Torino: G. Giappichelli, 1999. p. 14.

40

Destaque-se que a limitação dos poderes instrutórios do juiz ao perímetro traçado pelos fatos que
integram o objeto do processo é reconhecida mesmo por quem defende os poderes instrutórios do juiz,
inclusive no processo civil. Nesse sentido, na doutrina nacional: BEDAQUE, José Roberto dos Santos.
Poderes instrutórios do juiz. 4. ed. São Paulo: Ed. RT, 2009. p. 154. Na Espanha: PICÓ I JUNOY, Juan. El juez
y la prueba: estudio de la errónea recepción del brocardo iudex iudicare debet secundum allegata et
probate, non secundum conscientiam y su repercusión actual. Barcelona: Bosch Procesal, 2007. p. 117-118.
No mesmo sentido, na doutrina argentina: VARELA, Casimiro A. Valoración de la prueba. 2. ed. Buenos
Aires: Editorial Astrea, 1999. p. 148. Na doutrina italiana: CAVALLONE, Bruno. Critica della teoria delle
prove atipiche. Rivista di Diritto Processuale, Milano, 1978. p. 723, nota 12; TARUFFO, Michele. Modelli di
prova e di procedimento probatorio. Rivista di Diritto Processuale, 1990. p. 434.

41

OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Do formalismo no processo civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003.
p. 115.

42

O art. 398 do ab-rogado Código de Processo Civil de 1973 dispunha: “Art. 398. Sempre que uma das partes
requerer a juntada de documento aos autos, o juiz ouvirá, a seu respeito, a outra, no prazo de 5 (cinco)
dias”. Se o contraditório deve ser observado em relação à prova documental produzida pela parte
contrária, com maior razão o deverá sê-lo no caso de prova produzida, ex officio, pelo juiz.

43

Como explica Giuseppe Tarzia (Lineamenti del nuovo processo di cognizione. Milano: Giuffrè, 1996. p. 115-
116) “o exercício do poder instrutório de ofício, em qualquer momento do processo, reabrirá os termos
para uma nova instrução, se ela se tornar após a produção das provas propostas pelas partes, mas
exclusivamente sobre os fatos admitidos como tema de prova pelo juiz e sobre os quais destinados a
contestar existência ou informar a relevância”.

44

Nesse sentido: DINAMARCO, Cândido Rangel. O princípio do contraditório. Fundamentos do processo civil
moderno. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 1987., p. 95; GRINOVER, Defesa, contraditório, igualdade e par conditio
na ótica do processo de estrutura cooperatória..., cit., p. 4, nota 18.

45

FAZZALLARI, Elio. Processo (teoria generale). Novissimo Digesto Italiano. Torino: UTET, 1966. v. 13. p.
1067-1076; Idem. Istituzioni di diritto processuale. 5. ed. Padova: Cedam, 1989, p. 58. Destaque-se que, no
caso do processo jurisdicional, que é “o processo por antonomásia”, para Fazzalari (Processo (teoria
generale) ..., cit., p. 1075), além do contraditório entre as partes, há outras características típicas da função
jurisdicional: a independência e estraneidade do autor do provimento final, que é o juiz, em relação à
realidade substancial, que é o pressuposto do processo e é deduzida em juízo; e a irrevogabilidade do
provimento final do processo. Apenas nos casos em que essas características se apresentem
conjuntamente é que se pode falar em processo jurisdicional, visto que todas elas são indispensáveis ao
desenvolvimento da atividade jurisdicional.

46

FAZZALARI, Processo (teoria generale)..., cit., p. 1069.

47

FAZZALARI, Processo (teoria generale)..., cit., p. 1072.

48

GRINOVER, Ada Pellegrini. O processo em evolução. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1996. p. 54.

49

ALMEIDA, Joaquim Canuto Mendes de. A contrariedade na instrução criminal. São Paulo: Saraiva, 1937. p.
110.

50

Para Sergio La China (L’esecuzione forzata e le disposizioni generali del Codice di Procedura Civile.
Milano: Giuffrè, 1970. p. 394) o “princípio do contraditório se articula, nas suas manifestações técnicas, em
dois aspectos ou tempos essenciais: informação, reação; necessária sempre a primeira, eventual a segunda
(mas necessário que seja possibilitada!)”.

51

Ambos os conceitos propugnam pela obrigatoriedade ou necessidade de informação, mas, quanto à


reação, basta que essa seja possibilitada. Em outras palavras, trata-se de reação possível.

52

Grinover (Defesa, contraditório, igualdade e par conditio na ótica do processo de estrutura cooperatória...,
cit., p. 12), partindo da indisponibilidade da relação material subjacente ao processo penal, afirma que “a
reação, no processo penal, não pode ser meramente eventual, mas há de fazer-se efetiva. O contraditório,
agora, não pode ser simplesmente garantido, mas deve ser estimulado. E a contraposição dialógica entre
as partes há de ser real e não apenas formal. O juiz cuidará da efetiva participação das partes no
contraditório, utilizando para tanto seus amplos poderes, a fim de que não haja desequilíbrio entre os
ofícios da acusação e defesa. Cabe ao juiz penal, portanto, integrar e disciplinar o contraditório, sem que
com isso venha a perder sua imparcialidade, que sairá fortalecida, no momento da síntese, pela
apreciação do resultado de atividades justapostas e paritárias, desenvolvidas pelas partes”. No mesmo
sentido: DINAMARCO. O princípio do contraditório, cit., p. 96.

53

Para Magalhães Gomes Filho (A motivação das decisões penais..., cit., p. 139), sob essa ótica sociológica, o
contraditório tem a função de legitimar a decisão final.

54

MAGALHÃES GOMES FILHO, A motivação das decisões penais..., cit., p. 39.

55

CALAMANDREI, Piero. La dialeticità del processo. Opere giuridice. Napoli: Morano, 1965. v. I. p. 682.
Ressalve-se que, nem sempre a dialética argumentativa das partes coloca como objeto do processo todos
os fatos em sua inteireza. Além disso, a dialética probatória, obviamente, nem sempre possibilita o
conhecimento de “toda a verdade”.

56

DE LUCA, Giuseppe. Il sistema delle prove penali e il principio del libero convincimento nel nuovo rito.
Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale, 1992. p. 1261.

57

Nesse sentido: CALAMANDREI, La dialetticità del processo..., cit., p. 682; FERRAJOLI, Diritto e ragione...,
cit., p. 763; BARGI, Procedimento probatorio e giusto processo..., cit., p. 92; FERRUA, Contradditorio e verità
nel processo penale..., cit., p. 76; COMOGLIO, Luigi Paolo; ZAGREBELSKY, Vladimiro. Modello accusatorio e
deontologia dei comportamenti processuali nella prospettiva comparatistica. Rivista Italiana di Diritto e
Procedura Penale, 1993. p. 481; UBERTIS, Giulio. Diritto alla prova nel processo penale e Corte Europea dei
Diritti dell’Uomo. Verso un “giusto processo” penale. Torino: G. Giappichelli, 1997. p. 90; Idem. Principi di
procedura penale europea: le regole del giusto processo. Milano: Raffaello Cortina, 2000. p. 36; Idem,
Profili di epistemologia giudiziaria..., cit., p. 63; NOBILI, Esiti, errori, arbitrii dietro un’illustre formula...,
cit., p. 40; ANDRÉS IBÁÑEZ. A argumentação probatória e sua expressão na sentença, cit., p. 35. Na
doutrina pátria: GRINOVER, Ada Pellegrini. Igualdade de partes e paridade de armas: a posição do MP no
Superior Tribunal Militar. O processo em evolução. Rio de Janeiro: Forense, 1996. p. 313; TUCCI, Rogério
Lauria. Considerações acerca da inadmissibilidade de uma teoria geral do processo. Revista do Advogado,
São Paulo, n. 61, nov. 2000. p. 92; MAGALHÃES GOMES FILHO, A motivação das decisões penais..., cit., p.
39.
58

Nesse sentido: ZAPPALÀ, Enzo. Processo penale ancora in bilico tra sistema accusatorio e sistema
inquisitorio. Diritto Penale e Processo, n. 7, 1998. p. 888; MAGALHÃES GOMES FILHO, A motivação da
decisão penal..., cit., p. 39.

59

POPPER, Karl. A miséria do historicismo. Trad. Octany S. da Mota e Leônidas Hegenbert. São Paulo: Ed.
Cultrix/Ed. USP, 1980. p. 104-105.

60

Nesse sentido: HEMPEL, Carl G. Filosofia da ciência natural. Trad. Plínio Sussekind Rocha. 2. ed. Rio de
Janeiro: Zahar Ed., 1974. p. 32; ANDRES IBÁÑEZ, Sobre a motivação dos fatos na sentença penal, cit., p. 96.

61

PASTORE, Decisioni, argomenti, controlli..., cit., p. 109.

62

Delfino Siracusano, Le Prove, SIRACUSANO, D.; GALATI, A.; Tranchina, G.; ZAPPALÀ, E. Diritto processuale
penale. 2. ed. Milano: Giuffrè, 1996. v. I. p. 348.

63

O ab-rogado Codice di Procedura Penale de 1930, no art. 299, comma 1º dispunha que: “Il giudice
istruttore ha obbligo di compiere prontamente tutti e soltanto quegli atti che in base agli elementi raccolti
e allo svolgimento dell’istruzione appaiono necessari per l’accertamento della verità”.

64

Art. 190.1 estabelece que “lhe prove soma ammesse a richiesta di parte.”

65

Codice di Procedura Penale, art. 187, 1º, 2º e 3º comma, respectivamente.

66

TAORMINA, Carlo. Il regime della prova nel processo penale. Torino: G. Giappichelli, 2007. p. 185.

67

Sobre as exceções a tais regras, cf., infra, cap. 3, item 3.5.2.


68

Essa posição é mais forte ainda para quem, como nós, considera que o Ministério Público não é uma
“parte imparcial”. No processo penal o Ministério Público é parte, e parte interessada. Ao formular a
acusação, embora esteja buscado o acertamento judicial sobre a ocorrência ou não do fato crime
imputado ao acusado, o Ministério Público já se convenceu previamente da culpabilidade e buscará prová-
la. Embora para o exercício da ação penal não se exija a certeza da autoria, o representante do Ministério
Púbico, quando acusa, certamente entende que esta é a hipótese mais provável. Mais do que isso, ao
oferecer a denúncia, o Promotor de Justiça acredita que, ao cabo da instrução, conseguirá provar, além de
qualquer dúvida razoável, a tese da acusação. Foge ao escopo da tese desenvolver o tema. Para uma
análise dos argumentos que justificam a posição, cf. BADARÓ, Gustavo Henrique. Ônus da prova no
processo penal. São Paulo: Ed. RT, 2003. p. 207-225.

69

No direito Espanhol, a doutrina entende que o direito à prova é extraível do art. 24.2 da Constituição que
assegura: “Asimismo, todos tienen derecho a [...] utilizar los medios de pruebas pertinentes para su
defensa”. Quanto ao conteúdo de tal direito, a doutrina entende que o direito à prova é aquele que
assegura ao litigante a utilização de todos os meios probatórios necessários para formar a convicção do
órgão julgador acerca dos fatos debatidos no processo (PICÓ I JUNOY, Joan. El derecho a la prueba en el
proceso civil. Barcelona: Jose Maria Bosch Ed., 1996. p. 18-19). Na Itália, com base no art. 24 da
Constituição de 1948, que assegura o direito de defesa, chegou-se à compreensão de que a regra
constitucional não se limita a garantir às partes o direito a um defensor ou o mero direito de expor as
próprias razões ao juiz. Mais do que isso, numa definição de Vassali que se tornou clássica, o direito de
defesa assegura o “diritto di difendersi provando”, ou seja, o direito de não ver diminuída a possibilidade
de defesa através de uma restrição arbitrária dos meios de prova oferecidos ao juiz ou do objeto da prova
proposta (VASSALI, Giuliano. Il diritto alla prova nel processo penale. Rivista Italiana di Diritto e
Procedura Penale, 1968. p. 12). O reconhecimento da natureza constitucional do direito à prova passou a
ser explícito com a Lei Constitucional 2, de 23 de novembro de 1999, que inserindo os princípios do justo
processo no artigo 111 da Constituição italiana, estabeleceu no 2º comma, que: “Ogni processo si svolge nel
contraddittorio tra le parti, in condizioni di parità, davanti a giudice terzo e imparziale.” E, o 4º comma do
mesmo artigo ainda assegura: “Il processo penale è regolato dal principio del contraddittorio nella
formazione della prova”. Na Alemanha, Nicolò Trocker (Processo civile e costituzione: problemi di diritto
tedesco e italiano, Giuffrè: Milano, 1974, p. 722 ss.) explica que o direito à prova não se exaure na
faculdade de produzir os meios representativos dos fatos deduzidos em juízo, mas uma verdadeira
pretensão de ver admitidas as provas propostas perante o juiz (Beweiserhebungsanspruch). Em Portugal,
as garantias do processo são estabelecidas no art. 32 da Constituição, que não prevê expressamente o
direito à prova. Todavia, na doutrina, Canotilho (CANOTILHO, José Joaquim Gomes. O ônus da prova na
jurisdição das liberdades. Estudos sobre direitos fundamentais. Coimbra: Coimbra Ed., 2004. p. 169-170)
observa que: “o direito constitucional à prova surge, a maior das vezes, ou dissolvido nos princípios de
direito e processo penal constitucionalmente consagrados (‘direito de defesa’, ‘direito ao contraditório’,
‘direito de intervenção no processo’, ‘proibição de provas ilícitas’) ou associado ao direito e tutela
jurisdicional”; o que implica “deslocar o direito à prova do estrito campo jusprocessualístico para o
localizar no terreno constitucional”. E, quanto ao seu conteúdo, arremata: “o direito constitucional à
prova abrange o direito à prova em sentido lato (poder de demonstrar em juízo o fundamento da própria
pretensão) e o direito à prova em sentido restrito (alegando matéria de fato e procedendo à demonstração
da sua existência)” (O ônus da prova..., cit., p. 170, destaques no original).
70

MAGALHÃES GOMES FILHO, Antonio. Direito à prova no processo penal. São Paulo: Ed. RT, 1997. p. 84.
Acrescenta, ainda, que o conteúdo desse direito envolve cinco momentos distintos: investigação,
propositura, admissão, produção e, por fim, valoração da prova (Ibidem, p. 88).

71

O direito à prova é assegurado no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, em seu art. 14.3.e,
que garante a todo acusado o direito “de interrogar ou fazer interrogar as testemunhas da acusação e de
obter o comparecimento e o interrogatório das testemunhas de defesa nas mesmas condições de que
dispõe as de acusação” (destaquei). De forma semelhante, a Convenção Americana sobre Direitos
Humanos, igualmente assegura aos acusados, no art. 8.2.f: “o direito da defesa de inquirir as testemunhas
presentes no tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que
possam lançar luz sobre os fatos” (destaquei). Embora os dispositivos citados se refiram à prova
testemunhal, prevalece o entendimento de que seu âmbito de proteção assegura o direito à prova de
qualquer natureza, e não apenas às fontes de provas orais: MAGALHÃES GOMES FILHO, Direito à prova
no processo penal..., cit., p. 74. No mesmo sentido, na doutrina italiana, referente ao art. 6.3.e, da CEDH, cf.
UBERTIS, Giulio. Diritto alla prova nel processo penale e Corte Europea dei Diritti dell’Uomo. Verso un
“giusto processo” penale. Torino: G. Giappichelli, 1997. p. 89-90.

72

PISANI, Mario. Sulla presunzione di non colpevolezza. Il Foro Penale, 1965. p. 3.

73

CHIAVARIO, Mario. La presunzione d’innocenza nella giurisprudenza della Corte Europea dei Diritto
Dell’uomo. Studi in ricordo di Gian Domenico Pisapia. Milano: Giuffrè, 2000. v. 2. p. 76.

74

CARRARA, Francesco. Il diritto penale e la procedura penale (prolusione al coso di diritto criminale
dell’anno accademico 1873-74, nella R. Università di Pisa). Opuscoli di diritto criminale. Lucca: Tipografia
Giusti, 1874. v. V. p. 18.

75

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, no item XI.1, assegura: “Todo ser humano acusado de um
ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de
acordo com a lei [...]”. O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, também garante, no art. 14.1,
primeira parte, que: “Qualquer pessoa acusada de infracção penal é de direito presumida inocente até que
a sua culpabilidade tenha sido legalmente estabelecida [...]”. No âmbito regional, a Convenção Europeia de
Direitos Humanos estabelece, no art. 6.2, que: “Qualquer pessoa acusada de uma infracção presume-se
inocente enquanto a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada”. A Convenção Americana sobre
Direitos Humanos, também garante, no art. 8.2, que “Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que
se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa.”
76

CHIAVARIO, La presunzione d’innocenza nella giurisprudenza della Corte Europea dei Diritto Dell’uomo...,
cit., p. 76.

77

Nesse sentido: MAGALHÃES GOMES FILHO, Antonio. Presunção de inocência e prisão cautelar. São Paulo:
Saraiva, 1991. p. 39; STELLA, Federico. Giustizia e modernità. Milano: Giuffrè, 2002. p. 76.

78

Nesse sentido: CHIAVARIO, Mario. Presunzione d’innocenza e diritto di difesa nel pensiero di Francesco
Carrara. Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale, 1991. p. 358; IACOVIELLO, La motivazione della
sentenza penale e il suo controllo in Cassazione..., cit., p. 230.

79

PISANI, Sulla presunzione di non colpevolezza..., cit., p. 3.

80

O princípio da presunção de inocência, segundo Perfecto Ibáñez (Sobre a motivação dos fatos na sentença
penal, cit., p. 83) tem “um papel central na epistemologia judicial, na qual não se limita a operar como
regra de juízo, senão como verdadeiro eixo do sistema”.

81

Nesse sentido: BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Trad. José de Faria Costa. 4. ed. Lisboa:
Fundação Calouse Gulbenkian, 2014. p. 94; MALATESTA. Nicola Framarino dei. La logica delle prove in
criminale. 3. ed. Torino: Utet, 1912. v. I. p. 126; ILLUMINATI, La presunzione d’innocenza dell’imputato,
cit., p. 82; DOMINIONI, Oreste. La presunzione d’innocenza. Le parti nel processo penale. Milano: Giuffrè,
1985. p. 220; GIULIANI, Alessandro. Prova. (Filosofia del diritto). Enciclopedia del diritto. Milano: Giuffrè,
1988. v. XXXVII. p. 525.

82

PIMENTA BUENO, José Antônio. Apontamentos sobre o processo criminal brasileiro. Ed. atualizada por
José Frederico Marques. São Paulo: Ed. RT, 1959. n. 239. p. 431.

83

Há razões endoprocessuais para o predomínio de condenações sobre as absolvições no processo penal.


Primeiro há uma investigação estatal prévia dos fatos, realizada pela polícia judiciária ou pelo Ministério
Público. Além disso, a investigação tende a ser temporalmente próxima da ocorrência dos fatos, o que
facilita a obtenção de fontes de prova e evita a dispersão ou perda de elementos, seja pelo esquecimento,
em relação a fontes pessoais, seja pela perda, destruição ou modificação natural, em se tratando de fontes
reais. Se essa investigação não fornecer um suporte probatório mínimo da ocorrência do delito e de sua
autoria, não haverá justa causa para ação penal, cabendo a manifestação pelo arquivamento da
investigação preliminar. Assim, somente se houver fumus commissi delicti, é que a denúncia ou queixa
deverá ser oferecida pelo acusador e, depois, recebida pelo juiz. Portanto, recebida a denúncia, do ponto
de vista probatório, a imputação já parte com um suporte probatório inicial consistente, que permita
considerar a ocorrência do crime imputado mais provável que sua inocorrência a instrução servirá para
robustecer as provas, que permitirão atingir um standard probatório ainda mais elevado que, por ora,
pode ser identificado, com a prova além de qualquer dúvida razoável. Em suma, o processo penal não se
inicia com base na mera asserção do autor, mas com uma imputação já amparada em um conjunto
consistente de elementos de prova. Não poderá, pois, ser uma mera criação mental do acusador.

84

MANZINI, Vincenzo. Manuale di procedura penale. Torino: Fratelli Bocca, 1912. p. 54.

85

MANZINI, Vincenzo. Trattato di diritto processuale penale italiano. 6. ed. Torino: UTET, 1967. v. I. p. 226.

86

DOMINIONI, La presunzione d’innocenza..., cit., p. 222.

87

De modo semelhante, para Francesco Carnelutti (Prove civili e prove penali. Rivista di Diritto Processuale
Civile, 1925. p. 13) a máxima in dubio pro reo não responde a uma exigência lógica, mas deontológica

88

SARACENO, Pasquale. La decisione sul fatto incerto. Padova: Cedam, 1940. p. 178. Na doutrina italiana,
Illuminati (La presunzione d’innocenza dell’imputato..., cit., p. 92) explica que a presunção de inocência,
como regra de julgamento, muito além de um expediente técnico, “assume uma precisa conotação
política”. De modo semelhante, na doutrina portuguesa, Alessandra Vilela (Considerações acerca da
presunção de inocência em direito processual penal. Coimbra: Coimbra Ed., 2000. p. 70) lembra que “não
há qualquer fundamento lógico-jurídico para a presunção de inocência do arguido. Trata-se tão só de um
princípio com fundamento político fruto de uma evolução da sociedade e uma conquista da civilização.
Princípio que se traduz no risco de se ver absolvido um culpado, relativamente à eventualidade de se
condenar um inocente”.

89

Segundo Illuminati (La presunzione d’innocenza dell’imputato..., cit., p. 91) “la regola di giudizio, in
sostanza, indica di volta in volta quale sia l’interesse sostanziale cui si deve dar la prevalenza”. No mesmo
sentido: PAULESU, Pier Paolo. Presunzione di non colpevolezza. Digesto: discipline penalistiche. 4. ed.
Torino: Utet, 1995. v. IX. p. 675.
90

BADARÓ, Ônus da prova no processo penal..., cit., p. 300.

91

Essa relação será objeto de análise específica, no cap. 3, infra, item 3.6.2.1.

92

Para uma análise do raciocínio judicial na formação da decisão: CALAMANDREI, Piero. La genesi logica
della sentenza civile”. Opera Giuridice. Napoli: Morano, 1965. v. I. p. 11 e ss.

93

FOSCHINI, Gaetano. Sistema del diritto processuale penale. 2. ed. Milano: Giuffrè, 1968. v. II. p. 539.

94

TARUFFO, Michele. La motivazione della sentenza civile. Padova: Cedam, 1975. p. 421. Para Magalhães
Gomes Filho (A motivação das decisões penais..., cit., p. 242) trata-se de um “discurso justificativo”.

95

Nesse sentido: CRUZ E TUCCI, José Rogério. A motivação da sentença no processo civil. São Paulo: Saraiva,
1987. p. 18-21, com ampla análise doutrinária.

96

TARUFFO. La motivazione della sentenza civile..., cit., p. 467. A este esquema Ada Pellegrini Grinover,
Antonio Magalhães Gomes Filho e Antonio Scarance Fernandes (As nulidades no processo penal, cit., p.
201) acrescentam “consideração atenta dos argumentos e provas trazidas aos autos”.

97

Nesse sentido: AMODIO, Motivazione della sentenza..., cit., p. 188; MARCHEIS, Chiara Besso. La sentenza
civile inesistente. Torino: G. Giappichelli, 1996. p. 265.

98

BELLAVISTA, Girolamo. Contributo allo studio della patologia della motivazione della sentenza penale.
Studi sul processo penale. Milano: Giuffrè, 1976. v. IV. p. 164.

99

Essa tendência é encontrada em várias constituições modernas, que preveem a garantia da motivação no
capítulo do Poder Judiciário. A Constituição italiana de 1947, em seu art. 111, § 1º, estabelece que “tutti i
provvedimenti giurisdizionale devono essere motivati”. A Constituição portuguesa de 1974, no art. 205, §
1º, determina que “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente serão fundamentadas na
forma prevista na lei”. A Constituição espanhola de 1978 prevê, no art. 120, § 3º, que “las sentencias serán
siempre motivadas”.

100

Nesse sentido: COMOGLIO, Luigi Paolo. Riforme processuali e poteri del giudice. Torino: G. Giappichelli,
1996. p. 124; SAMMARCO, Metodo probatorio e modelli di ragionamento..., cit., p. 14.

101

TARUFFO, La motivazione della sentenza civile..., cit., p. 407.

102

Nesse sentido: BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A motivação das decisões judiciais como garantia inerente
ao Estado de Direito. Temas de direito processual: segunda série. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 87;
GRINOVER, Ada Pellegrini. O conteúdo da garantia do contraditório. Novas tendência do direito
processual. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990. p. 34; MAGALHÃES GOMES FILHO. Direito à prova
no processo penal, cit., p. 163-164; SCARANDE FERNANDES, Antonio. Processo penal constitucional. 6. ed.
São Paulo: Ed. RT, 2010. p. 127; CAVALO, Vicenzo. La sentenza penale. Napoli: Jovene, 1936. p. 371; RICCI,
Gian Franco. Principi di diritto processuale generale. Torino: G. Giappichelli, 1995. p. 16.

103

AMODIO, Motivazione della sentenza..., cit., p. 188; Idem. L’obbligo costituzionale di motivazione e
l’istituto della giuria. Rivista di Diritto Processuale, 1970. p. 453; TARUFFO, La motivazione della sentenza
civile..., cit., p. 407, RICCI. Principi di diritto processuale generale, cit., p. 162. Na doutrina nacional:
GRINOVER, Ada Pellegrini Processo constitucional em marcha. São Paulo: Max Limonad, 1985. p. 256.

104

TARUFFO, Michele. Motivazione sentenza civile. Enciclopedia del diritto. Milano: Giuffrè, 1999.
Aggiornamento III. p. 776.

105

FERRER BELTRÁN, Valoración racional de la prueba..., cit., p. 45.

106

Sobre os limites lógicos de admissão da prova, cf., infra, cap. 3, item 3.4.1.1.

107
Essa relação será objeto de análise específica, infra, no cap. 3, item 3.7.

108

MAGALHÃES GOMES FILHO, A motivação das decisões penais..., cit., p. 45.

109

SPANGHER, Giorgio. Il doppio grado di giurisdizione. In: DINACCI, Filippo Fraffaele (Coord.). Processo
penale e Costituzione. Milano: Giuffrè, 2010. p. 495.

110

Nesse sentido: SPANGHER, Il doppio grado di giurisdizione..., cit., p. 495; ARANGÜENA FANEGO, Coral. La
doble instancia en el proceso penal. Criminalia, n. 65, jan.-abr. 1999. p. 279.

111

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O juízo de admissibilidade no sistema dos recursos cíveis. Rio de Janeiro:
Borsoi, 1968. p. 10.

112

Tomando em conta as regras constitucionais e processuais penais brasileiras, definimos recurso como
“meio voluntário de impugnação das decisões judiciais, utilizado antes do trânsito em julgado e no próprio
processo em que foi proferida a decisão, visando à reforma, invalidação, esclarecimento ou integração da
decisão judicial” (BADARÓ, Gustavo Henrique. Manual dos recursos penais. 3. ed. São Paulo: Ed. RT, 2018.
p. 34). No processo penal, para Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho e Antonio
Scarance Fernandes (Recursos no processo penal. 7. ed. São Paulo: Ed. RT, 2011. p. 29), recurso é “o meio
voluntário de impugnação de decisões, utilizado antes da preclusão e na mesma relação jurídica
processual, apto a propiciar a reforma, invalidação, o esclarecimento ou a integração da decisão”. De
modo semelhante, no processo civil, José Carlos Barbosa Moreira (Comentários ao Código de Processo
Civil. 16. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2011. v. 5. p. 233) conceitua recurso, no direito
processual civil brasileiro, “como o remédio voluntário idôneo a ensejar, dentro do mesmo processo, a
reforma, invalidação, o esclarecimento ou a integração de decisões judiciais que se impugna”.

113

O segundo aspecto do direito ao recurso que não será aprofundado na obra, diz respeito às situações de
foro por prerrogativa de função e sua compatibilidade com o direito ao recurso assegurado pelo art. 8.2.h da
CADH. De qualquer forma, é importante observar que, no Caso Barreto Leiva vs. Venezuela, julgado em 17
de novembro de 2009, analisando o direito ao recurso do acusado condenado pela mais alta corte do País,
a Corte Interamericana de Direitos Humanos, considerou que o foro por prerrogativa de função, perante o
mais alto tribunal do país, não é, em si, incompatível com o art. 8.2.h da CADH, devendo a legislação
interna estabelecer a possibilidade de o acusado apelar do julgamento condenatório. E a Corte
exemplificou, dizendo que, para tanto o procedimento poderia ser conduzido, em primeira instância, pelo
presidente ou por uma turma do tribunal superior, sendo assegurado um recurso de apelação para o
tribunal pleno, excluindo-se de tal julgamento os juízes que já tivessem proferido decisão no mesmo caso.
Como tais situações não se verificaram, a Corte entendeu que houve violação ao direito ao recurso,
previsto no art. 8.2.h da CADH (CoIDH, Caso Barreto Leiva vs. Venezuela, Mérito, Reparações e Custas,
sentença de 17.11.2009, Série C, 2006, §§ 90-91). O tema voltou a ser analisado no Caso Liakat Ali Alibux vs.
Suriname, julgado pela Corte Interamericana em 30.01.2014. Ao interpretar o conceito de “tribunal
superior”, do art. 8.2.h da CADH, a Corte considerou que a superioridade do tribunal exigida no
dispositivo da CADH é satisfeita quando o plenário ou uma câmara dentro do mesmo tribunal, mas com
composição diversa, julga o recurso, possuindo competência para revogar ou reformar a decisão
condenatória (CoIDH, Caso Liakat Ali Alibux vs. Suriname, Objeções Preliminares, Mérito, Reparações e
Custos julgamento em 30.01.2014, Série C, 276, § 105).

114

PISANI, Mario. Nozioni generali. In: PISANI, Mario et al. Manuale di Procedura Penale. 8 ed. Bologna:
Monduzzi Ed., 2008. p. 19.

115

O item 2.2 prevê que: “Este direito pode ser objeto de exceções em relação a infrações menores, definidas
nos termos da lei, ou quando o interessado tenha sido julgado em primeira instância pela mais alta
jurisdição ou declarado culpado e condenado no seguimento de recurso contra a sua absolvição”. Sobre o
reflexo de tal exceção, entre nós, a Corte Interamericana já decidiu que as exceções do art. 2.2 do
Protocolo VII à CEDH, não servem para interpretar o art. 8.2.h, da CADH, que diferentemente do que
ocorre no sistema europeu, não prevê exceções à garantia do direito ao recurso: CoIDH, Caso Mohamed vs.
Argentina, Objeções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas, julgado em 23.11.2012, Série C, n. 255, § 94;
CoIDH, Caso Liakat Ali Alibux vs. Suriname, Objeções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas,
julgamento em 30.01.2014, Série C, n. 276; § 96.

116

Nesse sentido é a posição do TEDH, em relação ao art. 2º do Protocolo Adicional VII à CEDH, e ao art. 14.5
do PIDCP: Caso Le Compt, Van Leuve e De Meyere vs. Bélgica, (plenário) sentença de 26.06.1981; Caso
Öztürk vs. Alemanha, (plenário), sentença de 21.02.1984; Caso Helmers vs. Suécia, sentença de 29.10.1991
e Caso Krombach vs. França, sentença de 13.02.2001.

117

Nesse sentido: Mario Chiavario (Processo e garanzie della persona. 2. ed. Milano: Giuffrè, 1982. v. II. p.
191) em relação à garantia equivalente do art. 14.5 do PIDCP.

118

CoIDH, Caso Mohamed vs. Argentina, Objeções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas, julgado em
23.11.2012, Série C, 255.

119
Outro ponto importante que se pode extrair da jurisprudência europeia, com claros reflexos no juízo de
fato, é que o direito ao recurso inclui o direito a uma audiência perante o tribunal que julgará o recurso,
quando tal tribunal se pronuncie sobre o caráter do acusado ou os motivos que o levaram a cometer o
crime, ou sobre matéria de fato nova ou que possa repercutir na severidade de sua pena, ou, ainda, que
possa levar a uma condenação depois da absolvição de primeira instância. Nesse sentido: MAIER, Julio.
Derecho procesal penal: fundamentos. 2. ed. Buenos Aires: Del Puerto, 1996. t. I. p. 720. No mesmo sentido,
em relação ao sistema europeu: ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de. Comentário do Código de Processo Penal
à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. 4. ed. Lisboa:
Universidade Católica Editora, 2011. p. 1036. n. 5. Sobre a jurisprudência do TEDH: Caso Ekbatani vs.
Suécia, (plenário), sentença de 26.05.1988; Caso Helmers vs. Suécia, (plenário), sentença de 29.10.1991;
Caso Kremzow vs. Áustria, sentença de 21.09.1993; Caso Constantinescu vs. Romênia, sentença de
27.06.2000; Caso Pobornikoff vs. Áustria, sentença de 03.10.2000; Caso Destrehem vs. França, sentença de
18.05.2004; Caso Dondarini vs. São Marino, sentença de 06.07.2004 e Caso Hermi vs.. Itália (GC), sentença
de 18.10.2006. Não é caso de enfrentar, no âmbito da obra, os problemas práticos que decorrem da adoção
de tal premissa, nem a melhor solução para resolvê-lo. O objetivo do trabalho é restrito ao juízo de
valoração da prova realizado na sentença. Para uma análise de tais questões: BADARÓ, Manual dos
recursos penais..., cit., p. 65 e ss.; VASCONCELOS, Vinicius Gomes de. Direito ao recurso no processo penal:
conteúdo e dinâmica procedimental de um modelo de limitação do poder punitivo estatal pelo controle
efetivo da sentença condenatória. Tese (Doutorado) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo,
São Paulo, 2017. p. 242 e ss.

120

Os três argumentos favoráveis ao duplo grau de jurisdição foram expostos em: BADARÓ, Manual dos
recursos penais..., cit., p. 44-45.

121

CARNELUTTI, Francesco. Lezioni sul processo penale. Roma: Ateneo, 1949. v. IV. p. 102.

122

BERMUDES, Sérgio. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Ed. RT, 1975. v. 7. p. 10. Na
doutrina italiana, esse argumento já era utilizado por: BELLAVITIS, Mario. Sui limiti del concetto di doppio
grado di giurisdizione. Rivista di Diritto Processuale Civile, II, 1931. p. 3.

123

Ou, como diz Barbosa Moreira (Comentários ao Código de Processo Civil..., cit., v. V, p. 236): “o juízo ad
quem beneficia-se da presença, nos autos, de material já trabalhado, já submetido ao crivo do primeiro
julgamento, e ao da crítica formulada pelas próprias partes, ao arrazoarem, num sentido e noutro, o
recurso”.

124

O juízo de muitos, diz Inocêncio Borges da Rosa (Comentários ao Código de Processo Penal. 3. ed. São
Paulo: Ed. RT, 1982. p. 696), “traz consigo bem fundada presunção de superioridade sobre o de um só.”
125

PONTES DE MIRANDA. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1975, t. VII, p. 11.
De modo semelhante, e somando os dois últimos aspectos, Tuzet (Filosofia della prova giuridica..., cit., p.
15) afirma que o contraditório e a colegialidade são instrumentos legais de controle do critério da
“certeza” obtida no processo.

126

Sobre a relação entre a fundamentação e a adoção prévia de critérios racionais de valoração da prova, cf.,
infra, cap. 3, item 3.8.

127

Como explica Julio Maier (Derecho procesal penal..., cit., t. I, p. 711), no art. 8.2.h, a CADH “não se propõe –
nem se pode propor – ‘defender’ o Estado, mas sim, ao contrário, conceder uma garantia a quem sofre a
coação estatal. A Convenção se refere, precisamente, às garantias processuais frente à ação e à força
aplicada pelo Estado”. No mesmo sentido: VASCONCELOS, Vinicius Gomes. Duplo grau de jurisdição na
Justiça Criminal: o direito ao recurso como possibilidade de questionamento da motivação da sentença
condenatória. In: GIACOMOLLI; Nereu José; VASCONCELOS, Vinicius Gomes de (Org.). Processo penal e
garantias constitucionais: estudos para um processo penal democrático. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015.
p. 229-230.

128

CHIAVARIO. Processo e garanzie della persona..., cit., v. II, p. 177. E, diante disso, admite o que denomina
um “sistema extremo”, no qual o acusado não tivesse contra si recurso que pudesse prejudicá-lo, mas
sendo assegurado o direito à impugnação que lhe favorecesse.

129

Na CADH, o art. 8.4 estabelece que “O acusado absolvido por sentença transitada em julgado não poderá
ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos”.

130

MAIER. Derecho procesal penal..., cit., t. I, p. 599, e p. 717.

131

Há duas vertentes sobre o direito ao processo em prazo razoável. A primeira, que importa por sua ligação
forte com o tema da epistemologia judiciária, é o direito a um processo penal ou de qualquer outra
natureza (civil, trabalhista...), em prazo razoável ou sem dilações indevidas. A segunda questão, de
extrema relevância em termos de restrição de direitos fundamentais, mas que não será analisada por não
ter grande influência sobre o tema da obra, é o direito ao desencarceramento do acusado preso
cautelarmente, caso não seja julgado em um tempo razoável ou sem dilações indevidas. Sobre esse
segundo aspecto, cf. LOPES JR., Aury; BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao processo penal no prazo
razoável. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 39 e ss.

132

A Declaração Universal dos Direitos Humanos nada estabeleceu quanto à duração do processo. O Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, também garante, no art. 14.3.c, que: “Toda pessoa acusada de
um delito terá direito, em plena igualdade a, pelo menos às seguintes garantias: [...] a ser julgada sem
dilações indevidas”. No âmbito regional, Convenção Europeia de Direitos Humanos estabelece, no art. 6.1,
que: “Toda pessoa tem o direito a que sua causa seja ouvida com justiça, publicamente, e dentro de um
prazo razoável por um Tribunal independente e imparcial estabelecido pela Lei, que decidirá sobre os
litígios sobre seus direitos e obrigações de caráter civil ou sobre o fundamento de qualquer acusação em
matéria penal dirigida contra ela”. A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, também garante, no
art. 8.1, que “Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo
razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por
lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus
direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza”.

133

Nesse sentido: CRUZ E TUCCI, José Rogério. Garantia..., cit., p. 106-107; CASTRO, Carlos Roberto de Siqueira
de. O devido processo legal e a razoabilidade das leis na nova Constituição do Brasil. Rio de Janeiro:
Forense, 1989. p. 278. Já para Rogério Lauria Tucci (Direitos e garantias individuais no processo penal
brasileiro. 4. ed. São Paulo: Ed. RT, 2011. p. 67), o direito ao julgamento em prazo razoável decorre do
devido processo penal, que é a especificidade penal da garantia do devido processo legal,
consubstanciando-se em uma série de garantias, entre as quais o direito ao julgamento em prazo razoável.
Na doutrina estrangeira, Trocker (Processo civile e Costituzione..., cit., p. 278-279) liga o direito ao
processo em prazo razoável ao direito de ação e de defesa. Já para Alejandro D. Carrió (Garantías
constitucionales en el proceso penal. 2. ed. Buenos Aires: Hamurabi, 1991. p. 207), o direito a um juízo
razoavelmente rápido deriva do direito de defesa.

134

No constitucionalismo estrangeiro, o direito ao processo penal no prazo razoável, ou sua variável, sem
dilações indevidas, é encontrado em diversos diplomas. A VI Emenda à Constituição dos Estados Unidos da
América já reconhecia o direito a um processo rápido: “Em todos os processos criminais o acusado terá
direito a um julgamento pronto e público, por um júri imparcial do Estado e distrito onde o crime tiver
sido cometido, distrito previamente determinado por lei.” Nas constituições modernas, a título
exemplificativo, a Constituição da República Portuguesa de 1976, previa, em seu art. 32, que “todo o
arguido se presume inocente até o trânsito em julgado da sentença de condenação”. Posteriormente, com
a reforma constitucional de 1982, acresceu-se ao texto referido: “devendo ser julgado no mais curto prazo
compatível com as garantias de defesa.”. A Constituição espanhola de 1978, assegura, no art. 24.2, que:
“Todos têm direito ao juiz ordinário determinado previamente por lei, à defesa e à assistência de
advogados, a ser informada da acusação contra si deduzida, a um processo público sem dilações indevidas
e com todas as garantias [...]”. A Carta Canadense dos Direitos e Liberdades, de 1982, em seu artigo 11, b,
estabelece que: “Toda pessoa demandada tem o direito de ser julgada dentro de um prazo razoável.”
135

Referido inciso prevê que: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável
duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

136

BECCARIA. Dos delitos e das penas, cit., p. 102-103.

137

Nesse sentido: CHIAVARIO, Processo e Garanzie della persona..., cit., v. II, p. 258; VIAGAS BARTOLOME,
Plácido Fernandes. El derecho a un proceso sin dilaciones indebidas. Madrid: Civitas, 1994. p. 73.

138

CHIAVARIO, Processo e garanzie della persona…, cit., v. II, p. 259.

139

CONSO, Giovanni. Il processo penale, Tempo e giustizia. Padova: Cedam, 1967. p. 72.

140

LEONE, Mauro. El tempo nel diritto penale sostantivo e processuale. Napoli: Jovene, 1974. p. 296.

141

Por exemplo, a CADH, que no art. 8.1 assegura o julgamento no prazo razoável, por outro lado, no art. 8.2.c
assegura que: “durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias
mínimas [...] concessão ao acusado de tempo e dos meios adequados para preparação de sua defesa”.

142

LOPES JR.; BADARÓ, Direito ao processo penal em prazo razoável..., cit., p. 65.

143

VIEGAS BARTOLOME, El derecho a un proceso sin dilaciones indebidas…, cit., p. 78.

144

Para remediar esse problema os ordenamentos jurídicos costumam prever um incidente para a produção
antecipada de prova. No caso brasileiro, o art. 225 do CPP admite a produção antecipada de prova se
“testemunha houver de ausentar-se, ou, por enfermidade ou por velhice, inspirar receio de que ao tempo
da instrução criminal já não exista”. Essa prova, inclusive, nos termos do art. 155, caput, parte final,
poderá ser valorada pelo juiz, sem a necessidade de prova de corroboração, para a formação de seu
convencimento. Para uma compatibilização de tal dispositivo, com a garantia do direito ao confronto, cf.
BADARÓ, Gustavo Henrique. Valor probatório do inquérito policial. In: AMBOS, Kai; MALARINO, Ezequiel;
VASCONCELOS, Enéas Romero de (Coord.). Polícia e investigação no Brasil. Brasília: Gazeta
Jurídica/Cedpal, 2016. p. 276-278.

145

Nesse sistema, contudo, a justiça baseada em um acertamento que permita um conhecimento da verdade
factual nem sempre é um objetivo.

146

MUSCATIELLO, Vincenzo Bruno. Il processo senza verità. In: GAROFOLI, Vincenzo; INCAMPO, Antonio.
Verità e processo penale. Milano: Giuffrè, 2012. p. 93.

147

Nesse sentido: IACOVIELLO. Prova e accertamento del fatto nel processo penale riformato dalla Corte
Costituzionale..., cit., p. 2029; LOMBARDO, Luigi Giovanni. Ricerca della verità e nuovo processo penale.
Cassazione Penale, 1993. p. 751. Mais enfático, Taruffo (Os poderes instrutórios das partes e do juiz..., cit.,
p. 74) afirma que “Um processo direcionado à maximização do escopo da resolução dos conflitos não pode
[...] aspirar ao mesmo tempo concomitantemente à maximização da exatidão da verificação dos fatos”.

148

TARUFFO, Michele. Note per una riforma del diritto delle prove. Rivista di Diritto Processuale. Milano:
Giuffrè, 1986. p. 242.

149

TARUFFO, La prova dei fatti giuridici…, cit., p. 18. Mais enfático, para Ferrajoli (Patteggiamento e crisi
della giurisdizione. Questione Giustizia, 1989. p. 382) o processo penal consensual tem como resultado “a
incerteza e a substancial extra-legalidade do direito penal”.

150

Sob outra ótica, para Gascón Abellán (Los hechos en el derecho..., cit., p. 132-133), não a garantia da
razoável duração do processo em si, mas e existência de uma limitação temporal para que seja proferida
uma decisão seria um exemplo de garantia não epistemológica.

151

UBERTIS, Giulio. Garanzie giurisdizionali e giurisprudenza costituzionale. Verso un “giusto processo”


penale. Torino: G. Giappichelli, 1997. p. 28.

152
GAITO, Alfredo. Cultura processuale penale ed autocritica. Il Giusto Processo, 1990. p. 309.

153

De modo semelhante, parte da doutrina se refere a “devido processo penal”. Para Pedro Bertolino (El
debido proceso penal. La Plata: Platense, 1986. p. 20-21) o devido processo penal é a “especificidade penal
da garantia constitucional do ‘devido processo’”. Entre nós, a expressão também é utilizada por TUCCI,
Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro..., cit., p. 65; SCARANCE FERNANDES,
Processo penal constitucional..., cit., p. 44.

154

Mesmo no âmbito dos tribunais penais internacionais, a dicotomia acusatório/inquisitório tem sido
questionada. Para uma crítica a tal dicotomia, no âmbito processual penal internacional: Kai Ambos e
Stefanie Bock (El régimen procesal de los fiscales en los Tribunales Penales Internacionales. Madrid:
Dikynson, 2013. p. 14), que concluem: “o desafio do direito processual internacional não é determinar a
superioridade de um determinado sistema jurídico, mas garantir um julgamento justo e sem incidências,
salvaguardando o respeito aos direitos dos acusados e de outros atores, e empregando um sistema
processual penal eficaz”.

155

. A questão já foi por nós analisada, em BADARÓ, Ônus da prova no processo penal..., cit., p. 108-112.

156

Nesse sentido, na doutrina italiana: CONSO, Giovanni. Vero e falso nei principi generali del processo
penale italiano. Rivista di Diritto Processuale, 1958. p. 290; Idem. Accusa e sistema accusatorio.
Enciclopedia del diritto. Milano: Giuffrè, 1958, v. I. p. 337; ILLUMINATI, Giulio. Accusatorio ed inquisitorio
(sistema). Enciclopedia Giuridica Treccani. Roma: Treccani, 1988. v. I. p. 2; AMODIO, Ennio. O modelo
acusatório no novo Código de Processo Penal italiano. Trad. Ana Cristina Boncristiano. Revista de
Processo, n. 59, jul.-set. 1990, p. 140; NAPPI. Guida al codici di procedura penale, cit., p. 10; BASSI,
Alessandra. Art. 468 c.p.p.: le parti e la disponibilità del diritto all’iniziativa probatoria. Cassazione Penale,
1993. p. 461, nota 3; PETRILLO, Luigi. Funzioni e limiti dell’esercizio del potere istruttorio integrativo del
giudice del dibattimento. Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale, 1992, p. 1210; SCELLA, Andrea. I
residuali poteri di iniziativa probatoria del giudice dibattimentale. Rivista Italiana di Diritto e Procedura
Penale, 1992. p. 1215. Igual entendimento é compartilhado pela doutrina processual penal portugueses,
como se verifica em: FIGUEIREDO DIAS, Direito processual penal..., cit., v. I, p. 192; PIMENTA, José da
Costa. Introdução ao processo penal. Coimbra: Almedina, 1989. p. 561. Na doutrina nacional, cf.
GRINOVER, Ada Pellegrini. A iniciativa probatória do juiz no processo penal acusatório. A marcha no
processo. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 82; Idem. A defesa penal e sua relação com a atividade
probatória. A vítima e o princípio de oportunidade. Relações entre juiz e Ministério Público – Seus limites.
Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 40, out.-dez. 2002. p. 98; SCARANCE FERNANDES, A reação
defensiva à imputação..., cit., p. 20; BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Breves observaciones sobre algunas
tendencias contemporáneas del proceso penal. Temas de direito processual: sétima série. São Paulo:
Saraiva, 2001. p. 220.
157

Para Giulio Illuminati (La presunzione d’innocenza dell’imputato. Bologna: Zanichelli, 1979. p. 78) o
processo inquisitório é “reduzido a um lúgubre ritual para justificar, diante da coletividade, uma
conclusão obrigatória”. Observa, ainda (Giudizio. In: CONSO; Giovanni; GREVI, Vittorio (Org.). Profili del
nuovo Codice di Procedura Penale. 4. ed. Padova: Cedam, 1996. p. 553) que “o juiz envolvido na construção
da hipótese acusatória a ser verificada, assim como na busca de provas que a sustentem, tem fatalmente
prejudicada a objetividade de julgamento necessária para a valoração final”.

158

CALAMANDREI, Piero. Il giudice e lo storico. Rivista di Diritto Processuale Civile, 1939. p. 110. No mesmo
sentido: UBERTIS, Principi di procedura penale europea…, cit., p. 66.

159

ILLUMINATI, La presunzione d’innocenza dell’imputato…, cit., p. 151. Para Dominioni (Profili


sistematici..., cit., p. 20) a existência de um juiz destituído de funções acusatórias constitui uma das
implicações mais significativas da presunção de inocência. No mesmo sentido, PAULESU, Presunzione di
non colpevolezza..., cit., p. 685.

160

Nesse sentido: ZAGREBELSKY, Vladmiro. Sul ruolo del giudice nel nuovo Codice di Procedura Penale.
Cassazione Penale, 1989. p. 918.

161

UBERTIS, Principi di procedura penale europea…, cit., p. 37.

162

NAPPI, Guida al codice di procedura penale…, cit., p. 6.

163

Magalhães Gomes Filho (Direito à prova no processo penal..., cit., p. 70) faz referência ao “princípio da
divisão do conhecimento”.

164

DE LUCA, Il sistema delle prove penali e il principio del libero convencimento..., cit., p. 1275.

165

IACOVIELLO, Francesco Mauro. Prova e accertamento del fatto nel processo penale riformato dalla Corte
Costituzionale. Cassazione Penale, 1992. p. 2031.
166

OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Garantia do contraditório. In: CRUZ E TUCCI, José Rogério (Coord.).
Garantias constitucionais do processo civil. São Paulo: Ed. RT, 1999. p. 139.

167

UBERTIS, Profili di Epistemologia Giudiziaria…, cit., p. 39.

168

IACOVIELLO, La motivazione della sentenza penale e il suo controllo in Cassazione…, cit., p. 135.

169

FERRUA, Paolo. Contradditorio e verità nel processo penale. Studi sul processo penale: anamorfosi del
processo accusatorio. Torino: G. Giappichelli, 1992. v. II. p. 49.

170

A caracterização da imputação como “atribuição” do fato é frequente na doutrina: ALTAVILLA, Enrico. La


modificazione del fatto contestato: note sulla sentenza penale. Rivista Penale, 1934. p. 481; SANSÒ, Luigi.
La correlazione fra imputazione contestata e sentenza. Milano: Giuffrè, 1953. p. 93; LEONE, Giovanni.
Trattato di diritto processuale penale. Napoli: Jovene, 1961. v. II. p. 255; NUVOLONE, Pietro. Contributo
alla teoria della sentenza istruttoria penale. Ristampa. Padova: Cedam, 1969. p. 122.

171

Para Sansò (La correlazione fra imputazione contestata e sentenza..., cit., p. 262) “A descrição do fato se
apresenta como um elemento absolutamente necessário da imputação” (destaques do autor).

172

Nesse sentido: CARNELUTTI, Lezioni sul processo penale…, cit., v. IV, p. 10; SANSÒ, La correlazione fra
imputazione contestata e sentenza…, cit., p. 263, nota 13. Na doutrina nacional: MARQUES, José Frederico.
Elementos de direito processual penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1965. v. II. p. 237; JARDIM, Afrânio
Silva. A imputação alternativa no processo penal. Direito processual penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2002. p. 148; SCARANCE FERNANDES, Antonio. A reação defensiva à imputação. São Paulo: Ed. RT, 2002. p.
154.

173

Nesse sentido: CARNELUTTI, Lezioni sul processo penale…, cit., v. IV, p. 10; SANSÒ, La correlazione fra
imputazione contestata e sentenza…, cit., p. 305.

174
SANSÒ, La correlazione fra imputazione contestata e sentenza…, cit., p. 264.

175

PASTORE. Decisioni, argomenti, controlli..., cit., p. 98. De modo semelhante, para Perfecto Ibáñez,
(“Carpintaria” da sentença penal (em matéria de fato)..., cit., p. 128) entre quaestio facti e quaestio iuris
“medeia uma conexão estrutural”. E, portanto, nas palavras de Tuzet (Filosofia della prova giuridica..., cit.,
p. 21) é “artificial e, de qualquer modo estéril, pensar na norma e nos fatos do caso como entidades
separadas”. Ou, segundo Ubertis (Profili di Epistemologia Giudiziaria..., cit., p. 71), ambas questões são
componentes de uma “coppia inscindibile”.

176

Nesse sentido: BETTIOL, Giuseppe. La correlazione fra accusa e sentenza nel processo penale. Milano:
Giuffrè, 1936; ou Scritti giuridici. Padova: Cedam, 1966. t. I, p. 260; SANSÒ, La correlazione fra imputazione
contestata e sentenza…, cit., p. 132.

177

Nesse sentido: BETTIOL. La correlazione, cit., p. 247; BELING, Ernest. Derecho procesal penal. Trad. Miguel
Fenech. Barcelona: Labor, 1943. p. 8; TARUFFO, Michele. Funzione della prova: la funzione dimostrativa.
Sui confini: scritti sulla giustizia civile. Bologna: Il Mulino, 2002. p. 308. De modo semelhante, Ibáñez
(Sobre a motivação dos fatos na sentença penal, cit., p. 96) se refere à “formulação de uma hipótese
acusatória”.

178

Gaetano Foschini (Sistema del diritto processuale penale. 2. ed. Milano: Giuffrè, 1965. v. I. p. 40-41) indica
entre as características do processo a ipoteticità e a concretezza: “Como o processo é um julgamento, ou
seja, a resolução de uma dúvida, consequentemente, o caso em questão deve ser um quid incertum. Esse
caráter de incerteza, isto é, de hipoteticidade, é essencial para o caso processual”.

179

TARUFFO, Elementi per un’analisi del giudizio di fatto, cit., p. 239.

180

TARUFFO, La prova dei fatti giuridice…, cit., p. 91; Idem. Elementi per un’analisi del giudizio di fatto. Sui
confini: scritti sulla giustizia civile. Bologna: Il Mulino, 2002. p. 235.

181

Como observa Ubertis (Prova (in generale), Digesto delle Discipline Penalistiche…, cit., v. X, p. 301; Idem.
La ricerca..., cit., p. 10; Idem. La prova penale. Profili giuridici ed epistemologici. Torino: UTET, 1999, p. 8-9;
Idem. Profili di Epistemologia Giudiziaria..., cit., p. 14) “não existem ‘fatos verdadeiros’ ou ‘fatos falsos’:
um fato ‘é’ o ‘não é’; somente a sua enunciação pode ser ‘verdadeira’ ou ‘falsa’. Característica de um fato
que se afirma acontecido no passado pode ser a sua existência, mas não a sua verdade”. No mesmo
sentido: CARNELUTTI, Francesco. Nuove riflessione sul giudizio giuridico. Rivista di Diritto Processuale,
1956. p. 101; TARUFFO, La prova dei fatti giuridice…, cit., p. 91; DINAMARCO, Cândido Rangel. A
instrumentalidade do processo. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 298. nota 68; Idem. Instituições de
direito processual civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. v. III. p. 57.

182

Como observa Francesco Mauro Iacoviello (La motivazione della sentenza penale e il suo controllo in
Cassazione. Milano: Giuffrè, 1997. p. 33) “os fatos são reais ou imaginários, mas não verdadeiros ou
falsos”.

183

BAZARIAN, Jacob. O problema da verdade: teoria do conhecimento. 4. ed. São Paulo: Alfa-Omega, 1994. p.
133.

184

Nesse sentido: TARUFFO, Michele. La prova dei fatti giuridici. Milano: Giuffrè, 1992. p. 92; Idem. Processo
civil comparado..., cit., p. 38; UBERTIS, Giulio. Prove (in generale). Digesto delle Discipline Penalistiche…,
cit., v. X. p. 301; Idem. La ricerca della verità giudiziale. In: UBERTIS, Giulio (Org.). La conoscenza del fato
nel processo penale. Milano: Giuffrè, 1992. p. 9; Idem. Profili di Epistemologia Giudiziaria..., cit., p. 14-15;
ANDRÉS IBÁÑEZ, Perfecto. Sobre a motivação dos fatos na sentença penal..., cit., p. 70; Idem. A
argumentação probatória e sua expressão na sentença, cit., p. 37; GASCÓN ABELLÁN, La valoración de la
prueba…, cit., p. 378.

185

Como esclarece Francesco Carnelutti (La prova civile. 2. ed. Roma: Edizioni Dell’Ateneo, 1947. p. 50),
“objeto da prova não são os fatos, mas as afirmações”.

186

Nesse sentido: SENTÍS MELENDO, Santiago. La prueba: los grandes temas del derecho probatorio. Buenos
Aires: Ejea, 1978. p. 38; UBERTIS, Giulio. La prova penale: profili giuridici ed epistemologici. Torino: UTET,
1999. p. 12; Idem, Prova (in generale). Digesto delle Discipline Penalistiche…, cit., v. X, p. 301; Idem, La
ricerca della verità giudiziale..., cit., p. 9; DINAMARCO, A instrumentalidade do processo..., cit., p. 298, nota
68; CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria
geral do processo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 349.

187

Nesse sentido: MENDES, João de Castro. Do conceito de prova em processo civil. Lisboa: Ática, 1961. p. 48;
SENTÍS MELENDO, La prueba..., cit., p. 38; TARUFFO, La prova de fatti giuridici…, cit., p. 95; FERRUA, Paolo
. I poteri probatori del giudice dibattimentale: ragionevolezza delle Sezioni unite e dogmatismo della Corte
costituzionale. Rivista italiana di diritto e procedura penale, 1994 p. 1075; IACOVIELLO, La motivazione
della sentenza penale e il suo controllo in Cassazione…, cit., p. 33; UBERTIS, Prova (in generale). Digesto
delle Discipline Penalistiche…, cit., v. X, p. 301; Idem, La ricerca della verità giudiziale…, cit., p. 9;
PASTORE, Decisioni, argomenti, controlli.., cit., p. 103; e DINAMARCO, A instrumentalidade do processo...,
cit., p. 298, nota 68; Idem, Instituições de direito processual civil..., cit., v. III, p. 57. Feito tal esclarecimento,
no presente trabalho, quando houver referência à “prova da verdade de um fato”, tal qual deve ser
entendida como forma abreviada de “prova da verdade de uma afirmação de existência de um fato”.

188

TARUFFO, Processo civil comparado..., cit., p. 38.

189

ANDRÉS IBÁÑEZ, Perfecto. A argumentação probatória e sua expressão na sentença. Valoração da prova e
sentença penal. Trad. Lédio Rosa de Andrade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 40. Isso não correrá,
contudo, no caso em que o acusado se limite a confessar os fatos.

190

TUZET. Filosofia della prova giuridica, cit., p. 41. De modo semelhante, Evio Fassone (La valutazione della
prova nel processo penale: dogmatismi antichi e consapevolleze nuove. In: BESSONE, Mario; GUASTINI,
Ricardo (Coords.). La regola del caso: materiali sul ragionamento giuridico. Padova: Cedam, 1995. p. 320)
explica que o processo “é a disputa dialética sobre a existência de um fato passado, não reproduzível
experimentalmente, e sobre sua atribuição a um sujeito”.

191

NAPPI, Aniello. Guida al codici di procedura penale. 8. ed. Milano: Giuffrè, 2001. p. 10.

192

ALLEN, Ronald J. Los estándares de prueba y los límites del análisis jurídico. In: VÁZQUEZ, Carmen (Ed.).
Estándares de prueba y prueba científica: ensayos de epistemología jurídica. Madrid: Marcial Pons, 2013.
p. 54.

193

Sobre o tema, cf., supra, item 1.3.

194

Nesse sentido: HEINITZ, Ernest. I limiti oggettivi della cosa giudicata. Padova: Cedam, 1937. p. 144;
CARNELUTTI, Lezioni sul processo penale…, cit., v. IV, p. 18.

195

Conforme explica Enrique Véscovi (Teoría general del processo. Bogotá: Temis, 1984. p. 84), “o objeto do
processo resulta da pretensão formulada pelo autor. O demandado, por sua parte, não propõe nenhum
objeto do processo. Ao se opor o autor e deduzir sua defesa, não pode modificar esse objeto”.

196

LIEBMAN, Enrico Tullio. Manuale di diritto processuale civile: principi. 5. ed. atualizada por Edoardo F.
Richi e Wolfango Ruosi. Milano: Giuffrè, 1992. p. 160.

197

Um terceiro aspecto relevante era a possibilidade de o juiz “baixar o processo” “a fim de que o Ministério
Público pudesse aditar a denúncia”, o que comprometia a imparcialidade do julgador. Todavia, para os
fins de análise da delimitação fática do objeto do processo e da determinação do thema probandum, uma
vez determinado o aditamento, os fatos teriam sido alterados e, consequentemente, mudado o tema do
juízo de fato, ainda que por “sugestão” do julgador.

198

Do ponto de vista da correlação entre acusação e sentença, a “distinção não tinha razão de ser. A
correlação entre acusação e sentença é indispensável, independentemente da pena aplicada ao fato
imputado. A violação da regra de correlação decorre de a sentença levar em conta fato diverso do
imputado, em nada importando a pena. Se o fato considerado na sentença é diverso do fato imputado, seja
a pena menor, igual ou superior à pena que decorreria do fato inicialmente imputado, está violada a regra
da correlação entre acusação e sentença. Em suma, se há diversidade do objeto do processo, descumprida
foi a regra da correlação entre acusação e sentença, em nada importando a pena cominada ao novo delito.
A razão de tal distinção parecia ser a aceitação das teorias que buscam estabelecer a regra da identidade a
partir de um critério teleológico, mais especificamente da violação ou do prejuízo que se cause ao direito
de defesa. Mas, conforme já afirmado, o que faz o fato ser igual ou diverso não é a inexistência ou a
ocorrência da violação do direito de defesa. Tal violação é consequência e não causa do descumprimento
da regra da correlação entre acusação e sentença. Porque o juiz considerou na sentença fato diverso do
imputado, violando a regra da correlação entre acusação e sentença, é que foi violado o direito de defesa,
e não o contrário” (BADARÓ, Gustavo Henrique. Correlação entre acusação e sentença. 3. ed. São Paulo:
Ed. RT, 2013. p. 155-156).

199

O caput do art. 384 dispunha: “Se o juiz reconhecer a possibilidade de nova definição jurídica do fato, em
consequência de prova existente nos autos de circunstância elementar, não contida, explícita ou
implicitamente, na denúncia ou na queixa, baixará o processo, a fim de que a defesa, no prazo de oito dias,
fale e, se quiser, produza prova, podendo ser ouvidas até três testemunhas”.

200

A redação originária do parágrafo único do art. 384 era: “Se houver possibilidade de nova definição
jurídica que importe aplicação de pena mais grave, o juiz baixará o processo, a fim de que o Ministério
Público possa aditar a denúncia ou a queixa, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em
crime de ação pública, abrindo-se, em seguida, o prazo de três dias à defesa, que poderá oferecer prova,
arrolando até três testemunhas”.

201

A hipótese seria de aplicação do antigo caput do art. 384, posto que o crime de apropriação indébita é
menos grave que o de estelionato.

202

Nesse caso, como o peculato é mais grave que o estelionato, aplicava-se o antigo parágrafo único do art.
384, sendo necessário o aditamento da denúncia.

203

Como já expusemos (BADARÓ, Correlação entre acusação e sentença..., cit., p. 156), a regra da correlação
entre acusação e sentença assegura “não apenas o direito de defesa, mas também os poderes inerentes à
acusação, evitando que o juiz usurpe as funções do acusador, numa verdadeira ação penal ex officio. As
posições de ambas as partes, defesa e acusação, devem ser respeitadas, preservando-se o contraditório
com os dois sujeitos parciais. Se do fato novo decorre pena mais branda ou mesmo igual àquela relativa ao
fato originariamente imputado, isso pode não implicar violação do direito de defesa; mas, se o juiz
considera na sentença aspectos fáticos não imputados pelo acusador e sobre os quais este nem mesmo
teve oportunidade de debater, certamente serão violados os direitos da iniciativa da ação penal e do órgão
acusador de ser informado e de se manifestar sobre todo o material processual que a sentença vai
considerar. A consideração, pelo juiz, de aspectos fáticos não imputados ao acusado, nos termos da
redação originária do caput do art. 384 do CPP, correspondia, em relação a tais dados, à verdadeira ação
penal de ofício, o que não se coadunava com o processo penal acusatório”.

204

A nova redação do caput do art. 384 dispõe que: “Encerrada a instrução probatória, se entender cabível
nova definição jurídica do fato, em consequência de prova existente nos autos de elemento ou
circunstância da infração penal não contida na acusação, o Ministério Público deverá aditar a denúncia ou
queixa, no prazo de 5 (cinco) dias, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de
ação pública, reduzindo-se a termo o aditamento, quando feito oralmente”.

205

É necessário, contudo, que se trate de um aspecto diverso do fato imputado ou um dado fático
desconhecido que altera o fato originário. Ou seja, alteração fática deve guardar relação com o fato
originário. Não se enquadra na hipótese de mera mutatio libelli, nos termos do art. 384 do CPP, o
surgimento de um fato novo, totalmente diverso e divorciado do fato inicialmente imputado. O fato novo
não se agrega àquele originariamente imputado, mas o substitui integralmente, possibilitando uma nova
imputação autônoma, que será objeto de novo processo, formulando-se uma pretensão própria. O
aditamento da denúncia do art. 384 refere-se à mutatio actionis, e não ao acréscimo de nova acusação.
Sobre o tema, cf. BADARÓ, Correlação entre acusação e sentença..., cit., p. 181-183.
206

A questão foi analisada sob o enfoque da imputação alternativa por Afrânio Silva Jardim (A imputação
alternativa no processo penal. Direito processual penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 157), que
conclui: “o parágrafo único do art. 384 prevê claramente uma imputação alternativa superveniente, vez
que o juiz poderá condenar o réu, tanto pelo que consta originalmente na denúncia ou queixa, como pelo
que lhe foi imputado no aditamento”. Posteriormente, suas lições foram seguidas por Antonio Milton de
Barros (Da imputação alternativa à ausência de imputação no Código de Processo Penal. Revista Ibero-
americana de Ciências Penais, n. 2., jan.-abr. 2001. p. 49) e Maria Cristina Faria Magalhães (A correlação
entre acusação e sentença nas ações penais condenatórias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 155-156).
Na doutrina nacional, de uma maneira geral, admitia-se que, diante do aditamento da denúncia, restava
íntegra, também, a imputação originária, sendo permitido ao juiz condenar o acusado tanto pelo crime
originário, quanto pelo crime objeto do aditamento. Nesse sentido: ESPÍNOLA FILHO, Eduardo. Código de
Processo Penal brasileiro anotado. Rio de Janeiro: Borsoi, 1965. v. IV. p. 118, GRINOVER, Ada Pellegrini;
MAGALHÃES GOMES FILHO, Antonio; SCARANCE FERNANDES, Antonio. As nulidades no processo penal.
6. ed. São Paulo: Ed. RT, 2006. p. 251. A doutrina, contudo, não chegava ao ponto de afirmar,
expressamente, que se trataria de uma hipótese de imputação alternativa. Em sentido contrário, destaque-
se a posição de Diogo Rudge Malan (A sentença incongruente no processo penal. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2003. p. 214) que, partindo da premissa correta de que não se pode aceitar a imputação alternativa
originária, contesta a posição dominante, no sentido de que o revogado parágrafo único do art. 384 do CPP
permitia uma imputação alternativa superveniente.

207

Tratamos da questão, com os fundamentos para tal inadmissibilidade no artigo: BADARÓ, Gustavo. Da
inadmissibilidade da Imputação alternativa no processo penal brasileiro. In: BASTOS, Marcelo Lessa;
AMORIM, Pierre Souto Maior Coutinho de (Org.). Tributo a Afrânio Silva Jardim: escritos e estudos. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 157-261. Uma exposição resumida dos argumentos pode ser encontrada em:
BADARÓ, Correlação entre acusação e sentença..., cit., p. 174-178.

© desta edição [2019]


2020 - 10 - 16 PÁGINA RB-2.1
Epistemologia Judiciária e Prova Penal - Ed. 2019
2. VERDADE, PROVA E EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA

2. Verdade, prova e epistemologia judiciária

2.1.Noções epistemológicas para a análise da prova penal

O tema da verdade e a própria possibilidade epistêmica de se atingir um conhecimento


verdadeiramente amplo,1 fazem parte de um campo de pesquisa milenar e inesgotável na filosofia.

No mundo jurídico, contudo, até pouco tempo, o chamado “juízo de fato” era pouco explorado,
havendo uma relativa indiferença dos aplicadores do direito em relação à prova dos fatos
debatidos no processo.2 Na formação do profissional do direito, enquanto conhecedor das leis, a
atividade hermenêutica parece ter uma status mais elevado do que as questões sobre o juízo de
fato. As faculdades de Direito são, em última análise, escolas de lei.

Por outro lado, nas mais diversas atividades diárias, todo indivíduo se depara com a
necessidade de realizar juízos sobre fatos passados, tendo que decidir a partir da constatação
indireta da ocorrência ou não de acontecimentos que não presenciou ou percebeu por seus
sentidos. Por ser algo frequente ao longo de toda a vida e realizado de modo natural, quase
automático, há uma crença comum de que valorar provas no processo é algo que se aprende quase
que intuitivamente, não sendo necessário para tanto adquirir conhecimentos específicos ou
dominar técnicas epistemológicas mais sofisticadas. Essa equivocada concepção de que “os
julgamentos sobre fatos constituem simples constatações da realidade”, muitas vezes, leva a uma
acrítica recepção e aceitação dos juízos de fatos realizados pelos magistrados no processo.3 Se os
juízes têm feito um mau uso do seu “livre convencimento”, o remédio não será eliminar esse
princípio de valoração livre, mas estabelecer e aplicar mecanismos racionais e procedimentais que
possam assegurar um bom uso da discricionariedade nas escolhas feitas na valoração da prova.4

A valoração da prova pode ser realizada intuitivamente, mas também é possível fazê-la de
modo racional, seguindo cânones lógicos, com mecanismos de controle intersubjetivos, que
permitam verificar o erro ou o acerto do juízo de fato realizado no processo. É na epistemologia
que poderão ser obtidas as ferramentas para um aprimoramento da atividade cognitiva do juiz na
valoração da prova.

No presente capítulo, se buscará expor as premissas sobre a possibilidade de se atingir um


conhecimento verdadeiro e quais os critérios de verdade adotados. Também serão expostos, na
parte preliminar do capítulo, de modo sumário – e assumindo o risco de uma exagerada
simplificação – os tipos de raciocínios lógicos que poderão ser desenvolvidos pelo julgador.

2.2.Verdade: possibilidade e critérios

As divergências na teoria do conhecimento principiam com a própria possibilidade de se


atingir um conhecimento verdadeiro.

Os céticos negam a possibilidade de se atingir um conhecimento verdadeiro dos fatos. Em


última análise, trata-se de posição insustentável e que anula a si própria.5 Essa postura de negar a
possibilidade de conhecimento da verdade foi denominada por Goldman, de veriphobia, com a
atitude de quem repudia a possibilidade de um conhecimento verdadeiro.6
Não é necessário fazer um estudo filosófico aprofundado para se constatar que, do ponto de
vista prático, uma teoria cética não tem qualquer utilidade no campo probatório.7 Um juiz cético
se torna um não juiz!8

Isso não significa, por outro lado, que, ao pressupor que o conhecimento é possível, se deva
aceitá-lo como um homem ingênuo que abraça o dogmatismo. É possível admitir o conhecimento
da verdade, mas realizando um exame crítico das bases do conhecimento humano, de seus
pressupostos e condições gerais.9

O linguistic turn foi fundamental para demonstrar o papel de intermediação da linguagem com
a realidade. Mas isso não autoriza que se rompa toda e qualquer conexão entre o conhecimento e
a realidade. A realidade externa existe e constitui o padrão de medida, o critério de referência que
determina a verdade ou a falsidade dos enunciados fáticos,10 no caso, da imputação penal.

A premissa da tese, portanto, é que a verdade deve ser concebida segundo a teoria da
correspondência.11 Também no Direito, afirma Daniel González Lagier, “quando afirmarmos que
um enunciado sobre certos fatos é verdadeiro, predicamos sobre ele uma direção de ajuste ‘de
palavras ao mundo’”. 12

Como já visto, o objeto do processo não é o fato em si, mas um enunciado fático.13 Assim, o juízo
de fato no processo penal implica uma relação de correspondência entre linguagem e mundo,
entre a proposição que descreve o que ocorreu e a realidade sobre a qual essa se refere, isto é, o
“passado a ser reconstruído”.14 Ou seja, verificar se “é verdadeira a afirmação de que o imputado
praticou a conduta, enquanto essa corresponde a fatos da realidade”.15

Essas ideias remetem à concepção semântica de verdade de Alfred Tarski16 que, por ser neutra,
não é incompatível com a teoria da verdade como correspondência.17 A concepção semântica da
verdade analisa as condições em que um enunciado pode ser considerado verdadeiro, a partir de
uma “definição que seja materialmente adequada e formalmente correta”.18 Segundo essa
definição, “uma proposição P é verdadeira se e só se p”. No famoso exemplo, “a proposição ‘a neve
é branca’ é verdadeira se, e somente se, a neve é branca”. Dizia Tarski: “Nossa concepção da noção
de verdade parece concordar essencialmente com as várias explicações dadas para ela na
literatura filosófica. Na Metafísica de Aristóteles está o que talvez seja a mais antiga explicação:
‘Dizer do que é que não é, ou do que não é que é, é falso enquanto dizer do que é que é, o do que
não é que não é, é verdadeiro’”.19

E, prossegue: “A concepção de verdade que encontra sua expressão na formulação aristotélica


(e em formulações afins de origem mais recente) é usualmente chamada concepção clássica da
verdade ou concepção semântica da verdade. Por semântica, entendemos aquela parte da lógica
que, informalmente falando, discute as relações entre os objetos linguísticos (tais como sentença) e
aquilo que é expresso por eles. O caráter semântico do termo verdadeiro está claramente
evidenciado na formulação oferecida por Aristóteles e em outras formulações que serão dadas
neste artigo. Às vezes, fala-se em teoria da correspondência da verdade como a teoria baseada na
concepção clássica”.20

Aplicando esses conceitos à proposição concreta posta num processo, por exemplo, “Caim
matou Abel”, a conclusão é que essa sentença é verdadeira se, e somente se, Caim matou Abel. A
concepção semântica da verdade, por outro lado, não se preocupa em estabelecer os critérios de
verdade, mas apenas o significado da palavra “verdadeiro”, o que são coisas diversas e que não
podem ser confundidas: o significado de verdade é uma coisa, e os critérios de verdade são outra.21

Para o processo, a realidade deve ser o critério de verdade. É necessário que haja uma relação
de correspondência entre uma entidade linguística (o enunciado que contém o fato a ser provado)
e uma entidade extralinguística (o fato real objeto do julgamento). E, ainda que esse fato do
passado somente seja acessível por meio inferencial, com diz Ferrua, “se o significado de ser
verdade para o enunciado histórico está na correspondência aos fatos, o método de verificação, de
acertamento da verdade, está na congruência da proposição a ser provada com as premissas
probatórias, rectius, com as proposições que descrevem as provas legitimamente produzidas”.22

Ainda que rapidamente, cabe justificar porque não aplicar outros critérios de verdade no
processo. Há outras teorias sobre a verdade, como a que equipara a verdade à coerência da
narrativa ou a que considera a verdade como consenso, são teorias normativas da verdade e não
teorias epistemológicas. Não dependem de um correspondente empírico, no qual seja possível
ancorar a decisão sobre o juízo de fato.

As teorias coerentistas da verdade consideram que uma proposição é verdadeira ou falsa


conforme seja ou não coerente com um sistema de proposições aceitas, afastando a verdade dos
dados empíricos.23 Esse modo de entender a verdade pode funcionar bem para as verdades lógicas
ou matemáticas (quando se referem a objetos construídos mediante convenções), mas é
insuficiente no caso de formas de conhecimentos empíricos.24 Mesmo no campo das narrativas
fáticas, a “verdade” da narração irá depender exclusivamente da sua coerência narrativa, estando
tal critério no interior da própria narração e não em um referencial externo. Uma narrativa será
“boa” por apresentar requisitos de coerência e correspondência ao que normalmente ocorre,
fazendo com que “bondade e verdade da narração acabem se confundido” olvidando de que
“existem de fato narrações substancialmente ‘boas’ que, todavia, são descritivamente falsas”.25

Logo, concepções narrativistas ou coerentistas não dizem respeito ao que realmente importa no
processo, que é estabelecer se, na realidade do mundo exterior, se Paulo matou João, pois é a essa
realidade histórica do mundo externo que a lei atribui consequências jurídica se sobre a qual o
juiz deve se pronunciar. Paulo deve ser punido pelo homicídio de João se matou João, e não se há
uma narrativa coerente e boa sobre a morte de João provocada por Paulo.

Com razão, conclui Taruffo, que “isso implica que a concepção de verdade como mera
coerência narrativa não tem espaço nem valor no contexto do processo. O processo não pode
contentar-se em fundar-se senão em uma concepção realista da verdade como correspondência da
descrição dos fatos à respectiva a realidade efetiva”.26

Objeção semelhante pode ser feita em relação à teoria da verdade como consenso, que
igualmente não pode ser aceita no processo.27 Isso porque o consenso produz resultados aceitáveis
sobre condições que não dependem, necessariamente, da correspondência entre o fato e a
realidade.28 Existiu um momento do pensamento em que o Geocentrismo reinava sem
contestações. Havia o consenso de que a Terra era o centro do universo e que todos os demais
astros giravam em torno do nosso planeta. Evidente que esse consenso não colocou a Terra no
centro do universo nem a tornou imóvel. Muito menos foram as dúvidas crescentes, que
redundaram no Heliocentrismo, com o desfazimento da aceitação geral de tal concepção de
mundo, que fizeram com que a Terra passasse a girar em torno do Sol. Há, portanto, crenças que
registram um amplo consenso ao seu favor, mas se revelam falsas.29

Além disso, a crença como estado psicológico em que se funda o consenso não precisa ter
qualquer relação com a verdade dos acontecimentos. Há muitas crenças que geram uma certeza
subjetiva em quem crê, embora de tal sentimento não se possa extrair qualquer conclusão a
respeito da verdade do que se crê. É assim com certos dogmas religiosos, com a ocorrência de
milagres, com a existência de seres extraterrestres, com a honestidade de alguns políticos e a
desonestidade de outros etc.

Há, ainda, outro problema, não de natureza epistêmica, mas de conotação político-processual: a
concepção da verdade como consenso também coloca em risco o escopo do processo penal de
funcionar como instrumento de legitimação do poder punitivo estatal. Ao se substituir a verdade
dos fatos buscada no processo, como uma das condições necessárias da legitimação da punição,
pelo consenso, não há como estabelecer a quantidade de consenso necessário para punir. E sem
um critério objetivo, há grande risco de que o consenso social seja identificado com uma “verdade
midiática alternativa à verdade processual”.30

Essa verdade é obtida rapidamente, na velocidade do interesse pela notícia nos meios de
comunicação e sem a dialética processual, que exerce uma importantíssima função
epistemológica. Logo após um acontecimento de interesse público, a verdade é pronta e
imediatamente anunciada, pois deve atender à urgência da notícia,31 e torna-se consenso, antes de
qualquer instrução processual em contraditório. Contra essa verdade midiática imediatista, aquela
outra verdade processual, produzida em contraditório, e que chegará muito tempo depois, pouco
ou nada poderá fazer. Não é exagero considerar que, em tal cenário, há uma inversão da
presunção constitucional de inocência, pela presunção – ou até mais que isso, uma efetiva verdade
midiática aceita pelo consenso – de culpa previamente declarada e aceita como verdadeira. Ao
acusado, já condenado pela mídia, restará a quase impossível missão de utilizar a instrução
processual como a última oportunidade para demonstrar a sua inocência, “além de qualquer
dúvida razoável”. Ou demonstra cabalmente ser inocente ou o consenso contrário que se formou
contra si será irreversível.

2.3.Verdade e conhecimento

Para analisar a influência que a epistemologia pode ter no campo processual, com vistas à
construção de um sistema racional de admissão, produção e valoração da prova, bem como
fornecendo padrões objetivos – ou ao menos controláveis intersubjetivamente – de standards de
prova, é preciso admitir a possibilidade de se atingir um conhecimento verdadeiro e definir os
critérios de verdade a serem observados.

É comum encontrar afirmações no sentido de que, diante da limitação do conhecimento


humano, tanto no processo quanto em outros campos, não é possível atingir uma verdade
absoluta. Ou, o que é mais ao sabor do profissional do Direito, que a “verdade material” ou
“verdade real” é inalcançável. Assim, o que se pode atingir no processo, ou em outras áreas do
saber, é apenas uma verdade aproximativa, ou uma “máxima aproximação da verdade”.32

Todavia, adotando-se o conceito de verdade como correspondência, não há que se cogitar de


uma verdade aproximativa ou “graus” de verdade. As limitações, que realmente existem, são para
se atingir o conhecimento verdadeiro, e não a verdade em si. A verdade é, portanto, um conceito
absoluto: ou há uma relação de correspondência, com identidade total, ou inexiste tal condição,
não se podendo falar em verdade. Assim, o que se pode considerar como aproximativo, relativo,
gradual ou probabilístico é o conhecimento dos fatos objetos do enunciado, e não a verdade dos
fatos que compõem tal enunciado. 33

Em outras palavras, não se pode confundir “verdade” com “conhecimento”. Como explica
Tuzet, é possível haver verdades sobre as quais nada sabemos, posto que a verdade de algo não
depende de nosso conhecimento. Que alguma coisa seja verdadeira ou falsa não depende do que
eu penso ou qualquer outra pessoa pensa a respeito. O que importa é o que ocorreu, e o que
ocorreu independe do estado epistemológico do sujeito cognoscente. Assim, a verdade é um
componente do conhecimento; o conhecimento, por sua vez, é uma crença verdadeira e
justificada.34 E, sobre o conhecimento, formula uma concepção tripartite: “Um sujeito S sabe que p
se e só se: (1) S crê que p; (2) é verdadeiro que p; (3) S tem justificativa para crer que p. As três
condições são necessárias e conjuntamente suficientes. A primeira é a condição subjetiva do
conhecimento, a segunda é a condição objetiva e a terceira é uma condição intersubjetiva.”

A crença é um estado psicológico eminentemente subjetivo. A verdade é um componente do


conhecimento de caráter objetivo, baseado no fato objetivo do mundo sobre o qual a crença deve
ser adequada para ser verdadeira. Por fim, a justificação é a condição intersubjetiva do
conhecimento, enquanto que os critérios não devem se fundar em opiniões pessoais, mas naquilo
que a comunidade reconhece como justificação, como as provas.35

No sentido de ser “relativa ao conhecimento da verdade” e não de algo “relativo à verdade em


si”, é que pode ser aceito, por exemplo, a ideia de “aproximação da verdade” (objetiva), como
explica Popper, ao comparar duas teorias científicas, mas em passo que pode ser perfeitamente
aplicado a distintos conhecimentos dos fatos, relativamente a provas judiciais: “Podemos falar em
uma melhor correspondência? Haverá de fato graus de verdade? Não será perigosamente
enganoso falar como se a verdade de Tarski se situasse numa espécie de espaço métrico, ou pelo
menos topológico, de tal forma que se possa dizer razoavelmente a respeito de duas teorias – por
exemplo, uma teoria anterior t1 e uma teoria posterior t2, que a substituiu, que esta última se
aproxima mais da verdade do que a primeira? Na minha opinião esse comentário não é em
absoluto enganoso. Ao contrário, acredito que simplesmente não podemos dispensar algo como a
ideia de que uma melhor (ou pior) aproximação de verdade. Não há dúvida de que podemos dizer
(e muitas vezes queremos dizer), a propósito de uma teoria t2, que ela corresponde melhor aos
fatos, ou que parece corresponder melhor a eles do que outra teoria t1”.36

Assim sendo, afirmações no sentido de que a verdade é aproximativa, contingente, provável ou


relativa, devem ser entendidas, principalmente em relação àqueles que adotam uma posição de
que a verdade possui natureza correspondentista, no sentido de que o conhecimento sobre a
verdade é aproximativo, contingente, provável ou relativo.37

No sentido elíptico, é possível continuar a falar em “busca da verdade dos fatos”, significando a
“busca de um conhecimento verdadeiro sobre os enunciados fáticos.”

2.4.Lógica e tipos de inferência

A lógica analisa apenas a relação entre premissas e conclusão, sem se preocupar com a verdade
ou não das premissas.38 Todavia, quando se buscar um critério para fortalecer o caráter racional
da atividade de valoração da prova e permitir o seu controle intersubjetivo, a análise dos métodos
lógicos é fundamental para se buscar o melhor raciocínio para a valoração da prova, com vistas a
viabilizar o controle de sua coerência e validade.

Não é viável o desenvolvimento profundo sobre as diferentes modalidades de raciocínios


lógicos. O que se busca é, tão somente, destacar as características fundamentais de cada um deles,
com vistas a identificar elementos para auxiliar na resolução da polêmica questão sobre qual é o
tipo de inferência utilizada no raciocínio probatório desenvolvido pelo juiz: se trata de dedução,
indução ou abdução?39

A questão pode comportar uma análise mais ampla, considerando os diversos raciocínios
decisórios, formais ou informais, ocorridos ao longo de toda a persecução penal. Nesse caso,
também seriam tomadas em consideração, por exemplo, as decisões da autoridade policial na fase
preliminar da persecução penal. Embora não se pretenda desenvolver a questão em um espectro
tão amplo, é possível destacar, desde logo, que não há necessidade de que se conclua pela adoção
de um modelo único. A diversidade de atividades desenvolvidas, com finalidades muito distintas,
torna até intuitiva a conclusão de que, em vez de haver uma única forma de raciocínio, isto é, ou
dedutivo ou não dedutivo, sendo que, nesse último caso, de natureza indutiva ou abdutiva, a
complexidade da atividade probatória se vale de espécies de raciocínio diversos, de acordo com os
distintos contextos probatórios.40

De qualquer modo, reafirma-se que o objetivo da análise é mais restrito, buscando uma espécie
adequada para o raciocínio judicial,41 para a inferência42 probatória realizada no momento final
do processo.43

Segundo González Lagier, o raciocínio probatório caracteriza-se como uma inferência


probatória, que é composta de três elementos: (i) uma hipótese sobre os fatos que queremos
provar; (ii) os elementos de prova que dão suporte a tal hipótese; (iii) a ligação entre esses dois
elementos, feita por uma proposição frequentemente implícita, de caráter geral, que enuncia um
princípio uma regra ou uma cadeia de raciocínio.44 É essa proposição geral que permite a
passagem da prova para a hipótese fática.45 A “probabilidade inferencial” do raciocínio probatório
ou o seu “grau de credibilidade” dependerá do grau de suporte que as premissas prestam à
conclusão, sendo que tal grau depende das máximas de experiências empregada, o que inclui as
regras científicas.46 Por outro lado, a força da inferência probatória, considerada como “a
capacidade de resistência que cada tipo de inferência apresenta, de modo a evitar a sua
substituição, refutação ou derrogação”, reside na cogência do argumento indutivo sobre o qual se
assenta a regra geral (lei científica ou máxima de experiência).47
Além de analisar as espécies de raciocínio lógico, como a atividade inferencial se vale de
premissas que constituem regras gerais48 o papel das leis científicas e das máximas de experiência,
enquanto mecanismos aptos a ocupar a posição de premissa geral, especialmente no método
indutivo.49

2.4.1.Dedução e indução

É comum a afirmação de que a dedução é um raciocínio lógico que parte de premissa geral
para se obter uma conclusão particular, enquanto que a indução é o oposto, isto é, um raciocínio
em que de premissas particulares se extrai uma conclusão geral. Essa, contudo, é a característica
menos relevante.

O raciocínio dedutivo é uma argumentação lógica perfeita, em que se obtém uma conclusão a
partir de duas premissas. Na dedução há uma premissa maior, consistente em uma regra
universal, uma premissa menor, consistente num enunciado particular, e uma conclusão.50 O
exemplo clássico da dedução é o de Sócrates:

Todo homem é mortal.

Sócrates é homem.

____________________

Logo, Sócrates é mortal.51

No raciocínio dedutivo, se as premissas forem verdadeiras, a conclusão será verdadeira. Mas


não é objetivo do raciocínio dedutivo, nem da lógica em geral, estabelecer a verdade das
premissas. Quando se utiliza uma regra geral como premissa maior (p. ex.: Todo homem é mortal)
e esta se relaciona com o caso em consideração, isto é, o fato particular enunciado na premissa
menor (no caso, Sócrates é homem), a conclusão será invariável e necessária.52 Na dedução, há um
automatismo lógico, em que a passagem das premissas à conclusão se funda em uma
“inderrogável necessidade lógica”.53 A conclusão será necessariamente verdadeira, quando as
premissas também forem verdadeiras,54 porque a conclusão, a rigor, nada diz que já não tenha
sido enunciado nas premissas,55 sendo impossível construir qualquer raciocínio ampliativo.56 A
dedução, portanto, é a forma de raciocínio adequada quando é conhecida a regra geral e é
conhecido caso particular que com ela se relaciona, e se busca encontrar o resultado.57 Justamente
por isso, o método dedutivo é particularmente apropriado em disciplinas matemáticas, em que de
postulados ou definições, com natureza de afirmações gerais, se obtém conclusões particulares,
sem criar nada de novo.58 O exemplo mais familiar é a Geometria Euclidiana plana, em que os
teoremas são demonstrados com base em axiomas e postulados.

A dedução somente permite que se obtenha a transferência da verdade particular de um


enunciado para outro enunciado, sendo incapaz de estabelecer uma verdade sintética quando não
seja dada uma verdade desse tipo na sua premissa geral.59 A verdade das premissas, por sua vez,
será determinada a partir o domínio dos conhecimentos disponíveis de quem formula as
premissas.60 Assim, se num caso particular não for possível assegurar que as premissas são
verdadeiras, nenhuma garantia se terá quanto à verdade da conclusão. A dedução também é
adequada para se expor, de um modo claro, a justificativa de uma decisão, ou para demonstrar
porque se aplicam certas propriedades gerais a casos particulares.61

Do ponto de vista da possibilidade de se chegar à descoberta de conhecimentos novos, o que é


fundamental no raciocínio judicial, o método dedutivo não acrescenta nenhum dado que já não
estivesse disponível nas premissas do silogismo, ao menos implicitamente. No clássico exemplo
acima utilizado, a conclusão de que Sócrates era mortal já estava embutida nas premissas, tendo o
argumento dedutivo apenas explicitado a conclusão que já se sabia, não trazendo nada novo.62
Esse vazio de conhecimento impede que o método dedutivo se preste a previsões sobre o futuro, o
que exige o emprego da lógica indutiva. O mesmo se diga com relação à valoração da prova, em
relação a qual não há se busca resultados de caso particulares, para os quais não há uma regra de
cobertura de caráter geral e universalmente válida, sendo utilizadas generalizações baseadas em
indução experimental de casos conhecidos.63

Num modelo de epistemologia judiciária, não é correto caracterizar o raciocínio probatório


como sendo uma dedução.64 Não há uma premissa universal e verdadeira à qual se aplica outra
premissa concreta e particular, mas igualmente verdadeira, que permita se obter uma conclusão
também verdadeira. De um modo geral, as premissas gerais utilizadas no raciocínio probatório
não são leis universais, mas meramente probabilísticas, o que já é suficiente para tornar
inadequado o método dedutivo como modelo de raciocínio probatório.65 O mesmo vale para as leis
científicas, que não estabelecem verdades gerais, mas somente probabilidades. Superada a visão
de mundo em que os fenômenos da natureza se reproduzem com base em uma uniformidade
absoluta, não é possível obter, em relação aos acontecimentos do dia a dia, leis gerais que
expressem verdades incontestáveis, e que possam servir como premissas para um raciocínio
dedutivo, gerando conclusões probatórias verdadeiras.

O grande fascínio que a dedução exerceu no mundo jurídico estava ligado ao aspecto
argumentativo por meio do qual se costuma expor, na fundamentação da sentença, o processo de
subsunção dos fatos à norma.66 Nesse contexto, a forma de silogismo dedutivo era empregada com
estilo de fundamentação: a premissa maior era representada pela regra jurídica, a premissa
menor, pelos fatos considerados provados, e a conclusão a subsunção dos fatos à norma, com a
disposição da consequência jurídica nela prevista.67

Outro método possível se ser considerado como modelo adequado ao raciocínio probatório é a
indução. É comum a afirmação de que, no raciocínio indutivo, a partir de premissas sobre o caso
particular se obtém uma conclusão de caráter geral. Embora isso seja uma característica da
indução, seu aspecto mais relevante é que o raciocínio indutivo acrescentará um conhecimento
novo.68 A indução generalizadora é adequada para as situações em que conhecemos uma série de
casos bem como uma série de resultados, e queremos extrair uma regra que correlacione uns
como os outros.69 Na indução, obtém-se uma premissa de caráter geral, a partir do exame de uma
série limitada de casos particulares, de modo que a conclusão sempre vai além das premissas. Isto
é, a conclusão indutiva contém informação não presente, mesmo implicitamente, nas premissas,70
havendo um “salto” das premissas para a conclusão. 71 A conclusão que resulta da indução será
mais abrangente que a premissa. Isso porque, na indução, se extrai uma regra, ou uma lei geral,
após repetida observação dos fenômenos, isto é, o caso concreto.72 Por exemplo:

X, Y e Z são cisnes.

X, Y e Z são brancos.

________________

Todo cisne é branco.

Justamente por isso, a indução é método das ciências experimentais, em que se busca resolver
um problema a partir de casos particulares, obtendo como conclusão uma lei geral. O sucesso do
método indutivo depende da confirmação experimental, que fornecerá resultados comprobatórios
da lei proposta. Todavia, mesmo diante de tais confirmações, o método indutivo não garante que a
conclusão seja verdadeira, mas apenas provável, em maior ou menor grau.73 Ainda que o
experimento produza diversos resultados favoráveis, não importa quantos sejam os experimentos
realizados, não haverá certeza de que se trata de um resultado verdadeiro.74 Trata-se, pois, de um
argumento derrotável.75 Esse é o preço que se paga pela obtenção da ampliação do
conhecimento.76 Inexiste uma quantidade específica de resultados positivos dos experimentos, por
maior que seja, que possa ser considerada como prova conclusiva para a hipótese inferida, no
sentido de ela também ser verdadeira.

Isso não significa, contudo, que o raciocínio indutivo seja inadequado ou insuficiente para uma
atividade epistêmica. Há induções que nos permite chegar a conclusões muito fiáveis e sólidas,
enquanto há deduções cujas conclusões carecem de força, pois se baseiam a em premissas falsas
ou implausíveis.77 Além disso, é exatamente porque se expressa em termos de “verdade provável”
que a conclusão fática do juiz, do mesmo modo que as hipóteses científicas e historiográficas,
possui um status de verdade controlável e refutável.78

Cabe retomar o exemplo dos cisnes brancos. Se todos os cisnes observados por um longo
período, em lugares distintos, eram brancos, isso permitia inferir que todos os cisnes do mundo – o
que equivale a provavelmente – eram brancos. Do ponto de vista prático, seria razoável acreditar
que o próximo cisne que fosse visto seria branco, embora não se pudesse excluir – pois essa é uma
limitação do raciocínio indutivo – que existisse um cisne de outra cor. Realmente, por muitos
séculos, todos os cisnes vistos por europeus eram brancos. Assim, a conclusão da inferência de que
provavelmente todos os cisnes que fossem vistos no futuro seriam brancos era bem fundada do
ponto de vista racional. Todavia, no ano de 1697, pouco mais de duas décadas depois da descoberta
do continente australiano, os europeus tiveram contato com um cisne negro. Bastou um único
cisne negro na Austrália para colocar por terra a conclusão probabilística obtida mediante indução
de que todos os cisnes eram brancos: existia cisne negro!79 A conclusão foi refutada por um só
contraexemplo (o cisne negro),80 em razão do argumento modus tollens.

Por maior que seja o número de resultados positivos que confirmem a regra geral inferida na
indução, logicamente, ela sempre poderá não ser verdadeira. Tudo o que a indução pode dar é
probabilidades. Isso não significa, porém, que obter certo número de verificações de um resultado
favorável seja indiferente ou mesmo equivalente a não ter feito qualquer verificação. Como a cada
experimento realizado o resultado da verificação poderia ter sido desfavorável – o que levaria
inexoravelmente à rejeição da hipótese – um conjunto de resultados favoráveis mostra que a
hipótese foi confirmada, no que diz respeito àqueles números de experimentos particulares.
Portanto, ainda que um conjunto de resultados favoráveis não produza uma prova completa que
confirme a hipótese, pelo menos lhe dá algum suporte, alguma corroboração ou confirmação.81
Uma teoria sujeita a um maior número de resultados favoráveis terá sido mais testada e, portanto,
terá um grau de suporte maior que uma com poucos experimentos de confirmação.82

Transportando essas ideias do raciocínio lógico para o campo probatório, o problema do juiz
não é estabelecer uma relação coerente entre as premissas e obter uma conclusão
necessariamente válida, como assegura o método dedutivo.83 O verdadeiro problema do juiz não
está em extrair das premissas a conclusão, mas, como destacava Calogero, em encontrar e
formular as premissas.84 Mais do que isso: o juiz aspira a verdade, não lhe bastando a coerência
lógica, que é uma condição necessária, mas não suficiente, da verdade. A verdade do juiz depende
da verdade das premissas, e são estas que ele busca para chegar à conclusão verdadeira.85

No campo da prova judicial, o juiz se vale basicamente de um raciocínio indutivo.86 E em se


tratando de indução, por mais fortes que sejam as provas da culpabilidade do acusado, de um
ponto de vista puramente lógico, sempre será possível negar a validade da conclusão, que nunca
será verdadeira, mas somente provável.87 Na lógica indutiva do raciocínio judicial, nenhuma
prova pode dar a certeza ao julgador. O juízo fundado sobre prova é incerto. As provas somente
tornarão mais ou menos provável o juízo de culpabilidade, mas não conseguirão implicá-lo como
absolutamente certo.88

Some-se a isso que, no campo probatório, o que se tem como premissas do silogismo indutivo
são leis probabilísticas. Serão essas regras gerais fundadas em regularidades empíricas
decorrentes de nossas experiências passadas, que nos permitirão concluir que, se as provas são
verdadeiras, é provável que a hipótese fática também o seja.89

2.4.2.Abdução

A abdução é um processo inferencial que permite explicar a ocorrência de um fato


desconhecido, por meio da capacidade de conjecturar.90 É a inferência que formula uma hipótese
explicativa.91 Do ponto de vista cronológico, a abdução se desenvolve do presente para o passado,
indo dos fatos conhecidos para as suas explicações. O raciocínio abdutivo permite “inferir para
trás”.92
A abdução exorta quem raciocina a inventar a segunda premissa que levará à conclusão do
raciocínio.93 É uma inferência criativa de conhecimentos novos.94 Nem a indução nem a dedução,
levam à invenção de qualquer premissa. Enquanto na dedução se conclui algo que tem que ser; e
na indução algo que provavelmente será, “a abdução simplesmente sugere algo que pode ser”.95
Ou, dito de outro modo: “a dedução implica algo, a indução infere algo, a hipótese [abdução]
explica o porquê de algo”. 96

Para distinguir esses três modos de raciocínio, Peirce se vale de um procedimento silogístico
básico, alternando a ordem de seus termos. Assim, na dedução, tem-se uma regra (premissa
maior), o caso (premissa menor) e o resultado (conclusão), para o que lança o seguinte exemplo:
um pesquisador está investigando uma saca com feijões brancos, e pega como amostra um
punhado de feijões, poderá concluir, então, dedutivamente que:

O que o pesquisador fez foi apenas aplicar uma regra geral a um caso com ela relacionado, e
extrair o resultado. No caso, como as premissas são verdadeiras, o resultado, além de
dedutivamente válido, leva a uma conclusão igualmente verdadeira.

Por outro lado, é possível trocar a ordem e imaginar o silogismo com a seguinte forma:

Nesse segundo caso, o que se faz é, utilizar um caso e o resultado, para se extrair uma regra
geral, o que é um típico modo de raciocínio indutivo. A indução não garante um resultado
verdadeiro, mas é muito útil na pesquisa científica porque normalmente a natureza se apresenta
uniformemente.

Uma terceira possibilidade de troca dos termos do silogismo pode ser assim explicada:
“Suponha que eu entre numa sala e lá encontre um certo número de sacas contendo diferentes
tipos de feijões. Sobre a mesa há um punhado de feijões brancos; e, após procurar, descubro que
uma das sacas contém apenas feijões brancos. De imediato, infiro, com uma probabilidade, ou
como uma aposta justa, que esse punhado foi tomado daquela determinada saca. Esse tipo de
inferência é chamado de fazer uma hipótese. É a inferência do caso a partir da regra e do
resultado.”97

A Hipótese, diz Peirce, “é quando encontramos uma circunstância muito curiosa que poderia
ser explicada pela suposição de que se trata de um caso de certa regra geral e, destarte, adotamos
essa suposição”. 98 Reconhece o autor, contudo, que a hipótese “é um tipo de raciocínio fraco” não
sendo possível dizer que seja verdadeira, apenas podendo “conjecturar que isso pode ser assim”. 99

De qualquer modo, é por meio da abdução que os pesquisadores atingem as hipóteses


explicativas, indo do caso para a regra.100 Porém, uma vez alcançadas tais hipóteses, cabe ao
cientista submetê-las a teste. Mais do que defender um tipo específico de raciocínio, Peirce propõe
um encadeamento sucessivo deles: “Primeiramente, devemos partir de uma hipótese, que é
sempre falível, mas que é uma aposta racional para a resolução do problema que se apresenta.
Depois, devemos deduzir as consequências da adoção daquela hipótese, por exemplo, fazendo
determinadas predições. Finalmente, devemos fazer o processo de indução, tomando ‘amostras’
justas e verificando se elas corroboram ou não as predições”.101

Em síntese, na metodologia científica de Peirce, a abdução constitui a “primeira inferência”: “a


abdução formula as hipóteses, a dedução extrai as suas consequências e a indução as valora”. 102

A abdução é aplicada em um amplo conjunto de campos, como das descobertas científicas e


médicas, das investigações criminais, das reconstruções históricas e até mesmo das interpretações
filológicas de textos literários, por serem, todos, casos de “pensamento conjectural”.103

Com vistas à possibilidade de utilização da abdução como raciocínio probatório, é de se


considerar que há mais de um tipo de abdução. Umberto Eco, por exemplo, faz a seguinte
distinção: “o primeiro parte de um ou mais fatos particulares surpreendentes e termina com a
hipótese de uma lei geral (o que parece ser o caso de todas as descobertas científicas), ao passo que
o segundo parte de um ou mais fatos particulares surpreendentes e termina com a hipótese de
outro fato particular que se supõe seja a causa do primeiro ou dos primeiros (o que parece ser o
caso da investigação criminal)”.104

Por sua vez, Bonorino Ramírez refere-se a abduções heurísticas, que são realizadas antes de se
formular o problema, e abduções substantivas, que resultam em possíveis respostas para os
problemas.105 Refere-se, também, a abduções de primeiro nível, que são aquelas realizadas para
explicar dados ou observações, e abduções de segundo nível, que se propõem a explicar as
primeiras abduções já realizadas.106

Semelhante ao raciocínio indutivo, na abdução também não há como garantir que a hipótese
explicativa inferida seja verdadeira.107 Além disso, a abdução apresenta, nas palavras de Fassone,
uma “insanável contradição epistemológica”: de um lado, é o único tipo de inferência que aumenta
o nosso conhecimento factual, e portanto o único esquema argumentativo indispensável para
obter o enunciado final; de outro lado, é o instrumento inferencial dotado de menor necessidade
lógica e, por isso, de maior debilidade intrínseca.108

No campo probatório, quem investiga se vale inegavelmente de um raciocínio abdutivo,


criando hipóteses que expliquem fatos concretos, a partir das provas disponíveis. Não há grande
divergência sobre ser a abdução o raciocínio utilizado pelos investigadores, como se verá a
seguir.109 O investigador diante de um crime, por exemplo, encontrando o cadáver de quem foi
morto com vários tiros, e mais alguns indícios no local do crime, terá que formular uma hipótese
fática da causa de tal delito. Aqui, a formulação de hipótese explicativa encaixa-se perfeitamente.

A grande discussão é sobre se a abdução pode representar o raciocínio probatório utilizado


pelo juiz, ao final do processo, no momento da sentença. Antecipando a conclusão que será
justificada mais adiante, a resposta é negativa, ao menos como critério geral de raciocínio judicial.
Isso porque o juiz valora as provas para verificar se uma hipótese já definida como objeto do
processo é verdadeira ou não, obviamente, entendido tal conceito de “verdade” em termos de uma
probabilidade, realizando uma atividade indutiva.110

2.5.As leis científicas

Superando a concepção medieval, em que a verdade deveria ser encontrada na divindade,111 a


razão moderna passa a conceber o mundo como um mecanismo em que tudo tem o seu lugar e
pode ser compreendido e explicado a partir de leis da física e da matemática.112

Essa ideia mecânica dá à ciência uma concepção determinística, que foi acolhida pela física,
sem exceções. Em Galileo e Newton, a explicação mecânica se dá por meio das leis causais.113 Para
as ciências e as leis da natureza, a causalidade desempenha um papel fundamental. Por meio da
causalidade procura-se estabelecer a conexão entre os fatos do mundo sensível, com base em uma
visão empírica ou naturalista, que possibilita constatar a origem ou etimologia de um
acontecimento. Entendia-se que a natureza era regida pela lei da causalidade, cuja expressão mais
evidente eram as leis naturais. Assim quando se constatava a existência de uma lei natural, por
exemplo, no campo da física ou da química, que explicasse a relação entre uma ação e o seu
resultado, que fosse aplicável em caráter necessário à totalidade dos casos, considerava-se que se
estava diante de uma lei causal, de natureza universal. A constatação ou “descoberta” dessa lei se
dava por método indutivo. A reiteração de experimentos que permitissem, mediante observação
dos seus resultados concretos, afirmar que de uma determinada ação, ocorria sempre e
necessariamente um resultado, gerava um conhecimento nomológico, enunciado nos seguintes
termos “sempre que A, tem-se B”.

Todavia, no início do século passado, descobertas científicas no campo da física e da


matemática colocaram por terra o ideal de um modelo de conhecimento fundado na causalidade.
Embora ainda persista um mito sobre o caráter absolutamente certo do conhecimento científico,
essa certeza não existe mais nas ciências naturais. Como diz Stella, as discussões sobre o método
científico do século XX demonstraram que a ciência “é um cemitério de erros”, e se desenvolve por
meio da formulação de hipóteses cuja verdade ou falsidade é um problema destinado a sempre
restar em aberto.114

A fórmula scientia est cognitio per causas perdeu sua força. A possibilidade de se atingir as
verdades absolutas e imutáveis já havia sido contestada. Na dinâmica clássica e na física quântica
“as leis fundamentais exprimem agora possibilidades e não mais certezas. Temos não só leis, mas
também eventos que não são dedutíveis das leis, mas atualizam as suas possibilidades”.115

Como explica Reichenback “o ideal de um universo cujo curso segue leis rigorosas, de um
cosmos predeterminado que procede como um relógio foi abandonado. Juntamente foi
abandonado o ideal do cientista considerado como o depositário da verdade absoluta. Os eventos
da natureza são assimiláveis a dados que caem ao invés de astros que rodam no céu; são
controlados por leis probabilísticas, não pela causalidade, e os cientistas se assemelham mais a
jogadores que a profetas. Eles podem dizer quais são as melhores hipóteses, mas nunca sabem de
antemão se são verdadeiras”.116

A mecânica quântica, com a teoria dualística ondulatória-corpuscular da luz, sepultou a


objetividade. Como explica Bunge, “a representação habitual da teoria dos quanta, tal como foi
proposta por Bohr e Heisenberg, elimina a causalidade e o que se refere aos resultados da
observação, no sentido de que uma ‘mesma’ situação física pode ocorre de forma não previsível
por um grande número (usualmente infinito) de estados diferentes”.117

Também podem ser citados como outros avanços científicos que igualmente contribuíram para
o enfraquecimento do princípio da causalidade e da certeza determinística das leis cientificas. O
princípio da indeterminação, formulado por Heisenberg, segundo o qual não é possível
determinar, ao mesmo tempo e com precisão, a posição e a velocidade de uma partícula
atômica,118 demonstrou que a previsão da trajetória de uma partícula subatômica é caracterizada
por uma específica indeterminação, sendo impossível prevê-la de modo exato.

Por fim, a própria noção de espaço e tempo são questionadas, diante da teoria da relatividade
de Einstein.119 Nossos conceitos de tempo e de espaço podem ser aplicados somente a fenômenos
que envolvem pequenas velocidades em comparação com a velocidade da luz, enquanto que
fenômenos que envolvem velocidades próximas à da luz não podem ser adequadamente
interpretados de acordo com o conceito normal de espaço e tempo.120
Assim, o paradigma da certeza científica, que vigorou por séculos, entrou em crise, sendo
assumido pela epistemologia contemporânea que a ciência também está privada da certeza.121

Aliás, não só no campo científico relacionado às ciências naturais, mas na própria matemática,
o ideal de um conhecimento universal e absoluto foi questionado. O Teorema da Incompletude de
Gödel estabelece que: “Qualquer coisa em que você pode desenhar um círculo ao redor não pode
ser explicada por si mesma sem se referir a algo fora do círculo – algo que você tem que assumir,
mas não pode provar”! Ou seja, nenhuma afirmação em si pode provar completamente a si mesma
como verdade. Qualquer afirmação depende de um observador externo. A Prova de Gödel
começou com o “Paradoxo do mentiroso”, a partir da seguinte afirmação: “Eu estou mentido”.
Trata-se de uma asserção autocontraditória. Pois, se a afirmação é verdadeira, quem a declara não
está mentindo; mas se ela é falsa, quem se diz mentiroso está dizendo a verdade! A partir disso, tal
paradoxo foi desenvolvido em fórmula matemática.122

Logo, não seria exagero afirmar que, a partir dos avanços da física do início do século XX, na
investigação científica, tudo passou a ser apenas meramente provável. Especial relevância dessa
mudança de paradigma ocorre no campo da prova do nexo causal. As leis causais que eram
entendidas como generalizações sem exceção, formuladas com relação “se, então sempre”,
passaram a ser entendidas como leis probabilísticas, que apontam para uma regularidade em
termos percentuais em um grupo de casos – e, consequentemente, admitem exceções – podendo
ser expressa na relação: “se, então, em um certo percentual”.123 De modo mais simples, a
causalidade que antes poderia ser representada pela fórmula: “se A, então B”, passou a significar,
“se A, provavelmente B”.

A causalidade deixou de ter um caráter necessário, passando a significar apenas a possibilidade


de predizer fatos futuros, explicando como a partir de um acontecimento, haverá a probabilidade
de se seguir outro. Evidente que isso não significou a derrocada do conhecimento científico nem a
sua inaplicabilidade ao processo. Basta ver que o conceito de causalidade ainda é central na teoria
da imputação penal. E mesmo que empregando uma teoria probabilística da causalidade, fundada
numa representação do mundo que contemple processos físicos intrinsecamente aleatórios, o
problema do nexo de causalidade não desaparecerá da dogmática penal. O operador do direito
pode continuar trabalhando com o conceito tradicional de causalidade, pois podemos em nossa
vida cotidiana confiar em leis causais “com certeza praticamente absoluta”.124 Isso porque a
vigência de leis apenas probabilísticas, no campo subatômico, de um lado; e a teoria da
relatividade, que torna inaplicáveis as tradicionais noções causais em dimensões cósmicas, de
outro, não impedem que os fenômenos do dia a dia sejam compreendidos pelo homem, a partir
dos conceitos tradicionais, baseados numa concepção newtoniana do universo, com leis aptas a
explicá-lo segundo padrões que se repetem de forma praticamente imutável.125 O tema, portanto,
está longe de ter perdido o interesse para o direito penal, que tem por objeto o homem e seu agir
na realidade da vida cotidiana.126

Diante de leis científicas de caráter probabilísticos, e não de validade universal, as atenções se


voltam para o critério explicativo em virtude do qual o fato subsequente está ligado ao fato
antecedente. Esse critério deverá ser ainda hoje oferecido por leis científicas127 que, não sendo
absolutas ou indefectíveis, serão consideradas leis quase “universais”, isto é, que tenham um fator
de regularidade próximo a 100%, sem com isso negar seu inevitável caráter probabilístico na
explicação causal do evento.128

Além disso, a mudança de enfoque não será somente quantitativa, mas, também, qualitativa.
Como explica Stella, “quando se enfrenta o problema do fundamento do juízo contrafactual
realizado pelo juiz, a contraposição entre explicações causais (dedutivas) e explicações estatísticas
deve ser abandonada”.129 E prossegue Stella: o juiz penal, por meio de um juízo contrafactual
“deve estabelecer se a conduta é uma condição contingentemente necessária; o resultado ao qual
chegará não será mais dedutivamente certo, posto que a incompletude das premissas explicativas
(a incompletude das leis e das condições empíricas enunciadas) e o uso de leis estatísticas na
explicação caracterizarão sua explicação sempre como probabilística, ou seja, racionalmente
crível”.130
De qualquer modo, as leis científicas, quando corretamente elaboradas, são submetidas a
processos de verificação, tanto prévios ao processo, por parte da comunidade científica, quanto no
curso do processo, por meio de peritos e assistentes técnicos.

Uma lei científica, para ser aceita como tal, deve ser submetida à verificação mediante testes
repetidos e sucessivos, passando, assim, por um método de falseabilidade. Mesmo depois de
justificada a sua descoberta, a lei científica é objeto de discussão e, não raro, de contestação na
comunidade científica.

Não é tudo. As leis científicas ingressam, muitas vezes, no processo, por meio de provas
técnicas, o que permite uma maior segurança do julgador para avaliar o grau de validade e de
solidez da lei científica empregada.131 Mesmo nos sistemas em que não há perito oficial, e os
conhecimentos científicos são levados ao processo pelos peritos das partes, a dialética processual
será suficientemente forte, permitindo que a posição de um perito seja verificada e sujeita a
confronto com apoio no conhecimento do perito da outra parte.

Em suma, do ponto de vista da necessidade de uma lei geral de cobertura para justificar um
raciocínio inferencial, as leis científicas que se fundam numa elevada probabilidade podem ser
utilizadas como fundamento do raciocínio judicial. Além disso, comparativamente, são mais
seguras que simples máximas de experiências que nem sempre furam suficientemente testadas
para integrar o conhecimento comum e, em outros casos, de modo mais grave, não passam de
generalizações espúrias, que não passam de juízos preconceituosos.

O problema é que, dificilmente, haverá uma lei cientifica de caráter universal, apta a explicar
com uma conclusão absolutamente necessária, a proposição final que integra o juízo de fato no
silogismo interno da sentença. Normalmente, as leis cientificas apenas servem para justificar
premissas intermediárias, ou que servirão de premissas de outras premissas, na formação do juiz
de fato.132 Portanto, mesmo no caso em que se admita ou caráter necessário de uma lei científica,
considerada dotada de plena validade e ainda não falsificada por conhecimentos científicos
posteriores, com o enunciado fático final a ser provado em um processo penal é um acontecimento
singular, atribuído a um determinado indivíduo, inexistirá uma lei científica específica a
funcionar de regra de cobertura que poderá funcionar como regra-ponte entre o dado probatório e
o enunciado fático principal.

2.6.As noções do senso comum e as máximas de experiência

No juízo probatório, além das leis científicas, é comum e inafastável o emprego de noções do
senso comum que muitas vezes são referidas como máximas de experiência. Uma ou outra
funcionariam como premissas gerais de um silogismo. Recorre-se às noções do “senso comum” ou
de “máxima de experiência” como regra geral, que se liga a outra premissa de caráter particular,
chegando a uma conclusão igualmente particular.

O tema das máximas de experiência tem como ponto de referência o trabalho de Stein, de 1893,
que as concebeu como “definições ou juízos hipotéticos de conteúdo geral desligados dos fatos
concretos que são julgados no processo, procedentes da experiência, mas independentemente dos
casos particulares de cuja observação foram induzidos e que, por cima desses casos, pretendem ter
validade para outros novos”.133

Todavia, o conceito de máximas de experiência, tal qual formulado em finais do século XIX, é
de difícil aplicação e pouca utilidade prática atualmente. Por outro lado, tentativas de sua correção
acabariam desnaturando completamente a ideia, que na sua época era uma forma de definir,134
juntamente com os “fatos notórios”, quais conhecimentos privados do juiz poderiam ser utilizados
no raciocínio probatório.

Se a noção de máxima de experiência, como racionalização do senso comum, poderia ter


sentido no final de século XIX, o mesmo não se pode dizer nos dias atuais. Como destaca Taruffo,
noções como experiência coletiva de uma comunidade nacional são de pouca utilidade em tempos
de multiculturalismo, como consequência cultural de muitos fatores que se intercambiam, como a
presença de diversas etnias num mesmo ambiente social e político, a estratificação econômica e
fragmentação social, em que mais se tem desarticulação e sociedades não homogêneas no plano
cultural.135 Nesse contexto, invocar o “senso comum” parece ser algo completamente vazio ou, o
que seria pior, um argumento retórico para servir de cobertura para escolhas subjetivas do juiz.136

As máximas de experiência extraíveis do senso comum não são leis lógicas, de validade
universal, nem leis científicas, determinísticas ou não determinísticas.137 São generalizações
plausíveis, fundadas na observação do id quod plerumque accidit. Geram apenas um
conhecimento probabilístico, é um ponto fraco de tais generalizações: o que habitualmente ocorre
em situações ou hipóteses de um mesmo gênero, não é algo que necessária e indefectivelmente
ocorre em tal situação.138

Somente isso, contudo, não é suficiente para negar o emprego das máximas de experiência do
raciocínio probatório, mesmo porque, como já visto, muitas leis científicas também se baseiam em
uma inferência indutiva e, portanto, são conclusões que geram um conhecimento provável, ainda
que em determinados casos, com probabilidade elevada, muito próximo da certeza. A diferença
marcante está em que as leis científicas, são sujeitas a mecanismos de verificação a priori de sua
validade, além poderem ser submetidas ao contraditório de partes no curso do processo. Por sua
vez, as máximas de experiência não passam por esse efetivo controle, justamente por serem
conhecimentos obtidos a partir do conhecimento ou cultura média da sociedade, em relação às
quais não se exige prova nem testes de verificação.139

Ainda assim, a validade do emprego da máxima de experiência é questionada. Por exemplo,


Stella não admite o seu emprego, fazendo referência à “pretensa racionalidade do senso comum,
das máximas de experiência”.140 Todavia, não parece possível deixar de utilizar noções do senso
comum no raciocínio probatório.141 Embora seja muito mais seguro o emprego de regras lógicas de
validade geral, como os cânones da matemática, bem como a utilização de regras científicas que
forneçam um grau de probabilidade muito próximo da certeza, o conteúdo dos fatos que precisam
ser julgados no processo penal não é inteiramente coberto por leis lógicas ou científicas.142
Mannarino chega mesmo a dizer que o questionamento sobre a utilização das máximas de
experiência pelo juiz é um falso problema, pois não há como o juiz deixar de usá-las.143

Admitida a utilização do senso comum, quer em sua forma racionalizada de máxima de


experiência, quer como próprio conhecimento comum da experiência, essa proposição de caráter
geral atuará como premissa-maior de uma ilação que o juiz formula, a qual pode ser portadora da
certeza lógica da dedução silogística, precisamente fundada em uma premissa fática de natureza
geral.144 Essa “certeza lógica”, é de se esclarecer, refere-se à validade do raciocínio dedutivo que o
emprego da máxima de experiência permite. Todavia, como não é possível assegurar a veracidade
da própria máxima de experiência, porque sua construção se dá por método indutivo, não se pode
concluir a natureza “verdadeira” ou absolutamente certa de um raciocínio fundado em uma
máxima de experiência.145 Se a premissa, ainda que de caráter geral, é somente provável, a sua
conclusão, igualmente, será apenas provável.146

Há quem afirme que poderia haver máximas de experiência de validade absoluta.147 Não é
correto tal ponto de vista. Nem mesmo as leis científicas gozam desse status cognitivo. Toda teoria
científica tende a ser substituída por outra, mais correta e que explique melhor os problemas a
serem resolvidos. Há até mesmo casos de verdadeira mudança de paradigma científico,148 contra
teorias tidas como verdades inabaláveis. O que acontece, com alguma frequência, é a ampliação do
conhecimento comum que passa a incorporar conceitos científicos. Nesse caso, não se trata de um
“senso comum” no sentido vulgar, mas de uma aquisição de conhecimento científico pelo cidadão
comum. Um conhecimento que antes só era acessível a um pequeno número de cientistas ou
acadêmicos, com conhecimento altamente especializado numa área, com o tempo, torna-se
acessível porque será mais facilmente explicável e demonstrável, passando a fazer parte do
conhecimento comum, isto é, do patrimônio cognitivo dos membros de uma sociedade. Hoje, as
Leis de Newton são ensinadas nas escolas, e as pessoas conhecem o princípio da inércia, o
princípio fundamental da dinâmica e a lei e o princípio da ação e reação.149 O juiz, portanto, deve
estar atento e ter familiaridade com todo o espectro da realidade submetido ao seu exame,
inclusive aqueles mais modernos e dinâmicos, e extrair deste conhecimento as regras indutivas
que justificam as “novas” inferências.150

Ainda assim, as máximas da experiência, como uma racionalização do senso comum, são
utilizadas e muitas vezes estão implícitas ou pressupostas no raciocínio judicial, sendo o seu uso
indicado por expressões como: “não é crível”, “não é verossímil”, “não pode ser aceita a hipótese
que”, ou expressa em sentido inverso “é lógico que” ou “é plausível que”, “é correto dessumir”
etc.151 Uma vez utilizada, a máxima da experiência deverá ser claramente indicada na
fundamentação da decisão, para que seja possível o seu controle posterior. Por outro lado, o juiz
somente poderá utilizar diretamente tais noções se efetivamente forem componentes do
patrimônio cognitivo comum ao nível da cultura média da população, sendo assim considerada
como pertencentes ao conhecimento geral.152 Caso sinta necessidade de lançar mão de qualquer
conhecimento especializado, deverá fazê-lo por meio de prova pericial, e não sob o pretexto de
estar se valendo do senso comum.153

Para o controle da noção do senso comum, Taruffo sugere a realização de duas etapas
sucessivas: a primeira, com relação à sua atendibilidade em si, uma vez identificado um
conhecimento atendível do senso comum; a segunda etapa é verificar se o seu emprego será
correto no caso concreto.154

Para verificação da atendibilidade do conhecimento, é necessário que ele satisfaça três


condições mínimas: primeiro, deve se tratar de uma noção de senso comum aceita sem restrições
no ambiente social e cultural em que a decisão será proferida; segunda, que tais noções do senso
comum não sejam contrariadas pelo conhecimento científico; terceira, que a noção do senso
comum não entre em contradição com outra noção do senso comum.155

Quanto à primeira condição, exige que se trate de uma noção comumente aceita nos ambientes
social e cultural nos quais a decisão será tomada. O juiz deverá se valer, segundo Taruffo, do
“background knowledges da cultura média existente no lugar no tempo em que se encontra”, não
podendo ser aceitas noções já superadas, demonstradas como infundadas ou que não sejam
comumente aceitas.156 Além disso, embora não se tratando de uma noção absolutamente definida,
tem a utilidade de afastar de tal conceito ideias aceitas ou comungadas apenas por um pequeno
grupo de pessoas.

A segunda condição de atendibilidade da noção do senso comum decorre de uma


“superioridade” do conhecimento científico em relação ao conhecimento comum ou vulgar. Isso
não se deve ao preconceito, mas a uma questão de método. Os conhecimentos científicos são
objetos de testes e experimentos com vistas à sua comprovação, o que também possibilita a
falsificação da hipótese científica. Essa mesma técnica não é empregada no conhecimento comum.
Há, pois, razões epistêmicas para preferir o conhecimento científico ao comum.

Com relação à terceira condição, considerando que o denominado senso comum não é um
conjunto sistêmico e coerente de conhecimentos, é possível que uma determinada noção do senso
comum entre em conflito com outra noção também comumente aceita. Não havendo um critério
para definir qual delas deve ter prevalência, seria arbitrário permitir que o juiz escolhesse uma
em detrimento da outra. Logo, nenhuma delas poderá ser empregada.

Satisfeitas as três condições mínimas, a noção do senso comum pode ser considerada atendível,
devendo passar por um juízo de adequação de seu emprego à situação concreta. Nesse caso,
noções muito vagas do senso comum, dificilmente serão úteis para a decisão, pois tenderão a ter
pouca adequação ao caso específico. O conhecimento também não poderá ser empregado a um
caso no qual não tenha relação. Para tanto, será útil conhecer o conjunto de casos semelhantes que
geraram aquele conhecimento comum, para verificar se há ou não similitude com a situação
específica em que se pretende aplicar a regra atendível do senso comum. Por exemplo, admitindo
que seja considerada atendível a noção do senso comum de que, num acidente automobilístico
“quem bate atrás é o culpado”, essa regra é extraível de casos em que, pela dinâmica da colisão, o
veículo que trafegava atrás de outro, não conseguiu evitar a colisão com o que ia à sua frente, após
a frenagem deste. Esse conhecimento, contudo, é inadequado para casos em que o veículo que se
posicionava à frente, estando ambos parados, tenha dado marcha à ré e colidido com o que estava
atrás.

Normalmente, é por meio de noções do senso comum que se valoram os indícios.157 A partir de
um fato conhecido e provado, que não constitui o tema probatório; por meio do qual se infere o
fato que é o objeto do thema probandum. A ligação entre ambos os fatos se dará por regras gerais,
sendo utilizadas, muitas vezes, as máximas de experiência. Por exemplo: a testemunha T diz que
viu o suspeito A andando pelo jardim da casa em que a vítima V foi morta a facadas, dias antes. No
caso, com base em tal elemento concreto, e utilizando uma máxima de natureza geral – “todo
criminoso volta ao local do crime” – se chega à conclusão de que A é o criminoso que matou V.158

Também nas chamadas provas diretas, as máximas de experiência são utilizadas. Por exemplo,
se uma testemunha presencial T narra ao juiz ter visto o acusado A deferindo golpes de faca na
vítima V. Ainda assim, haverá necessidade de um raciocínio inferencial a ser utilizado pelo juiz,
para que se chegue à conclusão de que está provado que o acusado A foi o autor das lesões
corporais causadas com emprego de arma branca na vítima V. O juiz apenas teve contato direto
com o depoimento da testemunha presencial T. Isso somente lhe dará a certeza de que T afirmou,
em sua presença, que A esfaqueou V. O julgador empregará, então, uma máxima de experiência:
“as pessoas, convocadas para depor em juízo, normalmente dizem a verdade sobre o que sabem”.
Essa premissa geral se liga à premissa particular de que testemunha presencial T, em seu
depoimento, disse ter visto o acusado A deferindo golpes de faca na vítima V. Disso se seguirá a
conclusão, meramente provável, de que o Acusado A foi o autor dos golpes de faca que causaram
as lesões corporais na vítima V.159

É necessário ter muito cuidado com generalizações espúrias, que não são comprovadas e que,
muitas vezes, sequer constituem verdadeiro “senso comum”, mas que são utilizadas pelas partes,
com fundamento retórico-persuasivo para defesa de suas posições em juízo, ou mesmo pelo
julgador, para buscar cobrir um vazio probatório relevante. No julgamento de O. J. Simpson,160
para demonstrar que o acusado tinha sido o autor do crime, a acusação utilizou a seguinte
“máxima de experiência” para afastar a hipótese que o assassino seria um estranho: “um cachorro,
que de noite sente a aproximação de um estranho, late”!161 No caso, como os vizinhos não ouviram
o cachorro latir, quem teria entrado na casa em que o crime ocorreu seria uma pessoa conhecida.
Outra máxima de experiência comumente utilizada é a de que “o criminoso sempre volta ao local
do crime”. Trata-se, em verdade, de uma justificativa para atribuir culpa a quem é encontrado,
posteriormente, na cena do crime.

Em suma, é pouco seguro confiar no senso comum ou na “cultura média” da coletividade, não
só porque é muito difícil saber exatamente no que ela consiste, mas, também, porque, muitas
vezes, ela contém um repertório muito amplo e variado de generalizações erradas.162 Quando for
imprescindível ao juiz se valer de tais conhecimentos, ele deverá justificar qual a máxima de
experiência ou noção de senso comum empregada, porque a considera atendível e adequada para
ser aplicada ao caso concreto. Com isso, será possível, posteriormente, realizar um controle
intersubjetivo do raciocínio judicial empregado e verificar a sua correção ou equívoco.

2.7.Verdade, conhecimento e prova no processo penal

Aceitar uma teoria da verdade como correspondência, em detrimento da verdade como


coerência, significa dar prevalência ao aspecto demonstrativo da prova sobre sua vertente
persuasiva.163 Não se nega que as partes do processo judicial possam ter uma visão persuasiva da
prova mas, sua função em relação ao juiz é demonstrar como os fatos se passaram, permitindo-lhe
conhecer a verdade empírica do que julga.164

O processo compreende uma atividade cognitiva, e é com base na prova que se verifica a
veracidade ou falsidade dos enunciados fáticos formulados pelas partes. Como diz Perfecto Ibáñes,
“o ideal a que tende o processo penal no Estado de direito é que cada vez que se faça uma
afirmação do gênero: ‘Fulano fez isso’, seja verdade porque, de fato, tenha sido assim”.165
É preciso, contudo, esclarecer de que “verdade” se está falando. Reconhecer a importância de
se buscar a verdade, entendida em um sentido correspondentista, não significa que o
conhecimento pleno e completo dessa verdade absoluta, ou com V maiúsculo, seja atingível.166 Por
outro lado, o fato de uma verdade não poder ser conhecida com certeza “absoluta”, não deve levar
à conclusão de que o conceito de verdade deve ser relativizado,167 ou que inexistiriam verdades
absolutas no sentido de que um enunciado fático corresponda aos fatos objetivos, isto é,
empiricamente ocorridos. A premissa epistemológica adotada nesse livro aceita um conceito de
verdade como correspondência, mas com plena consciência de que o conhecimento total e
completo dessa identidade é inatingível.168

Isso não significa, por outro lado, que a “verdade objetiva” ou “verdade absoluta” não teria,
função alguma. Embora se sabendo inatingível, no sentido de que nunca será possível conhecer tal
verdade, ela sempre deverá ser buscada, procurando-se, na maior medida possível, dela se
aproximar. Como explica Popper, “uma grande vantagem da teoria da verdade objetiva ou
absoluta é que ela nos permite dizer que buscamos a verdade, mas podemos não saber quando a
encontramos; que não dispomos de um critério para reconhecê-la, mas que somos orientados
assim mesmo pela ideia da verdade como um princípio regulador”.169

No processo e no campo probatório, a noção de verdade como um princípio regulador também


é relevante. A verdade objetiva tem a função de ser um “ideal regulativo”, para o legislador, na
individualização do método de acertamento, e para o juiz, nas valorações e nas escolhas fáticas
que tal método lhe imponha a realizar.170 Será, assim, um critério conceitual de fundo que explica
e justifica a atividade probatória.

De qualquer modo, como se defende a premissa de que a verdade é uma condição da decisão
justa, é preciso esclarecer em que sentido se afirma tratar-se de uma verdade não absoluta ou, o
que seria o reverso da moeda, “relativa”. A verdade é “relativa”, no sentido de que é impossível se
atingir um conhecimento que corresponda totalmente à realidade dos acontecimentos passados.
Mas ela não é subjetiva, no sentido ser fruto do mero convencimento pessoal do julgador ou
mesmo de sua persuasão independentemente de dados objetivos. Ainda que não absoluta, se trata
de uma verdade “objetiva”, no sentido em que o parâmetro da correspondência do conhecimento é
a realidade dos fatos empiricamente constatável.

Por tal motivo, a impossibilidade de se atingir o conhecimento total da verdade não retira a
importância de trabalhar com um modelo de aplicação da teoria do conhecimento ao campo do
processo penal.171 A consciência da falibilidade do acertamento judiciário – posto que baseado
num método indutivo – não significa que se deva renunciar a predispor meios para reduzir ao
máximo o risco de erro.172 Não será possível ao julgador afirmar, com absoluta certeza, do ponto
de vista racional, que um enunciado fático é verdadeiro, porque corresponde à realidade dos
acontecimentos.173 Sendo a conclusão da inferência probatória sempre apenas provável – no
sentido probabilístico – a certeza que se obtém por meio de tal inferência probatória nunca será
um certeza lógica, sempre havendo, uma margem – maior o menor – para o erro.174 Mas é possível,
com base em uma probabilidade lógica,175 considerar racionalmente que um enunciado fático é
preferível a outro com ele incompatível ou mesmo apenas divergente, diante da maior
corroboração do primeiro.176

Para Taruffo, é possível estabelecer “um conceito bastante claro de verdade judicial, como grau
adequado de confirmação racional das afirmações sobre a verdade dos fatos”, sendo estranho a tal
conceito “qualquer conotação absolutizante, mas, também, qualquer implicação cética sobre a
possibilidade de obter um grau adequado de certeza sobre os fatos da causa”.177 O conceito pode
ser aceito com a ressalva que a noção de verdade, numa teoria correspondentista, é absoluto e não
relativo. O que é relativo, pois gradual – e jamais será racionalmente absoluto – e o conhecimento
sobre a verdade que se obtém no processo. Mas adequada, portanto, a definição de Daniel
González Lagier, que assim define a “verdade processual”: “Um enunciado X e uma verdade
processual quando, através dos meios processuais previsto no Direito, com suas exigências e
limitações, um órgão judicial chegou ao convencimento de que é altamente provável que esse
enunciado descreva um fato realmente ocorrido”.178
A projeção desse conceito limitado de conhecimento sobre os juízos de fato no processo faz com
que a relação entre prova e verdade não seja uma relação conceitual ou de identidade absoluta.
Adotando a classificação proposta por Ferrer Beltrán, o enunciado “Está provado que p” pode ser
compreendido de três modos: (i) É verdade que p; (ii) O juiz estabeleceu que p; (iii) Há elementos
de prova suficientes a favor de p.179

No primeiro caso, considerar que “está provado que p e” equivale a “p é verdadeiro” significa
adotar uma relação conceitual, estar provado e ser verdadeiro. Essa concepção, além de partir de
uma crença ingênua na possibilidade plena de o conhecimento humano atingir um conhecimento
verdadeiro sobre os fatos, é desmentida pelo próprio ordenamento jurídico. Toda vez que se
admite, por exemplo, a utilização de mecanismos de rescisão do julgado penal diante de uma
prova nova.180

No segundo caso, considerar que “está provado que p” é o mesmo que “p foi estabelecido pelo
juiz” significa que a atividade probatória se destina ao convencimento psicológico do juiz.181 Ou
seja, prova é convencer o juiz de que algo é verdadeiro, ainda que não o seja! Claro que o
convencimento subjetivo do juiz não é algo irrelevante.182 Ao contrário, é necessário e, muitas
vezes, é o objetivo das partes, ou melhor, do defensor e do Ministério Público. Mas o
convencimento psicológico do juiz é apenas uma condição necessária, mas não suficiente, à qual se
deve engajar critérios de racionalidade e regras da lógica.183 Além de convencer o juiz, uma
concepção racionalista da prova exige mais: é necessário que aquilo que o juiz declarou provado
no processo coincida com a verdade do ocorrido.184

Assim sendo, o enunciado “está provado que p” deve ser entendido como sinônimo de “há
elementos de prova suficientes a favor de p”. Isso não quer dizer que a proposição, porque está
provada, seja verdadeira. Uma hipótese fática pode resultar provada ainda que seja falsa.185 Assim
sendo, afirmar que “está provado que p” denota que esse enunciado será verdadeiro quando se
dispuser de elementos de prova suficientes a favor de p, e falso quando não se dispuser de
elementos de prova a favor de p ou quando eles forem insuficientes.186 Todavia, isso não exclui
que o enunciado possa ser considerado verdadeiro, porque confirmado por suficientes elementos
de prova, embora não corresponda, efetivamente, à realidade dos fatos afirmados no processo.
Assim, a relação entre prova e verdade é uma relação teleológica,187 em vez de conceitual.

Logo, é possível abandonar posições extremadas. Se uma justiça penal “inteiramente ‘como
verdade’ constitui uma utopia, uma justiça penal inteiramente ‘sem verdade’ equivale a um
sistema de arbítrio”.188 Justiça e verdade são, portanto, noções complementares ao exercício do
poder.189 E a prova ou, mais precisamente, o meio de prova, é o elemento para que o juiz chegue
ao conhecimento verdadeiro dos enunciados fáticos. Se a verdade fosse indiferente para a justiça,
a atividade probatória seria uma grande inutilidade.190

Com esses esclarecimentos, defende-se que a verdade importa ao processo penal, dele não
podendo ser defenestrada. É preciso definir, assim, se ela deve continuar ocupando uma posição
central. Isto é, se a verdade joga um papel muito importante no processo penal, seria ela o seu
escopo maior. O processo penal deve ser estruturado como um instrumento voltado a descoberta
da verdade como seu objetivo maior? A resposta tem que ser negativa.

Mesmo diante de um conceito de verdade entre aspas, e com as limitações expostas acima, não
é correto afirmar que a busca dessa verdade seja o escopo magno do processo. A verdade sobre os
enunciados fáticos é apenas uma das condições necessárias para a justiça da decisão, ao permitir
um correto juízo de fato, estabelecendo qual a afirmativa fática deve ser considerada como
verdadeira, e sobre a qual irá haver a subsunção da hipótese legal aplicável ao caso concreto.191
Em suma, a descoberta da verdade é uma condição necessária para a justiça da decisão, mas não é
o único fim do processo.192 A busca da verdade não deve ser realizada a qualquer custo ou
qualquer preço.193 Não há que se adotar o “princípio de que os fins justificam os meios, para assim
legitimar-se a procura da verdade através de qualquer fonte probatória”.194

O processo é um mecanismo cognitivo que, para seu melhor funcionamento, necessita que as
atividades voltadas para a investigação, admissão, produção, valoração da prova e a própria
decisão final, sejam na máxima medida possível, voltadas para a descoberta da verdade. Em
outras palavras, o processo terá que ser moldado a partir de elementos estruturais que lhe
permitam funcionar como um instrumento epistêmico, com o escopo de reconstruir um fato
histórico.195 Todavia, não se pode excluir que, em determinadas condições, se a necessidade de
uma correta reconstrução histórica dos fatos ou, mais diretamente, a descoberta da “verdade”
entrar em rota de colisão com outros valores, que na situação concreta, se mostrem de maior
relevância, possa sofrer restrições legítimas, ainda que, com isso, seja comprometida a
reconstrução dos fatos.196

Sendo a correta reconstrução histórica dos fatos uma função institucional do processo, numa
tábua de valores, a busca da verdade deve ter uma posição comparativamente superior – o que
não significa insuperável – sobre os outros valores não institucionais do processo penal.197 Os
valores institucionais do processo estão diretamente ligados às duas condições necessárias para a
decisão justa: uma correta atividade heurística e uma correta atividade hermenêutica, sendo
ambas funções desenvolvidas respeitando todas as garantias do devido processo. Assim, a
averiguação da verdade, a correta interpretação da lei e respeito ao devido processo legal, são
valores institucionais preferenciais.198

Em suma, a verdade é muito importante para o processo. Mas não é tudo. É preciso entender
que retirar a verdade do trono em que reinava absoluta no processo penal não significa desterrá-
la. Se a verdade não é o centro do processo penal, não há como negar, por outro lado, que a
verdade exerce um papel importante no processo, sendo o seu acertamento um dos seus escopos
institucionais. Não se trata, portanto, de eliminá-la, mas de deslocá-la do lugar de centralidade, até
então ocupado, para um ponto diverso, o que não significa secundário ou de pouco relevância.

NOTAS DE RODAPÉ
1

As teorias sobre a verdade são sintetizadas por Susan Haack (Filosofia das lógicas. Trad. Cezar Augusto
Mortari e Luiz Henrique de Araújo Dutra. São Paulo: Unesp, 2002. p. 127), nos seguintes termos: “As
teorias da coerência entendem que a verdade consiste em relações de coerência em um conjunto de
crenças. As teorias da correspondência entendem que a verdade de uma proposição consiste não em suas
relações com outras proposições, mas em sua relação com o mundo, sua correspondência com os fatos. A
teoria pragmatista, desenvolvida nas obras de Peirce (ver, por exemplo, 1877), Dewey (ver 1901) e James
(ver 1909), tem afinidades tanto com as teorias da coerência quanto com as da correspondência,
admitindo que a verdade de uma crença derive de sua correspondência com a realidade, mas enfatizando
também que ela é manifestada pela sobrevivência da crença ao teste da experiência, sua coerência com
outras crenças. Ao propor sua teoria semântica da verdade, Tarski (1931, 1944) procura explicar o sentido
de ‘verdadeiro’ que esta máxima apreende. Na explicação de Tarski, a verdade é definida em termos da
relação semântica de satisfação, uma relação entre sentenças abertas (como ‘x > y’) e objetos não-
linguísticos (como os números 6 e 5). A explicação de Popper para a verdade e sua teoria da
verossimilhança ou proximidade da verdade é baseada na teoria de Tarski, que Popper considera fornecer
uma versão mais precisa das tradicionais teorias da correspondência”

MAGALHÃES GOMES FILHO, A motivação das decisões penais..., cit., p. 145.


3

O tratamento judicial que se costuma dar aos fatos, como bem destaca Perfecto Andrés Ibáñez (Sobre a
motivação dos fatos na sentença penal..., cit., p. 69) “sói refletir uma consideração dos mesmos como
entidades naturais, prévia e definitivamente constituídas desde o momento de sua produção, que só se
trataria de identificar em sua objetividade”.

TARUFFO, La prova dei fatti giuridici..., cit., p. 411.

BAZZARIAN, Jacob. O problema da verdade: teoria do conhecimento. 4. ed. São Paulo: Alfa-Omega, 1994. p.
74. Para uma análise das diversas teorias sobre a impossibilidade de se atingir a verdade, cf., também:
HESSEN, Johannes. Teoria do conhecimento. 8. ed. Trad. António Correa. Coimbra: Armênio Amado
Editora, 1987. p. 37–54; TARUFFO, La prova dei fatti giuridici..., cit., p. 8-16.

GOLDMAN (Knowledge in a social world..., cit., p. 7), depois de destacar que, “o campo da epistemológica
social tem sido substancialmente prejudicado por visões de mundo que se opõem a uma concepção que
aceite a verdade, como o construtivismo social, o pós-modernismo, o pragmatismo, os estudos culturais e
estudos jurídicos crítico”, afirma sobre os adeptos de tais correntes: “Eles compartilham um profundo
ceticismo ou repúdio absoluto da verdade como um critério viável para o estudo de fenômenos
epistêmicos. Eles levantavam uma suspeita e, até mesmo, uma sobrancelha desdenhosa, para qualquer
tentativa séria de usar o conceito de verdade. Eu acho que eles sofrem de uma aflição que pode ser
chamada de veriphobia. Embora os veriphobicos difiram entre si nos detalhes de suas metodologias
preferidas, eles compartilham a ideia de que o estudo do conhecimento social deve ser confinado à
determinação interpessoal e cultural da crença: não crença verdadeira ou falsa, crença pura e simples.
Quando os veriphobicos falam de ‘conhecimento’, eles não se referem, como eu, à crença verdadeira, mas
a algo como a crença institucionalizada”. Uma crítica ao posicionamento que nega a verdade, também
pode ser encontrada em: VASSALO, Nicla. Contro la verifobia: sulla necessità epistemologica della nozione
di verità. In: Amoretti, Maria Cristina; MARSONET, Michale. Conoscenza e verità. Milano: Giuffrè, 2007. p.
1-44.

O ceticismo radical, como bem destaca José Carlos Barbosa Moreira (Processo civil e processo penal: mão e
contramão? Temas de direito processual: sétima série. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 206), com certa dose de
ironia, “conduz à total desvalorização da prova no processo e autoriza a conclusão de que, sendo inúteis
quaisquer esforços para reconstruir os acontecimentos, é absurdo desperdiçar nessa vã empresa tempo,
dinheiro e energias: mais vale decidir nos dados a sorte do pleito”. Mesmo no caso do “realismo cético”, a
convicção de que não é possível alcançar um ‘conhecimento certo da realidade”, o torna imprestável para
fins de uma análise de epistemologia judiciária.
8

ROMANÒ, Cristina. Processo alla verità, In: Garofoli, Vincenzo; INCAMPO, Antonio. Verità e processo
penale. Milano: Giuffrè, 2012. p. 150.

HESSEN, Teoria do conhecimento..., cit., p. 57.

10

TARUFFO, Michele. La semplice verità. Il giudice e la costruzione dei fatti. Roma: Editori Laterza, 2009. p.
78. Como explica Hessen (Teoria do conhecimento..., cit., p. 150), “o nosso conhecimento está e estará em
relação com os objetos”.

11

Nesse sentido: TARUFFO, La prova dei fatti giuridici..., cit., p. 143; Idem, La semplice verità…, cit., p. 78;
TUZET, Filosofia della prova giuridica..., cit., p. 71; FERRER BELTRÁN, La valoración racional de la
prueba…, p. 30, nota 12; ABELLÁN, Gascón. Los hechos en el derecho..., p. 121; LAGIER, González. Hechos
y argumentos: ... In: Quaestio facti..., p. 66.

12

GONZÁLEZ LAGIER, Daniel. Hechos y argumentos: la inferencia probatoria. In: Quaestio facti. Ensayos
sobre prueba, causalidad y acción, México D.F.: Fontamara, 2013. p. 67. E complementa: “quando
afirmamos que uma reconstrução de um fato é verdadeira não queremos dizer (ou não apenas queremos
dizer) que seja coerente, que seja aceitável, que seja convincente ou algo parecido, mas que é uma
reconstrução que provavelmente reflete bastante aproximadamente o que realmente ocorreu”.

13

Cf., supra, cap. 1, item 1.5.1.

14

FERRUA, Paolo. Il libero convincimento del giudice penale: i limiti legali. Il libero convincimento del
giudice penale. Vecchie e nuove esperienze, Milano: Giuffrè, 2004. p. 64. No mesmo sentido: TUZET
(Filosofia della prova giuridica..., cit., p. 71) afirma adotar uma interpretação correspondentista, que
parece ser a mais adequada no contexto processual, considerando a correspondência com uma relação
entre linguagem e mundo, entre enunciados (com entidade linguística) e fatos (como entidade
extralinguística): “Há verdade quando um enunciado corresponde ao fato sobre o qual verte”.

15

FERRUA. Il ‘giusto processo’..., cit., p. 71; Idem, Il libero convincimento del giudice penale…, cit., p. 68.
16

O escopo de Tarski quando formulou a sua teoria semântica da verdade era definir conceito de verdade
em linguagens formalizadas – i.e, linguagens que satisfazem sua condição de correção formal – e, para
tanto, apresentar sua definição de sentença verdadeira para essas linguagens formalizadas. Foi assim no
artigo de 1933, “O conceito de verdade nas linguagens formalizada”, In: TARSKI, Alfred. A concepção
semântica da verdade. Textos clássicos de Tarski. Trad. Celso Reni Braida et. al. São Paulo: Ed. Unesp.
2007. p. 19-148, e no escrito posterior, de 1944, A concepção semântica da verdade e os fundamentos da
semântica. In: TARSKI, Alfred. A concepção semântica da verdade. Textos clássicos de Tarski. Trad. Celso
Reni Braida et. al. São Paulo: Ed. Unesp, 2007. p. 157-201.

17

O próprio Tarski esclarece que sua teoria semântica da verdade não se compromete com o tema
metafísico da existência de uma correspondência ontológica entre a tese da qual é predicada a verdade e a
realidade da qual ela diz respeito, mas se limita a elucidar, de maneira unívoca e precisa, o significado do
termo “verdadeiro” como predicado metalinguístico de um enunciado, não sendo uma definição real, mas
uma definição nominal. Diz ele (TARSKI, A concepção semântica da verdade e os fundamentos da
semântica..., cit., p. 189-190): “podemos aceitar a concepção semântica da verdade sem abandonar
qualquer atitude epistemológica que possamos ter tido. Podemos permanecer realistas ingênuos, realistas
críticos ou idealistas, empiristas ou metafísicos – o que quer que tenhamos sido antes. A concepção
semântica é completamente neutra em relação a todas essas questões”. Sobre o tema, cf. FERRAJOLI,
Diritto e ragione..., cit., p. 22; UBERTIS, Profili di Epistemologia Giudiziaria..., cit., p. 17.

18

A concepção semântica da verdade e os fundamentos da semântica..., cit., p. 158.

19

TARSKI, Alfred. Verdade e demonstração. In: TARSKI, Alfred. A concepção semântica da verdade. Textos
clássicos de Tarski. Trad. Celso Reni Braida et. Al. São Paulo: Ed. Unesp. 2007. p. 204.

20

TARSKI, Verdade e demonstração..., cit., p. 205, acrescendo: “Algumas outras concepções e teorias da
verdade, tais como a concepção pragmática e a teoria da coerência, são discutidas na literatura filosófica
moderna. Estas concepções parecem ser de caráter exclusivamente normativo e têm pouca conexão com o
uso real do termo ‘verdadeiro’. Nenhuma delas foi até agora formulada com um bom grau de clareza e
precisão. Nesse artigo, essas concepções e teorias não serão discutidas”. (Ibidem, p. 205-206)

21

Nesse sentido: FERRAJOLI, Diritto e ragione..., cit., p. 22; TARUFFO, La prova dei fatti giuridici…, cit., p. 146;
TUZET, Filosofia della prova giuridica..., cit., p. 70.

22
FERRUA, Il ‘giusto processo’..., cit., p. 71.

23

PIZZI, Claudio. Diritto, abduzione e prove. Milano: Giuffrè, 2009. p. 32.

24

NANNINI, Sandro. Il concetto di verità in una prospettiva naturalistica. In: Amoretti. Maria Cristina;
MARSONET, Michale. Conoscenza e verità. Milano: Giuffrè, 2007, p. 55-56.

25

TARUFFO, Processo civil comparado: ensaios..., cit., p. 43.

26

TARUFFO, Processo civil comparado: ensaios..., cit., p. 43.

27

Não se está tratando do consenso como sinônimo de processo penal negocial. Neste caso, a finalidade não
é de obter uma decisão justa, mas de pacificar um conflito. Aliás, não há sequer que cogitar da finalidade
do processo, posto que o que se busca é o não processo. O acusador não denuncia, o acusado não contesta,
não se realiza a instrução e, por fim, o juiz não sentencia (enquanto ato judicial de acertamento dos fatos e
de subsunção destes à norma). A aplicação da pena nesses modelos segue um procedimento
“anticognitivo”, pelo que não há que se cogitar de “critério de verdade” (FERRUA, Il ‘giusto processo’..., cit.,
p. 75). O consenso das partes substitui a prova em contraditório e o acertamento judicial com base na
verdade. O processo penal negocial, como bem observa Geraldo Prado (Sistema acusatório ..., p. 250) “a
busca da verdade é substituída pela prevalência da vontade convergente das partes”. Aliás, como observa
Taruffo (La prova dei fatti giuridici..., cit., p.18), a boa solução pode ser até mesmo uma decisão baseada
em premissas fáticas falsas, desde que ela seja capaz de eliminar o conflito.

28

Como afirma Karl Popper (Conjectura e refutação. O progresso do conhecimento científico. 5. ed. Trad.
Sérgio Bath, 2008. p. 251) “uma teoria pode ser verdadeira mesmo que ninguém acredite nela, ainda
quando temos motivos para pensar que não é verdade; por outro lado, uma teoria pode ser falsa mesmo se
temos razões relativamente boas para aceitá-la”.

29

TUZET, Filosofia della prova giuridica..., cit., p. 67.

30

MUSCATIELLO, Il processo senza verirà..., cit., p. 99.


31

Para Nicola Triggiani (Verità, giustizia penale, mass media e opinion pubblica. In: GAROFOLI, Vincenzo;
INCAMPO, Antonio. Verità e processo penale, Milano: Giuffrè, 2012. p. 172), a “verdade midiática”, está
inevitavelmente “condicionada pela velocidade, da simplificação, quando não da banalização da notícia”.

32

Por exemplo, Jacintho Nelson de Miranda COUTINHO (Glosas ao Verdade, Dúvida e Certeza, de Francesco
Carnelutti, para os operadores do Direito, In: Revista de Estudos Criminais – Instituto Transdisciplinar de
Estudos Criminais – ITEC, Porto Alegre, n. 14, abr.-jun., 2004, p. 81) afirma que “a verdade está no todo, mas
ele não pode, pelo homem, ser apreensível, ao depois, a não ser por uma, ou algumas, das partes que o
compõem. Seria, enquanto vislumbrável como figura geométrica, como um polígono, do qual só se pode
receber à percepção algumas faces”.

33

Como explica González Lagier (Hechos y argumentos: ... In: Quaestio facti..., cit., p. 70) “há enunciados com
significado empírico absolutamente verdadeiros (no sentido de totalmente correspondentes com a
realidade), porém nos nunca poderemos ter certeza absoluta deles, pelo que deve bastar que tenham um
grau elevado de credibilidade”.

34

TUZET, Filosofia della prova giuridica..., cit., p. 72-73.

35

TUZET, Filosofia della prova giuridica..., cit., p. 72-73.

36

POPPER, Conjectura e refutação..., cit., p. 257.

37

Nesse sentido, por exemplo, parece ser a posição de Ferrajoli (Diritto e ragione..., cit., p. 23) que num
primeiro momento afirma, com relação à “verdade” de uma teoria científica, que se trata de uma
“verdade não definitiva mas contingente, não absoluta, mas relativa ao estado dos conhecimentos e
experiências desenvolvidas em relação as coisas da qual se fala”. Mas explica: “quando se afirma a
‘verdade’ de uma ou mais proposições, a única coisa que se diz é que estas são (plausivelmente)
verdadeiras tanto quanto sabemos, ou seja, a respeito do conjunto de conhecimentos confirmados que
possuímos”. O referido posicionamento é acolhido por PASTORE, Decisioni, argomenti, controlli…, cit., p.
102. Anteriormente, CARNELUTTI (La prova civile…, cit., p. 50) já afirmava que “a prova da afirmação em
torno da existência de um fato se faz mediante o conhecimento do fato mesmo; o conhecimento não é a
prova mas da prova da afirmação”. (destaques no original)
38

Um dos objetivos básicos da lógica, explica Wesley C. Salmon, (Lógica. 3. ed. Trad. de Álvaro Cabral. Rio de
Janeiro: LTC, 2012. p. 2) “é fornecer métodos para distinguir entre argumentos logicamente corretos e
incorretos. A correção ou incorreção lógica de um argumento só depende da relação entre premissas e
conclusão. Num argumento logicamente correto, as premissas, quer sejam realmente verdadeiras ou
realmente falsas, têm a seguinte relação com a conclusão: Se as premissas forem verdadeiras, esse fato
constituirá uma boa base para aceitar a conclusão como verdadeira”.

39

A classificação tríplice é enfaticamente defendida por PEIRCE, Charles Sanders. Ilustrações da lógica da
ciência. 2. ed. Trad. Renato Rodrigues Kinouchi. Aparecida: Ideia e Letras, 2008. p. 172, embora se
referindo à “hipótese” em vez de “abdução”. Todavia, não é pacífica a consideração das três formas de
raciocínios, havendo quem negue à abdução autonomia própria. Pizzi (Diritto, abduzione e prove..., cit., p.
19-20) prefere distinguir a dedução, de raciocínio “não-demonstrativo”, que compreende a “indução e a
abdução”. Para González Lagier (Hechos y argumentos: ... In: Quaestio facti..., cit., p. 77) a indução se
subdivide em: (i) indução generalizadora ou indução em sentido estrito, (ii) indução probabilística e (iii)
abdução ou retrodução. Também para Manoel Atienza (Razonamiento jurídico, In: GONZÁLEZ LAGIER,
Daniel (Coord.). Conceptos básicos del derecho, Madrid: Marcial Pons, 2015. p. 207) o argumento abdutivo
é uma indução, que se caracteriza por sua função heurística, sendo utilizado para conjecturar algo.

40

Nesse sentido: Angelo Alessandro Sammarco (Metodo probatorio e modelli di ragionamento nel processo
penale. Milano: Giuffrè, 2001. p. 163) entende que a fase investigativa-assertativa dos fatos
processualmente relevantes segue o esquema abdutivo; enquanto que a fase “reconstrutiva” dos critérios,
das regras gerais e dos princípios a serem utilizados como premissa da demonstração, seguem uma
esquema indutivo, enquanto a fase sucessiva, propriamente demonstrativa, adota uma lógica dedutiva.

41

Segundo Daniel González Lagier (Hechos y conceptos: sobre la relevância de los conceptos para la prueba
de los hechos. In: Quaestio facti. Ensayos sobre prueba, causalidad y acción, México D.F.: Fontamara, 2013.
p. 77) o raciocínio probatório caracteriza-se como uma inferência probatória, que pode ser uma inferência
probatória epistémica, uma inferência probatória normativa e uma inferência probatória interpretativa.
No mesmo sentido, na doutrina nacional, essa trilogia é adotada por MATIDA, Janaina; HERDY, Rachel. As
inferências probatórias: compromissos epistêmicos, normativos e interpretativos. In: CUNHA, José Ricardo
(Org.). Epistemologia: Críticas do Direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016. p. 219-232. Nesse ponto,
interessa a análise apenas da inferência probatória epistêmica.

42

Inferir, explica Atienza (Razonamiento jurídico..., cit., p. 206) consiste em passar de uns enunciados a
outros, tratando-se de uma ação ou atividade. Uma inferência é, portanto, o resultado dessa atividade. E a
relação de inferência é a que se estabelece entre uns enunciados, que são as premissas, e outro, que é a
conclusão.
43

Esse raciocínio, por seu lado, é mais restrito que o conjunto de atividades valorativas exercidas pelo juiz
ao longo do processo. Por exemplo, para Michele Taruffo (Funzione della prova: la funzione dimostrativa.
Sui confini. Scritti sulla giustizia civile. Bologna: Il Mulino, 2002. p. 327-328), o raciocínio probatório se
desenvolve em “um contexto heterogêneo e complexo, em que entram vários fatores: desde a abdução que
permite a formulação de hipóteses novas até a constatação dialética de tais hipóteses, desde os passos
dedutivos até as inferências probabilísticas, desde o recurso a noções do senso comum até o uso de provas
científicas, desde argumentações tópicas até os cânones do raciocínio jurídico”.

44

MATIDA; HERDY, As inferências probatórias..., cit., p. 215. De modo semelhante, Humberto Ávila (Teoria
da prova: standards de prova e os critérios de solidez da inferência probatória. Revista de Processo, n. 282.
ago. 2018. p. 114) afirma que: “A análise da robustez das provas depende do exame de três elementos: (1) a
hipótese (aquilo que deve ser provado); (2) os meios de prova (aquilo que serve para provar a hipótese); e
(3) o critério inferencial (aquilo que relaciona os meios de prova com a hipótese). Critérios distintos são
aplicados a cada um desses elementos. Assim, enquanto os meios de prova devem atender aos critérios da
admissibilidade e da suficiência, o critério inferencial depende da suficiência da fundamentação lógica e
da provabilidade causal, ao passo que a hipótese deve observar os critérios de refutabilidade, derivação,
singularidade, coerência e simplicidade”.

45

Nesse sentido: MATIDA; HERDY, As inferências probatórias..., cit., p. 215; ÁVILA, Teoria da prova..., cit., p.
122.

46

Nesse sentido: GONZÁLEZ LAGIER, Hechos y argumentos: ... In: Quaestio facti..., cit., p. 58; ÁVILA, Teoria
da prova..., cit., p. 122

47

MATIDA; HERDY, As inferências probatórias..., cit., p. 218.

48

Sobre o tema, cf., infra, item 3.5.5.

49

Para Ferrua (Il libero convincimento del giudice penale..., cit., p. 71), o acertamento do juízo de fato é
realizado por um método indutivo, que se desenvolve a base de três saberes, representando-os como três
círculos concêntricos, em que no círculo interior se tem as “regras lógicas”, no de raio médio, as “regras da
ciência” e, por fim, o mais amplo deles, ocupado pelas regras da experiência. No mesmo sentido,
referindo-se a regras lógicas, da ciência e do senso comum: STELLA, Federico. Oltre il ragionevole dubbio:
il libero convincimento del giudice e le indicazioni vincolanti della costituzione italiana. Il libero
convincimento del giudice penale. Vecchie e nuove esperienze, Milano: Giuffrè, 2004. p. 101. Na doutrina
brasileira, Magalhães Gomes Filho (A motivação das decisões penais..., cit., p. 163) se refere às seguintes
regras de inferência: “disposições legais, regras técnicas e científicas, noções consagradas pela experiência
comum ou mesmo regras estabelecidas criativamente no próprio procedimento da abdução”.

50

Um silogismo, explica Irving M. Copi (Introdução à lógica. Trad. de Álvaro Cabral. 2. ed. São Paulo: Mestre
Jou, 1978. p. 167) “é um argumento em que uma conclusão é inferida de duas premissas. Um silogismo
categórico é um argumento que consiste em três proposições categóricas que contém exatamente três
termos, cada um dos quais ocorre exatamente em duas das proposições constituintes. Diz-se que um
silogismo categórico é uma forma típica, quando suas premissas e conclusão são todas proposições
categóricas de forma típica e estão dispostas numa ordem específica”.

51

Esse é um silogismo positivo, em que há uma premissa maior afirmativa universal, uma premissa menor
afirmativa particular e uma conclusão afirmativa particular. Mas, como aponta Sammarco (Metodo
probatorio e modelli di ragionamento…, cit., p 10, nota 2), o silogismo probatório também pode ser
negativo, constituído por causa de uma premissa maior negativa universal, uma premissa menor
afirmativa particular, e uma conclusão negativa particular: “nenhum assassino é são; Jekyll é assassino;
Jekyll não é são”. É possível, também, que as proposições sejam particular afirmativa (p. ex.: alguns
políticos são mentirosos) ou particular negativa (p. ex.: alguns políticos não são mentirosos).

52

Nesse sentido: ATIENZA, Razonamiento jurídico..., cit., p. 210; SAMMARCO, Metodo probatorio e modelli di
ragionamento..., cit., p. 13.

53

SAMMARCO, Metodo probatorio e modelli di ragionamento..., cit., p 12. Como explica Copi (Introdução à
lógica..., cit., p. 135) “um raciocínio dedutivo é válido quando suas premissas, se verdadeiras, fornecem
provas convincentes para sua conclusão, isto é, quando as premissas e a conclusão estão de tal modo
relacionadas que é absolutamente impossível as premissas serem verdadeiras se a conclusão tampouco
for verdadeira”. De modo semelhante, para Ávila (Teoria da prova..., cit., p. 116), “o argumento dedutivo é
“inderrotável”, sendo construído para “atingir segurança inferencial absoluta”.

54

Nesse sentido: COPI, Introdução à lógica..., cit., p. 139; CARNAP, Rudolph. An introduction to the
philosophy of Science. Ed. Por Martin Gardener. New York: Dover Ed., 1996. p. 20; GONZÁLEZ LAGIER.
Hechos y argumentos: ... In: Quaestio facti..., cit., p. 46; COMANDUCCI, Paolo. Razonamiento jurídico.
Elementos para un modelo. Trad. Pablo Larrañaga, México, DC: Fontamara, 1999. p. 64.
55

SALMON, Lógica..., cit., p. 8.

56

PIZZI, Diritto, abduzione e prove..., cit.,p. 55.

57

Nesse sentido: GONZÁLEZ LAGIER. Hechos y argumentos: ... In: Quaestio facti..., cit., p. 46; FASSONE, Elvio.
Dalla “certezza” all’“ipotesi preferibile”: un metodo per la valutazione. Rivista Italiana di Diritto e
Procedura Penale. Milano: Giuffrè, 1995. p. 1113.

58

Nesse sentido: FERRUA, Il libero convincimento del giudice penale..., cit., p. 69; GAMBIRASIO, Giorgio.
Ensaios sobre a causalidade. São Paulo: Plêiade, 2009. p. 40-41.

59

REICHENBACH, Hans. La nascita della filosofia scientifica. Trad. Dominico Parisi e Alberto Pasquinelli.
Bologna: Il Molino, 1961. p. 48-49. No mesmo sentido: IACOVIELLO, I critério di valutazione della prova...,
cit., p. 391.

60

RAMÍREZ, Juán Bonorino. Ni deducción ni inducción: abducción! In: AMADO, Juan Antonio García;
BONORINO, Pablo Raúl (Coords.) Prueba y razonamiento probatorio en el Derecho. Debates sobre
abducción. Granada: Comares, 2014. p. 172. Que acrescenta: “o mesmo ocorre com os argumentos
indutivos. Quando se dão certas condições, possuem mais ou menos força indutiva. Porém, para que isso
possa ser afirmado em um caso concreto deve ocorrer observância dessas condições, isto é, as premissas
devem ser verdadeiras”.

61

GONZÁLEZ LAGIER, Hechos y argumentos: ... In: Quaestio facti..., cit., p. 46.

62

Nesse sentido: SALMON, Lógica..., p. 8; GAMBIRASIO, Ensaios sobre a causalidade..., cit., p. 40.

63

IACOVIELLO I criteri di valutazione della prova..., cit., p. 392.


64

Nesse sentido: TARUFFO. Funzione della Prova: la funzione dimostrativa..., p. 309-310; GASCÓN ABELLÁN,
Gascón. ¿Lógica del descubrimiento para la prueba?..., cit., p. 150; ANDRÉS IBÁÑEZ, Sobre a motivação dos
fatos na sentença penal..., cit., p. 78.

65

GASCÓN ABELLÁN. ¿Lógica del descubrimiento para la prueba?..., cit., p. 150.

66

Por exemplo, para Cesare Beccaria (Dos delitos e das penas. Trad. José de Faria Costa. 4. ed. Lisboa:
Fundação Calouse Gulbenlian, 2014. p. 68, § IV) “para qualquer delito deve o juiz construir um silogismo
perfeito: a premissa maior deve ser a lei geral; a menor, a ação conforme ou não à lei; a conclusão, a
liberdade ou a pena”.

67

Para uma crítica do método silogístico de fundamentação da sentença, cf., infra, cap. 3, item 3.7.

68

Ferrua (Il libero convincimento del giudice penale..., cit., p. 69) se refere a um “enriquecimento do
conhecimento”. Para Salmon (Lógica..., cit., p. 8) o argumento indutivo “destina-se a ampliar o alcance de
nossos conhecimentos”.

69

GONZÁLEZ LAGIER, Hechos y argumentos: ... In: Quaestio facti..., cit., p. 46.

70

SALMON, Lógica..., cit., p. 8.

71

GONZÁLEZ LAGIER, Hechos y argumentos: ... In: Quaestio facti..., cit., p. 46.

72

FASSONE, Dalla “certezza” all’“ipotesi preferibile”…, cit., p. 1113.

73

Nesse sentido: HEMPEL, Filosofia da ciência natural..., cit., p. 22; CARNAP, An introduction to the
philosophy of Science..., cit., p. 20; GONZÁLEZ LAGIER, Hechos y argumentos: ... In: Quaestio facti..., cit., p.
47. Essa é mais uma diferença do raciocínio dedutivo do indutivo, enquanto a correção dedutiva,
normalmente referida como validade, é uma questão de “tudo ou nada”, inexistindo uma graduação de
validade dedutiva, em contrapartida, “os argumentos indutivos corretos admitem graus de força,
dependendo do montante de sustentação que as premissas forneçam à conclusão” (SALMON, Lógica..., cit.,
p. 8). Ou seja, diferente dos raciocínios dedutivos, que são válidos ou inválidos, os raciocínios indutivos,
como explica Copi (Introdução à lógica..., cit., p. 35) podem “ser avaliados como melhores ou piores,
segundo o grau de verossimilhança, ou probabilidade que as premissas confiram às respectivas
conclusões”.

74

Nesse sentido: HEMPEL, Filosofia da ciência natural..., cit., p. 22; CARNAP, An introduction to the
philosophy of Science..., cit., p. 21.

75

ÁVILA, Teoria da prova..., cit., p. 117. Justamente por isso, nunca se poderá ter, do ponto de vista racional,
por mais amplo que seja o conjunto probatório e por mais forte que seja o critério inferencial não é
possível certeza absoluta, a partir de uma inferência indutiva.

76

FERRUA, Il libero convincimento del giudice penale..., cit., p. 69.

77

ATIENZA, Razionamiento jurídico..., cit., p. 210.

78

COMANDUCCI, Razonamiento jurídico…, cit., p. 111.

79

No campo das ciências, contudo, é preciso ter cuidado com o que se considera falsificação da hipótese ou
sua refutação por resultados empíricos. Evidente que se a hipótese é a única premissa que tenha
possibilidade de ser falsa, ela deve ser abandonada. Pode ocorrer, por outro lado, que o erro não esteja na
hipótese. Nesse caso, deverão ser alteradas as condições iniciais utilizadas: antes da descoberta do planeta
Netuno, as órbitas dos planetas, de Mercúrio até Urano, eram bem conhecidas. Entretanto, os cálculos
matemáticos que aplicavam a teoria da gravitação universal e a mecânica newtoniana não explicavam
certas anomalias observadas na órbita de Urano. Os cientistas diante de tais dados, poderiam ter rejeitado
a hipótese, no caso, a teoria de Newton. Todavia, dois cientistas, de forma independente, John Adams e
Jean-Joseph Le Verrier postularam que a justificativa para as mudanças da órbita de Urano poderia ser a
existência de um outro planeta. Baseado nos cálculos de Le Verrier o astrônomo alemão Johann Gottfried
Galle, no ano de 1846, apontou seu telescópio para a parte do céu indicada pelos dados matemáticos. Com
diferença de apenas um grau da posição prevista por Le Verrier, viu um pequeno ponto brilhante e
descobriu Netuno, o hipotético planeta. Sobre o tema, cf. REICHENBACH, La nascita della filosofia
scientifica…, cit., p. 110.

80

Como observa Carnap (An introduction to the philosophy of Science..., cit., p. 21), um milhão de
confirmações positivas são insuficientes para confirmar a lei indutiva; uma negativa é suficiente para
falsificá-la. E complementa: a situação é profundamente assimétrica. É fácil refutar a lei e extremamente
difícil obter confirmações fortes.

81

HEMPEL, Filosofia da ciência natural..., cit., p. 19. No mesmo sentido, embora restrito às leis causais por
indução simples, Copi (Introdução à lógica..., cit., p. 335) afirma que “quanto maior for o número de
exemplos de confirmatórios, maior será a probabilidade da lei causal, desde que as outras condições
sejam idênticas”.

82

Um bom exemplo é a teoria de Newton, cuja lei sobre as forças gravitacionais entre massas foi confirmada
por um grande número de observações de planetas no sistema solar e seus satélites. Também foi
confirmada por um sem número de experimentos sobre a ação da gravidade na queda livre de objetos.
Há, também, estudos sobre as marés oceânicas, que lhe dão confirmação adicional. Mesmo diante desses e
de tantos outros experimentos realizados e que constituíram novos casos de comprovação, não se podia
dizer que havia provas suficientes em seu favor, para que ela fosse considerada literalmente correta. E
efetivamente não o era, como séculos depois viria a ser demonstrado. A teoria gravitacional de Newton foi
superada pela teoria geral da relatividade de Einstein. Nesse sentido, em relação à prova judicial: FERRER
BELTRÁN, La valoración racional de la prueba…, cit., p. 86.

83

Nesse sentido: IACOVIELLO, Francesco Mauro. Motivazione della sentenza penale. Enciclopedia del
Diritto. Aggiornamento. Milano: Giuffrè, 2000. v. 4. p. 756, que acrescenta: se o problema do juízo
probatório fosse esse, se poderia muito bem substituir o juiz por um computador, com economia de tempo
e aborrecimentos: bastaria colocar na máquina as premissas corretas e se teria a conclusão coerente.
Negando que o raciocínio do juiz seja dedutivo: UBERTIS, Profili di Epistemologia Giudiziaria..., cit., p. 7.

84

CALOGERO, Guido. La logica del giudice e il suo controllo in Cassazione. 2. ed. Padova: Cedam, 1964, p. 51.
No mesmo sentido: IACOVIELLO, Motivazione della sentenza penale…, cit., p. 756.

85

IACOVIELLO, Motivazione della sentenza penale…, cit., p. 756.

86
Nesse sentido: FERRAJOLI, Diritto e ragione..., cit.,p. 21; ANDRÉS IBÁÑEZ, Sobre a motivação dos fatos na
sentença penal..., cit.,p. 82; Idem, “Carpintaria” da sentença penal (em matéria de fato)..., cit., p. 147;
IACOVIELLO, I criteri di valutazione della prova…, cit., p. 398.

87

Nesse sentido: IACOVIELLO, Motivazione della sentenza penale…, cit., p. 755; FERRUA, Il libero
convincimento del giudice penale..., cit., p. 69; ANDRÉS IBÁÑEZ, Sobre a motivação dos fatos na sentença
penal..., cit., p. 78; COMANDUCCI, Razonamiento Jurídico…, cit., p. 114.

88

Nesse sentido: FERRUA, Paolo. Metodo scientifico e processo penale. Diritto Penale e Processo – Dossier –
La prova scientifica nel processo penale, 2008. p. 15; PERSIO, Porzia Teresa. Brevi considerazioni sul tema
della conoscenza nel processo penale: notizie del reato e contesti investigativi complessi. In: GAROFOLI,
Vincenzo; INCAMPO, Antonio. Verità e processo penale, Milano: Giuffrè, 2012. p. 124.

89

GASCÓN ABELLÁN, ¿Lógica del descubrimiento para la prueba?..., cit., p. 151.

90

Nesse sentido: RAMÍREZ, Ni deducción ni inducción: abducción!..., cit., p. 173; GASCÓN ABELLÁN,¿Lógica
del descubrimiento para la prueba?..., p. 155; GONZÁLEZ LAGIER, Hechos y argumentos: ... In: Quaestio
facti..., cit., p. 49. Embora seja particularmente útil, no caso de fatos “surpreendentes”, sua aplicação não
se restringe a tais casos, de mais difícil ou quase inexplicável solução. Como explica PEÑA Y GONZALO,
Lorenzo. (Razonamiento abductivo y método axiomático en la lógica deóntica. Prueba y razonamiento
probatorio en el Derecho. Debates sobre abducción. Granada: Comares, 2014. p. 256. nota 31) o método
abdutivo de Peirce não necessita, em absoluto, que a primeira premissa seja surpreendente, bastando que
ela necessite de explicação, de aclaração ou de fundamentação.

91

TUZET, Razonamiento probatorio: ¿deducción? ¿inducción? ¿abducción?..., cit., p. 123.

92

MAGALHÃES GOMES FILHO, A motivação das decisões penais..., cit., p. 161.

93

PEÑA Y GONZALO, Razonamiento abductivo y método axiomático en la lógica deóntica..., cit., p. 257.

94

FASSONE, Dalla “certezza” all’“ipotesi preferibile”…, cit., p. 1114.


95

ANDRÉS IBÁÑEZ, Sobre a motivação dos fatos na sentença penal..., cit., P. 85. Ou, nas próprias palavras de
Peirce (citado por Pizzi, Diritto, abduzione e prove ..., p. 61): “a dedução diz que alguma coisa deve ser; a
indução prova que alguma coisa é efetivamente operante; a abdução sugere que alguma coisa pode ser”.

96

KINOUCHI, Renato Rodrigues. Introdução. In: PEIRCE, Charles Sanders. Ilustrações da lógica da ciência. 2.
ed. Trad. Renato Rodrigues Kinouchi. Aparecida: Ideia e Letras, 2008. p. 24.

97

PEIRCE, Ilustrações da lógica da ciência..., cit., p. 171-172.

98

PEIRCE, Ilustrações da lógica da ciência..., cit., p. 173.

99

PEIRCE, Ilustrações da lógica da ciência..., cit., p. 174.

100

ANDRÉS IBÁÑEZ, Sobre a motivação dos fatos na sentença penal..., cit., p. 85.

101

KINOUCHI, Introdução, In: PEIRCE, Ilustrações da lógica da ciência..., cit., p. 27. E, especificamente a última
etapa, ou processo de teste, denominado indução, é descrito por Peirce em três etapas, consistindo em: “1)
avaliar os resultados que decorreriam (sob certas condições), caso a hipótese fosse verdadeira; 2) tentar
produzir essas condições, com o auxílio de técnicas experimentais; e, por fim, 3) verificar se os resultados
esperados de fato se manifestaram. Em caso afirmativo – isto é, manifestando-se os resultados – pode-se
ganhar certa confiança na hipótese” (MOTA, Octanny Silveira da; HEGENBERG, Leonidas. Introdução. In:
PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica e filosofia. Trad. Octanny Silveira da Mota e Leonidas Hegenberg. São
Paulo: Cultrix, 1972. p. 33)

102

TUZET, Razonamiento probatorio: ¿deducción? ¿inducción? ¿abducción?..., cit., p. 123.

103

Nesse sentido, Umberto Eco (Chifres, cascos, sapatos: três tipos de abdução. In: Os limites da interpretação.
2. Trad. Pérola de Carvalho. São Paulo: Perspectiva, 2004. p. 201) que acresce: “acredito que a análise dos
procedimentos conjecturais da investigação criminal possa lançar nova luz sobre os procedimentos
conjecturais das ciências”.

104

ECO, Umberto. Chifres, cascos, sapatos: três tipos de abdução. Os limites da interpretação..., p. 200.

105

RAMÍREZ, Ni deducción ni inducción: abducción!..., cit., p. 177.

106

RAMÍREZ, Ni deducción ni inducción: abducción!..., cit., p. 177.

107

TUZET, Razonamiento probatorio: ¿deducción? ¿inducción? ¿abducción?..., cit., p. 133.

108

FASSONE, Dalla “certezza” all’“ipotesi preferibile”…, cit., p. 1114.

109

Sobre o tema, cf., infra, cap. 3, item 3.3.

110

Sobre o tema, cf., infra, cap. 3, item 3.5.3. Em sentido contrário, Bonorino Ramírez (Ni deducción ni
inducción: abducción!..., p. cit., 180-181) entende que a abdução representa não só o raciocínio dos
investigadores, mas, também, o juiz: “Considero que a abdução, tal como mostramos no exemplo de
Holmes, pode servir ao juiz de duas maneiras (a) para valorar as pretensões das partes, tendo em conta
também os aspectos que os levaram a defendê-las, com fizeram, e (b) para controlar racionalmente certas
atividades que realiza, antes e durante o trabalho de justificar suas decisões na sentencia judicial”.

111

A experiência, para o homem greco-romano e para o medieval, como explica Guido Branbilla (Itinerari
della giustizia. Appunti per una antropologia giuridica. ristampa. Milano: Guerini e Associati, 2018. p. 46),
era uma relação com o destino, que era uma conexão entre o homem, seu corpo e o cosmos. Para esse
homem do medievo, por outro lado, como aponta Romano Guardini (O fim dos tempos modernos. Trad. M.
S. Lourenço. Lisboa: Liv. Moraes Editora, 1964. p. 45-46) “a ciência representa exclusivamente a procura
do que na autoridade das fontes é tido como verdade. Já na segunda parte do século XIV e especialmente
no século XV ocorre uma alteração. O conhecimento dirige-se diretamente par a realidade das coisas.
Deseja ver com os próprios olhos, demonstrar com a própria inteligência, atingir uma opinião
criticamente fundamentada, independentemente de padrões anteriores. (...) a ciência separa-se da
unidade da vida e da obra até aqui determinada pela religião e constitui-se a si própria como domínio
autônomo da cultura”.

112

. Obviamente, há uma clara diferença das leis do mundo da ciência para as leis do mundo do direito.
Enquanto no direito a lei tem uma função prescritiva, os enunciados ou leis científicas têm por função
explicar os fenômenos, formulando as hipóteses e possibilitando predições (TUZET, Filosofia della prova
giuridica..., cit., p. 50).

113

ENRIQUES, Federico. Causalità e determinismo nella filosofia e nella storia della scienza. Napoli: Edizioni
Immanenza, 2017. p. 44 e 46.

114

STELLA, Oltre il ragionevole dubbio…, cit., p. 105.

115

PRIGOGINE, O fim das certezas…, cit., p. 13.

116

La nascita della filosofia scientifica…, cit., p. 136.

117

BUNGE, Mario. Causalidad: el principio de causalidad en la ciencia moderna. 3. ed. Buenos Aires: EUDEBA,
1972. p. 26. Nesse sentido, na doutrina jurídica: IACOVIELLO, La motivazione della sentenza penale e il
suo controllo in Cassazione …, cit., p. 34; IACOVIELLO, I criteri di valutazione della prova…, cit., p. 395.

118

Cabe lembrar que Einstein se opôs fortemente a tal princípio. Foi a razão da famosa frase: “Deus não joga
dados com o Universo”, representando, enfaticamente, sua posição contrária a um princípio da mecânica
quântica. No âmbito jurídico, para uma explicação: ROCHA, Ronan. A relação de causalidade no direito
penal. Belo Horizonte: D’Plácido, 2016. p. 34-36.

119

Sobre os reflexos da teoria da relatividade no direito penal: MAIWALD, Manfred. Causalità e diritto
penale: studio sul rapporto tra scienze naturali e scienza del diritto. Trad. de Francesca Brunetta
d’Usseaux. Milano: Giuffrè, 1999. p. 91-96.
120

HEISEMBERG, Werner. A descoberta de Planck e os problemas filosóficos da física atômica. In: BORN, Max
et al. Problemas da física moderna. Trad. Gita K. Guinsburg, 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 2011. p. 14.

121

NEUBURGER, Luisella de Cataldo. Gli sviluppi della psicologia giuridica: la valutazione della qualità del
contributo dell’esperto, In: NEUBURGER, Luisella de Cataldo (Org.), La prova scientifica nel processo
penale. Padova: Cedam, 2007. p. 503. Não obstante, há na doutrina processual penal, quem ainda faça
referência a leis científicas de caráter universal, que permitiria sua aplicação em um raciocínio dedutivo:
FASSONE, La valutazione della prova..., cit., p. 322; GASCÓN ABELLÁN, La valoración de la prueba..., cit., p.
379.

122

A explicação e o argumento central de Gödel pode ser consultada na obra de NAGEL, Ernest; NEWMAN,
James R. A prova de Gödel. São Paulo: Perspectiva, 2012. p. 82: “Existe ao menos uma fórmula de
aritmética para a qual nenhuma sequência de fórmulas constitui uma prova”. Na doutrina processual,
fazendo referência à UBERTIS, La prova penale..., cit., p. 5; Idem, Profili di Epistemologia Giudiziaria...,
cit., p. 6; IACOVIELLO, I criteri di valutazione della prova…, cit., p. 395.

123

REICHENBACH, La nascita della filosofia scientifica…, cit., p. 136.

124

Nesse sentido: MAIWALD. Causalità e diritto penale…, cit., p. 93 s.; ROXIN, Claus. Derecho Penal – Parte
General, reimp. Madrid: Civitas, 2008. t. 1. p. 346-347. Na doutrina nacional: ROCHA, A relação de
causalidade no direito penal…, cit., p. 38.

125

STELLA, Federico. Causalità e probabilità: il giudice corpuscolariano. Il giudice corpuscolariano. La


cultura delle prove. Milano: Giuffrè, 2005. p. 50. Entre os penalistas, Roxin (Derecho Penal… , cit., t. 1. p.
346) explica que “não altera o fato de que o jurista pode seguir trabalhando com o conceito tradicional de
causalidade, pois a vigência unicamente de leis estatísticas no campo subatômico não obsta que, para o
mundo da vida cotidiana, que é aquele do qual deve cuidar o jurista, possamos seguir confiando nas leis
causais com certeza praticamente absoluta; e por outra parte, a teoria da relatividade apenas torna
inaplicáveis as tradicionais concepções causais em um pensamento de dimensões cósmicas, enquanto que
nos limitados terrenos do Direito não pode modificar mensuravelmente as condições às quais conduz a lei
causal”. No mesmo sentido, entre nós, Fábio Roberto D’Ávila (Crime culposo e teoria da imputação
objetiva. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 36-37) observa que “a relação causa-efeito alcança profunda
fragilização quando trabalhada em padrões atômicos ou cósmicos, mas não quando o objeto é a vida
cotidiana, cujas relações formam a esfera de atuação do Direito Penal”.
126

Aliás, mesmo no campo das ciências, Hempel (Filosofia da ciência natural..., cit., p. 56) explica que “para
desalojar uma teoria bem estabelecida exigem-se razões ponderáveis; exige-se sobretudo que os
resultados experimentais adversos possam ser repetidos. E mesmo quando ‘efeitos’ experimentalmente
reproduzíveis entram em conflito com uma teoria robusta e fecunda, esta poderá continuar a ser usada
nos contextos em que não crie dificuldades”.

127

Nesse sentido: STELLA, Federico. Leggi scientifiche e spiegazione causale nel diritto penale. Milano:
Giuffrè, 1975. p. 88; BARTOLE, Roberto. Il Problema della causalità penale: dai modelli unitari al modello
differenziato. Torino: Giappichelli, 2010. p. 13.

128

Para Hempel (Filosofia da ciência natural..., cit., p. 79) é possível a explicação científica com base em leis
probabilísticas. Isto é, em que o explanans seja uma lei probabilística: “Enquanto uma explicação dedutiva
mostra que pela informação contida no explanans o explanandum deve ser esperado com ‘certeza
dedutiva’, uma explicação indutiva mostra apenas que pela informação contida no explanans o
explanandum deve ser esperado com alta probabilidade, e talvez com ‘certeza prática’; dessa maneira, é
que o último argumento satisfaz ao requisito da relevância explanatória”. Admitindo a possibilidade da
explicação causal com base em leis probabilísticas com probabilidade próxima de 1: STELLA, Federico.
Leggi scientifiche e spiegazione causale nel diritto penale…, cit., p. 311 e ss.; STELLA, Federico. Giustizia e
modernità. 3. ed. Milano: Giuffrè, 2003. p. 346. Posteriormente, contudo, Stella (Causalità e probabilità: il
giudice corpuscolariano…, cit., p. 5) muda de posição e passa a afirmar que no âmbito legal, bem como no
da física clássica, não há lugar para resultados probabilísticos. Uma ampla explicação da discussão teórica
sobre o emprego de leis estatísticas para explicação causal: STELLA. Causalità e probabilità: il giudice
corpuscolariano..., cit., p. 1-43; BARTOLE, Il problema della causalità penale…, cit., p. 12.

129

STELLA, Federico. La nozione penalmente rilevante di causa: la condizione necessaria. Rivista italiana di
diritto e procedura penale, 1988, p. 1243.

130

STELLA, La nozione penalmente rilevante di causa…, cit., p. 1243.

131

MAGALHÃES GOMES FILHO, A motivação das decisões penais..., cit., p. 164.

132

FASSONE, La valutazione della prova..., cit., p. 323.


133

STEIN, Friedrich. El conocimiento privado del juez. Trad. A. de La Oliva, Bogotá: Temis, 1988. p. 27. Há
várias definições sobre máximas de experiência. Para Giuseppe Chiovenda (Principii di diritto processuale
civile. Napoli: Jovene, 1965. p. 1027), máximas de experiência são “juízos gerais, e não próprios de relação
jurídica individual, fundados sobre a observação do que normalmente acontece e que como tal podem
formar-se em abstrato por cada pessoa sã da mente e de cultura média”. Para Calogero (La logica del
giudice e il suo controllo in Cassazione..., cit., p. 101) as máximas de experiência são “todas aquelas noções
gerais, adquiridas através da experiência das coisas, das mais elementares às mais científicas, mediante as
quais é possível considerar um dado fato, que aconteceu, ou que foi percebido ou de cuja certeza se está,
no entanto, convencido, como argumento ou como indício da realidade de um outro fato”.

134

TARUFFO, Michele. Senso comune, esperienza e scienza nel ragionamento del giudice. Sui confini. Scritti
sulla giustizia civile. Bologna: Il Mulino, 2002. p. 136.

135

TARUFFO, Senso comune, esperienza e scienza nel ragionamento del giudice ..., cit., p. 136.

136

TARUFFO, Senso comune, esperienza e scienza nel ragionamento del giudice ..., cit., p. 137.

137

Em sentido contrário, para Mannarino (Le massime d’esperienza nel giudizio penale e il loro controllo in
Cassazione…, cit., p. 73) o conceito de máxima de experiência deve compreender conjuntamente leis
científicas e regras da experiência comum. Esse sentido mais amplo também é empregado por González
Lagier (Hechos y argumentos: ... In: Quaestio facti..., cit., p. 43; Idem, Hechos y conceptos: ... In: Quaestio
facti..., cit., p. 76, nota 4) para quem as máximas de experiência podem ser: (i) de caráter científico ou
especializado, como as aportadas por peritos; (ii) de caráter jurídico, como as derivadas do exercício
profissional do juiz; ou (iii) de caráter privados, isto é, experiências correntes do juiz obtidas a margem do
seu exercício profissional.

138

O conceito de máxima de experiência foi construído, segundo Taruffo (Senso comune, esperienza e
scienza nel ragionamento del giudice..., cit., p. 141), a partir da concepção tradicional no século XIX, da
indução como instrumento para construir leis gerais partindo de uma série de dados particulares.
Todavia, como já visto supra, no 2.5, a ideia da possibilidade de se atingir as verdades absolutas e
imutáveis pela ciência, fundada na causalidade, foi afastada, no início do século XX.

139

MAGALHÃES GOMES FILHO, A motivação das decisões penais..., cit., p. 165.


140

Oltre il ragionevole dubbio..., cit., p. 106. Também em tom crítico, Comanducci (Razonamiento jurídico …,
cit., p. 114) afirma que “mediante o uso das máximas de experiência, fundando-se no id quod plerumque
accidit, o juiz pode passar na motivação-atividade de alguns fatos assumidos como conhecidos à
formulação de uma hipótese explicativa do caso concreto. Tal hipótese resulta justificada por uma
hipótese indutiva ou, ainda pior, mediante o recurso a vagas e pouco confiáveis máximas de experiência”.

141

Mais enfático, Mannarino (Le massime d’esperienza nel giudizio penale e il loro controllo in Cassazione…,
cit., p. 87) afirma que, no âmbito do processo penal italiano, posições que negam aplicação às máximas de
experiência, violam o art. 192, comma 1, que estabelece: “O juiz valora a prova, dando conta dos
resultados obtidos e os critérios adotado”.

142

FERRUA. Il libero convincimento del giudice penale..., p. 71.

143

Le massime d’esperienza nel giudizio penale e il loro controllo in Cassazione…, cit., p. 73.

144

TARUFFO, Senso comune, esperienza e scienza nel ragionamento del giudice..., cit., p. 141.

145

O próprio Taruffo explica, em outro estudo, (Funzione della Prova..., cit., p. 312), que “a ideia de que o
senso comum produza máximas ou regras gerais idôneas a fundar deduções dotadas de validade lógica e
atendibilidade cognoscitiva é sem fundamento”. Os fatos, com observa Comanducci (Razonamiento
Jurídico…, cit., p. 67) “não são suscetíveis de tratamento lógico: a lógica clássica e também a lógica
deôntica tem a ver com enunciados interpretados e não com “fatos’”. Sobre a utilização da máxima de
experiência como premissa do silogismo no juízo de fato: CALOGERO, La logica del giudice e il suo
controllo in Cassazione..., cit., p. 96; CALAMANDREI, Piero. La genesi logica della sentenza civile. In: Opere
Giuridiche. Napoli: Jovene, 1965. v. 1. p. 22.

146

UBERTIS, Profili di Epistemologia Giudiziaria..., cit., p. 88.

147

Para Erich Döhring (La prueba. Su práctica y apreciación. La investigación del estado de los hechos del
proceso. Trad. Tomás Banzhaf. Buenos Aires: El Foro, 1996. p. 333) um exemplo seria a máxima de que
ninguém pode estar em dois lugares ao mesmo tempo. É possível concordar do ponto de vista prático, com
o caráter absoluto de tal máxima. Todavia, do ponto de vista científico, não se pode deixar de considerar
que ela trabalha com uma concepção de tempo e espaço que não são mais válidas, do ponto de vista da
teoria da relatividade.

148

Usa-se a expressão no sentido dado por Thomas S. Kuhn (A estrutura das revoluções científicas. Trad.
Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira. São Paulo: Perspectiva, 2009. p. 125), que destaca o caráter não
cumulativo do conhecimento numa mudança de paradigma. O autor considera “revoluções científicas
aqueles episódios de desenvolvimento não cumulativo, nos quais um paradigma antigo é total ou
parcialmente substituído por um novo, incompatível com o anterior”.

149

A escolha do exemplo não foi aleatória. Não deixa de ser curioso que, mesmo tendo restadas superadas
pela teoria da relatividade, as Leis de Newton continuem sendo estudadas e aplicadas pelas pessoas
comuns. Isso porque, trata-se de um método que fornece resultados muito próximos da realidade, com
simplicidade e facilidade de aplicação, embora em um âmbito limitado, que é justamente o dos fenômenos
do dia a dia. Especificamente no campo jurídico, Stella (Causalità e probabilità: il giudice
corpuscolariano..., cit., p. 51) sentencia: “A teoria da relatividade não tem consequência para o jurista”.

150

FASSONE, La valutazione della prova..., cit., p. 328.

151

FASSONE, La valutazione della prova..., cit., p. 327.

152

MANNARINO, Le massime d’esperienza nel giudizio penale e il loro controllo in Cassazione…, cit., p. 77.

153

Muito menos poderá se valer de conhecimentos atualmente obtidos, facilmente, em mecanismos de busca
de informações na rede mundial de computadores. Primeiro, porque não há nada que garanta que esse é
um conhecimento comum, no sentido de que sua compreensão seja acessível e empregada pelo homem
médio. Além disso, muitas vezes, se procura dar ares de cientificidade e aceitabilidade geral, a posições
minoritárias ou meras posições individuais de quem defende tais conhecimentos.

154

Funzione della prova..., cit., p. 313. O posicionamento é expressamente acolhido por MAGALHÃES GOMES
FILHO, A motivação das decisões penais..., cit., p. 166.
155

Stella (Oltre il ragionevole dubbio..., cit., p. 108) adota uma postura mais exigente, somente admitindo a
utilização no processo penal de máximas de experiência que sejam “expressões em forma familiar e
abreviada” de um enunciado científico que tenha um elevado grau de confirmação e tenha superado
repetidas tentativas de falsificação.

156

Funzione della prova..., cit., p. 314.

157

No sentido de que essa conexão lógica dos indícios se dá por meio das máximas de experiência: STEIN, El
conocimiento privado del juez..., cit., p. 44. E isso não decorre do fato de os indícios serem considerados
“provas indiretas”. Todo meio probatório envolve um raciocínio inferencial e, nesse sentido, é indireto.
Nos indícios, o que se tem é um raciocínio inferencial mais complexo ou com inferências em cadeia.

158

De forma mais completa, embora pessoalmente sem acreditar na força indiciária do exemplo, tem-se:
Premissa P1: A testemunha T disse que viu A andando no local do crime, dias depois de sua ocorrência. O
juiz se vale, então, da máxima de experiência, como premissa P2: As testemunhas falam a verdade em
juízo. Conclusão C1: A estava andando no local do crime, dias depois de sua ocorrência. Esse será o fato
conhecido e provado que será a base do indício. Então, na prova indiciária, a Premissa Ii (Conclusão C): A
estava andado no local do crime, dias depois de sua ocorrência. Aplica-se, então, nova máxima de
experiência P2i: Todo criminoso volta ao local do crime. A conclusão C2 será: Há indício que A é o autor do
crime.

159

No sentido de que o emprego da máxima de experiência, nesse caso, leva a um raciocínio dedutivo:
DOMINIONI, Oreste. La valutazione delle dichiarazioni dei pentiti. Rivista di Diritto Processuale, 1986, p.
748; MAGALHÃES GOMES FILHO, A motivação das decisões penais..., cit., p. 157. Discorda-se, justamente
porque fundada em uma máxima de experiência, que é uma generalização de caráter probabilístico, não é
possível aplicá-la a um raciocínio dedutivo. A conclusão nunca será necessária, mas somente provável.

160

No caso The people of the State of California vs. O. G. Simpson, de 1994, Orenthal James Simpson foi
acusado do duplo homicídio, de Nicole Brown Simpson e Ronald Goldman, tendo o júri, ao final,
declarando-o “not guilty”, por falta de provas da autoria delitiva beyond any reasonable doubt. Aliás, não
deixa de ser curioso que a mesma máxima de experiência tenha sido utilizada em livro de Conan Doyle,
cujo suspeito tinha o mesmo patronímico: Fitzroy Simpson. No livro “O estrela de prata e outras aventuras
de Sherlock Holmes”, o famoso detetive foi chamado para desvendar o desaparecimento do cavalo “Estrela
de Prata”, que era o favorito da Taça Wessex, e o trágico assassinato de seu treinador John Straker. O
principal suspeito era o forasteiro Fitzroy Simpson. Depois de realizar algumas diligências, Holmes
explica, com base na mesma máxima de experiência usada em seu raciocínio abdutivo, porque não fora
Simpson o autor do furto do cavalo retirado do estábulo durante a noite. “Antes de decidir essa questão,
concentrei-me no fato de o cão não ter ladrado, porque uma conclusão verdadeira sugere sempre outras.
O incidente de Simpson indicava que o cão não saíra dos estábulos e, no entanto, não ladrara o suficiente
para acordar os moços que dormiam no sótão, embora alguém houvesse entrado e levado um dos cavalos.
Torna-se assim claro que o visitante daquela noite era uma pessoa que o animal conhecia muito bem”.

161

STELLA, Oltre il ragionevole dubbio…, cit., p. 107.

162

STELLA, Oltre il ragionevole dubbio…, cit., p. 107.

163

A defesa de uma função demonstrativa da prova, em detrimento de função persuasiva, é um ponto central
do modelo epistêmico defendido por Taruffo (La simplice verità..., cit., p. 76). Tal posição é criticada por
Flora di Donato e Francesca Scamardella (Una aproximación epistemológica-contextual al conocimiento
de los hechos en el proceso. El modelo de Michelle Tarufffo, entre perspectivas analíticas y aperturas
interdisciplinarias. In: FERRER BELTRÁN, Jordi; VÁZQUEZ; Carmen (Coords.). Debatiendo con Taruffo.
Madrid: Marcial Pons, 2016. p. 300), no sentido de que se trata de um modelo que parece se situar em uma
dimensão essencialmente teórica e “ideal” que se vincula ao processo como “deveria ser”, em vez do
processo “tal como é”. Tendo em consideração não apenas o juízo de fato, mas uma concepção mais ampla
de “valoração epistemológica” que além dos aspectos objetivos e dos critérios lógico-inferenciais, incluiria
“dimensões e práticas subjetivas relativas às atividades dos agentes processuais (juízes, partes, advogados,
testemunhas) seu background jurídico cultural, as estratégias utilizadas com o fim de obter a vitória na
causa, as interações que ocorrem entre eles, o tecido social da comunidade onde ocorreu o fato e que
adquire um sentido inclusive no interior do processo, entendido como preordenação que antecede as
eleições interpretativas e argumentativas do juiz”.

164

TARUFFO, La prova dei fatti giuridici..., cit.,p. 284.

165

“Carpintaria” da sentença penal (em matéria de fato)..., cit., p. 129.

166

Cabe lembrar a seguinte passagem, quase um depoimento, de Popper (Conjectura e refutação ..., cit., p.
257): “sempre que escrevia ou dizia alguma coisa a respeito da ciência entendida com aproximação da
verdade, achava que devia escrever ‘Verdade’, com ‘V’ maiúsculo, a fim de deixar claro que se tratava de
uma noção vaga e metafísica, diferente da ‘verdade’ de Traski, que podemos escrever da forma ordinária
sem problemas de consciência. Foi só há muito pouco tempo que me pus a considerar se a ideia de
verdade envolvida aqui era de fato tão perigosamente vaga e metafísica. Quase imediatamente descobri
que não; que não havia qualquer dificuldade especial em aplicar a ideia básica de Tarski. De fato, não há
qualquer motivo para deixar de dizer que uma teoria corresponde aos fatos melhor do que outra. Este
simples passo inicial facilita tudo: não há realmente qualquer barreira – como parecia à primeira vista –
entre verdade no sentido de Tarski e ‘Verdade’”.

167

HAACK, Susan. La Justicia, la verdad y la prueba: no tan simple, después de todo. In: FERRER BELTRÁN,
Jordi; VÁZQUEZ, Carmen (Coorda.). Debatiendo con Taruffo. Madrid: Marcial Pons, 2016. p. 314. Como
destaca Paolo Ferrua (Contradditorio e verità nel processo penale. Studi sul processo penale – Anamorfosi
del processo accusatorio. Torino: Giappichelli, 1992. v. 2. p. 59) destaca que “a impossibilidade de se aferir
a verdade objetiva não deve levar ao irracionalismo ou no ceticismo totalmente relativístico”.

168

Para Ferrajoli (Diritto e ragione…, cit., p. 23) a ideia de que se possa alcançar uma verdade objetivamente e
absolutamente certa é uma “ingenuidade epistemológica”. Também para Iacoviello (I criteri di valutazione
della prova…, cit., p. 395) uma verdade objetiva, única e indubitável “não é atingível nos acontecimentos
humanos”.

169

POPPER, Conjectura e refutação..., cit., p. 251. De modo semelhante, para Matida e Herdy (As inferências
probatórias..., cit., p. 211) “a verdade desempenha o papel de um ideal regulativo no direito: nem sempre
possível, mas sempre desejado”. Há, porém, diferença em ambos posicionamentos, no que diz respeito à
possibilidade de se atingir um conhecimento da verdade. Nossa posição é no sentido de impossibilidade de
se atingir um conhecimento da verdade. Do ponto de vista do conhecimento, nunca será possível, como
certeza racional, dizer que se conhece a verdade.

170

Nesse sentido: FERRUA, Il giusto processo..., cit., p. 72; TARUFFO, Os poderes instrutórios das partes e do
juiz..., cit., p. 78, nota 99; TUZET, Filosofia della prova giuridica..., cit., p. 76-77; ADORNO, Rossano.
L’ammissione della prova in dibattimento. Torino: G. Giappichelli, 2012. p. 18. De modo semelhante, para
González Lagier (Hechos y argumentos: ... In: Quaestio facti..., cit., p. 71) se a verdade absoluta inatingível
aos juízes, como para toda pessoa em geral, isso não autoriza a abandonar os esforços para que nosso
conhecimento da realidade se aproxime o máximo possível da verdade. De modo semelhante, para
Comanducci (Razonamiento Jurídico…, cit., p. 110) o conceito semântico de verdade como correspondência
só pode servir “como limite ideal” ou como “pedra de toque”.

171

Até porque, para decidir com justiça, com observa Paolo Tonini (La prova penale. 4. ed. Padova: Cedam,
2000. p. 31) “non occorre che la ricostruzione del fatto storico sia ‘perfetta’; è sufficiente che sia
ragionevole”.
172

FERRUA, Il libero convincimento del giudice penale..., cit., p. 69. Para Tuzet (Filosofia della prova
giuridica..., cit., p. 78) “a posição preferível é do falibilista, que admite uma verdade objetiva, mas
reconhece também a nossa falibilidade, convidando, portanto, à prudência e ao controle escrupuloso das
nossas crenças ou hipóteses”.

173

Usa-se a expressão “certeza” no sentido de convencimento subjetivo do julgador que, portanto, está no
homem e não no fato. Como já dizia Gaetano Filangieri (La scienza della legislazione. Con giunta degli
opuscoli scelti. Milano: Società Tipogr. de Classici Italiani, 1822, v. 3, p. 156), ao tratar do critério da
“certeza moral”, “esta, como qualquer outra certeza, não está na proposição, mas no ânimo. Um homem,
assim, pode estar certo da verdade de um fato que é falso; ele pode duvidar de um fato que é verdadeiro;
ele pode estar certo de um fato do qual outros duvidam; ele pode duvidar daquilo que para um outro é
certo”.

174

GONZÁLEZ LAGIER, Hechos y argumentos: ... In: Quaestio facti..., cit., p. 70. No mesmo sentido: FASSONE,
La valutazione della prova..., cit., p. 333.

175

Sobre o contexto da valoração e os diferentes modelos de raciocínio judicial, cf., infra, cap. 3, item 3.5.3.

176

GAROFOLI, Vincenzo. Verità Storica e Verità Processuale: L’imponibile endiadi in un processo


virtualmente accusatorio. In: GAROFOLI, Vincenzo; INCAMPO, Antonio. Verità e processo penale. Milano:
Giuffrè, 2012. p. 50. No mesmo sentido: GASCÓN ABELLÁN, Los hechos en le derecho…, cit., p. 45; FERRER
BELTRÁN, La valoración racional de la prueba…, cit., p. 92. Para Iacoviello (I criteri di valutazione della
prova…, cit., p. 395) cabe substituir a ideia de certeza pela de probabilidade, “numa racionalidade
argumentativa que é típica de uma lógica do provável”.

177

Note per una riforma..., cit., p. 250. Essa mesma noção é adotada, no campo das ciências, por Karl Popper
(A lógica da pesquisa científica. Trad. Leonidas Hegenbert e Octanny Silveira da Mota. São Paulo: Cultrix,
2007. p. 309 – Adendo 1972) quando afirma que, mesmo diante do problema lógico e metodológico da
indução, com a impossibilidade de justificar racionalmente uma teoria como verdadeira, complementa:
“essa solução negativa é compatível com a seguinte solução positiva, contida numa regra para preferir
teoria mais bem corroboradas que outras. É possível, algumas vezes, justificar, de modo racional, a
preferência que manifestamos por uma teoria, tendo em conta a corroboração que recebeu – isto é, tendo
em conta, num dado momento, o ponto a que chegaram as discussões críticas e torno de teorias rivais,
sendo essas teorias criticamente examinadas com o propósito de constatar o quanto se aproximam da
verdade”.
178

GONZÁLEZ LAGIER, Hechos y argumentos: ... In: Quaestio facti..., cit., p. 70. De modo semelhante, para
Comanducci (Razonamiento Jurídico…, cit., p. 110) afirmar que um enunciado fático é verdadeiro só pode
ser aceito “utilizando um sentido de ‘verdadeiro’ que só pode querer significar ‘o mais provável no estado
de conhecimento atual’”.

179

FERRER BELTRÁN, Prueba y verdad en el derecho…, cit., p. 29-38.

180

FERRER BELTRÁN, Prueba y verdad en el derecho…, cit., p. 30-31.

181

Nesse sentido, na doutrina nacional, é o posicionamento de Salah H. Khaled Jr. e Gabriel Antinolfi Divani
(A captura psíquica do juiz e o sentido da atividade probatória no processo penal contemporâneo. Revista
Brasileira de Ciências Criminais. v. 156. jul. 2019. p. 420) que defendem que a finalidade da atividade
probatória é a “captura psíquica do juiz”. E aponta que tal perspectiva “pode contribuir para atenuar os
infelizmente rotineiros voluntarismo e decisionismos nas práticas judiciais, assim como pode conter a
proliferação de espaços de subjetividade”. Ora se o que prevalecerá é a crença do julgador sobre o que
ocorreu, segundo seu convencimento de uma ou outra versão dos fatos, o modelo, ao contrário do que
proposta, só aumenta o subjetivismo e impede qualquer mecanismo de controle intersubjetivo do juízo de
fato. O juiz, ao final, ser capturado em um sentido pelas provas: o réu é culpado. Como bem destaca
GONZÁLEZ LAGIER (Hechos y argumentos: ... In: Quaestio facti..., cit., p. 65) dizer que finalidade da prova
não é obter a verdade , mas somente o convencimento do juiz é uma posição que “tem conotações
decisionistas e pouco garantistas, posto que a decisão do juiz não aparece como fundada em um intente de
averiguação do que realmente ocorreu”. Além disso, há outro efeito de tal posicionamento subjetivista: o
tribunal, julgado a apelação, não controlará se o juiz foi bem ou mal capturado, ou se seu convencimento
foi certo ou errado, até porque não terá como o fazer. No máximo, valorado as mesmas provas, poderá o
julgador de segundo grau ser capturado em sentido oposto (p. ex.: da inocência do acusado). Logo o
resultado da atividade probatória não será regido por um modelo racional e controlável, mas apenas
decorrerá, na hierarquia judiciária de um determinado processo, de ser a decisão que foi ou poderia ser
capturado.

182

Diversamente, aqueles que adotam uma posição de que a função da prova não é demonstrativa, mas
persuasiva, a importância do convencimento subjetivo do juiz é colocada em outros termos, e em níveis
muito mais relevantes.

183

FERRER BELTRÁN, Prueba y verdad en el derecho…, cit., p. 34. Com razão afirma Gascón Abellán (La
valoración racional de la prueba…, cit., p. 375), que o cognitivismo se separa da concepção persuasiva da
prova, sendo que esta última é compatível com qualquer concepção irracional sobre o juízo de fato,
podendo a persuasão se basear em qualquer coisa que tenha influenciado o estado psicológico do
julgador, e não necessariamente nas provas produzidas.

184

FERRER BELTRÁN, Jordi. La prueba es libertad, pero no tanto: una teoría de la prueba cuasibenthamiana.
In: VÁZQUEZ, Carmen (Ed.), Estándares de prueba y prueba científica. Ensayos de epistemología jurídica.
Madrid: Marcial Pons, 2013. p. 22.

185

FERRER BELTRÁN, Prueba y verdad en el derecho..., cit., p. 35.

186

FERRER BELTRÁN, Prueba y verdad en el derecho..., cit., p. 36.

187

De modo semelhante, se referindo a um “nexo instrumental entre prova e verdade”: TUZET, Filosofia della
prova giuridica..., cit., p. 93-118; PASTORE, Decisione, argomenti, controlli..., cit., p. 103.

188

FERRAJOLI, Diritto e raggione..., cit., p. 18.

189

GÖSSEL, Karl Heinz. La verdead en el proceso penal ¿Es encontrada o construida? El Derecho Procesal
Penal en el Estado de Derecho. Obras completas. Dir. por Edgardo Alberto Donna, Santa Fé: Rubinzal-
Culzoni, 2007. p. 23.

190

DAMASKA, Il diritto delle prove alla deriva…, cit., p. 138.

191

UBERTIS, La prova penale..., cit., p. 7.

192

Nesse sentido: LIEBMAN, Enrico Tulio. Manuale di diritto processuale civili. Milano: Giuffrè, 1959. v. 2. p.
68; DAMASKA, The Faces of Justice and the State Authority…, cit., p. 160 e ss.; Idem, Il diritto delle prove
alla deriva…, cit., p. 175; TARUFFO, La prova dei fatti giuridici..., cit., p. 336-337; FERRER BELTRÁN, La
valoración racional de la prueba…, cit., p. 30 e 77; Idem, La prueba es libertad..., cit., p. 28; GASCÓN
ABELLAN, Los hechos en el derecho..., cit., p. 120.

193

CONDE, Francisco Muñoz. La búsqueda de la verdad en el proceso penal. 2. ed. Buenos Aires: Hamurabi,
2003. p. 112.

194

MARQUES, Elementos..., cit., v. 2, p. 293-294.

195

ILLUMINATI, La presunzione d’innocenza dell’imputato…, cit., p. 78. De forma semalhante, Piero


Calamandrei (Processo e giustizia. Rivista di diritto processuale, 1950, p. 284) já afirmava que “o processo
é, antes de tudo, um método de cognição”. Também para Francesco Mauro Iacoviello (Prova e
accertamento del fatto nel processo penale riformato dalla Corte Costituzionale. Cassazione penale, 1992,
p. 2029) “o processo é um método de conhecimento”.

196

Em sentido contrário, para Stein (Foundations of Evidence Law..., cit., p. 118 e ss.) em tais casos não há um
conflito entre epistemologia e outros valores sociais ou morais que o direito busque proteger, mas entre
distintos valores que recebem proteção jurídica, na medida em que a descoberta da verdade também é um
valor tutelado pelo direito.

197

Para Ferrer Beltrán (La valoración racional de las pruebas..., cit., p. 83; Idem, La prueba es libertad..., cit.,
p. 31) ser a verdade um objetivo institucional do processo “não lhe outorga um maior valor moral (...) mas
mostra que no conflito entre esse objetivo do direito e outros possíveis objetivos, o primeiro tem uma
preferência estrutural que faz com que não possa ceder sempre”. De forma semelhante, para Goldman
(Knowledge in a social world..., cit., p. 285) depois de afirmar que “a verdade é um valor primário e
central nos sistemas legais de adjudicação”, complementa, afirmando que ainda que haja outros valores
que devam ser considerados, “veritistic considerations do have pride of place”.

198

Por outro lado, nesta tríade de valores, não há uma posição institucionalmente privilegiada de um sobre o
outro. Ao contrário, deve haver um funcionamento integrado. Por exemplo, o direito material, no caso, o
direito penal somente cumprirá sua função de mecanismo de orientador e motivador das condutas em
sociedade se as consequências jurídicas previstas no preceito sancionador de cada um dos tipos penais
somente forem aplicadas nos casos em que aquela ação ou omissão tenha sido efetivamente praticada
pelo seu autor.
© desta edição [2019]
2020 - 10 - 16 PÁGINA RB-3.1
Epistemologia Judiciária e Prova Penal - Ed. 2019
3. EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E CONTEXTOS PROBATÓRIOS

3. Epistemologia judiciária e contextos probatórios

3.1.O processo e a epistemologia: rumo a uma epistemologia judiciária

A primeira parte da obra teve por finalidade expor premissas, legais e epistemológicas, para
que se pudesse desenvolver, nessa segunda parte, o coração do trabalho. No capítulo I foram
analisados aspectos legais e jurídicos fundamentais para a compreensão do juízo de fato no
processo penal. No capítulo II foram expostos os fundamentos epistemológicos relevantes para a
produção e, principalmente, para a valoração da prova penal, com vistas à possibilidade de se
atingir um conhecimento verdadeiro. É chegada a hora de estreitar o relacionamento entre ambos,
propondo para o processo penal um modelo de epistemologia judiciária.

A epistemologia judiciária se assenta em uma concepção racionalista1 que, segundo Anderson,


Schum e Twining, deve trabalhar com as seguintes premissas: a epistemologia é cognitivista em
vez de cética; a teoria da verdade como correspondência é preferível à teoria da verdade como
coerência; o modelo de tomada de decisão deve ser racional; o modelo de raciocínio para tanto é o
indutivo; a busca da verdade é um meio para a decisão justa, tendo um valor elevado, ainda que
não insuperável.2

A produção de provas e a busca da verdade no processo penal são governadas por noções e
métodos próprios do “mundo jurídico”. A disciplina da atividade probatória depende, em muitos
aspectos, de escolhas não somente técnicas como também axiológicas, feitas pelo legislador.3 Mas a
existência e, mais do que isso, o predomínio de regras jurídicas sobre a prova a ser produzida no
âmbito processual não é suficiente para excluir, a priori, que também no processo se busque
estabelecer uma verdade controlável segundo os critérios lógicos e epistemológicos.4

Como diz Susan Haack, “o direito está mergulhado até o pescoço na epistemologia”.5 Assim, o
processo não pode prescindir de métodos utilizados pela teoria do conhecimento.6 Sendo o
processo essencialmente uma atividade epistêmica, a ele podem ser aplicados os princípios gerais
de racionalidade do método cognitivo elaborados no âmbito da epistemologia geral.7 Evidente que
a epistemologia ingressa no processo, não como epistemologia “pura”, entendida como estudo
crítico dos métodos e da validade do conhecimento, mas como epistemologia aplicada ao direito e,
mais precisamente, ao processo, entendida assim como epistemologia judiciária.8 O objeto da
epistemologia judiciária compreende os critérios e os instrumentos usados pelo julgador tanto
para a obtenção do material quanto para sua valoração, com base no qual realizará a escolha
decisória.9

A epistemologia judiciária, porém, não é um gênero peculiar e especializado da epistemologia,


enquanto teoria filosófica do conhecimento, mas simplesmente à aplicação de conceitos desta no
contexto judicial.10 Ainda assim, sua contribuição é importantíssima no que atine à prova judicial,
uma vez que a preocupação central da epistemologia judiciária é compreender o que é prova,
como ela é estruturada e o que a faz melhor ou pior, mais forte ou mais fraca.

Há, contudo, propostas mais ousadas no relacionamento entre processo e epistemologia, que
vão além de se limitar a enriquecer o processo com aportes epistêmicos. Reconhecendo o processo
penal como um instrumento epistêmico, Laudan vai mais longe, pois considera que a
epistemologia jurídica envolve tanto um projeto descritivo, para observar quais regras promovem
ou frustram a busca do conhecimento verdadeiro, quanto um projeto normativo, consistente na
proposição de possíveis mudanças nas regras existentes que obstaculizam o atingimento de tal
conhecimento.11

A proposta deste livro sobre Epistemológica Judiciária não é apenas descritiva, mas prescritiva,
propondo soluções e eliminação de barreiras à descoberta da verdade,12 quando essas não se
justifiquem por necessidade legal.13 Cabe esclarecer, desde logo, que não se pretende buscar um
“ótimo epistêmico”, transformando o processo no melhor modelo de descoberta da verdade, como
se ela fosse um fim em si mesmo para o julgador.14 Processo judicial não é um experimento de
laboratório. O juiz não é um cientista interessado somente em descobrir a verdade, para explicar
fenômenos do mundo. Já dizia Taruffo que, no processo judicial, não há espaço para o
protagonismo do “conhecimento em estado puro”.15 Julgar, como destacava Saraceno, “no sentido
de ius dicere, não é uma função puramente teórica ou intelectiva, não é uma mera ocupação
recreativa do intelecto; é uma função tremendamente prática”.16

A busca da verdade é um dos fins do processo, pois não poderá ser considerada justa uma
decisão baseada em uma reconstrução fática equivocada. Porém, há outros valores igualmente
relevantes para o processo, especialmente aqueles que compõem o devido processo legal ou
processo équo, que, mesmo sendo antiepistêmicos, terão que ser respeitados. Em determinados
casos de conflito de valores, a busca da verdade poderá ser considerada menos relevante que
outro valor digno de maior proteção e que deverá prevalecer, ainda que comprometendo uma
melhor reconstrução histórica dos fatos.

Não se trata, portanto, de uma tese abolicionista, que procura refutar toda e qualquer regra
legal no campo probatório, deixando-o ao exclusivo governo da epistemologia. O direito não pode
deixar de regular os aspectos da prova no processo, na medida em que há questões sobre o juízo
de fato que não podem ser resolvidas somente por critérios epistemológicos.17 Mas é preciso ter
consciência de que o direito necessita enriquecer seus mecanismos de produção e valoração da
prova com muito mais aportes epistemológicos do que aqueles poucos pontos de contato que hoje
existem.

O relacionamento entre prova e verdade se desenvolve, assim como no campo das ciências, em
um âmbito de explicações probabilísticas. A probabilidade implica um campo de incertezas e,
consequentemente, de liberdade de quem decide entre escolhas possíveis. Quem decide entre
hipóteses incertas tem um poder, que será em algum grau discricionário e, portanto, não
totalmente controlável.18 Assim, para que essa margem de incerteza e, consequentemente, de
discricionariedade, seja reduzida na máxima medida possível, é fundamental que a inferência
probatória tenha sempre um referencial empírico identificável, que haja possibilidade de
comprovação e refutação dos enunciados fáticos por meio de provas e contraprovas, e que a
escolha da hipótese tida como provada seja fruto da aplicação de regras e métodos que sejam
lógica e racionalmente controláveis. Para tudo isso, a epistemologia se mostra fundamental no
campo judicial.

O que se pretende com um modelo processual concebido a partir de uma epistemologia


judiciária é propor um método racional de decisão sobre o juízo de fato e, com isso, ampliar as
possibilidades de seu controle. Se a verdade fosse indiferente para a justiça, a atividade probatória
seria uma grande inutilidade.19 Por outro lado, admitido que a prova é um mecanismo para o
conhecimento da verdade, a liberdade em sua valoração deve seguir parâmetros racionais, que
permitam um controle intersubjetivo do ato decisório, apto a verificar o erro ou o acerto quanto ao
juízo de fato. É possível afirmar que, num modelo cognitivista de exercício do poder, prova e
valoração racional são termos inseparáveis. Se assim não fosse, seria possível continuar a decidir
os processos por meio de ordálias,20 duelos, juramentos judiciários,21 lançando dados, como fazia o
juiz Bridoye,22 ou aplicando qualquer outro meio irracional, mas que propicia um resultado de
modo mais rápido e menos custoso.

A inter-relação entre o direito probatório, de um lado, e a epistemologia, de outro, ocorrerá


tanto num plano estático, isto é, em relação a cada meio de prova individualmente considerado, no
momento em que é produzido, quanto do ponto de vista dinâmico, como influência epistemológica
ao longo de toda a atividade de investigação e comprovação dos fatos da persecução penal.

3.2.Contextos da investigação científica e da prova judiciária

No âmbito do conhecimento científico, é bastante utilizada a distinção formulada por


Reichenbach, entre context of discovery e context of justification.23

O contexto da descoberta normalmente está relacionado com os problemas de como se chega à


formulação de uma hipótese que possa explicar um determinado evento. O ato de descoberta,
como explica Reichenbach, escapa da análise lógica, não existindo regras lógicas com base nas
quais se possa “construir uma ‘máquina descobridora’ que absorva a função criativa do gênio”.24

De outro lado, o contexto da justificação liga-se ao modo pelo qual será convalidada tal
hipótese.25 Cabe ao cientista explicar a gênese das descobertas, analisando a conexão entre os
dados de fato obtidos com a observação e as teorias elaboradas para os explicar.26 Essa justificação
de uma teoria com base nos dados observados se faz por meio de inferência indutiva, que confere
a cada teoria investigada ou cogitadas pelo cientista um grau de probabilidade, sendo a teoria
considerada a mais provável aceita como correta.27

Interessante observar, com vistas à utilização de aportes epistemológicos no campo processual,


que Reichenbach sustentava que a lógica indutiva utilizada no context of justification não é nada
mais do que uma hipótese específica ou particular do problema geral da prova indireta, ilustrando
a situação com um problema de investigação criminal: “Como ilustração do problema geral se
pode recordar as inferências realizadas por um investigador que busca descobrir o responsável
por um crime. Há alguns dados, como um lenço sujo de sangue, um cinzel e o desaparecimento de
uma viúva rica. O investigador tenta determinar a explicação mais provável. Suas considerações
seguem certas regras de probabilidade; utilizando todos as pistas do fato e todo o seu próprio
conhecimento da psicologia humana, ele subsequentemente controla, por meio de outras
observações feitas precisamente para esse propósito. Cada controle, baseado sobre novos dados,
aumenta ou diminui a probabilidade da explicação previamente escolhida, embora esta não possa
ser considerada absolutamente certa. Todos os elementos lógicos necessários para analisar o
procedimento inferencial do investigador podem ser encontrados no cálculo das probabilidades.
Ainda que no exemplo dado falte o material estatístico para um cômputo exato das mesmas, seria
possível aplicar ao menos as fórmulas de cálculo em sentido qualitativo. Naturalmente, não se
poderá atingir resultados numericamente precisos se o material à disposição permite apenas
valorações genéricas da probabilidade”.28

Essa dupla dimensão, do contexto da descoberta e do contexto da justificação, comumente


empregada no âmbito epistemológico-científico, tem sido transportada para o mundo jurídico e,
em especial, para a atividade desenvolvida sobre os juízos de fato no processo.29 A distinção,
contudo, precisa de refinamentos e, mais do que isso, desdobramentos e acréscimos, para servir
como modelo de análise do conhecimento sobre os fatos a serem obtidos no âmbito processual.30

Inicialmente, há que se atentar para uma diferença fundamental entre a prova em certos
campos da ciência e a prova no processo judiciário. Diferentemente das ciências empíricas, o
direito não dispõe de um método experimental para testar o acerto ou erro da hipótese inicial. No
caso de eventos passados, de natureza histórica, não é possível realizar procedimentos de
reprodução experimental, como se faz com uma hipótese científica que é bem testada em
laboratório, podendo ser realizadas tantas verificações quantas sejam necessárias.31 Os fatos
históricos são únicos, eventos singulares espacial e temporalmente determinados, enquanto que a
ciência trabalha com certas categorias de eventos, genéricos e repetíveis.32

No ambiente judiciário e com vistas a atingir os fins do processo, a dinâmica probatória faz
com que, nos diversos contextos em que se desenvolve, haja o inter-relacionamento de regras
jurídicas, de um lado, e regras epistêmicas, de outro, a governar a reconstrução histórica sobre os
fatos. E, mesmo no que diz respeito exclusivamente ao regime legal da prova, há princípios
profundamente diversos de um para outro momento. Por exemplo, enquanto a investigação
preliminar é inquisitória, a produção de prova deve ocorrer em contraditório judicial.

Outra diferença relevante é que, na atividade científica, tanto o contexto da descoberta quanto
o contexto da justificação normalmente são realizados por um mesmo cientista ou equipe de
pesquisa. No campo processual, diferentemente, há o predomínio de atividades de sujeitos
distintos em cada um dos contextos ou momentos da reconstrução dos fatos: o investigador, as
partes e o julgador.

A atividade inicial de investigação é atribuída a um delegado de polícia ou mesmo a outros


sujeitos, como o Ministério Público e, em menor grau, à própria defesa, desde que lhe sejam
conferidos poderes legais para realizar a investigação. Por outro lado, num processo
predominantemente acusatório, em que há um efetivo direito à prova, o protagonismo da
produção das provas deverá estar nas mãos da acusação e da defesa. Mesmo assim, dificilmente o
juiz será, mesmo em tal etapa, um espectador de pedra. Com maior ou menor grau, as leis
processuais penais concedem poderes instrutórios ao julgador, ainda que de modo subsidiário e
complementar à atividade das partes. Por fim, a atividade decisória é o momento máximo do juiz,
que, com base nas provas produzidas pelas partes, deverá analisar as alegações fáticas de ambas,
verificando qual delas encontra maior suporte nas provas produzidas.

Para representar a dinâmica probatória, Ubertis apresenta a sequência de quatro contextos: (i)
descoberta; (ii) pesquisa; (iii) decisão e (iv) justificação. Trata-se, por certo, de uma divisão formal,
uma vez que há um liame dialético entre os quatro contextos.33 No contexto da descoberta ocorre
a descoberta propriamente dita e a formulação da hipótese, com a realização da investigação
primária, cujo resultado será a formulação da hipótese pela parte acusadora, que fará a imputação
dando início ao processo. O contexto da pesquisa (contesto di ricerca) é o momento da instrução
propriamente dita, com a produção da prova pelas partes e perante o juiz. Segue-se então o
contexto da decisão, em que o juiz deverá valorar as provas produzidas. No momento da decisão
se fará o controle da veracidade do tema de prova por meio de seu confronto com os enunciados
fáticos. O objeto da prova deve ser considerado “provado” quando verificada sua coincidência com
o resultado da prova, ou não provado, quando não houver tal coincidência.34

O modelo anteriormente descrito ainda não é completo, pois, com relação à decisão, não
distingue dois momentos fundamentais, que devem ser tratados separadamente, por estarem
sujeitos a estatutos distintos: o momento da valoração e o momento da decisão.35 A atividade de
valoração da prova é regida por regras eminentemente epistemológicas, enquanto a decisão
propriamente dita, em que se conclui se a hipótese fática posta em julgamento deve ou não ser
considerada provada, conforme tenha ou não atingido o standard de prova aplicado ao caso,
depende de um critério normativo. O modelo de constatação, na atividade judiciária, não é
definido por um padrão epistêmico, mas substancialmente por uma escolha axiológica, feita pelo
legislador, conforme queira ou não privilegiar um determinado valor (p. ex.: a liberdade do
indivíduo) diante da possibilidade de uma decisão errada do ponto de vista fático. Por isso, é
importante separar os métodos racionais de valoração da prova, de um lado, da regra de decisão
estabelecida pelo standard de prova definido pelo legislador, de outro.

Com o desdobramento apresentado, a sequência probatória processual penal que se propõe é


subdividida em cinco contextos: (i) investigação; (ii) instrução; (iii) valoração; (iv) decisão; e (v)
justificação. Apenas para que se tenha uma visão de conjunto, antes do tratamento individualizado
dos diversos contextos em si, é possível assim sumariar seus principais aspectos.

No ambiente jurídico, também é correto afirmar que há uma etapa inicial identificada com o
contexto da descoberta,36 que mais adequadamente pode ser denominado contexto da
investigação. Trata-se do momento de formulação de uma hipótese provisória de explicação de um
fato tido por criminoso, com a posterior busca pelo máximo de dados disponíveis para verificação
de tal hipótese.

Assim, diante de um conjunto de elementos E, E1, E2 e E3, formula-se a hipótese H. Para


verificar a probabilidade de tal hipótese ser verdadeira, é necessário utilizar uma probabilidade
indutiva, que pode ser assim formulada: P (H, K) = R. Isto é: a probabilidade indutiva P da hipótese
H tem um grau de confirmação ou de resistência à falsificação R, que é proporcional à quantidade
de informação coerente com a hipótese mesma.37 Quanto mais aumenta K, torna-se mais difícil
imaginar uma outra hipótese que harmonize com todos os elementos que constituem K,
oferecendo a estes um predicado conectivo unitário.38

E para aumentar K, o único caminho é um acurado trabalho de investigação, que parta da


hipótese formulada e busque outros elementos que dela decorreriam. Assim, se a hipótese fosse
correta, dela também decorreriam os eventos E4, E5 etc.39 A investigação e a descoberta desses
elementos é que incrementam K e tornam a hipótese proporcionalmente aceitável.40 Também para
isso poderá concorrer a descoberta de outros elementos não cogitados, mas que igualmente
também estariam num desdobramento lógico de H. Por outro lado, podem ser descobertos
elementos R, R1 ou R2, que refutem a hipótese H, por serem com ela logicamente incompatíveis.

Em suma, a partir dos elementos ou dados obtidos, a hipótese H preliminar formulada poderá
ser confirmada ou refutada. Neste último caso, haverá a necessidade de formulação de uma nova
hipótese, com nova verificação, até que se obtenha uma hipótese suficientemente corroborada.

Todavia, no processo penal, em que a persecução se divide em uma fase de investigação prévia,
que não se dá perante o julgador, e outra de produção de provas, que ocorre perante o juiz que vai
decidir, é fundamental que tais momentos sejam tratados de modo distinto. Essa distinção se
justifica não só do ponto de vista jurídico, por ser diversa a matriz principiológica de cada uma
delas, mas também por se desenvolverem com base em estruturas epistemológicas distintas.

Como já exposto, a atividade de investigação pressupõe a formulação de uma hipótese inicial


por quem investiga. Essa formulação se dá por critérios distintos, não apenas racionais, mas
também governados por processos intuitivos.41 Nesse momento, o investigador se vale de um
raciocínio ou método abdutivo. A hipótese inicial formulada será testada pelo conjunto dos atos
investigatórios posteriormente desenvolvidos e, seja a hipótese inicial provisória, seja outra que se
formule durante a investigação, será apresentada ao final, como resultado da investigação.

Encerra-se, assim, o contexto da investigação, e terá início o contexto da instrução.

Com a conclusão da investigação propriamente dita, havendo concordância do órgão acusador,


a hipótese investigatória se transforma na hipótese acusatória. No processo propriamente dito,
também existe uma hipótese fática a ser verificada ao longo da instrução, consistente nos fatos
imputados na acusação. Mas, diferentemente do contexto da investigação, ela já está previamente
definida.42 O objeto do processo é posto no ato inicial, de denúncia ou queixa, consistindo na
afirmação de um fato, penalmente relevante, atribuído ao acusado. Fica fora, portanto, da
atividade judicial, isto é, de quem vai decidir, formular a hipótese probatória.43

Normalmente, os fatos afirmados na hipótese acusatória serão simplesmente negados na


resposta (p. ex.: negativa de autoria) ou, a eles se dará uma explicação, com uma narrativa distinta
em que se formula uma hipótese defensiva (p. ex.: alegação de legítima defesa). A posterior
instrução, mediante a produção de provas em contraditório, na presença do juiz, destina-se a
formar o conjunto probatório que servirá de suporte para uma ou outra narrativa. As provas
servirão de suporte para confirmar ou negar a afirmação contida na denúncia ou queixa, bem
como os fatos aduzidos na resposta defensiva. Em outras palavras, os meios de prova produzidos
darão ao julgador os elementos de probatórios a serem valorados racionalmente, e considerar-se-
ão provadas as alegações da acusação ou as da defesa, que integrarão o conteúdo da decisão final
sobre os fatos.

O contexto da instrução é regido tanto por regras jurídicas quanto epistêmicas. A


admissibilidade das provas ou, o que seria o reverso da moeda, a disciplina legal das regras de
exclusão probatórias, e a produção da prova são fortemente governados por critérios legais. Por
outro lado, os limites lógicos de admissibilidade da prova seguem critérios epistêmicos. Da mesma
forma, a sua produção é muitas vezes inspirada em razões epistêmicas para se obter o máximo
rendimento de cada meio de prova no sentido de demonstração do thema probandum. Enquanto
no contexto da investigação se busca descobrir a hipótese, no contexto da instrução, uma vez posta
a hipótese pelo acusador, caberá “controlá-la”, pela produção de provas.44

Concluída a instrução, é preciso valorar a prova e decidir.

No ambiente jurídico, a dicotomia da filosofia das ciências, entre “contexto da descoberta” e o


“contexto da justificação”, acaba tendo em seu entremeio um momento fundamental: o “contexto
da decisão”.45 Isto é, entre descobrir a hipótese, e depois a justificar – na concepção jurídica da
atividade de fundamentação da decisão enquanto mera justificação a posteriori das escolhas feitas
pelo julgador – é fundamental a análise de toda a prova, que precisa ser valorada e, ao final,
proferida a decisão sobre o juízo de fato. Na atividade judiciária, a atenção se volta,
principalmente, para o momento em que é proferido o provimento final.46

Para decidir, é preciso de um método para se chegar à decisão, no caso processual, uma
metodologia adequada para, com base nas provas, realizar os juízos de fato. No contexto da
valoração é que se desenvolve a verificação de qual hipótese fática encontra maior suporte na
prova produzida que lhe corrobora, bem como se resiste a hipóteses contrárias que tenham
suporte em elementos de prova mais fracos. Cabe fundamentalmente à epistemologia definir o
melhor método para que se possa considerar um conhecimento fundado em provas como
verdadeiro. Não se trata, assim, de um contexto em que o legislador deva ter primazia. A
racionalidade do método não é determinada pela lei positiva, mas pelas regras da epistemologia.

Não é tudo. Além do método de valoração, no processo judicial é necessário um critério


decisório que estabeleça o nível ou suporte probatório que uma afirmação sobre os fatos precisa
obter, para que seja considerada provada e, portanto, tida por verdadeira. Trata-se do problema do
standard de prova ou dos níveis de convencimento.

A distinção das atividades de valoração da prova, de um lado, e de decisão, de outro, é


necessária na medida em que ambas atividades devem ser governadas por parâmetros distintos. A
atividade de valoração da prova é regida por critérios epistemológicos. Já o ato de decisão, ou
melhor, de quando se deve considerar que a valoração atingiu o ponto necessário para decidir, em
sentido positivo ou negativo, depende de uma escolha de valor feita pelo legislador. É a lei que
define o modelo de constatação ou do standard de prova para considerar que um enunciado fático
está provado. Além disso, como é possível que, mesmo ao final, o juiz não considere atingido o
standard de prova, nem pela hipótese acusatória, nem pela hipótese defensiva, é necessário que
haja regras de julgamento, definindo como deverá julgar em caso de dúvida. Trata-se, pois, uma
vez mais, de uma escolha legal de definição do ônus da prova. Por isso, é importante distinguir o
contexto da valoração, regido por regras epistêmicas, do contexto da decisão, determinado por
escolhas políticas do legislador.

No campo processual, assim como nas ciências em geral, também é necessário que o julgador
justifique a sua decisão. Importante, contudo, não se deixar levar por confusões terminológicas.
No âmbito científico, como já visto, o context of justification não é algo que ocorra depois de já
definida ou aceita como correta a teoria científica. Na filosofia da ciência, a justificação tem a
finalidade de permitir a escolha da melhor hipótese. Portanto, é algo que precede à decisão. Mais
do que isso, nas ciências, a experimentação é um método de verificação que cumpre uma função
heurística, de guia para a escolha da hipótese correta. Já dizia Hempel que uma das características
notáveis das ciências naturais, e que constitui uma das suas “grandes vantagens metodológicas”, é
que “suas hipóteses admitem, em geral, verificação experimental”.47

Já no processo, quando se pensa no contexto da justificação, em especial na sentença, trata-se de


atividade realizada após a valoração da prova e a tomada de decisão pelo julgador. A
fundamentação da sentença é uma “operação de justificação ‘póstuma’ da decisão”.48 No ambiente
judicial, o contexto da justificação não se destina a permitir a escolha da hipótese que melhor
encontre suporte na prova produzida. Muito menos envolve uma atividade heurística. A decisão já
estará tomada e a fundamentação será, apenas e tão somente, uma justificativa, a posteriori, das
escolhas racionais feitas previamente pelo juiz.49 O juiz primeiro raciocina, depois decide e, por
fim, explica: julga-se para decidir, e então se justifica aquilo que se decidiu.50 A motivação da
sentença apresenta-se, portanto, como uma justificação das circunstâncias fáticas e jurídicas que
determinaram as razões de decidir.51 O que se tem é um “discurso justificativo da decisão”.52

Cabe, agora, analisar detalhadamente cada um desses contextos, sob o enfoque jurídico e
epistemológico, estabelecendo, assim, o tão necessário diálogo para a construção de um modelo de
epistemologia judiciária.

3.3.Contexto da investigação

O contexto da descoberta é destinado, sinteticamente, à formulação de hipóteses prévias, com


potencial explicativo de um determinado acontecimento, com base em alguns dados disponíveis. É
exatamente o que necessita o investigador, diante da notícia da ocorrência de um fato que se lhe
afigura criminoso e dos elementos iniciais disponíveis, como o cadáver, os indícios deixados na
cena do crime, o depoimento de uma testemunha etc.

Muitas vezes, contudo, os fatos que se oferecem inicialmente, por exemplo, na cena do crime,
são insuficientes para uma hipótese explicativa definitiva, que será posteriormente introduzida no
processo ao se formular a acusação.53 A primeira hipótese tem um caráter de generalidade e
provisoriedade, sendo empregada para produzir outros âmbitos de investigação, sendo
posteriormente substituída por uma hipótese mais específica.54

Principalmente para a formulação da hipótese inicial, mas também na elaboração de novas


hipóteses, quando a anterior é afastada, a investigação criminal envolve uma grande dose de
atividade imaginativa.55 Há, também, grande liberdade na seleção dos dados empíricos a serem
considerados.56 Tal mister terá influência da bagagem cultural do investigador,57 de seu
conhecimento acumulado em experiências anteriores,58 até mesmo seus preconceitos, na acepção
legítima da palavra e, por que não, de alguma dose de sorte, entre outros fatores.59 Não é por outra
razão que, ao se buscar exemplos sobre o método abdutivo, de grande utilidade na formulação de
hipóteses explicativas, sempre são lembradas passagens do célebre investigador Sherlock
Holmes.60

Diante desse conjunto de dados iniciais, é elaborada a hipótese preliminar que explica o fato
desconhecido. O investigador terá, então, que procurar elementos de informação que confirmem
tal hipótese. Com a recolha de tais elementos, a hipótese poderá ser confirmada. Por outro lado, se
encontrados elementos incompatíveis, um investigador honesto terá que descartar a hipótese
preliminar e formular uma nova hipótese alternativa.61

Na persecução penal, o “contexto da investigação” é semelhante ao “contexto da descoberta” da


filosofia da ciência. Investigador e cientista se valem da inferência abdutiva.62

Importante destacar, desde logo, que o contexto da investigação, com uma metodologia
abdutiva, é o modelo adequado para descrever as atividades do investigador, durante o inquérito
policial, mas não do juiz, no momento de sentenciar. Isso porque o percurso do raciocínio
abdutivo se caracteriza por operações seletivas, que inicialmente condicionam o resultado.63 O juiz
deve ser imparcial, como condição necessária para valorar a prova e chegar ao conhecimento
verdadeiro dos fatos. E quem investiga, exatamente por formular a hipótese explicativa,
compromete-se com a mesma e deixa de ter uma posição neutra quanto à sua confirmação ou
refutação. Não há prejuízo que, para o investigador, haja um “primado das hipóteses sobre os
fatos”. Mas isso não cabe ao julgador, que deve ser imparcial e, portanto, não pode estar
comprometido com uma hipótese por ele eleita a priori.64 Por isso é que há uma repartição de
funções: quem julga não pode investigar, quem somente investiga, sem julgar, não tem os mesmos
obstáculos que o juiz.

O investigador, diante de um fato tido por criminoso, deve elaborar uma hipótese explicativa
para tal fato, mesmo que seja um acontecimento insólito ou invulgar. Ao formulá-la, por meio de
raciocínio abdutivo, ele se compromete psicologicamente com a hipótese por ele inventada. Isso
porque, diante dos dados disponíveis, somados a sua experiência e criatividade em os interpretar,
aquela foi considerada a melhor explicação dos fatos. Isso envolve sua própria pré-compreensão
dos fatos, pois não se pode compreender sem pré-compreender, isto é, orientar-se por uma
hipótese inicial é uma espécie de representação antecipada do resultado.65 Logo, quem formula a
hipótese o faz propondo a explicação que lhe considera a preferível. Posteriormente, terá que a
confirmar, mediante indução. Para tanto, sairá em busca de elementos que a corrobore,
mostrando o acerto de sua formulação. Em caso positivo, a hipótese explicativa estará corroborada
em algum grau. Todavia, se encontrar elementos que infirmem a hipótese inicial, o investigador
honesto deverá abandoná-la,66 formulando uma nova hipótese que seja apta a explicar os fatos,
diante dos novos elementos disponíveis.67

Um bom exemplo é a hipótese do estupro, seguido de assassinado, do famoso conto “Dentro do


bosque”, de Akutagawa,68 em que há uma sequência de depoimentos, que assim podem ser
resumidos:

Iniciada uma investigação, o comissário de polícia toma o depoimento de um lenhador, que


afirma ter encontrado o cadáver quando foi cortar lenha, pela manhã, como de costume, dentro do
bosque, no sopé da montanha, num lugar ermo. E diz: “O cadáver estava deitado de costas, vestia
um quimono de seda azul e trazia um chapéu pregueado à moda da Capital. Via-se um só golpe de
espada, mas, como era muito profundo, e estava bem no meio do peito, as folhas secas de bambu
ao redor do cadáver pareciam tingidas de vermelho”.

Acrescentou que não viu a espada nem cavalo; “só um pedação de corda jogado ao pé do
cedro”; “além da corda havia um pente”. Por fim, ainda disse: “como as plantas e as folhas de
bambu caídas ao redor do cadáver estavam muito pisadas, não havia dúvida de que o homem
antes de ser assassinado, resistiu bravamente”.

Num segundo momento, presta depoimento um monge budista, que disse: “Tenho certeza de
que ontem vi este homem cujo cadáver os senhores encontraram hoje. Ontem, por volta do meio-
dia, creio eu. Foi a meio caminho entre Sekiyama e Yamashina. Ele vinha a pé no rumo de
Sekiyama, acompanhado de uma mulher a cavalo. Não pude ver o resto dela, pois seu chapéu era
provido de um longo véu. Tudo que pude divisar foi a cor de suas vestes: púrpura sobre azul”.
Além disso, narrou que o cavalo parecia ser um alazão, com crina aparada; o homem, além da
espada, também portava arco e flecha, “cerca de vinte flechas em sua aljava laqueada de preto”.

Segue, então, um terceiro depoimento, do policial que prendeu o conhecido ladrão Tajômaru,
na ponte de pedra de Awataguchi, informando que achava que ele tinha caído do cavalo, pois
estava gemendo de dor no momento da prisão.

Ao Alto Comissário, indagado sobre o horário da prisão, o policial informou: “foi logo no
começo da noite. Dias atrás, quando tentei prendê-lo, mas não consegui, ele vestia a mesma roupa
azul-escuro e trazia a mesma espada ornada de detalhes metálicos. Como o senhor agora bem
pode ver, também portava arco e flechas.

É mesmo? Aquele homem também possuía arco e flechas antes de ser morto? Então não há
dúvidas de que o assassino é Tajômaru. Arco revestido de couro, aljava laqueada de preto,
dezesseis flechas com penas de falcão... Tudo, então, deve pertencer àquele homem!

Sim, como diz o senhor, o cavalo também é um alazão com a crina aparada. O ladrão deve ter
sido derrubado pelo animal por castigo divino. O cavalo pastava pouco adiante da ponte, a rédea
comprida arrastando no chão. Esse tal de Tajômaru, de todos os ladrões que rondam a Capital, é o
que mais persegue mulheres”.

Analisando os três depoimentos, embora haja pontos não contraditórios, há um aspecto não
esclarecido: o paradeiro da mulher do samurai. Por outro lado, há uma contradição irrelevante
sobre o número de flechas. e, principalmente, sobre a espada. Se o monge budista viu o samurai
com sua espada, no dia anterior ao encontro de seu cadáver, o policial não poderia ter visto o
ladrão com a mesma espada “ornada de detalhes metálicos”, “dias atrás”, quando não consegui o
prender. Talvez essa divergência não fosse suficiente para abandonar a hipótese de que Tajômaru
fosse o assassino, mas certamente era necessário obter novas provas.

O novo dado probatório é o “depoimento de uma velha”, em verdade, a sogra do samurai, que
reconheceu seu corpo, dizendo: “aquele é o cadáver do homem com quem casei a minha filha”.
Além disso, dá outras informações: o samurai Takehiro tinha 26 anos e era muito gentil. Sua filha,
Masago, tinha 19 anos e “sua personalidade é tão forte como a de qualquer homem; no entanto, até
agora sempre foi fiel a Takehiro”. Por fim, lamentando a infelicidade do ocorrido, conta que
“Takehiro partiu ontem para Wakasa em companhia de minha filha”.

O depoimento confirma, em parte, o depoimento do monge que vira o casal na estrada.

Segue-se, então, a “confissão de Tajômaru”. O ladrão que confessa tanto prática sexual com a
mulher quanto o assassinato do seu marido. Afirma, contudo, que não o queria matar, mas apenas
possuir a sua esposa, sendo que o assassinato se dera em decorrência de um duelo entre ambos.
Antes, porém, informou que encontrou o casal na estrada de Yamashina. Desejando possuir a
mulher, mas não o podendo fazer na estrada, valeu-se de falsas histórias, convencendo o casal a
entrar no bosque. Longe da estrada, primeiro, derrubou e dominou Takehiro, tomou-lhe a espada
e o amarrou ao pé de um cedro. Depois de lutar contra a esposa Masago, que, inclusive, sacou de
um punhal que trazia consigo, finalmente Takehiro “conseguiu possuir a mulher sem tirar a vida
do homem”. Segue, então, na sua narrativa: “quando eu já ia deixando o bosque, deixando atrás a
mulher em prantos, de repente ela agarrou-me o braço, desesperada. Com gritos entrecortados de
soluços, ela dizia: ‘Morra você ou o meu marido, morra um dos dois; expor a própria desonra a
dois homens é pior que a morte!’ E dizia ainda, ofegante, que se uniria àquele que sobrevivesse”.

Tajômaru disse que lhe tomou um violento desejo de matar Takehiro mas, para não o fazer de
forma injusta, o soltou e lutaram de igual para igual, sendo que: “minha espada lhe atravessou o
peito no vigésimo terceiro golpe”, matando-o. Sobre a mulher, informou que, ao fim da luta, ela
tinha desaparecido por entre os cedros, não tendo mais a visto. Por fim, diz que fora para a Capital,
antes se livrando da espada.

Analisando a última informação, surge outra contradição relevante sobre a espada do samurai
assassinado. Se Tajômaru se livrara da espada de Takehiro, não seria possível que o policial o
tivesse encontrado “com a mesma espada do samurai e que teria visto dias antes com o próprio
ladrão”. Todavia, poderia ser que ambos tivessem espadas semelhantes e isso levasse à confusão
do policial.

Eis que, então, Masago, a esposa estuprada, é encontrada no Templo Kiyomizu. Ela identifica
Tajômaru como seu estuprador, dizendo que, depois de ser possuída na presença de Takehiro, que
tudo viu amarrado ao cedro, pode imaginar como seu “marido deve ter se sentido humilhado!”.
Acrescentou que, após o estuprador partir, pôde perceber nos olhos do marido “um brilho muito
estranho. Realmente estranho [...] No fundo daquele desprezo gélido, havia também ódio.
Vergonha? Tristeza? Raiva?” Procurando interpretar o significado dos olhares do marido
amarrado, ela compreendeu seus sentimentos e disse ao marido: “deixe-me tomar agora a sua
vida. E o acompanharei imediatamente”. Então Takehiro, “com a mesma expressão de desprezo,
balbuciou apenas uma palavra: ‘Mate-me!’”. Masago cravou-lhe o punhal no peito, “atravessando o
quimono de seda azul”. Mas não conseguiu dar fim à própria vida. Então, foi encontrada no
templo Kiyomizu.

A informação de que a morte fora causada com um punhal, e não com uma espada de samurai,
seria suficiente para abandonar a hipótese inicial. Todavia, seria necessário verificar a
compatibilidade do ferimento no corpo da vítima, com um ou outro tipo de instrumento perfuro-
cortante. Se uma perícia comprovasse a compatibilidade do ferimento com um punhal, estaria
descartada a hipótese do policial corroborada pela confissão de Tojâmuru. Caso contrário, se o
ferimento tivesse sido causado por uma espada, a confissão de Masago seria falsa.

Antes disso, porém, no conto de Akitagawa, surger uma nova e decisiva prova, a afastar aquela
hipótese. O morto, por meio de uma intervenção mediúnica, dá sua versão dos fatos: “Após
violentar minha mulher, o assaltante, sentando-se ali mesmo, pôs-se a confortá-la de várias formas
[...] Naturalmente, eu não podia falar [...] Entretanto, lancei lhe várias vezes uns sinais com os
olhos. ’Não acredite nas palavras dele. Tudo que ele disser será mentira’. Era isso o que eu lhe
queria transmitir. [...] E não é que ela parecia estar absorvendo as palavras do ladrão? Eu me
contorcia de ciúmes. Mas o ladrão continuava a conversa, com muita habilidade, passando de um
argumento ao outro. Chegou até fazer essa proposta atrevida: [...] Em vez de continuar com seu
marido, que tal ser minha esposa? Toda minha ousadia nasceu do amor que você me inspirou.’ Ao
ouvir aquelas palavras, minha esposa ergueu a cabeça, extasiada. Nunca vi minha mulher tão bela
como naquele instante! Mas o que minha linda esposa respondeu ao ladrão, diante de mim ainda
amarrado? [...] Então leve-me para onde você for”.

E segue o espírito do samurai morto, a contar o ocorrido, informando que, quando saíam do
bosque, Masago apontou para o marido, ainda amarrado, e pediu a Tajômaru que o matasse:
“Mate este homem! Se ele continuar vivo, não poderei viver como você!” Diante de tão inesperado
pedido, o ladrão repeliu a mulher, jogando-a ao chão; e dirigindo-se ao marido, perguntou: “O que
quer que eu faça com ela? Mato-a ou deixo-a ir?”. Diante da hesitação de Takehiro, Masago fugiu,
embrenhando-se pela floresta e não foi mais alcançada. O espírito do samurai ainda informou que:
“Depois da fuga de minha esposa, o ladrão apanhou minha espada, arco e flechas e cortou um
ponto apenas da corda que me amarrava”. Takehiro, depois de se livrar da corda narrou, sempre
por meio do espírito, o final da história: “Levantei o corpo exausto, com dificuldade. À minha
frente, brilhava o punhal que minha esposa deixara cair. Tomando-o nas mãos, cravei-o de um só
golpe no peito. Não sentia, entretanto, dor alguma [...] Senti-me tomado por um profundo silêncio.
Nesse momento, ouvi passos furtivos de alguém se aproximando. Tentei ver quem era. Mas a
escuridão já me envolvia. Alguém – esse alguém com uma mão invisível, retirou cuidadosamente o
punhal do meu peito. [...] Depois disso, mergulhei na escuridão eterna do limbo [...]”.

Tomando as informações do espírito mediúnico como se fosse de uma insuspeita testemunha


presencial, as hipóteses anteriores, tanto de que Takehiro fora morto por um golpe da espada do
ladrão Tajômaru, quanto de que fora assassinado por sua esposa Masago, que lhe cravou o punhal
no peito, deveriam ser abandonadas.

Voltando ao tema do raciocínio empregado na persecução penal, conclui-se que raciocínio


abdutivo é adequado ao contexto do descobrimento69 e, no caso, da fase de investigação
preliminar. Há a formulação de hipóteses explicativas, até que reste apenas uma hipótese ou, se
restar mais de uma, será escolhida a mais provável.70 A abdução constitui a primeira parte do
processo lógico e cognoscitivo, de reconstrução dos fatos sobre os quais se realizará o julgamento,
mas por outro lado, não lhe corresponde um papel relevante no contexto da justificação, em que a
hipótese explicativa terá que ser colocada à prova, avaliada de modo a que possa ser constatada a
sua veracidade ou falsidade.71

Por outro lado, se é correto identificar o contexto da descoberta, oriundo da filosofia da ciência,
com o contexto da investigação, inserido na persecução penal, é importante ressaltar que tal
modelo é aceitável para o investigador, mas não para o julgador, que para manter a sua
imparcialidade, não pode raciocinar criando hipótese. Seu papel é outro. Com a formulação da
acusação, a “hipótese explicativa” obtida no contexto da investigação se transforma, por ato do
acusador, na “tese a ser demonstrada”.72 Caberá ao juiz, no processo, controlar tese acusatória,
mediante a produção de provas, que depois serão valoradas, para que se verifique se tal enunciado
fático pode ser considerado provado.

3.4.Contexto da instrução judicial

O contexto da instrução judicial é o momento em que a tese acusatória, como tese a ser
demonstrada, será submetida ao controle judicial, mediante as provas produzidas.

Como já exposto, essa tese poderá ser simplesmente negada pela defesa, caso em que seu
interesse será produzir provas no sentido da não ocorrência de tais fatos. A defesa também poderá
buscar apenas enfraquecer as provas produzidas pela acusação, buscando “invalidá-las”.

A tese acusatória também poderá ser aceita parcialmente pelo acusado que, contudo, agrega
novos fatos, p. ex.: que agira em legítima defesa. E tal situação a defesa terá interesse em, ao
menos, mostrar a plausibilidade concreta da ocorrência de tal fato. A defesa também poderá
fornecer uma hipótese alternativa, por exemplo, de que praticou uma infração penal diversa e
menos grave.

Tudo esse enfrentamento de versões, com confrontação de hipóteses é viabilizado no processo


e, principalmente, na instrução, pelo contraditório.

O contraditório possui um inegável valor heurístico, possibilitando o funcionamento de uma


estrutura dialética, em que há formulação de tese e verificação de hipóteses contrárias, produção
de prova e possibilidade de contraprova.73 Mais do que uma escolha de política processual, o
método dialético é uma garantia epistemológica na busca da verdade.74 As opiniões contrapostas
dos litigantes ampliam os limites do conhecimento do juiz sobre os fatos relevantes para a decisão
e diminuem a possibilidade de erros.75

Abandonada a crença epistemologicamente ingênua da possibilidade do atingimento da


verdade, não há qualquer justificativa para se defender poderes probatórios ilimitados do juiz na
atividade probatória. Como bem pontua Nappi, o processo inquisitório se funda num pressuposto
de autossuficiência metodológica do juiz-acusador, que pode pesquisar e atingir solipsisticamente
a verdade absoluta, a todos oponível.76 Num processo de partes, com direito à prova, e cuja
instrução se desenvolve em contraditório, a verdade deverá ser buscada com base no “princípio da
divisão do conhecimento, que representa condição indispensável para obtenção de uma verdade
eticamente válida”.77

Embora o contraditório seja uma exigência legal para a produção de provas a serem valoradas
pelo juiz, trata-se, também, de um método com inegável importância epistêmica. Segundo Popper
“exatamente porque nosso objetivo é o de formular teorias tão perfeitas quanto possível, devemos
submetê-las a testes tão severos quanto possível, ou seja, devemos tentar identificar erros que
nelas se contenham, devemos tentar falseá-las. [...] Com efeito, se não formos críticos, sempre
encontraremos aquilo que desejamos: buscaremos e encontraremos confirmações, e não
procuraremos nem veremos o que possa mostrar-se ameaçador para as teorias que nos
agradam”.78

O contexto da instrução, no campo processual, pode ser dividido, de acordo com a dinâmica
probatória, em momentos de admissão e de produção da prova.

3.4.1.As regras legais de admissibilidade probatória e seus reflexos epistêmicos

Do ponto de vista epistêmico, é um tanto quanto óbvio afirmar que quando se busca acertar a
verdade de um enunciado fático, deve poder-se utilizar todas as informações úteis para tal
finalidade. Trata-se da aplicação do total evidence principle.79

Jeremy Bentham já advertia que a prova é a base da justiça e, “excluir a prova é excluir a
justiça”!80 Portanto, nessa visão mais radical, a ideia de que possam existir regras legais de
exclusão probatórias é inaceitável do ponto de vista epistemológico. Em tempos não tão distantes,
Sentís Melendo alertava que falar em “direito” e “probatório” é utilizar um substantivo e um
adjetivo antagônicos.81 Numa visão benthamiana, defendia que “a prova é liberdade; e no
momento em que o direito pretende submetê-la a normas rígidas, deixa de ser prova, para se
converter, senão numa caricatura, em algo que já não é prova”.82

Portanto, um regime legal de prova que fosse guiado por um ideal puramente epistémico, ou
seja, que tivesse na descoberta da verdade o seu fim primeiro e último, deveria admitir a produção
de todo e qualquer meio de prova. Quando muito, poderia incorporar, como decorrência da regra
lógica segundo a qual toda prova relevante deve ser admitida, aquela que seria o seu reflexo
negativo: somente são inadmissíveis as provas irrelevantes.
Isso, contudo, não acontece na prática. Em maior ou menor medida, todos os sistemas
processuais admitem regras legais de exclusão de provas, seja impedindo a sua produção, seja
determinando a sua inadmissibilidade, com a impossibilidade de valorar a prova, caso tenha sido
produzida. Nenhum processo é apenas um instrumento epistêmico. Por mais que a descoberta da
verdade seja relevante, como condição necessária para a justiça da decisão, a verdade não é um
valor que deve ser perseguido a qualquer custo ou a qualquer preço. A lei, ao disciplinar a
atividade de admissão da prova, leva em conta outros valores que, em determinados casos,
justificam que a existência de limites de admissão, ou, no caso, regras de inadmissibilidade
probatórias.

Logo, o “direito à prova”, que fundamenta os requerimentos de produção de provas feitos pelas
partes, não lhes assegura o “direito à admissão de todas as provas”.83 Aceita-se, assim, que a lei
estabeleça hipóteses de exclusão probatória, tornando inadmissível a utilização de elementos de
prova aptos a servir de fundamento para a reconstrução dos fatos.

O grande problema das regras de exclusão probatória é, como aponta Taruffo, resolver o
paradoxo de normas que parecem endereçadas a realizar uma finalidade epistêmica mas, em
realidade, são contraproducentes para a busca da verdade, impedindo a utilização de informações
úteis.84 Por isso, muitos autores consideram-nas limites antiepistêmicos, ao impedir o ingresso e
valoração de elementos relevantes para o convencimento judicial.85

Nos países de common law, é comum a distinção entre exclusionary rules fundadas em extrinsic
policies, e em intrinsic policies.86 As exclusionary rules of extrinsic policy são regras que afastam
elementos dotados de valor probatório, para salvaguardar outros valores não conexos com a busca
da verdade; as exclusionary rules of intrinsic policy são entendidas como “as regras de exclusão de
provas ditadas pelo interesse de uma correta apuração da verdade”. De forma semelhante, na
doutrina nacional, Antonio Magalhães Gomes Filho afirma que os limites à admissibilidade da
prova podem ter fundamentos extraprocessuais (políticos) ou processuais (lógicos e
epistemológicos).87

Esse conjunto de regras legais, que estabelecem limites lógicos, políticos e epistemológicos
serão analisados sob a ótica de sua repercussão epistêmica. Quais regras de exclusão devem ser
aceitas e quais não tem justificativa, à luz da epistemologia judiciária, regras legais de exclusões
probatórias fundadas nesta última classificação.

3.4.1.1.As regras legais de exclusões probatórias fundadas em limites lógicos

A regra de que toda prova relevante deve ser admitida é inegavelmente um princípio
epistemológico, na medida em que objetiva dotar o processo do conjunto mais amplo de elementos
para uma correta reconstrução histórica dos fatos.

Porém, considerado sob um enfoque negativo, de exclusão de toda a prova que não seja
relevante, o princípio de exclusão pode ser tratado como um limite lógico à admissibilidade da
prova. Assim, as regras legais que determinam a não admissão de provas impertinentes e
irrelevantes representam um limite lógico da produção da prova.88

O Código de Processo Penal, com a reforma de 2008, passou a ter uma regra geral sobre limites
lógicos, no § 1º do artigo 400: “As provas serão produzidas numa só audiência, podendo o juiz
indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias”.89 Todavia, não há consenso
na interpretação das noções de pertinência e de relevância. Nem mesmo essa dicotomia é
tranquila.90

Na doutrina processual penal, o tema tem sido praticamente ignorado. Frederico Marques lhe
dedicou três parágrafos: “objeto da prova in concreto são os fatos relevantes para a decisão do
litígio. Donde excluir-se, no procedimento instrutório, toda prova impertinente ou irrelevante.
Fatos que não pertençam ao litígio e que relação alguma apresentem com o objeto da acusação,
consideram-se fatos sem pertinência, e que, portanto, devem ser excluídos do âmbito da prova in
concreto. Inadmissíveis também são, como objeto de prova, os fatos que não influírem sobre a
decisão da causa, embora a elas se refiram”.91

O tema permaneceu esquecido, sendo retomado, sob outra perspectiva, por Antonio Magalhães
Gomes Filho que, com base na doutrina norte-americana, propõe a distinção entre pertinência e
relevância, a partir dos critérios de materiality e relevancy: a prova é pertinente quando há
conexão entre o meio de prova requerido e os fatos controvertidos; é relevante quando tem a
aptidão para estabelecer a existência ou inexistência, a verdade ou falsidade, de um outro fato,
através do qual é possível realizar uma inferência lógica do fato principal.92

Indo à origem desta última distinção, nos países de common law, os critérios lógicos de
admissibilidade da prova estão ligados às noções de materiality e relevancy. O conceito de
materiality refere-se à relação ou conexão entre o que pode ser demonstrado pelo meio de prova e
o fato principal a ser provado.93 A noção de materiality refere-se, no plano lógico e abstrato da
pertinência entre o fato que se pretende provar e o fato principal. Já o conceito de relevancy diz
respeito à aptidão do meio de prova para demonstrar a existência ou inexistência de um fato,
através do qual seja possível realizar uma inferência sobre o fato principal. Trata-se da relação
entre um fato secundário – em relação ao q}ual, por inferência se poderá chegar ao fato principal –
e aquilo que pode ser demonstrado pelo meio de prova.94 Há, pois, uma relevância lógica do fato
que se pretende provar, com vista à inferência do fato principal.95 Nenhum dos dois conceitos têm
qualquer relação com a maior ou menor idoneidade ou aptidão probatória do meio requerido.

Nos Estados Unidos, nas Federal Rules of Evidence, a rule 401 define o test for relevance evidence,
estabelecendo que uma prova é relevante: “(a) se tem alguma tendência a tornar um fato mais ou
menos provável do que seria sem a evidência; e (b) o fato é importante na determinação da ação”.
Por outro lado, segundo a rule 402, toda prova relevante deve ser admitida, salvo se houver
previsão em contrário na Constituição, em lei federal ou em outra regra estabelecida pela Suprema
Corte dos EUA.96

Na doutrina italiana, o tema também é objeto de análise. Para Taruffo, o critério para valorar a
relevância se divide em dois aspectos: o jurídico e o lógico. Um fato é juridicamente relevante
quando corresponde ao fato típico definido na regra jurídica,97 sendo este o facta probanda
fundamental; por outro lado, o fato é logicamente relevante quando, não constituindo o fato
principal da causa, pode ser usado como uma premissa, como um ponto de partida para uma
inferência que possa levar à conclusão sobre a verdade ou falsidade de um enunciado relativo ao
fato principal.98

Nessa linha, a relevância exige a formulação de juízos hipotéticos, sobre a relação entre a prova
e o fato: em relação à relevância jurídica, ou a relação do fato a ser provado com o fato jurídico
objeto do processo, é necessário considerar a eventualidade de a prova ter um êxito positivo; no
caso de relevância lógica, quando a prova verte não sobre o fato principal, mas sobre um
secundário, é necessário, ainda, formular um segundo juízo hipotético: considerar que,
demonstrada a hipótese de que o fato secundário seja considerado provado, ele constituirá a
premissa de uma possível inferência99 sobre o fato principal.100

No campo processual penal, os conceitos de pertinência e relevância têm sido tratados pela
doutrina italiana em conjunto com a noção de verossimilhança. Não havendo plena concordância
no emprego de tais termos, de um modo geral, a relevância diz respeito à enunciação de um fato
que será objeto do meio de prova, que deve ser dotado de verossimilhança e pertinência. Esse fato
enunciado, que se pretende provar deve ser um fato verossímil, isto é, verificável com base nos
aparatos de conhecimento disponíveis graças às leis da lógica ou da ciência.101 Já a pertinência
significa que o fato objeto da prova, em caso de resultado positivo do meio de prova, terá
influência sobre a decisão. Nos casos em que, qualquer que seja o resultado da operação
probatória, ele não terá influência na decisão, a prova não deve ser admitida. Em ambos os casos,
isto é, tanto no juízo de verossimilhança quanto no de pertinência, não é necessário um
prognóstico concreto do êxito ou a efetividade do meio de prova. Deve se considerar que, por
hipótese, os meios de prova gerem o resultado pretendido pela parte que o requereu e, a partir de
tal premissa, concluir se ele demonstraria positiva ou negativamente o fato principal (equivalente
ao conceito de materiality) ou o fato secundário (correspondente à ideia de relevancy).

Um elemento comum que se pode encontrar, em qualquer sistema que se analise, e


independentemente das variações terminológicas, é que o juízo de admissibilidade da prova exige
uma relação lógica entre o thema probandum e o tema que o meio de prova poderá demonstrar.
Isto é, o meio de prova deve ter a aptidão de demonstrar um fato que se relaciona com o thema
probandum, seja diretamente (materiality, no conceito anglo-americano), ou mesmo indiretamente
(relevancy, no conceito de common law),102 mas de forma a influenciar decisivamente no resultado
do processo (pertinência, na acepção dos países de civil law).103

Acrescente-se a observação de Damaska de que os conceitos de relevância da prova e o seu


valor são duas noções distintas, ainda que interligadas: o primeiro depende unicamente do
potencial cognoscitivo que a informação poderá trazer e o segundo depende da credibilidade do
meio de prova, seja ele oral ou real.104 O juízo sobre a relevância é realizado em abstrato e diz
respeito somente à relação entre o fato que se pretende provar e o fato alegado,105 prescindindo de
qualquer valoração prévia da prova.106

Há quem inclua entre os limites lógicos a não produção de prova supérflua, perante sua
evidente inutilidade.107 Não é possível concordar com tal posicionamento. A prova supérflua,
assim como a prova irrelevante, é uma prova inútil,108 mas, a razão de sua vedação não é lógica.109
A vedação da produção de meio de prova manifestamente supérflua decorre do princípio de
economia processual,110 na medida em que tais provas levariam a um resultado cognoscitivo já
produzido, ou que poderia ser obtido por meio diverso.111 Nesse caso, a elaboração da prova teria
custos consideráveis e não serviria para nada além de produzir uma prova cujo conteúdo já foi
amplamente constatado por outros meios de prova já produzidos.112 Não se trata de um critério
originário de inadmissão da prova, passível de ser aferido antes da realização de qualquer meio de
prova, isto é, antes mesmo do início da instrução.

A inadmissibilidade da prova supérflua é um critério duplamente subsidiário. Primeiro, porque


só deve ser considerado, depois de um juízo positivo de pertinência e relevância sobre o próprio
meio de prova que se reputa supérfluo.113 Segundo, por se tratar de um fator de exclusão que
operará já no curso da instrução, depois de haver alguma atividade probatória já realizada.

Em suma, a prova supérflua não se confunde com a prova irrelevante lato sensu, embora
ambas sejam provas inúteis. A prova supérflua é aquela que tem o mesmo objeto de outra prova já
produzida no processo.114 A prova impertinente e a irrelevante são provas que têm por objeto
fatos que não integram o fato jurídico imputado e que constitui a regiudicanda, nem fatos
secundários que permitam inferir o fato imputado. No primeiro caso, há relação entre os objetos
da prova, no segundo, entre objeto da prova com objeto do processo.

Diante de todo o exposto, é possível concluir que os critérios de admissibilidade da prova


baseados em fundamentos lógicos devem se referir apenas às situações que independam de
qualquer verificação concreta do resultado da prova. Os limites lógicos estão ligados à relação
abstrata entre o fato objeto da prova que se requer, de um lado, e o fato objeto do processo, de
outro. Os limites lógicos não devem envolver juízos valorativos sobre o concreto convencimento
judicial

É possível distinguir dois fenômenos ligados aos limites lógicos, podendo denominá-los de
pertinência e de relevância. Um meio de prova será pertinente, quando o enunciado de fato, que
por seu intermédio se pretende provar, corresponder a uma hipótese fática que integra a
imputação (fato jurídico ou principal) ou a defesa do acusado. Haverá uma relação lógica de
pertinência entre ambos: o factum probans dirá respeito ao fato imputado pelo autor ou ao fato
alegado na defesa. Por outro lado, o meio de prova será relevante quando o fato que se quer
provar, na hipótese de ser demonstrado pelo resultado probatório, permita inferir, com base no
que normalmente acontece, a ocorrência ou inocorrência de um aspecto fático da imputação. Ou
seja, o fato relevante será um fato secundário ou circunstancial. O indício é o clássico exemplo de
um fato secundário. Por exemplo, embora não demonstre quem foi o autor dos disparos mortais, é
relevante a prova de que alguém foi encontrado com a arma do crime logo após a sua ocorrência.
O fato caracterizador do álibi é outro fato relevante. O factum probandum é a autoria delitiva, mas
será relevante um meio de prova que tenha por objeto demonstrar que o acusado, no momento do
crime, encontrava-se em outro local, distante do crime, havendo uma impossibilidade lógica de ser
o autor do crime. Esse fato, que não tem por objeto direto a autoria delitiva, indiretamente, por
inferência, permite definir negativamente o fato principal.

De modo mais simples e sumário: fato pertinente é aquele, abstratamente, que tem por objeto o
fato principal ou jurídico; fato relevante é aquele que tem por objeto um fato secundário ou
circunstancial, que por inferência, se relaciona com o fato principal.

A análise da relevância deve ser fundada em mero juízo hipotético, de relação entre o fato que
se pretende provar com o meio requerido e o fato que constitui a imputação penal, ou a res in
iudicio deducta. É um julgamento ex ante, para definir a admissibilidade da prova com base nas
aquisições probatórias que hipoteticamente resultarão do meio requerido pela parte.115 O juiz não
deve admitir ou excluir um meio de prova em razão de uma valoração prognóstica sobre a
idoneidade ou inidoneidade do meio a demonstrar a existência ou inexistência dos fatos que se
pretende provar.116 O meio de prova requerido pela parte será relevante quando for
potencialmente apto a introduzir fatos representativos que possam determinar alguma escolha do
juiz, quando futuramente tiver que, de modo racional, decidir e justificar a escolha de uma
afirmação sobre aspectos fáticos que integram o fato principal ou fatos secundários.

Expostos os aspectos gerais dos limites lógicos de admissibilidade da prova, dois pontos
específicos ainda precisam ser analisados. O primeiro: a diferenciação de tais limites em relação às
provas pré-constituídas, de um lado, e constituendas, de outro. O segundo: se os limites lógicos
devem funcionar, preferencialmente, como regra de admissibilidade ou a inadmissibilidade da
prova.

Os limites lógicos de admissão da prova têm influências distintas conforme se trate de provas
pré-constituídas e nas provas constituendas. As provas constituendas, como aquelas decorrentes de
fontes de provas pessoais (vítimas, testemunhas e eventualmente o próprio acusado), têm sua
produção no curso do próprio processo, exigindo a realização de atividades processuais das partes
e do juiz, bem como demandando tempo para sua produção em contraditório. Já as provas pré-
constituídas, como os documentos, são simplesmente juntadas aos autos do processo, já tendo sido
criadas prévia e extra-autos. Justamente por isso, o juízo de relevância deve ser mais intenso nas
provas constituendas, pois eventual admissão de uma prova irrelevante causará desperdício de
tempo e atividade processual em intensidade muito maior. Já no que diz respeito à prova
documental, elas não são sujeitas a nenhuma seleção prévia, a partir de juízos lógicos, porque
como explicita Taruffo, “o critério de relevância serve apenas para evitar atividades processuais
inúteis e, portanto, não vale a pena aplicá-lo quando, sendo a prova pré-constituída, a sua
produção não implica atividade propriamente processual”.117

Aliás, nesse ponto, o próprio ordenamento jurídico diferencia o regime legal de admissão da
prova documental, dos demais meios de prova.118 Justamente por se tratar de prova pré-
constituída, é desnecessário um prévio juízo de admissibilidade considerando os critérios lógicos.
Não se perquire sobre a relevância ou a pertinência do documento. A prova documental é
diretamente produzida, isto é, juntada aos autos no ato em que, impropriamente “se requer a
juntada” de algo que já está juntado aos mesmos. No máximo, há um juízo a posteriori, em razão
de alegações de inadmissibilidade da prova documental, mas por critérios jurídicos, como tratar-se
de uma carta obtida por meios ilícitos. No regime do Código de Processo Penal, o art. 231 prevê que
as partes poderão apresentar documentos em qualquer fase do processo. Há, pois, ampla liberdade
probatória das partes para a juntada de documentos no processo.

O segundo ponto, aplicável a qualquer meio de prova, diz respeito ao modo como devem operar
os critérios de pertinência e relevância. As provas relevantes e pertinentes devem ser admitidas?
Ou, ao contrário, só se deve inadmitir provas impertinentes ou irrelevantes. As situações podem
parecer equivalentes, mas não são. Nos sistemas probatórios em que se assegure às partes um
verdadeiro direito à prova, os critérios de admissibilidade lógicos devem ser concebidos a partir
de um regime de inclusão: a regra é que os meios de prova requeridos pelas partes devem ser
admitidos. Somente haverá exclusão nos casos de manifesta irrelevância ou impertinência do
meio probatório requerido pelas partes. Inverter os sinais dessa premissa seria trabalhar com um
regime de exclusão: em regra não se admite a prova, salvo se a parte demonstrar que ela é
pertinente e relevante. Em um sistema com esse cariz, o direito à prova não passaria de uma falsa
promessa.

Além disso, para que se possa obter um conjunto probatório mais rico, com a finalidade de
conseguir a melhor reconstrução dos fatos, a regra deve ser a admissão de tudo o que é relevante!
Ou seja, quanto mais elementos, normalmente, melhor o acertamento dos fatos. Portanto, só deve
ser excluído o que não é relevante. Assim, não se exige que a parte demonstre que a prova é
relevante para ser admitida. As provas costumam ser relevantes. A lógica é ser admitida. A
exceção é ser irrelevante, e só quando não tenha relevância, não deve ser admitido o meio de
prova.

Para que o sistema funcione, com indicação de a quem incumbirá a função argumentativa, e se
ela deve ser positiva ou negativa quanto ao critério lógico, a regra legal – que incorpore aos
códigos a regra de ouro dos limites lógicos, que toda prova relevante deve ser admitida – deve ser:
“são inadmissíveis as provas manifestamente irrelevantes”.119 O emprego do advérbio
“manifestamente” assegura que os motivos lógicos de exclusão das provas somente justificarão o
indeferimento de produção do meio requerido em casos extremos, de evidente ausência de
conexão entre o fato a ser demonstrado pelo meio de prova requerido e o thema probandum.120 Os
códigos, explica Sentís Melendo, partem do pressuposto que, na dúvida, a prova deve ser
admitida.121

A dúvida sobre a pertinência ou a relevância da prova também poderá surgir quando o juiz
puder dar aos fatos uma qualificação jurídica diversa da que lhes atribuíram as partes. Sendo
cabível o iura novit curia, a manifesta irrelevância da prova poderá variar conforme seja resolvido
num ou noutro sentido a subsunção dos fatos à norma. Por exemplo, para o crime de estelionato, a
produção de um meio destinado a demonstrar a fraude para o desapossamento é pertinente. Já se
os fatos forem qualificados como apropriação indébita, a pertinência estará na comprovação de
que, previamente, quem se apropriou do bem, já tinha a posse dele. A dúvida sobre a relevância
ou pertinência, em razão da possibilidade de alteração da qualificação jurídica dos fatos, deve ser
resolvida em favor da admissão da prova.122

Em suma, do ponto de vista dos limites lógicos de admissão da prova, não cabe à parte que
requereu o meio de prova demonstrar sua pertinência e relevância. O juiz é que poderá,
constatando a manifesta impertinência ou irrelevância da prova, indeferi-la. Repita-se, a regra é a
admissão, a exceção é a não admissão. Ou seja, somente na hipótese em que o juiz estiver convicto
da irrelevância da prova do fato, ou de que o tema de prova é impertinente, deverá indeferir a
diligência requerida pela parte.123 No caso de dúvida, a prova deve ser aceita, valorando-se
posteriormente sua atendibilidade ou não no momento da sentença.124

Os limites lógicos de admissibilidade da prova cumprem funções jurídicas e epistemológicas,


permitindo a obtenção, na máxima medida possível, de material útil para a realização do juízo de
fato. Por outro lado, é preciso estar atento à má prática judicial de inverter os sinais e,
comodamente, inadmitir a produção de provas porque a parte não demonstrou que o meio de
prova requerido é relevante. Um modelo de direito à prova forte, deve ser “inclusionista”, em que
a regra seja admitir a prova, permitindo-se que ela seja produzida.125 Assim, somente quando no
meio de prova requerido for manifestamente impertinente ou irrelevante, a prova deve ser
indeferida.

3.4.1.2.As regras legais de exclusões probatórias fundadas em limites políticos

Os limites extraprocessuais ou políticos de admissão da prova, que na doutrina norte-


americana é considerada uma exclusionary rule byextrinsic policies, são considerados, pela
doutrina brasileira, como caso de prova ilícita.
No que diz respeito aos limites políticos e a inadmissibilidade de provas ilícitas é, claramente,
uma regra antiepistêmica. Se um meio de prova é relevante, mas não é admitido por violar um
direito constitucional ou liberdade pública, o material probatório – lícito – a ser valorado será mais
pobre do que aquele seria epistemologicamente possível. Por exemplo, tendo sido realizado um
“grampo telefônico” não autorizado judicialmente, mas que tenha gravado uma conversa de dois
investigados, essa prova pode ser decisiva para a descoberta da verdade, mas não será aceita no
processo.

Trata-se do difícil equilíbrio para se conseguir a realização simultânea das três condições
necessárias para uma decisão justa: um correto juízo de fato, um correto juízo de direito e respeito
ao devido processo legal. Bons fatos, boa norma e bom processo. Consequentemente, três fins
institucionais que devem ser respeitados, embora possam ser colidentes: a descoberta da verdade
dos fatos; a correta interpretação da lei; e o respeito ao fair trail.

A exclusão de uma prova ilícita, com potencial cognitivo, cria uma grande dificuldade ao
atingimento do objetivo de uma correta reconstrução histórica dos fatos. Não se está, contudo,
inviabilizando tal escopo, na medida em que outras provas poderão ser produzidas para
demonstrar o mesmo fato que era o conteúdo daquela prova inadmitida. Por outro lado, e
continuando no exemplo anterior, uma interceptação telefônica não autorizada afronta a regra
que exige decisão judicial para afastar a inviolabilidade das comunicações telefônicas. Essa prova
será ilícita e sua utilização pelo juiz comprometerá irremediavelmente o devido processo legal.126
Se o objetivo do processo é uma decisão justa, assim não o será aquela proferida com base em uma
reconstrução histórica inverídica dos fatos, mas também haverá injustiça se o processo não se
desenvolver segundo os cânones constitucionais e legais.

Sob a ótica do direito constitucional, em um Estado de Direito, o conceito de verdade buscada


no processo penal encontra limites, o que não é algo a se lamentar, mas, ao contrário, para
comemorar, por significar que esse é um Estado legítimo, que restringe o seu próprio instrumento
do poder punitivo para reconhecer direitos que são fundamentais aos seus cidadãos.127 O que se
deve buscar é estabelecer uma relação equilibrada entre o interesse na obtenção da verdade e a
dignidade dos investigados e acusados.

O primeiro problema é definir o que deve ser considerado como prova ilícita. Normalmente, os
ordenamentos jurídicos não contêm um catálogo com fatos violadores de dispositivos legais que
caracterizam essa prova vedada por fundamentos políticos, e que não serão admissíveis nos
processos. Há referências a categorias jurídicas como “prova ilícita”, “prova ilegítima”, “prova
vetada”, e em alguns casos, a essa previsão se agrega como consequência uma sanção processual,
no caso, a nulidade de tais provas ou sua inadmissibilidade no processo.

Todavia, a definição de que espécies de violação à Constituição ou à lei caracterizarão uma


“prova ilícita” é objeto de divergências. Nos casos concretos, mesmo reconhecendo que houve um
desrespeito à lei, muitas vezes há discussões sobre se tal desconformidade legal caracteriza ou não
uma “prova ilícita”. Evidente que há graus distintos de ilegalidade, conforme o conteúdo e a
natureza do preceito legal violado. Além disso, não há uma concordância total sobre quais valores
legalmente tutelados, se forem violados, implicarão a exclusão da prova por razões políticas ou
externas ao acertamento da verdade.

O primeiro passo é identificar se, embora não havendo uma definição unitária de prova ilícita,
haveria ao menos um denominador comum nos diferentes conceitos, sobre o que caracteriza uma
ilicitude probatória.

Em obra pioneira na doutrina nacional, Ada Pellegrini Grinover formulou o conceito que se
tornaria clássico, com ampla aceitação na jurisprudência pátria: “Para evitar confusões
terminológicas e conceituais, utilizaremos a linguagem de Nuvolone: a prova será ilegal toda vez
que caracterizar violação de normas legais ou princípios gerais do ordenamento, de natureza
processual ou material. Quando a proibição for colocada por uma lei processual, a prova (rectius, o
meio de prova) será ilegítima (ou ilegitimamente produzida); quando, pelo contrário, a proibição
for de natureza material, a prova será ilícita (rectius à fonte de prova será ilicitamente colhida).
Será nesse sentido mais restrito que nos referiremos à ‘provas ilícitas’”.128

E, a partir de tais premissas, formula o seguinte conceito: “Por prova ilícita, em sentido estrito,
indicaremos, portanto, a fonte de prova colhida infringindo-se normas ou princípios colocados
pela Constituição e pelas leis, frequentemente para proteção de liberdades públicas e
especialmente direitos da personalidade e daquela sua manifestação que é o direito à
intimidade”.129

A conceituação proposta parte da existência de um gênero, das provas ilegais, que podem ser
definidas como as provas contrárias à lei. Tal gênero, por sua vez, divide-se em duas espécies:
provas ilegítimas e provas ilícitas. As provas ilegítimas são aquelas produzidas com a violação de
normas processuais (p. ex.: oitiva de uma testemunha, sem dar às partes o direito de reperguntas).
As provas ilícitas são obtidas com a violação de normas de direito material ou de garantias
constitucionais, para proteção das liberdades públicas e dos direitos da personalidade. Por
exemplo, são provas ilícitas aquelas obtidas mediante tortura ou maus-tratos, as colhidas com
infringência à intimidade, ou com violação do domicílio ou da liberdade de comunicações
telefônicas ou postais, entre outras.130

A linha divisória parecia estar bem demarcada doutrinariamente. Contudo, tal separação entre
provas ilícitas, de um lado, e as provas ilegítimas, de outro, deixou de ser clara. Com a Reforma de
2008 do Código de Processo Penal, a nova redação do caput do art. 157 passou a prevê: “São
inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as
obtidas em violação a normas constitucionais ou legais”. Ou seja, para a caracterização da prova
ilícita, não se fez qualquer distinção entre natureza da norma violada, se de direito material ou
processual.

A ausência de distinção poderá causar confusões,131 por exemplo, na definição da sanção


processual aplicável pela violação da norma: em caso de qualquer violação à Constituição ou à lei,
mesmo que processual, a prova será inadmissível e, em caso de ingresso no processo, deverá ser
desentranhada. Mas os vícios processuais costumam gerar apenas nulidades e não a
inadmissibilidade do ato. Todavia, embora não se possa desprezar a distinção entre prova ilícita e
ilegítima, quer tanto ao momento de produção do meio, quer quanto à sanção aplicável, o certo é
que há muitas zonas de intersecção entre uma e outra e, do ponto de vista do conjunto de meios de
prova que poderão ser valorados pelo julgador, as diferenças serão mínimas.132

Quanto ao momento, afirma-se que, na prova ilícita, o vício ocorre quando de sua obtenção (por
exemplo, no momento em que se capta a conversa telefônica), enquanto na prova ilegítima a
ilegalidade ocorre na sua produção (por exemplo, no momento em que se indefere a pergunta à
testemunha).133 Embora normalmente a ilicitude se dê relativamente à obtenção de uma prova,
isto é, durante a execução de um meio de obtenção de prova (por exemplo, uma interceptação
telefônica ou busca e apreensão), é possível que a ilicitude ocorra no próprio processo, durante a
produção da prova. Basta pensar em um acusado que seja torturado, ou submetido à hipnose, ou
compelido a tomar o “soro da verdade”, durante seu interrogatório. Nesse caso, haverá ilicitude na
produção de um meio de prova durante a instrução processual. Outrossim, exemplificativamente,
de igual forma, se um padre prestar depoimento sobre algo que teve conhecimento durante uma
confissão, o vício que acarretará a ilicitude da prova testemunhal se dará na própria produção do
meio de prova.

De outro lado, do ponto de vista do material que poderá ser valorado para a formação do
convencimento judicial, não terá maiores reflexos a distinção entre prova ilícita e prova ilegítima,
na medida em que, tanto a prova obtida ilicitamente quanto a prova produzida ilegitimamente não
poderão ser valoradas pelo juiz. Não se pode ignorar que as regras sobre admissão e produção da
prova têm por escopo último uma correta seleção do material que poderá ser valorado pelo juiz
para a formação de seu convencimento.

Quanto à sanção processual aplicável, a distinção tradicional é que, no caso de prova ilícita,
tem-se a sanção prévia, qual seja, a inadmissibilidade, que veda seu ingresso no processo. Já a
prova ilegítima será sancionada com a nulidade de sua produção, uma sanção, portanto, ex post
factum. Além disso, a prova ilícita não pode ser renovada, enquanto em relação à ilegítima “impõe
a necessidade de sua renovação, nos termos do que determina o art. 573 do CPP”. Não há como
negar que a inadmissibilidade impede o ingresso, no processo, de uma prova ilícita, o que não
ocorre em relação à teoria das nulidades. Porém, na maioria dos casos, o reconhecimento da
ilicitude da prova ocorre a posteriori, quando o meio proibido já ingressou no processo. Por
exemplo, reconhece-se a ilicitude de uma interceptação telefônica, depois de já realizada a
operação técnica e juntado aos autos o laudo de gravação ou os registros das conversas. Nesse
caso, a consequência do reconhecimento da ilicitude da prova não será a inadmissibilidade
(impedir o ingresso), mas o seu desentranhamento (excluir do que não deveria ter ingressado).
Aliás, é o que está previsto no próprio caput do art. 157 do CPP: “São inadmissíveis, devendo ser
desentranhadas do processo, as provas ilícitas, [...]”. Assim, na dinâmica procedimental, sob o
aspecto cronológico da imposição da sanção, não haverá diferença prática entre o
desentranhamento (e não a inadmissibilidade) e a nulidade.

Mesmo a alegada impossibilidade de renovação da prova ilícita (sancionada com a


inadmissibilidade) e a necessidade de renovação da prova ilegítima (sancionada com a nulidade)
não é uma regra absoluta. A não repetição da prova ilícita não decorre de uma característica
ontológica de tais provas. Como o vício da ilicitude costuma ocorrer na obtenção da fonte de
prova, o fator surpresa desaparece após a sua produção e, no caso, com o posterior
reconhecimento judicial da ilicitude. Seria de todo inútil, anos após a realização de uma
interceptação telefônica ilícita, que o juiz autorizasse uma nova interceptação para tentar captar o
mesmo conteúdo de conversa entre as mesmas partes, mas, não seria impossível. Por outro lado, o
fator surpresa geralmente é decisivo nos meios de obtenção de prova. De fato, dificilmente teria
qualquer êxito uma interceptação telefônica ou uma busca e apreensão em que o investigado
soubesse previamente da autorização judicial. Entretanto, na quebra de sigilo bancário e fiscal, a
surpresa não é fator determinante. Portanto, uma vez reconhecida a ilicitude na obtenção de
dados bancários ou fiscais de um investigado (por exemplo, porque foi obtido sem ordem judicial),
nada impediria que houvesse, posteriormente, uma ordem judicial válida determinando o
fornecimento dos mesmos elementos de prova.

De outro lado, embora os atos processuais nulos devam ser, em regra, repetidos, para sua
realização válida, tal regra não é indefectível. Basta pensar na nulidade de uma sentença ultra
petita. O ato é inegavelmente nulo, e não haverá qualquer necessidade de renovação. Basta que o
tribunal, ao reconhecer o vício, exclua do julgado a parte em que se foi além do pedido (por
exemplo, o reconhecimento de uma causa de aumento de pena), mantendo, no mais, intacta e sem
necessidade de renovação, a sentença. Mesmo no campo probatório, não é desarrazoado
considerar que, em relação a determinados meios de prova, a violação de uma regra processual
poderá comprometer definitivamente a capacidade epistêmica de tal meio. Por exemplo, um
reconhecimento pessoal realizado sem a observância do rito probatório do art. 226 do CPP, em que
um único suspeito seja levado à presença da vítima para que esta o reconheça – ou não – como
autor do crime. Mesmo que tal prova, com resultado positivo, seja anulada, é de se questionar a
possibilidade de repetição do ato posteriormente, segundo o rito adequado, em virtude do grande
potencial de sugestionabilidade que a prova ilegitimamente produzida causa. No segundo ato de
reconhecimento, a vítima provavelmente reconheceria o acusado não porque se lembraria dele na
cena delitiva, mas porque se recordaria dele no reconhecimento ilegítimo anterior.

Em suma, mais relevante do que distinguir a prova ilícita, à qual se aplica a inadmissibilidade,
da prova ilegítima, para a qual haverá nulidade, é definir quais casos de violação da Constituição
ou da lei tornam a prova “ilícita”, em sentido amplo, e, consequentemente, estabelecer para tais
hipóteses a inutilizabilidade da prova, impossibilitando a sua valoração.

Isso elimina a necessidade de distinção entre normas materiais e normas processuais, que é
insegura, na medida em há dispositivos constitucionais ou legais que têm um aspecto bifronte,
podendo ser lidos, de um lado, como uma garantia constitucional de proteção das liberdades
públicas e, de outro, como um regramento processual delimitando os mecanismos para realização
de um meio de prova ou de obtenção de prova. Por exemplo: uma interceptação telefônica
autorizada por juiz incompetente será uma prova ilícita ou ilegítima? Violou-se uma regra
constitucional que assegura a liberdade das comunicações telefônicas, que somente pode ser
restringida mediante autorização judicial, sendo uma prova ilícita? Ou a regra constitucional foi
respeitada, na medida em que há autorização judicial, mas se desrespeitou uma regra processual
de repartição de competência, sendo a prova ilegítima? Outro exemplo: uma busca e apreensão
domiciliar, realizada fora das exceções constitucionais, mas com uma ordem judicial não
motivada, caracterizar-se-á como prova ilícita ou ilegítima? Considerando-se que foi desrespeitada
a garantia constitucional da inviolabilidade do domicílio, ao qual se teve acesso sem ordem
judicial, a prova será ilícita. Por outro lado, caso se considere que há ordem judicial, mas essa é
nula, porque não decorrente de decisão motivada, o vício será processual, sendo a prova ilegítima.

Nos dois exemplos anteriores, o que se têm são meios de obtenção de provas produzidos
violando regras constitucionais e legais, prejudicando seriamente direitos do investigado ou
acusado, acarretando a inadmissibilidade que o meio obtido seja utilizado para a formação do
convencimento judicial, que somente pode se fundar em provas legalmente produzidas. Assim,
entre os direitos constitucionais cuja violação caracteriza uma prova ilícita, devem ser incluídos os
direitos processuais, em especial as garantias constitucionais dos investigados e acusados, que
integram o devido processo legal: juiz natural, contraditório, ampla defesa, presunção de
inocência, motivação, publicidade etc.

Em suma, e embora o tema seja controvertido, para o direito brasileiro, podem ser definidas
como provas ilícitas as provas obtidas, admitidas ou produzidas com violação das garantias
constitucionais, sejam as que asseguram liberdades públicas, sejam as que estabelecem garantias
processuais. Os meios de provas obtidos ilicitamente são inadmissíveis no processo e, se nele
indevidamente ingressarem, devem ser desentranhados. Em um ou em outro caso, jamais poderão
ser valorados pelo juiz. O desentranhamento da prova dos autos é apenas o mecanismo técnico
para assegurar uma proibição de valoração da prova ilícita.

A sistemática anteriormente proposta, como se verá, está em consonância com o que se pode
denominar um “núcleo duro” da prova ilícita que deve ser excluída do processo.

No direito estrangeiro, embora não haja um posicionamento seguro sobre o conceito de prova
ilícita, não é comum a demarcação de uma cisão conceitual entre a violação de regras de direito
material, de um lado, e de direito processual, de outro. Por outro lado, um elemento comum ou
constante na maioria dos ordenamentos jurídicos, é a exclusão processual da prova obtida com
violações de garantias constitucionais, incluindo as garantias processuais dos acusados.

Semelhante ao direito brasileiro, na Itália também há uma regra geral de não utilização de
provas ilicitamente adquiridas. O art. 191 do Codice di Procedura Penale,134 sob a rubrica “Provas
ilegitimamente adquiridas”, prevê, no comma 1º, que: “As provas adquiridas com violação das
vedações estabelecidas pela lei não podem ser utilizadas”.135 Há uma definição geral de provas
vedadas no art. 188, que trata da “Liberdade moral da pessoa na produção da prova”: “Não podem
ser utilizado, nem mesmo com o consentimento da pessoa interessada, métodos ou técnicas
idôneas a influir sobre a liberdade de autodeterminação ou a alterar a capacidade de recordar e
valorar os fatos”.

Tem-se entendido, também, que existem vedações implícitas, sendo consideradas inutilizáveis,
embora não explicitamente sancionadas por uma vedação legal, as provas obtidas com violações
de princípios fundamentais.136 Se assim não fosse, a adoção de um princípio rígido de taxatividade
das vedações probatórias poderia levar a hipóteses de “perigosos vácuos de tutela”.137 Assim, a
vedação probatória pode decorrer de normas de direito penal material, bem como de direitos
fundamentais do cidadão previstos na constituição.138

Na Espanha, o art. 11 da Ley Orgánica del Poder Judicial Espanhola, que prevê: “No surtirán
efecto las pruebas obtenidas, directa o indirectamente, violentando los derechos o libertades
fundamentales”. A denominação dada a tal violação de direitos varia: há quem se refira à prova
ilícita,139 enquanto outros usam a denominação prova proibida.140 Substancialmente, porém, a
doutrina espanhola está de acordo em incluir, entre os direitos constitucionais cuja violação
caracteriza uma prova ilícita, os direitos processuais e, em especial as garantais constitucionais
dos acusados, que integram o devido processo legal, entre elas: juiz natural, contraditório, ampla
defesa, presunção de inocência, motivação, publicidade etc.141 O problema, como aponta Lorena
Bachmaier Winter, é a problemática a falta de uma clara distinção entre lesão de direitos que
causam somente uma nulidade processual e a lesão que afeta direitos constitucionais e, portanto,
torna a prova claramente inadmissível.142

Com variação terminológica, mas identidade de conteúdo, na Argentina, a doutrina emprega a


terminologia prueba ilegal no mesmo sentido que a doutrina espanhola define prova ilícita. Carlos
Edward explica que “a prova ilegal se relaciona intimamente com as garantias que estabelece a
Constituição Nacional a favor do imputado no desenvolvimento do processo penal; definimos
precisamente a prova ilegal como a obtenção de elementos de prova em violação das garantias
constitucionais; quer dizer que o núcleo central da prova ilegal radica justamente no quebramento
dessas garantias”.143

Em profundo estudo sobre o tema, Armenta Deu destaca a tendência geral de restringir o
conceito de prova ilícita aos casos de violações de direitos constitucionais, “em atenção ao um
critério utilitarista que permita, ao menos, garantir o respeito a tais direitos”, ainda que para isso
se tenha que remeter aos demais casos de ilicitudes probatórias para outros tratamentos, como o
das nulidades ou irregularidades.144

Mais distinto é o tratamento do tema no direito alemão, em que as chamadas proibições de


provas não se baseiam na natureza processual ou material da norma violada. Segundo Ambos, a
teoria de proibição de provas, numa primeira grande divisão, distingue as proibições de produção
de prova e as proibições de utilização de prova. As primeiras regulam ou limitam o modo de
obtenção das provas, enquanto as segundas, restringem o uso judicial de provas já obtidas. Por sua
vez, no que se refere à proibição de práticas de provas, elas regulam ou limitam o modo de
obtenção e se distinguem em: (1.1) proibição de temas probatórios, (1.2) proibição de meios de
prova e (1.3) proibição de métodos probatórios. Além disso, as proibições de produção de prova
podem se distinguir entre absolutas e relativas. As absolutas têm aplicação geral, enquanto as
relativas “limitam a obtenção de provas no sentido de que somente determinadas pessoas tem
poder para ordenar ou realizar uma produção de prova, estabelecendo-se, em consequência, uma
proibição para qualquer outro sujeito”.145 A necessidade de limitação da atividade é reconhecida
pelo Tribunal Supremo Federal alemão, o qual já decidiu que: “no Estado de Direito, existem
limites intransponíveis à busca da verdade processual: não é nenhum princípio da ordenação
processual que a verdade tenha de ser investigada a todo preço; o objetivo de esclarecimento e
punição dos crimes é, seguramente, do mais elevado significado; mas ele não pode representar
sempre, nem sob todas as circunstâncias, o interesse prevalente do Estado”. 146

Em suma, desse rápido panorama do direito estrangeiro, percebe-se a tendência em se


caracterizar as provas ilícitas como sendo aquelas obtidas com a violação de garantias
constitucionais do acusado, sejam aquelas que lhe conferem liberdades públicas, sejam as que lhe
garantem direitos processuais configuradores de um devido processo legal. Por outro lado, tanto
na doutrina de common law quanto entre os autores alemães, temas eminentemente processuais,
como a vedação do testemunho de ouvir dizer ou a proibição de obrigar o acusado a produzir
prova contra si mesmo, são tratados no conjunto das exclusionary rules e das proibições de práticas
de provas.

Sob o plano da epistemologia judiciária, compreende-se a razão de ser de tais regras legais de
exclusão da prova por finalidades políticas ou extraprocessuais. O direito à prova admite
restrições legítimas à busca da verdade, nos casos em que outros valores tutelados
constitucionalmente devem prevalecer, como a dignidade humana, a inviolabilidade do domicílio
ou a intimidade. Não se trata de impedir a descoberta da verdade, mas de não aceitar que possa
ser buscada com quaisquer métodos, a todo custo, como se fosse o único fim do processo. Como
explica Nobili, “a investigação e a luta contra a criminalidade devem ser conduzidas de uma certa
maneira, de acordo com um rito determinado, com observância de certas regras. A dignidade e a
moralidade do instrumento utilizado constituem, de per si, um valor a ser perseguido e que se
colocam como limite à liberdade do investigador”.147
Por fim, de se registrar que parece haver um movimento cada vez mais intenso no sentido de
restringir o âmbito de aplicação da regras de exclusão de prova. Nos Estados Unidos, berço das
exclusionary rules, a Suprema Corte tem cada vez mais restringido a aplicação de tais regras de
exclusão probatória,148 a ponto de a doutrina afirmar ter ocorrido uma “completa
desconstitucionalização da regra de exclusão probatória”, e prognosticando que “a exclusão de
provas obtidas ilegalmente será inteiramente abolida como um meio de regular a conduta dos
agentes policiais”.149 Noutros países, o que se vê é a aplicação de uma regra de balanceamento ou
ponderação de bens, sendo que, em muitos casos, o que se tem é um reconhecimento do caráter
ilícito da prova, mas sem provocar o efeito de sua exclusão do processo.150

Do ponto de vista exclusivo da descoberta da verdade, seria louvável a eliminação de toda e


qualquer regra de exclusão probatória com vistas à proteção de direitos, como a privacidade e
outras liberdades públicas. Haveria a eliminação de barreiras à descoberta da verdade. Há,
contudo, fundamentos relacionados à dignidade humana que impedem tal solução.151 Mais do que
isso, em muitos ordenamentos jurídicos há óbices legais e até mesmo constitucionais para essa
postura, que visaria apenas um modelo processual penal que fosse um puro mecanismo
epistêmico.

Na prática, abolir a regra legal de exclusão das provas ilícitas somente é possível nos
ordenamentos jurídicos em que ela não seja constitucional ou constitucionalizada. Inexistindo
previsão constitucional expressa de que as provas ilícitas devem ser excluídas ou não admitidas no
processo, o reconhecimento pela jurisprudência de que tal regra de exclusão probatória não tem
natureza constitucional, faz com que a prova viciada possa, em tese, ser utilizada para a formação
do convencimento judicial. Normalmente, sem a barreira constitucional da inadmissibilidade, a
solução será aplicar a ponderação caso a caso e, em tese, não se pode excluir que, em certas
condições, dê-se prevalência à busca da verdade.

Por outro lado, a chamada “constitucionalização” do direito à exclusão da prova ilícita, que se
dá via jurisprudência perante a ausência de regra expressa, pode ter duplo fundamento: um
processual e outro constitucional. A justificativa processual decorre da consideração de que é
inerente ao due process of law ou ao processo équo, a garantia de que o acusado não pode ter a sua
presunção de inocência afastada e, consequentemente, ser condenado, com base em provas
ilícitas. Por outro lado, o fundamento constitucional decorre da necessidade de proteção efetiva do
próprio direito constitucional violado (como a privacidade ou a liberdade de comunicação
telefônica): se a violação da regra constitucional que assegura uma liberdade individual perante o
Estado não implicar a ilicitude da prova e, consequentemente, a sua impossibilidade de utilização
nos processos, o direito constitucional não estará recebendo uma proteção efetiva pelo Estado.152
Nesses casos, em que o status constitucional da exclusionary rule terá sido dado pela
jurisprudência, é mais fácil haver câmbios interpretativos para restringir a aplicação das regras de
exclusão, ampliando a possibilidade de utilização processual de provas ilícitas.

Ressalte-se que, no caso brasileiro, não é possível a aplicação das soluções anteriormente
aventadas, na medida que a exclusão da prova ilícita é prevista constitucionalmente, pelo inciso
LVI do caput do art. 5º: “São inadmissíveis no processo as provas obtidas por meios ilícitos”. Assim,
reconhecida a violação de uma norma material, de cunho constitucional ou material que configure
prova ilícita, é inafastável a conclusão de que a prova é inadmissível. Em outras palavras, não é
possível aplicar a teoria do male captum, bene retentum. Essa solução somente é viável nos
ordenamentos em que a regra de exclusão da prova é infraconstitucional ou simplesmente
jurisprudencial, podendo ser afastada no caso concreto, por meio de ponderação, quando houver
outro valor de maior relevância a ser tutelado.

3.4.1.3.As regras legais de exclusões probatórias fundadas em limites


epistemológicos

Os limites epistemológicos, ou regras de exclusão por motivos intrínsecos, buscam previamente


restringir o ingresso de elementos de provas que, embora relevantes e dotados de elevado
potencial persuasivo, poderiam gerar uma inexata reconstrução histórica dos fatos.
É intuitivo que, do ponto de vista epistemológico, quanto mais elementos disponíveis para
realizar o julgamento sobre a veracidade de uma hipótese fática, tanto melhor. Mesmo que esse
elemento possa ser, ao final, considerado inidôneo, terá servido para, num primeiro momento,
justificar a realização de um teste de uma hipótese diversa que, posteriormente, se mostrou
prevalecente justamente pela insuficiência dos elementos probatórios que lhe davam suporte.

Portanto, a aceitação de restrições probatórias fundadas em finalidades epistêmicas, pode soar


até mesmo contraintuitiva. Isso porque se trata de regras legais visando um resultado probatório
de melhor qualidade, embora para tanto restrinjam o conjunto de elementos valoráveis. Sendo
possível a produção de uma prova com melhor idoneidade e potencial cognitivo, não se pode
aceitar uma menos qualificada. Porém, a aceitação de tais regras, ditas epistemológicas, é objeto de
controvérsia. Isso porque, para muitos autores, tais limites legais são antiepistêmicos, ao impedir o
ingresso e valoração de elementos relevantes para o convencimento judicial!

O grande problema é resolver o paradoxo de normas que parecem endereçadas a realizar uma
finalidade epistêmica mas, em realidade, são epistemicamente contraproducentes, porque
impedem a possibilidade de utilização de informações úteis.153 Para tanto, somente o recurso à
epistemologia judiciária poderá resolver a questão. Se a justificativa é que se trata de normas nas
quais o legislador acolhe visando um conhecimento de melhor qualidade para a descoberta da
verdade, é preciso verificar se essa matriz epistêmica realmente existe. Se a epistemologia
justificar tal limite, haverá um fundamento comum, epistemológico e legal para a exclusão. Caso
contrário, se a regra de exclusão probatória – que não está justificada por motivos lógicos ou
políticos – não encontra um fundamento aceitável do ponto de vista de uma teoria do
conhecimento, será um caso de indevida barreira legal à produção de provas pertinentes que
dificulta um juízo de fato correto no processo. Uma das finalidades da epistemologia judiciária é
identificar tais regras e propor a sua exclusão.

O Código de Processo Penal traz alguns exemplos de regras legais que limitam a atividade
probatória, que teriam uma finalidade epistemológica, mas a efetiva preservação da verdade não
parece tão clara.154 Isto é, não há forte justificativa epistêmica. Por exemplo, o parágrafo único do
art. 155 estabelece que: “Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições
estabelecidas na lei civil”. Em outras palavras, quando a lei civil exigir, para prova do estado da
pessoa, instrumento específico, como a certidão de casamento, não será admitido qualquer outro
meio de prova no processo penal. De modo semelhante, o art. 62 estabelece que: “no caso de morte
do acusado, o juiz somente à vista da certidão de óbito, e depois de ouvido o Ministério Público,
declarará extinta a punibilidade”.

No processo civil, havia a vedação, no ab-rogado Código de Processo Civil de 1973, da produção
de prova exclusivamente testemunhal, nas demandas em que o valor excedia um determinado
valor.155

O Código Eleitoral, com as alterações promovidas pela Lei 12.165/2015, teve acrescido o art. 368-
A, segundo o qual, nos processos de perda ou cassação do mandato eletivo: “A prova testemunhal
singular, quando exclusiva, não será aceita nos processos que possam levar à perda do mandato”.
Diferentemente do que possa parecer, não se trata de hipótese de prova legal negativa, reinserindo
o testis unus, testis nullus, como limite ao momento de valoração da prova. Em tal situação, a prova
testemunhal é admitida, mas se for produzido apenas um depoimento no sentido do fato que se
pretende provar, no momento da valoração, sua força será insuficiente para considerá-lo provado.
O que está previsto no novo art. 368-A do Código Eleitoral é que não se admite a prova
exclusivamente testemunhal. Ou seja, a prova poderá ser indeferida pelo juiz se a parte não
indicar outro meio de prova de corroboração.

Outra hipótese, sempre lembrada como limite epistemológico, embora não vigorante entre nós,
é a hearsay rule, que veda a utilização do testemunho de ouvir dizer,156 por não possibilitar o
exame cruzado da fonte de prova originária. O hearsay rule já chegou a ser apontado como a regra
mais característica do direito probatório anglo-americano.157 Todavia, atualmente, a regra de
exclusão de hearsay admite um grande número de exceções, nas quais se considera que o
testemunho indireto é confiável o bastante para ser admitido. As Federal Rules of Evidence
apresentam um complexo regramento, com quase três dezenas de exceções à regra geral. As
exceções justificam-se, em linhas gerais, por dois motivos. Um primeiro grupo de exceções, admite
a hearsay witness mesmo estando disponível a fonte originária, que poderia comparecer
pessoalmente ao julgamento (regra 803 das Federal Rules of Evidence).158 No segundo grupo, são
previstas exceções em casos nos quais a testemunha direta ou originária não está disponível (regra
804 do referido diploma legal).159 O mesmo fenômeno de flexibilização da hearsay rule ocorre no
direito inglês. O Criminal Justice Act de 2003 ampliou a margem de discricionariedade judicial para
admitir depoimentos de ouvir dizer, por exemplo, quando o tribunal considerar que tal
depoimento indireto “atende aos interesses da justiça” (artigo 114(1)(d)).

Também pode ser lembrado, como uma regra de exclusão de admissão de prova, por motivos
epistemológicos ou intrínseco, o best evidence principle. Segundo esse regramento, as partes
processuais devem apresentar ao tribunal o melhor ou mais confiável elemento de prova que seja
razoavelmente obtenível sobre uma determinada questão fática controvertida.160 O fundamento
do postulado em apreço é a necessidade de se garantir que o julgador do mérito tenha as melhores
condições possíveis de reconstruir com acurácia a verdade histórica dos fatos sob julgamento.
Para tanto, ele precisa ter acesso a elementos de prova ótimos, do ponto de vista epistemológico,
assim entendidos aqueles elementos de prova mais úteis para que um julgador consiga decidir, de
forma racional, uma questão fática controversa.161

3.4.1.3.1.O problema da prova científica

Um campo em que se tem sentido uma ampla e direta influência da epistemologia, no juízo de
admissibilidade probatória, é o da admissão da chamada “nova prova científica”. Em outras
palavras como introduzir, no processo, os novos métodos científicos? Evidente que o problema não
é somente de admissão da prova, mas também de produção e, posteriormente de valoração.162 Por
outro lado, não se pode subestimar o peso de uma decisão sobre admissibilidade ou não da prova
científica, pois podem determinar, e normalmente determinam, para um lado ou para o outro, o
êxito do processo.163

Nesse tópico, serão analisados somente os problemas de admissibilidade da prova científica.


Contudo, antes de resolver o problema de qual ciência pode entrar no processo, é preciso fazer
alguns esclarecimentos sobre o complicado relacionamento da ciência com o direito.

O ritmo de evolução da ciência é diverso do ritmo de evolução do processo. As ciências evoluem


a passos lentos, enquanto o processo deve terminar em prazos menores. Cientistas, de um lado, e
juízes auxiliados por peritos, de outro, trabalham com cronogramas muito distintos. Há
descobertas científicas que levam anos, às vezes décadas, até serem comprovadas e aceitas pela
comunidade acadêmica. Todavia, esse longo tempo se justifica porque a finalidade da ciência é
gerar conhecimento, evoluindo o saber a partir dos conhecimentos anteriores. Já no caso do
processo, sua finalidade é chegar a uma decisão justa, com a solução do caso concreto. Do ponto de
vista fático, o juiz precisa atingir uma correta reconstrução histórica, para a qual a nova prova
científica possa ser de grande significado. Mas é evidente que, no processo, o escopo para o qual se
emprega a ciência é diverso do escopo do cientista. O cientista almeja descobrir ou revelar uma lei
geral, capaz de fornecer uma explicação correta dos fatos verificados ou objeto de testes em
laboratório, e também possibilitar a previsão de acontecimentos futuros do mesmo gênero. Já o
papel do perito em um processo judicial não é fazer previsão, a partir de experimentos realizados,
mas auxiliar o juiz na reconstrução histórica de um fato específico e concreto, permitindo-o chegar
a uma decisão, com base no grau de atendibilidade que a prova pericial confira a um enunciado
fático.164

Ainda assim, na relação entre ciência e processo, restam as hipóteses em que os conhecimentos
científicos disponíveis sejam insuficientes. Nesse caso, haverá novo atrito, uma vez que o juiz não
poderá proferir um non liquet ou deixar em suspenso o processo, até que se chegue à conclusão de
um estudo científico. Terá, pois, que decidir. E, para tanto, outro caminho não restará senão o
julgamento de acordo com as regras do ônus da prova que, no processo penal, implicará a
absolvição do acusado, com base no in dubio pro reo.
Portanto, a ciência ingressa no processo, por meio da chamada nova prova científica, mas
estará sujeita aos limites de produção de prova impostos pela lei.

Não existe discussão quanto ao instrumento pelo qual a “nova prova científica” ingressará no
processo. Toda vez que a realização do juízo de fato exija do magistrado conhecimentos científicos,
técnicos ou artísticos dos quais ele não dispõe, por serem saberes especializados, não integrantes
do patrimônio cultural médio, o meio de prova típico para tanto é a prova pericial.165 O problema,
portanto, não é de tipicidade de meios de prova, mas de um componente que intervém na
operação probatória e é estranho ao catálogo legal. A grande questão é avaliar se os
conhecimentos aparentemente científicos, novos e, geralmente, com conteúdo de elevada
especialização, podem ingressar no processo. Em outras palavras, a questão não é como ingressar,
mas o que pode ingressar por meio da prova pericial.

As principais discussões sobre a chamada “nova prova científica” costumam ser mais agudas
no que diz respeito à aceitação de tais conhecimentos no processo. Não é qualquer conhecimento
científico, mas apenas os conhecimentos científicos novos ou modernos, que exigem técnicas ou
métodos de grande especialização, que se enquadram na chamada “nova prova científica’.166 Nem
se trata de uma matéria que possa vir a ser disciplinada pelo legislador, por exemplo,
estabelecendo um catálogo de novos conhecimentos científicos aceitáveis no processo. Primeiro,
porque o rol nunca estaria completo e seria necessária uma constante atualização pelo legislador,
o que nem sempre se verifica. Segundo, porque o tema efetivamente pertence ao patrimônio da
pesquisa científica e tecnológica exorbitando da competência legislativa.167

A análise pode ser dividida em dois aspectos: (i) o conceito de prova científica; (ii) qual ciência
deve ser admitida em juízo. Neste último aspecto, a questão se desdobra em duas partes: quais
devem ser os critérios de admissibilidade e quem fará esse controle. O primeiro problema a ser
resolvido é o próprio conceito de prova científica, para somente então tratar, de qual prova deve
ser admitida em juízo.

O conceito de ciência dos juristas, normalmente limitado às ciências duras ou naturais, é fruto
de um preconceito cognitivo inspirado pelo positivismo do século XIX. Nas ciências tradicionais,
isto é, as chamadas “ciências duras”, em especial as ciências da natureza (como astronomia, física,
química, biologia ou geografia), predominava erroneamente uma concepção de mundo fundada
em certezas determinísticas.168 Esse caráter “exato” ou “objetivo” de tais ciências parecia colocá-
las num patamar epistêmico superior ao de outros campos do saber, em especial, das chamadas
soft sciences, como as ciências sociais e humanas (p. ex.: psicologia, sociologia, política, economia,
história ou direito), em relação às quais os fatos não seriam “certos”, mas meramente prováveis, no
sentido probabilístico do termo. Esse preconceito, contudo, não se justifica. Primeiro, porque nem
mesmo as ciências da natureza são governadas por leis universais, de validade absoluta. Todo
conhecimento científico tem sua margem de erro e, portanto, não é absoluto.169 As ciências
humanas também geram conhecimento passível de verificação científica, embora normalmente
por métodos estatísticos, que podem demonstrar um elevado índice de acertos, fazendo com que
sejam reconhecidos pela própria comunidade científica de referência.170 De fato, tem sido cada vez
mais frequente a consulta a peritos em áreas como sociologia, história, história da arte,
antropologia e psicologia.171 E mesmo que não haja um cálculo estatístico, em termos de
probabilidade quantitativa, isso não afasta a possibilidade de utilização de tal ciência.172

Em suma, há uma grande transformação sobre a concepção das ciências que deve ser
incorporada à decisão judiciária: além das ciências da natureza, também as ciências humanas, que
antes não eram consideradas incluídas em tal concepção, são aptas a fornecer conhecimentos
científicos passíveis de ingressar no processo.173 Um lado positivo dessa ampliação do
conhecimento científico é a mudança do relacionamento entre conhecimento científico e saber
privado do juiz. Cada vez mais o juiz terá, em áreas diversas, conhecimentos científicos
especializados para o socorrer. Com isso, não necessitará ser uma espécie de “aprendiz de
feiticeiro” e poderá, cada vez mais, recorrer à ciência dos cientistas.174

A abertura ao ingresso de novas ciências – incluindo as soft sciences – gera um segundo


problema no relacionamento entre processo e ciência: a avaliação da qualidade da ciência, no que
se refere à distinção entre as “ciências boas” e as “ciências más ou sujas”. É preciso ter um critério
para distingui-las,175 em especial separando a boa ciência da ciência má ou, na linguagem norte-
americana, a junk science.176

O tema da “qualidade da ciência” que pode ser utilizada nos tribunais foi objeto de intensa
discussão na jurisprudência norte-americana, a partir do julgamento do Caso Daubert, em 1993,
em que a Suprema Corte fixou um conjunto de parâmetros para a admissibilidade de um novo
conhecimento técnico-científico. A questão continuou a ser debatida na década subsequente, com
dois outros importantes julgados, dando origem ao que se denominou a trilogia Daubert-Joiner-
Kunho.

Para entender os critérios de admissibilidade dos conhecimentos científicos, é preciso conhecer


o padrão anteriormente vigorante. No Caso Frye v. Estados Unidos,177 julgado no ano de 1923, foi
analisado o requerimento da defesa, para que se admitisse em juízo, como exculpatory evidence, o
testemunho de um perito que havia submetido o acusado, James Alphonso Frye, enquanto este
respondia às perguntas sobre os fatos objetos da acusação por homicídio, a uma máquina que,
medindo as variações das pressão sanguínea das sístoles, teria a capacidade de assinalar quais
respostas eram verdadeiras e quais eram falsas. A questão, portanto, era o se havia um
fundamento científico nessa espécie de “máquina da verdade” – sistolic blood pressure detection
test. Até então, nunca havia sido solicitado o uso de tais meios em um júri, a Corte de Apelações do
Distrito de Colúmbia teve que avaliar a admissibilidade de tal instrumento cuja validade científica
era questionável.

Diante desse tipo de incerteza, a Corte entendeu que o critério para a aceitação ou não da prova
científica deveria ser a general acceptance. Isso é, a aceitação daquele conhecimento científico no
seio da própria comunidade científica. Como se tratava de um conhecimento novo, e não de um
método suficientemente aceito, a prova não foi admitida.

Do ponto de vista dos critérios de admissibilidade da prova científica, o ponto principal da


decisão do Caso Frye foi estabelecer que o critério para admissão da prova científica é a aceitação
geral pela própria comunidade científica. Normalmente, o Frye test era empregado somente para
as hard sciences que se valem de métodos experimentais.178

Sete décadas depois, no caso Daubert v. Merrel Dow Pharmaceuticals, Inc., decidido em 1993, a
Suprema Corte discutiu o tema da prova científica, e fixou alguns critérios para a aceitação do
conhecimento científico.179 O Caso Daubert tratou-se de uma ação indenizatória na qual o casal
Daubert buscava provar que os danos congênitos observados em seus filhos haviam sido causados
pelo Benedectin, um medicamento para náuseas utilizado por mulheres grávidas, produzido pela
Merrell Dow Pharmaceuticals.

No processo, a Merrell Dow utilizou artigos científicos, submetidos ao peer review – e, portanto,
que satisfaziam a exigência da general acceptance – mostrando que não existiam evidências de que
o medicamento por ela produzido causasse malformações nos fetos. Todavia, o casal Daubert,
genitores das crianças nascidas com malformações, para contestar os dados da Merrell Dow,
pediram aos juízes que admitissem o depoimento de outros especialistas, capazes de trazer
evidências científicas em sentido contrário, sobre a relação causal entre a utilização pela mulher
grávida do fármaco Benedectin e as malformações de seus filhos no nascimento. Os profissionais
arrolados como peritos eram qualificados, mas suas opiniões estavam fundadas em estudos
epidemiológicos, ainda não publicados, nada obstante reinterpretassem os resultados obtidos da
empresa farmacêutica. A Merrell Dow, baseada no Frye test, opôs-se à admissibilidade desse tipo
de depoimento, sob o fundamento de que tais provas, tendo sido produzidas com novas
metodologias, não atendiam, na época, ao critério da aceitação geral da comunidade científica. O
juiz não admitiu a prova e julgou o processo antecipadamente em favor da Merrel. Posteriormente,
a Corte de Apelações do 9º Circuito negou provimento à apelação dos Daubert, negando novamente
a produção da prova pericial.

A Suprema Corte concedeu o writ of certiorari que levou ao julgamento da demanda, e a


superação do Caso Frye na jurisdição federal americana. As condições mínimas para um
conhecimento ser considerado científico segundo o que ficou conhecido como Daubert test são: (1)
testability (or falsifiability), (2) error rate; (3) peer review and publication; (4) general acceptance.180

A “testabilidade” ou, o falsificabilidade diz respeito à validade do conhecimento científico, isto é,


que o princípio científico a ser empregado em juízo seja suscetível de verificação ou falsificação.

A taxa de erro significa que devem ser conhecidos os riscos de erro, havendo um controle
calculado ou potencial. Um ponto que restou em aberto é que não há como se afirmar qual deve
ser a taxa de erro aceitável e qual limite torna a ciência pouco apropriada. Além disso, para
situações como as do processo civil, que trabalha com um standard de prova de mera
preponderância, padrões de erros em níveis baixos podem ser aceitos. Já para o processo penal,
em que se exige um elevado standard de prova, um baixo padrão de erro do conhecimento
científico já poderá fazer com que, mesmo sendo positivo o resultado do experimento probatório
fundado nesse saber, ainda assim se torne insuficiente para justificar uma condenação, pois não se
poderá dizer que tal pericia comprovou o crime “além da dúvida razoável”.181

A necessidade de revisão pelos pares e de que o conhecimento científico tenha sido objeto de
publicação em revistas especializadas assegura que o conhecimento foi divulgado e, portanto,
tornado passível de conhecimento, verificação e contestação na comunidade cientifica de
referência.

Por fim, é necessário que o conhecimento científico goze de aceitação geral na comunidade
científica, isto é, que o resultado daquele conhecimento tenha sido controlado, verificada sua
margem de erro e aceito pela comunidade científica como um conhecimento cientificamente
correto, o que não quer dizer infalível. Este último, contudo, não deixa de ser um critério débil, na
medida em que não há na literatura científica um conjunto de cientistas dedicados a uma
constante verificação de novos conhecimentos para aceitá-los ou refutá-los, de modo que a ideia de
aceitação geral acaba sendo de difícil aferição pelo juiz.182 Por outro lado, aceitação geral não
significa aceitação unânime, que praticamente seria impossível de ser obtida, acabando por
afastar a prova científica dos tribunais.183 Assim, a decisão deixou em aberto qual deve ser o
percentual de acolhida de um princípio ou descoberta científica para que possa ser considerado de
“aceitação geral”.184 E, mesmo que se obtenha essa aceitação geral da comunidade científica, ela
pode se formar em uma técnica cientifica não confiável ou correta, de um lado, enquanto que um
conhecimento científico novo ou controvertido, que não tenha receptividade ampla, até pelo seu
caráter novidadeiro, pode consistir em uma prova confiável.

A jurisprudência anterior, com base no Fry test, exigia para a admissibilidade da prova
científica apenas que aquele conhecimento contasse com a aceitação geral da comunidade
científica. Após, com o Daubert test, o critério da general acceptance continuou a possuir um papel
significativo, mas deixou de ser exclusivo, tendo sido acrescidos vários outros parâmetros, embora
com o esclarecimento da Corte de que não se tratava de um rol fechado, ou um check list para a
aceitação da prova científica. O Caso Daubert, além de fornecer esses parâmetros gerais, colocou
nas mãos do juiz a função de gatekeeper da prova científica: cabe ao julgador controlar a
admissibilidade da prova, considerando os padrões do Daubert test.

Ressalte-se que a decisão não fez qualquer distinção entre as chamadas hard sciences e as soft
sciences. Assim, também as ciências sociais devem seguir o Daubert test. Todavia, parte da
doutrina defende que esse conjunto único de critérios deve sofrer, na prática, um processo de
flexibilização, com vistas aos padrões específicos de cada espécie de conhecimento.185

Mais do que uma mudança jurisprudencial, o Caso Daubert levou à alteração das rules 701, 702
e 703 da Federal Rules of Evidence, para incorporar os novos critérios à disciplina da prova
pericial.186

Posteriormente, a Suprema Corte dos Estados Unidos foi chamada a se manifestar novamente,
no ano de 1997, no caso General Eletric Co. vs. Joiner,187 que ficou conhecido como Caso Joiner – em
que se analisou qual standard a Corte de Apelação deve aplicar ao reexaminar a decisão da Corte
Distrital sobre a admissão ou exclusão de um expert testimony com base no Daubert test.

Mais especificamente, em primeiro grau, o juiz, excluindo a prova pericial requerida pelo
autor, e acolhendo o pedido da defesa, julgou sumariamente o processo. A Corte de Apelação do
11º Circuito, ao julgar o recurso, afirmou que as Federal Rules of Evidence, que disciplinam o expert
witness, privilegiam a admissibilidade da prova e, portanto, para justificar uma decisão de
exclusão da prova da fase de julgamento, é necessário aplicar um standard rigoroso quanto à
discricionariedade do juiz na fase de admissão da prova. Diante dessa premissa, reverteu a decisão
de inadmissibilidade, considerando-a errada, porque excluiu a prova dando grande importância
para o fato de que os peritos chegaram a conclusões diferentes das pesquisas conduzidas por cada
um deles, sendo que a Corte Distrital deveria se limitar a verificar a confiabilidade judiciária
produzida pelo expert testimony, deixando para o júri avaliar a correção das opiniões divergentes
entre os peritos.188 O caso chegou à Suprema Corte que, reafirmando a posição de gatekeeper do
juiz, considerou que o papel de revisão das Cortes de Apelação, no reexame da pronúncia das
Cortes Distritais sobre admissibilidade da prova pericial, deve se limitar aos casos de abuse of
discretion, em relação ao poder discricionário conferido aos juízes de primeiro grau para admitir
ou não a prova pericial. Somente um uso incorreto dos critérios Daubert e das FRE, com a
admissão de um expert witness, baseado tão somente em informações fatuais afirmadas pelo
perito ou na sua convicção subjetiva ou em especulações caracterizaria esse abuso. Concluindo
que tal não havia ocorrido no caso, reformou a decisão da Corte de Apelação e manteve a exclusão
da prova.

Um ponto fundamental que foi decidido no caso Joiner foi que na admissibilidade da prova
científica, o juiz deve valorar o âmbito de analitical gap entre as premissas (data) e as conclusões
(opinion) apresentadas pelos peritos, para determinar se há entre eles uma correlação
suficientemente estreita que permita considerar a perícia um elemento de prova confiável.189 Em
outras palavras, o juiz pode controlar a correção da argumentação do perito com as suas
conclusões.190

Dois anos mais tarde, a Suprema Corte, no caso Kumho Tires Co vs. Carmichael,191 voltou a
analisar a questão, confirmando a aplicação do Daubert test, e estendeu sua incidência para prova
não propriamente “científica”, mas também para provas meramente técnicas ou baseadas em
conhecimentos especializados. Trata-se de um importante avanço epistemológico, porque o que
importa é saber se o testemunho é confiável, e não se é científico.192 Em tal oportunidade, decidiu-
se que os fatores Daubert podem ser aplicados ao depoimento de engenheiros e outros peritos que
não sejam cientistas, até porque não existe uma linha divisória clara entre o que seja
conhecimento científico, conhecimento técnico ou outro conhecimento especializado, não havendo
necessidade convincente para se fazer tal distinção. Assim, deu-se importância não só para a
qualidade do conhecimento, como também para a adequação do conhecimento científico ou
especializado para a solução do problema concreto posto em juízo. Trata-se, pois, de dar
importância não só para a qualidade da ciência, mas para a adequação da ciência ou, no caso, do
conhecimento técnico, com o problema a ser resolvido no caso concreto. Além disso, decidiu-se
que os fatores da Daubert list poderiam ou não ser pertinentes, dependendo do tipo de perícia
envolvido, de modo que os tribunais poderiam ou não utilizar qualquer um dos fatores, usar
todos, ou não usar nenhum, o que no entender de Haack, foi muito sensato.193

Em suma, no Caso Frye (1923) prevaleceu o ponto de vista de que o juiz deveria se limitar a
colher a opinião geral da comunidade científica; no Caso Daubert (1993), em que se decidiu que o
juiz deve ter papel mais ativo e controlar a admissibilidade da nova prova científica, levando em
conta a opinião geral da comunidade científica, mas também devendo verificar outros critérios
como a confiabilidade da teoria científica ou da técnica, que deve ser passível de testes, a revisão
da teoria pela comunidade cientifica, a existência de publicações da teoria, a existência de um
percentual de erros conhecidos ou potenciais e a aceitação geral da comunidade científica.

Tal modelo exige adaptações para o sistema brasileiro ou mesmo europeu continental. Para
além de questões terminológicas dos sistemas e debates entre acusatório ou inquisitório, ou então
entre adversarial system ou inquisitorial system, é importante ressaltar algumas características
concretas que diferenciam os processos.

A construção norte-americana tem por objetivo analisar a decisão do juiz na fase prévia do
julgamento, para a admissão ou não dos esclarecimentos do expert witness a ser feita
posteriormente, perante os jurados. O problema se concentra na admissão da prova, evitando que
os jurados, que serão os triers of fact, possam ser induzidos a erro ou confusões, com base em uma
prova derivada de uma pseudociência, mas que goze da mítica infalibilidade das ciências. Por isso,
cabe ao juiz, numa fase prévia ao julgamento pelo júri, controlar a admissibilidade da prova antes
do julgamento. Com isso, os juízes de fato não terão contato com a “má ciência”, caso essa não seja
admitida.194

Um segundo aspecto relacionado à atividade judicial de admissibilidade da nova prova


científica em que há grande divergência entre o sistema adversarial e o sistema não adversarial, é
que naquele o perito é uma testemunha da parte. Cada uma se valerá do seu expert witness,195 não
sendo incumbência do juiz nomear um perito.196 Além disso, nem o juiz nem os jurados terão
qualquer interferência na escolha das partes sobre quem será o seu perito.

Muito diversas são as características do processo penal brasileiro.197 O procedimento não é


concentrado nem oral. A prova passa por uma formação gradual e, no caso da perícia, em muitos
casos ela é realizada ainda na fase de investigação preliminar. Ademais, uma diferença
fundamental é que o juiz que terá contato com o conhecimento pretensamente científico, para
controlar a sua admissibilidade ou não no processo, será o mesmo que, ao final, deverá decidir a
questão de mérito.198 Assim, uma vez vedado o ingresso da prova, por considerar que tal espécie
de conhecimento não tem natureza científica, o julgador saberá que caberá a ele, ao final, decidir a
questão. E surge nesse caso outro problema: sem um conhecimento técnico especializado, porque
a prova pericial foi indeferida, por ser negado aquele saber o status de “ciências”, o juiz terá que
lançar mão de seu “conhecimento privado”, decidindo com base em máximas de experiência ou no
“senso comum” vigorante naquela comunidade, naquele momento histórico.199 Isso poderá fazer
com que o julgador prefira, na dúvida, aceitar o conhecimento pretensamente científico a ficar
sem qualquer auxilio para decidir a questão com base em um conhecimento que, efetivamente,
não possui.

Já nos modelos em que o perito é nomeado pelo juiz, admitida a prova fundada em um novo
conhecimento científico, soma-se ao problema muito importante de qual perito o juiz deve
escolher. Não existem apenas as “ciências más”, mas também os “maus peritos”.200 Por outro lado,
sendo o perito nomeado pelo juiz e considerado um imparcial auxiliar da justiça, as suas
conclusões normalmente gozam de prestígio e influência muito maiores no julgamento, do que a
de um perito que seja auxiliar da parte.201 Há mais a ser considerado. Não se tratando de
julgamento pelo júri, como o juiz terá que motivar a decisão, ainda que considerado o peritum
peritorum, será muito incômodo discordar do perito e justificar o equívoco da perícia. Parece
contraditório nomear um perito para realizar uma tarefa que exige conhecimentos científicos dos
quais o juiz não dispõe e, depois, discordar dos resultados dessa atividade! O paradoxo, contudo, é
apenas aparente. O juiz não vai substituir o perito na realização do experimento pericial, mas deve
estar em condições de controlar a atendibilidade científica da atividade desenvolvida pelo expert e
dos resultados obtidos.202 Para tanto, no sistema em que o juiz nomeia o perito e decide o mérito
da causa, é fundamental o papel dos assistentes técnicos das partes, para submeter o resultado da
perícia oficial a uma dialética, que abrirá a possibilidade de, a partir de procedimento popperiano
de conjectura e refutação, ou de trial and error, fornecer elementos científicos favoráveis e
contrários, para que o juiz possa melhor avaliar o resultado do laudo oficial.

Depois da exposição da situação no direito norte-americano, é interessante um confronto com o


tratamento do tema do processo italiano, em especial, pela sua semelhança com o sistema
brasileiro. Na Itália, a questão da nova prova científica já despertou um grande debate doutrinário
sobre o ingresso das “novas ciências”. No processo penal, o fundamento que tem sido utilizado é o
art. 189 do Codice di Procedura Penale, que rege a admissibilidade de provas atípicas em geral.
Embora a nova prova científica não seja produzida por um meio de prova atípico e, portanto, o
problema não é de sua adequação ou não ao catálogo dos meios de prova, o dispositivo vem sendo
utilizado para a prova científica, sujeitando-a aos mesmos critérios legais de admissibilidade de
provas atípicas.203 Exige-se, portanto, que o novo conhecimento científico seja “idôneo para o
acertamento do fato”, e “não lesivo à liberdade moral do acusado”. E, para sua produção, há um
prévio juízo de admissibilidade, em contraditório de partes e perante o juiz.

Segundo Dominioni, a idoneidade para o acertamento dos fatos, exigida no art. 189, deve ser
aferida a partir dos seguintes dados: (1) a validade teórica do princípio científico, da metodologia
ou da tecnologia; (2) a adequação do instrumento técnico-científico para a reconstrução do fato que
é objeto da prova; (3) a controlabilidade do correto uso do conhecimento ou método, o que deverá
ocorrer na fase de produção e valoração da prova; (4) a qualificação do perito; (5) a
compreensibiliade do instrumento probatório científico ou técnico.204 Trata-se de exigência que é
corolário de um sistema racional da prova, que exige o domínio da parte e do juiz sobre a fonte
dos conhecimentos científicos. Se a compreensão escapa ao padrão de conhecimento do homem
médio, deve ser excluída tal prova.

Por outro lado, do ponto de vista negativo, não podem ser admitidos como nova prova
científica, aptos a gerarem conhecimentos válidos no processo, meios que não possam ser
justificados nem controlados racionalmente, até mesmo porque não se fundam em padrões
epistemológicos comumente aceitos, como a magia, a revelação dos oráculos, a rabdomancia ou o
espiritismo.205

Um aspecto importantíssimo da aplicação do art. 189 do codice italiano é a previsão de um


contraditório prévio à admissão da prova atípica e, no caso, por analogia, do novo conhecimento
científico. Antes de deliberar sobre o deferimento ou indeferimento do requerimento probatório o
juiz ouvirá as partes, que poderão se manifestar sobre dois critérios legais, de não ser ele lesivo à
liberdade moral do acusado e, principalmente, de ser idôneo para o acertamento do fato. É
precisamente quanto a esse segundo requisito que se colocarão os problemas de qualidade da
ciência empregada, de seus métodos, sua taxa de erro e aceitação pela comunidade científica, além
de sua aptidão para demonstrar o factum probadum.

Voltando para o direito pátrio, não há regra semelhante ao dispositivo peninsular no Código de
Processo Penal brasileiro. É possível, porém, a aplicação, por analogia, do art. 396 do Código de
Processo Civil que, tratando da admissão de provas atípicas, dispõe: “As partes têm o direito de
empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados
neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir
eficazmente na convicção do juiz”. A expressão meios moralmente legítimos é suficiente para
afastar o emprego de meios que violem a liberdade moral do acusado, como drogas conhecidas
como hipnose, “soro da verdade”, ou modernas “máquinas da verdade”.206 De outro lado, embora
não haja no dispositivo pátrio uma expressão equivalente a ser o meio ou, no caso, o
conhecimento científico “idôneo para o acertamento do fato”, como o art. 396 admite o meio
atípico para “provar a verdade dos fatos” e com isso “influir eficazmente na convicção do juiz”, é
perfeitamente possível o julgador, no juízo de admissibilidade dessa prova que envolva um
conhecimento técnico de elevada especialização, verificar a natureza verdadeiramente científica
do conhecimento, pois pseudociências não têm aptidão de provar a verdade ou de influenciar o
julgador.

Ressalte-se, ainda, que embora não haja exigência de um contraditório prévio ao juízo de
admissibilidade da prova, nada impede que assim o juiz determine, por aplicação direta da
garantia do contraditório assegurada constitucionalmente. O contraditório tem uma
importantíssima função heurística. No caso, antes mesmo de um contraditório na produção da
prova, que ocorrerá se o meio de prova pericial for deferido, haveria um contraditório sobre a
prova. Isto é, para analisar a viabilidade e a potencialidade probatória do conhecimento científico
novo que se pretende utilizar no processo. Não havendo risco de ineficácia na oitiva das partes,
que possa comprometer a prova, não há por que aplicar o contraditório apenas de modo diferido,
depois de já deferida a produção prova.

Em suma, é fundamental que o processo esteja aberto aos novos conhecimentos científicos, que
tenham aptidão para fornecer aportes de elevada especialização para enriquecer o material
probatório produzido e permitir que o julgador tenha um conjunto mais rico de elementos para
valorar. Esses conhecimentos se fazem ainda mais necessários no caso de delitos que envolvem
fatos de alta complexidade, como determinados tipos de crimes ambientais em que há necessidade
de prova do nexo de causalidade relativo a danos à saúde humana, na hipótese de lesões corporais
causadas em trabalhadores por possível exposição a produtos tóxicos, entre outros.

A utilização do conhecimento científico é um importante fator para permitir uma melhor


reconstrução dos fatos e uma mais apropriada busca da verdade. A necessidade de separar o bom
e o mau conhecimento científico, bem como de distinguir o perito capacitado daquele
despreparado não podem ser obstáculos para tanto.

Sem isso, restará ao juiz decidir desconsiderando um conhecimento de melhor qualidade. Fará
como de costume, nos casos em que não há uma regra científica de cobertura, em que acabará se
valendo de máximas de experiência ou conhecimentos do senso comum para realizar as
inferências probatórias. A chance de erro será muito maior.

3.4.2.As regras legais de produção da prova e seus reflexos epistêmicos

A produção da prova é um campo governado, tipicamente, por regras legais. É o legislador


quem determina os momentos processuais para o requerimento probatório, quais são os meios de
prova típicos, como será produzida a prova, qual a forma de participação dos sujeitos parciais do
processo etc.

Muitas vezes, as regras legais de produção de prova estabelecem uma disciplina legislativa que,
além de possibilitar o funcionamento de garantias institucionais do processo, como o contraditório
e a ampla defesa, também asseguram um adequado conhecimento dos fatos, cumprindo assim
também uma função epistêmica.

Não sendo o caso de analisar quase uma centena de artigos que disciplinam a produção da
prova, cabe enfatizar a importância epistemológica do contraditório na produção da prova. Nesse
sentido, aliás, é a regra geral do art. 155, caput, do Código de Processo Penal, que dispõe: “O juiz
formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não
podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na
investigação [...]” (destaquei).

O critério que permite a diferenciação entre as provas e os elementos informativos, como


facilmente se percebe, é a observância ou não do contraditório na produção do ato.207 As provas
são produzidas no processo, em contraditório, enquanto que os “elementos de informativos”, são
colhidos no inquérito policial, que não se desenvolve em contraditório. Assim, a presença ou
ausência de contraditório é o que distingue, respectivamente, o ato de prova do ato de
investigação.

Se o contraditório é fundamental também do ponto de vista da busca da verdade, inexiste


problema em restringir a valoração dos meios de prova que não foram produzidos em
contraditório. A restrição está justificada tanto pelos fins institucionais do de respeito ao devido
processo legal, quando pela finalidade também institucional de busca da verdade.

Todavia, o contraditório exerce funções distintas, tanto do ponto de vista legal quanto
epistemológico, em relação às fontes de provas reais, de um lado, e pessoais, de outro. E, para que
não se deixe de valorar uma prova, por não ter sido produzida em contraditório, quando este
efetivamente não era necessário à sua produção, do ponto de vista da epistemologia judiciária, é
relevante a distinção entre a produção de provas pré-constituídas e provas constituendas.

3.4.2.1.O contraditório na produção da prova: distinção entre provas pré-


constituídas e constituendas

Há diferença, no campo jurídico, entre as provas pré-constituídas e as constituendas,


especificamente no que diz respeito à produção de tais provas, com níveis de contraditório
bastante distintos.208

A partir de tal critério, no que diz respeito à produção da prova, é possível distinguir as provas
pré-constituídas das provas constituendas. As provas pré-constituídas dizem respeito a fontes de
conhecimento que existem fora do processo, em procedimentos extraprocessuais.209 Já as provas
constituendas somente surgem no processo, sendo produzidas na fase instrutória.210

Os distintos regimes de produção da prova, com claro reflexos no contraditório, são


decorrência da diferença das fontes de provas que, segundo uma tradicional classificação, podem
ser reais e pessoais.211 As fontes reais existem antes e fora do processo, já estando constituídas.
Assim, seu regime de produção implica tão somente introduzir no processo tais elementos. O
documento, por exemplo, não é “produzido” no processo. Ele é criado previamente e extra-autos.
O que se faz, no curso da instrução, como modalidade de produção da “prova documental”, é tão
somente a juntada de um documento já existente. Consequentemente, eles não são produzidos em
contraditório, mas apenas submetidos ao contraditório,212 cuja importância não será para a
formação da prova,213 mas para a sua valoração.214

Por outro lado, as provas constituendas, como o depoimento de testemunhas ou as declarações


da vítima, têm sua produção no curso do próprio processo, em contraditório.215 Quanto a este
último aspecto, Comoglio assevera que a oralidade da produção do depoimento, em contraditório
de parte, na presença do juiz, “configura um denominador mínimo de forma oral e de controle
dialético”, que não pode ser “substituído por uma equivalente forma de depoimento escrito,
realizado fora do contraditório”.216

Aliás, a diferença de regime de produção leva, também a uma diversidade do próprio regime de
admissão de tais provas. No caso dos documentos, justamente por se tratar de prova pré-
constituída, é desnecessário um prévio juízo de admissibilidade, não havendo necessidade sequer
de se perquirir sobre sua relevância.217 A prova documental é diretamente produzida, isto é,
juntada aos autos na própria petição, na qual, impropriamente, “se requer a juntada” de algo que
já se está juntado aos autos. No máximo, há um juízo a posteriori, em razão de alegações de
inadmissibilidade da prova documental, mas por critérios jurídicos, como tratar-se de uma carta
obtida por meios ilícitos. Além disso, quanto ao momento de produção da prova documental, há
ampla liberdade probatória das partes para a juntada de documentos em qualquer fase do
processo.218

A mesma liberdade, porém, não existe em relação às provas constituendas, que são submetidas
a limites legais de admissibilidade e produção bem mais rígidos. Como exigem a realização de
atividades processuais das partes e do juiz, bem como demandando tempo para sua produção, com
a necessidade de designação de audiência, o regime de produção das provas constituendas é mais
rigoroso. Há, por exemplo, limitação quanto ao número de testemunhas que podem ser ouvidas,
além de restrição legal quanto ao momento de requerimento da prova oral.

Em suma, no que diz respeito ao regime legal de produção, enquanto as provas constituendas
são “produzidas em contraditório”, as provas pré-constituídas são apenas “submetidas ao
contraditório”, o que equivale, respectivamente, a um contraditório forte e a um contraditório
fraco.219

A necessidade de um contraditório forte, na produção da prova decorrente de fontes pessoais,


decorre do valor heurístico do contraditório, como um eficientíssimo mecanismo para a busca da
verdade.220 Ademais, não se pode esquecer que o contraditório também tem uma conotação
garantista. Além da regra geral do inciso LV do caput do artigo 5º da Constituição, que assegura o
contraditório a todos os acusados, de modo mais específico, em relação à produção da prova oral
em geral, a Convenção Americana de Direitos Humanos, no art. 8.2.f, prevê o “direito da defesa de
inquirir as testemunhas presentes no Tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas
ou peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos”.221

3.5.Contexto da valoração
O contexto da valoração é o ponto culminante da atividade probatória. O juiz deverá analisar
todas as provas produzidas para verificar se a hipótese posta em julgamento com a formulação da
acusação foi ou não provada. Também deverá verificar se hipótese fáticas diversas ou contrárias,
geralmente alegadas pela defesa, encontram suporte na prova dos autos. Tal operação consiste em
julgar o apoio empírico que um conjunto de provas dá a uma hipótese fática, de acordo com
critérios gerais da lógica e da racionalidade.222 Que a decisão deve ser racional, isto é, fundada em
um juízo da razão, é um princípio fundamental ético-jurídico do processo penal moderno.223

Sendo o objeto da prova a afirmação sobre um fato, o enunciado fático deverá ser considerado
provado quando se verificar a coincidência entre seu conteúdo e o resultado de prova.

Sob o enfoque da hipótese fática a ser provada, o procedimento de valoração da prova pode ser
dividido em três etapas que se sucedem em relação de prejudicialidade: (i) confirmação; (ii)
falsificação; (iii) definição comparativa.224

O enunciado fático a ser provado é aquele contido na imputação formulada pela acusação, em
que se atribui ao acusado a prática de um fato que se enquadra em um tipo penal. Se nenhum
dado probatório confirmar a tese acusatória ela será uma hipótese não confirmada, que não
passará de uma mera possibilidade lógica. Nesse caso, sequer é preciso passar para a etapa
sucessiva. Por outro lado, havendo elementos de prova que confirmem a tese acusatória, é preciso
passar ao segundo momento, submetendo-a a falsificação. É possível que, embora
preliminarmente se tenha considerado confirma a tese acusatória, haja provas que refutem. Por
exemplo, uma vez considerado no momento de confirmação, comprovada a autoria delitiva, num
segundo momento, haja provas que demonstrem o álibi invocado pela defesa. Nesse caso,
novamente, não será preciso passar a momento sucessivo. Diversamente, se a tese acusatória tiver
sido confirmada, no primeiro momento, e não falsificada, num segundo momento, pode ser que
surja uma hipótese alternativas, normalmente alegada pela defesa. Nesse caso, caberá ao juiz
verificar, entre as hipóteses alternativas, qual é a mais provável, isto é, dotada de uma
probabilidade lógica prevalecente.225

Evidente que esse procedimento normalmente será muito mais complexo, pois dificilmente o
juiz estará diante de uma narrativa fática simples. Ao contrário, mesmo se tratando de crime
único, praticado imputado a um só acusado, ainda assim a narrativa fática é decomponível em
muitas partes: ação, resultado, nexo causal, elemento subjetivo, causas de aumento de pena,
qualificadora etc. Nesse caso, pode ser que o mesmo procedimento tenha que ser realizado em
relação a cada um dos segmentos fáticos que compõem a tese acusatória.

Também é possível que o juiz considere que a hipótese reconstrutiva dos fatos que se mostra
mais convincente não foi alegada por nenhuma das partes. Por exemplo, diante de uma acusação
de tentativa de homicídio, e da negativa de autoria pelo acusado, o juiz poderá considerar que há
prova de que o acusado praticou lesões corporais consumadas. De qualquer modo, em tal situação,
o relevante para a decisão será considerar que a tese acusatória posta em confronto, isto é, o fato
criminoso concreto imputado pela acusação que, não restou provado e, portanto, o resultado
deverá ser a absolvição do acusado.

Por outro lado, considerando o juízo de fato e a valoração da prova não sob enfoque do
enunciado fático a ser concretamente verificado, mas o conjunto de provas produzidas, a atividade
de valoração exige que o juiz analise todas as provas produzidas. Em relação a cada hipótese fática
em que pode ser decomposta a imputação, deverá valorar tanto as provas que lhe dão suporte, isto
é, que confirma a veracidade do fato afirmado, quanto as provas contrárias, que poderiam refutar
esse resultado.226 Se o juiz ignorar um segmento de prova, porque ele vai contra uma hipótese já
previamente escolhida como preferível, isso implicará uma grave quebra da imparcialidade,
indicando que o resultado do processo não foi fruto de uma atividade de verificação
desinteressada da prova, mas de um preconceito cognitivo, em que se buscava apenas confirmar
uma hipótese já eleita. Mesmo que o faça sem pendores subjetivos, de ajudar ou prejudicar uma
ou outra parte, ainda assim se o juiz desconsiderar as provas contrárias a uma hipótese que já
tenha sido considerada provada, incorrerá em um erro epistemológico. Isso porque estará
deixando e realizar a segunda etapa do procedimento valorativo, de tentativa de falsificação da
tese acusatória que tenha sido considerada provada. E, para tanto, evidente que não basta valorar
só as provas que corroboram tal hipótese, como as que lhe são contrárias ou servem ao seu
desmentido.

Além disso, a atividade de valoração da prova deve ser desenvolvida, com vistas à obtenção de
um resultado final que seja: (i) coerente internamente, não adotando simultaneamente hipóteses
fáticas incompatíveis entre si (p. ex., considerar provado o álibi do acusado e, simultaneamente,
que ele teria agido em legítima defesa); (ii) externamente coerente, isto é, em que os fatos tidos
como provados, quer individualmente quer em seu conjunto, não contrastem com as provas
produzidas.227

Há discussões sobre se o juiz deve adotar uma concepção holística ou atomística na valoração
da prova. O método analítico ou atomístico consiste em considerar isoladamente cada prova. Por
outro lado, segundo a concepção holística, a escolha deve recair nas provas valoradas em seu
conjunto,228 ainda que após as valorações isoladas.229

A principal crítica do emprego da concepção holística da valoração da prova é que ao processo


não interessa produzir narrativas coerentes e persuasivas, ainda que falsas, mas sim basear a
decisão em uma reconstrução verdadeira dos fatos, ainda que narrativamente não coerente. A
coerência da narrativa pode servir como critério residual da escolha, mas somente entre versões
do fato que tenham o mesmo grau de suporte probatório para serem consideradas como
verdadeiras.230

De qualquer modo, o juiz profissional ou leigo tem o dever de realizar uma valoração racional
que pode ser dividida em dois momentos distintos: no primeiro, analisando o valor de cada meio
de prova em si; no segundo, analisando as provas em seu conjunto, para verificar o suporte global
que dão a cada uma das afirmações fáticas penalmente relevantes, cuja comprovação seja objeto
do processo.231 Ressalte-se, contudo, que esse segundo momento, denominado holístico, deve estar
subordinado a narrativas que estejam comprovadas na primeira etapa. De acordo com a proposta
acima formulada das etapas de valoração, o método holístico pode ser útil na terceira etapa
valorativa, de definição comparativa de hipóteses, quando concorrem hipótese alternativa foram,
de um lado, confirmadas, e de outro, não refutadas pelo conjunto provatório. Em tal contexto, no
terceiro e último momento se deverá buscar, entre as hipóteses alternativas ainda em disputa,
qual delas é a mais provável, de acordo com uma probabilidade lógica.

No contexto da valoração, as provas produzidas constituem o ponto fundamental para que o


juiz defina qual hipótese fática é a mais atendível. Em relação a cada afirmação de fato que
necessita ser provada, o juiz poderá considerar que a prova foi “encontrada”, isto é, que “há
prova”, daquele fato, tendo havido um êxito positivo no experimento probatório. Por outro lado,
na hipótese contrária, quer dizer, de não haver coincidência entre o resultado de prova e a
afirmação probatória, dir-se-á que “não há prova” ou que “a prova falhou”. Essa segunda situação,
contudo, não significa que, diante da não coincidência entre a afirmação do fato objeto da
imputação ou defesa, de um lado, e o resultado probatório, de outro, que a produção do meio de
prova falhou, como ausência de produção da prova. Ao contrário, o meio de prova foi produzido,
enquanto experimento probatório, mas o seu resultado, consubstanciado nos elementos
probatórios obtidos, será inservível para a reconstrução histórica do fato. Por exemplo, a
testemunha comparece em juízo, presta depoimento, mas diz nada saber sobre os fatos, ou diz que
os presenciou, mas como já faz muito tempo, não mais se recorda dos mesmos.232

Quanto à escolha da hipótese fática tido por provada, como explica Taruffo, “será racional a
escolha a favor da hipótese dotada de um grau mais elevado de confirmação probatória, enquanto
seria irracional considerar como ‘verdadeira’ uma afirmação fática não sustentada pelas provas,
“falsificada” por provas contrárias, ou contraditada por outra afirmação sustentada por provas
prevalecentes.233

Tudo isso, porém, pressupõe a definição de um método racional de valoração da prova. De


maneira geral, nos diversos ordenamentos jurídicos, os códigos nada dizem quanto ao conteúdo ou
modo de se desenvolver a valoração da prova, limitando-se a se utilizar a expressões como, “livre
apreciação da prova”, no Código de Processo Penal brasileiro, ou a “sana crítica” da legislação
espanhola, ou ainda a intime conviction francesa. São expressões equivalentes em sua vagueza,
que em comum tem uma “fundamental indeterminação de significado.234

3.5.1.Da prova legal ao livre convencimento

O livre convencimento, que nas palavras de Nobili, é um “axioma potente”,235 não é uma
“descoberta moderna”. Já era encontrado no processo acusatório da Grécia clássica, com o
predomínio da retórica e da tópica. Depois, foi aplicado no processo da Roma Clássica e no da
cultura medieval dos séculos IX ao XIII.236 Todavia, do ponto de vista da evolução histórica, é
possível restringir a análise do livre convencimento a partir de seu ressurgimento no final do
século XVIII. Com a superação do sistema da prova legal, o livre convencimento representou uma
conquista do pensamento iluminista, implementada pela Revolução Francesa.

Naquele período histórico, o “livre” qualificava o convencimento judicial, em antagonismo com


o sistema anterior, da “prova legal”. Assim, para entender o que significa livre convencimento, é
preciso compreender as amarras anteriores, isto é, do que o juiz se livrou para, com liberdade,
poder realizar a valoração da prova e se convencer.

O sistema da prova legal,237 que foi aplicado do século XIII ao XVIII, representou a expressão
jurídica de uma metodologia do conhecimento que, do ponto de vista filosófico, fundava-se em
“apriorismos e abstrações formais típicas do tardio pensamento escolástico e aristotélico-
tomístico”.238 Ao contrário do que sua denominação sugere, o sistema da prova legal inicialmente
foi fruto da elaboração da doutrina dos juristas medievais, “de cultura jurídica formalística,
analítica, categorizante, amante das sutilezas e das complicações classificatórias”.239 Depois desse
primeiro desenvolvimento, e com o acolhimento e desenvolvimento de tais regras pela
jurisprudência,240 é que as leis passaram a adotar tais critérios, sistematizando as regras que
predeterminam o valor de cada prova.

No regime da prova legal havia uma rígida hierarquia entre os diversos meios de prova, do
ponto de vista da sua eficácia para o convencimento judicial, preestabelecendo o peso ou valor que
cada um deles teria no momento da decisão, dividindo-as em prova plena, prova semiplena,
quarto de prova etc. Em tal regime se aplicava, como regra geral, a máxima testis uno, testis
nullum. Quando aos indícios havia uma intricada classificação em plenos, semiplenos, quarto de
indícios etc. Por fim, não se pode esquecer que a confissão era definida como a regina
probationum, uma prova plena, dotada de valor probatório máximo. Nesse contexto, o sistema da
prova legal era compatível com uma noção de “verdade formal”, na medida que estabelecida
previamente pela lei e sem conexão com o específico potencial cognitivo e demonstrativo de cada
meio de prova produzido no caso concreto.241

O sistema da prova legal era também fruto da desconfiança contra o arbítrio do julgador,242 que
era um juiz profissional, integrante de uma organização judiciária centralizada e burocratizada.243
Considerava-se melhor definir previamente e de modo abstrato o que seria necessário para que
um fato fosse considerado verdadeiro, do que deixar a cargo do julgador, em cada caso concreto,
realizar tal valoração. Por outro lado, era o fato de se tratar de um corpo de juízes permanentes,
cultos e conhecedores do direito, que tornava possível julgar de acordo com regras que
prefixavam, em abstrato, o valor de cada meio de prova. Por fim, mas não menos relevante, é de se
ressaltar que a teoria da prova legal, com sua aritmética classificatória pretensamente cientifica,
era bastante adequada a um modelo inquisitório, no qual o juiz decidia isoladamente, como
senhor e dono da atividade probatória.

Com a Revolução Francesa, o livre convencimento – ainda que num primeiro momento em sua
forma mais radical da intime conviction – ressurge no final do século XVIII, como uma conquista do
pensamento iluminista, substituindo o sistema da prova legal. O sistema foi introduzido pela Lei
de 16-24 de agosto de 1790 – Décret sur l’organisation judiciaire, sendo posteriormente
regulamentado pela Lei de 16 de setembro de 1971. No que diz respeito específico à obrigação de
motivar, o art. 15, no Título V, previa que toda sentença civil ou penal deveria conter, a indicação
do nome das partes, das questões controvertidas de fato e de direto, do dispositivo de lei, dos
resultados de fato da instrução e os motivos da decisão.

A Lei de 16-24 de agosto de 1790 estabeleceu um conjunto de princípios profundamente


inovadores não só no campo do processo e da organização judiciária, mas também, da própria
ideologia democrática que se afirmou com a Revolução.244 Mais do que simplesmente estabelecer o
julgamento pelos jurados, houve uma forte mudança para um modelo processual fortemente
acusatório inspirado no julgamento do júri, e em todos seus corolários: oralidade, imediação e
“convencimento íntimo”.245

Limitando o objeto de análise ao livre convencimento, com a mudança da organização


judiciária, e a substituição do juiz técnico pelo juiz leigo, não havia como exigir do julgador a
aplicação de complexos critérios desenvolvidos por séculos, mediante regras de “aritmética
probatória”.246 O leigo que passou a atuar na administração da justiça por meio do júri popular
desconhecia tais pesos métricos de cada meio de prova, e sem tal saber, restava-lhe decidir
somente de acordo com a sua convicção íntima. No sistema do veredito imotivado do júri,
abandona-se a lógica dedutiva e a ideia de um controle ex post do raciocínio do julgador por meio
da motivação de suas escolhas.247 Por outro lado, a liberdade de valoração se afinava com uma
“nova filosofia”, que entendia a razão como instrumento de verdade, que era atingida com a
observação direta e crítica dos fatos.248

De qualquer forma, a fé no júri também era compatível com uma concepção que, para decidir
bem, bastava adotar a filosofia do “senso comum”.249 Beccaria, por exemplo, asseverava que para
julgar “não é necessário senão um simples e vulgar bom senso”.250

O livre convencimento não era, portanto, um critério positivo de decisão sobre a verdade, mas
um critério alternativo à prova legal, que pré-estabelecia o que era suficiente e necessário para
determinar a condenação e a pena.251 Como explica Taruffo, “o primeiro e principal significado do
‘livre convencimento’ do juiz se define por antítese ao conceito de prova legal”.252 O juiz fica livre
da apriorística hierarquia de provas estabelecidas pelo legislador, devendo ele próprio realizar
uma “valoração complessiva e comparativa para o acertamento dos fatos da causa”.253

Como se sabe, contudo, esse modelo de livre convencimento ligado ao júri durou poucos anos,
sendo substituído pelo sistema misto do Code d’Instruction Criminelle de 1808, que adotou o
chamado sistema misto,254 influenciando toda legislação europeia e dos países de formação
romano-germânica.255 Embora o código do Imperador Napoleão tivesse mantido, a ideia da “intime
conviction” no art. 342,256 com o júri na fase de juízo da causa,257 as cortes inferiores, que julgavam
sem o sistema dos jurados, também passaram a aplicar a intime conviction mesmo sendo
compostas de juízes de carreira e, a partir de então, a magistratura se apossou desse novo e
libertador critério.258 Com essa mudança, o livre convencimento passou a ser o modo de valoração
da prova do juiz profissional. E os poderes probatórios do juiz se tornaram cada vez mais intensos,
não só para a valoração da prova, como também para a sua produção. Afinal, se a valoração era
livre e o juiz tudo poderia valorar, ninguém melhor que ele para saber quais provas eram
necessárias para a descoberta da verdade, que era o objetivo final e maior do processo.

Assim, na cultura pós-iluminista, o livre convencimento, entendido como uma “livre


valoração”, passou a ser entendido como uma “valoração livre”, um processo intelectivo e
particular de cada julgador e, portanto, intransferível e incontrolável por outro sujeito, tornando-
se uma porta aberta para a pura arbitrariedade judicial.259 O juiz tornou-se, assim, um sujeito
privilegiado, e o resultado do processo quanto ao juízo de fato era uma verdade intimamente
atingida, “uma espécie de momento místico e, enquanto tal, incontrolável”.260 Tinha-se, assim, um
modo de decidir que, nas palavras de Carrara, caracterizava uma “convicção autocrática”.261

Além disso, essa tendência ampliativa do livre convencimento identificada com a total ausência
de limites, acabou por levar a uma versão irracional do convencimento judicial, uma espécie de
“anarquia cognitiva”.262 O acusado poderia ser condenado não em razão das provas, ou somente
das provas, mas também em decorrência de paixões, emoções, antipatias, simpatias, ideologias ou
outros fatores não controláveis que influenciassem o julgador. A sentença tornou-se, nas palavras
de Nobili, “um ato imperscrutável do ponto de vista lógico racional e arbitrário do ponto de vista
ideológico”.263

Em seu desenvolvimento histórico, o livre convencimento sofreu uma grande mutação, que o
transformou de uma garantia de liberdade em um instrumento de arbítrio. Aquele que era só um
princípio negativo, acabou transformando-se em um critério discricionário de valoração da prova,
sendo o livre convencimento, nas palavras de Ferrajoli, “uma das páginas politicamente mais
amargas e intelectualmente mais deprimentes da história das instituições penais”.264 Sistemas
fundados na íntima convicção ou na certeza moral do julgador,265 admitem, em última análise, que
o ato de decidir é o resultado de meras crenças, intuições ou opiniões do julgador, sendo a
sentença incontrolável intersubjetivamente.266

Para corrigir esses abusos, a epistemologia judiciária é de grande importância, por fornecer um
método racional de valoração da prova, possibilitando o controle e,267 consequentemente,
limitando esse arbítrio judicial.268 É com o aporte da epistemologia que se poderá preencher o
vazio negativo deixado pelo livre convencimento, dando-lhe um conteúdo positivo.

Num modelo cognitivista de exercício do poder punitivo, a valoração não pode ser entendida
como uma convicção íntima, livre e intransferível, com a consequência de ser um momento
irracional, incontrolável e arbitrário.269 O convencimento é livre das regras legais da prova
tarifada, mas não é livre para deixar de adotar regras e critérios racionais de determinação da
verdade dos fatos.270 Uma decisão racionalmente orientada permite que a escolha da hipótese
fática tido como verdadeira, por encontrar maior suporte nas provas dos autos, possa ser
intersubjetivamente controlável.271

Assim, no processo penal, o livre convencimento deve ser entendido, atualmente, como
garantia inerente ao devido processo legal, que imponha uma racional e motivada valoração das
provas legitimamente produzidas, para verificar se a hipótese fática da culpabilidade do acusado
está provada.272

A definição de que convencimento judicial será livre não fecha, mas, ao contrário, abre o
critério de valoração da prova.273 Não tendo o legislador indicar o método a ser seguido – e nem
deveria assim o fazer –, caberá à epistemologia fornecer os mecanismos de valoração racional da
prova.274 O livre convencimento judicial, enquanto princípio processual, necessita, nas palavras de
Taruffo, de uma heterointegração, que se dará por meio do “emprego de princípios da teoria geral
do conhecimento elaborados no plano filosófico”.275 Com isso, além de se saber que o juiz decidirá
livre do tarifamento da prova legal, também se poderá saber como o juiz decidirá. O problema é
identificar essas regras epistemológicas de valoração, que se encontram fora e além da disciplina
dos códigos de processo penal.276

Todavia, no processo penal, ainda por resquícios da desconfiança com o arbítrio provocado
pela deturpação autoritária do livre convencimento, excepcionalmente o legislador intervém,
estabelecendo regras legais de valoração da prova, em especial, com vista ao fortalecimento da
presunção de inocência. Sem o “requisito mínimo” exigido pelo legislador, o juiz não poderá,
abusando do livre convencimento, condenar o acusado com base em uma valoração da prova de
fundo irracional ou emotiva.277 A investigação judiciária não é uma pesquisa puramente
intelectual, mas o pressuposto de uma decisão sobre a liberdade do cidadão, na qual, se não
houver limites normativos, tenderá a prevalecer o poder sobre o saber.278

3.5.2.Exceções legais à livre valoração da prova

Um exemplo de tal interferência legislativa no livre convencimento é o art. 158 do Código de


Processo Penal, que impõe o exame de corpo de delito, nas infrações que deixam vestígios, não
podendo supri-lo a confissão do acusado. Não se trata, propriamente, de uma proibição de
produção de prova. O réu não é proibido de confessar o crime. A proibição legal está em que o juiz,
na valoração da prova, não poderá considerar provada a materialidade delitiva, com base na
confissão ou mesmo em outro meio de prova que não seja a perícia consistente no exame de corpo
de delito. Tal vedação funda-se na premissa de que, sendo possível a produção de uma prova com
melhor idoneidade e potencial cognitivo (a perícia), não se pode aceitar uma prova menos
qualificada (a confissão). Há, porém, quem conteste o dispositivo que, para Frederico Marques, é
uma “baboseira” que somente se justificaria no sistema da prova legal, sendo incompatível com o
processo penal moderno, no qual “tudo o que lícito for, idôneo será para projetar a verdade
real”.279

Outra exceção encontrada no direito brasileiro é a previsão de que, para a prova do estado das
pessoas,280 somente será válido o documento exigido pela lei civil (CPP, art. 155, caput), como é o
caso do estado de casado, que somente poderá ser provado mediante a certidão de casamento,281
ou do estado de filiação, mediante a certidão de nascimento.282 Pode ser lembrada, também, a
necessidade de atestado de óbito para a comprovação da morte do acusado, com vistas à extinção
da punibilidade (CPP, art. 62).283

Mais recentemente, outra regra legal que limitou a liberdade de valoração do julgador, foi
prevista em relação à colaboração premiada: o § 16 do art. 4º da Lei 12.850/2013, que estabelece:
“nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de
agente colaborador”.284 Trata-se, assim de uma regra de corroboração, exigindo que o conteúdo da
colaboração processual seja confirmado por outros elementos de prova.285 A presença e o
potencial corroborativo desse outro elemento probatório é conditio sine qua non para o emprego
da delação premiada para fins condenatórios.286

Outro exemplo que poderia ser lembrado é o da disciplina legal de valoração da prova no art.
192 do Codice di Procedura Penale italiano que, no comma 1º, estabelece que: “A existência de um
fato não pode ser inferida de indícios, salvo quando forem graves, precisos e concordantes”.287 A
necessidade de concordância dos indícios indica a necessidade de mais de um indício, apontando
para o mesmo factum probandum.288 Em outras palavras, houve uma intervenção do legislador
para estabelecer a insuficiência probatória de um único indício como fundamento para a
condenação.289

Tais dispositivos excepcionais não sinalizam para um retorno ao sistema da prova legal, em
seus moldes medievais, “com uma minuciosa predeterminação das características e do valor de
toda a prova (e de todo o indício) e na sua classificação num sistema preciso de prevalências e
hierarquias”.290 O que a lei estabelece, em tal dispositivo, não é determinar qual meio de prova ou
quantos meios de prova são necessários para que um fato seja considerado verdade. Ao contrário,
num regime de prova legal negativa,291 a lei determina que somente uma situação na qual o juiz
não pode, diante de um resultado probatório, condenar o acusado ainda que, segundo as regras
lógicas do procedimento inferencial normalmente empregado, considerasse que há prova
suficiente da culpabilidade.292 O legislador não estabelece abstratamente o que é necessário para
condenar, mas apenas, em reforço à presunção de inocência, o que é insuficiente para superar a
“dúvida razoável”.293

Há, ainda, casos em que o limite ao livre convencimento não é absoluto. São situações em que o
legislador estabelece proibição de valoração relativas, isto é, determinando que um meio de prova
pode ser valorado apenas para uma determinada finalidade, mas não para outra.

Em suma, o livre convencimento não fecha, mas abre o problema da identificação das
condições probatórias que permitem que um conhecimento seja considerado verdadeiro, cabendo
à epistemológica fornecer ao profissional do direito os instrumentos adequados para definição do
raciocínio probatório a ser utilizado pelo juiz.294

3.5.3.Métodos de valoração

Tendo o legislador adotado o livre convencimento, simplesmente estabeleceu que não há


vínculos legais prévios determinados ao juiz de como valorar. O vazio deixado pelo livre
convencimento deve ser preenchido pela epistemologia, na qual se deve buscar o método
adequado de valoração racional da prova, seja com vistas a assegurar melhores condições de obter
um conhecimento verdadeiro, seja para permitir um controle intersubjetivo dos seus resultados.

Nesse ponto, a tese não é apenas descritiva. O objetivo é ir além de verificar e descrever como
os juízes decidem. Ao final dos itens que se seguem será proposta a metodologia de valoração da
prova a ser empregada pelos julgadores, com vistas ao atingimento do objetivo epistêmico de
conhecimento da verdade, a partir dos elementos de provas produzidos no processo.

Afastada a possibilidade de se atingir um conhecimento racional absoluto sobre a verdade dos


enunciados fáticos, também no campo da valoração da prova tem se entendido que tal se dá por
meio de um juízo de probabilidade.295 Não há, porém, consenso sobre qual modelo probabilístico
deve ser utilizado para tal empreitada. Na sequência, serão analisadas as principais propostas de
métodos probabilísticos de valoração da prova:296 (i) a probabilidade estatística; (ii) a
probabilidade subjetiva; (iii) a probabilidade indutiva ou lógica.

É preciso analisar, previamente, qual o modelo probabilístico utilizado, para se definir que tipo
de inferência probatória é a mais adequada para a valoração da prova no ambiente processual.

3.5.3.1.A probabilidade estatística

A probabilidade estatística ou bayesiana mede o número de possibilidade de que um evento


ocorra, comparado com o número de possibilidade de que não ocorra.297 É, por exemplo, a
probabilidade de que, ao lançarmos uma moeda ao ar, caia cara. No caso, uma probabilidade de
1/2. Ou a probabilidade de que, lançando um dado, caia a face superior que tenha o número 1;
neste caso, a probabilidade de 1/6.

A teoria da probabilidade estatística fundamenta-se em aplicações do teorema de Bayes,298 que


é uma regra relativamente simples, descoberta pelo Reverendo Bayes, em 1763, segundo a qual a
probabilidade P, do produto de dois eventos E e H é dada pela P (H) x P (E/H) ou, simetricamente,
de P (E) x P (H/E).

Há um largo campo de aplicação da probabilidade estatística especialmente nos casos em que a


aceitação ou rejeição da hipótese serve de base para ações práticas.299 Nesse caso, a doutrina
bayesiana é um método de cálculo com base no qual, diante da necessidade de valorar a
atendibilidade da hipótese sobre o fato X, estabelece-se a provável frequência de X em uma
determinada classe de eventos, tendo em conta a distribuição de precedentes de X naquela
classe.300 Trata-se da aplicação da probabilidade clássica, entendida como a relação entre o
número de casos favoráveis e o número de todos os casos possíveis: a partir de uma análise
estatística dos fenômenos de massa, busca-se a frequência com a qual um certo tipo de evento se
verifica na totalidade de uma classe geral de eventos.301

Na probabilidade estatística se aplica o “princípio da indiferença”, segundo o qual há uma


possibilidade de ocorrência de qualquer das hipóteses, razão pela qual não há qualquer motivo
para preferir uma à outra.302 Ou seja, ao lançar um dado, equilibrado e não adulterado, não há
razão para preferir ou acreditar que há mais chance de sair o número 2 em vez do 3 ou de
qualquer um dos seis números estampados em suas faces.

Essa natureza generalista da probabilidade estatística a torna inadequada para ser considerada
o método de valoração do raciocínio probatório, pois no processo penal não se busca apenas
definir a probabilidade abstrata da repetição de uma hipótese, num determinado contexto. Julga-
se a alegação de ocorrência de um acontecimento concreto, único e irrepetível, e a probabilidade
estatística nada diz sobre eventos individuais.303

Para demonstrar o caráter abstrato da probabilidade estatística, é sempre lembrado o exemplo


formulado por Tribe, a partir de um caso real,304 conhecido como “caso dos ônibus azuis”. Numa
noite, a Sra. Smith conduzia seu carro por uma autoestrada solitária e foi atingida por um ônibus,
que fugiu após o acidente. A Sra. Smith somente conseguiu ver que o ônibus envolvido no acidente
era azul. No processo, a Sra. Smith conseguiu provar que somente duas empresas de ônibus
operavam na cidade, sendo que 80% dos ônibus pertenciam à Companhia dos Ônibus Azuis, e os
20% restantes eram da Companhia dos Ônibus Vermelhos. Desse modo, na falta de quaisquer
outros elementos que identificassem especificamente o ônibus que produziu o acidente, deveria a
Companhia dos Ônibus Azuis ser condenada a indenizar os danos causados à Sra. Smith?305

No caso, considerando que nas demandas cíveis se aplica o standard de prova da mera
preponderância, ou “mais provável que não”, e considerando que 80% era a base rates
information, a aplicação de uma probabilidade estatística com raciocínio probatório implicaria a
condenação da Companhia dos Ônibus Azuis. Mais do que isso, a Companhia seria condenada por
todo e qualquer acidente envolvendo ônibus naquela cidade!

Outro exemplo de resultados insatisfatórios da probabilidade estatística é o paradoxo do


intruso (the paradox of the gatecrasher), formulado por Cohen: suponha que numa cidade foi
realizado um rodeio para o qual 499 pessoas pagaram pela entrada, mas foram contadas 1000
pessoas no local, sendo uma delas o indivíduo A. Suponha que não foram emitidos ingressos e que
não há testemunhas de que A tenha pago para entrar ou tenha pulado a cerca. Assim, segundo os
critérios matemáticos de probabilidade, há 0,501 chance de que A não tenha pagado o ingresso.
Nesse caso, a teoria matemática implicaria que os organizadores do rodeio seriam vencedores em
uma ação indenizatória contra A, uma vez que o balanço de probabilidades estava a seu favor.306

Não é tudo. Paradoxalmente, o mesmo raciocínio seria aplicável em relação a todos os 1.000
espectadores que estavam no rodeio, e os organizadores do evento poderiam ganhar ações contra
todos, se fossem movidas independentemente e, assim, obteriam a condenação de 1.000
espectadores, embora já tivessem recebido o valor da entrada de 499 deles!307

O problema da aplicação da probabilidade estatística no contexto processual é que, ao se


basear na “frequência” ou na quantidade de vezes que um evento específico ocorre em um
universo de possibilidades, a probabilidade estatística despreza os elementos concretos do caso e,
principalmente, as provas produzidas. Em outras palavras, a probabilidade estatística permite
determinar a frequência com que um tipo de fenômeno se verifica, num total de uma classe mais
geral, mas não se consegue estabelecer a probabilidade de ocorrência de uma hipótese concreta
que se pretende verificar.308

A aplicação da probabilidade bayesiana como “métodos de cálculo” no processo também é


criticável por não considerar que, concretamente, é impossível realizar um cômputo
absolutamente completo de informações, conhecido o conjunto completo de todas as
possibilidades. Além disso, na grande maioria dos casos não há critérios “objetivos” de
quantificação das premissas do cálculo (prior probabilities), devendo o juiz estimar de modo
subjetivo o valor a ser atribuído aos dados inseridos no cálculo.309

No processo judicial, não se busca saber, em abstrato, a probabilidade de ocorrência de um


evento, de acordo com o número de eventos semelhantes já ocorridos no passado. O que o juiz
precisa, na sentença, é de um método de valoração das provas produzidas que lhe permita
verificar a efetiva ocorrência de um determinado fato, único e irrepetível.

Some-se a isso que, no processo penal, o standard de prova aplicável é muito mais elevado do
que a mera preponderância, exigindo frequências de base muito altas para que a probabilidade
estatística pudesse ter algum valor.

Ainda assim, o tema da probabilidade quantitativa ganhou grande destaque num caso criminal,
em que se apresentou como prova, para os jurados, um witness testemony baseado em
probabilidade estatística. Trata-se do famoso caso People v. Collins,310em que a probabilidade
estatística foi efetivamente empregada e, num primeiro momento, levou à condenação dos
acusados, gerando grande controvérsia doutrinária.311 O caso Collins pode ser assim resumido:
uma senhora idosa caminhava para casa em uma estrada de Los Angeles, quando foi roubada e
derrubada ao solo. A vítima declarou que somente conseguiu ver uma mulher loira fugindo; uma
testemunha afirmou ter visto uma jovem branca, com cabelos loiros e “rabo de cavalo” correr, e
depois deixar o local em um automóvel amarelo, guiado por um jovem negro com barba e bigode.
Poucos dias depois, um policial que investigava o caso prendeu um casal com estas características.
Durante o processo, a acusação valeu-se de um perito em estatística na tentativa de demonstrar
que, partindo das premissas de que o roubo foi cometido por uma mulher branca com cabelos
loiros e “rabo de cavalo” que tinha deixado o local em um veículo amarelo guiado por um negro
com barba e bigode, havia uma probabilidade altíssima de que os acusados fossem culpados, por
possuírem aquelas características incomuns. Individualizadas as características relevantes e
multiplicando-se o valor de cada uma das possibilidades,312 obteve-se o resultado de uma
possibilidade em doze milhões de que um casal escolhido aleatoriamente tivesse tais
características. Com base em tais argumentos, o júri condenou o casal.313

A Suprema Corte da Califórnia, contudo, reformou a decisão porque, além de questionar


aspectos técnicos dos cálculos probabilísticos empregados, também entendeu que, quanto ao
mérito da condenação, a utilização da estatística tinha “desviado” o júri de sua verdadeira função,
que é valorar a prova. Assim, não se analisou se a dupla que foi declarada culpada possuía
efetivamente as características expostas pelas testemunhas, ou ainda se havia possibilidade de
existir na região de Los Angeles outra dupla com as mesmas características.314

Como facilmente se percebe, a probabilidade estatística despreza os elementos concretos do


caso e, principalmente, as provas produzidas. Sua preocupação não é verificar a possibilidade da
ocorrência de um determinado fato concreto (que o casal preso tenha efetivamente roubado a
senhora), mas a probabilidade abstrata da repetição de uma hipótese (um casal formado por uma
jovem loira com “rabo de cavalo” e um negro de barba e bigode que dirige um carro amarelo), em
um determinado conjunto (os casais da região de Los Angeles que possuem carros). Através da
probabilidade quantitativa, determina-se a frequência com que um tipo de fenômeno se verifica
no total de uma classe mais geral, mas não se estabelece a probabilidade de ocorrência de uma
hipótese concreta que se pretende verificar.315

Pode-se concluir, portanto, que a teoria bayesiana do cálculo de probabilidade não fornece uma
racionalização eficiente para servir como modelo adequado de valoração da prova, para avaliar se
os elementos produzidos no processo confirmam ou não a hipótese concreta sobre o fato.316

Para Taruffo, trata-se de teoria contraproducente e perigosa no campo probatório, implicando


elevados riscos de erro.317 Esse risco é ainda mais relevante no caso penal, em que o standard de
prova é elevado e, se não for atingido, na dúvida deve ser aplicado o in dubio pro reo. Tudo isso
pode ser facilmente eliminado pela aplicação da probabilidade estatística, levando à condenação
do acusado mesmo quando haja a possibilidade de inocência, ainda que esta seja pequena em
termos probabilísticos.318

Ressalte-se, por fim, que não se deve confundir a inadequação do emprego da probabilidade
quantitativa, como modelo de valoração das provas, com a utilização da estatística enquanto
fundamento para utilização de um determinado meio de prova. Por exemplo, os exames de DNA,
ou mesmo a identificação datiloscópica, se valem do emprego da probabilidade estatística. Outro
campo em que tem sido largamente utilizada a prova estatística é na análise de dados
epidemiológicos, para estabelecer a relação de causalidade, considerando categorias gerais de
eventos.319

3.5.3.2.A probabilidade subjetiva

A probabilidade subjetiva não é uma probabilidade de eventos, mas de proposições. De uma


forma geral, a probabilidade subjetiva mede o nosso conhecimento sobre o mundo, sendo uma
noção epistemológica de probabilidade, que gradua as possibilidades de uma determinada
proposição ser verdadeira.320 Indica o grau de crença pessoal de um juízo de fato racional sobre a
ocorrência de um acontecimento incerto.321 Ela pressupõe a estimativa, por tal indivíduo, da
probabilidade inicial ou a priori, associada a uma determinada alegação de fato, e permite a sua
reavaliação, consoante uma informação adicional sobre a medida da incerteza de verificação
desse fato.
A probabilidade subjetiva busca estabelecer que “grau de crença”322 é racional ter em uma
hipótese, dado um elemento de julgamento, se antes de conhecer esse elemento de julgamento,
tínhamos um grau de crença x na hipótese, dadas as probabilidades inversas de que esteja
presente o elemento de julgamento se a hipótese for verdadeira e se não for.323

A utilidade da aplicação de tal modelo no processo penal reside – segundo os bayesianistas – em


que a probabilidade subjetiva permite combinar a informação estatísticas sobre um certo evento
(expressa mediante uma likelihood ratio), com uma informação estatística inicial (a prior
probability), sendo o resultado de tal combinação a probabilidade a posteriore (posterior
probability), que expressa a valoração final da prova.324

O primeiro grande problema da utilização da probabilidade subjetiva bayesiana, como método


racional de valoração da prova no processo, é que ela pressupõe uma crença inicial que deverá ser
simplesmente escolhida pelo juiz. Com isso, dois juízes aplicando o mesmo método de valoração,
sobre o mesmo conjunto de provas, podem facilmente chegar a resultados diversos, posto que há
grande liberdade na escolha da medida da crença inicial na hipótese.

Além disso, do ponto de vista probabilístico, se o valor atribuído à prior probability for muito
baixo, também será muito baixo o resultado da valoração final, independentemente de a
probabilidade indicada pelo novo elemento probatório ser muito alta, o que resulta contraintuitivo
e contrário ao modo e atuação dos tribunais.325

Além disso, a probabilidade subjetiva, baseada em cálculos bayesianos, se vale de um cálculo


relativamente simples no caso haver somente uma prova que tenha por objeto o próprio thema
probandum. Mas a complexidade do cálculo aumenta muitíssimo quando se busca resolver
situações complexas, mas que são as mais usuais nos tribunais, com quando há e pluralidade de
elementos de prova sobre um mesmo fato, ou há utilização de provas mediatas, que exigem
inferências sobre inferências, ou é necessário provar um fato complexo.326

Como utiliza valores matemáticos,327 a probabilidade subjetiva também leva a resultados


insatisfatórios no caso de conjunção de hipóteses independentes, em razão da necessidade de
multiplicação da probabilidade de cada uma das hipóteses, o que gera sempre um resultado
inferior à probabilidade isolada de cada uma delas. Com isso, é praticamente impossível, no
processo penal, atingir o standard de prova beyond any reasonable doubt.328

Outro problema é que a probabilidade subjetiva deve obedecer ao princípio da


complementariedade, segundo o qual “a probabilidade de p e a probabilidade de não-p devem
somar 1”.329 Todavia, no processo judicial, é possível que a prova indique que tanto a hipótese
acusatória, quanto a hipótese defensiva, não contam com provas suficientes de corroboração. Por
exemplo, a imputação é de homicídio, tendo o acusado atirado na vítima de inopino; a defesa, por
sua vez, afirma que o acusado não foi o autor dos disparos; enquanto a prova dos autos indica
como razoável a hipótese de ter o acusado efetuado os disparos em legítima defesa.330

Por fim, mas não menos relevante, a aplicação da probabilidade subjetiva enfrenta sérios
obstáculos no processo penal, perante a garantia da presunção de inocência e seus reflexos
probatórios. Não havendo elementos iniciais de julgamento, a teoria da probabilidade assinala que
se deve adotar uma posição neutra, de 0,5, entre a hipótese e sua negação. Essa posição, contudo,
poderia ser questionada perante a presunção de inocência.331

Não se trata da questão da regra de julgamento, identificada com o in dubio pro reo, pois esta
somente deve ser aplicada ao final do processo, em caso de dúvida sobre fato penalmente
relevante. A questão também não é relativa ao reflexo da presunção de inocência sobre o standard
de prova, que no processo penal deve ser bastante elevado, pois esse somente opera ao final do
processo de valoração da prova. O que se afirma é que a presunção de inocência assegura um
status a todo e qualquer cidadão: ser considerado inocente até a prova plena de sua culpa. Se
assim o é, a igualdade de chances iniciais colide com essa garantia, na medida em que o acusado
não está sendo tratado como inocente, mas indistintamente como inocente ou culpado.
Toda essa dificuldade da aplicação da probabilidade subjetiva ao processo penal decore do fato
de que tal espécie de probabilidade não se presta a justificar qual a melhor proposição diante de
um dado conjunto de elementos de julgamento. Como bem conclui Gascón Abellán, “o uso do
Teorema de Bayes produz uma sobrevalorização da probabilidade inicial e uma subvalorização do
peso que tem as novas provas no cálculo probabilidade final”, o que a torna inadequada para ser o
modelo de valoração da prova no âmbito processual.332

Evidente que o erro não está na probabilidade subjetiva em si, mas na tentativa de seu
transporte para o campo probatório. A finalidade da probabilidade subjetiva é outra: visa apenas
demonstrar a racionalidade da mudança de crença, dado um determinado elemento novo, que não
fora considerado anteriormente.333 Ela apenas ensina extrair conclusões coerentes a respeito do
juízo a priori (da crença inicial) qualquer que seja ela.334 Mas, no contexto processual, a conclusão
sobre haver um conhecimento verdadeiro e justificado de um enunciado não deve depender da
crença inicial do julgador em tal proposição, mas sim da aceitabilidade do enunciado, com base
nos elementos de julgamento disponíveis e de se ter atingido o standard de prova aplicável ao
caso.

Todas essas impropriedades fazem com que a probabilidade subjetiva não seja a melhor opção
para ser o método adequado de raciocínio judicial na valoração da prova penal.

3.5.3.3.A probabilidade indutiva ou lógica

A probabilidade indutiva ou lógica, de tipo baconiano, isto é, não matemática, nos moldes
expostos por Jonathan Cohen,335 é método defendido pela maioria dos juristas como sendo o
adequado para um modelo racional de valoração da prova no processo.336

A probabilidade indutiva, em regra, parte de premissas gerais da noção de probabilidade: (i) a


probabilidade é constituída de números que vão de zero (impossibilidade) a um (certeza); (ii) se há
dois eventos que não podem acontecer no mesmo momento, a soma das probabilidades separada
de cada um deles será igual a um; (iii) se dois eventos podem ocorrer no mesmo momento, a
probabilidade de seus acontecimentos contemporâneos é dada pela multiplicação da
probabilidade dos dois eventos separados.337

Por outro lado, no caso da probabilidade indutiva ou lógica, considerada por Cohen como sendo
de tipo “baconiana”, não se aplica o princípio da complementariedade,338 fazendo com que a soma
de todas as probabilidades não seja necessariamente um, bem como não se aplica a regra da
multiplicação no caso de eventos independentes, válida para a probabilidade de tipo pascalino. No
raciocínio baconiano, de tipo indutivo, uma conjugação de eventos tem sempre uma probabilidade
tão elevada quanto aquela menos provável dos outros conjuntos.

A probabilidade indutiva do tipo “baconiana” é determinada através da aplicação do method of


eliminative reasoning. A probabilidade indutiva não tem por fundamento a frequência de
ocorrência de um evento, em uma classe mais geral, mas sim os elementos de provas que dão
sustentação às diversas inferências.339 Com isso, a probabilidade indutiva de tipo baconiano
elimina a principal crítica formulada contra o emprego da probabilidade bayesiana como método
de valoração da prova, no contexto processual. A prova constitui a base do raciocínio judicial e
determina o tipo de conclusão que se pode validamente extrair.340 Com base nos elementos de
prova disponíveis, o magistrado deve valorar o grau de fundamento, isto é, de suporte que o meio
de prova dá para uma hipótese sobre um evento particular, irrepetível e desconhecido.341

O fato de a probabilidade indutiva de tipo baconiano não admitir cálculos matemáticos, não
implica que não se possa graduar ou comparar o nível de suporte indutivo com que conta cada
hipótese e, como explica Ferrer Beltrán, “o grau de corroboração ou de suporte indutivo das
distintas hipóteses em conflito pode ser comparado, o que permite fazer uma ordenação das
hipóteses, embora não se possa quantificar numericamente a probabilidade de cada uma delas”.342

A probabilidade para Cohen coincide com o grau de solidez de uma inferência, consistente na
passagem do fato A ao fato B que, por sua vez, depende da solidez da regra geral que fundamenta
tal inferência.343 Para se determinar o grau de suporte indutivo da regra geral é necessário
realizar uma série de induções eliminativas, por meio das quais se verifica a capacidade de
resistência daquela regra geral à interferência de outros fatores que poderiam conduzir a
resultados diversos.344 A força da inferência vai aumentando à medida que a hipótese vai
superando controles probatórios elaborados para falseá-la, o que aumenta a sua probabilidade.345
Por outro lado, no caso de elementos probatórios convergentes, no sentido de confirmação de uma
mesma hipótese, isso aumenta a probabilidade de tal hipótese. Podendo acontecer que, diante do
acúmulo de provas convergentes, embora cada uma delas seja, por si só, insuficiente para
considerar o fato como provado, em conjunto, representem um suporte bastante para o
atingimento do grau de probabilidade exigido, de acordo com o standard de prova aplicado ao
caso, para o acertamento do fato.346

A probabilidade indutiva de uma hipótese depende do apoio ou suporte que lhe prestam as
provas com as quais está ligada por uma regra causal, sendo medida não em termos frequentistas,
mas em “graus de confirmação” ou de apoio indutivo de uma hipótese relativamente a uma
informação (no caso, de um elemento de prova).347 A hipótese será aceita como verdadeira, se for
confirmada por uma prova com a qual tenha um nexo causal ou lógico, fazendo com que a
existência de tal prova constitua uma razão para aceitar tal hipótese. Como explica Taruffo,
“quanto mais seguro e preciso for o tipo de conexão entre a hipótese e as provas, maior será o grau
de confirmação (ou de probabilidade) da hipótese que, ao contrário, somente obterá confirmações
‘débeis’, quando as conexões forem genéricas, vagas e tenham um fundamento cognitivo
incerto.”348

Por outro lado, no caso de provas contrastantes, os problemas serão da valoração comparativa
entre as provas que apoiam uma determinada afirmação fática e as provas que apoiam outra
asserção fática diversa, em confronto com a primeira. Nesse caso, o problema será de uma
valoração comparativa, devendo prevalecer a hipótese fática que, complessivamente, tenha a
maior probabilidade de ser verdadeira.349 Todavia, no processo penal, tendo em vista a adoção de
um elevado standard de prova e pesando o ônus da prova sobre a acusação, se a hipótese que
apresentar um maior grau de probabilidade indutiva for a acusatória, mas houver uma
probabilidade, embora menor, de uma versão fática defensiva, essa prova de refutação será
suficiente para que a hipótese acusatória, embora mais provável, não seja, ao final, considerada
provada. A resolução do problema, contudo, não se dará no contexto da valoração, por meio do
resultado racionalmente aceitável em termos de simples probabilidade indutiva, mas no
atingimento ou não do standard de prova necessário para a condenação, no contexto da decisão.

Em outras palavras, exige-se um suporte probatório menor da prova de um fato defensivo, do


que se exige para a prova que dá suporte ao fato imputado pela acusação. Embora no modelo
cognitivo a verdade seja obtida através de provas e desmentidos,350a hipótese acusatória deve ser
confirmada por uma pluralidade de provas ou dados probatórios, enquanto que “uma só
contraprova, ou prova de desmentido, seja suficiente para justificar uma convicção contrária”,
isto, é pela absolvição.351

3.5.4.A inferência probatória

Como exposto, o raciocínio probatório deve se desenvolver com vista ao atingimento de um


conhecimento graduado em termos probabilístico, mas não a partir de um conceito de
probabilidade frequentista ou mesmo da probabilidade subjetiva, ambos estabelecidos
matematicamente a partir de quantificadores expressos numericamente.

O raciocínio probatório indicará, como conclusão, qual enunciado fático que, com base numa
probabilidade lógica ou indutiva, é o mais provável, em comparação com outros enunciados que
com ele disputem a prevalência. Para tanto, prevalecerá a hipótese fática que resista aos testes
visando falseá-la, pois apresenta maior capacidade de resistência maior, vez que está fundada em
uma regra geral de maior solidez.

Resta definir qual o modelo de inferência adequado para um melhor controle da racionalidade
da decisão sobre o juízo de fato no processo penal. Para tanto, serão analisadas duas propostas: (i)
a inferência probatória baseada no modelo argumentativo de Toulmin; (ii) a “inferência para a
melhor explicação”.

3.5.4.1.A inferência probatória a partir do esquema de argumentação de Toulmin

Stephen Toulmin considerava que o estudo tradicional dos argumentos, de um ponto de vista
puramente formal, somente se presta a explicar os argumentos em determinados setores da
matemática. Embora sem negar a importância da lógica tradicional, ela não seria suficiente para
julgar a força e as debilidades dos argumentos não analíticos.352 Diante disso, procurou uma lógica
operativa, a partir de um enfoque procedimental e dialético, e que se baseava no modelo dos
argumentos jurídicos: Logic (we may say) is generalized jurisprudence.353

Toulmin trabalha com as noções fundamentais de proponente e oponente, numa estrutura


dialética, em que o raciocínio se desenvolve a partir de interações nas quais se apresentam
pretensões (clains), razões (grounds), garantias (warrants) e apoio (backings). A partir desses
quatro elementos fundamentais, formula o seu layout da argumentação. Além disso, são
acrescidos os qualificadores modais (qualifiers) e as condições de refutação (rebuttals).354 A lógica,
nesse modelo, determina as regras segundo as quais se fundamentam e rebatem asserções.355

Analisando os argumentos utilizados em vários campos, como na física, no direito e na ética,


Toulmin conclui que eles têm a mesma estrutura. Sumariamente, o esquema argumentativo pode
ser assim exposto, reproduzindo o próprio exemplo dado pelo autor. Alguém formula uma
asserção, com a pretensão (claim) de que seja aceitas.356 P. ex.: “Harry é um cidadão britânico”.
Essa pretensão é também chamada conclusão. Se essa pretensão for posta em dúvida pelo
oponente, o proponente tem que fundamentar a sua pretensão. Para o fazer, deverá aduzir fatos
como razões (data ou ground) de sua pretensão. Assim, a asserção de que “Harry é um cidadão
britânico” (C = claim ou conclusion), poderá ser justificada acrescentando como razão de tal
afirmativa o fato de que “Harry nasceu nas Bermudas” (D = data). Se o oponente não aceitar tal
argumento, poderá o atacar de dois modos: Pode questionar a verdade dos dado (data)
apresentado como razão da pretensão; ou poderá questionar a relação de tal fato com a pretensão,
isto é, questionar se tal dado D é adequado para fundamentar a conclusão ou pretensão C. Nesse
segundo caso, o proponente não poderá continuar seu raciocínio, aduzindo um novo fato, mas
deverá justificar o passo (step) que lhe permitir ir de D para C. Para tanto, é necessário se valer de
um novo elemento lógico: uma regra de inferência (inference-licence).357 Toulmin denomina essas
regras de “garantia” (warrants), que têm a seguinte forma: “Dados como D nos autorizam a extrair
conclusões ou a realizar pretensões como C”.358 Voltando ao exemplo, a regra de inferência ou a
“garantia” do argumento seria: “Quem nasce das Bermudas é cidadão britânico”. Essa garantia
pode ser aceita, o que normalmente ocorre quando a regra de inferência é conhecida ou forte.
Porém, é possível que também essa regra de inferência seja posta em dúvida pelo oponente. Será
necessário, então, que o proponente ofereça um “apoio” (backing, representado pela letra B).359 No
nosso exemplo, o fundamento é suficiente forte, porque decorre de uma lei que assegura a quem
nasce no território britânico a cidadania britânica.

Assim, esquematicamente, segundo a construção de Toulmin, a forma mais simplificada da


estrutura do argumento é a seguinte:

Esse é, porém, um modelo simplificado, a ser utilizado para que se tenha um argumento válido
ou correto.360 Porém, quando se pretende analisar a “força” de um argumento, Toulmin acrescenta
dois outros conceitos fundamentais: o denominado “qualificador modal” (modal qualifier = Q) e a
“condição de refutação” (condition of rebutall = R).361

O qualificador fixa a modalidade de relação com que a conclusão C pode ser afirmada com base
no fato D e na garantia W. A conclusão pode ser afirmada com um maior ou menor grau de
segurança. Enquanto que na matemática ou na lógica dedutiva as conclusões são necessárias, na
vida ordinária isso dificilmente ocorre e temos apenas conclusões mais “fracas”, que são expressas
por qualificadores modais como: “presumivelmente”, “com muita probabilidade”,
“plausivelmente” etc.362

Por outro lado, a condição de refutação indica quando a garantia W não permite a passagem do
fato D para a conclusão C.363 Ou seja, embora essa não seja uma conclusão absoluta, mas apenas
aceitável no grau indicado pelo qualificador modal (p. ex.: plausivelmente), ainda assim, podem
existir determinadas condições extraordinárias ou excepcionais em que a conclusão C não se
aplica.364 Essas condições se denominam “condições de refutação” e eliminam a força do
argumento, sendo expressas em termos como: “salvo se”, “exceto”, “desde que não ocorra” etc.

Os qualificadores modais (Q) e as condições de refutação (R) são diferentes das garantias (W), já
que fornecem atributos à garantia e ao passo entre os dados (D) e a conclusão (C). Os
qualificadores indicam a força conferida pela garantia para esse passo, enquanto que as condições
de refutação indicam as circunstâncias nas quais resta afastada a autoridade geral da garantia.365
A estrutura mais complexa do argumento é a seguinte:

366

Há uma importância fundamental dos qualificadores modais do esquema argumentativo de


Toulmin, em termos de sua adaptabilidade para a inferência probatória: possibilitar a
flexibilização do caráter absoluto da conclusão, o que é fundamental quando se trabalha com
raciocínio inferencial. O “todo” do lógico denota expectativas inadequadas que, na prática, estão
condenadas ao desapontamento. Mesmo as garantias mais gerais estão sujeitas, ainda que em
situações incomuns, a sofrer exceções, de modo que só podem autorizar conclusões
probabilísticas.367

Transportando esses conceitos para o campo probatório,368 é praticamente impossível que haja
um único aspecto fático a ser esclarecido no processo. Normalmente, há vários pontos de fato a
serem provados para caracterizar todo o perímetro dos fatos imputados. Portanto, haverá uma
série de argumentos probatórios que se somarão, cada um tendo um thema probandum distinto,
como, p. ex.: sobre a ação delitiva, sobre o resultado, sobre o nexo causal, sobre a autoria delitiva,
sobre a qualificadora etc.

Por outro lado, muitas vezes, haverá inferências probatórias de segundo nível, nos casos em
que uma inferência probatória permita uma conclusão sobre um juízo de fato que, por sua vez,
será a base para uma outra inferência probatória. É o caso típico da prova indiciária. Por exemplo,
uma asserção acusatória, de que “Antonio matou Maria” (claim) pode ser aceita pelo juiz como um
conclusão correta desde que o acusador apresente como razões (data ou ground) de sua pretensão
elementos de prova compatíveis com tal fato: “A perícia de exame de confronto balístico
demonstrou que o revolver apreendido na casa de Antonio foi o mesmo que proferiu o disparo
que atingiu Maria” (D = data). A defesa poderá não aceitar tal argumento, atacando-o. Pode
questionar a verdade dos dados (data) apresentados como razão da pretensão. Por exemplo,
questionando que a arma submetida a perícia tenha sido efetivamente encontrada na casa de
Antonio. Nesse caso, coloca-se uma nova questão fática, que deverá ser submetida a uma outra
atividade probatória. Surge a pretensão C de que a arma periciada foi a arma efetivamente
apreendida na casa de Antonio. Deverão ser fornecidos novos dados, como, v.g., a documentação
da cadeia de custódia. Por outro lado, a defesa poderá questionar a relação de tal dado inicial D
(prova pericial), como apto a permitir o passo para a conclusão ou pretensão C, de que Antonio
atirou em Maria. Nesse segundo caso, o acusador não poderá continuar seu raciocínio, aduzindo
um novo fato, mas deverá justificar o seu passo de D para C valendo-se de uma regra de inferência
que valerá como “garantia” (warrants), que têm a seguinte forma: “Dados como D nos autorizam a
extrair conclusões ou a realizar pretensões como C”.369 Voltando ao exemplo, a regra de inferência
ou a “garantia” do argumento seria: “Quando dois projeteis apresentam as mesmas ranhuras
deixas pelo cano da arma de foto é possível afirmar que ambos foram disparados pela mesma
arma”. Essa garantia pode ser aceita, o que normalmente ocorre quando a regra de inferência é
conhecida ou forte, como nesse caso. Porém, é possível que também essa regra de inferência seja
posta em dúvida pela defesa. Será necessário, então, que o acusador ou o próprio perito ofereça
um “apoio” indicando os padrões e critérios científicos utilizados no exame pericial, que permitem
afirmar com determinada probabilidade (se conhecida a taxa de erro) que o projétil examinado
pelos testes em laboratório provem da mesma arma que efetuou o disparo do projétil que foi
encontrado no corpo da vítima.

Essa, contudo, será apenas uma das inferências probatórias. Num caso concreto, muitas outras
poderão ter que ser feitas, para cada segmento da alegação de fato que integre a imputação.
Também poderá ser necessário realizar inferências probatórias de fatos alegados pelo acusado,
como ter agido em legítima defesa, em que será necessário verificar se havia uma agressão, se tal
ato agressivo era atual ou iminente, qual o meio utilizado na reação, se havia outros meios à
disposição do acusado, como o meio foi utilizado etc.

Em suma, a inferência probatória a ser realizada no processo judicial deve seguir o modelo de
argumentação de Toulmin, adaptado para a atividade probatória.

3.5.4.2.A inferência para a melhor explicação

Outro modelo inferencial aplicável ao campo probatório, que tem sido elaborado nas últimas
décadas, tanto no campo científico, como no plano jurídico, é a chamada “inferência para a melhor
explicação” (Inference to the Best Explanation).370

Trata-se de um processo inferencial complexo, que consiste em elencar, entre diferentes


hipóteses explicativas em disputa, qual delas explica os fatos de melhor modo. Não há um
parâmetro único para definir como considerar uma hipótese “a melhor”. O procedimento se
baseia num raciocínio abdutivo que busca a hipótese mais plausível.371 Uma hipótese poderá ser a
melhor por ser a mais plausível, por ser a mais simples, ou porque tem “maior poder explicativo”,
ou, ainda, a que abarca um conjunto maior de fenômenos a serem explicados.372 Embora os
critérios possam variar, o que não muda é que a hipótese nunca é avaliada por si só ou
isoladamente, mas em relação a outras hipóteses concorrentes, naquele contexto.373

Ronald Allen e Michael Pardo sustentam que a melhor forma de explicar a prova judicial
consiste em utilizar “a inferência para a melhor aplicação do princípio ao fim”.374 Isto é, tanto num
nível micro, relativo à confiabilidade que se atribui a cada um dos meios de prova
individualmente considerados, quanto também em nível macro, ou seja, da valoração global das
provas para o julgamento final sobre culpa ou inocência.

O esquema geral da inferência para a melhor explicação é o seguinte:375

e1,e2, … en são os fatos proeminentes que devem ser explicados.

h1, h2, ... hn cada uma explica e1, e2, ... en.

explicações rivais para e1, e2, … en foram minuciosamente buscadas, mas a pesquisa somente produziu
h1, h2, ....h3.

hi, é a melhor explicação para o conjunto {h1, h2, ... hn}.

Então, conclui-se que hi é provavelmente verdadeira.


Um primeiro problema para a aplicação da inferência para a melhor explicação no processo
penal, como modelo explicativo do raciocínio judicial na valoração da prova, é que ela se vale do
raciocínio abdutivo, que implica a criação e escolha de uma hipótese para submetê-la a testes. E,
como já visto, quem formula a hipótese se compromete psicologicamente com a hipótese a ser
investigada. Por isso, quem formula hipótese na fase processual não é o juiz, mas o acusador. Se o
juiz, ainda que como etapa do raciocínio probatório, formular hipóteses para a reconstrução
histórica dos fatos, comprometerá sua imparcialidade. Trata-se, sem dúvida, de raciocínio muito
útil e adequado para o investigador, mas inaplicável o juiz.376

No âmbito processual, o que se busca é verificar quais das hipóteses alegadas pelas partes
explica melhor os fatos que realmente aconteceram, de acordo com as provas produzidas. Não se
trata, porém, de uma mera questão de escolher a hipótese que se apresenta como a mais provável,
no sentido de maior probabilidade, na medida em que mesmo hipóteses bastante improváveis
podem ser as melhores à luz dos elementos probatórios produzidos.

Do ponto de vista do raciocínio judicial, e sem corretivos que agreguem um standard de prova
elevado, a inferência para a melhor explicação não pode ser aceita no processo penal.

A “Inferência para a Melhor Explicação” parte, claramente, de um juízo comparativo: a melhor


explicação exige que haja pelo menos duas possíveis explicações em cogitação, com graus de
plausibilidade distintos. Mais do que isso, “melhor” é um adjetivo que qualifica algo como sendo
superior a outro do mesmo gênero, com o qual é comparado. Implicitamente, traz a ideia de
bondade ou boa qualidade de ambas explicações, sendo que uma é boa em nível superior ou mais
alto. Ocorre que, em muitas situações, a melhor explicação disponível para o caso, de acordo com
as provas existentes, será, ainda assim, uma má explicação. A solução, então, não estará na adoção
da “melhor” explicação, mas na “menos má” explicação. Ou seja, no confronto entre duas
explicações ruins, restará apenas não adotar a “pior” explicação! Nesse caso, adotar a inferência
para a melhor explicação seria aceitar, como conclusão, que a causa fosse decidida de acordo com
um standard probatório muito rebaixado.377

O segundo problema, e que ocorre com mais frequência como resultado das provas penais,
surge quando as hipóteses em conflito, tanto a acusatória, quanto a defensiva, são boas. Nesse
caso, mesmo que a hipótese da acusação seja a melhor, não seria correto aceitá-la como explicação
para o juízo de fato, na medida em que há também hipóteses plausíveis da defesa.378 Ainda que ela
seja a melhor explicação, ela não será a única explicação razoável. Haverá uma outra hipótese
corroborada por provas, ainda que não tão forte quanto a “melhor”. É o que basta para a
existência de dúvida sobre a imputação e, portanto, a aplicação do in dubio pro reo. Nesse
contexto, se for adotada a “inferência para a melhor explicação”, a hipótese condenatória teria que
ser “escolhida” e, portanto, considerados os fatos provados, o acusado seria condenado, em clara
violação à presunção de inocência.

Para Laudan, a inferência para a melhor explicação é muito fraca, para funcionar como
standard probatório para o processo penal, e muito forte, para o processo civil.379 Não sendo o
objetivo analisar a valoração da prova no processo civil, mas propor um modelo racional de
valoração da prova para o processo penal, para que a Inference to the Best Explanation fosse
adotada no campo criminal, ela teria que ser integrada como um corretivo de reforço a ser
adotado no plano do standard de prova. Não deveria ser escolhida a explicação que fosse somente
a “melhor”, mas, para usar um trocadilho, “a melhor [...] além de qualquer dúvida razoável”. Isso,
contudo, desnatura a essência da teoria.

3.6.Contexto da decisão

3.6.1.Diferença entre valorar e decidir

No que toca ao contexto da valoração, defendeu-se que o melhor modelo fornecido pela
epistemologia, para ser utilizado pelo juiz na valoração da prova, é o da probabilidade indutiva,
também denominada lógica ou baconiana, nos moldes desenvolvidos por Cohen.
Depois de realizada a valoração de todo o conjunto probatório validamente produzido, por
meio de um modelo racional de valoração, ao final, tem-se o resultado probatório. O juiz terá que
decidir se uma hipótese fática, afirmada por uma das partes, pode ou não ser considerada
provada, de acordo com o grau de confirmação que tal hipótese tenha atingido com base nas
provas produzidas. Em outras palavras, a probabilidade lógica não diz nada sobre o grau de
confirmação necessário para se considerar provada a hipótese fática no processo penal, sendo
necessária uma regra legal que estabeleça esse grau de confirmação que deve ser atingido para a
decisão.380

Todo ato de decisão envolve um aspecto volitivo que não é completamente racionalizável.381
Isso, contudo, não pode levar à aceitação de que se deve assumir uma orientação voluntarista,
considerando a decisão como um “evento autofundado, arbitrário, irrepetível e cujas razões
restam seladas na subjetividade incognoscível e incomunicável de quem decide”.382 O que se deve
fazer é procurar, na medida do possível, reduzir ao mínimo essa dose de subjetividade, adotando
mecanismos de controle, que empreguem métodos racionais de decisão e justificação das razões
que levaram às escolhas feitas por quem decidiu.

A adoção de critérios claros e objetivos de decisão é necessária para que o ato final de exercício
do poder decisório não seja arbitrário ou incontrolável. O juiz precisa de um modelo de
constatação claro, que defina a partir de qual umbral o resultado da valoração, que apontou uma
hipótese fática como prevalecente, a ponto de poder ser considerada provada. Em outras palavras,
para decidir é preciso verificar se a valoração aponta um resultado cujo suporte probatório atingiu
ou não o standard de prova aplicável ao caso.383 Uma proposição fática estará provada, e
consequentemente o conhecimento de tais fatos será considerado verdadeiro, caso existam
elementos de prova que lhe deem suporte, permitindo atingir o standard probatório aplicável ao
caso. Isso, evidentemente, não significa que essa afirmação sobre o fato é necessariamente
verdadeira, mas que, no processo, ela pode “ser considerada verdadeira”.384 Com efeito, standards
de prova são critérios que estabelecem o grau de confirmação probatória necessário para que o
julgador considere um enunciado fático como provado.

Justamente por isso, o standard de prova, qualquer que seja ele, não é incompatível com a regra
do livre convencimento do juiz.385 O juiz tem liberdade para valorar, embora deva seguir um
modelo racional de valoração da prova. A valoração racional indicará que uma hipótese fática é a
preferível, por ter sido aquela que dá explicação para todas as provas, bem como resiste a
possíveis hipóteses diversas. O juiz, livre para valorar, valendo-se de uma probabilidade lógica,
saberá qual grau de suporte que as provas dão a tal hipótese, ainda que não mensurável
numericamente. É só até esse ponto que vai o livre convencimento. Porém, é preciso que o juiz,
que valorou livremente a prova, segundo os cânones da razão, conclua se tal hipótese fática
poderá ser considerada provada. Nesse ponto, deixa-se o contexto da valoração e passa-se ao
contexto da decisão. A tarefa judicial, que no contexto da valoraçao está regida por critérios
epistemológicos, passa a ser vinculada, no contexto da decisão, por critérios legais que definem o
standard de prova.

3.6.2.O standard de prova como critério de decisão

A definição do standard de prova é um problema central da epistemologia judiciária.

Desde que se adote as premissas epistêmicas de que a justiça só é possível com uma verdade
fática, que essa verdade é objetiva, e não uma questão de que alguém assim o creia, e admitindo
que, com suficiente frequência, é possível obter um conhecimento verdadeiro de uma questão
sobre os fatos em litígio, é necessário que haja standards de prova objetivos que façam com que
uma prova seja considerada melhor que a outra, e o fato de que as provas que sustentam uma
afirmação sejam boas, segundo tais standards, seja uma indicação, embora falível, de que a
afirmação em questão provavelmente é verdadeira.386 Entre os objetivos da epistemologia está a
definição do “critério de verdade”, isto é, de quando um conhecimento pode ser considerado
verdadeiro. Cabe à epistemologia fornecer as ferramentas necessárias, formulando standards de
prova variados, que sejam objetivos ou, ao menos, intersubjetivamente controláveis.
Uma vez que a epistemologia forneça um leque de opções de variados standards de prova
passíveis de serem adotados em diversos tipos de processo, ou mesmo em fases diversa de um
mesmo processo, caberá ao direito definir qual será esse modelo de constatação. Essa definição do
standard de prova para estabelecer em que condições uma proposição fática poderá ser
considerada provada poderá ser feita por meio de parâmetros jurisprudenciais (como no caso do
processo penal norte americano), ou mediante aplicação de critérios definidos em regras de direito
posto (como adotado no Código de Processo Penal italiano).387 A adoção de um standard probatório
mais rebaixado ou, ao contrário, mais elevado, afetará o resultado do julgamento e, no processo
penal, em última análise, aumentará as chances de que a sentença seja absolutória ou
condenatória.

Pela relevância que a opção por um ou outro standard de prova acarreta no processo penal – e
o mesmo se diga sobre a definição de sobre quem pesará o ônus da prova –, mais do que uma
questão de mera técnica processual, ou mesmo de simples racionalidade, o que se tem é uma
escolha axiologicamente orientada.388 A decisão do standard de prova no processo é
substancialmente uma escolha de valores, considerando preferências sociais para o atingimento
de objetivos ao quais se pretende dar primazia, como reduzir os riscos das decisões errôneas,
distribuindo equitativamente, ou evitar condenações equivocadas, dando prevalência à proteção
da liberdade dos acusados.389

Porém, antes de definir qual o standard de prova aplicado ao processo penal, é preciso analisar
a relação entre standard probatório e ônus da prova.

Além do standard de prova, é importante lembrar que, para o atingimento dessas finalidades
extraepistêmicas, o legislador ainda conta com outro instrumento técnico: as regras sobre ônus da
prova. Ao definir na lei como deverá decidir o juiz se, ao final do processo, estiver em dúvida sobre
um fato juridicamente relevante – exatamente porque quanto a ele não se atingiu o standard de
prova necessário – a definição de regras sobre a quem incumbe o onus probandi igualmente
influenciará, fortemente, no resultado do processo. Mais especificamente, ao definir, por exemplo,
que cabe ao acusador demonstrar a ocorrência do fato criminoso, e estabelecer que para
considerar esse fato “provado”, exige-se um standard probatório elevado, como de prova “além da
dúvida razoável”, opta-se por um sistema que dificulta as condenações ou, o que seria o reverso da
moeda, favorece a preservação da liberdade dos acusados. Por outro lado, caso se considere que
cabe ao acusado demonstrar a excludente de ilicitude por ele alegada, dificulta-se a absolvição
caso se alegue, por exemplo, a ocorrência de legítima defesa. Além disso, em se estabelecendo um
standard de prova elevado para que tal alegação se considere provada, aumenta-se a dificuldade
de que o acusado se desincumba de tal ônus e, consequentemente, incrementa-se a possibilidade
de condenação. Por outro lado, rebaixando tal standard, e facilitando o cumprimento do encargo
probatório defensivo, torna-se menos difícil a absolvição.

O standard probatório está, portanto, intimamente ligado à distribuição do ônus da prova que,
sob seu viés objetivo, é representado por uma regra de julgamento para o caso de não superação
do grau de prova exigido pelo standard probatório. Assim, caso ao final do processo um fato
relevante para o julgamento do feito não tenha sido comprovado suficientemente, o chamado
“ônus da prova objetivo”390 determinará ao julgador como ele deverá julgar.391 No processo penal,
o ônus objetivo da prova é regido pelo princípio in dubio pro reo, como manifestação da presunção
da inocência.392

Embora inter-relacionados, não se pode confundir “standard de prova” com “ônus da prova”. O
standard probatório estabelece o grau de suporte que os meios de prova devem fornecem às
alegações fáticas, para que elas possam ser consideradas verdadeiras.393 Já o ônus da prova define
uma regra de julgamento, isto é, como deverá decidir o juiz, se no momento do julgamento de uma
alegação fática relevante, esta não tiver sido considerada provada. Na dinâmica das sequências
probatórias, primeiro se apresenta a questão do standard de prova, e somente se este não for
atingido, se aplica a regra do ônus da prova.

Quando se acreditava na possibilidade de se atingir um conhecimento total dos fatos, sendo a


verdade plenamente acessível ao julgador, o problema do standard de prova não se colocava. Ele
deveria julgar de acordo com o que as provas demonstravam “ser verdadeiro”, e não de acordo
com o que a provas demonstravam ser racionalmente preferível e, portanto, deveria “ser
considerado verdadeiro”. Por outro lado, no momento em que se tem a consciência de que o juízo
fático deve ser resolvido mediante um raciocínio inferencial que não levará a um conhecimento
verdadeiro absoluto, mas a um resultado meramente probabilístico, a questão do standard
probatório ou do modelo de constatação exigido para o julgamento se coloca como essencial.394

Apesar de se ter essa consciência, há uma enorme dificuldade para estabelecer um standard de
prova objetivo – o que não significa quantificável numericamente, como se verá –, que seja apto a
instrumentalizar um juízo axiológico, sem equivocidades no texto normativo ou no critério
jurisprudencial ou doutrinariamente defendido.395 Normalmente, os códigos de processo não
estabelecem qual o standard de prova a ser observado pelo juiz para considerar um fato provado.
Evidente que não se trata de uma omissão por mero esquecimento ou falta de vontade de
estabelecer legalmente um regime legal para um tema tão sensível, que pode definir – e muitas
vezes define – o resultado do processo.396

O art. 155 do Código de Processo Penal brasileiro apenas estabelece que “O juiz formará sua
convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo
fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação,
ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”. O mesmo vazio ocorre no direito
estrangeiro. Por exemplo, na Alemanha, o § 261 da StPO prevê que: o “tribunal decide, segundo a
sua livre convicção, sobre o resultado das provas produzidas ou examinadas em audiência”. Em
Portugal, o art. 127 Código de Processo Penal estabelece que “a prova é apreciada segundo as
regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”. Na Espanha, a Ley de
Enjuiciamiento Criminal, no art. 741, limita-se a prever que “O tribunal, apreciando seguno sua
consciência as provas praticadas [...]”, sem definir um standard de prova específico. Todavia, tanto
o Tribunal Constitucional,397 quanto a doutrina também utiliza a expressão equivalente: “más allá
de toda duda razonable”.398 Com razão, Paulo de Souza Mendes afirma que, “entre nós, é, pois,
urgente começar um debate sobre a conveniência e a legitimidade da incorporação das diferentes
medidas da prova nos processos civil e penal romano-germânicos”.399 A ausência de um standard
de prova representa, nas palavras de Ferrer Beltrán, o calcanhar de Aquiles de um sistema
processual que pretenda limitar a arbitrariedade e fomentar o controle das decisões
probatórias.400

Regime explícito sobre o standard de prova é previsto no Codice di Procedura Penale italiano
que, embora em sua redação originária não disciplinasse a questão, posteriormente, por meio da
Lei 46, de 20 de fevereiro de 2006, alterou a redação do art. 533, comma 1º, incorporando a regra
da prova “al di là di ogni ragionevole dubbio” no processo penal.401

No processo penal brasileiro, o tema dos standards de prova era, até muito pouco tempo,
raramente explorado pela doutrina, que geralmente se limita a tratar do tema sob o enfoque do in
dubio pro reo. Ou seja, como se bastasse considerar que, na dúvida, o réu deve ser absolvido,
independentemente de qualquer análise sobre os diversos graus necessários para que a prova
permita que se considere um fato “provado” ou mesmo para que se tenha como satisfeito um
requisito legal de mera probabilidade e não de “certeza”.402

Nos tribunais norte-americanos é comum o emprego de, pelo menos, três “standards de prova”
definidos a partir de parâmetros jurisprudenciais: (i) simples “preponderância de provas”
(preponderance evidence), (ii) “prova clara e convincente” (clear and convincing evidence), (iii) e
prova “além da dúvida razoável” (beyond a reasonable doubt). A preponderância de provas,
também conhecida como “mais provável que não”, significa simplesmente a probabilidade de um
fato ter ocorrido. A “prova clara e convincente” pode ser identificada como um standard
probatório intermediário, em que se exige uma probabilidade mais elevada ou reforçada, não
bastando ser mais provável do que não. Finalmente, a “prova “além da dúvida razoável”, do ponto
de vista comparativo, pode ser considerada como sendo uma probabilidade elevadíssima de que
um conhecimento seja verdadeiro.
Embora seja relativamente fácil, em termos abstratos de uma escala de convencimento, referir-
se à probabilidade simples, probabilidade elevada e probabilidade elevadíssima,403 do ponto de vista
de uma epistemologia judiciária, as questões não se colocam de modo tão simples, principalmente
quando se pretende uma maior “objetivação” dos standards de prova.

Há muitas divergências sobre os standards de prova. Uma primeira pode ser o enfoque a ser
utilizado: o standard de prova deve ser “subjetivado” e encarado a partir do convencimento
provocado no julgador, ou buscado a partir da relação entre a prova e o enunciado fático? Uma
segunda questão relevante é: o standard probatório deve ser considerado como algo quantificável
numericamente.

Como será melhor esclarecido no ao se trata das propostas alternativas ao “beyond a


reasonable doubt”,404 o standard de prova deve ser estabelecido a partir do grau de suporte que a
provas conferem a uma determinada proposição fática. Um standard de prova concebido em
termos subjetivos, de convencimento do julgador, torna o sistema incontrolável. O juiz nunca terá
errado, na medida em que “se convenceu” que o nível de prova era aquele. O julgamento e
provimento de um eventual recurso, apenas indicará que os julgadores em segundo grau “se
convenceram” em sentido diversos. Ambos estarão, contudo, subjetivamente corretos. Logo, o
recurso deixará de ser um mecanismo de controle, para ser apenas a possibilidade de um segundo
convencimento, igualmente correto, em sentido oposto. E o juízo de prova se resumirá a convencer
o julgador que, na hierarquia judiciária, seja o último a poder realizar uma decisão sobre o juízo
de fato.

Para encerrar, cabe transcrever a advertência de Laudan, um espistemólogo dedicado ao tema


da prova no processo penal: “em qualquer área fora do direito em que se valorem provas para
tomar certas determinações (incluindo as ciências naturais, as provas clínicas em medicina, a
matemática, os estudos epidemiológicos, etc.), o standard de prova está concebido para informar
ao investigador em questão quando tem o direito de considerar algo como provado; quer dizer,
quando a relação que existe entre as provas ou as premissas e a conclusão que se busca justifica a
aceitação de tal conclusão como provada no contexto específico. Ao contrário, no direito
processual penal, esta função é completamente ignorada e vergonhosamente ocultada. No lugar de
especificar que a confiança que os membros do júri podem ter na culpabilidade do acusado
depende de que tenham sido oferecidas ou não provas robustas, o direito processual penal faz com
que o standard de prova seja parasitário do nível de confiança que o investigador ou o julgador
dos fatos (neste caso, o jurado) tenha na culpabilidade do acusado.405

Quanto ao segundo ponto, nos Estados Unidos há pesquisas de campo analisando como os
juízes consideram, em termos probabilísticos, a aplicação de tais standards de prova, aplicando-os
em termos de percentuais. A jurisprudência norte-americana mostra uma tendência de procurar
definir os diversos níveis de atendimento do burden of evidence de acordo com critérios
matemáticos.406 Não é a melhor solução. Até porque, diante de uma proposta de delimitar ou
expor um modelo de epistemologia judiciária que, no contexto da valoração, trabalha com a
probabilidade indutiva não matemática, recorrer a critérios numericamente quantificáveis de
graus de convencimento seria acrescentar uma complicação inadequada e desnecessária.

Não se deve quantificar, matemática ou numericamente, os graus de probabilidade distintos


que caracterizam os diversos standards de prova ou modelos de constatação, tendo fracassado as
tentativas de atribuir valores numéricos, em decimais ou percentuais, ao grau de confirmação que
as provas atribuem aos enunciados fáticos.407 Mas, ainda que a lei não defina um percentual de
convencimento, como estabelecendo como “prova clara e convincente” de autoria quando se
atinge um percentual probabilístico elevado, de 75% de chance de que o acusado seja o autor do
delito, isso não invalida a utilidade teórica e prática dos standards de prova.

Isso não significa que os standards de prova não possam ser graduados. Podem e devem, mas a
ordenação entre os diversos níveis de prova exigido para que um fato seja considerado como
provado será graduada por outros parâmetros.

Levar em conta a relevância dos bens tutelados,408 com a consequente diferenciação entre
processos de naturezas distintas (p. ex., processos penais, de um lado, e não penais, de outro),409 a
graduação dos standards de prova não se estabelece em termos como: para julgar procedente uma
demanda cível é necessário que a prova indique que os fatos que fundamentam o direito o autor
estão provados com “51% de chance de ser verdadeiro”. Também não se afirma que, numa
demanda sancionatória não penal, o ato ilícito e sua autoria devem estar provados com “75% de
chance de serem verdadeiros”; e, num processo penal, com “99% de chance de serem verdadeira”.
Diversamente, são utilizadas expressões, que embora vagas, não se expressam em termos
numéricos: “preponderance of evidence”, “clear and convince evidence” e prova “beyond a
reasonable doubt”.

Além disso, cabe ressaltar que a relevância do bem tutelado não é o único critério para
diferenciar os standards de prova. Mesmo no processo penal, nada impede que a técnica dos
standards de prova seja utilizada em níveis distintos, com vista às decisões distintas a serem
proferidas ao longo da persecução penal. Por exemplo, o grau de convencimento sobre a autoria
delitiva que se exige para iniciar uma ação penal, identificado com a expressão “indício de
autoria”, pode ser considerado como de mera preponderância de prova, entendida com uma
probabilidade simples. Já no procedimento bifásico do júri, para a pronúncia, é necessário que
haja “indícios suficientes de autoria”, o que pode ser considerado como uma probabilidade
elevada, que na jurisprudência norte-americana é identificado com o parâmetro da “prova clara e
convincente”. Também nas decisões cautelares, basta um mero juízo de probabilidade, não se
exigindo o mesmo nível elevadíssimo requerido para se proferir uma das sentenças de mérito
condenatória.

O exemplo, contudo, é importante para deixar claro o caráter gradual do suporte que as provas
dão a uma determinada alegação de fato. Se num modelo racional o raciocínio probatório é
probabilístico, é necessário então adotar regras que determinem o grau de probabilidade – que
não precisa ser expresso em valores numéricos – a partir do qual estamos dispostos a considerar
uma hipótese fática como provada, quer dizer, há necessidade de existir critérios legais que
determinem o grau de suporte que a prova deve dar a uma hipótese fática para que ela possa ser
considerada verdadeira e tomada como hipótese de trabalho pelo juiz.410

3.6.2.1.O standard de prova e presunção de inocência

Já se analisou a presunção de inocência como regra de julgamento no processo penal, bem


como seu corolário do in dubio pro reo.411 Em outras palavras, no processo penal, a dúvida sobre
qualquer fato penalmente relevante deve ser resolvida em favor do acusado.

Todavia, se o juiz lançou mão da presunção de inocência como regra de julgamento foi porque,
no momento final do processo, estava em dúvida quanto ao juízo fático. Ou seja, uma hipótese
fática que integrava o thema probandum não foi considerada provada. Portanto, quanto a essa
proposição, “p não está provado”. E não o foi, porque o suporte probatório que dava aval a tal
proposição não permitiu atingir o standard de prova elevadíssimo aplicável ao processo penal, que
normalmente costuma ser identificado como a prova “além da dúvida razoável”.

Simplificando, como o standard de prova – que normalmente é definido em lei ou na


jurisprudência – não foi atingido, aplica-se a regra constitucional da presunção de inocência, com
a resolução da dúvida em favor do acusado. Justamente por isso, afirma Ferrer Beltrán que, não é
possível fazer operativa a garantia da presunção de inocência, como regra de julgamento, se for
indeterminado qual grau de provas que se exige para que a hipótese acusatória supere tal
“presunção”.412

Não havendo, na maioria dos ordenamentos jurídicos, uma definição legal do standard de
prova aplicável para considerar um fato provado para fins de condenação penal, é de se indagar se
a presunção de inocência implicaria algum standard de prova. A posição que nega tal repercussão
considera que a presunção de inocência seria somente como regra de julgamento, isto é, a
disciplina do ônus da prova, ou in dubio pro reo. Outros, porém, vão além e entendem que a
presunção de inocência também implica a necessidade de se adotar o standard de prova “além de
qualquer dúvida razoável”.
Por exemplo, Ferrua afirma que a função prioritária do standard de prova “além de qualquer
dúvida razoável” é “garantir o acusado do risco de uma condenação injusta”.413 Exatamente essa
mesma finalidade foi apontada como a razão de ser da adoção do in dubio pro reo, o que indica
uma aparente convergência de escopos.

Na mesma linha, a Corte Europeia de Direitos Humanos, no caso Barberá, Messegué e Jabardo
vs. Espanha, ao analisar o art. 6.2 da Convenção Europeia de Direitos Humanos, que assegura que
qualquer acusado de uma infração penal “presume-se inocente”, implica que “o ônus da prova está
todo sobre a acusação e qualquer dúvida (any doubt) deve beneficiar o acusado”.414

Aliás, essa mesma conclusão foi adota pela Suprema Corte dos EUA no famoso caso in re
Winship, no ano de 1970, quando afirmou que a prova beyond a reasonable doubt é o standard
aplicável ao processo penal, que pode ser extraído da XIV Emenda da Constituição norte-
americana, que assegura o devido processo legal.415 Importante, contudo, atentar para a diferença
de tal sistema quanto ao juízo de fato. No processo penal estadunidense, o standard de prova
beyond a reasonable doubt constitui uma instrução que é dada aos jurados, sobre o nível de prova
exigido para que possam proferir um veredicto condenatório. Trata-se, por óbvio, de veredicto não
motivado. Por outro lado, no citado julgamento, a Suprema Corte não definiu em que consiste a
“dúvida razoável”, deixando livre para que cada estado defina no que consiste tal standard.416

Há, também, posicionamento diverso, que nega a vinculação entre presunção de inocência e o
standard de prova “além de qualquer dúvida razoável”. Segundo Ferrer Beltrán, a presunção de
inocência, enquanto regra de julgamento, apenas estabelece que, em caso de dúvida, se aplica o in
dubio pro reo, mas não implica a adoção de nenhum standard de prova específico. Isto é, a garantia
da presunção de inocência seria compatível com standards de prova distintos, que expressam
níveis diversos de exigência probatória.417 De modo semelhante, para Laudan, o standard da
“prova clara e convincente” é totalmente compatível com a presunção de inocência”.418

Realmente, a presunção de inocência, do ponto de vista do standard probatório adotado no


processo penal, não exige que se adote a fórmula “além de qualquer dúvida razoável”. Diante da
vagueza da expressão “dúvida razoável”, e visando reduzir os espaços de discricionariedade do
juiz na valoração da prova e decisão sobre o juízo de fato no processo penal, seria perfeitamente
possível – e até desejável – que o standard de prova fosse identificado com outra fórmula, com
conteúdo mais objetivo. Todavia, embora a presunção de inocência não implique, em si, a adoção
do standard de prova “além de qualquer dúvida razoável”, ela exige que o modelo de constatação
adotado no processo penal represente o mais elevado nível de confirmação probatória que seja
racionalmente exigível, para que a proposição seja considerada provada, isto é, verdadeira.419

Por outro lado, não é admissível que o processo penal, quanto à decisão final que realizará o
juízo de mérito sobre a imputação, adote um standard de prova rebaixado. Em se aceitando a
premissa de que a garantia da presunção de inocência implica o in dubio pro reo, a adoção de
standards probatórios que representam inegavelmente estados de “dúvida”, como é o caso da
“mera preponderância” ou mesmo a “prova clara e convincente”, implicaria clara violação à
presunção de inocência.420 Seria uma burla à Constituição e uma fraude às Convenções
Internacionais que garantem a que o acusado seja presumido inocente, isto é, que no caso de
dúvidas seja absolvido.

3.6.2.2.Prova “além de qualquer dúvida razoável”: uma escolha axiológica

Um modelo de conhecimento infalível ou não passível de erros é inconcebível. O erro sobre o


juízo de fato é ineliminável. No campo processual penal, a existência da revisão criminal é
justificada exatamente pelo reconhecimento da possibilidade de erro. Do ponto de vista
puramente epistêmico, é correto considerar que o mecanismo de reconstrução dos fatos e de
decisão de acordo com a verdade almejada deve procurar reduzir as chances de erros. Tanto
melhor será o sistema, quanto menos erros tendencialmente ele possa causar.

Embora sem tratar da questão sob o enfoque dos standards de prova, a mesma posição já era
encontrada na obra de Bentham, que defendia o princípio: the more atrocious the offence, the
greater the force of evidence requisite to prove it.421 De modo semelhante, afirmava Camignani:
“Quanto più atroce sia un delitto, tanto maggior forza acquista siffatta presunzione
dell’innocenza”.422 Mais modernamente, para Stella, a regra da prova da culpa além de qualquer
dúvida razoável serve para reduzir a possibilidade de arbítrio e injustiça do julgamento, e “per
orientare il ‘sentimento del giudice’ in modo tale che venga garantita la protezione
dell’innocente”.423

Essas posições, normalmente encontradas na doutrina, começam a enfrentar contestações.


Poder-se-ia objetar que essa incompreensão decorre do fato de uma diferença de escopos. Mais
claramente: o olhar de um filósofo, que aplica a teoria do conhecimento ao processo penal, é
voltado primordialmente a resolver o problema das decisões erradas, buscando minimizar sua
ocorrência. Seu valor magno, portanto, é puramente epistêmico. Já o processualista que traz os
aportes da epistemologia para o processo, embora preocupado em formular propostas para
aprimorar o processo enquanto um mecanismo epistêmico, aceita mais facilmente que, em
determinadas situações, garantais constitucionais exijam que regras antiepistêmicas – ou que, ao
menos, sejam barreiras a uma melhor reconstrução dos fatos – terão que ser adotadas, não por
questões heurísticas, mas por escolhas prévias do legislador, fundadas em posturas axiológicas.

Todavia, o fato de se tratar de uma escolha política, não significa que seja um tema alheio ou
estranho à epistemologia judiciária. Ao contrário. A epistemologia pode contribuir para definir
como entender e como interpretar os significados dos standards de prova.424 Mais do que uma
questão epistêmica, a definição de um standard de prova é uma questão axiológica, cuja definição
não precisa levar em conta, necessariamente, a busca pelo critério melhor para maximizar os
acertos do juízo de fato ou, o que seria o reverso da medalha, reduzir o erro.425

Ao contrário, no processo penal, a adoção de um elevado standard de prova, normalmente


identificado com a expressão “além de qualquer dúvida razoável”, é claramente uma escolha
política. Isso porque, opta-se, conscientemente, por privilegiar a manutenção do estado de
inocência e, em última análise, a liberdade.

Se, de um lado, o standard de prova é elevado e, de outro, todo o ônus da prova incide sobre a
acusação, é de se concluir que haverá, na distribuição de erros, muito mais culpados absolvidos do
que inocentes condenados.426

3.6.2.3.As críticas ao standard de prova “além da dúvida razoável”

O standard de prova “além da dúvida razoável”, embora largamente utilizado no processo


penal, não é isento de críticas. Nos últimos anos, Laudan tem sido um dos principais detratores do
standard de prova beyond a reasonable doubt,427 asseverando: “atualmente, trata-se de uma noção
penosamente inadequada, deliberadamente pouco clara e totalmente subjetiva”.428

Realmente, a principal crítica é que tal expressão não fornece um critério epistemologicamente
claro e objetivo do que se exige para que uma hipótese fática posta em julgamento seja
considerada provada. A expressão “além de qualquer dúvida razoável” é, nas palavras de Ferrua,
uma “fórmula bela e sugestiva, mas que não resolve nenhum problema”.429 O razoável, como
elemento integrante da definição do standard de prova, não pode ser entendido em sentido lógico,
pois sempre será razoável a possibilidade contrária, na medida em que o método indutivo nunca
fornece resultados necessários.430 Logicamente, portanto, sempre se poderá cogitar de uma
dúvida. O que seria, então, uma dúvida “não razoável”? A vagueza do conceito não permite
estabelecer contornos minimamente controláveis para a discricionariedade do juiz nesse
momento fundamental do juízo de fato.

Interessante observar que, em finais do século XVIII, se exigia dos jurados que, para condenar,
deveriam estar absolutamente seguros da culpa do acusado, o que era um nível muito exigente, na
medida em que sobre acontecimentos passados não é possível ter certeza. O caráter absoluto que
qualificava a segurança foi substituído, então, pela “certeza moral”, justamente para se contrapor,
em assuntos da vida comum, à “certeza matemática”. O que caracterizava a crença acompanhada
da certeza moral, como explica Laudan, “era que, ainda que teoricamente sempre estivesse aberta
à dúvida do cético, na prática, não havia bases reais ou racionais que justificavam duvidar delas.
Nesse marco surgiu a noção de que um veredito de culpabilidade requeria que o jurado cresse na
culpabilidade do acusado ‘além de toda dúvida razoável’”.431

Ainda assim, até o julgamento do caso In re Winship, em 1970, a instrução mais comum que se
dava aos jurados era que tal prova além da dúvida razoável era equivalente à “crença que se
alcança para produzir uma certeza moral”.432

A crítica é correta quando se considera que a fórmula “além da dúvida razoável” não satisfaz a
necessidade de padrões objetivos ou, ao menos intersubjetivamente controláveis, não impedindo
que a decisão seja resultado de mera subjetividade do julgador. Se não há um critério que seja
conhecido a priori e que indique as condições nas quais a dúvida será razoável, não se tem um
standard de decisão que seja objetivo ou, ao menos controlável intersubjetivamente.433

Para demonstrar a inconsistência da expressão, cabe sumariar as cinco principais explicações


que são dadas aos jurados norte-americanos, para os esclarecer sobre o que seria a prova da culpa
“além da dúvida razoável.434 Como se verá, todas elas são fundadas na crença do julgador e não
numa relação entre prova e o enunciado de fato a ser demonstrado.

A primeira explicação é que “além da dúvida razoável” deve ser entendida como “aquela
segurança em crenças que consideramos apropriada para a tomada de decisões importantes na
vida”. A analogia é infeliz. Há decisões muito importantes em nossas vidas que são tomadas no
contexto de grandes incertezas. Por exemplo, na noite anterior ao casamento, a dúvida se
realmente devemos comparecer à cerimônia ou se é melhor desistir do matrimônio; ou quando o
casal decide se lhes trará alegria ter ou não mais um filho.

A segunda explicação é que “além da dúvida razoável” deve ser compreendida como “o tipo de
dúvida que faria uma pessoa prudente vacilar em atuar”. Novamente, tenta-se traduzir uma crença
subjetiva por outro atributo subjetivo. Não mais a dúvida sobre questões importantes, mas a
dúvida de uma pessoa prudente. As objeções que podem ser formuladas são as mesmas. Além
disso, prudência ou imprudência não se relacionam com ter mais ou menos dúvida, e sim com
assumir a posição de correr mais ou menos risco.

A terceira linha expositiva é que “além da dúvida razoável” deve ser equivalente a “uma
convicção estável da culpabilidade do acusado”. Mesmo no âmbito subjetivo, novamente se
confunde um atributo da crença ser mais ou menos forte, com outros fatores. Agora, trata-se da
“durabilidade”da crença, isto é, a persistência temporal da convicção. Pede-se aos jurados que
façam um prognóstico de, se por um longo tempo, se manterão convictos da culpabilidade.
Evidente que se trata de uma explicação inapropriada. Se não surgirem elementos novos, não há
por que cada jurado alterar sua crença. Caso surja uma nova prova favorável ao acusado, parece
óbvio que a crença poderá e deverá mudar após isso.

A quarta explicação é praticamente tautológica: a “dúvida razoável” é “aquela dúvida para a


qual se pode oferecer uma razão”. Em outras palavras, uma dúvida razoável é uma dúvida que
tem uma razão de ser. Uma dúvida razoável é uma dúvida razoável!

Por fim, a quinta e última explicação é que a convicção da culpa “além da dúvida razoável”
significa “uma crença altamente provável”. A explicação significa, em outras palavras, que a
“dúvida razoável” é traduzida como sendo uma dúvida muito pouco provável, no sentido
probabilístico do termo. A explicação se baseia, claramente, em uma analogia com o standard de
prova do processo civil, de mera preponderância ou “probabilidade prevalecente”. Se basta ser
mais provável que não, isso significa que uma “baixa probabilidade” para os litígios civis. Por
outro lado, no caso da chamada “prova clara e convincente” haveria uma probabilidade média.
Finalmente, no caso da prova “além da dúvida razoável”, haveria uma elevadíssima
probabilidade.

O que se percebe é a dificuldade de trocar o adjetivo “razoável”, enquanto qualificador da


dúvida, por uma outra expressão que não seja vaga. Resumindo, cada uma das cinco explicações
anteriores, em uma palavra-chave, tem-se que o razoável foi trocado por “importante”,
“prudente”, “estável”, “razão” e “probabilíssimo”. E isto, sempre com vistas ao convencimento
subjetivo dos jurados. A dúvida razoável foi substituída por uma crença ou certeza “importante”,
“estável”, que tem uma “razão” ou “probabilíssima”. Ou que quem crê deve ser “prudente”. Em
suma, as tentativas de mudança em nada beneficiam a adoção de um standard de prova que seja
um critério de decisão objetivo ou, ao menos, intersubjetivamente controlável.

Por outro lado, também não parece correta a crítica que centra a preocupação em estabelecer
um patamar aceitável de dúvida a partir da gravidade dos fatos e da relação entre quantos
culpados absolvidos é aceitável em relação à proporção de inocentes condenados. Laudan elenca
seis relações distintas: é melhor dois culpados absolvidos que um inocente condenado (Voltaire); é
melhor cinco culpados absolvidos que um inocente condenado à morte (Hale); é melhor dez
culpados absolvidos que um inocente condenado (Blackstone); é melhor 20 culpados absolvidos
que um inocente condenado à morte (Fortescue); é melhor 100 culpados absolvidos que um
inocente condenado (Benjamin Franklin) e é melhor 1.000 culpados absolvidos que um inocente
condenado à morte (Maimonides)!435

Essa obsessão em identificar a proporção correta traz em si a dificuldade de quem busca a


fórmula mágica para se livrar da vagueza da “dúvida razoável” substituindo à por uma
probabilidade em termos numéricos e, o que é pior, fundada numa frequência de base. Utilizando
a “fórmula de Blackstone”, a explicação é dada nos termos de que, “se é melhor que dez pessoas
culpadas se livrem do castigo que um inocente sofra”, isso implica reconhecer que, a cada 100
julgamentos, dez pessoas serão condenadas injustamente, admitindo-se de modo explícito que o
sistema gera casos de condenações falsas.

O equívoco de tal raciocínio não está em definir o número de condenações falsas aceitáveis,
mas em que o problema é falso, porque mal colocado. A questão não é de probabilidade estatística
nem de qualquer outro tipo de probabilidade. Trata-se de uma escolha de valor. Para superar o
estado de inocência é preciso que a hipótese acusatória tenha recebido um suporte em níveis
elevados de standard probatório e, se este umbral não for atingido, a presunção de inocência
impõe a absolvição do acusado.

Há uma deliberada escolha de resolver a dúvida não para minimizar os erros, mas para
minimizar as condenações errôneas! É resolver a dúvida em favor do acusado. Para tanto, pouco
importa se isso é expressado, metaforicamente, com relação de 1.000, ou 100, 20, 10, 5, 2 ou 1
inocente condenado a um culpado absolvido. Repita-se, a questão não é quantitativa, mas
valorativa. Prefere-se distribuir o erro privilegiando a inocência à culpabilidade. Proteger a
liberdade, mesmo que para isso se deixe de punir quem merecia. Para ver que não se trata de uma
questão quantificável, basta pensar na proporção de iguais possibilidades. Como explica Stella, “o
princípio segundo o qual é muito pior condenar um inocente que deixar livre um culpado deve
constituir a base garantista do edifício do processo penal em uma ‘cidade de homens livres’”.436

3.6.2.4. .Propostas alternativas ao standard de prova “além da dúvida razoável”

O equívoco na posição que defende o standard probatório sob a fórmula da prova – no sentido
de resultado probatório positivo – “além da dúvida razoável”, está na concepção da finalidade da
prova: de que ela se destina a gerar uma crença no julgador.437

Todavia, partindo de uma premissa diversa, de uma concepção racionalista, de que a decisão
deve se fundar num método de corroboração de hipóteses fáticas, com base na prova produzida, e
não na crença do julgador, o que importa é se a proposição fática está suficientemente
corroborada – e não falsificada por hipóteses contrárias ou diversas – para ser tida por provada.438
Logo, o processo de valoração serve para verificar se as hipóteses fáticas que constituem o thema
probandum estão ou não confirmadas pelas provas, e não para gerar uma crença no julgador.439

O que deve ser valorado é o grau de confirmação – e, conjuntamente, de não refutação – que o
standard exige para que a hipótese seja considerada provada e não como um grau de crença do
julgador. Assim, o problema principal não é quanto o juiz está convencido, ou quanto de dúvida –
razoável, séria, fundada, permanente – resta em seu espírito.440 O que o standard de prova deve
definir é quanto de suporte ou aval a prova confere à proposição fática, para lhe dar
corroboração.441

Assim é fora dos domínios jurídicos, assim deve ser no campo do processo judicial.442 Um
standard de prova deve ser formulado em termos do vínculo inferencial que deve existir entre as
provas disponíveis e a hipótese de que se trate, para o fim de considerar tal hipótese como uma
proposição provada.443

Laudan, ferrenho crítico do beyond a reasonable doubt, sugere o seguinte standard de prova
para uma condenação: “a) a hipótese da culpabilidade pode explicar a maior parte dos fatos mais
importantes do caso; e b) a hipótese da inocência não pode dar conta de nenhuma prova
importante que seja inexplicável de acordo com a hipótese da culpabilidade”.444

A proposta não pode ser aceita. Os fatos afirmados pela acusação não podem ser valorados
como uma story. Se assim o for, buracos ou vazios probatórios, inclusive sobre elementos do
crime, poderão ser preenchidos por provas de outros fatos interligados. Além disso, a proposta não
se esclarece qual o critério para distinguir os “fatos importantes” dos fatos sem importância. E,
mesmo entre os “fatos importantes”, independentemente do critério que se adote, não se esclarece
como distinguir a “maior parte”, em relação à qual se necessita de prova, da “menor parte”, que
não necessita estar corroborada por provas. Sequer há indicação se o critério seria quantitativo ou
qualitativo. Para que um standard de prova seja completo, deve exigir provas que suportem todos
os fatos alegados pela acusação e que sejam penal e processualmente relevantes. Na forma como
proposta, satisfeita a condição negativa b, seria possível a condenação sem que houvesse provas de
fatos que constituem a imputação penal, quer porque considerados não importantes, quer porque
seriam a minoria ou poucos os fatos acusatórios que não encontraram confirmação nas provas.
Por outro lado, com relação às alegações defensivas, basta haver prova de “hipótese fática” que
leve à inocência, sendo compatível com a “hipótese da culpabilidade”.Uma segunda formulação de
standard de prova, alternativo ao “além da dúvida razoável”, é Ronald Allen, que propõe: “Se a
teoria do caso apresentada pela acusação é plausível e você não pode conceber alguma história
plausível na qual o acusado resulte inocente”.445

A primeira crítica a ser feita é que a acusação é tratada, novamente, com uma história do caso.
Ou seja, uma versão única dos fatos que, ou é aceita in totum, porque plausível, ou é rechaçada,
porque há outra história plausível de inocência que a ela se opõe. Todavia, a imputação penal não
é uma história única. Ao contrário, trata-se de um conjunto de proposições fáticas
teleologicamente interligadas, de modo a preencher concretamente os elementos abstratos de um
tipo penal. Admitir que, para a condenação, baste uma história da acusação plausível, permite que
o acusador fique dispensado, indevidamente, de se desincumbir de parte de seu ônus de
demonstrar todos e cada um dos elementos do crime.

Por outro lado, em uma certa medida, a característica exigida para que a história seja aceita é
pouco precisa. Basta que seja “plausível”. Mas o adjetivo plausível tem como um de seus
significados, exatamente, ser “razoável”. Em última análise, se está trocando a “dúvida razoável”
pela “história razoável”, com todas as sabidas dificuldades inerentes à falta de referencial
semântico mais objetivo e concreto para tais adjetivos.

Em terceiro lugar, e essa é a crítica mais relevante, o grau de aval ou suporte que se exige da
prova de acusação é o mesmo da prova de defesa. Ou seja, acusação plausível que não seja
desmentida por defesa igualmente plausível. Com isso, na prática, a presunção de inocência,
enquanto regra de julgamento, está sendo claramente violada. O standard proposto equivale a
atribuir, a cada uma das partes, o ônus da prova, em iguais intensidades. O acusador deve provar
sua história plausível para obter a condenação e a defesa deve provar que uma versão defensiva é
plausível, para que haja absolvição. Com isso, tem-se no processo penal algo semelhante a um
standard de prova de mera preponderância. Isso é adequado para situações em que se busca
somente minimizar os efeitos de sentenças erradas, mas não para o processo penal em que, por
uma escolha de valor, se deve desequilibrar as chances de erro judiciário, preferindo-se uma
absolvição equivocada a uma condenação injusta.

Para Ferrer Beltrán, o standard de prova adequado para o processo penal, para que se possa
considerar provada a hipótese de culpabilidade,446 exige que se deem, conjuntamente, as seguintes
condições: (1) a hipótese deve ser capaz de explicar os dados disponíveis, integrando-os de forma
coerente, e as predições de novos dados que a hipótese permita formular devem ter seus
resultados confirmados; (2) devem ter sido refutadas todas as demais hipóteses plausíveis
explicativas dos mesmos dados que sejam compatíveis com a inocência do acusado, excluídas as
meras hipóteses ad hoc.447

A proposta tem o mérito de considerar a relação entre prova e enunciado fático, e não entre
prova e convencimento do julgador. A despeito desse ponto positivo, não pode ser acolhida.

Com relação à primeira parte do standard proposto, não tem sentido exigir que as provas, além
de darem suporte ou corroboração para a hipótese fática posta em julgamento, também autorizem
fazer predições de novos fatos. O processo penal, como mecanismo epistêmico, é destinado à
verificação de proposições sobre fatos passados, acontecimentos que já ocorreram. Não há que se
cogitar da necessidade de que as provas permitam fazer predições ou juízos futuros. Isso pode ter
sentido na fase inicial, de investigação, que envolve atividade abdutiva, com formulação de
hipótese inicial, colheita de elementos de informação e, se necessário, abandono da proposição
primeira e formulação de nova hipótese. Esse, contudo, é o papel do investigador, mas não do juiz,
no momento da sentença. Ao julgador cabe verificar se as provas permitem explicar as hipóteses
fáticas postas pela acusação ao formular a imputação. Se comprovadas, condena-se. Caso
contrário, independentemente de como ou quão diversos possam ter se passado os fatos, segundo
o que demonstrou a prova, o resultado somente pode ser absolutório.

O segundo enunciado que compõe o standard de prova apresentada trata do grau exigido para
as provas que dão suporte aos fatos alegados pela defesa. Uma hipótese defensiva que encontre
confirmação em um segmento da prova, ainda que em menor intensidade que o aval dado pelas
provas diversas em favor da hipótese da acusação, deve ser suficiente para levar ao
reconhecimento de que a imputação não está provada e, havendo dúvida, o acusado será
absolvido. Todavia, esse juízo deve ser realizado com relação às provas existentes e às hipóteses
fáticas efetivamente aduzidas pela defesa (p. ex.: tendo invocado um álibi ou alegado estado de
necessidade). Novamente, não há sentido em exigir que não existam provas que excluam
“hipóteses plausíveis explicativas dos mesmos dados”. O que pode levar à absolvição são provas
efetivamente existentes, que confirmam uma hipótese formulada pela defesa, ainda que em
menor intensidade. É inviável exigir que o juiz, diante de todas as teses passíveis de serem
alegadas pelo defensor, fique especulando se alguma delas poderia ter ocorrido no caso. Por outro
lado, limitar as explicações probatórias às alegações defensivas efetivamente formuladas torna
desnecessária a ressalva de “hipóteses ad hoc”. Ou se trata de uma tese concretamente posta pela
defesa, cabendo avaliar se restou confirmada em algum grau, ou não é preciso que o juiz fique
fazendo lucubrações fantásticas ou formulando hipóteses cerebrinas.

Antes de formularmos uma proposta alternativa ao standard de prova “além de qualquer


dúvida razoável”, é de se atentar para uma exigência constitucional: adotada a presunção de
inocência como opção política do legislador, independentemente da “fórmula verbal” em que se
consubstancie o standard de prova, não se pode exigir da hipótese defensiva, o mesmo grau de
confirmação da hipótese acusatória.448 Em outras palavras, para que uma hipótese defensiva seja
apta a levar à absolvição, basta que ela seja meramente afirmada mas, por outro lado, dela
também não se pode exigir o mesmo grau de confirmação ou corroboração probatória que se exige
da hipótese acusatória.

Além disso, é preciso estabelecer duas premissas diferentes das que foram adotadas nas
sugestões já examinadas. A primeira: há somente uma hipótese a ser verificada no processo penal,
que é a hipótese acusatória. A segunda: a hipótese acusatória deve ser provada em relação a cada
um dos segmentos fáticos que a compõem, e não como um todo incindível.

Quanto à primeira premissa, no processo penal há apenas uma hipótese fática concreta a ser
verificada: a imputação formulada pelo acusador. Se a imputação restar provada, o acusado será
condenado. Se ficar demonstrado que a imputação não é verdadeira, será absolvido. Também será
absolvido no caso de haver dúvida sobre a imputação. E, nesse caso, o acusado continuará tão
inocente como antes. O processo penal não é um processo de adjudicação de um direito
controvertido entre duas partes que se dizem titulares dele. Não se disputa um bem da vida. Num
litígio civil, para usar a expressão chiovendiana, o ideal de efetividade é que o processo possa dar
“a quem tem um direito tudo aquilo e exatamente aquilo que tem o direito de obter”.449 É um
processo para atribuir o direito a quem tem razão. Não é essa, por outro lado, a finalidade do
processo penal. Como instrumento para o exercício do poder punitivo estatal, o processo penal
tem só um objeto a ser verificado: a imputação fática formulada pela acusação. Se, ao final do
procedimento e depois da instrução, ela não restar provada, nos níveis exigidos pelo standard de
prova estabelecido, a pretensão é jugada improcedente. Estará mantido o status quo ante, isto é, o
status innocentiae do acusado.

Passa-se à justificação da segunda premissa. A imputação penal, embora seja o único objeto do
processo a ser verificado, é composta de um conjunto de afirmações fáticas que precisam ser
provadas individual e unitariamente. A finalidade da instrução processual não é verificar se há
provas que permitam considerar demonstrada ou não a “história acusatória” como um todo e de
modo incindível. É perfeitamente possível que haja elementos que dão suporte a uma parte dos
fatos afirmados pela acusação, restando outros aspectos fáticos não demonstrados. Não vigora,
pois, uma lógica do tudo ou nada. Se todas proposições fáticas em que se decompõe a imputação
restarem provadas, o acusado será condenado. Se o acusado demonstrar que algum aspecto fático
da imputação é falso, será absolvido. Mas também será absolvido, no caso de haver dúvida sobre
qualquer elemento fático que integre a imputação.

Diante de tudo o que foi exposto, a hipótese acusatória deve ser confirmada por um conjunto
concordante de elementos de confirmação, bem como deverá ter resistido às hipóteses defensivas.
E, para que essas tenham força para derrubar a hipótese acusatória com ela incompatível, basta a
prova dos fatos afirmados pela defesa, ainda que em intensidade menor. Expressando de modo
mais simples, enquanto que para confirmar a acusação é exigível uma pluralidade de provas
concordantes, para confirmar uma hipótese defensiva, basta uma prova da hipótese defensiva e a
tese acusatória estará derrubada.450

Assim, o standard de prova no processo penal, para que haja uma condenação deve ser: a) há
elementos de prova que confirmam, com elevadíssima probabilidade, todas as proposições fáticas
que integram a imputação formulada pela acusação; e, b) não há elementos de prova que tornem
viável ter ocorrido fato concreto diverso de qualquer proposição fática que integre a imputação.

Além de lhe ser oponível as objeções feitas em relação às propostas anteriores, o modelo de
standard de prova que sugerimos tem algumas vantagens.

A primeira vantagem é deixar claro que o processo de valoração consiste em verificar provas
que confirmem os fatos. Isto é, parte-se das provas para os fatos já imputados. Portanto, o standard
é formulado em termos de provas que justifiquem, a partir da inferência probatória, os fatos
afirmados. As formulações anteriormente analisadas partiam das hipóteses para sugerir em que
medida elas estariam justificadas por provas.

O segundo aspecto positivo é quanto ao critério de gradação do suporte que as provas dão às
hipóteses fáticas. Sugere-se expressão que, de modo mais simples e direto, remete a um significado
mensurável: “elevadíssima probabilidade”, em vez de expressões que não são unívocas e, mais
comumente se referem a propriedades não escalonáveis, como razoabilidade ou plausibilidade.
Esclareça-se que, de acordo com as premissas do trabalho, trata-se de probabilidade não
matemática ou quantificável em números. Exige-se uma elevadíssima probabilidade lógica
(baconiana), a partir da força de confirmação da hipótese imputada e da eliminação de hipóteses
rivais.

O terceiro ponto positivo diz respeito à delimitação mais clara da espécie de hipótese fática
defensiva (ou favorável ao acusado) que permitirá, mesmo com um grau menor ou mesmo baixo
de suporte probatório, desde que encontre confirmação em algum segmento probatório e não
tenha sido refutada, concorrer com a hipótese acusatória, ainda que com menor força ou
probabilidade lógica, mas mesmo assim, conduzirá à absolvição.451 É necessário que seja uma
hipótese sobre fatos concretos efetivamente suscitados pela defesa, ou mesmo que tenha surgir ao
longo do processo (p. ex.: a partir na narrativa de algumas testemunhas, ou segundo um
documento juntado nos autos), como uma hipótese viável, isto é, apta a explicar os fatos.

Nos termos apresentados, trata-se de um standard de prova adequado ao método de valoração


de prova fundado na probabilidade indutiva lógica ou “baconiana”, que não se estabelece em
termos numéricos ou quantitativos.452 O próprio Cohen afirma que o standard de prova beyond a
reasonable doubt não pode ser expresso em termos matemáticos: “aquilo que parece necessário na
prática para a valoração da prova em um processo penal é uma lista dos vários pontos que devem
ser todos comprovados, e das várias alternativas que devem ser excluídas, relativamente a cada
um dos elementos do crime, se a culpa deva ser provada além da dúvida razoável. Toda vez que
dispomos de tal lista, ou a supomos, uma graduação de probabilidades matemática parece de todo
supérflua. A força da conclusão probatória depende só da medida em que a lista está
confirmada”.453

Além de adequado ao método de probabilidade indutiva ou lógica, busca-se substituir a vaga e


incerta expressão além da dúvida razoável, que é relativa à crença do julgador, por outra, no caso,
“elevadíssima probabilidade” que mais claramente qualifica o que efetivamente importa, em
termos epistemológicos: o grau de suporte que a prova dá às hipóteses fáticas, e permite realizar, a
partir de uma lei científica ou regra geral de cobertura, a inferência probatória. O que se deve
mensurar não é o convencimento do julgador sobre a hipótese fática,454 mas o grau de suporte que
as provas dão à hipótese fática posta em julgamento.

3.6.3.O ônus da prova no processo penal

Um aspecto relevante da presunção de inocência, enquanto regra de julgamento no processo


penal, é que, diversamente do que ocorre no campo civil, não há verdadeira repartição do ônus da
prova.455 O ônus da prova não supõe que exista, necessariamente, uma repartição de tal ônus.456
Mesmo que não haja repartição do ônus da prova, é necessário que haja regra de julgamento,457
determinando que em qualquer caso, a dúvida sobre fato relevante será decidida sempre contra o
autor, ou então contra o réu. No caso do processo penal, o in dubio pro reo é uma regra de
julgamento unidirecional.458 O ônus da prova incumbe inteiramente ao Ministério Público, que
deverá provar a presença de todos os elementos necessários para o acolhimento da pretensão
punitiva.459

Para usar a regra do processo civil, ao Ministério Público caberá não só o ônus da prova da
existência do fato constitutivo do direito de punir, como também da inexistência dos fatos
impeditivos de tal direito.

3.6.4.Interação e influência recíproca entre o standard de prova e o ônus da prova

Na dinâmica probatória, é no momento da decisão que o julgador terá que considerar se uma
determinada afirmação fática foi ou não provada.

Um enunciado fático será considerado provado se, depois de um processo racional de


valoração, com base na probabilidade indutiva, tiver obtido o grau de suporte probatório
necessário para satisfazer o standard de prova aplicável à espécie: mera preponderância, ou prova
clara e convincente, ou prova “além de qualquer dúvida razoável”.

Por outro lado, considerando o ônus da prova em seu aspecto de regra de julgamento, a ser
utilizada pelo juiz somente quando não tiver certeza sobre a verdade de uma afirmação fática
necessária para a formação do raciocínio judicial, uma vez atingido o standard probatório, o juiz
não precisará utilizar a regra de julgamento consubstanciada no ônus da prova. Dizendo o óbvio:
somente se aplica o in dubio pro reo, se houver dúvida. Porém, se foi atingido previamente o
standard de prova para que o fato seja considerado comporovado, isto é, demonstrado é porque
dúvida não há. Assim, um juízo positivo, de atingimento do standard probatório, torna
desnecessária a utilização da regra de ônus da prova. Por outro lado, se o juízo é negativo, e não se
atingiu o standard de prova, por exemplo, da prova “além de qualquer dúvida razoável”, não se
tendo chegado a um juízo de certeza, é necessário que o juiz lance mão das regras de julgamento
para decidir o caso: in dubio pro reo.

Portanto, na dinâmica probatória, primeiro se coloca a questão do standard de prova e, depois,


do ônus da prova. Havendo prova suficiente para atingir o elevadÍssimo standard exigido para o
processo penal, o juiz decidirá sem que se coloque o problema do ônus da prova. A hipótese fática
será considerada provada e, com ela, deverá se trabalhar no processo de subsunção da lei penal.
Por outro lado, não atingido o standard probatório, diante da dúvida, o juiz se valerá do ônus da
prova como regra de julgamento e decidirá em favor do réu.

Há, contudo, uma segunda forma de analisar a interação recíproca entre standard de prova e
ônus da prova, em que a relação é invertida: somente porque no processo penal todo ônus
probatório é da acusação, não havendo distribuição do ônus da prova, mas uma regra
unidirecional, fazendo-o pesar inteiramente sobre os ombros do acusador, é que se justifica, do
ponto de vista axiológico, para preservação da liberdade, a adoção de um standard de prova
bastante elevado quanto aos fatos imputados. Se assim não fosse, num sistema em que pesasse
sobre o acusado o ônus da prova sobre determinadas afirmações defensivas (p. ex.: a legítima
defesa), manter um standard probatório elevado significaria, em tais situações, dificultar
sobremaneira a posição defensiva: somente se todos os requisitos da excludente de ilicitude
estivessem demonstrados, por exemplo, “além de qualquer dúvida razoável”, o acusado seria
absolvido.

Ou seja, para se definir o ponto de convencimento ou o nível de prova necessário para que um
fato seja considerado provado, é importante saber, previamente, como terá que decidir o juiz em
caso de dúvida sobre tal fato.460

Nesse ponto, é fundamental perceber que, apesar da denominação tradicional de “presunção”


de inocência, tal garantia não é uma “presunção” em sentido técnico-probatório do termo. Não se
trata de presunção judicial ou simples, (praesumptiones hominis) nem de presunção relativa (iuris
tantum). Nas presunções judiciais, o magistrado passa de um fato provado a outro não provado,
por meio de uma inferência. Com base na prova de um determinado fato x, que não constitui o
thema probandum, o juiz, por meio de um processo mental,461 conclui pela ocorrência do fato y,
este sim, objeto da prova. Provada a ocorrência do fato x, o juiz presume a ocorrência do fato y. Na
presunção legal relativa, provado o fato x, o legislador considera provado o fato y, admitindo,
contudo, que a outra parte prove a sua inocorrência.

Na chamada “presunção” de inocência, não há um fato provado do qual se infere um outro


fato. Não há alteração da regra de julgamento normalmente aplicável, juntamente com a
modificação do objeto da prova. Como afirma Bettiol, com razão, a presunção de inocência, “de
presunção só tem o nome”.462 O que se tem é um estado de inocência de todo e qualquer cidadão,
assegurado pela Constituição. Há, assim, uma hipótese inicial de inocência decorrente de uma
plausibilidade legal, sendo a partir de tal status que se justifica, ao final do processo, a aplicação da
regra probatória do in dubio pro reo.463

3.7.Contexto da justificação

Motivar significa justificar, e justificar significa justificar-se, dando as razões de sua própria
operação e admitindo, em linha de princípio, a legitimidade das críticas potenciais e,
consequentemente, a legitimidade de um controle.464 Por outro lado, ter que dar razões é o que
permite distinguir a argumentação de outros procedimentos de resolução de problemas, como o
uso da força.465 No processo penal, para usar uma dicotomia formulada por Ferrajoli, um modelo
cognitivista se baseia no saber e suas decisões devem vir acompanhada de razões, enquanto um
modelo decisionista se funda no poder, que não exige explicações para o ato de decidir.
A Constituição estabelece, entre os princípios do Poder Judiciário, que todas as decisões serão
“fundamentadas” (art. 93, caput, IX).466 Nem poderia ser diferente. Um sistema de julgamento
penal em que se adote uma decisão sem justificação não pode ser considerado como compatível
com uma epistemologia judiciária que se funde numa concepção racional da prova e, portanto, um
modelo garantista de processo penal.

Sob o enfoque dos momentos da dinâmica probatória, embora o contexto da justificação ocorra
depois de já terem sido valoradas as provas, isso não faz com que não exista relação entre ambas
atividades .467 Quem tem que valorar a prova e, de decidir, age de modo potencialmente diverso
quando sabe que sua opção terá que ser justificada.468 Sem a necessidade de justificar suas
escolhas, o ato de julgamento torna-se incontrolável,469 podendo ser determinado pelos mais
variados fatores, como condenar alguém por ter uma aparência feia.470

De outro lado, ao saber que terá que motivar, quem decide procura escolher a hipótese de
acordo com um método que possibilite uma posterior justificação de suas escolhas.471 Por isso,
Ferrajoli destaca como valor fundamental da motivação ser uma garantia cognitiva do julgamento
penal, que quanto ao juízo de fato assegura a vinculação do julgamento à prova.472 A motivação é
um verdadeiro limite à liberdade do juiz e uma verdadeira garantia contra o arbítrio.473 Os
métodos racionais de decisão, enquanto acessíveis aos concidadãos, posto que fundados em
padrões de conhecimento compartilhados em uma sociedade, num determinado período histórico,
são os mais aptos a tal mister.474 Assim, a motivação tem uma função de controle que se projeta na
etapa anterior, de valoração da prova, evitando que seja contaminada por “certezas subjetivas” do
juiz, pois essas não poderão ser, posteriormente, justificadas no contexto seguinte.475 Em outras
palavras, a necessidade de apresentar uma argumentação racional para justificar a sua decisão
obriga o juiz a decidir segundo métodos racionais.476

Os critérios de solidez da inferência probatória têm, assim, dupla função: de um lado, depois da
tomada a decisão sobre os fatos, serve para justificá-la; de outro, servem previamente como um
guia do raciocínio judicial dirigido para a prova da verdade do enunciado fático e,
consequentemente, a tomada de decisão.477

Por outro lado como valorar consistir em, diante dos elementos de prova disponíveis, verificar
se há razões para considerar como verdadeiras certas afirmações em confronto com outras em
sentidos diversos, a motivação é não apenas possível, como necessária para possibilitar um
controle de tal atividade de convencimento. Além disso, permite um controle intersubjetivo, na
atividade recursal, para verificar o erro ou o acerto das inferências probatórias realizadas na fase
anterior. Em suma, a exigência racional de que o juiz justifique as suas decisões, que se traduz no
dever constitucional de fundamentar todas as decisões judiciais, é fundamental para reduzir a
discricionariedade judicial em matéria de valoração das provas.

Ressalte-se, por outro lado, que nada disso tem sentido se o processo de valoração da prova for
baseado em uma convicção interna do julgador. Como em tal sistema a decisão será incontrolável
intersubjetivamente, a justificação decorre da autoridade de quem decide e na crença das partes e
da população como um todo no seu “bom senso”. Além disso, a posterior atividade recursal não
terá por objetivo verificar os erros ou acertos da sentença. O recorrente apenas buscará obter a
convicção dos membros do tribunal – já que não o conseguiu em relação ao juiz –, que na
arquitetura judiciária apenas terão o privilégio de se convencer por último, sendo essa a decisão
prevalecente.

3.7.1.Espécies de justificação: justificação interna e externa

O objeto da prova não é o fato em sim, mas um enunciado sobre fatos. Essa natureza linguística
do “fato” também se projeta sobre a justificação do juízo de fato feita na sentença, que não tem por
objeto os fatos brutos, mas sim uma entidade linguística, isto é, um enunciado sobre fato que o juiz
considerou racionalmente provado.

A justificação é, portanto, um procedimento argumentativo que visa asseverar que uma


entidade linguística está dotada de valor.478 No caso de enunciados descritivos de fatos, o valor que
a justificação atribui ao enunciado linguístico é o valor de verdade ou de probabilidade das
descrições.479 Uma decisão racional é uma decisão justificada e uma decisão jurídica estará
justificada considerando as suas premissas e as regras de inferência utilizadas.480

Sobre as espécies de justificação, utiliza-se com frequência a dicotomia proposta por


Wóblewski, entre justificação interna e justificação externa.481 A justificação interna diz respeito à
validade das inferências feitas, a partir das premissas, para se chegar à decisão judicial, tomada
como conclusão daquelas. O esquema teórico da justificação interna de uma decisão judicial se
configura como um silogismo decisório, em que a premissa maior é constituída pela norma que o
juiz considera aplicável ao fatos do caso; a premissa menor é constituída por um enunciado sobre
os fatos que tem por objeto uma ação que pertence à classe das ações prevista na norma; e a
conclusão adscreve a consequência jurídica prevista na norma para a ação objeto do juízo.482 O
silogismo jurídico, como justificação interna de uma sentença, se apresenta na forma dedutiva, em
que a premissa maior é uma norma jurídica válida, geral e abstrata; a premissa menor é a
descrição de um caso concreto e, como conclusão, tem-se uma norma individual e concreta que
constitui o disposto na sentença.483 Trata-se de silogismo subsuntivo por modo tollens: se ocorrem
as circunstâncias X, então deve ocorrer a consequência jurídica Y.484

A justificação interna exige coerência entre as premissas da decisão e a própria decisão,485 mas
se trata apenas de uma justificação formal, que não envolve a verificação da solidez das premissas,
sendo inadequada para representar a complexidade da decisão judicial e permitir o seu controle
institucional.486

Já a justificação externa tem um escopo muito mais amplo e diz respeito a solidez das próprias
premissas487 utilizadas da justificação interna.488 No que importa para o presente trabalho, a
justificação externada envolve a verdade ou, se preferir, o grau de probabilidade de ser verdadeira
que se atribui à premissa menor sobre os fatos.489 A inferência probatória realizada pelo julgador
consistirá na premissa menor do silogismo da sentença penal.490

Segundo Wóblewski, as decisões sobre os fatos são expressa em proposições como, p. ex., “o
fato F ocorreu no tempo t no local l”, que é a forma elementar de uma proposição existencial.491 Já
a demonstração da verdade ou da falsidade desse enunciado depende da relação dele com outros
enunciados a partir dos quais ele é inferido. Esses enunciados serão “provados”. A forma mais
simples da decisão sobre um enunciado estar provado é: “F ocorreu em t no l, de acordo com as
provas P1...Pn”. Ainda assim, para ligar as provas da veracidade do enunciado sobre o fato, é
necessária uma inferência por meio de leis científicas, máximas de experiência ou mesmo
experiências comuns. Nesse caso, a fórmula da decisão será: “F ocorreu e t no l, de acordo com as
provas P1...Pn, baseado na máxima de experiência ME1 ... MEn”.492

3.7.2.O conteúdo da motivação do juízo de fato

Resta definir, em termos concretos, o conteúdo do juízo de fato que se consubstanciará na


justificação externa na sentença e integrará, sinteticamente, a premissa menor da justificação
interna.

É comumente aceita a tese de que a motivação não é uma descrição do iter psicológico seguido
pelo juiz para chegar à decisão, prevalecendo a posição de que se trata de uma exposição das
justificativas das escolhas do juiz, demonstrando que estas estão fundadas em bases racionais para
as tornar aceitáveis.493 Realmente, o processo psicológico do juiz para chegar a uma decisão
judicial pode ser bastante independentemente da justificação dada ex post factum para tal
decisão.494

Por outro lado, é possível distinguir a motivação enquanto “escolha” ou “adoção” de motivos,
realizada ao longo da atividade de valoração da prova, com vistas a tomada de decisão pelo juiz,
de um lado; e a motivação enquanto justificação externada na sentença, de um processo de decisão
já concluído e realizado, de outro. Trata-se do que Comanducci denomina, respectivamente, de
“motivação-atividade” e de “motivação-produto” (ou “motivação-documento”).495

A chamada “motivação-atividade”, realizada pelo julgador, no processo de valoração da prova e


tomada de decisão, foi analisa no contexto da valoração. Um modelo cognitivista e racional de
valoração da prova adotado na tese tem um caráter propositivo quanto tal espécie de atividade: o
juiz deve seguir para tanto os cânones epistemológicos, valendo-se de uma probabilidade logica ou
indutiva.

Resta analisar a chamada motivação-produto ou a atividade de justificação que o juiz deve


expor na sentença, quando aos juízos de fato realizados e que serão a premissa menor da decisão.

Muito além da vazia fórmula do livre convencimento, a justificação do juízo de fato no processo
penal exige que, na fundamentação da sentença, o juiz argumente dando as razões de uma decisão
epistemologicamente correta, com inferências lógicas que expliquem as questões de fato, de
acordo com todas as provas produzidas, indicando as opções e escolhas sobre o grau de resistência
da hipótese acusatória em relação às outras hipóteses diversas ou antagônicas, à luz do standard
de prova de alta probabilidade lógica, necessário para que possa concluir como provada uma
afirmação de fato, sendo, dessa forma, considerada verdadeira.496

Nesse esquema argumentativo da justificação externa, quanto ao juízo de fato, o magistrado ser
valerá de um método indutivo, no qual exporá, como uma das premissa, os dados fáticos
constantes dos elementos de prova obtidos com os meios produzido (testemunhos, documentos,
perícias etc.), que se ligarão a outra premissa que será regra geral consistente em uma lei
científica, ou numa máxima de experiência ou ainda em generalizações do conhecimento comum,
para se obter uma conclusão, que será apenas provável, no sentido de que os fatos ocorrerem
como demonstram as provas.497

Motivar o juízo de fato, como explica Taruffo, significa “explicitar, sob a forma de
argumentação justificativa, o raciocínio que permite atribuir uma determinada eficácia a cada
meio de prova, e que sobre esta base se funda a escolha a favor da hipótese sobre o fato que, de
acordo com as provas disponíveis, encontra um grau mais elevado de confirmação lógica. Isso
implica que a motivação deva dar conta dos dados empíricos assumidos como elementos de prova,
das inferências que partindo destes foram formuladas, e dos critérios empregados para extrair as
conclusões probatórias; também a motivação deve dar conta dos critérios com os quais se justifica
a valoração conjunta e complessiva dos diversos elementos de prova, e das razões que fundam a
escolha final quanto à validade das hipóteses sobre o fato”.498

Na motivação o juiz deve explicitar as razões de seu convencimento, com base em todo o
material probatório utilizado no contexto da valoração.499 A motivação, nesse sentido, deve ser
completa, indicando todos os meios de prova que foram valorados. É insuficiente indicar apenas
aqueles que, nesse conjunto total, foram considerados como suporte ou aval das afirmações fáticas
que foram consideradas provadas.500 O juiz também deverá explicitar as razões pelas quais
considerou que os elementos que davam suporte para afirmações fáticas antagônicas ou diversas
não foram suficientes para que tais hipóteses fossem consideradas provadas. Em outras palavras,
deve indicar os elementos de provas que foram a base do seu convencimento, bem como a razão
pela qual os elementos em sentido diverso não o convenceram.501 Esse aspecto, inclusive, é
fundamental na segunda etapa da valoração da prova, consistente no juízo de falsificação da tese
acusatória, em que se deve verificar se não há outra hipótese compatível com conjunto probatório
explicativa dos fatos. Em outras palavras, ao analisar somente os elementos de prova que
confirmam a hipótese acusatória, a motivação dará conta apenas da primeira etapa da atividade
de valoração do conjunto probatório, sendo insuficiente e incompleta.502

Aliás, com vistas à impugnação da decisão pela parte prejudicada pelo resultado, muitas vezes é
mais importante a justificativa negativa do porquê as provas por ela invocadas como aptas a dar
suporte para os fatos por ela alegados não foram consideradas atendíveis, do que saber os motivos
pelos quais as hipóteses contrárias foram consideradas provadas.

O dever de motivar exige do juiz não apenas que forneça uma justificação logicamente correta
e coerente de sua decisão, mas também que demonstre a efetiva subsistência de uma plena
correspondência entre os elementos probatórios existentes nos autos e o conteúdo do que foi por
ele decidido na sentença.503 Daí por que, além da obrigação mais elementar de apresentar um
discurso justificativo para sua decisão, deve o magistrado apresentar uma fundamentação
completa, em que se apresentem as razões de cada uma das escolhas parciais que conduzem à
decisão final; ademais, cumpre-lhe demonstrar que foram levados em consideração todos os
elementos potencialmente úteis à decisão.

Todas essas exigências de justificação da decisão judicial impõem um esforço argumentativo


demasiado intenso para o juiz. A motivação sobre os juízos de fato, em que há grande margem de
discricionariedade para o julgador, tem uma importância que vai além da simples constatação se a
decisão está bem ou mal motivada. O que está em jogo, como diz Perfecto Ibáñes “é o ser ou não
ser racional do exercício da jurisdição, ou ser ou não ser da jurisdição mesma”.504

NOTAS DE RODAPÉ
1

O racionalismo, nesse sentido, não é utilizado como corrente filosófica que, quanto à origem do
conhecimento, vê no pensamento a fonte principal do conhecimento humano, que deve ser logicamente
necessário e universalmente válido. Não se trata de racionalismo como corrente antagonista do
empirismo. No sentido utilizado, o racionalismo considera que a razão é a fonte do conhecimento relativo
ao mundo físico, no sentido em que é empregado no conhecimento científico como método racional que
aplica a razão aos dados sensíveis.

ANDERSON, Terence; SCHUM, David; TWINING, William. Análisis de la prueba. Trad. Flávia Carbonell e
Claudio Aguero. Madrid: Marcial Pons, 2015. p. 117. Essas premissas também variam de autor para autor.
Por exemplo, Susan Haack (Epistemology and the law of evidence: problems and projects. Evidence
matters. Science, proof, and truth in the law. Nova York: Cambridge Un. Press, 2014. p. 12) afirma que sua
teoria é “evidencialista, experiencialista, gradualista, funderentista, quase-holística e relativa ao mundo”.
Já para Ferrar Beltrán (Prolegómenos para una teoría sobre los estándares de prueba…, cit., p. 402): “1) Há
uma relação teleológica entre a prova e a verdade, de modo que a verdade se configura como um objetivo
institucional a ser alcançado pela prova no processo judicial. 2) O conceito de verdade em discussão, que
resulta útil para dar conta dessa relação teleológica, é o de verdade como correspondência, de maneira
que se pode dizer que um enunciado fático (formulado no marco de um processo judicial e submetido à
prova) é verdadeiro se, e somente se, corresponde ao que aconteceu no mundo (externo ao processo). 3)
Nunca um conjunto de elementos de juízo, por mais rico e confiável que seja, permitirá alcançar certezas
racionais – não psicológicas ou subjetivas – a respeito da ocorrência de um fato, de forma que todo
enunciado fático é necessariamente verdadeiro ou falso, mas as naturais limitações epistêmicas colocam-
nos sempre diante de decisões que devem ser adotadas em contextos de incerteza. 4) O raciocínio
probatório é, portanto, necessariamente probabilístico. Ou seja, dizer que um enunciado fático está
provado é afirmar que ele é provavelmente verdadeiro (a um nível que deverá ser determinado), dadas as
provas disponíveis?”.

3
Ferrer Beltrán (Prolegómenos para una teoría sobre los estándares de prueba…, cit., p. 406, nota 12)
destaca que: “A teoria geral da prova deve apontar seus esforços para duas estratégias, para as quais
dispomos de instrumentos distintos. A primeira é a redução dos erros, para a qual, fundamentalmente, há
que se conceber mecanismos processuais que maximizem a incorporação do maior número possível de
provas relevantes ao acervo probatório do processo e a maior informação sobre sua confiabilidade. A
segunda estratégia é a distribuição do risco de erro entre as partes, que obedece a preferências de tipo
moral ou político sobre quem o deve suportar e em que medida. Nesse sentido, os mecanismos
processuais mais importantes são o ônus da prova, as presunções e, precisamente, os standards
probatórios”.

TARUFFO, La prova dei fatti giuridici..., cit., p. 51. Não só inexistem razões para excluir que a verdade seja
controlável, como é correto sustentar, com Ferrer Beltrán (La valoración racional de la prueba…, cit., 53)
que “o próprio sistema jurídico, através do denominado ‘direito à prova’ exige a aplicação das regras da
epistemologia e da racionalidade em geral, para a valoração da prova”. E, apresentado a sua (ibidem, p.
64-65) “concepção racionalista da prova”, destaca as seguintes características, coerentes entre si: “a) o
recurso ao método da corroboração e refutação de hipóteses como forma de valoração da prova; b) a
defesa de uma versão débil ou limitada do princípio de imediação; c) uma forte exigência de motivação da
decisão sobre os fatos; d) a defesa de um sistema de recursos que ofereça um campo amplo para o controle
da decisão e sua revisão em instâncias superiores”.

Epistemology legalized: or, truth, justice, and the American way. Evidence and inquiry: a pragmatist
reconstruction of epistemology. Nova York: Prometheus Books, 2009. p. 362; HAACK, Susan. Evidence
matters. Science, proof, and truth in the law. Nova York: Cambridge Un. Press, 2014. p. 28.

UBERTIS, Giulio. Prove (in generale). Digesto delle discipline penalistiche. Torino: UTET, 1995. v. X. p. 297.
Também para Frederick Schauer (Il ragionamento giuridico. Una nuova introduzione. Trad. Giovanna
Battista Ratti. Roma: Carocci, 2016. p. 270), “os métodos jurídicos para o acertamento dos fatos não são
totalmente exclusivos do direito”.

TARUFFO, Processo civil comparado: ensaios..., cit., p. 45.

LAUDAN, Verdad, error y proceso penal…, cit., p. 23. No mesmo sentido, referindo-se à Epistemologia
Jurídica como um tipo de Epistemologia Aplicada: MATIDA; HERDY. As inferências probatórias..., cit., p.
209.

9
UBERTIS. Profili di epistemologia giudiziaria…, cit., p. 28-9. Para Matida e Herdy (As inferências
probatórias..., cit., p. 209) a Epistemológica Jurídica tem por objeto “a justificação das proposições sobre os
fatos que integram o raciocínio do julgador no momento em que se lhe exige uma decisão sobre quem
merece a tutela jurisdicional no caso individual”.

10

HAACK, Susan. Epistemology and the law of evidence: problems and projects. Evidence matters: science,
proof, and truth in the law. Nova York: Cambridge University Press, 2014. p. 6.

11

LAUDAN. Verdad, error y proceso penal…, cit., p. 25.

12

O labor do epistemólogo jurídico é, segundo Matida e Herdy (As inferências probatórias..., cit., p. 211) “ora
se ocupar de descrever as regras e práticas jurídicas que promovem e/ou frustram a busca pela verdade;
ora prescrever a sua modificação de forma a diminuir a distância entre o direito e a realidade externa”.

13

Ferrer Beltrán (Prolegómenos para una teoría sobre los estándares de prueba…, cit., p. 408) esclarece que
a epistemologia judiciária deve estar interessada na diminuição dos erros, sendo que os instrumentos
adequados para maximizar as probabilidade de acerto da decisão probatória são os que buscam
promover a formação de um conjunto probatório o mais rico possível, quantitativa e qualitativamente.

14

Diversa parece ser a perspectiva de Laudan (Verdad, error y proceso penal…, cit., p. 26) que se propõe a
elaborar um sistema hipotético que seja. “ótimo desde o ponto de vista epistémico”.

15

TARUFFO, La prova dei fatti giuridici..., cit., p. 68. No mesmo sentido, na doutrina nacional: MATIDA;
HERDY, As inferências probatórias..., cit., p. 210.

16

SARACENO, La decisione sul fatto incerto…, cit., p. 15. No mesmo sentido: PROCACCINO, Angela. Non
liquet, criteri di giudizio dibattimentale, e prognosi nell’udienza preliminare: l’ “oltre il ragionevole
dubbio” e un’ipotese di diffusività. In: GAROFOLI, Vicenzo (Org.). Unità del sapere giuridico ed
eterogeneità dei saperi del giudice. Milano: Giuffrè, 2005. p. 334; GASCÓN ABELLÁN, Los hechos en el
derecho..., cit., p. 119.

17
FERRER BELTRÁN, La prueba es libertad..., cit., p. 34.

18

ANDRÉS IBÁÑES, Sobre a motivação dos fatos na sentença penal..., cit., p. 97.

19

DAMASKA, Mirjan. Il diritto delle prove alla deriva. Trad. Francesca Cuoma Ulloa e Valentina Riva.
Bologna: Il Mulino, 2003. p. 138.

20

Como destaca Jordi Nieva Fenoll (La valoración racional de la prueba. Madrid: Marcial Pons, 2010. p. 41),
as ordálias não eram um meio de prova nem um sistema de valoração da prova, pressupondo, ao
contrário, uma total ausência de valoração, inexistindo qualquer atividade do julgador de análise dos
resultados da atividade probatória. E conclui: “simplesmente se realiza um ato similar a laçar uma moeda
para o ar, para dar razão a uma ou outra parte”. Também para Taruffo (Os poderes instrutórios das partes
e do juiz..., cit., p. 76), as ordálias tinham “tão-somente uma função marginal e simbólica: não seria outra
coisa que uma espécie de representação ritual, que é celebrada não porque se trata de um instrumento
institucional orientado para administração da justiça, mas porque serve para fazer crer, às partes e à
sociedade em geral, que a justiça está sendo realizada, na esperança que desse modo as partes se
convençam de terminar com a controvérsia e a paz social seja reconstruída”.

21

O homem medieval vivia num contexto em que o seu corpo, os seus atos, os ciclos das estações e das
estrelas eram componentes da sua vida, razão pela qual se dava grande importância para imaginação, o
sonho, os gestos. Nesse contexto, explica Branbilla (Itinerari della giustizia..., cit., p. 46), “o pensamento
não se distanciava da experiência, mas a traduzia através de um sistema de signos e símbolos”. Essa
“racionalidade” da época, se refletia no sistema probatório. Como explica Carlo Furno (Teoría de la prueba
legal. Trad. Sergio Gonzalez Collado. Madrid: Ed. Revista de Derecho Privado, 1954. p. 145-146): a antiga
concepção germânica do processo era um reflexo do sentimento de superstição mística que governavam
as mais importantes atividades daquele povo, sendo compatível com essa visão de mundo, considerar que
o poder de fazer justiça também não era algo que pertencesse aos homens, mas um atributo da divindade,
onipresente e onisciente. A consequência disso é que “o julgamento, na sua integralidade, se configura
como uma invocação ou um convite para a divindade para que se dignasse manifestar, por sinais
tangíveis, seus inescrutáveis desígnios. Para facilitar a resposta divina (juízo de Deus), a invocação era
seguida por provas de força ou de destreza (duelo, prova do fogo, etc.) ou pela afirmação solene do
próprio direito (juramento com caráter sagrado, prestado geralmente por terceiros, chamados
conjuradores), cujo resultado simbolizava a decisão, sem que tivesse modo de distinguir entre o fato e o
direito. O juiz não tinha outra função a não ser, com sua presença, a regularidade da prática das provas e
de seu resultado, adaptando a ele sua decisão e garantindo seu acatamento por meio de sua autoridade.
Portanto, não se tinha em conta a convicção do juiz, mas só o êxito ou o fracasso daqueles atos ilógicos,
cujo resultado casual dependia da distribuição da razão ou do erro entre os contendores, como se se
tratasse de una admoestação reveladora da suprema justiça divina”. Para o que interessa ao objeto
principal da presente obra, a definição de um modelo racional e controlável de valoração das provas, é de
se ressaltar que as ordálias, os duelos e os juramentos, embora fossem adequados para o espírito da
sociedade da época, não representam verdadeiros mecanismos probatórios e não exigem uma efetiva
atividade valorativa do julgador.

22

RABELAIS, François. O terceiro livro dos fatos e ditos heróicos do Bom Pantagruel. Trad. Élide Valarin
Oliver. Cotia: Ateliê; Campinas: Editora da Unicamp, 2006. cap. 39. p. 231-234. Em tal passagem, o
magistrado chamado a explicar, perante a Corte Suprema, uma sentença por ele proferida que foi
considerada dúbia, contou que sempre decidia as sentenças pela sorte, lançando os dados e, por mais de
40 anos, assim agiu sem jamais ter qualquer sentença considerada equivocada, a não ser na última, que
por isso mesmo foi objeto de apelação. E, mesmo assim, o juiz Bidoyer, que já estava velho, atribui o erro
não aos dados ou à sorte, mas ao fato de que já não enxergava bem e podia ter errado ao tentar distinguir
os números dos dados, tendo tomado um quatro por um cinco e, por isso, ter sentenciado errado.

23

REICHENBACH, La nascita della filosofia scientifica..., cit., p. 237.

24

REICHENBACH, La nascita della filosofia scientifica..., cit., p. 235.

25

UBERTIS, Profili di epistemologia giudiziaria..., cit., p. 29.

26

UBERTIS, Profili di epistemologia giudiziaria..., cit., p. 235.

27

UBERTIS, Profili di epistemologia giudiziaria..., cit., p. 235.

28

UBERTIS, Profili di epistemologia giudiziaria..., cit., p. 236.

29

Nesse sentido: TARUFFO, La motivazione della sentenza civile…, p. 214 e 220; Idem, La prova dei fatti
giuridici..., cit., p. 417-420; AMODIO, Ennio. Motivazione della sentenza penale. Enciclopedia del diritto.
Milano: Giuffrè, 1977. v. XXVII. p. 216-218; UBERTIS, Fatto e valore..., cit., p. 55-56; TUZET, Filosofia della
prova giuridica..., cit., p. 15; IBÁÑEZ, Perfecto Andrés. “Carpintaria” da sentença penal (em matéria de
fato). Trad. Lédio Rosa de Andrade. Valoração da prova e sentença penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2006. p. 134-138; GASCÓN ABELLÁN, Marina. ¿Lógica del descubrimiento para la prueba?. In: AMADO,
Juan Antonio García; BONORINO, Pablo Raúl (Coords.). Prueba y razonamiento probatorio en el derecho.
Debates sobre abducción. Granada: Comares, 2014. p. 149; GASCÓN ABELLÁN, Marina. La valoración de la
prueba…, cit., p. 384; MAGALHÃES GOMES FILHO, A motivação das decisões penais.., cit., p. 113-114.

30

Nesse sentido: UBERTIS, Profili di epistemologia giudiziaria..., cit., p. 26; TUZET, Filosofia della prova
giuridica..., cit., p. 15; MAGALHÃES GOMES FILHO, A motivação das decisões penais..., cit., p. 113-114.

31

TUZET, Filosofia della prova giuridica..., cit., p. 37.

32

Ibidem, p. 38.

33

Ubertis (Profili di epistemologia giudiziaria..., cit., p. 30) assim sintetiza seu pensamento: “Em conclusão, e
esquematicamente, enquanto a sequência científica (em que falta um ‘juiz’ e é quem ‘descobre’ que deve,
portanto, ‘justificar) é 1) contexto da descoberta e formulação da hipótese; 2) contexto de justificação e
eventual convalidação; a sequência judiciária é: 1) contexto de descoberta e formulação da hipótese (é o
momento da instrução primária, no que, portanto, se o seu resultado é ‘hipótese’ para o juiz, para a parte
que a formula é já ‘decisão’: não é por acaso se sustentou que, para quem propõe o processo, a ‘demanda’
equivale ao ‘modelo’ da desejável sentença); 2) contexto de pesquisa (é o momento da instrução
probatória ou secundária, que se desenvolve perante o juiz); 3) contexto de decisão; 4) contexto de
justificação. E parece, em qualquer caso, adequado reiterar que existe sempre uma ligação dialética entre
os contextos de descoberta, pesquisa, decisão e justificação”.

34

UBERTIS, Profili di epistemologia giudiziaria..., cit., p. 83-84.

35

Essa distinção é feita por Ferrer Beltrán (La valoración racional de la prueba…, cit., p. 41; Idem, La prueba
es libertad..., cit., p. 24), que considera haver três momentos fundamentais no direito probatório: (i) a
formação do conjunto de elementos de julgamento com base nos quais se proferirá a decisão; (ii) a
valoração desses elementos; (iii) propriamente a tomada da decisão. Também Gascón Abellán (La
valoración de la prueba..., cit., p. 389-390) afirma que é importante distinguir duas atividades
estreitamente relacionadas, mas distintas: (i) a valoração e a (ii) decisão. Valorar consiste em avaliar o
apoio, em termos probabilísticos, que os meios de prova conferem à hipótese fática em consideração,
enquanto que decidir consiste em determinar se a probabilidade alcançada por essa hipótese é suficiente
para a considerar verdadeira.
36

IACOVIELLO, I criteri di valutazione della prova…, cit., p. 399.

37

FASSONE, La valutazione della prova..., cit., p. 333-334. No mesmo sentido: IACOVIELLO. I criteri di
valutazione della prova..., cit., p. 398.

38

FASSONE, La valutazione della prova..., cit., p. 333-334.

39

FASSONE, La valutazione della prova..., cit., p. 334.

40

FASSONE, La valutazione della prova..., cit., p. 334.

41

Analisando o processo de descoberta, Popper (A lógica da pesquisa científica…, cit., p. 32) observa que,
“toda descoberta encerra ‘um elemento irracional’ ou ‘uma intuição criadora’”. No mesmo sentido, Afonso
García Figueroa (Contexto e descubrimiento y contexto de justificación. In: GASCÓN ABELLÁN, Marina
(Coord.). Argumentación jurídica. Valencia: Tirant Lo Blanch, 2014. p. 149) refere-se à necessidade “de
uma certa intuição ou empatia”, fora da “análise racional”.

42

O art. 41 do Código de Processo Penal exige que a denúncia ou queixa contenha a exposição do fato
criminoso com todas as suas circunstâncias. Essa será, pois, do ponto de vista fático, a hipótese acusatória
posta em juízo, por meio da denúncia ou queixa.

43

Essa diferença fundamental é destacada por GASCON ABELÁN, ¿Lógica del descubrimiento para la
prueba? …, cit., p. 149. No mesmo sentido, Comanducci (Razonamiento Jurídico…, cit., p. 112) observa que,
no modelo teórico garantista de processo penal acusatório, “o juiz não tem que dar conta na motivação do
procedimento mediante o qual ‘descobriu’ a conclusão fática, já que não a descobriu, mas somente a
encontrou: se trata, de fato, das hipóteses da acusação e da defesa’. E complementa: “dada a presunção de
inocência, a hipótese que terá que ser demonstrada verdadeira ou falsa é a da acusação”.

44

IACOVIELLO, I criteri di valutazione della prova…, cit., p. 399.


45

Nesse sentido: TARUFFO, La prova dei fatti giuridici..., cit., p. 420; UBERTIS, Profili di epistemologia
giudiziaria..., cit., p. 26. Segundo a proposta da tese, trata-se de um contexto de “decisão” em sentido lato,
como gênero, que envolve as atividades de valorar e decidir, embora cada uma dessas espécies necessite
de regime próprio.

46

UBERTIS, Profili di epistemologia giudiziaria..., cit., p. 29.

47

Filosofia da ciência natural..., cit., p. 35. E complementa Hempel (op. cit., p. 33): “Quando o controle
experimental é impossível, quando as condições C mencionadas na implicação não podem ser realizadas
ou variadas pelos meios tecnológicos disponíveis, então a hipótese deve ser verificada não
experimentalmente, seja procurando, seja esperando os casos em que as condições especificadas são
verificadas pela natureza e observando se E de fato ocorre”. Foi o que ocorreu, por exemplo, com a teoria
da relatividade geral de Albert Einstein, que fora apresentada ao mundo em novembro de 1915, mas a
efetiva comprovação da teoria de Einstein somente ocorreu 4 anos depois, no dia 29 de maio de 1919,
quando astrônomos da Royal Astronomical Society, de Londres, na cidade de Sobral, no Ceará, durante um
eclipse solar, verificaram o desvio da luz emitida pelas estrelas, que desenvolveu uma trajetória curva, em
razão do campo gravitacional do sol. Foi a comprovação de que a matéria e a energia distorcem a malha
do espaço-tempo, podendo desviar a trajetória da luz que viaja por ele a passar próxima de um grande
astro, no caso, o Sol.

48

SAMMARCO. Metodo probatorio e modelli di ragionamento..., cit., p. 17. De modo semelhante, Pastore,
(Decisioni, argomenti, controlli..., cit., p. 101) se refere a uma “racionalização a posteriori”. Para Taruffo
(La prova dei fatti giuridici..., cit., p. 408), trata-se de uma “justificação racional elaborada ex post a
respeito da decisão”.

49

TARUFFO, La prova dei fatti giuridici..., cit., p. 421.

50

IACOVIELLO, Motivazione della sentenza penale…, cit., p. 750.

51

CRUZ E TUCCI, A motivação da sentença no processo civil..., cit., p. 15-16.

52
Nesse sentido: AMODIO, Motivazione della sentenza penale..., cit., p. 184; PASTORE, Decisioni, argomenti,
controlli..., cit., p. 100.

53

FASSONE, Dalla “certezza” all’ “ipotesi preferibile”…, cit., p. 1121.

54

Ibidem, p. 1121. No mesmo sentido: TUZET, Filosofia della prova giuridica..., cit., p. 12; PIZZI, Diritto,
abduzione e prove…, cit., p. 69.

55

Nesse sentido: HAACK, Epistemology legalized..., cit., p. 30; FERRER BELTRÁN, La valoración racional de la
prueba…, p. 129.

56

ANDRÉS IBÁÑEZ, “Carpintaria” da sentença penal..., cit., p. 134. De modo semelhante, Umberto Eco
(Chifres, cascos, sapatos: três tipos de abdução. Os limites da interpretação..., cit., p. 203) elenca entre uma
das espécies de abdução, a “abdução criativa”, em que se tem que inventar a lei ex novo, o que não é tão
difícil “desde que nossa mente seja suficientemente ‘criativa’”.

57

Por exemplo, Hempel (Filosofia da ciência natural..., cit., p. 28) destacava a diferença entre uma liberdade
bem informada e outra não, no processo de descobrimento de conhecimentos sobre um fenômeno,
afirmando que os “palpites felizes requerem um grande engenho”, e não costumavam ocorrer com os
“principiantes”: “Naturalmente, esse esforço inventivo só pode ser beneficiado por uma familiaridade
completa com o conhecimento corrente no campo em questão. Um principiante dificilmente fará uma
descoberta científica importante, pois o provável é que as ideias que venham a lhe ocorrer sejam simples
duplicatas do que já foi tentado antes ou entrem em conflito com teorias ou fatos bem estabelecidos de
que ele tem conhecimento”. Por sua vez, Tuzet (Filosofia della prova giuridica..., cit., p. 14) se refere ao
conhecimento prévio do intérprete e ao contexto no qual ele se coloca.

58

IACOVIELLO, I criteri di valutazione della prova…, cit., p. 401.

59

O matemático Indiano Srinivāsa Aiyangār Rāmānujan (1887-1920), cuja história foi retratada no filme O
homem que viu o infinito, atribuía seus descobrimentos às sugestões que a deusa Namakkal revelava em
seus sonhos. Em diálogo com G. H. Hardy, narrou: “Você queria saber de onde eu tirava minhas ideias.
Minha Deusa Namagiri. Ela fala comigo. Coloca as fórmulas na minha língua quando vou dormir, às vezes
quando estou rezando. Acredita em mim? Se for meu amigo saberá que estou falando a verdade”.
60

Referências nesse sentido são encontradas em: Eco, chifres, cascos, sapatos: três tipos de abdução. Os
limites da interpretação..., cit., p. 203 e 211; RAMÍREZ, Ni deducción ni inducción: abducción!..., cit., p. 163-
176; ANDRÉS IBÁÑEZ, Sobre a motivação dos fatos na sentença penal..., cit., p. 84; MAGALHÃES GOMES
FILHO, A motivação das decisões penais..., cit., p. 160-161. Na literatura, também pode ser lembrado outro
famoso detetive, Auguste Dupin, criado por Adgar Allan Poe, no famoso The murders in the Rue Morgue,
explorado à luz do método abdutivo por TUZET, Razonamiento probatorio: ¿deducción? ¿inducción?
¿abducción?..., cit., p. 129-132.

61

Nesse sentido: FASSONE, La valutazione della prova..., cit., p. 333. Para Haack (Epistemology legalized...,
cit., p. 30), é obrigação do investigador procurar todas as provas que puder e as avaliar com a máxima
imparcialidade. E completa: “um ‘investigador isento e desinteressado’ é uma espécie de pleonasmo, e um
‘investigador isento e interessado’ um oximoro”.

62

No sentido de que, no context of discovery no processo, aplica-se um raciocínio abdutivo: cf. TARUFFO. La
prova dei fatti giuridici..., cit., p. 417-418; IACOVIELLO, I criteri di valutazione della prova…, p. 399.

63

SAMMARCO. Metodo probatorio e modelli di ragionamento..., cit., p. 170. No mesmo sentido: ANDRÉS
IBÁÑEZ. Sobre a motivação dos fatos na sentença penal..., cit., p. 87.

64

Antes de Cordero, já Bellavista (Il processo come dubbio..., cit., p. 42) tratando do “processus judici como
processus dubii”, alertava que “contra o processus dubbi há ainda aquela, afortunadamente pouco
numerosa, tipologica de juízes, para os quais a investigação é tudo, e a instrução é nada. Para estes, o
judicium, isto é, o posterius, se resolve no praejudicium, isto é, no prius. É como dizer, o prejuízo que
vence o juízo”!

65

TUZET. Filosofia della prova giuridica..., cit., p. 12.

66

No campo das descobertas científicas, Hempel (Filosofia da ciência natural..., cit., p. 56) afirma que “a
ciência não está interessada em defender suas concepções favoritas contra as evidências que possam lhes
ser contrárias. Em virtude mesmo do seu objetivo, está sempre pronta a renunciar a uma hipótese já
aceita ou pelo menos a modifica-la”.
67

TARUFFO. La prova dei fatti giuridici..., cit., p. 417-418.

68

AKUTAGAWA, Ryunosuke. Dentro do bosque. Rashômun e outros contos. Trad. Madalena Hashimoto
Cordadro e Junko Ota. São Paulo: Hedra, 2008. p. 35-49.

69

TUZET, Giovanni. Razonamiento probatorio: ¿deducción? ¿inducción? ¿abducción?. In: AMADO, Juan
Antonio García; BONORINO, Pablo Raúl (Coord.). Prueba y razonamiento probatorio en el Derecho.
Debates sobre abducción. Granada: Comares, 2014. p. 125.

70

IACOVIELLO, I criteri di valutazione della prova…, cit., p. 401.

71

TUZET, Razonamiento probatorio: ¿deducción? ¿inducción? ¿abducción?..., cit., p. 125.

72

IACOVIELLO, I criteri di valutazione della prova…, p. 401.

73

DE LUCA, Giuseppe. Il sistema delle prove penali e il principio del libero convincimento nel nuovo rito.
Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale, 1992. p. 1261.

74

Nesse sentido: UBERTIS, Principi di procedura penale europea…, cit., p. 36; MAGALHÃES GOMES FILHO,
Antonio Magalhães. A motivação das decisões penais..., cit., p. 39.

75

ZAPPALÀ, Enzo. Processo penale ancora in bilico tra sistema accusatorio e sistema inquisitorio. Diritto
penale e processo, 1998. p. 888.

76

NAPPI, Aniello. Guida al codici di procedura penale. 8. ed. Milano: Giuffrè, 2001. p. 10.
77

MAGALHÃES GOMES FILHO,. Direito à prova no processo penal..., cit., p. 70.

78

POPPER, Karl A miséria do historicismo. Trad. Octany S. da Mota e Leônidas Hegenbert. São Paulo:
Cultrix/Ed. USP, 1980. p. 104-105.

79

TARUFFO. La prova dei fatti giuridici…, cit., p. 337; TARUFFO, La semplice verità..., cit., p. 140. No mesmo
sentido, considerando a regra de que toda prova relevante deve ser admitida consiste em um filtro
epistemológico: GASCÓN ABELLÁN, Los hechos en le derecho…, cit., p. 115; FERRER BELTRÁN, La
valoración racional de la prueba..., cit., p. 68; FERRER BELTRÁN, La prueba es libertad..., cit., p. 25.

80

BENTHAM, Jermías. Tratado de las pruebas judiciales. Trad. Manuel Osorio Florit. Buenos Aires: Ejea,
1971. t. II. p. 87.

81

SENTÍS MELENDO, La prueba…, cit., p. 336.

82

Ibidem, p. 336.

83

UBERTIS, Diritto alla prova nel processo penale e Corte Europea dei Diritti dell’Uomo…, cit., p. 91.

84

La semplice verità…, cit., p. 150.

85

Para Laudan (Verdad, error y proceso penal…, cit., p. 46), toda regra que exclui provas relevantes é
suspeita do ponto de vista epistémico.

86

Nesse sentido, DAMASKA, Il diritto delle prove alla deriva..., cit., p. 24, citando J. H. Wigmore. Evidence in
Trials at Common Law, por P. Tillers, Boston, 1983. I, II. p. 689.
87

Direito à prova no processo penal..., cit., p. 93; Idem, A motivação das decisões penais..., cit., p. 150-151. No
mesmo sentido, na doutrina italiana: UBERTIS, La prova penale ..., cit., p. 55.

88

A questão foi tratada, em maior profundidade, em BADARÓ, Gustavo. Direito à prova e os limites lógicos
de sua admissão: os conceitos de pertinência e relevância. In: BEDAQUE, José Roberto dos Santos; CINTRA,
Lia Carolina Batista; EID, Elei Pierre (Coord.). Garantismo processual. Brasília: Gazeta Jurídica, 2016. p.
219-260.

89

Regra idêntica, para o procedimento dos crimes dolosos contra a vida está prevista no § 2º do artigo 411,
incluído pela Lei 11.689/2008. Dispositivo semelhante já existia para os Juizados Especiais Criminais,
prevista no § 1º do artigo 81 da Lei 9.099/1995: “§ 1º Todas as provas serão produzidas na audiência de
instrução e julgamento, podendo o Juiz limitar ou excluir as que considerar excessivas, impertinentes ou
protelatórias”. Com clara inspiração no direito italiano, o PLS 156/2009, prevê, nas disposições gerais sobre
a prova que: “as provas serão propostas pelas partes” (art. 162). E, completando a regra geral que assegura
um verdadeiro direito à prova, prevê os critérios de exclusão no art. 163, caput: “Art. 163. O juiz decidirá
sobre a admissão das provas, indeferindo as vedadas pela lei e as manifestamente impertinentes ou
irrelevantes” (destaquei).

90

Na doutrina processual civil, a inadmissibilidade da prova que tivesse por objetos fatos impertinentes e
fatos irrelevantes foi feita, ao que se pode apurar, pela primeira vez, por Lopes da Costa (COSTA, Alfredo
Araújo Lopes da. Direito processual civil brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: José Konfino, 1947. v. II. n. 280. p.
222), nos seguintes termos: “Fatos impertinentes (in-pertinere – não pertencer) são os que não pertencem à
causa, nenhuma relação têm com ela, não lhe dizem respeito, lhe são estranhos”; “Fatos irrelevantes ou
inconcludentes são os que, embora se refiram à causa, não influem sobre a decisão, não levam a conclusão
alguma (inconcludentes), são indiferentes”. Na doutrina mais moderna, mais recentemente, o tema da
relevância da prova foi tratado por Cândido Rangel Dinamarco (Instituições de direito processual civil. 6.
ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2009. v. III. p. 64-65), que defende a inadmissibilidade de provas
irrelevantes pois “nenhuma utilidade o seu reconhecimento poderia ter para o julgamento da causa ou
dos pedidos ou requerimentos incidentes ao processo. O fato é irrelevante quando, com ele ou sem ele, a
decisão será a mesma”. E, a partir do fato afirmado pela parte, conecta a noção de relevância como o
fundamento jurídico posto em causa: “no plano do direito material a relevância do fato depende sempre
da eficácia que ele possa ter para a constituição, impedimento, modificação ou extinção do direito alegado
pelo autor”. Por outro lado, nega utilidade na autonomia do conceito de pertinência, porque esta “é
aspecto da própria relevância e não merece tratamento autônomo”. Para uma análise da evolução do
tema na doutrina, cf. BADARÓ, Direito à prova e os limites lógicos de sua admissão..., cit., p. 233-239.

91

MARQUES, Elementos de direito processual penal..., cit., v. II. p. 274.


92

Direito à prova no processo penal…, cit., p. 130.

93

Segundo Damaska (Il diritto delle prove alla deriva..., cit., p. 83) o termo relevância se refere “à potencial
idoneidade de um elemento de informação para suportar ou negar a existência de um fato principal
(factum probandum)”. No mesmo sentido, Michele Taruffo (Studi sulla rilevanza della prova. Padova:
CEDAM, 1970. p. 121) afirma que “a evidence é material quando apta a provar um fact in issue”, entendida
essa expressão como fato principal ou factum probandum.

94

MAGALHÃES GOMES FILHO, Antonio. Princípios gerais da prova no Projeto de Código de Processo Penal.
Projeto 156/2009 do Senado Federal. Revista de Informação Legislativa, n. 183, jul.-set. 2009. p. 40.

95

O núcleo do conceito de relevância, segundo Taruffo (Studi sulla rilevanza della prova..., cit., p. 120), é
constituído da relação entre o fato sobre o qual verte a prova e o fato que se precisa provar para proferir a
decisão.

96

De modo semelhante, no direito inglês, Richard May (Criminal evidence..., cit., p. 8) explica que “a regra de
ouro da admissibilidade é que toda prova que é relevante é admissível e aquela que é irrelevante é
inadmissível”.

97

Studi sulla rilevanza della prova..., cit., p. 85-86; TARUFFO, La semplice verità…, cit., p. 42. Esse conceito já
era encontrado na doutrina clássica. Assim, por exemplo, Carnelutti (La prova civile. 2. ed. Roma: Ateneo,
1947. p. 156) afirmava: “se provam os fatos jurídicos, no sentido de que os fatos se provam enquanto são
jurídicos, isto é, enquanto caracterizam os pressupostos da norma a ser aplicada (em substância, e com
perfeita equivalência, se diz que objeto da prova são somente os fatos relevantes)” (destaques no original).
E se mantém atual, por exemplo, em Salvatore Patti (Le prove. Parte generale. Milano: Giuffrè, 2010. p. 2),
que afirma “é principal o fato constitutivo do direito deduzido na ação; como também o fato impeditivo,
modificativo ou extintivo deduzido na exceção”. No mesmo sentido, ainda: PROTO PISANI, Andrea. Lezioni
di diritto processuale civile. 2. ed. Napoli: Jovene, 1996. p. 448.

98

TARUFFO. La semplice verità..., cit., p. 42.

99

Segundo Patti (Le prove…, cit., p. 3), no caso de prova indireta, o fato alegado deve determinar “uma
probabilidade elevada” de existência do fato a ser provado (fato principal).

100

TARUFFO, La prova dei fatti giridici..., cit., p. 339-340. No mesmo sentido, sem, contudo, fazer a distinção
entre relevância jurídica e lógica: PROTO PISANI, Lezioni di diritto processuale civile..., cit., p. 451-452. No
mesmo sentido, restrito, porém, ao que se qualifica como relevância jurídica, cf. LIEBMAN, Manuale di
diritto processuale civile..., cit., v. II. p. 76.

101

Nesse sentido, é o conceito de Dominioni (Le prove..., cit., p. 219), que exemplifica: “não tem, por exemplo,
esse requisito, o enunciado de que o imputado teve um comportamento irracional porque agiu em uma
noite de lua cheia”.

102

Procurando sintetizar tais conceitos, Taruffo (Studi sulla rilevanza della prova..., cit., p. 123) explica que
“se pode considerar coerente com o sistema da law of evidence a teoria que liga a noção de materiality
àquela de fact in issue, enquanto pressuposto necessário da relevancy, entendida como aptidão da
evidence em fornecer a prova de um fato principal”.

103

Acrescente-se que, embora a relevância normalmente seja considerada em relação ao objeto do processo,
isto é, a questão de direito material debatida, é possível também uma relevância processual da prova. Isto
é, quando a prova se destina a demonstrar a fiabilidade ou a falsidade de outro meio de prova. Nesse
sentido: FERRER BELTRÁN, La valoración racional de la prueba…, cit., 89. É o caso, por exemplo, da oitiva
de uma testemunha para comprovar uma contradita, ou de a produção de uma prova pericial, no
incidente de falsidade documental.

104

DAMASKA, Il diritto delle prove alla deriva..., cit., p. 83. No mesmo sentido: BARBOSA MOREIRA, José
Carlos. Prueba e motivación de la sentencia. Temas de direito processual: oitava série. São Paulo: Saraiva,
2004. p. 112.

105

PATTI, Le prove…, cit., p. 3. De modo semelhante, para Giuseppe Bianchi (L’ammissione della prova nel
dibattimento penale. Analisi dell’attività argomentativa delle parti. Milano: Giuffrè, 2001. p. 128), o juízo
de pertinência é um conceito essencialmente lógico consistente na verificação da relação entre o objeto de
meio de prova requerido e a regiudicanda”.

106

FERRER BELTRÁN, La valoración racional de la prueba…, cit., p. 71. nota 29.


107

Nesse sentido: BENTHAM, Tratado de las pruebas…, cit., t. II. p. 93-94; TARUFFO, La semplice verità..., cit.,
p. 143. No ordenamento jurídico brasileiro, representa uma limitação por superfluidade ou
superabundância da prova, o inciso I do art. 443 do Código de Processo Civil, que prevê “O juiz indeferirá
a inquirição de testemunhas sobre fato: ... I – já provados por documento ou confissão da parte”. Outro
exemplo é a limitação do número de testemunhas para cada fato a ser provado: “O número de
testemunhas arroladas não pode ser superior a 10 (dez), sendo 3 (três), no máximo, para prova de cada
fato” (art. 357, § 6º).

108

Por outro lado, não se pode confundir a prova supérflua com a prova de corroboração, esta sim, cuja
produção é epistemologicamente justificada. A indagação então seria: “são supérfluas todas as provas
redundantes”? Ferrer Beltran (La valoración racional de la prueba ..., cit., p. 75) responde, claramente, de
forma negativa.

109

Porém, não se pode negar que a ideia de relevância não é estrita e exclusivamente lógica, mas leva em
conta, também, outros fatores, como os custos de tempo, pessoal e mesmo econômico de produção da
prova. Segundo Liebman (Manuale di diritto processuale civile. Milano: Giuffré, 1959. v. II. p. 76), seria
evidentemente desperdício o tempo, o trabalho e o dinheiro empregado para provar fatos que, embora
controvertidos pelas partes, não seriam, se provados, concludenti, conferenti.

110

Do ponto de vista lógico e, especialmente, segundo a máxima de que tudo o que é relevante deve ser
admitido, é ilógico não admitir a produção de um meio de prova porque outros meios já foram produzidos
e geraram o mesmo resultado probatório que se pretende atingir com o meio reputado supérfluo. Além
disso, a vedação da prova supérflua como limite lógico incidiria no mesmo erro de confundir limites
lógicos com prognóstico concreto sobre o potencial resultado probatório do meio requerido.

111

BIANCHI. L’ammissione della prova nel dibattimento penale…, cit., p. 128. No mesmo sentido, em relação
ao processo civil: GOMOGLIO, Luigi Paolo. Il principio di economia processuale. I. Padova: CEDAM, 1980.
p. 200-203. Em sentido diverso, para UBERTIS, La prova penale…, cit., p. 64, o caráter supérfluo da prova
liga-se ao conceito de “irrelevância por redundância”.

112

SIRACUSANO, Delfino. Le prove. In: SIRACUSANO, Delfino; GALATI, Antonini; TRANCHINA, Giovanne;
ZAPPALÀ, Enzo. Diritto processuale penale. 2. ed. Milano: Giuffrè, 1996. v. I. p. 354.

113
GREVI. Prove. In: CONSO, Giovanni; GREVI, Vittorio (Org.). Profili del nuovo Codice di Procedura Penale. 4.
ed. Padova: CEDAM, 1996. p. 243; BIANCHI, L’ammissione della prova nel dibattimento penale..., cit., p.
128.

114

SIRACUSANO, Le prove…, cit., p. 345. Com razão, Ferrer Beltrán (La valoración racional de la prueba…, cit.,
p. 75) distingue a prova redundante da prova supérflua. A prova redundante é simplesmente aquela que
confirma o que já foi o resultado de outra prova produzida. Uma segunda testemunha que diga a mesma
coisa que uma primeira já ouvida, será redundante. Isso não quer dizer que o segundo depoimento será
supérfluo, no sentido de inútil, por excesso. Uma segunda testemunha que diga a mesma coisa que a
primeira fornece um grau de corroboração ao que disse aquela. Assim como a terceira testemunha vai
corroborar o que disseram as duas anteriores. Todavia, na medida em que aumentam as provas
redundantes, o grau de corroboração vai diminuindo, podendo se falar em um rendimento decrescente a
cada nova prova. Assim, para evitar “perigo de transbordamento”, é aconselhável, epistemologicamente,
que a lei ponha um limite à produção de provas redundantes, a partir do ponto em que sejam
consideradas supérfluas.

115

SIRACUSANO, Le prove…, cit., p. 345. Diversamente, para quem considera que o juízo lógico deve envolver
aspectos valorativos, o juízo de admissibilidade ficaria na dependência da produção da prova a ser
valorada, criando uma petição de princípio. É, por exemplo, o posicionamento de Chiavario (Appunti sul
processo penale. recolli da Barbara Giors e Serena Quattrocolo. Torino: G. Giappichelli, 2000. p. 324), que
considera muito arriscado um juízo negativo de admissibilidade, seja em relação à relevância, seja em
relação à superabundância, sem que se tenha “um quadro completo”.

116

BIANCHI. L’ammissione della prova nel dibattimento penale, cit., p. 130. No mesmo sentido: LOZZI,
Gilberto. Lezioni di procedura penale. 2. ed. Torino: G. Giappichelli, 1995. p. 183.

117

TARUFFO, La prova dei fatti giuridici..., cit., p. 346.

118

No processo penal, perante a sua evidente relevância, o legislador preestabelece a necessidade de oitiva da
vítima, que não se confunde com testemunha e, sequer, precisa ser arrolada. O art. 201, caput, do Código
de Processo Penal prevê que: “Sempre que possível, o ofendido será qualificado e perguntado sobre as
circunstâncias da infração, quem seja ou presuma ser o seu autor, as provas que possa indicar, tomando-
se por termo as suas declarações” (destacamos). Mesmo em se tratando de provas constituendas, diante da
sua inquestionável relevância, posto que a vítima sempre terá algo a esclarecer sobre o modo, o momento
ou o autor do delito, o legislador determina sua oitiva.
119

Desse modo, atende-se à preocupação de Ferrer Beltrán (La valoración racional de la prueba…, cit., p. 55,
nota 40) de que o respeito ao direito à prova exige que o juízo de relevância sobre as provas requeridas
não seja utilizado como mecanismo indevidamente restritivo que impeça o exercício de tal direito.

120

MAGALHÃES GOMES FILHO, Princípios gerais da prova..., cit., p. 40.

121

SENTÍS MELENDO, La prueba..., cit., p. 283.

122

BARBOSA MOREIRA, Prueba e motivación de la sentencia..., cit., p. 113.

123

SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judiciária no cível e comercial. São Paulo: Max Limonad, 1970. v. I. p. 227.

124

ECHANDIA. Hernando Devis. Teoría general de la prueba judicial. 2. ed. Buenos Aires: Victor P. de Zavalía
Ed., 1972. v. I. p. 206.

125

FERRER BELTRÁN, La valoración racional de la prueba…, cit., p. 42.

126

Com razão, Winfried Hassemer (Verdad e búsqueda de la verdad en el proceso penal. La medida de la
Constitución. México D.F.: IBIJUS, 2009. p. 30) refere-se a um “conflito estático” entre os direitos do
acusado e a busca da verdade, sendo que aqueles podem inibir esta.

127

DE CONDE, Francisco Muñoz; LANGE, Marcela. Presentación. In: ROXIN, Claus. La prohibición de
autoincriminación y de las escuchas domiciliarias. Buenos Aires, Hammurabi, 2008. p. 15.

128

GRINOVER, Liberdades públicas..., cit., p. 98.


129

GRINOVER, Liberdades públicas..., cit., p. 99.

130

Constituição, art. 5º, caput, incisos III, X, XI e XII, respectivamente. Justamente porque tais bens jurídicos
são de alta relevância, o legislador define como crime sua violação. Assim, a obtenção da prova ilícita,
normalmente, acarreta o cometimento de um delito, como a prática de tortura (Lei 9.455/1997, art. 1º) a
violação de domicílio (CP, art. 150), de correspondência (CP, art. 151), ou de segredo profissional (CP, art.
154) etc.

131

Comentando o dispositivo reformado, Antonio Magalhães Gomes Filho (Provas – Lei 11.690, de 09.06.2008.
In: MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis (Coord.). As reformas no processo penal. As novas leis de 2008 e
os projetos de reforma. São Paulo: Ed. RT, 2008. p. 266) conclui que: “Não parece ter sido a melhor, assim, a
opção do legislador nacional por uma definição legal de prova ilícita, que, longe de esclarecer o sentido da
previsão constitucional, pode levar a equívocos e confusões, fazendo crer, por exemplo, que a violação de
regras processuais implica ilicitude da prova e, em consequência, o seu desentranhamento do processo”.
No mesmo sentido, Grinover, Magalhães Gomes Filho e Scarance Fernandes (As nulidades..., cit., p. 133)
consideram que “a falta de distinção entre a infringência da lei material ou processual pode levar a
equívocos e confusões”.

132

A análise segue o conceito que já foi proposto em: BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo penal. 6. ed. São
Paulo: Ed. RT, 2018. p. 411-416.

133

MAGALHÃES GOMES FILHO, Provas..., cit., p. 266.

134

. Segundo Marcello Daniele (Regole di esclusione e regole di valutazione della prova. Torino: G.
Giappichelli Ed., 2009. p. 3) trata-se de regra de exclusão probatória de caráter geral, pois veda ao juiz
empregar em sua decisão elementos cognitivos que tenham sido produzidos violando proibições previstas
em lei. O direito italiano, por exemplo, trabalha com graus de inutilizabilidade, havendo regras absolutas
e regras relativas de exclusão de prova (Ibidem, p. 8-9). As hipóteses de regras de exclusão relativas
ocorrem nos casos em que a lei declara que certos elementos probatórios são ineficazes somente em face
de um tema probatório, mas não diante de outro tema. São os casos, por exemplo, de vedação de
testemunho sobre a moralidade do acusado (CPP, art. 194, comma 1); ou a utilização de documentos
relativos a “voz corrente” da população ou a moralidade de sujeitos que participam do processo (CPP, art.
234, comma 3) e a perícia sobre a qualidade psíquica do acusado. (CPP, art. 220, comma 2.) Trata-se,
portanto, de regras de exclusão baseadas no objeto da prova: Cordero, Il procedimento probatorio…, cit.,
p. 61 e ss. No mesmo sentido: DANIELE, Regole di esclusione e regole di valutazione della prova ..., cit., p.
10; Elvira Nadia La Rocca (Le regole di esclusione della prova nel processo penale. Roma: Aracne, 2013. p.
54-55).

135

Por outro lado, como explica Nadia La Rocca (Le regole di esclusione della prova nel processo penale…,
cit., p. 79-80) a vedação genérica da lei encontra sua especificação nas normas que disciplinam cada meio
de prova. E acrescenta: “Nesse aspecto, o caráter genérico da fórmula ‘vedações estabelecidas pela lei’
evidencia a amplitude concreta da mesma; para a vedação da lei, com já evidenciado, deve entender-se
não apenas aquela expressamente prevista, mas também e sobretudo aquelas derivadas da constatação da
falta de condição ou pressupostos de operatividade da norma probatória e, mesmo na ausência de uma
expressa previsão de proibição, esta é sempre extraível das respectivas previsões da norma que,
autorizado a produção e sucessiva valoração da prova na presença de determinados pressuposto,
consequentemente vendam sua utilização na ausência destes últimos”.

136

NADIA LA ROCCA, Le regole di esclusione della prova nel processo penale..., cit., p. 56.

137

GALANTINI, Novella. Inutilizzabilità (dir. proc. pen.). Enciclopedia del Diritto. Aggiornamenti, I. Milano,
1997. p. 698.

138

Para Andrea Planchadell Gargallo (La prueba prohibida: evolución jurisprudencial. Navarra: Aranzadi,
2014. p. 35), as provas produzidas com violação de direitos fundamentais devem ser denominadas “provas
proibidas”, já as expressões “prova ilícita” ou “prova ilicitamente obtida” indicariam fenômenos de menor
gravidade, de simples infringência aos requisitos legalmente exigidos para produção de uma prova, não
implicando sua ineficácia.

139

ESTRAMPES, Manuel Miranda. El concepto de prueba ilícita y su tratamiento en el proceso penal. 2. ed.
Barcelona: Bosch, 2004. p. 31-32.

140

Andrea Planchadell Gargallo (La prueba prohibida: evolución jurisprudencial. Navarra: Aranzadi, 2014. p.
35) prefere a terminologia “prova proibida”, por considerar que “con la expresión prueba ilícita,
ilícitamente obtenida o ilegal se hace en puridad referencia a aquella prueba que se obtiene o práctica
vulnerando o infringiendo los requisitos legalmente exigidos para ella, de forma que, cuando dicha
infracción no supone una vulneración de los derechos fundamentales, ésta prueba sí que puede, dentro de
los límites legales, ser tomada en consideración”.

141
MIRANDA ESTRAMPES, Manuel (El concepto de prueba ilícita y su tratamiento en el proceso penal..., cit.,
p. 52): explica que “A vulneração dos direitos fundamentais pode ter lugar não só no momento da
obtenção da fonte de prova, mas também no momento de sua incorporação e produção no processo. Entre
estas últimas se encontram aquelas provas cuja prática não respeitou as garantias constitucionais de
contraditório, oralidade, publicidade e imediação, impostas pelo art. 24.2 da Constituição espanhola, e
conectadas com o direito fundamental da presunção de inocência. Dentro da categoria dos direitos
fundamentais devemos incluir tanto os denominados substantivos, como os processuais, basicamente
contidos no art. 24 do texto constitucional”. No mesmo sentido: WINTER, Lorena Bachmaier. Spain: the
constitutional court’s move from categorical exclusion to limited balancing. In: THAMAN, Stephen C. (Ed.)
Exclusionary rules in comparative law. Springer, 2013. p. 213-214.

142

Spain: the constitutional court’s move from categorical exclusion to limited balancing…, cit., p. 232.

143

EDWARD, Carlos Enrique. La prueba ilegal en el proceso penal. Córdoba: Marcos Lerner Ed., 2000. p. 17.

144

DEU, Tereza Armenta. La prueba ilícita (un estudio comparado). Madrid: Marcial Pons, 2009. p. 80.

145

AMBOS, Kai. Las prohibiciones de utilización de pruebas en el proceso penal alemán. In: COLOMER, Juan
Luis Gómez (Coord.), Prueba y proceso penal. Análisis especial de la prueba prohibida en el sistema
español e en el derecho comparado. Valencia: Tirant Lo Blanch, 2008. p. 32. No mesmo sentido: GÖSSEL,
Karl Heinz. Las prohibiciones de prueba como límites de la búsqueda de la verdead en el proceso penal.
In: DONNA, Edgardo Alberto (Dir.). El derecho procesal penal en el estado de derecho. Obras completas.
Santa Fé: Rubinzal-Culzoni, 2007. p. 151; ROXIN, Claus. Derecho procesal penal. Trad. Gabriela E. Córdoba
e Daniel R. Pastor. Buenos Aires: Del Puerto, 2000. p. 191. Sobre o tema, podem ser consultados os
profundos estudos: GÖSSEL, Karl Heinz. La prueba ilícita en el proceso penal. In: DONNA, Edgardo Alberto
(Dir.). El derecho procesal penal en el estado de derecho. Obras completas. Santa Fé: Rubinzal-Culzoni,
2007. p. 169-258 e, mais recentemente: GLESS, Sabine. Germany: balancing truth against protected
interests. In: THAMAN, Stephen C. (Ed.) Exclusionary rules in comparative law. Springer, 2013. p. 113-142;
AMBOS, Kai. Las prohibiciones de utilización de pruebas en el proceso penal alemán. In: COLOMER, Juan
Luis Gómez (Coord.), Prueba y proceso penal. Análisis especial de la prueba prohibida en el sistema
español y en el derecho comparado. Valencia: Tirant Lo Blanch, 2008. p. 325-360.

146

BGHSt, 14, 358, 465, citado por Gössel. Las prohibiciones de prueba como límites de la búsqueda de la
verdead en el proceso penal…, p. 148.

147
Il principio del libero convincimento del giudice, Milano: Giuffrè, 1974. p. 24. No mesmo sentido:
GRINOVER. Liberdades públicas..., cit., p. 58.

148

No caso Hudson v. Michigan (547 U.S. 586,591 (2006)), a Supreme Court reconheceu a legalidade de busca e
apreensão domiciliar realizada sem observância do chamado Knock-and-announce, que era considerado
uma parte necessária da razoabilidade da busca. No caso Kansas v. Venetris (556 U.S. 586, 129 S.Ct 1841
(2009)) foram admitidas declarações do acusado obtidas com violação do decido em Masssiah v. United
States – que assegura o direito de assistência de um advogado para que a polícia obtivesse uma declaração
incriminadora do investigado, antes do processos – foi admitida para atacar a credibilidade do acusado.
Com relação ao caso Hudson vs. Michigan, afirma Manuel Miranda Estrampes (Concepto de prueba ilícita
y su tratamiento en el proceso penal. Especial referência a la exclusionary rule estadounidense. México
D.C.: Ubijus, 2013. p. 310) que se tratou de uma verdadeira reformulação do fundamento das exclusionary
rules, na progressiva intenção de afastar o seu caráter de regra constitucional.

149

CAMMACK, Mark E. The United States: the rise and de fall of the constitutional exclusionary rule. In:
THAMAN, Stephen C. (Ed.) Exclusionary rules in comparative law. Springer, 2013. p. 31-32.

150

. Por exemplo, na Bélgica, Marie-Aude Beernaert e Philip Traest (Belgium: from categorical nullities to a
judicially created balancing test. In: THAMAN, Stephen C. (Ed.). Exclusionary rules in comparative law.
Springer, 2013. p. 181) informam que, embora por anos prevalecesse o entendimento de que os juízes não
poderiam considerar, para a condenação, provas obtidas por meios ilícitos, a Cour de Cassation, a partir
do caso Antigone, decidido em 14 de outubro de 2013, acabou por inverter a regra da proibição prima
facie da utilização de provas ilícitas, substituindo-a por uma autorização prima facie de utilização das
provas ilícitas, exceto em três casos bastante restritos: quando houver violação de formalidades
estabelecidas sob pena de nulidade, se a confiabilidade da prova foi atingida, ou quando o direito a um
processo justo foi abalado.

151

Nas palavras de Ferrer Beltrán (La valoración racional de la prueba…, cit., p. 80), a justificativa de tais
regras de exclusão não é uma questão de racionalidade, mas valorativa.

152

Nesse sentido: GÓMEZ COLOMER, Juan Luis . La evolución de las teorías sobre la prueba prohibida
aplicadas en el proceso penal español: del expansionismo sin limites al más puro reduccionismo. Una
meditación sobre su desarrollo futuro inmediato. In: GÓMEZ COLOMER, Juan Luis (Coord.), Prueba y
proceso penal. Análisis especial de la prueba prohibida en el sistema español y en el derecho comparado.
Valencia: Tirant Lo Blanch, 2008. p. 111.
153

TARUFFO, La semplice verità..., cit., p. 150.

154

Para Magalhães Gomes Filho (Direito à prova no processo penal..., cit., p. 97-98), outro limite de admissão
da prova, de natureza epistêmica, seria a regra do art. 158 do CPP dispondo que, nos crimes que deixam
vestígio, não se admite a confissão para a comprovação da materialidade delitiva, exigindo-se o exame de
corpo de delito: “trata-se de um exemplo claro de inadmissibilidade do meio de prova, com o objetivo de
evitar erros que poderiam resultar em indiscriminada admissão de qualquer prova para demonstração da
própria existência do fato que deixa rastros materiais”. Discorda-se. O dispositivo não estabelece um
limite a admissão de outros meios de prova, mas sim a valoração de meios de prova diversos do exame de
corpo de delitos, para se considerar provada a materialidade delitiva. Nesse sentido, Jacinto Nelson de
Miranda Coutinho (Glosas ao Verdade, Dúvida e Certeza, de Francesco Carnelutti ..., cit., p. 89) explica que
tal regra é “um resquício da prova legal”, que constitui “uma garantia do cidadão, expressão
infraconstitucional do princípio do devido processo legal”. Sobre o tema, cf., infra, item 3.5.2. De qualquer
forma, como ressalva Nappi (Guida al codici di procedura penale…, cit., p. 173) muitas vezes pode ser
difícil estabelecer a diferença entre “regole d’esclusione e criteri di valutazione”. No mesmo sentido,
Nobili, Esiti, errori, arbitrii dietro un’illustre formula…, cit., p. 53, nota 41.

155

O art. 401 do ab-rogado CPC de 1973 vedava a produção da prova exclusivamente testemunhal, em relação
aos contratos cujo valor excedia 10 salários-mínimos. Segundo Moacyr Amaral Santos (Comentários ao
Código de Processo Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1976. v. IV. p. 269), o dispositivo era “genuíno preceito
sobre admissibilidade de prova testemunha. Esta é admissível, embora insulada, para a prova dos
contratos de valor igual ou inferior ao ‘décuplo do maior salário mínimo”. Outro limite dessa natureza que
pode ser lembrado, é a regra do art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, sobre a prova testemunhal para benefícios
previdenciários: “A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante
justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando
baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na
ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento”. No mesmo
sentido, inclusive, é a Súmula 149 do STJ: “A prova exclusivamente testemunhal é insuficiente para
comprovação da atividade rurícola para obtenção de benefícios previdenciários”.

156

De fato, o testemunho de ouvir dizer, ao menos em regra, não deve ser admitido. Não pode ser aceito
como verdadeira prova testemunhal, por se tratar de uma “prova de segunda mão”.

157

LEMPERT, R. O.; SALTZBURG, S. A. A modern approach to evidence: text, problems, transcripts. St. Paul,
Minnesota: West Publishing Co., 1982. p. 494. De modo semelhante, para John Langbein (The origins of
adversary criminal trial. Nova York: Oxford University Press, 2003. p. 233) trata-se da “iniciativa central do
direito probatório anglo-americano maduro”. O assim denominado “testemunho de ouvir dizer” é definido
no artigo 801(c) das Federal Rules of Evidence: “hearsay é uma declaração diversa daquela proferida pela
testemunha enquanto depõe no julgamento, oferecida como meio de prova para comprovar a veracidade
da questão afirmada”. Para o conceito de hearsay, uma declaração (statemant) é definida como “uma
asserção oral ou escrita ou uma conduta não verbal de uma pessoa, caso a pessoa a pratique com a
intenção de fazer uma asserção” (artigo 801(a)) e declarante é conceituado como “uma pessoa que presta
uma declaração” (artigo 801 (b)).

158

Como explica Diogo Malan (Direito ao confronto no processo penal. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008. p.
59): “Tais exceções, de uma forma geral, são justificadas por se tratar de situações em que o legislador
considera que o testemunho indireto é de boa qualidade epistemológica, tão confiável quanto o
depoimento direto. Assim, a questão da disponibilidade da fonte informativa original não é considerada
relevante, para fins de admissibilidade do testemunho indireto”.

159

Novamente, invocando o ensinamento de Malan (Direito ao confronto no processo penal..., cit., p. 59):
“aqui o fundamento é diverso: embora se reconheça que o depoimento indireto não tem a mesma
qualidade epistemológica do direto, em certas circunstâncias entende-se preferível a admissão do
testemunho indireto, ante a impossibilidade material de produção do depoimento direto”.

160

NANCE, Dela. The best evidence principle. Iowa Law Review, Iowa City, n. 73, 1987-1988. p. 227-297.

161

NANCE, The best evidence principle..., cit., p. 240 e ss.

162

Para Tuzet (Filosofia della prova giuridica..., cit., p. 56), os dois grandes problemas da prova científica são:
(i) definir se deve ser o juiz ou a comunidade científica que estabelece qual teoria ou metodologia
científica é mais confiável e deve prevalecer; (ii) até que ponto o juiz é vinculado à prova científica.
Ressalte-se que esse segundo problema é relevante nos modelos de decisão em que há motivação. Já nos
modelos de júri, com decisões imotivadas, esse problema embora muito relevante, torna-se incontrolável.

163

DOMINIONI, Oreste. La prova penale scientifica. Gli strumenti scientifico-tecnici nuovi o controversi e di
elevata specializzazione. Milano: Giuffrè, 2006. p. 147.

164

DOMINIONI, La prova penale scientifica..., cit., p. 124.


165

DOMINIONI, Oreste, In tema di nuova prova scientifica, Diritto penale e processo, n. 9, set. 2001, p. 1061.

166

Nesse sentido: DOMINIONI, Tema di nuova prova scientifica…, p. 1061; Idem, La prova penale scientifica…,
p. 13; Canzio, Prova scientifica, ragionamento probatorio e libero convincimento del giudice nel processo
penale, Diritto Penale e Processo, 2003, p. 1193.

167

Dominioni, La prova penale scientifica…, p. 15.

168

Sobre o tema, cf., supra, cap. 2, item 2.5.

169

DOMINIONI. La prova penale scientifica..., cit., p. 125.

170

Nesse sentido: ARAZI, Roland. Pruebas ilícitas y prueba científica. Conceptos generales. In: ARAZI, Roland
(Dir.), Prueba ilícita y prueba científica. Santa Fe: Rubinzal: Culzoni Ed., 2008. p. 13-14.

171

Nesse sentido: TARUFFO, Michele. La aplicación de los estándares científicos a las ciencias sociales. In:
VÁZQUEZ, Carmen (Ed.). Estándares de prueba y prueba científica: ensayos de epistemología jurídica.
Madrid: Marcial Pons, 2013. p. 203-213; TARUFFO, Michele. La semplice verità..., cit., p. 214.

172

TARUFFO, Michele. Conoscenza scientifica e decisione giudiziaria: profili generali. Decisione giudiziaria e
verità scientifica, Milano: Giuffrè, 2005. p. 21.

173

TARUFFO, Conoscenza scientifica e decisione giudiziaria…, p. 5.

174

TARUFFO, Conoscenza scientifica e decisione giudiziaria…, p. 6. De modo menos jocoso, Dominioni (La
prova penale scientifica..., cit., p. 145) utiliza a expressão do juiz Rehnquist, que integrou a minoria no
Caso Frye, no sentido de que o juiz não pode se transformar num “cientista diletante”.
175

TARUFFO. Conoscenza scientifica e decisione giudiziaria: profili generali…, p. 6; TARUFFO, La semplice


verità..., cit., p. 213. Acrescentando que um bom critério é não considerar a opinião de quem pratica o tipo
de conhecimento considerado, pois “os astrólogos consideram a astrologia uma forma válida de
conhecimento; o mesmo fazem os cartomantes com a cartomancia; o mesmo fazem os grafólogos com a
grafologia, e o mesmo fazem os leitores de borra de café sobre a sua ‘arte’” (ibidem, p. 7).

176

Não se trata de uma preocupação meramente acadêmica. TARUFFO, Michelle. L’uso probatorio della
scienza nel processo. In: CUCCI, Monica; GENNARI, Giuseppe; GENTILOMO, Andrea. L’uso della prova
scientifica nel processo penale. Maggioli, 2012, p. 53) informa que, no ano de 2009, nos Estados Unidos, a
National Academy of Sciences publicou um relatório denominado Strengthening Forensic Science in the
United States. A Path Forward, em que analisa os problemas relativos ao fundamento científico das
denominadas “ciências forenses” e conclui que das 12 técnicas utilizadas pelos tribunais e que foram
analisadas, somente o teste de DNA tem validade científica.

177

Para uma análise crítica dos critérios adotados no Caso Frye v. Estados Unidos, 293 R. (D.C.Cir.) 1013(1923):
FAIGMAN, David L.; KAYE, David H.; SAKS, Michael J.; SANDERS, Joseph; CHENG, Edward K. Modern
scientific evidence. the law and science of expert testimony. 2. ed. St. Paul-Minn, 2006-2007. v. I. p. 7-14;
DOMINIONI, La prova penale scientifica..., cit., p. 117-119; VÁZQUEZ ROJAS, Carmén. La prueba científica
y la prueba pericial. Madrid: Marcial Pons, 2015. p. 92-96. Na doutrina nacional: MANZANO, Luís
Fernando de Moraes. A prova pericial. Admissibilidade e assunção da prova científica e técnica no
processo brasileiro. São Paulo: Atlas: 2011. p. 189-196; KNIJNIK, Danilo. Prova pericial e seu controle no
direito processual brasileiro. São Paulo: Ed. RT, 2018. p. 52.

178

DOMINIONI, La prova penale scientifica..., cit., p. 1119.

179

509 U.S. 579 (1993). Sobre o caso Daubert, na literatura norte-americana, cf. FAIGMAN; KAYE; SAKS;
SANDERS; CHENG. Modern scientific evidence..., cit., v. I, p. 69 ss. Sobre o tema, pode ser consultado,
também: STELLA, Federico. Leggi scientifiche e esplicazione causale nel diritto penale. 2. ed. Milano:
Giuffrè, 2000. p. 424 e ss.; Idem, Giustizia e modernità..., cit., p. 436 e ss.; DOMINIONI, La prova penale
scientifica…, cit., p. 137-177; VÁZQUEZ ROJAS. La prueba científica y la prueba pericial…, cit., p. 96-128. Na
literatura nacional: MANZANO, A prova pericial..., cit., p. 196-205; KNIJNIK, Prova pericial e seu controle no
direito processual brasileiro…, cit., p. 55-60.

180

Nesse sentido: FAIGMAN; KAYE; SAKS; SANDERS; CHENG. Modern scientific evidence..., cit., v. I. p. 38-39;
JASANOFF, Sheila. La scienza davanti ai giudici. La regolazione giuridica della scienza in America. Trad.
Marta Graziadei. Milano: Giuffrè, 2001., p. 114-115. Para Taruffo (Conoscenza scientifica e decisione
giudiziaria: profili generali…, cit., p. 8), alguns desses critérios, como a verificabilidade do conhecimento
científico, o conhecimento de sua taxa de erro, a sua aceitação por parte da comunidade científica de
referência, e a sua relevância direta e específica a respeito dos fatos da causa “representam condições
mínimas que qualquer conhecimento deve ter para poder ser qualificado como científico, tanto em geral,
como no âmbito do processo”.

181

FERRER BELTRÁN, La valoración racional de la prueba…, cit., p. 48-49.

182

KNIJNIK, A prova pericial e seu controle no direito processual brasileiro..., cit., p. 62.

183

JASANOFF, La scienza davanti ai giudici..., cit., p. 112.

184

Nesse sentido: DOMINIONI, In tema di nuova prova scientifica…, cit., p. 1064; JASANOFF, La scienza
davanti ai giudici…, cit., p. 112.

185

DOMINIONI, La prova penale scientifica…, cit., p. 169. Embora sem referência direta ao Daubert test,
Taruffo (Conoscenza scientifica e decisione giudiziaria: profili generali…, cit., p. 10) observa que não há
uma única ciência, sendo impossível adotar um conceito de “teoria global” do conhecimento científico. Há
ciências, no plural, e, por consequência, “provas científicas”, também no plural.

186

Os pontos destacados foram acrescidos aos citados artigos, pela mudança das Federal Rules of Evidence:

Rule 701 Opinion Testimony by Lay Witnesses.

If a witness is not testifying as an expert, testimony in the form of an opinion or inferences is limited to
those opinions or inferences which are: (a) rationally based on the perception of the witness; (b) helpful to
a clear understanding of the witness’s testimony or the determination a fact in issue; and (c) not based on
scientific, technical, or other specialized knowledge.

Rule 702. Testimony by Expert Witnesses

If scientific, technical, or other specialized knowledge will assist the trier of fact to understand the
evidence or to determine a fact in issue, a witness qualified as an expert by knowledge, skill, experience,
training, or education may testify thereto in the form of an opinion or otherwise provided that:(1) the
testimony is based upon sufficient facts or data; (2) the testimony is the product of reliable principles and
methods; and (3) the witness has applied the principles and methods reliably to the facts of the case.

Rule 703. Bases of an Expert

The facts or data in the particular case upon which an expert bases an opinion or inference may be those
perceived by or made known to the expert at or before the hearing. If of a type reasonably relied upon by
expert in the particular field in forming opinion or inferences upon the subject, the facts or data need not
be admissible in evidence in order for the opinion or inference to be admitted Facts or data that are
otherwise inadmissible, shall not be disclosed to the jury by the proponent of the opinion or inference
unless the court determines that their probative value in assisting the jury to evaluate the expert’s opinion
substantially outweighs their prejudicial effect.

Os pontos destacados foram acrescidos com as mudanças de 2000. Acrescente-se que as mesmas regras
foram posteriormente alteradas, em 2011, sem mudança substancial de seu conteúdo.

187

522 U.S. 136, 146 (1997). Na doutrina: DOMINIONI. La prova penale scientifica..., cit., p. 179-181; VÁZQUEZ
ROJAS, La prueba científica y la prueba pericial…, cit., p. 96-128. Na literatura nacional: Manzano (Prova
pericial..., cit., p. 206-208), que assim resumiu o caso: tratou-se de uma ação indenizatória, em que Joiner,
de 37 anos de idade, fumante compulsivo havia muitos anos, e com um histórico familiar de câncer de
pulmão, sustentou que a exposição ao bifenil policlorinato (PCBs) e seus derivados havia provocado o
desenvolvimento de câncer de pulmão.

188

DOMINIONI, La prova penale scientifica…, cit., p. 180.

189

A Corte Suprema reconheceu, ainda, que estava dentro do poder discricionário da Corte Distrital rechaçar
as conclusões do perito do autor, por considerar uma questão metodológica: não era possível ao perito
extrapolar os resultados de suas pesquisas, que foram realizadas com cobaias animais, que receberam
maciças dozes de PCB, injetadas diretamente no peritônio ou no estômago, para a situação de um humano
adulto, cuja presumida exposição era muito inferior à sofrida pelas cobaias. Além disso, o câncer
desenvolvido pelos animais era o adenoma alveolar, enquanto Joiner havia desenvolvido carcinoma em
células pequenas. Por fim, foi considerado que um dos peritos admitiu que nenhum estudo havia
demonstrado que o PCB causa câncer em qualquer outra espécie.

190

DOMINIONI, La prova penale scientifica…, cit., p. 180

191

Kumho 526 U.S. 137 (1999). Sobre o caso Kumho Tire, na literatura norteamericana, cf. FAIGMAN; KAYE;
SAKS; SANDERS; CHENG. Modern scientific evidence..., cit., v. I. p. 67-89. Sobre o tema, pode ser
consultado, também: DOMINIONI. La prova penale scientifica..., cit., p. 190-197; VÁZQUEZ ROJAS, La
prueba científica y la prueba pericial…, cit., p. 128-133. Na literatura nacional: MANZANO, Prova
pericial..., cit., p. 208-212; KNIJNIK, Prova pericial e seu controle no direito processual brasileiro…, cit., p. 98,
nota 191, que assim resume o caso: “O caso tratava de uma ação indenizatória proposta por Patrick
Carmichael, proprietário de uma minivan cujo pneu estourara, causando a morte de um passageiro e
várias lesões nos demais, afirmando-se que um defeito da fornecedora de pneus, Kumho Tire, seria
responsável pelo dano. Para tanto, os autores ofereceram como prova substancial o parecer de um
especialista no assunto. Dennis Carlson Jr., segundo o qual um defeito de fabricação ou design causara o
estouro. A requerida, a sua vez, instou pela exclusão dessa prova, sustentando que a metodologia utilizada
por Carlson não atendia aos critérios Daubert, tendo o magistrado acolhido a arguição, malgrado o
depoimento em questão não ser de um cientista, mas de um técnico. A decisão examinou os fatores de
“testabilidade”, revisão pelos pares, taxa de erro e grau de aceitação na comunidade relevante,
terminando por exclui-lo (Carmichael v. Samyange Tire, Inc., 923 F. Supp. 1514 (S.D. Ala. 1996). O 11º
Circuito deu provimento à apelação do autor, reformando a decisão do juiz singular, porque, tratando-se
de um depoimento baseado na experiência e não propriamente na ciência, não estaria sujeito ao
escrutínio segundo os fatores Daubert (Carmichael v. Samyange Tire, Inc., 131 F. 3d 1433 (19967)). A
Suprema Corte, porém, afastou esse entendimento de 526 US. 137 (1999), restaurando a decisão singular,
haja vista que os critérios também deveriam ser aplicados a um técnico”.

192

HAACK, Susan. Trial and error: two confusions in Daubert. Evidence matters: science, proof, and truth in
the law. Nova York: Cambridge University Press, 2014. p. 115.

193

Epistemology legalized..., cit., p. 40.

194

Nesse sentido: CANZIO, Prova scientifica, ricerca della ‘verità’ e decisione giudiziaria nel processo
penale..., cit., p. 59.

195

Além disso, como esclarece Suzan Haack (Irreconcilable differences? The troubled marriage of science
and law. Evidence matters: science, proof, and truth in the law. Nova York: Cambridge University Press,
2014. p. 95), devido ao seu caráter adversarial, o sistema jurídico norte-americano tende a atrair como
peritos cientistas de certa forma marginal, isto é, mais dispostos que a maioria de seus colegas a emitir um
parecer baseado em provas não tão fortes, além de muitas vezes servir como testemunha pericial, de um
modo muito mais seguro de sua opinião do que estaria um cientista. No mesmo sentido: HAACK. A
respeito da verdade, na ciência e no direito..., cit., p. 338.

196

Nos Estados Unidos, embora a rule 706 da Federal Rules of Evidence permita ao juiz nomear um perito
qualificado e imparcial, esse poder não costuma ser exercido.
197

Mesmo nos casos de processos de competência do tribunal do júri, o juiz tem um papel ativo na produção
da prova; a oralidade é, infelizmente, reduzida, muitas vezes se limitando a parte a ler as declarações
anteriores das testemunhas. Com relação aos peritos e à perícia, ela é realizada por peritos nomeados pelo
juízes e, muitas vezes, o que se tem no plenário é a simples leitura do laudo escrito, não se tratando de
uma prova oral e, muito menos, havendo possibilidade de examinar os conhecimentos do perito e o
resultado da perícia, em contraditório de partes perante os jurados.

198

No mesmo sentido, com relação ao processo penal italiano: CANZIO, Prova scientifica, ricerca della ‘verità’
e decisione giudiziaria nel processo penale..., cit., p. 63.

199

TARUFFO, L’uso probatorio della scienza nel processo…, cit., p. 47

200

TARUFFO, Conoscenza scientifica e decisione giudiziaria: profili generali…, cit., p. 8-9.

201

Nesse sentido: MANZANO, A prova pericial..., cit., p. 73; ALMEIDA, A prova pericial no processo civil..., cit.,
p. 76-77; KNIJNIK, A prova pericial e seu controle no direito processual brasileiro..., cit., p. 69.

202

TARUFFO, La símplice verità..., cit., p. 217.

203

No sentido de que se trata uma aplicação analógica: DOMINIONI, In tema di nuova prova scientifica…, p.
1062; UBERTIS, Giulio. La prova scientifica e la nottola di minerva. In: NEUBURGER, Luisiella de Cataldo.
La prova scientifica nel processo penale, Padova: CEDAM, 2007. p. 91.

204

DOMINIONI, La prova penale scientifica..., cit., p. 217-218.

205

UBERTIS, La prova scientifica e la nottola di minerva…, cit., p. 89. De modo semelhante: DOMINIONI, La
prova penale scientifica..., cit., p. 99.
206

O tema é atualíssimo, perante os avanços tecnológicos da neurociência e sua utilização como


conhecimentos científicos aptos a verificar, por meio de técnicas de mapeamento de funções cerebrais, se
o acusado ou a testemunha estariam ou não dizendo a verdade.

207

Comentando tal regra, Antonio Magalhães Gomes Filho (Provas: Lei 11.690 de 09.06.2008. In: MOURA,
Maria Thereza Rocha de Assis (Org.). As reformas no processo penal: as novas leis de 2008 e os projetos de
reforma. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 249) destaca que: “A verdadeira pedra angular da nova
disciplina da prova penal trazida pela Lei 11.690/2008 é a vinculação do próprio conceito de prova à
observância do contraditório” (destaques no original).

208

O tema foi tratado por nós em dois trabalhos: sobre a possibilidade de utilização de provas decorrentes de
fontes pessoais, nos tribunais internacionais, cf. BADARÓ, Gustavo. A utilização da hearsay witness na
Corte Penal Internacional: estudo sobre sua admissibilidade e valoração. Zeitschrift für Internationale
Strafrechtsdogmatik. 4, 2014. p. 179-180 [www.zis-online.com]; BADARÓ, Gustavo. Valor probatório do
inquérito policial. In: AMBOS, Kai; MALARINO, Ezequiel; VASCONCELOS, Enéas Romero de (Coord.).
Brasília: Gazeta Jurídica/Cedpal, 2016. p. 262-266.

209

TARUFFO, La prova dei fatti giuridici…, cit., p. 352.

210

COMOGLIO, Luigi Paolo. Le prove civile. Torino: Utet, 1998. p. 8.

211

Usa-se aqui a distinção tal qual exposta por Taruffo (La prova dei fatti giuridici..., cit., p. 441): prova real é
aquela constituída de uma coisa, documental é aquela constituída de um documento (mas qualquer coisa
pode ser um documento) e pessoal é aquela fornecida por uma pessoa. Como explica Cordero (Tre studi
sulla prova penale..., cit., p. 55) quanto a estrutura do ato aquisitivo, “há provas que preexistem na
realidade extraprocessual, se contrapõem aquelas formadas no processo”.

212

Carlo Taormina (Il regime della prova nel processo penale. Torino: G. Giappichelli, 2007. p. 390) chega
mesmo a dizer que a juntada do documento aos autos é “a forma típica de processualização da prova
documental”.

213

O documento, explica Carnelutti (La prova civile…, cit., p. 291) “é uma prova que não se faz sobre os olhos
daqueles que a usam”.

214

TARUFFO, La prova dei fatti giuridici..., cit., p. 403.

215

MAGALHÃES GOMES FILHO. Antonio. Notas sobre a terminologia da prova (reflexos no processo penal
brasileiro). In: YARSHELL, Flávio Luiz; MORAES, Maurício Zanoide (Coord.). Estudos em homenagem à
Professora Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: DPJ, 2005. p. 316) afirma que, em relação à prova
testemunhal, o contraditório para a sua produção, mais do que uma simples questão de “modo” de
produção representa o “canal de informação” do meio de prova.

216

COMOGLIO, Le Prove civile..., cit., p. 259-260. Tal posicionamento, contudo, não se aplica integralmente ao
processo penal brasileiro, que admite o depoimento escrito nos casos previstos no parágrafo único do art.
221 do CPP, em que o Presidente e o Vice-Presidente da República, os Presidentes do Senado Federal, da
Câmara dos Deputados e do STF poderão optar pela prestação de depoimento por escrito. No sentido da
não recepção de tais normas: BADARÓ, Processo penal..., cit., p. 484. nota 241.

217

Somente quanto ao documento cuja juntada tenha sido determinada ex officio pelo juiz é que se exige o
juízo lógico de relevância. O art. 234 do CPP prevê que “Se o juiz tiver notícia da existência de documento
relativo a ponto relevante da acusação ou da defesa, providenciará, independentemente de requerimento
de qualquer das partes, para sua juntada aos autos, se possível” (destaquei).

218

No regime do Código de Processo Penal, o art. 231 prevê que: “Salvo os casos expressos em lei, as partes
poderão apresentar documentos em qualquer fase do processo” (destaquei).

219

Nesse sentido, Giulio Ubertis (Giusto processo e contraddittorio in ambito penale. Argumenti di procedura
penale II. Milano: Giuffrè, 2006. p. 17-18), que distingue o contraddittorio per l’elemento di prova, num
sentido forte, do contraddittorio sull’elemento di prova, no sentido fraco. No mesmo sentido: PASTORE,
Decisioni, argomenti, controlli…, cit., p. 107.

220

Sobre o tema, cf., supra, cap. 1, item 1.3.3.

221
O dispositivo convencional assegura o direito ao confronto, com inspiração da VI Emenda da Constituição
dos EUA, cuja ideia central, no dizer de Malan, “é a seguinte: o right of confrontation impõe que todo o
saber testemunhal incriminador passível de valoração pelo juiz seja produzido de forma pública, oral, na
presença do julgador e do acusado e submetido à inquirição deste último. Logo, a declaração de uma
determinada testemunha não pode ser admitida como elemento de prova contra o acusado, a não ser que
ela tenha sido prestada nas sobreditas condições”. Sobre o tema: MALAN, Direito ao confronto ..., cit., p.
79-80.

222

Nesse sentido: TARUFFO, La prova dei fatti giuridici..., cit., p. 429; TWINING, Willian. Rethinking Evidence:
Exploratory Essays. 2. ed. New York: Cambridge University Press, 2006, p. 194; DAMASKA, The faces of
justice and the state authority…, cit., p. 55; FERRER BELTRÁN, La prueba es libertad…, cit., p. 26.

223

IACOVIELLO, Francesco Mauro. Motivazione della sentenza penale. Enciclopedia del diritto.
Aggiornamento. Milano: Giuffrè. v. IV. p. 750-751.

224

IACOVIELLO, I criteri di valutazione della prova…, cit., p. 405-406.

225

IACOVIELLO, I criteri di valutazione della prova…, cit., p. 405-406.

226

Ávila (Teoria da prova..., cit., p. 135) refere-se como um dos critério para que uma hipótese seja
considerada prova, a refutabilidade, que “concerne a inexistência de provas que contrariem ou refutem,
direta ou indiretamente, a hipótese havida como provada” e complementa: “sua função principal é a de
avaliar se os meios de prova analisados não fundamentariam outra conclusão ou, no mínimo,
neutralizariam a conclusão havida como comprovada”.

227

Nesse sentido: TARUFFO, La prova dei fatti giuridici..., cit., p. 399; UBERTIS, Profili di epistemologia
giudiziaria..., cit., p. 118.

228

Como explica Damaska (Il diritto delle prove alla deriva..., cit., p. 55-56), a concepção holística dos
processos mentais considera que não é possível separar ou decompor o valor de cada elemento
informativo da valoração global, não sendo possível atribuir valores a cada um dos elementos
isoladamente, para depois somá-los.
229

Taruffo (La semplice verità..., cit., p. 65) destaca que pesquisas empíricas no campo da psicologia mostram
que os jurados tendem a decidir a partir de uma concepção holística, chegando a sua conclusão sobre os
fatos valorando a plausibilidade de “histórias completas” sobre os fatos, sem desenvolver raciocínios
analíticos sobre as circunstâncias específicas da história e sobre cada um dos elementos de prova.

230

TARUFFO, Elementi per un’analisi del giudizio di fatto…, p. 238, nota 5.

231

Nesse sentido: UBERTIS, La prova penale..., cit., p. 80; Idem, Profili di epistemologia giudiziaria..., cit., p.
114; ANDRÉS IBÁÑEZ. A argumentação probatória e sua expressão na sentença..., cit., p. 42-44. Na
doutrina nacional: MAGALHÃES GOMES FILHO, A motivação das decisões penais..., cit., p. 154.

232

UBERTIS, Profili di Epistemologia Giudiziaria..., cit., p. 83-84.

233

La prova dei fatti giuridici..., cit., p. 421. No mesmo sentido: UBERTIS, Profili di epistemologia
giudiziaria..., cit., p. 119.

234

TARUFFO, Michele. Libero convincimento del giudice: I) diritto processuale civile. Enciclopedia giuridica
treccani. Roma: Treccani, 1990. v. XVIII. p. 2.

235

Esiti, errori, arbitrii dietro un’illustre formula…, cit., p. 34

236

FERRAJOLI, Diritto e ragione…, cit., p. 116.

237

Sobre o sistema da prova legal: FURNO, Teoría de la prueba legal…, cit., p. 160 ss.; GIULIANI, Il concetto di
prova..., cit., p. 231 e ss.; NOBILI, Il principio del libero convincimento del giudice..., cit., p. 81-143;
PALAZZOLO, Giorgia Alessi. Prova legale e pena. Napoli: Jovene, 1979. p. 37 e s.; ESMEIN, A. History of
criminal procedure in France. Trad. John Simpson. Boston: Little, Brown 1913. p. 251-271.
238

CAPPELLETTI, Mauro. Principi fondamentali e tendenze evolutive del processo civile nel diritto
comparato, Giurisdizione italiana, 1968. v. IV. p. 79. No mesmo sentido: NOBILI, Il principio del libero
convincimento…, cit., p. 92; TARUFFO, La prova dei fatti giuridici...., cit., p. 363: Idem, Libero
convincimento del giudice…, cit., p. 1; IACOBONI, Alessandro. Prova legale e libero convincimento del
giudice. Milano: Giuffrè, 2006. p. 1.

239

TARUFFO, La prova dei fatti giuridici...., cit., p. 362.

240

Para Jordi Nieva Fenoll (La valoración racional de la prueba, Madrid: Marcial Pons, 2010. p. 62), o “sistema
de valoração probatória prévio às codificações do século XIX não era predominantemente o legal, mas o
libre, embora com mais regras de prova legal que as existes atualmente. Somente os usos forenses fizeram
com que ocorresse o contrário e que o sistema se tornasse predominantemente legal, criando uma
realidade que, com efeito, contrariava claramente o ordenado pelas leis”.

241

TARUFFO. Studi sulla rilevanza della prova…, cit., p. 92, TARUFFO, Libero convincimento del giudice…, cit.,
p. 1. Já Sammarco (Metodo probatorio e modelli di ragionamento..., cit., p. 33) refere-se a uma “verdade
artificial”, que afasta da verdade determinável segundos os instrumentos ordinários da lógica probatória.

242

Como destaca Iacoviello (I criteri di valutazione della prova..., cit., p. 393) enquanto o sistema da prova
legal era fundado no arbítrio do legislador, o sistema da intime conviction se baseia no arbítrio do
julgador.

243

TARUFFO, Libero convincimento del giudice…, cit., p. 1.

244

Nesse sentido: Taruffo (L’obbligo di motivazione della sentenza..., cit., p. 270), que acrescenta na nota 22,
entre esse conjunto de princípios: a introdução dos árbitros e juízes de paz como juízes de equidade, a
eletividade dos juízes, a introdução do júri popular em matéria penal, além da instituição da Corte de
Cassação, pelo Decreto de 27 de novembro-1º de dezembro de 1790, como órgão que permitia o controle
da legalidade das decisões judiciais.

245

Como explica Nobili (Esiti, errori, arbitrii dietro un’illustre formula…, cit., p. 38), o livre convencimento foi
trazido e trouxe o método acusatório mais avançado, com colegialidade, júri e outras garantias. E, noutra
obra (NOBILI, Il libero convincimento del giudice…, cit., p. 94) destaca que o júri conduziu a introdução
“da oralidade, da imediatidade e do convencimento íntimo, entendidos como princípios entre si
incindivelmente conexos”.

246

TARUFFO, Libero convincimento del giudice…, cit., p. 1.

247

IACOVIELLO, I criteri di valutazione della prova..., cit., p. 393.

248

Nesse sentido: NOBILI, Il principio del libero convincimento…, cit., p. 92. No mesmo sentido: Mauro
Cappelletti (Ideologie nel diritto processuale. Processo e ideologie. Bologna: Il Mulino, 1969. p. 8-10)
acrescenta que segundo esse novo método, “as provas se pesam, não se contam. Se pesam no seu concreto
e individual valor e não mais com base em prejulgamentos abstratos e computação mecanicamente
predisposta”.

249

NOBILI, Il principio del libero convincimento…, cit., p. 15 e 95. No mesmo sentido: ANDRÉS IBÁÑEZ, Sobre
a motivação dos fatos na sentença penal..., cit., p. 90.

250

Dos delitos e das penas..., cit., p. 89, § XIV. E complementava: “A certeza que se reclama para declarar um
homem réu é, portanto, aquela que determina todo o homem nos actos mais importantes da sua vida”.

251

Outra diferença, do ponto de vista do direito probatório, destacada por Iacoviello (I criteri di valutazione
della prova..., cit., p. 394) é que no sistema da prova legal, as regras probatórias intervinham no momento
da valoração, diante de um material probatório virtualmente ilimitado, no sistema da intima convicção, as
regras probatórias intervinham na seleção do material probatório, como regras de exclusão, sendo a
valoração do material produzido livre de vínculos legais.

252

TARUFFO, Libero convincimento del giudice…, cit., p. 1, Idem, La prova dei fatti giuridici…, cit., p. 369. No
mesmo sentido: FERRAJOLI, Diritto e ragione…, cit., p. 117-118; SAMMARCO. Metodo probatorio e modelli
di ragionamento..., cit., p. 155; IACOBONI, Prova legale e libero convincimento del giudice…, cit., p. 6; DE
LUCA, Giuseppe. Il contradittorio nella formazione della prova e la decisione sulla quaestio facti, Il libero
convincimento del giudice penale. Vecchie e nuove esperienze. Milano: Giuffrè, 2004. p. 24; ANDRÉS
IBÁÑEZ, “Carpintaria” da sentença penal (em matéria de fato)..., cit., p. 145; GASCÓN ABELLÁN, La
valoración de la prueba..., cit., p. 391.
253

TARUFFO, Libero convincimento del giudice…, cit., p. 2.

254

Como sintetiza Magalhães Gomes Filho (A motivação das decisões penais..., cit., p. 146, nota 47), no sistema
misto, a persecução penal foi dividida em duas fases: “a primeira, secreta, escrita e sem participação da
defesa na colheita do material probatório pelo juiz da instrução, cujas funções ganharam importância com
a supressão do júri de acusação; na segunda fase, perante os jurados, eram discutidos em contraditório,
em debate público e oral, os elementos até então obtidos, eis que possível a leitura aos jurados dos
depoimentos colhidos na fase anterior”.

255

Aliás, no que diz respeito à Itália, até mesmo antes disso, já influenciada pelas ideias francesas, pois
Napoleão foi coroado Rei da Itália, em Milão, no dia 26 de maio de 1805, foi elaborado o Codice di
Procedura Penale, promulgado também em Milão, no dia 8 de setembro de 1807, que sem adotar o sistema
do Júri, conservou o princípio da íntima convicção. Sobre o tema: NOBILI, Il principio del libero
convincimento…, cit., p. 200-203.

256

O art. 342, na parte em que descreve as instruções que o jurado chefe passava aos demais jurados,
esclarecia que a lei não exigia deles que computassem os meios pelos quais estavam convencidos. Os
jurados deveriam “questionar-se em silêncio e recolhimento, e buscar na sinceridade de sua consciência,
que impressões que causaram sobre sua razão, as provas produzidas contra o acusado, e os meios de sua
defesa”. E, ao final, da instrução, os jurados eram informados que “A lei não lhe diz: Você terá por verdade
todo fato atestado por esse ou aquele número de testemunha; também não lhes diz: você não considere
como suficientemente estabelecido nenhuma prova que não seja estabelecida qualquer prova que não
seja formada por tais atas, tais peças, de tantos testemunhos ou tantos indícios; a lei só lhes faz essa
questão, que contém toda a medida do seu dever: você tem uma convicção íntima?”.

257

Cordero (Procedura Penale..., cit., p. 583) lembra que “os monossílabos do ‘vere dicta’ substituíam duelos e
ordálias, conservando o efeito tranchant: o fundo alógico típico dos juízos de Deus, passa para a figura
francesa”.

258

NOBILI, Il principio del libero convincimento…, cit., p. 179, nota 77. No mesmo sentido: ANDRÉS IBÁÑEZ.
“Carpintaria” da sentença penal (em matéria de fato)..., cit., p. 145.

259
GASCÓN ABELLÁN, Los hechos en el derecho..., cit., p. 159. Como diz Nobili (Il principio del libero
convincimento…, cit., p. 125), no momento em que se restituiu ao magistrado a liberdade da própria
consciência e a liberdade do julgamento sobre o fato, surgia, conscientemente, o problema de como
impedir que essa liberdade degenerasse em arbítrio.

260

A expressão é de ANDRÉS IBÁÑEZ, Sobre a motivação dos fatos na sentença penal..., cit., p. 91. A mesma
crítica é formulada por GASCÓN ABELLÁN, La valoración de la prueba..., cit., p. 391.

261

CARRARA, Programa..., cit., v. II. p. 233. Para Taruffo (La motivazione della sentenza civile..., cit., p. 298-
299) em tal concepção o livre convencimento se identifica com uma “ideologia autoritária”. No mesmo
sentido: MAGALHÃES GOMES FILHO, A motivação das decisões penais..., cit., p. 1947.

262

DE LUCA, Il contradittorio nella formazione della prova..., cit., p. 24.

263

. NOBILI, Il principio del libero convincimento..., cit., p. 10.

264

Diritto e ragione..., cit., p. 118.

265

A “certeza moral”, explica De Luca ( Il contradittorio nella formazione della prova…, cit., p. 28), é um
critério que consiste somente na “cessação da dúvida no ânimo do juiz” sendo um mero limite interno,
que opera no interior do homem.

266

Outra consequência dessa equivocada concepção do livre convencimento, como bem aponta Gascón
Abellán (La valoración de la prueba..., cit., p. 391) foi o descuido da teoria da argumentação como tema de
prova.

267

Como explica Vittorio Denti (Scientificità della prova e libera valutazione del giudice. Rivista di Diritto
Processuale, 1972. p. 431), uma decisão proferida com base em critérios objetivos de valoração poderá ser
repetida mentalmente e, portanto, passível de ser controlada na via recursal. No mesmo sentido:
MAGALHÃES GOMES FILHO, A motivação das decisões penais..., cit., p. 147.
268

Como razão, Taruffo (Libero convincimento del giudice…, cit., p. 2) adverte que “o primeiro e essencial
problema que se coloca a propósito do livre convencimento é o da garantia contra o arbítrio subjetivo do
juiz, em consonância com a exigência de que a decisão se funde – ainda que nos limites inevitáveis do
processo – em um acertamento verdadeiro dos fatos controvertidos”. Para isso, completa Magalhães
Gomes Filho (A motivação das decisões penais..., cit., p. 158) “a exigência de racionalidade deve impedir
que no processo mental da decisão sejam sopesados elementos de ordem psicológica, suspeitas,
impressões, avaliações pessoais do juiz etc.” Ressalte-se que, com condição para o efetivo controle desse
indevido subjetivismo será necessário exigir uma fundamentação completa, como mecanismo de
justificação das escolhas judiciais. Sobre a fundamentação e o contexto da justificação, cf., infra, item 3.7.

269

Nesse sentido: ECHANDÍA, Devis. Teoria general de la prueba judicial..., cit., p. 109; GASCÓN ABELLÁN,
Los hechos en el derecho..., cit., p. 160; MAGALHÃES GOMES FILHO, A motivação das decisões penais...,
cit., p. 147.

270

Nesse sentido: TARUFFO, Libero convincimento del giudice…, cit., p. 2; GASCÓN ABELLÁN, Los hechos en
el derecho..., cit., p. 161. Como explica Magalhães Gomes Filho (Princípios gerais da prova..., cit., p. 41),
“Como antítese do método da prova legal, em que o valor de cada prova era previamente estabelecido pelo
legislador, o livre convencimento não pode ser confundido, no entanto, com permissão para uma
valoração subjetiva e isenta de critérios e controles”.

271

FERRER BELTRÁN, Prolegómenos para una teoría sobre los estándares de prueba…, cit., p. 405.

272

CANZIO, Prova scientifica, ricerca della ‘verità’ e decisione giudiziaria nel processo penale..., cit., p. 67. No
mesmo sentido: FERRUA.,Il libero convincimento del giudice penale..., cit., p. 61, acrescentando, ainda, que
integra o livre convencimento a necessidade de que a imputação esteja provada “oltre ogni ragionevole
dubbio”.

273

Nesse sentido: TARUFFO, Michele. Modelli di prova e di procedimento probatório. Rivista di Diritto
Processuale, 1990. p. 438; GASCÓN ABELLÁN, La valoración de la prueba..., cit., p. 392.

274

FERRER BELTRÁN, La valoración racional de la prueba…, cit., p. 68.


275

Libero convincimento del giudice…, cit., p. 2.

276

Antecipando a conclusão que se seguirá, cf., infra, item 3.5.3.3, mediante um raciocínio fundado na
probabilidade indutiva, de tipo baconiano, como proposto por Cohen.

277

SAMMARCO, Metodo probatorio e modelli di ragionamento..., cit., p. 36.

278

FERRAJOLI, Diritto e ragione..., cit., p. 18-20.

279

Elementos de direito processual penal..., cit., v. II. p. 364.

280

O “estado da pessoa”, explica Clóvis Beviláqua (Código Civil comentado. 11. ed. Rio de Janeiro: Livraria
Francisco Alves, 1956. v. 1. p. 780), “[...] é o seu modo particular de existir. Pode ser físico, de família e
político. O estado físico é o modo de ser da pessoa em relação à integridade mental (sãos de espírito e
alienados), à idade (menores e maiores), ao sexo (homem e mulher). O estado de família distingue as
pessoas em: casadas, solteiras, parentes e afins. O estado político transcende a ordem privada. É o direito
constitucional que determina quem é cidadão quem é estrangeiro”.

281

O caput do art. 1543 do Código Civil, estabelece que: “O casamento celebrado no Brasil prova-se pela
certidão do registro”.

282

Prevê o art. 1.603 do Código Civil que: “A filiação prova-se pela certidão do termo de nascimento
registrada no Registro Civil”.

283

MAGALHÃES GOMES FILHO, A motivação das decisões penais..., cit., p. 163.

284

Sobre a interpretação de tal regra: BADARÓ, Gustavo. O valor probatório da delação premiada: sobre o §
16 do art. 4º da Lei 12.850/13. Consulex, n 443, fev. 2015. p. 26-29; MENDONÇA, Andrey Borges de. A
colaboração premiada e a criminalidade organizada: a confiabilidade das declarações do colaborador e
seu valor probatório. In: SALGADO, Daniel de Resende; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de (Org.). A prova no
enfrentamento à macrocriminalidade. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2017. p. 231-278. Regra semelhante,
embora de caráter mais geral, é prevista no comma 3º do art. 192 do CPP italiano: “Le dichiarazioni rese
dal coimputato del medesimo reato o da persona imputata in un procedimento connesso a norma
dell’articolo 12 sono valutate unitamente agli altri elementi di prova che ne confermano l’atendibilità”.
Para uma crítica do dispositivo que, embora exigindo uma prova de corroboração, não delimita a
natureza ou espécies dos elementos que são aptos a tal mister: DEGANELLO, Mario. I criteri di valutazione
della prova penale. Senari di diritto giurisprudenziale. Torino G. Giappichelli, 2005. p. 178 ss. Também
crítico, Cordero (Procedura penale…, cit., p. 951) refere-se a tal regra como “supérflua” não sendo útil, nem
mesmo como “sinal didático”.

285

. SEIÇA, Antonio Alberto Medina de. O conhecimento probatório do co-arguido. Coimbra: Coimbra Ed.,
1999. p. 205.

286

GREVI, Vittorio. Le ‘dichiarazioni rese dal coimputato’ nel nuovo Codice di Procedura Penale. Rivista
Italiana di Diritto e Procedura Penale, 1991. p. 1174.

287

Para Sammarco (Metodo probatorio e modelli di ragionamento..., cit., p. 154), trata-se “de regra de ‘limite
mínimo’ do valor probatório”. Iacobini (Prova legale e libero convincimento…, p. 11) refere-se a prova
legal negativa.

288

MAGALHÃES GOMES FILHO, Princípios gerais da prova..., cit., p. 43.

289

Cabe lembrar o posicionamento de Ferrajoli (Diritto e ragione..., cit., p. 134) que, de um lado, critica o ab-
rogado Código Rocco, com base no qual se estabeleceu “tabu” da prova legal e o equivocado dogma do
livre convencimento, que desqualificaram qualquer tentativa de disciplina legal da prova; e de outro,
enaltece a nova regra do art. 192 do CPP italiano, que legalizou uma necessidade epistemológica de
pluralidade de confirmações segundo o esquema do modus pones.

290

NOBILI, Il principio del libero convincimento..., cit., p. 105-106.

291
O sistema da prova legal negativa, como destaca Nobili (Il libero convincimento del giudice..., cit., p 95),
representa uma adesão que não era total ao sistema do livre convencimento, pois o juiz poderia ser
obrigado, por lei, a absolver um acusado que ele pessoalmente acreditasse ser, com base na prova
produzida e valorada, culpado. Por outro lado, o sistema da prova legal negativa, pressupunha o modelo
geral do livre convencimento, na medida em que num sistema da prova legal – em caráter positivo – era o
legislador que estabelecia o que era necessário, como resultado probatório, para que o juiz considerasse
um fato como verdadeiro. Ou seja, nesse modelo, a lei determinava, positivamente, o que era necessário
para que um fato fosse considerado verdadeiro, para condenar ou absolver. Já no modelo da prova legal
negativa, a lei apenas estabelecia limites ao livre convencimento, determinando o que era insuficiente
para que um fato pudesse ser considerado verdadeiro e, assim, levasse à condenação do acusado. Era, em
última análise, um limite garantista para evitar condenações duvidosas.

292

SAMMARCO, Metodo probatorio e modelli di ragionamento..., cit., p. 34.

293

AMODIO, Libertà e legalità..., cit., p. 232. No mesmo sentido: DAMASKA, Il diritto delle prove alla deriva...,
cit., p. 32, nota 28; MAGALHÃES GOMES FILHO, Direito à prova no processo penal..., cit., p. 27.

294

FERRAJOLI, Diritto e ragione..., cit., p. 119-120.

295

Nesse sentido: LIEBMAN, Manuale di diritto processuale civile..., cit., v. II. p. 71; ILLUMINATI, La
presunzione ..., cit., p. 78; CHIARLONI, Sergio. Riflessioni sui limiti del giudizio di fatto nel processo civile.
Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1986. p. 828; VERDE, Giovanni. Prova (teoria generale e
diritto processuale civile). Enciclopedia del diritto. Milano: Giuffrè, 1988. v. XXXVII. p. 585; FERRUA,
Contraddittorio e verità..., cit., p. 49-50; TARUFFO, Modelli di prova..., cit., p. 430-431; FASSONE, Dalla
“certezza” all’ “ipotesi preferibile”…, p. 1109; LOMBARDO, Ricerca della verità..., cit., p. 752; FERRER
BELTRÁN, Prolegómenos para una teoría sobre los estándares de prueba…, cit., p. 403; GASCÓN ABELLÁN,
La valoración de la prueba…, cit., p. 377.

296

Sobre Evidentiary value model (“teoria do valor probatório”), uma vertente da probabilidade quantitativa
proposta por Per Olof Ekelöf, e desenvolvida por Sören Halldén e Martin Edman (que já analisamos em
BADARÓ, Ônus da prova no processo penal..., cit., p. 45-50), não será incluída na análise das possibilidades
de raciocínio judicial para valoração da prova, pois a elas se aplicam as mesmas críticas que serão feitas à
teoria da probabilidade quantitativa. Muito sinteticamente, a Evidentiary Value Model compartilha das
premissas fundamentais da teoria bayesiana: 1) o objeto de nossas crenças são proposições que exprimem
hipóteses e informações sobre a verdade das hipóteses; 2) a nossa fé na verdade das proposições é
quantificável por meio de cálculos de probabilidade; 3) o cálculo de probabilidade é um sistema de lógica
no qual podemos demonstrar dedutivamente que o crer com um certo grau de probabilidade na verdade
de certas preposições implica que possamos crer com um certo grau em certas outras proposições; 4) o
teorema de Bayes é a regra para calcular a probabilidade de que uma certa proposição A seja verdadeira,
dado que se conhece que é verdadeira uma outra proposição B, que contém informações relevantes para a
verdade de A. A diferença da EVM em relação à teoria clássica bayesiana consiste na observação de que,
sendo a preposição A um factum probandum e B um factum probans, o que é relevante e interessa ao juiz
não é tanto estabelecer a verdade da preposição A, mas estabelecer a existência de uma apropriada
relação probatória entre A e B. O raciocínio probatório, segundo a EVM, é composto de três elementos: o
primeiro é o tema de prova que deve ser demonstrado; o segundo são os fatos probatórios; o terceiro e
último elemento é um mecanismo probatório, que diz que um fato probatório é causado pelo tema de
prova. Uma análise mais profunda do tema pode ser encontrada em: EKELÖF, Olof. La libera valutazione
delle prove. Studi in onore di Antonio Segni. Milano: Giuffrè, 1967. v. II. p. 93 e ss.; GÄRDENFORS, Peter;
HASSON, Bengt; SAHLIN, Nils-Eric Sahlin (Org.). La teoria del valore probatorio. Aspetti filosofici, giuridici
e psicologici. Trad. Paolo Garbolino. Milano: Giuffrè, 1997.

297

Uma análise da teoria da probabilidade estatística no direito, cf. TILLERS, Peter; GREEN, Eric. L’inferenza
probabilistica nel diritto delle prova. Usi i limiti del bayesianesimo. Trad. Alberto Mura, Milano: Giuffrè,
2003.

298

A análise bayesiana dos problemas relacionados à probabilidade tem origem na obra póstuma do
Reverendo Thomas Bayes (1701-1761), denominada An essay towards solving a problem in the doctrine of
chances, em 1763.

299

A questão, porém, muitas vezes, vai além da mera questão estatística, envolvendo variáveis axiológicas,
como se verifica no seguinte exemplo de Hempel (Filosofia da ciência natural..., cit., p. 86-87): “se a
hipótese se refere à provável eficácia e segurança de uma nova vacina, a decisão sobre sua aceitação terá
que levar em conta o grau de concordância dos resultados estatísticos com as probabilidades especificadas
pela hipótese, mas também quão séria seria a consequência de aceitar a hipótese e agir em conformidade
(v.g., inoculando as crianças com a vacina) quando de fato ela é falsa ou de rejeitar a hipótese e agir em
consequência (e.g., destruindo a vacina e modificando ou interrompendo o processo de manufatura)
quando de fato a hipótese é verdadeira”.

300

Sobre a probabilidade quantitativa, cf. MARQUEIS, Probabilità e prova ..., cit., p. 1120 e ss.; TARUFFO, La
prova ..., cit., p. 166 e ss.; e MAGALHÃES GOMES FILHO, Direito à prova..., cit., p. 47 e ss. Especificamente
sobre a teoria de Bayes e suas aplicações no campo probatório: TARUFFO, La prova de fatti giuridici..., cit.,
p. 171 e ss.

301

Nesse sentido: MARQUEIS, Probabilità e prova..., cit., p. 1121; IACOVIELLO, La motivazione della sentenza
penale e il suo controllo in Cassazione..., cit., p. 120.

302

COHEN, Laurence Jonathan. Filosofia dell’induzione e della probabilità. Trad. Paolo Garbolino. Milano:
Giuffrè, 1998. p. 52.

303

Nesse sentido: TARUFFO, La prova de fatti giuridici ..., cit., p. 199; STEIN, Foundations of evidence law...,
cit., p. 67 e 76; COHEN, Filosofia dell’induzione e della probabilità..., cit., p. 57; FERRER BELTRÁN, La
valoración racional de la prueba…, cit., p. 98;

304

O caso real foi Smith v. Rapid Transit Inc. 58.N.e 2d 754 (1954), julgado pela Corte Suprema de
Massachussetts.

305

TRIBE, Laurence, Trial by mathematics: precision and ritual in the legal process. Harvard Law Review, 84,
1971. p. 1340-1341. Uma análise crítica do caso, sob o enfoque do emprego das generalizações, é feita por
SCHAUER, Frederick. Di ogni erba um fascio. Generalizzazioni, profili, stereotipi nel mondo della giustizia.
Trad. Anna Margherita Taruffo, Bologna: Il Mulino, 2008. p. 79-84.

306

COHEN, L. Jonathan. The probable and the provable. Oxford: Clarendon Press, 1977, p. 75.

307

Ibidem, p. 75. Para Schauer (Di ogni erba um fascio..., cit., p. 87-88), tal distorção decorre do fato de o
direito utilizar a ideia do “tudo ou nada”.

308

MARQUEIS, Probabilità e prova..., cit., p. 1123.

309

Nesse sentido: UBERTIS, Giulio. Fatto, prova e verità (alla luce del principio dell’oltre ogni ragionevole
dubbio). Argomenti di procedura penale. Milano: Giuffrè, 2011. v. III. p. 180-181; MAZZA, Il ragionevole
dubbio nella teoria della decisione..., cit., p. 360.

310
People v. Collins, 438 P. 2d, 1968, p. 33.

311

O caso Collins suscitou um amplo debate na doutrina norte-americana. Para uma leitura mais completa,
cf.; FINKELSTEIN, Michael O.; GAIRE, William B. A Bayesian approach to identification evidence. Harvard
Law Review, v. 83, jan. 1970. p. 490-496; FINKELSTEIN, Michael O.; GAIRE, William B. A comment on ‘trial
by mathematics’. Harvard Law Review, v. 84, jun. 1971. p. 1081 e ss.; TRIBE, Laurence H. Trial by
mathematics: precision and ritual in the legal process. Harvard Law Review, v. 84, 1971. p. 1368 e ss.;
HAACK, Susan. El probabilismo jurídico: una dimensión epistemológica. In: VÁZQUEZ, Carmen (Ed.).
Estándares de prueba y prueba científica. Ensayos de epistemología jurídica, Madrid: Marcial Pons, 2013.
p. 89-94. O tema também foi objeto de análise em outros países: MARQUEIS, Probabilità e prova..., cit., p.
1150-1151. Na doutrina brasileira: MAGALHÃES GOMES FILHO, Direito à prova no processo penal..., cit., p.
49-50; BADARÓ, Ônus da prova no processo penal..., cit., p. 42-43.

312

Havendo eventos independentes entre si, a probabilidade do acontecimento conjugado desses eventos é
igual ao produto das probabilidades individuais de que ocorra cada um dos eventos.

313

. Finkelstein e William B. Fairley (A Bayesian approach to identification evidence…, p. 489-490).

314

Nesse sentido: MARQUEIS, Probabilità e prova..., cit., p. 1151; e MAGALHÃES GOMES FILHO, Direito à
prova no processo penal..., cit., p. 49-50.

315

MARQUEIS, Probabilità e prova..., cit., p. 1123.

316

Como bem lembra Oliviero Mazza (Il ragionevole dubbio nella teoria della decisione. Criminalia, 2012. p.
359) “em alguns casos, mesmo que pudesse diminuir os erros de julgamento, não atenderia à necessidade
de ‘justiça do caso concreto’, que exige que se vincule a decisão com as provas concretamente
disponíveis”.

317

TARUFFO, La prova dei fatti giuridici..., cit., p. 181.

318

Magalhães Gomes Filho (Direito à prova no processo penal..., cit., p. 50) lembra a conclusão de Tribe de
que há “algo de basicamente imoral em punir alguém assumindo o risco de que existe uma possibilidade
em vinte (em cem, mil, ou mais) de que essa pessoa é inocente; qualquer que seja sua medida, a dúvida
deve favorecer o acusado”. Além disso, Tribe (Trial by mathematics ..., cit., p. 1375-1376) refere-se,
também à “dehumanization of Justice” provocada pelo emprego da estatística na valoração da prova.
Porém, como observa Taruffo (La prova dei fatti giuridici..., cit., p. 199), negar que o modelo do cálculo de
probabilidade estatística represente o esquema lógico de valoração da prova não significa negar que, em
certos casos e de acordo com as condições dadas, a probabilidade estatística possa ser utilizada para o
acertamento do fato, tendo em conta o grau de confirmação dos elementos de prova obtidos sobre a
hipótese.

319

Nesse sentido: FROSINI, Benito V. Le prove statistiche nel processo civile e nel processo penale. Milano:
Giuffrè, 2002. p. 146; BLAIOTTA, Rocco. Causalità giuridica. Torino: G. Giappichelli, 2010. p. 336.

320

FERRER BELTRÁN, La valoración racional de la prueba…, cit., p. 94.

321

Nesse sentido: FERRER BELTRÁN, La valoración racional de la prueba…, cit., p. 95; GASCÓN ABELLÁN,
Sobre la posibilidad de formular estándares de prueba..., cit., p 132, nota 5.

322

Para Richard Eggleston (Prova, conclusione probatoria e probabilità. Trad. Donata Romizi, Milano:
Giuffrè, 2004. p. 13), a probabilidade subjetiva é o tipo de probabilidade utilizada pelos juristas, embora
prefira fala em “grau de verossimilhança” ou “grau de persuasão”, em vez de “grau de crença”.

323

Ferrer Beltrán (La valoración racional de la prueba…, cit., p. 110) explica que a probabilidade subjetiva
utiliza o esquema da probabilidade inversa, que também se vale do teorema de Bayes, tendo a seguinte
fórmula: P(H/E) = P(E/H) x P (H) / PE/H), que se lê: a probabilidade condicional de que seja verdadeira a
hipótese H dado o elemento de prova E é igual à probabilidade de que se dê E se é verdadeira H
multiplicado pela probabilidade de H (sem levar em conta E), dividido pela probabilidade de que se dê E
se não for verdadeiro H. O referido cálculo permite medir o impacto do elemento de prova E na
probabilidade de H. Quer dizer, a passagem da probabilidade de H, antes de considerar o novo elemento
de prova E (que é a prior probability de H), para a probabilidade condicional de que H seja verdadeira,
dado que se conhece o elemento E (Ibidem, p. 109) Um explicação detalhada sobre tal formula
probabilística pode ser encontrada, também, em GASCÓN ABELLÁN, La valoración de la prueba..., cit., p.
393-394.

324

GASCÓN ABELLÁN, La valoración de la prueba..., cit., p. 394.


325

GASCÓN ABELLÁN, La valoración de la prueba..., cit., p. 394.

326

GASCÓN ABELLÁN, La valoración de la prueba..., cit., p. 394.

327

Eggleston (Prova, conclusione probatoria e probabilità…, cit., p. 35) reconhece que, no mundo real, muitas
vezes não se dispõe de valores numéricos de probabilidade para estabelecer as crenças iniciais, e, no
procedimento judicial, em especial, não há esse standard numérico para medir ou valorar a
probabilidade. Ressalta, contudo, que “em muitos casos, o teorema de Bayes permite raciocinar sobre a
prova mesmo se não estivermos em condições de atribuir valores numéricos à probabilidade envolvida”.
Ou seja, propõe uma teoria subjetiva da probabilidade não matemática.

328

Nesse sentido: FERRER BELTRÁN, La valoración racional de la prueba…, cit., p. 115-116.

329

Nesse sentido: FERRER BELTRÁN, La valoración racional de la prueba…, cit., p. 118.

330

Evidente que, nesse caso, não tendo sido atingido o standard de prova exigido para a hipótese acusatória
ser considerada provada, por força do in dubio pro reo, a sentença deverá ser absolutória.

331

A crítica é formulada, uma vez mais, por FERRER BELTRÁN, La valoración racional de la prueba…, cit., p.
118-119. No mesmo sentido: GASCÓN ABELLÁN, La valoración de la prueba..., cit., p. 396. Também para
Tribe (Trial by mathematics..., cit., p. 1368), no processo penal, o enfoque bayesiano pode fomentar uma
“presunção de culpabilidade”.

332

La valoración de la prueba..., cit., p. 394.

333

Nesse sentido: TRIBE, Trial by mathematics ..., cit., p. 1348; FERRER BELTRÁN, La valoración racional de la
prueba…, cit., 111.
334

Como explicam FINETTI, Bruno De; SAVAGE, L. J. Sul modo di scegliere le probabilità iniziali. Sui
fondamenti della statistica. Roma: Biblioteca del Metron: Università degli studi di Roma, 1962. p. 88, apud
FERRER BELTRÁN, La valoración racional de la prueba…, cit., p. 112): “a rigor, a teoria subjetivista [...]
ensina somente a extrair conclusões coerentes a respeito dos juízos iniciais, qualquer que seja este (por
isso, sequer tem sentido perguntar se estes são em si mesmos mais ou menos ‘sensato’ ou, ainda pior,
‘corretos ou equivocados’)”.

335

COHEN, The probable and the provable…,. cit., p. 58 ss., 87 ss, 93 ss, 166 ss.

336

Nesse sentido: FERRER BELTRÁN, La valoración racional de la prueba..., cit., p. 97, nota 67; TARUFFO. Il
libero convincimento del giudice..., cit., p. 3; TARUFFO, Processo civil comparado: ensaios..., cit., p. 48;
STELLA, Oltre il ragionevole dubbio..., cit., p. 101; MAZZA. Il ragionevole dubbio nella teoria della
decisione..., cit., p. 359-360; GASCÓN ABELLÁN, La valoración de la prueba..., cit., p. 397-402.

337

MARQUEIS, Probabilità e prova..., cit., p. 1125.

338

FERRER BELTRÁN, La valoración racional de la prueba…, cit., p. 122.

339

Hempel (Filosofia da ciência natural..., cit., p. 83) já afirmava que o conceito de probabilidade estatística
“deve ser cuidadosamente distinguido do conceito de probabilidade lógica ou indutiva” entendida como
“uma relação lógica dentre enunciados precisos”.

340

TARUFFO, La prova dei fatti giuridici..., cit., p. 201.

341

IACOVIELLO, La motivazione della sentenza penale e il suo controllo in cassazione..., cit., p. 121.

342

FERRER BELTRÁN, La valoración racional de la prueba…, p. 122. Idem, Prolegómenos para una teoría
sobre los estándares de prueba…, p. 403.
343

MARQUEIS, Probabilità e prova ..., cit., p. 1125-1126.

344

Para Iacoviello (I criteri di valutazione della prova…, cit., p. 407) o momento da falsificação da hipótese,
isto é, da tentativa de sua refutação é a “linfa vital” do atual direito probatório”.

345

FERRER BELTRÁN, La valoración racional de la prueba…, cit., p. 123.

346

TARUFFO, Il libero convincimento del giudice..., cit., p. 3.

347

. GASCÓN ABELLÁN, Marina. La prueba judicial: valoración racional y motivación, España: Universidad
de Castilla la Mancha, [s.d.]. p. 11.

348

La prova dei fatti giuridici..., cit., p. 247.

349

La prova dei fatti giuridici..., cit., p. 3.

350

MAGALHÃES GOMES FILHO, Direito à prova no processo penal..., cit., p. 55.

351

FERRAJOLI, Diritto e ragione..., cit., p. 130. No mesmo sentido: IACOVIELLO, I criteri di valutazione della
prova…, p. 407.

352

TOULMIN, Stephen E. The uses of argument. Update Edition. Nova York: Cambridg Press, 2003. p. 173. O
próprio Toulmin afirmou que, para ele, a questão central é saber até que ponto a lógica pode esperar ser
uma ciência formal e, ainda assim, conservar a possibilidade de ser aplicada na avaliação crítica de
argumentos que efetivamente usamos (op. cit., p. 3)
353

TOULMIN, The ars of argument..., cit., p. 7.

354

TOULMIN, The ars of argument..., cit., p. 93-94. Para uma descrição simplificado do modelo argumentativo
de Toulmin, cf.: ATIENZA, Razonamiento Jurídico..., cit., p. 215-216; ALEXY, Robert. Teoría de la
argumentación jurídica. La teoría del discurso racional como teoría de la fundamentación jurídica. Trad.
Manuel Atienza. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2008, p. 94-103.

355

ALEXY, Teoría de la argumentación jurídica..., cit., p. 95.

356

TOULMIN, The ars of argument..., cit., p. 11 e 97.

357

TOULMIN, The ars of argument..., cit., p. 98.

358

TOULMIN, The ars of argument..., cit., p. 98.

359

TOULMIN, The ars of argument..., cit., p. 103.

360

ATIENZA, Razonamiento jurídico..., cit., p. 216.

361

TOULMIN, The ars of argument..., cit., p. 93-94. No mesmo sentido: ATIENZA. Razonamiento Jurídico..., cit.,
p. 216.

362

ATIENZA, Razonamiento jurídico..., cit., p. 216. Nesse ponto, contudo, é de se destacar que, no caso de
aplicação do modelo argumentativo de Toulmin para a valoração da prova em processo penal, essa função
do qualificador modal será exercida pelos standards de prova. Sobre o tema, cf., infra, item 3.6.2.
363

TOULMIN, The ars of argument..., cit., p. 94.

364

ATIENZA, Razonamiento jurídico..., cit., p. 216.

365

TOULMIN, The ars of argument..., cit., p. 94.

366

TOULMIN, The uses of argument..., cit., p. 97.

367

TOULMIN, The ars of argument..., cit., p. 97.

368

Invocando o modelo de Toulmin, para o raciocínio probatório: FASSONE, La valutazione della prova..., cit.,
p. 328-329. O próprio Toulmin, em obra posterior, aplica o seu modelo argumentativo ao campo jurídico,
no que denonina “Legal reasoning”: TOULMIN, Stephen; RIEKE, Richard; JANIK, Allan. An introduction to
reasoning. 2. ed. Nova York, Macmillan Publishing Co., 1984. cap. 26. p. 281-313. Para os autores, os
processos existem, fundamentalmente, para tomar em consideração e valorar histórias opostas, tendo o
juiz ou o júri que determinar qual delas é “fato”, isto é, qual versão da história será considerada correta,
para fins legais (op. cit., p. 284).

369

TOULMIN. The ars of argument..., cit., p. 98.

370

HARTMAN, Gilbert H. The inference to the best explanation. The Philosophical Review, 74, 1965. p. 88-95;
LIPTPON, Peter. Inference to the best explanation. 2. ed. London & New York: Routledge, 1991;
JOSEPHSON, John R. On the proof dynamics of inference to the best explanation. Cardoso Law Review, 22,
2001. p. 1621-1643.

371

FERRER BELTRÁN, La prueba es libertad..., cit., p. 36, nota 21.

372
TUZET, Razonamiento probatorio: ¿deducción? ¿inducción? ¿abducción?..., cit., p. 142.

373

TUZET, Razonamiento probatorio: ¿deducción? ¿inducción? ¿abducción?..., cit., p. 142.

374

Judicial proof and the best explanation. Law and Philosophy, 27, 2008. p. 230. No mesmo sentido, na
doutrina nacional: DALLAGNOL, Deltan Martinazzo. As lógicas das provas no processo. Prova direta,
indícios e presunções. Curitiba: Livraria do Advogado, 2015. p. 124.

375

LAUDAN, Larry. Strange bedfellows: interference to the best explanation and the criminal standard of
proof. International Journal of Evidence & Proof, v. 11, Issue 4, 2007. p. 295-297.

376

Em profundo estudo sobre a abdução como modelo de raciocínio judicial, conclui Besso Marcheis
(Probabilità e prova..., cit., p. 1138) que o raciocínio abdutivo pode ser proposto como um modelo útil de
descrição de momentos diversos e anteriores ao da valoração das provas e resulta, assim, de utilidade
bastante limitada para os fins de descrever o raciocínio judicial na valoração da prova. O referido ponto
de vista é acolhido, expressamente, por Andres Ibáñez (Sobre a motivação dos fatos na sentença penal...,
cit., 87).

377

FERRER BELTRÁN, La prueba es libertad..., cit., p. 36, nota 21.

378

Nesse sentido: FERRER BELTRÁN. La prueba es libertad..., cit., p. 36, nota 21.

379

LAUDAN. Strange bedfellows: interference to the best explanation and the criminal standard of proof…,
cit., p. 295. nota 9. E complementa: “Se alguém está desesperado para encontrar um papel para a
“Inferência para a Melhor Explicação”, ela pode capturar o significado do standard de prova clara e
convincente dos processos civis dos EUA ou pode modelar as micro-decisões sobre o peso apropriado para
dar a cada um dos meios de prova específicos ou testemunhos”.

380

STELLA, Oltre il ragionevole dubbio..., cit., p. 103.


381

PASTORE. Decisioni, argomenti, controlli..., cit., p. 33.

382

Ibidem, p. 34.

383

FERRER BELTRÁN, La prueba es libertad..., cit., p. 27.

384

FERRER BELTRÁN, La valoración racional..., cit., p. 68-78. Até porque, como leciona Susan Haack
(Epistemology and the law of evidence..., cit., p. 17), a prova deve ser compreendida como algo gradual, ou
seja, que pode apresentar mais ou menos suporte para uma hipótese.

385

Nesse sentido: UBERTIS, Profili di epistemologia giudiziaria..., cit., p. 166. nota 154. Por outro lado, para
quem inclui na valoração da prova a própria decisão final, sem distinguir o contexto da valoração do
contexto da decisão, é inegável que uma regra legal definindo um standard de prova implicará restrição
ao livre convencimento. Não quanto ao método de valoração, mas quanto ao nível de suporte probatório
para que se possa decidir que uma hipótese fática está provada. Assim, se o juiz fosse absolutamente livre,
poderia, depois de valorar, decidir adotando, ao seu critério, um standard de prova rebaixado, como o da
mera preponderância, ou mais elevado, como o da prova além de qualquer dúvida razoável. Neste último
sentido, considerando que o standard de prova limita o livre convencimento: IACOVIELLO, Motivazione
della sentenza penale…, cit., p. 766; NOBILI, Esiti, errori, arbitrii dietro un’illustre formula…, cit., p. 47;
STELLA, Oltre il ragionevole dubbio..., cit., p. 90.

386

HAACK, La Justicia, la verdade y la prueba..., cit., p. 312.

387

Nesse sentido: STEIN, Foundations of evidence law..., cit., p. 121-122; FERRER BELTRÁN, La valoración
racional de la prueba…, cit., p. 80-81.

388

Nesse sentido: FERRER BELTRÁN, La valoración racional de la prueba…, cit., p. 142; Idem, La prueba es
libertad..., cit., p. 32; GASCÓN ABELLÁN, Sobre la posibilidad de formular estándares de prueba..., cit., p
130.

389
No sentido de que a função dos standards de prova é realizar uma distribuição dos erros judiciais no juízo
de fato: STEIN, Foundations of evidence law..., cit., p. 133-134; FERRER BELTRÁN, La valoración racional de
la prueba…, p. 143; Idem, Prolegómenos para una teoría sobre los estándares de prueba…, cit., p. 406. Já
para Laudan (Verdade, error y processo penal..., cit., p. 60), a função do standard de prova no processo
penal não é distribuir igualmente o risco de erro, mas diminuir o risco de condenações falsas.

390

Como bem destaca Michele Taruffo (Casi una introducción. In: FERRER BELTRÁN, Jordi; LEANDRO J.,
Giannini. Contra la carga de la prueba. Madrid: Marcial Pons, 2019. p. 19) um “ônus objetivo” é um
oximoro. Realmente, como já tivemos oportunidade de destacar (BADARÓ. Ônus da prova no processo
penal ..., cit., p. 238): “do ponto de vista terminológico, não parece correto denominar a regra de
julgamento, estabelecida para o caso de dúvida, de ônus. Não há em tal situação um enfoque subjetivo,
essencial para a utilização técnica da palavra ônus, que é definida como imperativo do próprio interesse.
A regra de julgamento tem com destinatário o juiz e não as partes, e inexiste um interesse do juiz no
processo, exceto o interesse de fazer justiça, de forma imparcial. No ônus objetivo inexiste interesse direto
das partes, mas uma solução para o juiz que, somente de forma indireta irá produzir reflexos negativos
sobre as partes. Ao máximo, poderia ser um ônus remoto ou mediato”.

391

Para uma explicação da dicotomia entre “ônus subjetivo” e “ônus objetivo”, cf.: BADARÓ, Ônus da prova
no processo penal..., cit., p. 178-185.

392

Nesse sentido: BADARÓ, Ônus da prova no processo penal..., cit., p. 237-241. No mesmo sentido:
SAMMARCO, Metodo probatorio e modelli di ragionamento..., cit., p. 74.

393

LAUDAN, Verdad, error y proceso penal..., cit., p. 104-105.

394

DEI VECCHI, Diego. La prueba judicial como conocimiento: una caracterización poco persuasiva. In:
FERRER BELTRÁN, Jordi; VÁZQUEZ, Carmen (Coord.). Debatiendo con Taruffo. Madrid: Marcial Pons, 2016.
p. 286.

395

Nesse sentido, mas manifestando seu ceticismo quanto à possibilidade de atingir tais exigências: DEI
VECCHI, La prueba judicial como conocimiento..., cit., p. 290.

396

No presente estudo, cabe apenas analisar a questão com vista ao julgamento final da causa, isto é, a
decisão de mérito de condenação ou absolvição no processo penal, embora o problema dos standards de
prova não seja exclusivo da sentença, tendo lugar ao longo de toda a persecução penal. Nesse sentido:
TWINING, Rethinking evidence…, cit., p. 219; FERRER BELTRÁN, La valoración racional de la prueba..., cit.,
p. 141; Idem, Prolegómenos para una teoría sobre los estándares de prueba…, cit., p. 414; LAUDAN,
Verdad, error e proceso penal…, cit., p. 133-134. Na doutrina nacional: KNIJNIK, Danilo. A prova nos juízos
cível, penal e tributário. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 48. Apenas a título exemplificativo, elencam-se
alguns standards ou “modelos de constatação”, diversos da “prova além da dúvida razoável”, diariamente
utilizados no processo penal brasileiro: para a prisão temporária bastam “fundadas razões [...] de autoria”
(Lei 7.960/89, art. 1º, inc. III), enquanto que para a prisão preventiva é necessário “indício suficiente de
autoria” (CPP, art. 312); já para a pronúncia não basta – no singular – indício suficiente, sendo exigidos
“indícios suficientes de autoria” (CPP, art. 413, caput); por outro lado, para o sequestro, “indícios
veementes de proveniência ilícita dos bens” (CPP, art. 126). No incidente de insanidade mental, basta a
“dúvida sobre a integridade mental do acusado” (CPP, art. 149, caput). Assim, varia o grau de
probabilidade exigida, seja uma simples preponderância de uma hipótese sobre a outra, seja uma
probabilidade reforçada ou qualificada. Além das medidas cautelares, é necessário observar que, ao longo
da própria persecução penal, há uma formulação progressiva de juízos sobre o mesmo tema – por
exemplo, a autoria delitiva ou a materialidade delitiva – que será objeto da investigação, da
admissibilidade da denúncia até se chegar à sentença. Passa-se de um juízo de simples possibilidade, para
uma probabilidade, até se chegar à certeza.

397

O Tribunal Constitucional decidiu que o “direito à presunção de inocência compreende o direito a não ser
condenado sem provas válidas, o que implica que toda sentença condenatória deve apontar as provas que
sustentam a declaração de responsabilidade; ademais, as provas devem ter sido obtidas com respeito às
garantias constitucionais, ter sido praticadas normalmente em juízo oral e haver-se valorado e motivado
pelos tribunais com respeito às regras da lógica e da experiência, de modo que se possa afirmar que a
declaração de culpabilidade foi estabelecida acima de toda dúvida razoável” (STC 43/2003, § 4º).

398

Nesse sentido: GASCÓN ABELLÁN, La prueba judicial: valoración racional y motivación..., cit., p. 15.

399

Da intensidade probatória: medida da prova, ónus da prova e presunções judiciais, inédito, item 3.3. p. 6.

400

Prolegómenos para una teoría sobre los estándares de prueba…, cit., p. 402.

401

Antes mesmo de sua previsão legal, Ferrua (Il libero convincimento del giudice penale..., cit., p. 73) já se
posicionava no sentido de que o princípio de que a culpabilidade fosse provada “oltre ogni ragionevole
dubbio”, embora não expresso, era considerado implícito no ordenamento italiano. Quanto a outros países
europeus, Knud Waaben (Criminal responsability and the quantum of proof. Uppsala: The Faculty of
Law/Stockholm University, 1965. p. 246) informa que ordenamentos escandinavos se baseiam na regra de
que a culpa do acusado deve ser provada “beyond a reasonable doubt”.

402

Uma profunda análise da questão na doutrina nacional pode ser encontrada no excelente trabalho de
KNIJNIK, Danilo, A prova nos juízos cível, penal e tributário. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 15-19; p. 37-
45. Cf., também: BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Standards probatórios no processo penal. Revista
AJUFERGS, Porto Alegre, n. 4, nov. 2007. p. 161-185. No processo civil, o tema é analisado por: MARINONI,
Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Prova. São Paulo: Ed. RT, 2009. p. 85-90. Já Humberto Ávila
(Teoria da prova..., cit., p. 117-118) propõe quatro standards de prova: (i) prova irrefutável; (ii) prova
acima de qualquer dúvida razoável; (iii) prova clara e convincente; (iv) prova convincente ou de
verossimilhança razoável (balanço de probabilidades).

403

IACOVIELLO, Motivazione della sentenza penale…, cit., p. 766, também usa a expressão “probabilidade
elevadíssima”.

404

cf., infra, item 3.6.2.4.

405

LAUDAN, Verdad, error y proceso penal..., cit., p. 124.

406

A doutrina, contudo, posiciona-se contrariamente, por entender que o grau de prova é subjetivo:
EGGLESTON, Prova, conclusione probatoria e probabilità…, cit., p. 62.

407

Nesse sentido: TARUFFO, La semplice verità..., cit., p. 220.

408

Na doutrina alemã, Gerhard Walter (Libre apreciación de la prueba: investigación acerca del significado,
las condiciones y limites del libre convencimiento judicial. Bogotá: Temis, 1985. p. 172-173), depois de
assinalar que “se entende sem dificuldade que o método que deve existir para condenar um acusado no
processo penal não pode ser o mesmo que no caso em que uma pessoa solicita uma pensão em razão de
um suposto acidente de trabalho”, conclui: “é óbvio, pois, que quando se determina o módulo da prova,
deve se ter em conta a matéria subjacente ao direito processual em questão, sob pena de desvirtuar os fins
que inspiram o direito material”.
409

É nesse sentido que o tema é trabalhado por Knijnik (A prova nos juízos cível, penal e tributário..., cit., p.
18): “A título de exemplo, em demanda indenizatória por acidente de trânsito, deve se raciocinar com base
numa ‘preponderância de provas’, para que se dê por demonstrado o fato ‘x’; por esse critério guiar-se-ão
o juiz e as partes. Já em ação de improbidade, o modelo de constatação é outro, mais rigoroso, exigindo-se
uma ‘prova clara e convincente’; e outro deveria ser, portanto, o critério empregado pelo juiz, pelo
tribunal e pelas partes na formação do juízo de fato e sua discussão. Numa ação penal, enfim, será
necessário observar outro modelo de constatação: a ‘prova além da dúvida razoável’, e diversamente
estará orientada a construção do juízo fático. Como se vê, esses ‘modelos de constatação’ são critérios,
pautas objetivas, sujeitas ao controle e à discussão das partes, na constatação de fatos, e auxiliam na
evitação do erro ou do arbítrio” (destaques no original).

410

FERRER BELTRÁN. Prolegómenos para una teoría sobre los estándares de prueba…, cit., p. 403.

411

Sobre o tema, cf., supra, cap. 1, item 1.3.6.

412

FERRER BELTRÁN, Prolegómenos para una teoría sobre los estándares de prueba…, cit., p. 443.

413

FERRUA, Il libero convincimento del giudice penale..., cit., p. 73. Para Stella (Oltre il ragionevole dubbio...,
cit., p. 85) o standard de prova “oltre il ragionevole dubbio” encontra seu fundamento constitucional no
art. 27 da Constituição italiana, que assegura a presunção de inocência. No mesmo sentido: UBERTIS.
Profili di Epistemologia Giudiziaria..., cit., p. 175-176.

414

CoEDH, Caso Barberá, Messegué e Jabardo v. Espanha, sentença de 06.12.1988, § 77.

415

In re Winship, 397 U.S. 358 (1970): “The due process clause of the Fourteenth Amendment to the U.S.
Constitution requires proof Beyond a Reasonable Doubt before a juvenile may be adjudicated delinquent
for an act that would constitute a crime were the child an adult”. A XIV Amendment da Constituição, por
sua vez, estabelece a garantia do due process of law que: “All persons born or naturalized in the United
States, and subject to the jurisdiction thereof, are citizens of the United States and of the State wherein
they reside. No State shall make or enforce any law which shall abridge the privileges or immunities of
citizens of the United States; nor shall any State deprive any person of life, liberty or property, without due
process of law, nor deny to any person within its jurisdiction the equal protection of the law”.
416

Por exemplo, o Californian Penal Code, na Section 1096 estabelece que: “A defendant in a criminal action
is presumed to be innocent until the contrary is proved, and in case of a reasonable doubt whether his or
her guilt is satisfactorily shown, he or she is entitled to an acquittal, but the effect of this presumption is
only to place upon the state the burden of proving him or her guilty beyond a reasonable doubt.
Reasonable doubt is defined as follows: ‘It is not a mere possible doubt; because everything relating to
human affairs is open to some possible or imaginary doubt. It is that state of the case, which, after the
entire comparison and consideration of all the evidence, leaves the minds of jurors in that condition that
they cannot say they feel an abiding conviction of the truth of the charge’”.

417

FERRER BELTRÁN, La valoración racional de la prueba..., cit., p. 145, nota 128; Idem, La prueba es
libertad..., cit., p. 35, nota 18.

418

LAUDAN, Verdad, error e proceso penal..., cit., p. 95.

419

Com razão, afirma Stella (Oltre il ragionevole dubbio..., cit., p. 93) que “o standard probatório exigido pelo
processo penal deve ser tal que elimine qualquer dúvida”.

420

Na doutrina alemã, Gerhard Walter (Libre apreciación de la prueba…, cit., p. 172-173) afirma que “se
entiende sin dificultad que el módulo que hay que exigir para condenar a un acusado en proceso penal, no
puede ser el mismo que en el caso en que una persona solicita una pensión por razón de un supuesto
accidente de trabajo”.

421

Tratado de las pruebas judiciales..., cit., v. II, p. 361. De modo semelhante, embora restrito à análise do
testemunho, Beccaria (Dos delitos e das penas..., cit., p. 86. nota 2. § XIII) criticava duramente a posição
contrária, então aplicada: “para os criminalistas a credibilidade de um testemunho torna-se tanto maior
quanto mais grave é o delito. Eis o duro axioma ditado pela mais cruel imbecilidade: ‘In atrocissimis
leviores coniecturae sufficiunt, et licet iudicis iura trasgredi’”.

422

CARMIGNANI, Giovanni. Elementi di diritto criminale. Milano: Francesco Sanvito, 1863. p. 184. § 516.

423

Oltre il ragionevole dubbio..., cit., p. 89.


424

Essa contribuição, além de epistemológica, é também política, pois, como observa Laudan (La elemental
aritmética epistémica del derecho II: los inapropiados recurso de la teoría moral para abordar el derecho
penal. In: VÁZQUEZ, Carmen (Ed.). Estándares de prueba y prueba científica. Ensayos de epistemología
jurídica. Madrid: Marcial Pons, 2013. p. 121), sem um standard de prova que sirva como critério de
decisão para o juiz proferir sua decisão, nenhum julgamento estará justificado e qualquer declaração de
culpabilidade será injusta.

425

Como bem destaca Haack (Epistemology legalized..., cit., p. 32) “minha epistemologia, ao menos, tem
muito a dizer sobre o que torna uma prova melhor ou pior e uma afirmação mais ou menos justificada,
mas relativamente muito pouco sobre os graus de prova que interessam particularmente ao direito”. No
mesmo sentido, Ferrer Beltrán (Prefácio a la edición em castellano, de Larry Laudan, Verdad, error y
proceso penal: un ensayo sobre epistemología jurídica (trad. Carmen Vázquez e Edgard Aguilera. Madrid:
Marcial Pons, 2013. p. 20)) afirma que “a decisão sobre o nível de exigência do standard é nitidamente
política, mas uma vez tomada, a epistemológica jurídica deve proporcionar os instrumentos para que
possamos formulá-lo de modo preciso”. Em outro estudo (FERRER BELTRÁN, Prolegómenos para una
teoría sobre los estándares de prueba…, cit., p. 408), complementa “a razão principal para determinar o
grau de exigência probatória em que situaremos o standard de prova tem a ver com a distribuição do risco
de erros (falsas condenações e falsas absolvições) que estimamos aceitáveis, o que pressupõe, claramente,
uma decisão político-moral”. No mesmo sentido posiciona-se STEIN, Foundations of Evidence Law..., cit., p.
121-122.

426

E assim o é porque, como bem observa Haack (El probabilismo jurídico: una dimensión epistemológica…,
cit., p. 69), há um fundamento político para o ônus da prova e para o standard de prova.

427

LAUDAN, Larry. Por qué un estándar de prueba subjetivo y ambiguo no es un estándar. El estándar de
prueba y las garantías en el proceso penal. Buenos Aires: Hammurabi, 2011. p. 57-86; Idem, ¿Es razonable
la duda razonable?. El estándar de prueba y las garantías en el proceso penal, Buenos Aires: Hammurabi,
2011. p. 119-195.

428

Para LAUDAN, Verdad, error y proceso penal..., cit., p. 61.

429

Il ‘giusto processo’..., cit., p. 42.

430
FERRUA. Il ‘giusto processo’..., cit., p. 42.

431

Verdad, error y proceso penal..., cit., p. 64.

432

LAUDAN. Verdad, error y proceso penal..., cit., p. 67.

433

FERRER BELTRÁN. La prueba es libertad..., cit., p. 35.

434

Segue-se, nesse ponto, a sistematização feita por LAUDAN. Verdad, error e proceso penal..., cit., p. 68-83.

435

Verdad, error y proceso penal..., cit., p. 103.

436

Oltre il ragionevole dubbio..., cit., p. 92.

437

FERRER BELTRÁN. Prolegómenos para una teoría sobre los estándares de prueba…, cit., p. 404.

438

FERRER BELTRÁN, La valoración racional de la prueba…, cit., p. 65.

439

FERRER BELTRÁN, La valoración racional de la prueba…, cit., p. 65. Laudan (Verdad, error e proceso
penal…, cit., p. 101) apresenta a mesma preocupação, criticando a obsessão consistente em definir o
beyond a reasonable doubt concentrando-se em estados mentais subjetivos dos membros do júri.

440

Nesse sentido, para Haack (El probabilismo jurídico: una dimensión epistemológica…, cit., p. 71), a crença
do julgador nas provas é algo secundário, o que importa é o peso das provas.
441

Como bem destaca Ferrer Beltrán (La valoración racional de la prueba…, cit., p. 146), para que um
standard de prova cumpra a função de funcionar como um critério racional de decisão sobre a prova
“deve, em primeiro lugar evitar vincular a prova com as crenças, convicções ou dúvidas do sujeito que
decide sobre os fatos. O grau de corroboração de uma hipótese não depende do julgador possuir
determinadas crenças, mas das predições verdadeiras que se podem formular a partir das hipóteses e das
dificuldades para dar conta das mesmas predições a partir de hipóteses rivais”. Nesse ponto, embora a
premissa de Laudan (Verdad, error e proceso penal…, cit., p. 91) seja voltada para o sistema de jurados, o
autor refere que: “O assunto principal não é se os membros do júri, individualmente e em conjunto, estão
convencidos pela teoria do caso da acusação. A questão é se as provas que viram e ouviram devem ser
consideradas convincentes em termos de quanto respaldam ou corroboram a hipótese da acusação sobre
a culpabilidade do acusado”.

442

Para Ferrer Beltrán (Prolegómenos para una teoría sobre los estándares de prueba…, cit., p. 405-406), a
formulação de um standard de prova exige a observância de dois tipos de exigências: primeiro, deve ser
adequada do ponto de vista epistémico ou metodológico e, em segundo lugar, deve apontar qual o
fundamento do nível de exigência probatória estabelecida no standard.

443

LAUDAN, Verdad, error e proceso penal…, cit., p. 126.

444

LAUDAN, Larry. Is it finally time to put ‘proof beyond a reasonable doubt’ out to pasture?. University of
Texas Law, Public Law Research Paper, n. 194, 2011. p. 7-8.

445

. ALLEN, Ronald. J. Factual ambiguity and a theory of evidence. Northwestern University Law Review, 88,
1994. p. 604.

446

Em estudo posterior, Ferrer Beltrán (Prolegómenos para una teoría sobre los estándares de prueba…, cit.,
p. 416) afirma não ser adequado para o processo penal adotar um único standard de prova para a decisão
final sobre a hipótese acusatória” e, partindo de tal premissa, apresenta a proposta de seis distintos
standards de prova, com graus variados de suporte probatório: Standard de prova 1 – “Para se considerar
provada uma hipótese sobre os fatos, devem ocorrer, conjuntamente, as seguintes condições: a) A hipótese
deve ser capaz de explicar os dados disponíveis, integrando-os de forma coerente, e as previsões de novos
dados que a hipótese permite formular devem ter sido confirmadas e aportadas como prova no processo.
b) Devem ter sido rechaçadas todas as demais hipóteses plausíveis explicativas dos mesmos dados que
sejam compatíveis com a inocência do acusado, excluídas as meras hipóteses ad hoc”; Standard de prova 2
– “Para se considerar provada uma hipótese sobre os fatos, devem ocorrer, conjuntamente, as seguintes
condições: a) A hipótese deve ser capaz de explicar os dados disponíveis, integrando-os de forma coerente,
e as previsões de novos dados que a hipótese permite formular devem ter sido confirmadas e aportadas
como prova no processo. b) Deve ter sido rechaçada a hipótese alternativa formulada pela defesa, caso
seja plausível, explicativa dos mesmos dados e compatível com a inocência do acusado, salvo quando se
tratar de mera hipótese ad hoc”; Standard de prova 3 – “Uma hipótese sobre os fatos considerar-se-á́
provada quando ocorrerem, conjuntamente, as seguintes condições: a) Que a hipótese seja a menor
explicação disponível sobre os fatos cuja ocorrência se trata de provar, à luz dos elementos de prova
existentes no expediente processual. b) Que o peso probatório do conjunto de elementos de prova
relevantes incorporados ao processo seja completo (excluídas as provas redundantes)”; Standard de prova
4 – “Uma hipótese sobre os fatos considerar-se-á́
provada quando ocorrerem, conjuntamente, as seguintes
condições: a) Que a hipótese ofereça uma melhor explicação sobre os fatos que se deve provar do que a
hipótese da parte contrária, à luz dos elementos de prova existentes no expediente processual. b) Que o
peso probatório do conjunto de elementos de prova relevantes incorporados ao processo seja completo
(excluídas as provas redundantes)”; Standard de prova 5 – “Uma hipótese sobre os fatos se considerará
provada em um processo quando: A hipótese seja a melhor explicação sobre os fatos cuja ocorrência se
deve provar à luz dos elementos de prova existentes no expediente processual”; Standard de prova 6 –
“Uma hipótese sobre os fatos se considerará provada em um processo quando: A hipótese ofereça uma
melhor explicação sobre os fatos cuja ocorrência se deve provar do que a hipótese da parte contrária, à
luz dos elementos de prova existentes no expediente processual” (op. cit., p. 417-418).

447

FERRER BELTRÁN, La valoración racional de la prueba..., cit., p. 147 e segs.; Idem, La prueba es libertad...,
cit., p. 36; Idem, Prolegómenos para una teoría sobre los estándares de prueba…, cit., p. 417.

448

Com explica Iacoviello (I criteri di valutazione della prova..., cit., p. 409) para prevalecer, a hipótese da
acusação deve infligir destaque notável em relação às hipóteses rivais.

449

CHIOVENDA, Giuseppe. Saggi di diritto procesuale civile. Romo Foro Italiano, 1930. v. I. p. 110.

450

Nesse sentido: IACOVIELLO, I criteri di valutazione della prova…, cit., p. 407; ANDRÉS IBÁÑEZ, Sobre a
motivação dos fatos na sentença penal..., cit., p. 97. Antes da reforma legislativa italiana de 2006, que
incorporou ao art. 530 a expressão “al di là di ogni ragionevole dubbio”, Ferrua (Il libero convincimento
del giudice penale..., cit., p. 75) defendia a aplicação do standard de prova da culpabilidade “oltre ogni
ragionevole dubbio”. Mas, explicando no que ele consistia, afirmava ser necessário “que todos dados
probatórios fossem acuradamente examinados no contexto, procurando elementos de confirmação, mas
sobretudo verificando a sua resistência a toda possível falsificação”. E resumia “nada fora do contexto”. Já
Perfecto Andrés Ibáñez (A argumentação probatória e sua expressão na sentença..., cit., p. 51) parece ser
um pouco menos exigente, como se verifica do seguinte passo: “uma hipótese pode ser considerada
verdadeira quando se mostra compatível com os dados probatórios, porque os integra e explica em sua
totalidade, harmonicamente; e não resulta desmentida por nenhum deles. Isso não quer dizer que uma
boa hipótese não possa deixar algum ‘cabo solto’, algum dado sem explicar. Mas este, para tê-la por válida,
nunca pode ser fundamental na economia da mesma”.

451

Evidente que essa não será uma escolha explicada apenas por critérios racionais. Entre uma hipótese com
maior probabilidade e outra com menor probabilidade, a razão determina que se opte pela de maior
probabilidade. Como já exposto, a questão é justificada por razões axiológicas, impostas pelo legislador e
não por razoes puramente lógicas. Sobre o tema, cf., supra, item 3.6.2.2.

452

HAACK, El probabilismo jurídico: una dimensión epistemológica…, cit., p. 77. Também Ferrer Beltrán
(Prolegómenos para una teoría sobre los estándares de prueba…, cit., p. 403) afirma que se o raciocínio
probatório se desenvolve por meio de uma probabilidade indutiva, não matemática, “os standards de
prova, portanto, não poderão indicar numericamente o grau de suficiência probabilística necessária para
dar por provada uma hipótese”.

453

COHEN, The probable and the provable..., cit., p. 83. Embora sem tratar da questão sob o enfoque do
standard de prova, para Ferrajoli (Diritto e ragione..., cit., p. 131), “a hipótese acusatória para ser aceita
como verdadeira, deve não só ser confirmada por mais provas e não desmentida por nenhuma
contraprova, mas também prevalecer sobre todas as possíveis hipóteses com ela em conflito, que devem
ser falsificadas por modus tollens, segundo o esquema (r). Se não foram falsificadas nem a hipótese
acusatória nem a hipótese com ele concorrente, a dúvida é resolvida, com base no princípio in dubio pro
reo, em desfavor da primeira”.

454

HAACK, El probabilismo jurídico: una dimensión epistemológica…, cit., p. 66.

455

Nesse sentido: BETTIOL, Giuserppe. La regola in dubio pro reo nel diritto e nel processo penale. Scritti
Giuridici. Padova: CEDAM, 1966. t. I. p. 315; BETTIOL, Giuserppe. Sulle presunzioni nel diritto e nel
processo penale. Scritti Giuridici. Padova: CEDAM, 1966. t. I. p. 355; e MICHELI, Gian Antonio. L’onere della
prova. reimp. Padova: CEDAM, 1966. p. 272. Segundo Magalhães Gomes Filho (Direito à prova no processo
penal..., cit., p. 47) “a regra de repartição do ônus da prova não se aplica ao juízo criminal, pois neste, em
virtude da presunção de inocência do réu, o encargo de prova incumbe exclusivamente à acusação”
(destaques no original). Em sentido contrário, para ALLEN, Ronald. Los estándares de prueba y los limites
del análisis jurídico. In: VÁZQUEZ, Carmen (Ed.). Estándares de prueba y prueba científica. Ensayos de
epistemología jurídica. Madrid: Marcial Pons, 2013. p. 47, as cargas de persuasão são recíprocas: “mesmo
no processo penal, em que se diz, erroneamente, que os acusados não têm ônus de persuasão sobre os
elementos do delito, na realidade ele os tem. Uma vez mais, a afirmação de que a acusação deve provar os
elementos do delito mais além de toda dúvida razoável e a afirmação de que o acusado deve mostrar que
há uma dúvida razoável são equivalentes”.
456

Nesse sentido: SARACENO, La decisione sul fatto incerto..., cit., p. 129; e ILLUMINATI, La presunzione
d’innocenza dell’imputato..., cit., p. 107. Observa Dinamarco (A instrumentalidade do processo..., cit., p.
303, nota 83) que “são coisas diferentes a distribuição do ônus da prova (v.g., art. 333 CPC) e o próprio
ônus, ou seja, o seu ‘peso’” (destaques no original).

457

Nesse sentido: MICHELI, L’onere della prova..., cit., p. 124, nota 187; ILLUMINATI, La presunzione
d’innocenza dell’imputato..., cit., p. 107.

458

Segundo Micheli (L’onere della prova..., cit., p. 270), no processo penal, incumbe à acusação tanto o
acertamento positivo dos fatos constitutivos como o acertamento negativo dos fatos impeditivos, razão
pela qual não há verdadeira e propriamente uma repartição do ônus da prova. Diante de tal situação,
segundo Illuminati (La presunzione d’innocenza dell’imputato..., cit., p. 107) o conceito de ônus da prova
torna-se redundante, porque define uma situação que se reduz à vedação de condenar o acusado se a sua
culpa não estiver completamente provada. Justamente por isso, não é cabível se cogitar de aplicação do
chamado “ônus da prova dinâmico” no processo penal. Permitir ao juiz que, de acordo com qualquer
critério, altere a regra de julgamento e atribua ao acusado o ônus da prova implicará violar a presunção
de inocência em seu corolário do in dubio pro reo. Para uma crítica da chama teoria do “ônus dinaminco
da prova”, cf.: FENOLL, Jordi Nieva; BELTRÁN, Jordi Ferrer; e GIANNINI, Leandro J. Contra la carga de la
prueba. Madrid: Marcial Pons, 2019.

459

Nesse sentido: BETTIOL, La regola in dubio pro reo nel diritto e nel processo penale..., cit., p. 316;
ILLUMINATI, La presunzione d’innocenza dell’imputato..., cit., p. 105; DELITALA, Giacomo. Il fatto nella
teoria generale del reato. Padova, 1930. p. 140, nota 2; SABATINI, Guglielmo. Principi di diritto processuale
penale. 3. ed. Catania: Casa del Libro, 1948. v. I. p. 473; GAITO, Alfredo. Onere della prova e processo
penale. Prospettive di indagine. La giustizia penale III/513-526, 1975. p. 513 e 522; FERRAJOLI. Diritto e
ragione..., cit., p. 626; Presunzione di non colpevolezza. Digesto delle discipline penalistiche..., cit., v. IX. p.
688; e SILVA JARDIM, Afrânio. Ônus da prova na ação penal condenatória. Direito processual penal. 11. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 214.

460

Essa relação de interação entre ônus da prova e standard de prova, para a distribuição do risco de erro
também é destacada por FERRER BELTRÁN, Prolegómenos para una teoría sobre los estándares de
prueba…, cit., p. 412.

461

Vicente Greco Filho (Direito processual civil brasileiro. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 1996. v. 2. p. 208) explica
que a presunção não é um meio de prova, “mas sim uma forma de raciocínio do juiz, o qual, de um fato
provado, conclui a existência de outro que é o relevante para produzir a consequência jurídica”. No
mesmo sentido posiciona-se, também, DINAMARCO, Cândido Rangel. Ônus de contestar e efeito da revelia.
Revista de Processo, n. 41, jan.-mar. 1986. p. 192.

462

BETTIOL, La regola in dubio pro reo nel diritto e nel processo penale..., cit., p. 313; Idem, Sulle presunzioni
nel diritto e nel processo penale..., cit., p. 344.

463

IACOVIELLO, Motivazione della sentenza penale…, cit., p. 765. De modo semelhante, Alfredo Vélez
Mariconde (Derecho procesal penal. Córdoba: Imprenta de la Universidad, 1956. v. II. p. 27) afirma que o
princípio da presunção de inocência “não consagra uma presunção, mas um estado jurídico do imputado,
o qual é inocente até que seja declarado culpado por uma sentença firme”.

464

GIANFORMAGGIO, Letizia. Filosofia del diritto e ragionamento giuridico. Torino: G.Giappichelli, 2018. p.
93.

465

ATIENZA, El derecho como argumentación..., cit., p. 73.

466

Mesmo no caso do Tribunal do Júri, não há qualquer vedação constitucional para que a decisão dos
jurados seja fundamentada. O sigilo das votações, assegurados constitucionalmente (art. 5º, caput,
XXXVIII, a alínea b), equivale ao voto secreto, ou seja, que ninguém sabia o conteúdo do voto de cada
jurado. Isto é, se o jurado votou “sim” ou “não”. Evidente que se cada jurado tiver que fundamentar os
seus votos, indiretamente estará sendo revelado o conteúdo do mesmo, e quebrado o sigilo das votações.
Mas isso não impede que haja uma motivação única, que expresse as razões de decidir pelas quais os
jurados, em seu conjunto, consideraram que a hipótese fática posta em votação por meio de quesito estava
ou não provada. Já houve razões históricas que justificavam a decisão imotivada dos jurados. O júri que
decidia por meio de veredito imperscrutável fruto da íntima convicção de cada jurado, era aceito por
representar uma forma de vox populi que, por definição, pronuncia decisões justas. Vox populi, vox Dei
representava que o assentimento do povo era o critério de verdade. Aliás, não é por acaso que os Tribunas
do Júri eram compostos normalmente por doze jurados, em clara alusão aos doze apóstolos a expressar a
palavra de Deus. Nesse contexto, Taruffo (La semplice verità..., cit., p. 25) explica que a noção de “verdade
segundo a consciência” do jurado era “suficientemente ampla para cobrir inclusive erros de interpretação
das provas”, sendo estabelecida “independentemente da correspondência ou não do veredito com as
provas relativas à realidade dos fatos”.

467

Iacoviello (I criteri di valutazione della prova..., cit., p. 396) afirma que o livre convencimento e a
motivação devem ser vistos “em uma interação recíproca”.
468

UBERTIS, Profili di epistemologia giudiziaria..., cit., p. 27. Não é sem razão que, para Canzio (Prova
scientifica, ricerca della ‘verità’ e decisione giudiziaria nel processo penale..., cit., p. 69) o arquétipo do
raciocínio probatório é prefigurado com clareza nos artigos 192, comma 1º, e 546, comma 1º, letra e, do
CPP italiano, que tratam justamente do conteúdo da motivação da sentença.

469

Perfecto Andrés Ibáñez (Sobre a Motivação dos Fatos na Sentença Penal..., cit., p. 63) destaca que o dever
de motivar é “uma exigência de caráter político: busca-se, com ele, uma garantia contra o arbítrio”.

470

O exemplo foi extraído de um estudo realizado, com o objetivo de considerar a influência da atratividade
física e da etnia dos réus sobre a decisão dos jurados, em júris simulados, apresentado na Conferência
Anual British Psychological Society, no ano de 2007. O estudo consistiu em dar a cada um dos 96
voluntários a transcrição de um roubo fictício, com uma foto do suposto réu. A descrição do crime era
sempre a mesma, mas fotos diferentes foram anexadas. Metade recebeu a foto de um suspeito atraente e a
outra metade de um suspeito feio. Os jurados voluntários tinham que decidir se o suspeito era inocente ou
culpado e, neste último caso, também tinham que decidir sobre o grau da culpa. Os resultados revelaram a
maior propensão a absolver os suspeitos atraentes, apesar de não haver qualquer outra prova a seu favor
([www.dailymail.co.uk/news/article-443754/Ugly-defendants-likely-guilty-attractive-ones.html]. Acesso em
09.06.2018). Por outro lado, há quem sustente haver um fundamento para que pessoas feias cometam
mais crimes que indivíduos bonitos. Não se trata de recorrer aos antigos estudos lombrosianos.
Recentemente, Nanci Mocan e Erdal Tekin (Ugly Criminals, Review of Economics and Statistics, n. 93, feb.
2010. p. 15-30) sustentaram que, ser muito atraente, reduz a propensão de um jovem adulto para
atividades criminosas; e ser pouco atraente, aumenta-o. Como premissas, afirmam que ser muito atraente
também é positivamente associado aos salários e aos resultados dos testes de vocabulário em adultos, o
que implicaria que a beleza pode ter um impacto na formação de capital humano. Os resultados da
pesquisa sugerem que uma penalização no mercado de trabalho gera um incentivo direto para que
indivíduos pouco atraentes se envolvam em atividade criminosa. O nível de beleza no ensino médio está
associado, segundo os Autores, a uma propensão criminal que se manifesta de sete a oito anos depois, o
que parece ser devido ao impacto da beleza no ensino médio sobre a formação de capital humano,
embora esse caminho pareça ser efetivo apenas para mulheres.

471

Partindo da distinção entre “motivação-atividade”, realizada pelo juiz no processo psicológico de decisão,
e “motivação-produto” (ou “motivação-documento”), consistente na justificação externada na sentença,
Comanducci (Razonamiento Jurídico..., cit., p. 89) afirma que na primeira fase, num processo penal
garantista, o juiz deve adotar critérios internos no descobrimento dos fatos e, sobretudo, na justificação
das escolhas sobre os fatos; e de modo análogo, esses critérios refletirão na etapa do discurso justificativo
da “motivação-documento”. No mesmo sentido: GASCÓN ABELLÁN, La valoración de la prueba…, cit., p.
385.
472

FERRAJOLI, Diritto e ragione..., cit., p. 640. No mesmo sentido: MAGALHÃES GOMES FILHO, A motivação
das decisões penais..., cit., p. 97. De modo semelhante Leonardo Greco (Limitações probatórias no
processo civil Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP, p. 6) afirma que “o discurso justificativo das
decisões sobre os fatos deve ter por função a demonstração lógico-racional da correspondência das
afirmações aos fatos do mundo real”.

473

IACOVIELLO, I criteri di valutazione della prova..., cit., p. 396.

474

Sammarco (Metodo probatório e modelli di ragionamento..., cit., p. 15) observa que, como a lógica permite
a comunicação entre os seres humanos, as razões que justificam os provimentos judiciais devem ser de
natureza lógico-jurídica, de modo a tornar compreensível a todos os cidadãos. Se as decisões forem
fundadas em razões objetiváveis, serão suscetíveis, como afirma Perfecto Ibáñez (A argumentação
probatória e sua expressão na sentença..., cit., p. 47) de “verbalização e dignas de serem tidas como
intersubjetivamente válidas”. Aliás, Piero Calamandrei (Proceso y democracia. Trad. H. Fix Zamundio.
Buenos Aires: EJEA, 1960. p. 115) já destacava que “a motivação constitui o signo mais importante e típico
da ‘racionalização’ da função judicial”.

475

MAGALHÃES GOMES FILHO, A motivação das decisões penais..., cit., p. 148. No mesmo sentido: TUZET,
Filosofia della prova giuridica..., cit., p. 16. O juiz, explica Iacoviello (I criteri di valutazione della prova...,
cit., p. 396), escolhe e decide no âmbito do motivável, decidindo aquilo que ele pode motivar. Por isso, a
motivação é um verdadeiro limite à liberdade do juiz e uma verdadeira garantia contra o arbítrio.

476

MAGALHÃES GOMES FILHO, A motivação das decisões penais..., cit., p. 114-115. No mesmo sentido:
UBERTIS, Profili di epistemologia giudiziaria..., cit., p. 27.

477

GONZÁLES LAGIER, Hechos y argumentos: ... In: Quaestio facti..., cit., p. 71. Como bem destaca Gascón
Abellán (La valoración de la prueba..., cit., p. 385) a tomada de decisão é guiada pela expectativa de sua
justificação, e quem decide não se refere seriamente a uma hipótese como sendo verdadeira, se não tiver
passado por suficientes controles.

478

COMANDUCCI, Razonamiento Jurídico..., cit., p. 50.

479
COMANDUCCI, Razonamiento Jurídico..., cit., p. 53.

480

WRÓBLEWSKI, Jerzy. Legal decision and its justifications. Logique et Analyse. nouvelle série, v. 14, n. 53/54.
Le Raisonnement Juridique: Actes du Congrès Mondial de Philosophie du Droit et de Philosophie Sociale,
mar.-jun. 1971. p. 412.

481

WRÓBLEWSKI, Legal decision and its justifications…, cit., p. 412.

482

COMANDUCCI, Razonamiento Jurídico..., cit., p. 72-73.

483

COMANDUCCI, Razonamiento Jurídico..., cit., p. 84.

484

ATIENZA, Razonamiento Jurídico..., cit., p. 207.

485

COMANDUCCI, Razonamiento Jurídico..., cit., p. 72.

486

WRÓBLEWSKI, Legal decision and its justifications…, cit., p. 412.

487

Para uma análise da justificação externa, quanto às premissas jurídicas: WRÓBLEWSKI, Legal decision
and its justifications…, cit., p. 413-414; COMANDUCCI, Razonamiento Jurídico..., cit., p. 94-105.

488

WRÓBLEWSKI, Legal decision and its justifications, p. 412.

489

Como destaca Comanducci (Razonamiento Jurídico..., cit., p. 109) “no modelo teórico garantista, a
premissa menor está constituída por um enunciado (factual) verdadeiro. Neste modelo, ‘verdadeiro’
significa ‘mais provável que qualquer outra hipótese alternativa que explique os fatos do caso’”. Cabe
ressaltar que, com relação ao conteúdo do que significa verdadeiro, a questão se liga à definição do
standard de prova, que foi analisado, supra, cap. 3, itens 3.6.2 e 3.6.4.

490

Nesse sentido: MATIDA; HERDY, As inferências probatórias..., cit., p. 232.

491

WRÓBLEWSKI, Legal decision and its justifications …, cit., p. 414.

492

WRÓBLEWSKI, Legal decision and its justifications…, cit., p. 415. Esse esquema pode se tornar mais
complexo, no caso em que a máxima de experiência seja substituída por uma regra legal de valoração de
prova. No caso de uma regra positiva, por exemplo, a morte de alguém está provada pelo atestado de
óbito, a fórmula seria: “A morte de A ocorreu e t no l, de acordo com o atestado de óbito, baseado na regra
legal sobre prova do art. 155, par. ún., c.c. art. 62, ambos do CPP”. Também poderá ser uma conclusão
baseada em uma regra de prova legal negativa, que veda a consideração de que um fato está provado,
exclusivamente, com base em uma determinada prova. Assim, por exemplo: “Não está provado o
oferecimento de vantagem ilícita feita por A ao funcionário público F, que ocorreu e t no l, tendo sido
produzida apenas a prova consistente na delação premiada de D, baseado na regra legal sobre prova do
art. 4º, § 16, da Lei 12.850/2013”.

493

Nesse sentido: TARUFFO, La motivazione della sentenza civile..., cit., p. 107 e segs.; TARUFFO, La prova dei
fatti giuridici..., cit., p. 408; ANDRÉS IBÁÑEZ, A argumentação probatória e sua expressão na sentença...,
cit., 47.

494

WRÓBLEWSKI, Legal decision and its justifications…, cit., p. 412.

495

Razonamiento jurídico..., cit., p. 89.

496

CANZIO, Prova scientifica, ricerca della ‘verità’ e decisione giudiziaria nel processo penale..., cit., p. 79.

497

ATIENZA, Razonamiento jurídico..., cit., p 210.


498

La prova dei fatti giuridici..., cit., p. 409.

499

Como bem observa Magalhães Gomes Filho (Princípios gerais da prova..., cit., p. 43), “O Código de 1941, ao
prever que na sentença o juiz indique singelamente ‘os motivos de fato’ (art. 381, III), não atende
completamente ao sentido daquela garantia essencial ao exercício da função jurisdicional, deixando
pouco claro o conteúdo da exigência de justificação em relação ao juízo sobre os fatos”. E, noutra obra
(MAGALHÃES GOMES FILHO, A motivação das decisões penais..., cit., p. 242), complementa explicando
que a motivação “não objetiva simplesmente indicar os motivos – no sentido de antecedentes causais –
para explicar a decisão, mas dar razões que justifiquem a solução encontrada num contexto
intersubjetivo” (destaques no original). Por sua vez, Ávila (Teoria da prova..., cit., p. 126-127) refere-se ao
critério da abrangência ou completude dos meios de prova, que serve para “determinar se todos os dados
relevantes foram devidamente selecionados, apresentados e interpretados. [...] O referido critério, pois,
não apenas investiga  o que foi  considerado e  como foi  considerado; indaga também o que  não
foi  considerado. Sua função precípua é a de avaliar como se situam os meios de prova considerados
perante outros meios de prova que deixaram de ser considerados, mas que, se tivessem sido devidamente
considerados, poderiam alterar ou mesmo infirmar a conclusão havida como comprovada. Por isso se
afirma: Assim, uma investigação factual intensa não pode ser limitada à questão de saber se um dado fato
é correto ou se em razão dele a decisão parece ser coerente. Em vez disso, é preciso determinar se a
decisão que produz consequências legais é suportada pela  totalidade  dos fatos. Isso inevitavelmente
implica examinar não apenas os fatos em que tal decisão se baseia ou que tenham sido por ela
apresentados, mas também considerar a relevância dos fatos que podem ter sido omitidos ou que não lhe
tenham servido de base, o modo como os fatos utilizados foram selecionados, apresentados e
interpretados e como seu valor probatório pode ser comparado com o de outros fatos”.

500

Evidente que não é suficiente o juiz dizer que da análise da prova se convenceu num ou noutro sentido.
Motivar é indicar o porquê! Como bem explica José Carlos Barbosa Moreira (O que deve e o que não deve
figurar na sentença. Temas de direito processual: oitava série. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 121) quanto à
profundidade da valoração do juízo de fato, “devem ser evitadas referência genéricas e não justificadas do
tipo: “‘a prova produzida pelo autor não convence’. Com isso o juiz de maneira alguma se desincumbiu do
dever de motivar: ele tem de explicar por que não lhe pareceu convincente a prova produzia pelo autor.
Analogamente, quando o juiz afirma: ‘as alegações do réu não ficaram comprovadas’, ele precisa
demonstrar que isso realmente aconteceu; se as provas produzidas pelo réu não o convenceram, que ele
exponha os motivos pelos quais não ficou convencido”.

501

SAMMARCO. Metodo probatorio e modelli di ragionamento..., cit., p. 253. O CPP italiano, em seu art. 546,
letra e elenca, entre os requisitos da sentença “l’indicazione delle prove poste a base della decisione stessa
e l’enunciazione delle razione per le quali il giudice ritiene non attendibili le prove contrarie”. No mesmo
sentido, considerando ser essa uma decorrência do direito à prova: FERRER BELTRÁN, La valoración
racional de la prueba…, cit., p. 57. Na doutrina nacional, considerando que a mesma exigência decorre do
art. 93, inc. IX, da Constituição: MAGALHÃES GOMES FILHO, A motivação das decisões penais..., cit., p.
149, Idem, Princípios gerais da prova..., cit., p. 43.

502

Sobre as três etapas que se sucedem na atividade de valoração da prova: (i) confirmação; (ii) falsificação;
(iii) definição comparativa, cf., supra, item 3.5.

503

SANTORIELLO, Ciro. Motivazione (controlli sulla). Digesto delle discipline penalistiche. Torino: Utet,
aggiornamento , 2008. t. II. p. 700.

504

“Carpintaria” da sentença penal (em matéria de fato)..., cit., p. 151.

© desta edição [2019]


2020 - 10 - 16 PÁGINA VII
Epistemologia Judiciária e Prova Penal - Ed. 2019
CONCLUSÕES

Conclusões

Ao longo do trabalho, para permitir um melhor encadeamento lógico, foram formuladas


conclusões parciais ao final dos diversos tópicos. Não é o caso de reproduzi-las nesse momento.
Assim, no encerramento da pesquisa, e a título de síntese, serão sumariadas e enunciadas apenas
as conclusões que nos parecem fundamentais para que o leitor compreenda a proposta de
epistemologia judiciária formulada para o processo penal:

1 – O processo penal é o instrumento legal para a verificação de uma imputação, na qual se


atribui a alguém a prática de um fato definido como crime e, em caso de conclusão positiva, de
imposição de uma sanção, legitimando o exercício do poder punitivo.

2 – O resultado do processo penal somente será justo e legítimo se respeitadas três condições
necessárias, cada uma seja insuficiente por si só: um correto juízo sobre os fatos, com uma
reconstrução dos fatos conforme ocorreram; um correto juízo de direito, com uma acertada
interpretação da lei e aplicação da norma aos fatos; e, por fim, o funcionamento do instrumento
processual, respeitando direitos e garantias das partes, com estrita observância do rito legal.

3 – A imparcialidade do juiz é uma condição essencial para o exercício da função jurisdicional e


também para um correto juízo de valor sobre as provas. As partes são as titulares do direito à
prova e os sujeitos principais da sua produção. O juiz pode ter poderes instrutórios supletivos e
complementares ao direito à prova das partes, não perdendo a sua imparcialidade se, no curso do
processo, se limitar a determinar a produção do meio de prova correspondente a uma fonte de
prova relevante já existente, para esclarecer alegações dos fatos imputados pelo acusador ou
alegados pela defesa. A imparcialidade do juiz é uma garantia processual epistemologicamente
positiva, e a existência de poderes instrutórios do juiz fortalece a busca da verdade em caso de
insuficiência da atividade das partes.

4 – O contraditório é uma garantia constitucional fundamental, que integra o próprio conceito


de processo. Permitindo o funcionamento de uma estrutura dialética no desenvolvimento da
atividade das partes, o contraditório tem uma relevantíssima função heurística. É necessário
jurídica e epistemologicamente.

5 – A presunção de inocência é uma escolha política, orientada pela preservação da liberdade


como valor fundamental do ser humano. A presunção de inocência define como o juiz deve decidir
em caso de dúvida sobre fato relevante: aplicando o in dubio pro reo. Trata-se, portanto, de
garantia epistemologicamente neutra, pois o problema epistêmico já estará superado, em sentido
negativo. Por outro lado, ao implicar um standard de prova elevado, a presunção de inocência
interfere no tema epistemológico da definição do que é necessário para considerar um fato
verdadeiro.

6 – A motivação das decisões judiciais é uma garantia processual que legitima a atividade
jurisdicional, bem como um potente instrumento de controle da valoração da prova. O dever de
motivar exige que o juiz adote critérios racionais de valoração da prova, pois, desse modo, a
posterior justificação de suas escolhas poderá ser explicada de maneira acessível a todos. É uma
garantia processual e epistemologicamente positiva.

7 – O duplo grau de jurisdição, ao possibilitar o controle intersubjetivo do juízo de fato e, em


especial, da valoração da prova, favorece a justiça da decisão e a sua correção. Além de ser uma
garantia processual do acusado, o duplo grau de jurisdição é de um potente mecanismo
epistêmico.

8 – A duração razoável do processo, desde que se aceite a premissa de que a verdade é uma
condição necessária para a decisão justa, e que ela deve estar fundada em provas, é uma garantia
processual que protege a verdade. Garantir uma razoável duração do processo é dar tempo para
obtenção do conhecimento verdadeiro, impedindo que, sob a justificativa da necessidade de
soluções imediatistas e de urgência, haja um julgamento sem a adequada e correta reconstrução
dos fatos.

9 – A busca da verdade é compatível com o processo penal acusatório, desde que seja entendida
como uma verdade cujo conhecimento estará inevitavelmente condicionado à falibilidade dos
meios de reconstrução histórica, e que deve ser obtida respeitando as regras e as garantias
processuais.

10 – O fato que integra o objeto do processo penal é um acontecimento histórico, um trecho da


realidade que será recortado a partir de sua repercussão, considerando um específico tipo penal e
os seus elementos. O seu ingresso no processo penal se dará por meio da imputação penal.

11 – O objeto da prova não é o fato concreto em si, mas uma afirmação sobre os fatos. O que
será provado como verdadeiro ou falso será a afirmação do fato e não o fato em si.

12 – No processo penal, a verdade deve ser concebida segundo a teoria da correspondência. A


realidade deve ser o critério de verdade. É necessário que haja uma relação de correspondência
entre uma entidade linguística (o enunciado que contém o fato a ser provado) e uma entidade
extralinguística (o fato real objeto do julgamento).

13 – Partindo de um conceito de verdade como correspondência, não há que se cogitar de uma


verdade aproximativa ou “graus” de verdade. O que é relativo ou limitado é o conhecimento sobre
a verdade do enunciado, mas não a verdade em si.

14 – Na epistemologia judiciária, não é correto caracterizar o raciocínio probatório do juiz, na


sentença, como sendo dedutivo. Não há uma premissa geral, de caráter universal e verdadeira, à
qual se possa aplicar outra premissa concreta e particular, que permita se obter uma conclusão
também verdadeira sobre os fatos.

15 – No campo da prova judicial, o juiz se vale basicamente de um raciocínio indutivo. O juízo


fundado sobre prova é logicamente incerto. Nenhuma prova poderá dar a certeza ao julgador,
somente tornando mais ou menos provável o juízo de culpabilidade, sem implicá-lo como absoluto
ou necessariamente certo.

16 – Na ciência atual, não há conhecimento universal e absoluto, mas apenas probabilidades.


Uma lei científica deve ser submetida à verificação, mediante testes repetidos e sucessivos,
passando assim por um método de falsificabilidade. As leis científicas que se fundam numa
elevada probabilidade podem ser utilizadas como lei geral de cobertura para justificar um
raciocínio inferencial.

17 – As máximas de experiência extraíveis do senso comum e os próprios conhecimentos do


senso comum são fundados em generalizações plausíveis, com base em observação do id quod
plerumque accidit. Podem ser utilizadas no raciocínio probatório inferencial, desde que gerem
conhecimentos atendíveis e adequados ao caso concreto, devendo ser claramente indicadas na
fundamentação da decisão, pois constituirá uma das premissas da justificação externa da sentença

18 – O processo compreende uma atividade cognitiva, realizada com base nas provas
produzidas, para a verificação da veracidade ou falsidade dos enunciados fáticos formulados pelas
partes. A impossibilidade de se atingir o conhecimento total da verdade não retira a importância
de trabalhar com um modelo de aplicação da teoria do conhecimento ao campo do processo penal.
19 – A verdade sobre os enunciados fáticos é uma das condições necessárias para a justiça da
decisão, ao permitir um correto juízo de fato, estabelecendo qual afirmativa fática deve ser
considerada como verdadeira, e sobre qual haverá a subsunção da hipótese legal aplicável ao caso
concreto.

20 – A Epistemologia Judiciária se assenta em uma concepção racionalista, fundada nas


seguintes premissas: a epistemologia é cognitivista ao invés de cética; a teoria da verdade como
correspondência é preferível à teoria da verdade como coerência; o modelo de tomada de decisão
deve ser racional; o modelo de raciocínio para tanto é o indutivo; e a busca da verdade é um meio
para a decisão justa, tendo um valor elevado, ainda que não insuperável.

21 – A Epistemologia Judiciária tem a finalidade de aplicar conceitos e instrumentos


epistemológicos no contexto judicial, para que o processo seja um instrumento cognitivo. Com isso,
os instrumentos utilizados para a produção da prova, sua valoração e a decisão final terão padrões
lógicos e racionais que permitirão um controle intersubjetivo, limitando a discricionariedade do
juízo de fato e, consequentemente, o abuso do poder punitivo estatal.

22 – A Epistemologia Judiciária não almeja que o processo seja caracterizado como um “ótimo
epistêmico”, transformando-o no melhor modelo de descoberta da verdade. As regras e os critérios
epistêmicos devem ser aplicados respeitando outros valores igualmente relevantes para o
processo, especialmente aqueles que compõem o devido processo legal, ainda que em alguma
medida sejam, até mesmo, antiepistêmicos.

23 – A distinção comum no âmbito do conhecimento científico entre o contexto da descoberta e


o contexto da justificação é útil para a Epistemologia Judiciária, mas precisa de adaptações para
servir como modelo de análise do conhecimento sobre os fatos a serem obtidos no âmbito
processual.

24 – O modelo proposto de Epistemologia Judiciária apresenta uma sequência subdividida em


cinco contextos: (i) contexto da investigação; (ii) contexto da instrução; (iii) contexto da valoração;
(iv) contexto da decisão; e (v) contexto da justificação.

25 – No contexto da investigação, prevalece um raciocínio abdutivo, por meio do qual o


investigador deverá, diante dos elementos iniciais disponíveis, elaborar uma hipótese explicativa
para o fato, e depois submetê-la a testes ante a descoberta de novos elementos, que poderão
confirmá-la ou, caso não resista a esses novos dados, levar à elaboração de uma nova hipótese de
trabalho.

26 – O contexto da instrução envolve a produção dos elementos de prova que serão


posteriormente valorados para a decisão. Trata-se de momento em que há forte presença de regras
legais de admissão e produção de prova. A exigência legal de que as provas sejam produzidas em
contraditório constitui uma importante garantia epistemológica, por permitir o funcionamento de
um mecanismo dialético.

27 – Do ponto de vista epistêmico, quando se busca acertar a verdade de um enunciado fático,


deve se poder utilizar todas as informações úteis para tal finalidade, segundo o princípio
benthamiano da total evidence principle. O processo, contudo, se sujeita a limites legais de
admissibilidade da prova de naturezas lógica, política e epistemológica.

28 – Os limites lógicos de admissibilidade da prova cumprem funções lógicas e epistemológicas.


Do ponto de vista lógico, a não admissão de provas manifestamente impertinentes ou irrelevantes
evita ingresso de material inútil. São epistemologicamente positivos, ao defender a admissão de
toda prova pertinente e relevante, assegura-se potencialmente o ingresso de tudo o que possa
colaborar para a reconstrução dos fatos.

29 – Os limites políticos extraprocessuais, ou regras de inadmissão da prova, justificam a


exclusão de provas ilícitas, com a eliminação de material probatório que ostente potencial
cognitivo, dificultando o atingimento do objetivo de uma correta reconstrução histórica dos fatos.
30 – A regra de exclusão da prova ilícita é antiepistêmica, mas atende a outras finalidades do
ordenamento jurídico, como de preservação de liberdades públicas asseguradas
constitucionalmente, normalmente ligadas à proteção da privacidade e da intimidade, bem como
de respeito de garantias do devido processo legal.

31 – Os limites epistemológicos de admissibilidade da prova visam assegurar que não


ingressem no processo elementos de provas que, embora relevantes e dotados de elevado
potencial persuasivo, poderiam gerar uma inexata reconstrução histórica dos fatos. Porém, sem
uma definição clara de tais limites, o legislador muitas vezes pode criar regras epistemicamente
contraproducentes. Sob a justificativa de melhorar a qualidade do material probatório a ser
valorado, impede-se, equivocadamente, a utilização de informações úteis que, além de não
comprometer a busca da verdade, poderiam favorecê-la.

32 – O contexto da valoração é o ponto culminante da atividade probatória. Com a adoção do


princípio do livre convencimento, o legislador não estabelece qual modelo de valoração da prova
deve ser utilizado pelo juiz. Esse é o campo em que a Epistemologia Judiciária mais tem a
colaborar com o processo, fornecendo um método racional de valoração da prova, que possibilite
um controle intersubjetivo do juízo de fato e, consequentemente, limite o arbítrio judicial.

33 – Sob o enfoque da hipótese fática a ser provada, o procedimento de valoração da prova


pode ser dividido em três etapas que se sucedem em relação de prejudicialidade: (i) confirmação;
(ii) falsificação; e (iii) definição comparativa.

34 – O resultado da atividade de valoração da prova probatória, baseado em um raciocínio


indutivo, somente permitirá um conhecimento probabilístico, mas nunca uma certeza lógica.

35 – Os métodos probabilísticos, de natureza bayesiana, tanto na modalidade de probabilidade


estatística quanto como probabilidade subjetiva, são inadequados para o raciocínio judicial.

36 – A probabilidade estatística é uma probabilidade de eventos que despreza os elementos


concretos do caso e, principalmente, as provas produzidas. Além disso, a probabilidade estatística
permite determinar a frequência com que um tipo de fenômeno se verifica, num total de uma
classe mais geral, mas não se consegue estabelecer a probabilidade de ocorrência de uma hipótese
concreta que se pretende verificar.

37 – A probabilidade subjetiva é uma probabilidade de proposições que busca estabelecer qual


“grau de crença” é racional ter em uma hipótese, dado um elemento de julgamento. Sua
inadequação ao raciocínio judicial decorre do fato de que uma crença inicial deverá ser
arbitrariamente escolhida pelo juiz, fazendo com que julgadores distintos cheguem a resultados
diversos. Isso porque a probabilidade subjetiva visa apenas demonstrar a racionalidade da
mudança de crença, em razão de um determinado elemento novo, que não fora considerado
anteriormente. Ela permite extrair conclusões coerentes a respeito do juízo de partida (da crença
inicial), qualquer que seja ela. Não é isso que faz um juiz.

38 – O melhor método para a valoração da prova judicial é o da probabilidade indutiva ou


lógica, de tipo baconiano, nos moldes expostos por Jonathan Cohen. Trata-se de uma probabilidade
não matemática, baseada no método de induções eliminativas. Com base nos elementos
disponíveis, o juiz valora o grau de suporte que o meio de prova dá para uma hipótese sobre um
evento particular e desconhecido. A força da inferência vai aumentando à medida que a hipótese
vai superando os controles probatórios elaborados para falseá-la, o que aumenta a sua
probabilidade.

39 – A inferência probatória a ser realizada na valoração da prova deve seguir, com adaptações,
o modelo de argumentação de Toulmin, aplicando-se as noções fundamentais de proponente e
oponente, atuando numa estrutura dialética, em que o raciocínio se desenvolve a partir de
interações nas quais se apresentam pretensões (clains), razões (grounds), garantias (warrants) e
apoio (backings). Além disso, a força da conclusão dependerá dos qualificadores modais (qualifiers)
aplicáveis, bem como será possível excluir a própria conclusão, se estiverem presentes as
condições de refutação (rebuttals).

40 – A “Inferência para a Melhor Explicação” (Inference to the Best Explanation) não é


adequada como modelo de inferência probatória para o processo penal. Trata-se de um processo
inferencial complexo, que consiste em elencar, entre diferentes hipóteses explicativas em disputa,
qual delas explica os fatos de melhor modo. O procedimento se baseia num raciocínio abdutivo
para buscar a hipótese mais plausível. Não há um parâmetro único para definir como considerar
uma hipótese “a melhor”. O método é inadequado para representar o modelo de raciocínio ao
processo penal, em que não basta escolher a melhor e mais plausível hipótese, tendo em vista o
standard probatório bastante elevado que não se contente apenas com a melhor hipótese, mas
com a hipótese que seja probabilissimamente correta.

41 – O contexto da decisão envolve, depois de valorado o material probatório, definir se o grau


de probabilidade atingido satisfaz ou não o standard de prova necessário para que se considere
provada a proposição fática em questão. Caso não tenha sido atingido o standard de prova, o fato
será considerado não provado, devendo ser aplicada a regra do ônus da prova, no processo penal
identificada como o in dubio pro reo.

42 – A Epistemologia Judiciária deve fornecer standards de prova para que um conhecimento


baseado em provas seja considerado verdadeiro. O standard de prova deve ser objetivo ou, ao
menos, intersubjetivamente controlável. No caso do processo penal, o standard de prova deve
verificar quanto de suporte que a prova confere à proposição fática, para lhe dar corroboração. É
epistemologicamente inaceitável um standard de prova que se baseie no grau de crença subjetiva
do julgador.

43 – O standard de prova de convicção da culpabilidade “além da dúvida razoável” é


inaceitável, por ser fundado na crença subjetiva do juiz e não no grau de corroboração que a
prova confere à hipótese. Além disso, é vago e incontrolável, por se valer da noção de
razoabilidade da convicção.

44 – O standard de prova deve ser compatível com o método de valoração utilizado. A


probabilidade indutiva, do tipo baconiana, não trabalha com valores quantificáveis, mas com o
grau de suporte que a prova conferiu à hipótese fática prevalecente, fazendo com que o standard
de prova também não se expresse em termos numéricos.

45 – Em substituição ao beyond a reasonable doubt, e de acordo com o modelo de valoração


defendido na obra, propõe-se o seguinte standard de prova para a condenação no processo penal:
a) há elementos de prova que confirmam, com elevadíssima probabilidade, todas as proposições
fáticas que integram a imputação formulada pela acusação; e b) não há elementos de prova que
tornem viável ter ocorrido fato concreto diverso de qualquer proposição fática que integra a
imputação.

46 – O standard de prova não se confunde com o ônus da prova, embora sejam temas
interligados. Na dinâmica probatória, o problema do standard de prova antecede e condiciona o
emprego do ônus da prova. O standard de prova define o que é necessário para que uma
proposição fática seja considerada provada. Uma vez não atingido esse nível probatório, haverá
dúvida e, portanto, deverá ser aplicado o ônus da prova como regra de julgamento, que define
como o juiz deve julgar no caso de dúvida.

47 – Como decorrência da garantia constitucional da presunção de inocência, no processo


penal, todo o ônus da prova incumbe à acusação, razão pela qual, havendo dúvida sobre qualquer
fato penalmente relevante, que integre a imputação, o acusado deverá ser absolvido, com base no
in dubio pro reo.

48 – Sob o enfoque da Epistemologia Judiciária, a motivação das decisões judiciais é


fundamental, não só por permitir identificar e controlar as etapas do processo de valoração da
prova realizada pelo juiz, mas também porque o dever de motivar impõe ao julgador, já no
contexto da valoração, a adoção de um método racional, que lhe possibilitará, posteriormente, a
justificação de suas escolhas.

49 – É correto distinguir a justificação interna da justificação externa.

50 – A justificação interna diz respeito à validade das inferências feitas, a partir das premissas,
para se chegar à decisão judicial, tomada como conclusão daquelas. O esquema teórico da
justificação interna de uma decisão judicial se configura como um silogismo decisório, que
apresenta a forma dedutiva, em que a premissa maior é constituída pela norma que o juiz
considera aplicável aos fatos do caso; a premissa menor é constituída por um enunciado sobre os
fatos que têm por objeto uma ação que pertence à classe das ações previstas na norma; e a
conclusão adscreve a consequência jurídica prevista na norma para a ação objeto do juízo.

51 – A justificação externa tem por finalidade estabelecer a solidez das premissas utilizadas da
justificação interna. A premissa menor trata do grau de probabilidade de que seja verdadeira a
premissa menor sobre os fatos. A inferência probatória realizada pelo julgador consistirá na
premissa menor do silogismo interno da sentença penal.

52 – A justificação interna deve considerar todas as hipóteses fáticas e os elementos de


confirmação e de falsificação das hipóteses em disputa. O juiz deve fundamentar as escolhas
realizadas durante a valoração da prova, indicando o método empregado e as razões de seu
convencimento, levando em conta todo o material probatório utilizado no contexto da valoração.
O juiz deverá indicar com base em quais meios de prova considerou comprovadas as alegações
fáticas em que se baseou sua decisão, expondo as inferências que foram formuladas e os critérios
empregados para extrair as conclusões probatórias. Deverá, também, justificar as razões pelas
quais considerou que os elementos que davam suporte para afirmações fáticas antagônicas ou
diversas não foram suficientes para que tais hipóteses fossem consideradas provadas. E caso
restem hipóteses diversas alternativas, deverá justificar porque a hipótese acusatória atingiu o
standard de prova necessário para a condenação. Caso contrário, deverá absolver o acusado.

© desta edição [2019]


2020 - 10 - 16 PÁGINA VIII
Epistemologia Judiciária e Prova Penal - Ed. 2019
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© desta edição [2019]

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