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Matheus Dantas Vilela

STANDARDS PROBATÓRIOS E
PROCESSO PENAL
EM BUSCA DE UM MÉTODO DE CONTROLE INTERSUBJETIVO
DO JUÍZO FÁTICO DA SENTENÇA PENAL

Editora Metrics
Santo Ângelo – Brasil
2023
Copyright © Editora Metrics

Imagem da capa: Pixabay


Revisão: O autor

CATALOGAÇÃO NA FONTE
V699s Vilela, Matheus Dantas
Standards probatórios e processo penal [recurso
eletrônico] : em busca de um método de controle
intersubjetivo do juízo fático da sentença penal / Matheus
Dantas Vilela. - Santo Ângelo : Metrics, 2023.
84 p.

ISBN 978-65-5397-082-3
DOI 10.46550/978-65-5397-082-3

1. Processo penal. 2. Sentença penal. I. Título

CDU: 343.1
Responsável pela catalogação: Fernanda Ribeiro Paz - CRB 10/ 1720

2022
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Dra. Waldimeiry Corrêa da Silva ULOYOLA, Sevilha, Espanha

Este livro foi avaliado e aprovado por pareceristas ad hoc.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................11

Capítulo 1 - FUNDAMENTOS DO PROCESSO PENAL......15


1.1 Princípio da necessidade e instrumentalidade
constitucional.............................................................................15
1.2 A natureza jurídica do processo penal...................................18
1.3 A base principiológica do modelo constitucional de processo
penal..........................................................................................25

Capítulo 2 - A PROVA NO PROCESSO PENAL.....................29


2.1 Conceito e funções da prova no processo penal....................29
2.2 O modelo constitucional de produção probatória no processo
penal..........................................................................................31
2.3 O ônus da prova no processo penal......................................33
2.4 A questão da “verdade” no processo penal.............................37

Capítulo 3 - A SENTENÇA NO PROCESSO PENAL.............41


3.1 Conceito, classificações e aspectos formais da sentença
penal..........................................................................................41
3.2 A correlação entre acusação e sentença penal........................44
3.3 A valoração probatória pela sentença penal...........................46
3.4 O princípio da fundamentação das decisões judiciais no
controle da racionalidade da sentença penal................................50
Matheus Dantas Vilela

Capítulo 4 - STANDARDS PROBATÓRIOS E PROCESSO


PENAL......................................................................................55
4.1 Afinal, o que é um standard probatório?...............................55
4.2 Os standards probatórios no percurso do processo penal.......58
4.3 Os diferentes nivelamentos dos standards probatórios das
sentenças judiciais......................................................................63
4.4 A aplicação do standard probatório no controle intersubjetivo
do juízo fático da sentença penal................................................69

CONCLUSÃO..........................................................................75

REFERÊNCIAS........................................................................79

SOBRE O AUTOR...................................................................85
INTRODUÇÃO

A denúncia e queixa-crime, materializadoras da pretensão


acusatória, tratam-se das peças que visam inaugurar o
processo penal e que realizam a invocação da prestação jurisdicional,
sendo consubstanciadas no ato de imputação jurídico-penal por
meio da individualização dos fatos e da respectiva tipificação. As
exordiais acusatórias são as principais peças do processo penal, pois,
em razão de delimitar o âmbito da sentença penal ao individualizar
os fatos e a capitulação jurídica que serão os objetos da decisão,
apresenta a hipótese acusatória, consagrando a matéria sobre a
qual irá se desenvolver toda a atividade dos sujeitos processuais ao
longo do processo penal, especialmente no que se refere à produção
probatória.
A prova no processo penal possui como finalidades a
persuasão do julgador e, especialmente, a reconstrução de um
suposto fato pretérito que é narrado e delimitado pela exordial
acusatória e que, por mais robusto e vigoroso que seja o resultado
probatório, jamais atingirá a “verdade”, mas sim uma menor ou
maior proximidade do ocorrido. A sentença penal, por outro lado, é
a decisão judicial proferida após o término da produção probatória
e que tende a finalizar a relação processual, julgando procedente ou
improcedente a pretensão acusatória, sendo nela em que o estado-
juiz conclui se os elementos cognitivos produzidos sob a luz da
estrutura dialética do contraditório foram suficientes para destituir
o estado de inocência do acusado e autorizar a imposição da pena.
Nesse sentido, o juízo fático da sentença penal é elaborado
a partir de circunstâncias oscilatórias, possuindo como um de
seus principais aspectos o fato de corresponder a um raciocínio
empregado diante de posicionamentos e elementos cognitivos
antagônicos. Devido à compreensão equivocada da “liberdade” na
valoração das provas e o abuso do subjetivismo, enfraquecendo o
12
Matheus Dantas Vilela

dever de fundamentação das decisões judiciais, é desenvolvida a


construção teórica dos standards probatórios. Nessa perspectiva,
busca-se analisar se os standards probatórios, enquanto são modelos
de constatação que indicam o nível de suficiência probatória
exigido para que um enunciado fático seja considerado provado no
âmbito do processo, podem propiciar critérios para uma valoração
racional da prova, viabilizando uma estruturação ao dever de
fundamentação das decisões judiciais e estabelecendo parâmetros e
controle do juízo fático da sentença penal.
Assim, a presente pesquisa visou responder a seguinte
indagação: os standards probatórios podem fornecer um método de
controle intersubjetivo do juízo fático da sentença penal?
Pala análise preliminar da problemática, a hipótese fixada foi
que, apesar dos standards probatórios não apresentarem um método
infalível e não eliminarem todo os espaços de discricionariedade
e subjetividade na definição do juízo fático das decisões judiciais,
mas colocam limites e balizas ao “livre” convencimento do julgador
e propiciam a contenção dos efeitos colaterais que são inerentes a
esse modelo por meio da definição de critérios para uma valoração
racional da prova, fortalecendo o controle intersubjetivo.
Para responder ao problema e verificar a hipótese suscitada,
o método empregado nesta pesquisa consistiu na análise crítica
acerca da bibliografia especializada sobre o tema, desenvolvendo-
se, para tanto, 04 (quatro) capítulos.
O primeiro capítulo corresponde aos fundamentos do
processo penal, sendo consubstanciado no marco teórico para
o enfrentamento do problema e que reflete em todo o trabalho
desenvolvido. Dessa maneira, parte-se da compreensão de que o
fundamento da existência do processo penal é a efetivação dos
direitos e garantias fundamentais, correspondendo à Teoria da
instrumentalidade constitucional de Aury Lopes Jr.. A natureza
jurídica do processo penal, por sua vez, é entendida pela leitura
conjunta da Teoria do procedimento em contraditório, de Elio
Fazzalari, e da Teoria da situação jurídica, de Werner Goldschimidt.
13
Standards Probatórios e Processo Penal

Ao final, é estabelecida a base principiológica do modelo


constitucional de processo penal.
No segundo capítulo é elaborada as bases de uma teoria
geral da prova no processo penal. Inicialmente, é estabelecido o
conceito e a funções da prova no processo penal. Em seguida, o
modelo constitucional de produção probatória no processo penal
à luz do sistema acusatório. Ademais, é abordado o ônus da prova
no processo penal e sua vinculação ao princípio da presunção de
inocência. Por fim, é analisada a questão da “verdade” no processo
penal.
Já no terceiro capítulo, aborda-se a sentença e suas
características no processo penal. Primeiramente, é determinado
seu conceito, suas diferentes classificações e os aspectos formais
enquanto decisão judicial. Posteriormente, é analisada a regra da
correlação entre acusação e sentença fundada por força do sistema
acusatório e dos princípios do contraditório, da inércia da jurisdição
e da ampla defesa. Após, examina-se a valoração probatória pela
sentença penal e os principais modelos empregados. Ao fim, é
verificado o papel do princípio da fundamentação das decisões
judiciais no controle da racionalidade da sentença penal, além de
sua relação de co-dependência com o princípio do contraditório.
No último capítulo, após o desenvolvimento das premissas
necessárias para o enfrentamento da problemática, é produzido o
capítulo sobre standards probatórios e processo penal, traduzindo o
principal capítulo da monografia. O primeiro ponto encarrega-se
da elucidação do que consiste um standard probatório. Em seguida,
é averiguada a variação dos standards probatórios no processo penal
em função da fase do procedimento. Além disso, é explorado
os diferentes nivelamentos dos standards probatórios na esfera
jurisdicional de acordo com a matéria ou com a relevância do bem
jurídico em apreço. No epílogo do capítulo, é aferida a aplicação
do standard probatório no controle intersubjetivo do juízo fático
da sentença penal.
Através da estrutura apresentada, pretende-se chegar à
14
Matheus Dantas Vilela

conclusão de que os standards probatórios, caso positivados com


base em aprimorada técnica legislativa, inserido em um contexto de
juízes e tribunais comprometidos com sua função de garantidores
dos direitos e garantias fundamentais, e trabalhado em conjunto
com os princípios do contraditório e da fundamentação das
decisões, poderão servir como método de controle intersubjetivo
do juízo fático da sentença penal.
Capítulo 1

FUNDAMENTOS DO PROCESSO PENAL

1.1 Princípio da necessidade e instrumentalidade


constitucional

O ponto de partida para a devida compreensão do


processo penal contemporâneo diz respeito ao fundamento de sua
existência. O nascimento do processo penal origina-se pela negação
da vingança privada (autotutela) e pela atribuição do monopólio
do poder de punir ao Estado. Assim, a jurisdição passa a ser uma
condição necessária para a existência da pena.
A titularidade exclusiva por parte do Estado do poder de punir
(ou penar, se considerarmos a pena como essência do poder
punitivo) surge no momento em que é suprimida a vingança
privada e são implantados os critérios de justiça. O Estado,
como ente jurídico e político, avoca para si o direito (e o dever)
de proteger a comunidade e também o próprio réu, como meio
de cumprir sua função de procurar o bem comum, que se veria
afetado pela transgressão da ordem jurídico-pena, por causa de
uma conduta delitiva.
À medida que o Estado de fortalece consciente dos perigos
que encerra a autodefesa, assume o monopólio da justiça,
ocorrendo não só a revisão de natureza contratual do processo,
senão a proibição expressa para os particulares de tomar
justiça por suas próprias mãos. Frente à violação de um bem
juridicamente protegido, não cabe outra atividade que não a
invocação da devida tutela jurisdicional.1
Há que se atentar para a existência de uma íntima relação
entre pena e processo penal (meio e fim)2, sendo este uma barreira

1 LOPES Jr., Aury. Fundamentos do processo penal: introdução crítica. 3. ed. São
Paulo: Saraiva, 2017. p. 60.
2 LOPES Jr., Aury. Direito Processual Penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 24.
16
Matheus Dantas Vilela

a ser superada para a legítima imposição da pena. Nesse sentido,


além do delito como requisito, a pena exige o percurso do processo
penal, bem como a observância à todas as regras do devido processo
legal, para a genuína produção de seus efeitos, pois, de maneira
oposta ao que ocorre no direito privado, o direito penal não é auto
executável3. Logo, não há que se falar em pena sem prévio processo.
É por tal motivo que neste campo vige o princípio da necessidade
(nulla poena et nulla culpa sine judicio), tendo em vista que “o
processo penal é o caminho necessário para a pena”4.
Dissertando muito bem sobre o tema, Vinicius Gomes de
Vasconcellos indica, com a capacidade de síntese que lhe é particular,
que
O fundamento do processo penal, sua razão de existir, é o
reconhecimento de que, em um Estado democrático de direito,
uma sanção penal (especialmente, prisão) somente pode ser
imposta após a obtenção de uma condenação definitiva com
total respeito às regas do devido processo legal. E, assim, ele
adquire o sentido de ser um instrumento de limitação do poder
punitivo ao condicionar a aplicação de uma sanção penal
ao seu transcorrer e encerramento, em respeito às regras do
devido processo.5
Do ponto de vista da normatização positivada, Luigi
Ferrajoli aponta para o fato de que a cláusula da submissão da pena
à jurisdição foi prevista pela primeira vez em um diploma legal
no parágrafo 39 da Magna Charta Libertatum6. No ordenamento
jurídico brasileiro esse entendimento foi acolhido pela CRFB/1988
ao estabelecer no art. 5º, inciso LIV, que “ninguém será privado da

3 LOPES Jr., Aury. Fundamentos do processo penal: introdução crítica. 3. ed. São
Paulo: Saraiva, 2017. p. 61.
4 LOPES Jr., Aury. Direito Processual Penal. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 34.
5 VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. Fundamento e função do processo penal: a
centralidade do juízo oral e sua relação com as demais fases da persecução penal para
a limitação do poder punitivo. Revista Eletrônica de Direito Processual - REDP,
Rio de Janeiro, v. 19, n. 2, p. 229-260, mai./ago. 2018. p. 252.
6 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 3. ed. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 433.
17
Standards Probatórios e Processo Penal

liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” 7.


Compreendido que o processo penal é um percurso que
condiciona a existência da pena, percebe-se seu caráter instrumental.
Todavia, afirmar que o processo penal é um instrumento não
corresponde a dizer que esteja exclusivamente vinculado à aplicação
da pena. O conteúdo instrumental do processo penal deve ser visto
à luz do paradigma constitucional, isto é, como um instrumento à
serviço da “máxima eficácia dos direitos e garantias fundamentais da
Constituição”8, pois se trata de um escudo protetor do indivíduo
contra o avanço do exercício punitivo, na medida em que veda
a imposição da pena sem prévio processo e com a observância de
todas as regas do devido processo legal.
a instrumentalidade do processo penal é o fundamento de
sua existência, mas com uma especial característica: é um
instrumento de proteção dos direitos e garantias individuais.
É uma especial conotação do caráter instrumental e que só se
manifesta no processo penal, pois se trata de instrumentalidade
relacionada ao direito penal e à pena, mas, principalmente,
um instrumento a serviço da máxima eficácia das garantias
constitucionais. Está legitimado enquanto instrumento a
serviço do projeto constitucional.9
Ressalta-se que a teoria instrumental do processo penal de
Aury Lopes Jr., compreendida pela sua dupla função - condição
para a existência da pena (princípio da necessidade) e instrumento
de efetivação das garantias constitucionais (instrumentalidade
constitucional) -, não se confunde com a concepção instrumental
de Cândido Rangel Dinamarco10, na qual “o processo seria um
instrumento colocado na mão do julgador para que ele possa resolver

7 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF:


Presidência da República, 1988.
8 LOPES Jr., Aury. Fundamentos do processo penal: introdução crítica. 3. ed. São
Paulo: Saraiva, 2017. p. 66.
9 Ibidem. p. 67-68.
10 SANTIAGO NETO, José de Assis. Estado democrático de direito e processo
penal acusatório: a participação dos sujeitos no centro do palco processual.  2011.
Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais, Belo Horizonte, 2011. p. 30.
18
Matheus Dantas Vilela

a lide e dar ao processo escopos metajurídicos, principalmente a


busca da paz social” 11.
Por fim, vale salientar que já não é mais suficiente a mera
conformidade do processo penal com a constituição para se
alcançar o processo penal democrático. O desafio inclui também
a efetivação da normativa dos tratados internacionais de direitos
humanos, cabendo aos órgãos do poder judiciário mais do que
verificar a constitucionalidade do processo penal, mas também
sua convencionalidade, pois “A Constituição não é mais o único
referencial de controle das leis ordinárias”.12
Desse modo, conclui-se que a instrumentalidade
constitucional constitui o fundamento da existência do processo
penal, pois, além de ser um caminho necessário para a imposição
da pena, é “um instrumento a serviço da realização do projeto
democrático”13.

1.2 A natureza jurídica do processo penal

As teorias acerca da natureza jurídica do processo visam


explicar sua essência e composição enquanto categoria jurídica,
sendo a importância desse estudo consubstanciada no subsídio
fornecido à compreensão estrutural do fenômeno processual. O
primeiro alerta que deve ser apontado refere-se ao fato de que as
teorias da natureza jurídica do processo foram desenvolvidas para
o processo civil ou concepções unitárias do processo, pecando, em
várias formas, no respeito e observância às individualidades do
11 SANTIAGO NETO, José de Assis. A crise existencial do processo penal: entre a
acusatoriedade constitucional e a inquisitoriedade da vida real. In: COUTINHO,
Jacinto Nelson de Miranda; PAULA, Leonardo Costa de; SILVEIRA, Marco Aurélio
Nunes da (org.). Mentalidade inquisitória e processo penal: o sistema acusatório e
a reforma do CPP no Brasil e na américa latina. Florianópolis: Empório do Direito,
2017. p. 174.
12 LOPES Jr., Aury. PAIVA, Caio. Audiência de custódia e a imediata apresentação
do preso ao juiz: rumo à evolução civilizatória. Revista Liberdades – Instituto
Brasileiro de Ciências Criminais, São Paulo, n. 17, p. 11-23, set./dez. 2014. p. 14.
13 LOPES Jr., Aury. Fundamentos do processo penal: introdução crítica. 3. ed. São
Paulo: Saraiva, 2017. p. 64.
19
Standards Probatórios e Processo Penal

processo penal.
Várias teorias da natureza jurídica foram elaboradas na
tentativa de explicar o complexo fenômeno processual14, sejam
de índole jurídica privatista ou pública que usufruem de outros
setores do direito, sejam aquelas que se valem de categorias
jurídicas próprias ou, ainda, sejam teorias mistas15. As teorias de
direito privado constituem uma fase pré-científica do processo,
na qual inexistia autonomia deste em relação ao direito material,
limitando-se a um simples acessório.
O alcance da autonomia científica do processo, abandonando
as amarras do direito material, foi apenas adquirida com a teoria da
relação jurídica de Oskar von Bülow, possuindo como marco a obra
Teoria das exceções processuais e dos pressupostos processuais (1868).
As ideias da teoria da relação jurídica de Bülow encontram-
se presentes na maior parte dos ordenamentos jurídicos e é até
hoje a teoria acerca da natureza jurídica do processo que possui
o maior número de adeptos, tendo sido aperfeiçoada por juristas
como Chiovenda, Carnelutti, Calamandrei e Liebman16. No Brasil
sua forte influência operou-se em razão de Liebman, discípulo de
Chiovenda, ter se refugiado em São Paulo no período da Segunda
Guerra Mundial, tendo lecionado na Universidade de São Paulo
e possuindo entre seus alunos Ada Pellegrini e Candido Rangel
Dinamarco” 17.

14 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. GRINOVER, Ada Pellegrini. DINAMARCO,


Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 18ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p.
278-279.
15 LOPES Jr., Aury. Fundamentos do processo penal: introdução crítica. 3. ed. São
Paulo: Saraiva, 2017. p. 189-190.
16 SANTIAGO NETO, José de Assis. Estado democrático de direito e processo
penal acusatório: a participação dos sujeitos no centro do palco processual.  2011.
Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais, Belo Horizonte, 2011. p. 26.
17 SANTIAGO NETO, José de Assis. A crise existencial do processo penal: entre a
acusatoriedade constitucional e a inquisitoriedade da vida real. In: COUTINHO,
Jacinto Nelson de Miranda; PAULA, Leonardo Costa de; SILVEIRA, Marco Aurélio
Nunes da (org.). Mentalidade inquisitória e processo penal: o sistema acusatório e
a reforma do CPP no Brasil e na américa latina. Florianópolis: Empório do Direito,
2017. p. 174.
20
Matheus Dantas Vilela

Para a teoria da relação jurídica de Bülow, o processo seria


uma relação independente da relação de direito material, possuindo
natureza pública e abstrata, em que os componentes dessa relação
são o autor, o réu e o juiz (actum trium personarum). Segundo
Bülow, a relação jurídica processual é uma relação que dá origem
a direitos e obrigações recíprocas, sendo contínua e progressiva em
razão de caminhar passa a passo e se desenvolver gradualmente18.
Destaca-se que não foi Bülow que introduziu a ideia de
que o processo é uma a relação entre as partes e juiz, tendo outros
autores manifestado essa compreensão anteriormente, a exemplo
de Bulgaro, Hegel e Bethmann-Hollweg19. Na verdade, a obra de
Bülow consiste no estudo dos pressupostos processuais (existência
e validade) a partir da relação entre as partes e o juiz, sendo sua
contribuição a racionalização e sistematização da relação jurídica
processual.
O grande mérito de Bülow foi a sistematização, não a intuição
da existência da relação jurídica processual, ordenadora da
conduta dos sujeitos do processo em suas ligações recíprocas.
Deu bastante realce à existência de dois planos de relações: a
de direito material, que se discute no processo; e a de direito
processual, que é o continente em que se coloca a discussão
sobre aquela. Observou também que a relação jurídica
processual se distingue da de direito material por três aspectos:
a) pelos seus sujeitos (autor, réu e Estado-juiz); b) pelo seu
objeto (a prestação jurisdicional); c) pelos seus pressupostos (os
pressupostos processuais).20
Todavia, o problema da teoria da relação jurídica é que,
com base nesse entendimento de que o processo daria origem a
um conjunto de direitos e obrigações recíprocas, coloca as partes

18 BÜLOW, Oskar Von. Teoria das exceções e dos pressupostos processuais.


Campinas: LZN Editora, 2005. 9 6-7.
19 FILHO, Sylvio Lourenço da Silva. O processo como procedimento em contraditório:
(re)discussão do locus dos sujeitos processuais penais.  2011. Dissertação (Mestrado
em Direito) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2011. p. 51.
20 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. GRINOVER, Ada Pellegrini. DINAMARCO,
Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 18ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p.
280.
21
Standards Probatórios e Processo Penal

em condição de desigualdade, possibilitando que o réu fique


em situação de submissão à vontade do autor pela exigência de
certo comportamento. A teoria da relação jurídica coloca, ainda,
o julgador em posição de proeminência em relação às partes, em
que este seria um “intérprete qualificado dos valores sociais e do
sentimento geral de justiça de seu povo”.21
Lembre-se de que, desde o final do século XIX, a teoria do
processo sofria forte influência do pensamento de Oskar
von Bullow. Com a teoria da relação jurídica, o processo se
configurou a partir dos vínculos subjetivos que se formam
entre as partes e o juiz. Por conseqüência desses vínculos, um
sujeito processual poderia exigir de outro a realização de um
determinado comportamento.
Na relação jurídica, as partes aparecem em condição de
desigualdade. Nela, o réu se sujeita à vontade do autor,
devendo praticar a conduta por ele exigida. E, na relação
jurídica, as duas partes ficam em desvantagem diante do
juiz, representante do Estado, e detentor do poder de dizer
o direito. O papel de proeminência do julgador permite-lhe
impor comportamentos às partes.
No marco teórico da relação jurídica, o processo constitui mero
instrumento de jurisdição e a atividade decisória se legitima na
consciência do julgador. A sua compreensão de vida, o modo
como ele interpreta o fato e apreende os valores sociais são
suficientes para lhe permitir adequar o direito à realidade que
se lhe apresenta, independentemente da manifestação dos
possíveis afetados. Nessa perspectiva, a técnica processual não
contempla a participação dos interessados, assim como a decisão
judicial não passa pelo controle direto dos destinatários.22
Assim, a teoria da relação jurídica mostra-se incompatível
com o paradigma constitucional de racionalização da intervenção
penal. O modelo constitucional de processo penal é pautado
pelo controle do ato decisório para que a imposição da pena seja

21 MARQUES, Leonardo Augusto Marinho. O modelo constitucional de processo


e o eixo estrutural da processualidade democrática. Revista Brasileira de Direito
Processual Penal, Porto Alegre, vol. 2, n. 1, p. 43 - 55, 2016. p. 44
22 Ibidem. p. 45
22
Matheus Dantas Vilela

legítima. É por tal motivo que a teoria do processo como procedimento


em contraditório, de Elio Fazzalari, apresenta-se como adequada ao
modelo garantista de processo penal, pois limita o ato decisório pela
atividade em contraditório das partes. Ademais, esse entendimento
foi acolhido pela CRFB/1988 ao estabelecer no art. 5º, inciso LV,
que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos
acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa,
com os meios e recursos a ela inerentes”23.
A teoria Fazzalari sustenta que o processo seria uma
espécie de procedimento (gênero), sendo que sua definição não se
resume à mera existência de atos concatenados, mas pela presença
do contraditório, fornecendo uma estrutura dialética na qual as
partes, destinatárias do provimento, participam, de maneira efetiva
e, em condições simétricas de paridade, da construção da decisão
jurisdicional.24
A partir da contribuição de Fazzalari, o contraditório
não se resume mais ao binômio informação e reação, passando a
ser qualificado pelo quadrinômio informação, reação, influência e
não surpresa25. No aspecto da influência, o contraditório garante a
efetiva participação das partes na construção das decisões judiciais ao
impor ao juiz, sob pena de nulidade por fundamentação deficiente,
o dever de enfrentar todos os argumentos trazidos ao processo pelas
partes. Já no que se refere à não surpresa, veda que o juiz vá além do
que foi pedido ou que decida a respeito de qualquer questão que
não foi levantada pelas partes no debate em contraditório.
a noção de contraditório desenvolvida por Elio Fazzalari
(1992), que entende o contraditório como posição de simétrica
23 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF:
Presidência da República, 1988.
24 LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo: primeiros estudos. 13ª ed. Belo
Horizonte: Fórum, 2016.
25 SANTIAGO NETO, José de Assis. A crise existencial do processo penal: entre a
acusatoriedade constitucional e a inquisitoriedade da vida real. In: COUTINHO,
Jacinto Nelson de Miranda; PAULA, Leonardo Costa de; SILVEIRA, Marco Aurélio
Nunes da (org.). Mentalidade inquisitória e processo penal: o sistema acusatório e
a reforma do CPP no Brasil e na américa latina. Florianópolis: Empório do Direito,
2017. p. 177-178.
23
Standards Probatórios e Processo Penal

paridade entre os afetados pelo provimento final ou, em outras


palavras, a construção participada da decisão. Ela difere da
noção de contraditório, definida por Scarance Fernandes
(2002), que segue a linha teórica do instrumentalismo, e
estabelece como seus elementos essenciais a necessidade de
informação e a possibilidade de reação.
A partir da compreensão fazzalariana de contraditório, não
se admite entendê-lo de forma limitada como ação e reação
das partes, como mera necessidade de se dizer ou contradizer
o direito em razão do conflito. Como ressalta Gonçalves “o
contraditório não é o ‘dizer’ e o ‘contradizer’ sobre matéria
controvertida, não é a discussão que se trava no processo sobre
a relação de direito material. (...). Essa será a sua matéria, o seu
conteúdo possível”.
Assim, tomando como base a noção de processo como
garantia, o contraditório deve ter seu conceito ampliado, de
modo a ser compreendido como o espaço procedimentalizado
para garantia da participação dos afetados na construção do
provimento. Assim, o contraditório tem como característica o
princípio da influência, no sentido de que as partes têm direito
de influir argumentativamente nas decisões do processo, ou
seja, de influir no desenvolvimento e no resultado do processo.
A influência gera a garantia de não surpresa, ou seja, de não ser
afetado por uma decisão sem participar da sua construção. 26
Contudo, em que pese a teoria do processo como procedimento
em contraditório trazer para o processo penal o conteúdo
democrático, esta é insuficiente ao realizar a leitura da complexa
fenomenologia do processo penal. Assim, a teoria do processo como
procedimento em contraditório necessita ser complementada pela
teoria da situação jurídica de Werner Goldschmidt, devendo ser
pensadas em conjunto27.
A teoria da situação jurídica, de Goldschmidt, possui origem

26 BARROS, Flaviane de Magalhães. MARQUES, Leonardo Augusto Marinho. A


atuação do juiz no contraditório dinâmico: uma análise comparativa entre o sistema
processual penal adversarial chileno e o modelo constitucional de processo brasileiro.
In: POSTIGO, Leonel González (dir.). Desafiando a inquisição: ideias e propostas
para a reforma processual penal no Brasil. Chile: CEJA, 2017. p. 347-348.
27 LOPES Jr., Aury. Direito Processual Penal. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 40.
24
Matheus Dantas Vilela

na obra Teoria do Processo como Situação Jurídica (1925) e enxerga


o processo a partir de uma metáfora da guerra: na qual “os direitos
mais intangíveis se convertem em expectativas, possibilidades
e cargas”, podendo “propiciar ao vencedor o gozo de um direito
que na verdade não lhe corresponderia.”28. A não liberação de
cargas e aproveitamentos das chances conduzem a um provimento
desfavorável, sendo o processo definido por seu caráter instável e
dinâmico, estando inserido em uma lógica de risco e incerteza.
Nessa perspectiva, a grande contribuição da teoria da situação
jurídica de Goldschmidt é o reconhecimento do risco e da incerteza
como algo inerente ao processo, fortalecendo a necessidade de um
sistema de garantias mínimas ao indivíduo submetido à persecução
penal. Sintetizando a relevância do pensamento de Goldschmidt,
Aury Lopes Jr. destaca que
O abandono da equivocada e (perigosamente) sedutora ideia de
segurança jurídica que brota da construção do processo como
relação jurídica estática, com direitos e deveres “claramente
estabelecidos” entre as partes e o juiz. É um erro, pois o
processo se move num mundo de incerteza. Mais, é uma noção
de segurança construída erroneamente a partir da concepção
estática do processo. Não que se negue a necessidade de
“segurança”, mas ela somente é possível quando corretamente
percebido e compreendido o próprio risco. Segurança se
desenha a partir do risco e, principalmente, do risco que brota
da própria incerteza do movimento e da dinâmica do processo.
É segurança na incerteza e no movimento. Logo, o que nos
sobra é lutar pela forma, ou seja, um conceito de segurança
que se estabeleça a partir do respeito às regras do jogo. Essa
é a segurança que se deve postular e construir. Detalhe
importante: obviamente não foi Goldschmidt quem “criou”
a insegurança e a incerteza, mas sim quem as desvelou. Elas
lá sempre estiveram, pois são inerentes ao processo e à justiça.
Houve sim um encobrimento na teoria de Bülow da incerteza
a partir de todo um contexto histórico processual e social. Era
uma visão muito sedutora, principalmente naquele momento

28 FILHO, Sylvio Lourenço da Silva. O processo como procedimento em contraditório:


(re)discussão do locus dos sujeitos processuais penais.  2011. Dissertação (Mestrado
em Direito) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2011. p. 60-61.
25
Standards Probatórios e Processo Penal

histórico. Mas a razão está com Goldschmidt: o processo se


move no mundo de incerteza, onde as chances devem ser
aproveitadas para que as partes possam se liberar das “cargas
probatórias” e caminhar em direção a uma sentença favorável.
A única segurança que se postula é a da estrita observância das
regras do jogo – a forma como garantia – e, mais, anterior a
ela, no conteúdo axiológico da própria regra. 29
Portanto, a teoria do processo como procedimento em
contraditório de Fazzalari fornece o suporte para um processo
penal democrático, mas é insuficiente para a devida compreensão
desse complexo fenômeno, devendo ser pensada em conjunto
com a teoria da situação jurídica de Goldschmidt, reconhecendo o
risco e a incerteza como algo inerente ao processo penal. Dessa
maneira, com base no que foi exposto acima, o processo penal
pode ser compreendido como um procedimento em contraditório
qualificado pelo risco e incerteza.

1.3 A base principiológica do modelo constitucional de


processo penal

A percepção do risco e da incerteza como algo inerente


ao processo penal, além do reconhecimento de a pena privativa
de liberdade ser a forma mais extrema de intervenção do Estado
sob o indivíduo, denota a importância de um sistema de garantias
mínimas que são irrenunciáveis30. Esse sistema de garantias mínimas
é constitutivo das regras do jogo, condicionando a validade da
persecução penal à estrita observância do devido processo legal.
Nesse sentido, Italo Andolina e Giuseppe Vignera elaboram
o modelo constitucional de processo31, cuja formulação concebe a

29 LOPES Jr., Aury. Fundamentos do processo penal: introdução crítica. 3. ed. São
Paulo: Saraiva, 2017. p. 207-209.
30 LOPES Jr., Aury. Direito Processual Penal. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 89-
90.
31 ANDOLINA, Italo; VIGNERA, Giuseppe. I fondamenti constituzionali della
giustizia civile: il modello constituzionale del processo civile italiano. 2. ed. Torino:
Giappichelli, 1997.
26
Matheus Dantas Vilela

processualidade democrática a partir de uma base principiológica


composta pelos princípios do contraditório, ampla argumentação,
fundamentação da decisão e terceiro imparcial. Porém, o modelo
constitucional de processo de Italo Andolina e Giuseppe Vignera foi
construído para o processo civil.
A migração do modelo constitucional processo ao processo
penal foi realizada por Flaviane de Magalhães Barros32, na qual a
implementação parte da premissa de que o modelo originário seria
um macrossistema que se expandiria e adequaria aos microssistemas
processuais. Para a autora, o modelo geral é composto por 03
(três) características que ajustam-se aos microssitemas processuais:
expansividade, variabilidade e perfectibilidade.
a expansividade, que garante a idoneidade para que a norma
processual possa ser expandida para os microssistemas, desde
que mantenha sua conformidade com o esquema geral de
processo; a variabilidade, como a possibilidade de a norma
processual especializar-se e assumir forma diversa em função
da característica específica de um determinado microssistema,
desde que em conformidade com base constitucional; e
por fim a perfectibilidade, como a capacidade do modelo
constitucional aperfeiçoar-se e definir novos institutos por
meio do processo legislativo, mas sempre de acordo com o
esquema geral.33
No que tange ao do processo penal, o macrossistema se
expandiria para incluir os princípios da presunção de inocência e
acusatório, adequando-se, então, ao microssistema.
Destarte, no microcosmos do processo penal, por exemplo,
a base principiológica precisa se expandir para absorver
alguns princípios, como a presunção de não culpabilidade e o
princípio acusatório, sob pena de não haver o aperfeiçoamento
e a especialização mencionados anteriormente.34

32 BARROS, Flaviane Magalhães de Barros. (Re) forma do processo penal: comentários


críticos dos artigos modificados pelas Leis n. 11.690/08, n. 11.719/08 e n. 11.900/08.
2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2009.
33 Ibidem. p. 15
34 MARQUES, Leonardo Augusto Marinho. O modelo constitucional de processo
e o eixo estrutural da processualidade democrática. Revista Brasileira de Direito
27
Standards Probatórios e Processo Penal

Apesar do empenho de Flaviane Magalhães de Barros em


compatibilizar o modelo constitucional de processo de Italo Andolina
e Giuseppe Vignera ao processo penal, e dos posicionamentos no
sentido de que não seria uma reformulação da teoria geral do
processo35, este é insuficiente na definição da base principiológica
do processo penal e, apesar da tentativa, ainda é defeituoso quanto
às especificidades do processo penal, característica de sua mácula
originária.
A construção teórica de Flaviane Magalhães de Barros é
insuficiente pois não compreende uma das faces do fundamento
de existência do processo penal, isto é, que este é um caminho
necessário para a imposição da pena (nulla poena et nulla culpa
sine judicio). Ademais, deixa de fora do núcleo principiológico o
princípio da duração razoável do processo36, que, sem dúvidas, é um
dos alicerces da processualidade democrática, pois “justiça tardia
nada mais é do que injustiça institucionalizada”37.
Por fim, o modelo, nos termos propostos, erra ao realizar a
substituição do princípio da ampla defesa pela ampla argumentação
que, não obstante reforçar a estrutura dialética do contraditório, é
impreciso quanto à amplitude e vigor da defesa no processo penal,
bem como no que se refere aos limites do poder de acusar. À título
ilustrativo aponta-se para a vedação da utilização de provas ilícitas
em desfavor do acusado38 mas para a possibilidade em sua defesa39,

Processual Penal, Porto Alegre, vol. 2, n. 1, p. 43 - 55, 2016. p. 47.


35 SANTIAGO NETO, José de Assis. A crise existencial do processo penal: entre a
acusatoriedade constitucional e a inquisitoriedade da vida real. In: COUTINHO,
Jacinto Nelson de Miranda; PAULA, Leonardo Costa de; SILVEIRA, Marco Aurélio
Nunes da (org.). Mentalidade inquisitória e processo penal: o sistema acusatório e
a reforma do CPP no Brasil e na américa latina. Florianópolis: Empório do Direito,
2017. p. 177.
36 Art. 5º, inciso LXXVIII, da CRFB/1988: “a todos, no âmbito judicial e administrativo,
são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua
tramitação”.  BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Brasília, DF: Presidência da República, 1988.
37 Frase atribuída à Rui Barbosa. 
38 Art. 5º, inciso LVI, da CRFB/1988: “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas
por meios ilícitos”. 
39 Sobre o tema: “Entende-se que o direito de defesa (CF, art. 5°, LV) e o princípio da
28
Matheus Dantas Vilela

além da proibição à dupla persecução penal40.


Desse modo, a base principiológica do modelo
constitucional de processo penal, na linha já assinalado por
Aury Lopes Jr., é composta pelos princípios da jurisdicionalidade
(englobado o princípio da necessidade, imparcialidade, juiz natural
e duração razoável do processo), acusatório, presunção de inocência,
contraditório, ampla defesa, e fundamentação das decisões.41

presunção de inocência (CF, art. 5°, LVII) devem preponderar no confronto com o direito
de punir. De fato, seria inadmissível que alguém fosse condenado injustamente pelo
simples fato de sua inocência ter sido comprovada por meio de uma prova obtida por
meios ilícitos. Noutro giro, ao Estado não pode interessar a punição de um inocente, o que
poderia acarretar a impunidade do verdadeiro culpado. Além disso, quando o acusado
pratica um ato ilícito para se defender de modo efetivo no processo penal, conclui-se que
sua atuação não seria ilícita, eis que amparada pela legítima defesa, daí por que não seria
possível concluir-se pela ilicitude da prova”. LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de
processo penal: volume único. 5. ed. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 642.
40 CRUZ, Rogério Schietti Machado. A proibição de dupla persecução penal. 1. ed.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
41 LOPES Jr., Aury. Direito Processual Penal. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 57-
109.
Capítulo 2

A PROVA NO PROCESSO PENAL

2.1 Conceito e funções da prova no processo penal

O termo prova possui diferentes acepções a depender da


perspectiva de análise, podendo corresponder à fonte de prova,
meio de prova, elemento de prova ou resultado probatório1. Fonte
de prova refere-se aos objetos dos quais se extraem elementos
cognitivos, sendo classificados em fontes pessoais (ex: testemunha,
acusado, vítima) e reais (ex: documentos)2. Os meios de prova,
por sua vez, são os instrumentos utilizados para a obtenção dos
elementos cognitivos, a exemplo do exame de corpo delito e
perícias (arts. 158 a 184 do CPP), interrogatório do acusado (arts.
185 a 196 do CPP), reconhecimento de pessoas e coisas (arts. 226
a 228 do CPP) e demais espécies. Já o elemento de prova é aquele
dado que foi adquirido a partir da aplicação dos meios de obtenção
às fontes. Por fim, o resultado probatório trata-se da valoração dos
elementos de prova pelo órgão julgador3.
Em que pese os diferentes significados que pode possuir, a
prova pode ser compreendida, em linhas gerais, como o meio pelo
qual são produzidos elementos cognitivos no processo, sob a luz da
estrutura dialética do contraditório, que realizam a reconstrução
aproximada de um suposto fato pretérito que é narrado e delimitado
pela exordial acusatória, seja para sua corroboração ou refutação,
e que servem para a formação do convencimento do julgador. A
partir dessa definição chega-se às 02 (duas) funções da prova no

1 POLASTRI, Marcellus. A prova penal. 4. ed. Salvador: Juspodivm, 2018. p. 33.


2 LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único. 5. ed.
Salvador: Juspodivm, 2017. p. 588.
3 POLASTRI, Marcellus. A prova penal. 4. ed. Salvador: Juspodivm, 2018. p. 33-34.
30
Matheus Dantas Vilela

processo penal: recognitiva e persuasiva4.


No sentido da função recognitiva, significa dizer que a
prova tem como finalidade a reconstrução de um fato ocorrido no
passado, atribuindo-se às partes algo parecido com os papéis de
historiadores ao fornecer ao julgador o conhecimento aproximado
do fato histórico.
O processo penal é um instrumento de retrospecção, de
reconstrução aproximada de um determinado fato histórico.
Como ritual está destinado a instruir o julgador, a proporcionar
o conhecimento do juiz por meio da reconstrução histórica de
um fato. Nesse contexto, as provas são os meios através do
quais se fará essa reconstrução do fato passado (crime). O tema
probatório é sempre a afirmação de um fato (passado), não
sendo as normas jurídicas, como regra, tema de prova (por
força do princípio iura novit curia). 5
No aspecto da função persuasiva, consiste em afirmar que a
prova é o meio que as partes se valem para obter o convencimento
do julgador e, consequentemente, conseguir o provimento
jurisdicional em favor de seus respectivos interesses.
Diversamente, para as teorias semióticas ou narrativistas do
processo, a prova serve como um elemento de persuasão para
que cada uma das partes procure convencer o juiz de sua story of
the case. Em tal contexto, a função da prova não é “cognitiva”,
mas sim “argumentativa”.6
Assim, a função da prova deve ser compreendida pelo seu
duplo aspecto e de maneira complementar, ou seja, como meio de
reconstrução de um fato pretérito (recognitiva) e de obtenção do
convencimento do julgador (persuasiva).

4 LOPES Jr., Aury. Direito Processual Penal. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 341-
344.
5 Ibidem. p. 341.
6 BADARÓ, Gustavo Henrique. Ônus da prova no processo penal. São Paulo: RT,
2003. p. 161.
31
Standards Probatórios e Processo Penal

2.2 O modelo constitucional de produção probatória no


processo penal

A definição do modelo constitucional de produção


probatória ocorre pela constatação do sistema processual escolhido
pela carta política do país, podendo ser acusatório ou inquisitório.
Alguns autores declaram existir um sistema misto que consistiria,
em síntese, na fusão de categorias próprias do sistema acusatório
e inquisitório. Todavia, conforme denunciado por Jacinto Nelson
de Miranda Coutinho, todos os sistemas processuais atuais são
mistos, pois não existem sistemas puros, haja vista que são modelos
históricos, isto é, ou o sistema é acusatório com características
secundárias do inquisitório ou o sistema é inquisitório com alguns
institutos identificados no modelo histórico acusatório. Assim,
afirmar que determinado sistema é misto, é o mesmo que não dizer
nada sobre o sistema sob análise.7
De acordo com os ensinamentos de Jacinto Nelson de
Miranda Coutinho, com base na obra Crítica da Razão Pura de
Kant, sistema é “o conjunto de elementos colocados em relação
sob um ideia única” 8. Logo, o ponto de partida para se verificar o
modelo do sistema processual penal é a identificação de seu princípio
unificador. Desse modo, se o princípio unificador do sistema for
o inquisitivo, em que o juiz possui gestão/iniciativa probatória,
o sistema será o inquisitório. Por outro lado, corresponderá ao
sistema acusatório quando o princípio unificador for o dispositivo,
isto é, quando a gestão/iniciativa probatória se tratar de atribuição
exclusiva das partes.9
Para a existência de um sistema acusatório, não basta a mera
separação inicial das funções de acusar e julgar se ao juiz é autorizada
a gestão/iniciativa probatória, fulminando a imparcialidade

7 COUTINHO, Jaciento Nelson de Miranda. Sistema acusatório: cada parte no lugar


constitucionalmente demarcado. Revista de informação legislativa, Brasília, v. 46,
n. 183, p. 103-105, jul./set. 2009.
8 Ibidem. p. 108
9 Ibidem.
32
Matheus Dantas Vilela

pretendida. O contraditório entre as partes e a imparcialidade


do julgador são as pedras de toque para a definição do sistema
processual penal, sendo a separação das funções das funções de
acusar e, por via reflexa, a vedação da iniciativa/gestão probatória
do juiz, constituinte do sistema acusatório.
Não há mais espaço, compreendida a complexidade
do processo penal, voltamos a repetir, para que alguém
se esconda atrás de categorias estéreis e de arqueologia
histórica, desconectando institutos dentro do processo,
compartimentalizando-os. A concepção de sistema acusatório
está íntima e indissoluvelmente relacionada, na atualidade, à
eficácia do contraditório e, principalmente, da imparcialidade
(princípio supremo do processo penal, recordemos).
Portanto, pensar sistema acusatório desconectado do princípio
da imparcialidade e do contraditório é incorrer em grave
reducionismo.
É necessário que se mantenha a separação para que a estrutura
não se rompa e, portanto, é decorrência lógica e inafastável,
que a iniciativa probatória esteja (sempre) nas mãos das partes.
Somente isso permite a imparcialidade do juiz.10
A Constituição Brasileira de 1988 ao garantir o devido
processo legal (inciso LIV do art. 5º), o contraditório (inciso LV do
art. 5º) e, principalmente, determinar que compete privativamente
ao ministério público a promover a ação penal pública (inciso I
do art. 129), separando as funções de acusar e julgar, concebeu o
sistema acusatório. Já o Código de Processo Penal brasileiro, de
inspiração do código fascista italiano de 1930, adotou e manteve,
com a Lei nº 11.690/2008, o sistema inquisitório ao conceder ao
juiz iniciativa/gestão probatória (art. 156)11.

10 LOPES Jr., Aury. Fundamentos do processo penal: introdução crítica. 3. ed. São
Paulo: Saraiva, 2017. p. 162-163.
11 Art. 156 do CPP: “A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém,
facultado ao juiz de ofício: I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a
produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a
necessidade, adequação e proporcionalidade da medida; II – determinar, no curso
da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir
dúvida sobre ponto relevante.”. BRASIL. Código de Processo Penal. Brasília, DF:
33
Standards Probatórios e Processo Penal

A relação de contrariedade entre o sistema acusatório


constitucional e o inquisitório do código de processo penal mostra
a existência de uma espécie de crise existencial do processo penal
brasileiro12. Contudo, não há dúvidas de que o código de processo
penal deve ser lido à luz da constituição e não ao contrário. A
Constituição de 1988 desenhou um sistema acusatório e constitui
o marco de validade de todo o ordenamento jurídico, devendo ser
afirmada sua força normativa diante do código de processo penal
que por ela não foi recepcionado.
Portanto, o modelo constitucional atribuiu às partes a
produção probatória no processo penal em razão da Constituição
de 1988 ter adotado o sistema acusatório, vedando a postura ativa
do julgador e, como resultado, garantindo sua imparcialidade.

2.3 O ônus da prova no processo penal

O ônus da prova consiste no encargo ou obrigação que a


parte possui em demonstrar, a partir da produção de elementos
cognitivos sob a luz da estrutura dialética do contraditório, a
alegação firmada. Marcellus Polastri esclarece que “O encargo ou
ônus é uma obrigação do sujeito processual consigo próprio, e,
assim, não se trata de mera faculdade, pois, se nessa o facultado
nada exige de outrem, por vezes a lei pode permitir que tal faculdade
exija algo do facultado, se este quiser obter uma vantagem”13.
No que tange à distribuição do ônus da prova no plano da
legislação ordinária, o Código de Processo Penal dispõe no caput
do art. 156 que “ A prova da alegação incumbirá a quem a fizer”14.

Presidência da República, 1941.


12 SANTIAGO NETO, José de Assis. A crise existencial do processo penal: entre a
acusatoriedade constitucional e a inquisitoriedade da vida real. In: COUTINHO,
Jacinto Nelson de Miranda; PAULA, Leonardo Costa de; SILVEIRA, Marco Aurélio
Nunes da (org.). Mentalidade inquisitória e processo penal: o sistema acusatório e
a reforma do CPP no Brasil e na américa latina. Florianópolis: Empório do Direito,
2017.
13 POLASTRI, Marcellus. A prova penal. 4. ed. Salvador: Juspodivm, 2018. p. 42.
14 BRASIL. Código de Processo Penal. Brasília, DF: Presidência da República, 1941.
34
Matheus Dantas Vilela

O Código de Processo Civil, por seu turno, prevê nos incisos do


art. 373 que o ônus da prova incumbirá “ao autor, quanto ao fato
constitutivo de seu direito” (inciso I) e “ao réu, quanto à existência
de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor”
(inciso II)15.
Partindo das previsões normativas infraconstitucionais
supracitadas é que a doutrina brasileira majoritária elabora a
construção teórica quanto os encargos probatórios incumbidos
à acusação e defesa no processo penal16. De acordo com o
posicionamento majoritário, o órgão de acusação teria, basicamente,
o ônus de provar o fato típico (elementos constitutivos), ou seja, que
o acusado praticou o modelo conceitual de conduta estabelecido
pelo tipo penal. Nessa percepção abrange-se a prova da conduta
(autoria), resultado (materialidade), nexo causal e tipicidade. Já à
defesa caberia a prova da inexistência do fato (fatos impeditivos), das
causas excludentes de ilicitude e culpabilidade (fatos modificativos),
além das causas extintivas da punibilidade (fatos extintivos).
Portanto, oferecida a denúncia ou queixa, o autor deveria fazer
a prova da ocorrência do fato e sua autoria, conforme imputado
na petição inicial, e, quanto, ao acusado, caberia fazer a prova
em relação à inexistência do fato, ou que este esteja amparado
por excludentes de ilicitude, culpabilidade e punibilidade, ou
qualquer circunstância que implique benefício para o acusado
(atenuantes, causas especiais de diminuição de pena, direito
à substituição da pena privativa de liberdade, imposição de
regime menos severo etc.).
Caberia ainda ao autor (Ministério Público ou querelante)
fazer prova do dolo e da culpa (imprudência, imperícia ou
negligência) do acusado.17
Porém, tal posicionamento, em que pese majoritário, incorre
em gravíssimos erros e equívocos, demonstrando desrespeito às
particularidades do processo penal e o baixo nível de maturidade
15 BRASIL. Código de Processo Civil. Brasília, DF: Presidência da República, 2015.
16 LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único. 5. ed.
Salvador: Juspodivm, 2017. p. 608-610.
17 POLASTRI, Marcellus. A prova penal. 4. ed. Salvador: Juspodivm, 2018. p. 42.
35
Standards Probatórios e Processo Penal

constitucional da doutrina brasileira quanto ao processo penal.


O primeiro ponto consiste na tentativa frustrada de
transposição de categorias próprias do processo civil para o processo
penal, sendo cega quanto às diferenças insuperáveis entre os dois
ramos. Os fatos impeditivos, modificativos e extintivos fazem parte
da teoria geral prova no processo civil e não possuem espaço no
processo penal. As palavras possuem limites semânticos que não
podem ser ultrapassados. Não se trata de uma questão meramente
terminológica, pois no processo penal palavra é forma, legalidade e
limite de poder.
Mas não faltará alguém para – incorrendo em grave
reducionismo – dizer que é apenas “palavra”. Mais um erro.
Para nós, no direito penal e processual penal, palavra é limite,
palavra é legalidade, as palavras “dizem coisas” e trabalhamos
de lupa em cima do que diz a palavra e do que o intérprete diz
que a palavra diz. Logo, nunca se diga que é “apenas” palavra,
pois palavra é tudo.
Além disso, diferentemente do processo civil, no processo
penal vige o princípio da presunção de inocência, que nada mais é que
o princípio cardeal do processo penal18 e torna a lógica completamente
distinta, tendo em vista que o processo penal é um instrumento
de proteção da liberdade individual ao vedar a imposição da pena
sem o percurso do processo e com a observância de todas as regras
constitutivas do devido processo legal (princípio da necessidade). O
princípio da presunção de inocência possui caráter multifacetado
e produz efeitos metaprocessuais e endoprocessuais, sendo que, no
que tange ao ônus da prova, estabelece uma clara regra probatória.
A regra probatória extraída do princípio da presunção de
inocência confere ao acusador a integralidade do ônus da prova
no processo penal, na medida em que a alguém presumidamente
inocente pela ordem constitucional não incumbe qualquer encargo
probatório.

18 AVELAR, Paulo Antônio Pereira de. A presunção de inocência como princípio


cardeal do processo penal. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2002.
36
Matheus Dantas Vilela

A partir do momento em que o imputado é presumidamente


inocente, não lhe incumbe provar absolutamente nada. Existe
uma presunção que deve ser destruída pelo acusador, sem
que o réu (e muito menos o juiz) tenha qualquer dever de
contribuir nessa desconstrução (direito de silêncio – nemo
tenetur se detegere).19
Na verdade, cabe ao Ministério Público ou ao querelante
demonstrar a inexistência de causa excludente da ilicitude,
culpabilidade ou extintiva da punibilidade. A inércia probatória
do acusado não irá lhe trazer qualquer prejuízo ou interpretação
desfavorável, consistindo apenas na perda de uma chance que
poderia conduzir a uma decisão favorável. Ademais, basta a dúvida
para a absolvição do acusado (in dubio pro reo), pois a Constituição
de 1988 prefere a absolvição de um culpado do que a condenação
de um inocente.
O que podemos conceber, como já explicamos ao tratar do
pensamento de GOLDSCHMIDT, é uma assunção de riscos.
A defesa assume riscos pela perda de uma chance probatória.
Assim, quando facultado ao réu fazer prova de determinado
fato por ele alegado e não há o aproveitamento dessa chance,
assume a defesa o risco inerente à perda de uma chance, logo,
assunção do risco de uma sentença desfavorável. Exemplo
típico é o exercício do direito de silêncio, calcado no nemo
tenetur se detegere. Não gera um prejuízo processual, pois
não existe uma carga. Contudo, potencializa o risco de uma
sentença condenatória. Isso é inegável.
Não há uma carga para a defesa exatamente porque não se
lhe atribui um prejuízo imediato e tampouco possui ela um
dever de liberação. A questão desloca-se para a dimensão
da distribuição do risco pela perda de uma chance de obter
a captura psíquica do juiz. O réu que cala assume o risco
decorrente da perda da chance de obter o convencimento do
juiz da veracidade de sua tese.20
Assim, no modelo constitucional de processo penal o ônus
da prova incumbe integralmente à acusação em razão do princípio

19 LOPES Jr., Aury. Direito Processual Penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 395.
20 Ibidem. p. 396.
37
Standards Probatórios e Processo Penal

da presunção de inocência estabelecer uma regra probatória, tendo


em vista que a alguém presumidamente inocente pela ordem
constitucional não incumbe qualquer encargo probatório e que a
dúvida sempre beneficiará o acusado (in dubio pro reo).

2.4 A questão da “verdade” no processo penal

A verdade no processo penal trata-se de temática que possui


tópico reservado em todos manuais de processo penal, além de ser
uma das mais enfrentadas em trabalhos acadêmicos neste campo
do direito. Para que seja possível abordar de forma minimamente
suficiente a verdade no processo penal é imprescindível compreender
qual foi seu significado e dimensões na inquisição medieval.
A inquisição medieval foi deflagrada no século XII, sendo
marcada pela perseguição promovida pela igreja católica por meio do
Tribunal de Santo Ofício aos hereges e sua intolerância à diversidade
de pensamento e crença21. O processo penal inquisitório possui
como principal característica a busca intransigente pela verdade,
em que o juiz possui uma postura ativa e parcial, instaurando a
ação penal de ofício, acumulando das funções de acusar e julgar e
possuindo iniciativa probatória. A prática da tortura do acusado
era recorrente e a defesa era vista como um empecilho na busca de
verdade.
Em nenhum outro momento histórico a persecução penal
assumiu nuances tão sinistras como nos processos geridos
pela Santa Inquisição e pela jurisdição laica nela inspirada. A
Inquisição caracterizou-se pela afirmação de valores e princípios
absolutos – a persecução penal estatal e a busca da verdade
como meta do processo penal – em busca da conservação da
forma de organização política e da paz social adequada a ela.
O mecanismo eclesiástico de produção de verdades – que foi
posteriormente extrapolado como modelo geral de processo
penal em toda Europa Continental – atingiu níveis de
sofisticação e crueldade jamais vistos anteriormente ou desde

21 PINTO, Felipe Martins. Introdução crítica ao processo penal. 2. ed. Belo


Horizonte: Del Rey, 2016. p. 6-13.
38
Matheus Dantas Vilela

então e surpreendentemente permanece – em alguma medida


– em funcionamento, ainda que com intensidade reduzida.22
A lógica inquisitorial concebe a verdade no processo penal
como correspondência, isto é, que seria possível atingir a verdade
histórica por meio deste. Tal entendimento fundou o que é chamado
de “verdade real”, tendo sido eleita à princípio do processo penal. A
busca da “verdade real” possui reflexos até hoje em parte da doutrina
e nas decisões dos tribunais, geralmente sendo utilizada como
justificativa para violação de direitos e garantias fundamentais do
acusado e confecção de iniciativa probatória ao julgador.
Todavia, a concepção de que o processo penal está à serviço
da “verdade real” é incompatível com a base principiológica
do processo penal e com o sistema acusatório delineado pela
Constituição de 1988. No processo penal democrático há limites
epistemológicos na busca da verdade, constituindo os direitos e
garantias fundamentais verdadeiros escudos.
A opção constitucional pela verdade não é por qualquer
verdade, senão uma verdade alcançada com respeito às
garantias individuais, entre elas a dignidade, o contraditório
e a ampla defesa. Não optou o constituinte por uma verdade
absoluta, alcançada por qualquer meio, mas, sim, por uma
verdade mínima ou relativa, uma verdade possível e limitada
pelos procedimentos e pelas garantias da defesa.23
Ademais, o posicionamento de que o processo penal
seria capaz de atingir a verdade histórica, na perspectiva da
correspondência, encontra-se superado, representando “uma
ingenuidade epistemológica”24. Afinal, por mais robusto e vigoroso
que seja o resultado probatório, este jamais fornecerá uma verdade
absoluta, mas sim uma menor ou maior proximidade do ocorrido.
Há aqueles que argumentam no sentido de que no processo o que

22 KHALED JR., Salah Hassan. A busca da verdade no processo penal: para além da
ambição inquisitorial. São Paulo: Atlas, 2013. p. 46.
23 NICOLITT, André. Manual de processo penal. 6. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2016. p. 648.
24 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 3. ed. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 42.
39
Standards Probatórios e Processo Penal

existe é uma verdade formal. Porém, com foi bem destacado por
Gustavo Badaró,
A distinção entre verdade final e verdade material é falsa,
quando se procura distinguir a verdade obtida em decorrência
da instrução processual - obviamente com as limitações que
lhe são inerentes - da verdade obtida por meio de técnicas
ou métodos próprios de outras fontes do conhecimento,
como a do historiador ou a do cientista – que, do ponto
de vista epistemológico, também encontram limitações
intransponíveis.25
Há também aquelas correntes que negam a busca da verdade
como uma das finalidades do processo, pois essa seria indiferente
na medida que seu escopo é a resolução do conflito social ou, ainda,
para o banimento do legado inquisitorial. Outros, como base num
“ceticismo filosófico radical”, afastam qualquer possiblidade de
aptidão cognitiva do processo26. Contudo, como apontado por
Luigi Ferrajoli, “Se uma justiça penal integralmente “com verdade”
constitui uma utopia, uma justiça penal completamente “sem
verdade” equivale a um sistema de arbitrariedade”27.
É necessário compreender que a atividade cognitiva do
processo por meio da reconstrução do fato histórico pela atividade
probatória realizada em contraditório entre as partes, apesar de
limitada e apenas aproximada, constitui um dos requisitos para
uma decisão justa e autorização da pena. Inserir a verdade como
um dos objetivos do processo não significa anuir com o vilipêndio
de direitos e garantias fundamentais e do sistema constitucional
acusatório, mas estabelecer como condição da pena a demonstração
da autoria, da materialidade e de todos os elementos constitutivos
do delito.
Assim, a verdade no processo penal, ainda que apenas

25 BADARÓ, Gustavo Henrique. Ônus da prova no processo penal. São Paulo: RT,
2003. p. 35.
26 Ibidem. p. 20-21.
27 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 3. ed. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 38.
40
Matheus Dantas Vilela

aproximativa28, consiste em um dos critérios para uma decisão


justa e uma das condições para imposição da pena, sem que sua
colocação como um dos fins a serem buscados corresponda à
violação de direitos e garantias fundamentais e aviltamento do
sistema constitucional acusatório.

28 Ibidem. p. 42-43.
Capítulo 3

A SENTENÇA NO PROCESSO PENAL

3.1 Conceito, classificações e aspectos formais da


sentença penal

A sentença penal nada mais é que a decisão judicial mais


importante de todo o processo penal, haja vista que é o meio pelo
qual o estado-juiz manifesta se os elementos cognitivos produzidos
sob a luz da estrutura dialética do contraditório possuem aptidão
para destituir o estado de inocência do acusado. Assim, a sentença
penal pode ser compreendida como uma espécie de decisão judicial
que é proferida após o término da produção probatória e tende a
finalizar a relação processual, julgando procedente ou improcedente
a pretensão acusatória. A sentença penal possui como pressuposto o
esgotamento da atividade probatória pelas partes e tem o potencial
de pôr fim ao processo ou exaurir as funções jurisdicionais do juízo
que proferiu a decisão1, na medida em que dá origem à fase recursal
e possibilitará o prolongamento do processo.
A sentença penal poderá ser classificada em declaratória,
absolutória e condenatória. As sentenças declaratórias diferem
das absolutórias e condenatórias pelo enfrentamento do mérito,
tendo em vista que a sentença declaratória não há análise do
mérito pelo julgador em virtude da ocorrência de causa extintiva
da punibilidade. Apesar da diferença apontada, as sentenças
declaratórias e absolutórias se assemelham por ambas comungarem
da manutenção do estado de inocência do acusado.
A sentença penal absolutória possui suas causas enumeradas

1 NICOLITT, André. Manual de processo penal. 6. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2016. p. 885.
42
Matheus Dantas Vilela

no art. 386 do CPP2, podendo ser absolutória própria ou


absolutória imprópria. Tanto a sentença absolutória própria
quanto à imprópria há a análise do mérito e o julgamento de
improcedência da pretensão acusatória, sendo a diferença entre elas
consubstanciada na imposição da medida de segurança. A sentença
absolutória própria trata-se de verdadeira absolvição e poderá ter
fundamento na insuficiência de provas, atipicidade da conduta,
causa de exclusão da ilicitude ou causa diversa disposta nos incisos
do art. 386 do CPP. Já a sentença absolutória imprópria possui
seu fundamento normativo no inciso III, parágrafo único, do art.
386 do CPP, consistindo no reconhecimento de que o acusado é
o autor de conduta típica e ilícita, mas, todavia, sem culpabilidade
em razão da inimputabilidade do acusado que, no tempo da
conduta, era inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do
fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento por
motivo de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto
ou retardado, nos termos art. 26, caput, do Código Penal3.
A sentença penal será condenatória quando o juízo prolator
da decisão, ao enfrentar o mérito, julga procedente a hipótese
acusatória formulada pelo ministério público ou querelante. A
decisão penal condenatória consiste no expediente pelo qual o
julgador conclui que as provas produzidas ao longo da instrução
processual, isto é, elementos cognitivos produzidos sob a luz da
2 “Art. 386.  O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que
reconheça: I - estar provada a inexistência do fato; II - não haver prova da existência
do fato; III - não constituir o fato infração penal; IV –  estar provado que o réu não
concorreu para a infração penal; V – não existir prova de ter o réu concorrido para a
infração penal; VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de
pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1º do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo
se houver fundada dúvida sobre sua existência; VII – não existir prova suficiente para
a condenação. Parágrafo único.  Na sentença absolutória, o juiz: I - mandará, se for
o caso, pôr o réu em liberdade; II – ordenará a cessação das medidas cautelares e
provisoriamente aplicadas; III - aplicará medida de segurança, se cabível.”. BRASIL.
Código de Processo Penal. Brasília, DF: Presidência da República, 1941.
3 Art. 26 do CP: “É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento
mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente
incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento.”. BRASIL. Código Penal. Brasília, DF: Presidência da República,
1940.
43
Standards Probatórios e Processo Penal

estrutura dialética do contraditório, foram suficientes para afastar


o estado de inocência do acusado e autorizar a imposição da pena.
Porém, a decisão penal condenatória, por força da regra de tratamento
decorrente do princípio da presunção de inocência, que veda o
tratamento do acusado análogo a um culpado, somente produzirá
seus efeitos (imposição da pena) após seu trânsito em julgado,
considerando que diz respeito ao marco temporal determinado
pelo art. 5º, inciso LVII, da CRFB/19884.
No que tange aos aspectos formais da sentença penal,
está deverá conter 03 (três) elementos essenciais: relatório,
fundamentação e dispositivo. Nesse sentido, o art. 381 do CPP5,
deve ser lido em conjunto com o art. 489 do CPC6. No relatório
da sentença penal conterá a identificação das partes, a exposição
das teses de acusação de defesa, além de um histórico sucinto
de todos os atos relevantes ocorridos ao longo do processo. A
fundamentação é o ponto vital da sentença penal e corresponde ao
fundamento de legitimidade das decisões judiciais, sendo o tópico
em que será realizado o juízo fático, isto é, a análise da suficiência
probatória para superar a presunção de inocência e imposição da
pena. Já o dispositivo é consubstanciado no enunciado que se extrai
da fundamentação, isto é, no “comando da decisão no sentido de
condenar ou absolver o acusado”7. Caso seja proferida sentença
4 Art. 5º, inciso LVII, da CRFB/1988: “ninguém será considerado culpado até o
trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. BRASIL. Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República,
1988.
5 Art. 381 do CPP: “A sentença conterá: I - os nomes das partes ou, quando não
possível, as indicações necessárias para identificá-las; II - a exposição sucinta da
acusação e da defesa; III - a indicação dos motivos de fato e de direito em que se
fundar a decisão; IV - a indicação dos artigos de lei aplicados; V - o dispositivo;
VI - a data e a assinatura do juiz.”. BRASIL. Código de Processo Penal. Brasília, DF:
Presidência da República, 1941.
6 Art. 489 do CPC: “São elementos essenciais da sentença: I - o relatório, que conterá
os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação,
e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo; II - os
fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito; III - o dispositivo,
em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem.”.
BRASIL. Código de Processo Civil. Brasília, DF: Presidência da República, 2015.
7 LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único. 5. ed.
44
Matheus Dantas Vilela

condenatória, deverá haver ainda a individualização da pena pela


dosimetria. Por fim, a data e assinatura do juiz.

3.2 A correlação entre acusação e sentença penal

A denúncia ou queixa-crime, materializadoras da pretensão


acusatória, tratam-se das peças que visam inaugurar o processo
penal e que realizam a invocação da prestação jurisdicional, sendo
consubstanciadas no ato de imputação jurídico-penal por meio da
individualização dos fatos e da respectiva tipificação. As exordiais
acusatórias são as principais peças do processo penal, incumbindo-
as a demarcação dos limites da acusação e do próprio objeto de
decisão da sentença penal. Como foi bem destacado por Alberto
Zacharias Toron, ao citar a fala do procurador geral da república na
ação penal 470 (mensalão), a denúncia é a peça mais importante do
processo penal na medida em que “é ela que delimita o âmbito da
acusação, pois o Poder Judiciário não pode julgar uma pessoa por
um fato não descrito na peça inaugural”8.
Ademais, é por meio da denúncia e da queixa-crime que o
acusado adquire o conhecimento do fato e da tipificação jurídico-
penal que lhe são atribuídos. Nesse sentido, além de delimitar o
âmbito da sentença penal ao individualizar os fatos e a capitulação
jurídica que serão os objetos da decisão, a hipótese acusatória
apresentada consagra a matéria sobre a qual irá se desenvolver toda
a atividade dos sujeitos processuais ao longo do processo penal,
especialmente no que se refere à produção probatória, seja para sua
confirmação ou refutação.
Dessa forma, é por força do sistema acusatório e dos
princípios do contraditório, da inércia da jurisdição e da ampla
defesa que se estabelece a regra da correlação entre a acusação e

Salvador: Juspodivm, 2017. p. 1510.


8 TORON, Alberto Zacharias. Habeas Corpus: controle do devido processo legal:
questões controvertidas e de processamento do writ. 2. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2018. p. 248-249.
45
Standards Probatórios e Processo Penal

sentença9, vinculando a sentença penal ao fato delituoso narrado pela


exordial acusatória e vedando que se decida fora ou além do pedido.
Segundo Guilherme de Souza Nucci, a correlação entre acusação e
sentença “É a regra segundo a qual o fato imputado ao réu, na peça
inicial acusatória, deve guardar perfeita correspondência com o fato
reconhecido pelo juiz, na sentença, sob pena de grave violação aos
princípios do contraditório e da ampla defesa, consequentemente,
ao devido processo legal”10.
A correlação entre acusação e sentença delimita o âmbito
da sentença penal ao estabelecer uma relação de congruência desta
com a imputação e o debate realizado pelas partes em contraditório,
sendo tal regra um dos pontos fundantes do sistema acusatório.
Nessa perspectiva, o princípio da inércia da jurisdição impede
a atuação jurisdicional sem a formulação prévia da pretensão
acusatória, determinando a posição passiva do julgador e realizando
o controle da sentença penal ao condicioná-la à observância dos
limites fáticos e jurídicos demarcados pela exordial acusatória e,
consequentemente, obstando que o julgador decida diferentemente
do pedido. Conforme os ensinamentos de Aury Lopes, a inércia da
jurisdição estipula que
o juiz não pode prover sem que haja um pedido e, como
consequência, daí decorre outro princípio: o juiz não pode
prover diversamente do que lhe foi pedido. A inércia da
jurisdição é fundamental, pois sobre ela se estruturam diversos
institutos do processo penal, além do próprio sistema acusatório-
constitucional, de modo que a decisão desconectada do que foi
objeto da imputação gera uma sentença incongruente.11
O princípio contraditório designa os freios e o controle do
ato decisório ao assegurar a não surpresa, vedando que o julgador
profira uma sentença penal levantando questões que não foram
debatidas pelas partes na estrutura dialética do processo. Nesse
9 BADARÓ, Gustavo Henrique. Correlação entre acusação e sentença. 4. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2019. p. 29-46.
10 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 13. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 631.
11 LOPES Jr., Aury. Direito Processual Penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 803.
46
Matheus Dantas Vilela

seguimento, caso não seja observada a regra da correlação e proferida


uma sentença incongruente, restará violado o direito de defesa do
acusado por não ser conferida à oportunidade de manifestar-se
anteriormente sobre o que foi decidido.
Quanto ao direito de defesa, é obviamente atingido pela
sentença incongruente, pois subtrai do réu a possibilidade de
defender-se daquilo que foi objeto da decisão, mas que não
estava na acusação. Essa surpresa gera um inegável estado
de indefesa, com evidente prejuízo (para aqueles que ainda
operam na lógica do prejuízo para decretação das nulidades
processuais). O direito de defesa, ainda que distinto, mantém
uma íntima correlação com o contraditório, devendo a
acusação ser clara e individualizada para permitir a defesa.
Mas de nada servem essas regras em torno da imputação, se o
juiz modificar, no curso do processo, as questões de fato ou de
direito gerando a surpresa e a situação de evidente cerceamento
de defesa, pois o réu não se defendeu desse fato novo ou dessa
nova qualificação jurídica, por exemplo.12
Portanto, a regra da correlação entre a acusação e sentença
é a manifestação da eficácia do sistema acusatório e dos princípios
do contraditório, da inércia da jurisdição e da ampla defesa,
constituindo a pretensão acusatória a matéria sobre a qual irá se
desenvolver toda a atividade dos sujeitos processuais ao longo
do processo penal e, principalmente, a delimitação do objeto de
decisão da sentença penal ao individualizar os fatos e capitulação
jurídica imputados.

3.3 A valoração probatória pela sentença penal

O juízo fático é o ponto central da sentença penal e trata-se


do tópico em que é verificada a procedência da hipótese acusatória
imputada ao acusado. A valoração probatória e a análise do mérito
são equivalentes ao juízo fático, consistindo na seção da sentença
penal na qual o julgador avalia se as provas produzidas ao longo da
instrução processual, isto é, elementos cognitivos produzidos sob a

12 Ibidem. p. 803-804.
47
Standards Probatórios e Processo Penal

luz da estrutura dialética do contraditório, foram suficientes para


afastar o estado de inocência do acusado e autorizar a imposição da
pena.
Nesse sentido, o modelo de valoração probatória diz respeito
ao método de avaliação empregado pelo julgador no momento da
realização do juízo fático. São basicamente 03 (três) modelos de
valoração probatória: provas legais ou tarifadas (I); íntima convicção
(II); livre convencimento motivado ou valoração racional motivada
(III).
O modelo das provas legais ou tarifadas foi uma das principais
características do processo penal da inquisição medieval. Neste
modelo o legislador estabelece uma hierarquia entre os meios de
obtenção de prova a partir de critérios abstratos e predeterminados,
desprezando-se as individualidades do caso concreto e impedindo
qualquer subjetividade do julgador na valoração ao estabelecer
prévia e objetivamente o nível de suficiência probatória. Ademais, a
confissão é a rainha das provas e considerada prova cabal e irrefutável,
sendo a tortura frequentemente utilizada para sua obtenção.
O sistema inquisitório é fundado na ideia de prova legal, que
se caracteriza pela vinculação do juiz a determinadas regras
formais prefixadas, por força das quais a condenação deveria
ser obrigatoriamente pronunciada, independentemente
do convencimento do magistrado. Reunidos os elementos
determinados pela lei, o juiz era obrigado a condenar,
independentemente de suas convicções pessoais.13 
O modelo da intima convicção, por seu turno, representa
a contraposição do modelo de provas tarifadas, conferindo-se ao
julgador liberdade ilimitada na valorização probatória. No modelo
da intima convicção o fundamento da sentença judicial recai sobre
a certeza moral do julgador, não havendo qualquer vinculação deste
com o conjunto fático-probatório produzido nos autos e sendo

13 KHALED JR., Salah Hassan. Livre convencimento motivado: o império do


decisionismo no direito. Justificando, [S. l.], 18 de out. 2017. Disponível em:
<http://www.justificando.com/2017/10/18/livre-convencimento-motivado-o-
imperio-do-decisionismo-no-direito/>. Acesso em: 30 de set. de 2019.
48
Matheus Dantas Vilela

desnecessária a motivação da decisão e demonstração das razões de


decidir.
De acordo com o sistema da íntima convicção, também
conhecido como sistema da certeza moral do juiz ou da
livre convicção, o juiz é livre para valorar as provas, inclusive
aquelas que não se encontram nos autos, não sendo obrigado
a fundamentar seu convencimento. Esse sistema permite que
o magistrado avalie a prova com ampla liberdade, decidindo
ao final do processo de modo a aplicar o direito objetivo de
acordo com sua livre convicção (secunda conscientia), não
estando obrigado a fundamentar sua conclusão. A decisão é o
resultado da convicção do magistrado, sem que seja necessária
a demonstração de razões empíricas que justifiquem seu
convencimento, o que permite, em tese, que o juiz julgue com
base na prova dos autos, sem a prova dos autos, e até mesmo
contra a prova dos autos.14
Ressalta-se, ainda, uma circunstância elementar que
diferencia o modelo das provas tarifadas da íntima convicção
que concerne à possibilidade do controle intersubjetivo do juízo
fático da sentença penal. Enquanto no modelo das provas tarifadas
verifica-se a facilidade no controle da suficiência probatória por
meio da revisão recursal, na medida que basta apenas a análise das
espécies e quantidade dos meios de obtenção de prova, no modelo
da íntima convicção não há qualquer parâmetro para aferição da
precisão da sentença penal quanto ao juízo fático.15
Por fim, há o modelo do livre convencimento motivado
ou da valoração racional motivada, que consiste, em síntese, numa
espécie de meio termo entre o modelo das provas tarifadas e da
íntima convicção. Nesse modelo o julgador possui certa liberdade
na valoração das provas em razão da inexistência de valores prévios
e abstratos dos meios de obtenção de prova, devendo fundamentar

14 LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único. 5. ed.
Salvador: Juspodivm, 2017. p. 616.
15 VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. A prova no processo penal: a importância da
valoração do lastro probatório e de seu controle por meio recursal. Revista Eletrônica
do Curso de Direito da UFSM, Santa Maria, v. 13, n. 2, p. 695-721, 2018. p. 707-
708
49
Standards Probatórios e Processo Penal

sua decisão a partir de critérios racionais e intersubjetivamente


controláveis.
O livre convencimento motivado ou valoração racional
motivada trata-se do modelo estabelecido pelo Código de Processo
Penal em seu art. 155: “O juiz formará sua convicção pela livre
apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não
podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos
informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas
cautelares, não repetíveis e antecipadas”.16
Todavia, há que se atentar para o fato de que a liberdade na
valoração da prova não significa dizer que a decisão judicial possa ser
baseada na prudência, consciência ou senso de justiça do julgador,
mas apenas que não há hierarquia entre os meios de obtenção
de prova pela definição de critérios abstratos e predeterminados.
O julgador possui o dever de fundamentar sua decisão a partir
de critérios racionais e que possam ser intersubjetivamente
controláveis, pois, caso contrário, estar-se-ia refundando o modelo
da íntima convicção pela via reflexa. Como bem destacado por
Vinícius Gomes de Vasconcellos,
a liberdade na “valoração racional motivada” representa
somente a ausência de critérios previa e abstratamente
definidos que vinculem o julgador e excluam a valoração
específica no caso concreto, mas de nenhum modo permite
uma completa discricionariedade na tomada da decisão. Ou
seja, por outro lado, o juízo fático não é livre, pois deve ser
orientado por critérios objetivos e racionais, constitucional
e convencionalmente dirigidos, de modo a possibilitar um
efetivo controle sobre a decisão judicial.17
Devido ao abuso do subjetivismo e discricionariedade pela
compreensão equivocada dos limites da liberdade na valoração
das provas, enfraquecendo o dever de fundamentação das decisões
judiciais, atualmente entende-se que a denominação é inadequada,
16 BRASIL. Código de Processo Penal. Brasília, DF: Presidência da República, 1941.
17 VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. A prova no processo penal: a importância da
valoração do lastro probatório e de seu controle por meio recursal. Revista Eletrônica
do Curso de Direito da UFSM, Santa Maria, v. 13, n. 2, p. 695-721, 2018. p. 716.
50
Matheus Dantas Vilela

devendo ser adotada a expressão “valoração racional motivada”, nos


termos propostos por Vinícius Gomes de Vasconcellos18. Foi por tais
motivos que o Novo CPC extinguiu do seu texto a terminologia
“livre convencimento”, devendo tais premissas serem transportadas
ao processo penal por força do princípio da fundamentação das
decisões (art. 93, IX, da CRFB/1988), bem como do art. 3º do
CPP que admite a aplicação analógica da legislação processual civil.
Como já visto, o Novo CPC não mais utiliza a expressão “livre
convencimento” evitando sua má interpretação por julgadores
que a confundiam com discricionariedade para julgar, de
acordo “com sua cabeça” ou “subjetivamente” e estipula
regras que passam a impor a fundamentação de forma mais
detalhada. E entendo que tal regramento deve ser aplicado
subsidiariamente ao processo penal em face do art. 3º do CPP:
o juiz não pode entender o livre convencimento como um atuar
discricionário ou subjetivo de seu sentir, sendo exigido que
todas as decisões estejam revestidas de coerência e integridade.
Assim, o sistema de avaliação da prova no modelo
constitucional de processo penal é a valoração racional motivada,
consistindo no método empregado no juízo fático em que há certa
liberdade na valoração probatória em razão da inexistência de
hierarquia entre os meios de obtenção de prova pela definição prévia
e abstrata, o que não significa dizer que a decisão judicial possa ser
baseada na prudência, consciência ou senso de justiça do julgador,
mas sim fundamentada em critérios racionais e intersubjetivamente
controláveis.

3.4 O princípio da fundamentação das decisões judiciais


no controle da racionalidade da sentença penal

A sentença penal condenatória trata-se do expediente


que autorizará a forma de intervenção estatal mais severa sobre
o indivíduo, necessitando ser cautelosamente justificada a partir
observância de todas as regras do devido processo legal e correta

18 Ibidem. p. 709.
51
Standards Probatórios e Processo Penal

avaliação do quadro fático-probatório. Logo, levando em


consideração que o processo penal é uma atividade cognitiva que
visa realizar uma reconstrução aproximada de um suposto fato
pretérito narrado e delimitado pela exordial acusatória para sua
corroboração ou refutação, constata-se que a motivação da sentença
penal corresponde ao fundamento de legitimidade da atividade
jurisdicional, tendo em vista é por meio dela que será desenvolvido
o raciocínio que concluirá sobre a suficiência probatória para o
afastamento do estado de inocência e imposição da pena.
O dever de fundamentação das decisões judiciais é uma
garantia fundamental explícita que se encontra positivada no art.
93, inciso IX, da CRFB/198819, possuindo uma dupla função:
extraprocessual e endoprocessual. Na dimensão extraprocessual, a
motivação das decisões judiciais é “consubstanciada na possiblidade
de submeter à crítica de toda a comunidade”, isto é, “ao controle
externo difuso”20. No aspecto endoprocessual, a fundamentação
permite o controle da racionalidade das decisões judiciais por
aqueles que serão os afetados por seus efeitos (partes), na medida
em que viabilizará a fiscalização das justificativas da deliberação e
sua eventual impugnação21.
Mas para que a decisão judicial alcance a racionalidade
exigida pelo modelo constitucional de processo penal, não basta
que o julgador simplesmente apresente as razões de sua deliberação

19 “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas


todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em
determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em
casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não
prejudique o interesse público à informação”. BRASIL. Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, 1988.
20 SOUSA, Lorena Ribeiro de Carvalho. O dever de fundamentação das decisões
no código de processo civil de 2015: um estudo crítico das decisões do Superior
Tribunal de Justiça a partir do modelo constitucional de processo.  2017. Dissertação
(Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo
Horizonte, 2017. p. 71.
21 AQUINO, Yuri Alvarenga Maringues de. O sistema do livre convencimento
motivado no processo penal em face do ordenamento constitucional.  2016.
Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo
Horizonte, 2016. p. 141.
52
Matheus Dantas Vilela

a partir de uma atividade solitária e individual. A decisão judicial


fundamentada deve representar o reflexo dos debates e da prova
produzida pelas partes em contraditório. Os princípios da
fundamentação das decisões judiciais e do contraditório estão
umbilicalmente interligados, traduzindo uma relação de co-
dependência22.
A partir da contribuição da teoria do processo como
procedimento em contraditório, de Elio Fazzalari23, o contraditório
não se resume mais à bilateralidade de audiência (adiatur et
altera pars), passando a ser compreendido como influência e não
surpresa. Assim, o princípio do contraditório consagra o processo
penal como o espeço procedimentalizado que garante a efetiva
participação das partes na construção das decisões judiciais ao
vincular a fundamentação aos argumentos e à prova produzida em
contraditório, vedando a surpresa ao impedir que o julgador decida
com base no que não foi previamente debatido pelas partes.24
Dessa forma, o princípio da fundamentação em conjunto
com o contraditório permite a individualização da decisão ao
destacar a importância do caso concreto e impedir que a atividade
jurisdicional seja uma manifestação da prudência, consciência
ou senso de justiça do julgador25, amplificando-se o controle
intersubjetivo do juízo fático ao se edificar “em cima de uma
realidade objetivada”26.

22 FAZZALARI, Elio. Instituições de direito processual. Campinas: Bookseller, 2006.


23 BARROS, Flaviane de Magalhães. MARQUES, Leonardo Augusto Marinho. A
atuação do juiz no contraditório dinâmico: uma análise comparativa entre o sistema
processual penal adversarial chileno e o modelo constitucional de processo brasileiro.
In: POSTIGO, Leonel González (dir.). Desafiando a inquisição: ideias e propostas
para a reforma processual penal no Brasil. Chile: CEJA, 2017. p. 349.
24 Ibidem. p. 348-349
25 SOUSA, Lorena Ribeiro de Carvalho. O dever de fundamentação das decisões
no código de processo civil de 2015: um estudo crítico das decisões do Superior
Tribunal de Justiça a partir do modelo constitucional de processo.  2017. Dissertação
(Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo
Horizonte, 2017. p. 130-131.
26 MARQUES, Leonardo Augusto Marinho. O modelo constitucional de processo
e o eixo estrutural da processualidade democrática. Revista Brasileira de Direito
Processual Penal, Porto Alegre, vol. 2, n. 1, p. 43 - 55, 2016. p. 51.
53
Standards Probatórios e Processo Penal

O poder de influência sobre o conteúdo das decisões pode


ser aferido pelos argumentos e provas que foram introduzidos
no processo. Há de prevalecer a lógica de que o argumento
provado deve ser recepcionado pela decisão e de que o
argumento não provado deve ser rejeitado, salvo se houver
dúvida razoável em favor do acusado. São eles que formam
a realidade objetiva e edificante da decisão, e que excluem os
juízos morais, subjetivos e unilaterais.27
Portanto, nota-se que a motivação das decisões judiciais
significa o fundamento de legitimidade da atividade jurisdicional,
na medida em que é por meio dela que será desenvolvido o raciocínio
que concluirá sobre a suficiência probatória para o afastamento do
estado de inocência e imposição da pena, consistindo no mecanismo
que possibilitará o controle intersubjetivo e racional do juízo fático,
bem como da eficácia do contraditório.

27 Ibidem. p. 52.
Capítulo 4

STANDARDS PROBATÓRIOS E PROCESSO


PENAL

4.1 Afinal, o que é um standard probatório?

A prova no processo penal possui como finalidades a


persuasão do julgador e, especialmente, a reconstrução
de um suposto fato pretérito que é narrado e delimitado pela
exordial acusatória que, por mais robusto e vigoroso que seja o
resultado probatório, jamais atingirá a “verdade”, mas sim uma
menor ou maior proximidade do ocorrido. Nesse sentido, o juízo
fático da sentença penal é elaborado a partir de circunstâncias
oscilatórias, possuindo como um de seus principais aspectos
o fato de corresponder a um raciocínio empregado diante de
posicionamentos e elementos cognitivos antagônicos.
Assim, no intuito de evitar que o juízo fático de decisões
judiciais seja equivalente a um estado de crença ou do senso de
justiça do julgador quanto à suficiência probatória, é desenvolvida
a construção teórica dos standards probatórios. Nessa perspectiva,
os standards probatórios são modelos de constatação que indicam
o nível de suficiência probatória exigido para que um enunciado
fático seja considerado provado no âmbito do processo1.
Conforme os ensinamentos de André Nicolitt e Rafel Barili,
os “standards de prova funcionam como critérios de decisão para
se considerar determinada hipótese provada, ou seja, representam
um nível ou grau ao qual a prova e as alegações serão submetidas
para serem consideradas verdadeiras sob o ponto de vista fático”2.
1 KNIJNIK, Danilo. Os standards do convencimento judicial: paradigmas para o seu
possível controle. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 353, p. 15-52, jan./fev. 2007. p.
21-22.
2 NICOLITT, André. BARILI, Raphael. Standards de prova no Direito – debate sobre
56
Matheus Dantas Vilela

Gilmar Mendes, por sua vez, destaca que os standards probatórios


representam os “níveis de convencimento ou de certeza, que
determinam o critério para que se autorize e legitime o proferimento
de decisão em determinado sentido” 3.
No que tange ao juízo fático da sentença penal, levando
em consideração que no processo penal o ônus da prova é
integralmente da acusação em decorrência do princípio da
presunção de inocência, o standard probatório opera como
um parâmetro pelo qual é verificado se as provas produzidas ao
longo da instrução processual foram suficientes para satisfação da
hipótese acusatória e autorização da imposição da pena por meio
da sentença condenatória. Realizando uma leitura analógica, Lara
Teles Fernandes ilustra que “No processo penal, o standard funciona
como se fosse uma linha de chegada em uma corrida, o ‘lugar’ a
que a hipótese acusatória precisa chegar para sagrar-se ‘vencedora’
da disputa”4.
Todavia, ressalta-se que a finalidade dos standards de prova
não se resume apenas na indicação da demanda probatória mínima
para corroboração de uma hipótese, mas, principalmente, visam
contribuir no controle intersubjetivo do juízo fático5. Dissertando
sobre o tema, Marcella Alves Macarenhas Nardelli esclarece que
na medida em que indicam ao julgador o padrão de constatação
exigido, os standards probatórios, quando adequadamente
formulados, podem servir como um critério de decisão capaz
de orientar o raciocínio do julgador, quanto como um método

a súmula 70 do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Boletim – Instituto Brasileiro


de Ciências Criminais, São Paulo, n. 302, p. 6-9, jan. 2018. p. 6-7.
3 MENDES, Gilmar. Critério da valoração racional da prova e o standard
probatório para pronuncia do júri. 2019. Disponível em: https://www.conjur.
com.br/2019-abr-06/observatorio-constitucional-criterios-valoracao-racional-prova-
standard-probatorio. Acesso em: 15 set. 2019.
4 FERNANDES, Lara Teles. Standards probatórios e epistemologia jurídica: uma
proposta interdisciplinar para a valoração do testemunho no processo penal.  2019.
Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2019.
p. 96.
5 GUEDES, Clarissa Diniz. LOPES, Laís Almeida de Souza. Standards probatórios
no contexto da responsabilidade civil do médico. Revista Eletrônica de Direito
Processual - REDP, Rio de Janeiro, v. 18, n. 2, p. 88-115, mai./ago. 2017. p. 90.
57
Standards Probatórios e Processo Penal

lógico hábil a indicar a estrutura a ser seguida quando da sua


justificação da decisão, possibilitando um controle mais claro
sobre seus fundamentos.6
Dessa maneira, os standards probatórios pretendem fornecer
critérios para uma valoração racional da prova, intentando inibir o
abuso do subjetivismo na conclusão do juízo fático e fornecendo
uma estruturação ao dever de fundamentação das decisões judiciais.
Afinal, ainda que sejam expostos os motivos pelos quais se decidiu
de determinada forma, “dizer que há prova suficiente porque se
atingiu a convicção do julgador é abrir mão de qualquer controle de
racionalidade judicial, deixando o caminho aberto às condenações
arbitrárias e caprichosas”7.
Logo, ao realizar a determinação da suficiência probatória,
os standards probatórios podem oferecer referências para que
uma decisão judicial possa ser considerada fundamentada a partir
de critérios racionais e intersubjetivamente controláveis em um
contexto que se insere o sistema do “livre” convencimento motivado,
na medida em que a “livre” apreciação da prova representa apenas
a superação do modelo de provas tarifadas, inexistindo hierarquia
entre os meios de obtenção de prova pela definição prévia de seu
respectivo peso na definição do resultado probatório, o que não
corresponde a dizer que o julgador possua liberdade plena e esteja
desvinculado de um método para a tomada da decisão quanto ao
juízo fático.8
Note-se que a ideia de standard não se opõe totalmente ao livre
convencimento, mas existe para lhe dar concretude e controle

6 NARDELLI, Marcella Alves Mascarenhas. Presunção de Inocência, Standards de


Prova e Racionalidade das Decisões sobre os Fatos no Processo Penal. In: SANTORO,
Antônio Eduardo Ramires; MALAN, Diogo Rudge; MADURO, Flávio Mirza (org.).
Crise no processo penal contemporâneo: escritos em homenagem aos 30 anos da
Constituição de 1988. Belo Horizonte: D’Plácido, 2018. p. 291.
7 MATIDA, Janaína. Standards de prova: a modéstia necessária a juízes na decisão
sobre os fatos. In: CALDAS, Diana Furtado; ANDRADE, Gabriela Lima; RIOS,
Lucas P. Carapiá. (org.). Arquivos da resistência: ensaios e anais do VII seminário
nacional do IBADPP. Florianópolis: Tirant to blanch, 2018. p. 96.
8 BALTAZAR Jr., José Paulo. Standards probatórios no processo penal. Revista da
AJUFERGS, Porto Alegre, n. 4, p. 161-185, nov. 2007. p. 163-164.
58
Matheus Dantas Vilela

na avaliação das evidências, ou seja, o juiz continua avaliando


o conjunto probatório de maneira livre, porém, a prova,
para ser considerada suficiente, e, o fato, provado, deverá,
antes, passar por um crivo objetivo. Assim, uma decisão que
considere um fato como verdadeiro sem suficiência de prova
será insustentável, sendo facilmente atacada por meio de
recurso, bastando imaginar que o juiz, em um caso concreto,
considere que o agente esteve num lugar quando evidências
visuais mostram que estava em outro. Nessa dinâmica, não
estamos tratando se o agente é ou não culpado, juízo este
que envolve questões de direito que inevitavelmente ficarão a
cargo do convencimento do juiz, mas sim observando se o fato
pode ser considerado ou não verdadeiro, e isso não pode ficar
relegado a uma apreciação livre de qualquer critério objetivo.9
Portanto, o standard de prova no processo penal corresponde
ao modelo de constatação que indica o nível de suficiência
probatória exigido para que a hipótese acusatória seja considerada
provada e autorize a prolação da sentença condenatória, além de
fornecer um critério de raciocínio ao julgador na fundamentação e
conclusão do juízo fático, fortalecendo o controle intersubjetivo da
decisão judicial.

4.2 Os standards probatórios no percurso do processo


penal

O contentamento cognitivo para suporte de um enunciado


fático no processo penal é distinto a depender da fase em que se
encontra10, reivindicando níveis de constatação específicos para a
instauração da investigação preliminar, recebimento da denúncia,
pronúncia e sentença condenatória. A lógica do momento
processual é clara ao processo penal em razão de seu procedimento
9 NICOLITT, André. BARILI, Raphael. Standards de prova no Direito – debate sobre
a súmula 70 do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Boletim – Instituto Brasileiro
de Ciências Criminais, São Paulo, n. 302, p. 6-9, jan. 2018. p. 7.
10 FERNANDES, Lara Teles. Standards probatórios e epistemologia jurídica: uma
proposta interdisciplinar para a valoração do testemunho no processo penal.  2019.
Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2019.
p. 97.
59
Standards Probatórios e Processo Penal

ser consubstanciado em um sistema escalonado, assumindo a


forma de uma escada ao demandar o alcance de diferentes degraus
cognitivos ao longo de seu percurso11.
É importante destacar que o processo penal adota um sistema
escalonado que vai refletir o grau de sujeição do imputado e
de diminuição do seu status libertatis. O processo penal é um
sistema escalonado e como tal, para cada degrau, é necessário
um juízo de valor. Essa escada é triangular, pois pode ser
tanto progressiva como também regressiva de culpabilidade
(no sentido de responsabilidade penal) A situação do sujeito
passivo passa de uma situação mais ou menos difusa à definitiva
com a sentença condenatório ou pode voltar a ser difusa e dar
origem a uma absolvição. Inclusiva, é possível chegar a um
juízo definitivo de caráter negativo, em que se reconhece como
certa a não participação do agente.12.
Nessa esteira, para a instauração da investigação preliminar
bastaria um juízo de possibilidade; no que se refere ao recebimento
da denúncia, seria necessário um juízo de probabilidade; para a
decisão de pronúncia, submetendo o acusado ao julgamento pelo
tribunal do júri, um juízo de probabilidade qualificada; por fim,
no que tange à sentença penal condenatória, um juízo de “quase
certeza”.
Utilizando as categorias juízo de possibilidade e probabilidade
para diferenciar a necessidade de elementos cognitivos mínimos
para a instauração da investigação preliminar em comparação com
o recebimento da denúncia, os professores Aury Lopes Jr e Ricardo
Jacobsen Gloeckner elucidam, a partir das lições de Carnelutti, que
Existe possibilidade em lugar de probabilidade quando as razões
favoráveis ou contrárias à hipótese são equivalentes. O juízo
de possibilidade prescinde da afirmação de um predomínio
das razões positivas sobre as razões negativas, ou vice-versa.
Para a abertura do inquérito policial (ou qualquer outro
instrumento de investigação preliminar) seria suficiente um
juízo de possibilidade, posto que no curso da investigação se

11 LOPES Jr., Aury. Fundamentos do processo penal: introdução crítica. 3. ed. São
Paulo: Saraiva, 2017. p. 110.
12 Ibidem. p. 110.
60
Matheus Dantas Vilela

irão aportando outros elementos que permitam um maior


grau de convencimento.
Não obstante, para a admissão de uma ação penal ou aplicação
de uma medida cautelar pessoal, é necessário mais do que isso,
deve existir um juízo de probabilidade, uma predominância das
razões positivas. Se a possibilidade basta para a imputação, não
pode bastar para a acusação, pois o peso do processo agrava-se
notavelmente sobre as costas do imputado.
Como frisa Carnelutti, probabilidade significa o predomínio
das razões positivas que afirmam a existência do delito e sua
autoria. Logo, a investigação preliminar deve permitir afirmar
a probabilidade da existência de todos os requisitos positivos e a
(provável) inexistência de todos os requisitos negativos do delito.13
O juízo de probabilidade qualificada, por outro lado, diz
respeito ao standard probatório referente às decisões de pronúncia,
típicas do procedimento especial do tribunal do júri. No Brasil, o
tribunal do júri, por força do art. 5º, inciso XXXVIII, alínea “d”, da
CRFB/198814, detém a competência para o julgamento dos crimes
dolosos contra a vida. Nesse sentido, o procedimento do tribunal
do júri, regulamento pelos arts. 406 a 497 do Código de Processo
Penal, possui como principal característica o fato de ser composto
por 02 (duas) fases: sumário de culpa (iudicium accusationis) e juízo
de mérito (iudicium causae).
A primeira fase do procedimento do júri é preparatória, cuja
atribuição é fornecer o juízo de admissibilidade da acusação a partir
da análise pelo juiz togado que conclui pela submissão ou não do
acusado ao julgamento do mérito pelo tribunal do júri. Caso se
decida pelo julgamento do acusado pelos jurados, o juiz togado
deverá proferir uma decisão de pronúncia, que consiste, em síntese,
na verificação da prova “da materialidade do fato e da existência

13 LOPES Jr., Aury. GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. Investigação preliminar no


processo penal. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 122-123.
14 “é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:
(...) d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida”. BRASIL.
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência
da República, 1988.
61
Standards Probatórios e Processo Penal

de indícios suficientes de autoria ou de participação”, conforme


disposto no art. 413 do Código de Processo Penal15.
Ocorre que parcela da doutrina e da jurisprudência dos
tribunais afirmam que na decisão de pronúncia, em razão de não ser
exigido um juízo de “certeza”, bem como em virtude da soberania
das decisões prolatadas pelo conselho de sentença do tribunal do
júri, seria aplicável um suposto princípio que é intitulado de in
dubio pro societate, que significa, basicamente, caso haja dúvida
quanto à prova da materialidade e da existência de indícios
suficientes de autoria, o acusado deverá ser pronunciado. Segundo
Fernando Capez, “Na fase da pronúncia vigora o princípio do in
dubio pro societate, uma vez que há mero juízo de suspeita, não
de certeza. O juiz verifica apenas se a acusação é viável, deixando o
exame mais acurado para os jurados”16.
Todavia, tal posicionamento, em que pesa ainda possuir um
grande número de adeptos, apresenta uma leitura reducionista da
pronúncia e da demanda probatória que a decisão reclama, além do
fato de o princípio do in dubio pro societate não possuir fundamento
normativo no ordenamento jurídico brasileiro e ser manifestamente
inconstitucional em face do princípio da presunção de inocência
enquanto regra de julgamento (in dubio pro reo).17
O tema deve ser enfrentado à luz dos standards probatórios,
sem que para isso seja necessário se socorrer em brocardos latinos
sem qualquer base normativa. Nessa perspectiva, a 2ª turma do
Supremo Tribunal Federal, no agravo em recurso extraordinário
1.067.392/CE, julgado em 26/03/2019, sob relatoria do ministro
Gilmar Mendes, concedeu habeas corpus para reestabelecer a
decisão de impronuncia que havia sido reformada pelo TJCE
sob invocação do in dubio pro societate. Na ocasião, firmou-se o
entendimento de que, caso haja dúvida acerca da preponderância

15 BRASIL. Código de Processo Penal. Brasília, DF: Presidência da República, 1941.


16 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 23. ed. São Paulo: Saraiva. 2016. p.
683.
17 LOPES Jr., Aury. Direito Processual Penal. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 794-
797.
62
Matheus Dantas Vilela

de provas da autoria, deve ser aplicado o princípio do in dubio


pro reo, consignando “que a invocação do princípio do in dubio
pro societate não seria critério legítimo a fundamentar reforma de
sentença de impronúncia em processo penal”18.
De acordo com o voto do relator,
diante de um estado de dúvida, em que há uma preponderância
de provas no sentido da não participação dos acusados nas
agressões e alguns elementos incriminatórios de menor força
probatória, o Tribunal optou por alterar a decisão de primeiro
grau e pronunciar os imputados.
Considerando tal narrativa, percebe-se a lógica confusa e
equivocada ocasionada pelo suposto “princípio in dubio
pro societate”, que, além de não encontrar qualquer amparo
constitucional ou legal, acarreta o completo desvirtuamento
das premissas racionais de valoração da prova. Além de
desenfocar o debate e não apresentar base normativa, o in
dubio pro societate desvirtua por completo o sistema bifásico
do procedimento do júri brasileiro, esvaziando a função da
decisão de pronúncia.19
Assim, partindo-se do julgado exposto acima, constata-se
que o standard probatório para as decisões de pronúncia é o de
preponderância de provas, o que seria, em tese, equivalente ao juízo
de probabilidade para as decisões de recebimento da denúncia.
Contudo, a diferença reside na qualidade dos elementos cognitivos
para formação da decisão. Em outras palavras, significa dizer que
enquanto na decisão de recebimento da denúncia o juízo de valoração
é fundado em elementos cognitivos construídos unilateralmente
em sede de investigação preliminar, a decisão de pronúncia deve
ser fundamentada com base em elementos cognitivos produzidos
sob a luz da estrutura dialética do contraditório, isto é, provas
propriamente ditas.
18 MENDES, Gilmar. Critério da valoração racional da prova e o standard
probatório para pronuncia do júri. 2019. Disponível em: https://www.conjur.
com.br/2019-abr-06/observatorio-constitucional-criterios-valoracao-racional-prova-
standard-probatorio. Acesso em: 15 set. 2019.
19 Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/
ARE1067392votoGMindubioprore opronu769ncia.pdf. Acesso em: 15 set. 2019.
63
Standards Probatórios e Processo Penal

Apesar da decisão proferia pela 2ª turma do Supremo


Tribunal Federal apresentar um avanço em termos de epistemologia
judiciária, esta é ainda insuficiente para se garantir a devida eficácia
do princípio da presunção de inocência. O nível de exigência
probatória para a decisão de pronúncia necessita ser mais robusto,
devendo haver prova além de qualquer dúvida razoável quanto à da
materialidade e, no que tange à autoria, prova clara e convincente,
considerando que diz respeito à decisão que submete o acusado
ao crivo de juízes leigos que julgam por íntima convicção e não
possuem o dever de fundamentar a decisão.
O standard probatório exigido para as decisões de pronúncia
ficará mais claro no próximo tópico do presente trabalho,
oportunidade na qual serão analisados os diferentes nivelamentos
dos standards probatórios para o juízo fático das sentenças judiciais
e, principalmente, o nível de suficiência probatória para que a
hipótese acusatória seja considerada provada e autorize a prolação
de uma sentença penal condenatória.

4.3 Os diferentes nivelamentos dos standards


probatórios das sentenças judiciais

Os standards probatórios possuem diferentes nivelamentos,


podendo ocorrer a variação do grau da demanda probatória para
se considerar uma hipótese fática satisfeita ou provada na esfera
jurisdicional de acordo com a matéria ou com a relevância do
bem jurídico em apreço. Dessa forma, os standards probatórios
estão inseridos em uma lógica de distribuição dos riscos de erro,
operando como uma espécie de termômetro da tolerância social,
constitucionalmente orientada, quanto à possibilidade de decisões
judiciais “incorretas” no que se refere ao juízo fático da sentença20.
Seguindo as premissas acima, conclui-se que quanto mais

20 FERNANDES, Lara Teles. Standards probatórios e epistemologia jurídica: uma


proposta interdisciplinar para a valoração do testemunho no processo penal.  2019.
Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2019.
p. 99.
64
Matheus Dantas Vilela

exigente um standard probatório, maior será a ocorrência de


falsas absolvições, isto é, absolvições de culpados. Por outro lado,
dificultará a existência de falsas condenações, ou seja, condenações
de inocentes21. Tais categorias correspondem àquilo que se
denomina, respectivamente, de falsos negativos e falsos positivos22.
Não obstante, destaca-se que, tanto as decisões que
correspondam aos falsos negativos quanto as que coincidam
com os falsos positivos, podem ser consideradas corretas na
perspectiva da epistemologia judiciária, isto é, da valoração do
arcabouço probatório produzido dentro do processo, tendo em
vista que a decisão acertada é aquela que tem como sustentáculo os
elementos cognitivos produzidos sob a luz da estrutura dialética do
contraditório. A classificação em falsos negativos e falsos positivos
somente possui coerência a partir da correlação entre o juízo fático
da sentença e o que efetivamente ocorreu no mundo dos fatos.23
O standard de prova é um mecanismo que permite determinar
e distribuir os erros judiciais na fixação dos factos provados.
Estaremos perante um falso positivo quando uma decisão
declara provada uma hipótese, sendo esta falsa. O falso
negativo ocorre quando se declara uma hipótese não provada,
sendo esta verdadeira. Qualquer uma destas decisões pode
ser válida epistemologicamente no sentido de que se fundou
corretamente nos elementos de prova disponíveis.
Deste modo, à medida que aumentamos a exigência do
standard de prova, aumentam os falsos negativos e diminuem
os falsos positivos.24
Dessa maneira, baseando-se na ideia da distribuição dos

21 MATIDA, Janaína. Standards de prova: a modéstia necessária a juízes na decisão


sobre os fatos. In: CALDAS, Diana Furtado; ANDRADE, Gabriela Lima; RIOS,
Lucas P. Carapiá. (org.). Arquivos da resistência: ensaios e anais do VII seminário
nacional do IBADPP. Florianópolis: Tirant to blanch, 2018. p. 102.
22 SOUZA, Luís Filipe Pires de. O standard de prova no processo civil e no processo
penal. Artigo antecipado do livro Prova por presunção do direito civil. 3. ed., 2017.
Disponível em: http://www.trl.mj.pt/PDF/O%20standard%20de%20prova%20
2017.pdf. Acesso em: 20 set. 2017. p. 02.
23 Ibidem. p. 02.
24 Ibidem. p. 02
65
Standards Probatórios e Processo Penal

riscos de erro, os trabalhos especializados sobre o tema, em regra,


trabalham com 03 (três) espécies de standards probatórios que são
oriundos da tradição common law: preponderância de evidências
(preponderance of evidence); claro e convincente (clear and convincing);
e prova além de dúvida razoável (proof beyond reasonable doubt).
Assim, os modelos de constatação da preponderância de provas e
do claro e convincente são aplicados ao processo civil, enquanto
a prova além de dúvida razoável reflete o standard probatório do
processo penal.25
O standard probatório da preponderância de evidências é
empregado, em geral, nos processos civis de natureza patrimonial,
em que se parte da concepção de resguardo da paridade de armas
entre as partes e da simetria existente entre os bens jurídicos em
questão26. Neste modelo de constatação, a conclusão do juízo fático,
diante dos posicionamentos e elementos cognitivos antagônicos,
deve declarar como provada aquela hipótese fática que tenha
atingido o maior nível de confirmação probatória em confronto
com as demais, elegendo-se a versão que aparenta ser mais provável
do que não27.
Em primeiro lugar, este critério da probabilidade lógica
prevalecente – insiste-se – não se reporta à probabilidade como
frequência estatística mas sim como grau de confirmação lógica
que um enunciado obtém a partir das provas disponíveis.
Em segundo lugar, o que o standard preconiza é que, quando
sobre um facto existam provas contraditórias, o julgador deve
sopesar as probabilidades das diferentes versões para eleger o
enunciado que pareça ser relativamente “mais provável”, tendo

25 GUEDES, Clarissa Diniz. LOPES, Laís Almeida de Souza. Standards probatórios


no contexto da responsabilidade civil do médico. Revista Eletrônica de Direito
Processual - REDP, Rio de Janeiro, v. 18, n. 2, p. 88-115, mai./ago. 2017. p. 98.
26 NICOLITT, André. BARILI, Raphael. Standards de prova no Direito – debate sobre
a súmula 70 do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Boletim – Instituto Brasileiro
de Ciências Criminais, São Paulo, n. 302, p. 06-09, jan. 2018. p. 07.
27 SOUZA, Luís Filipe Pires de. O standard de prova no processo civil e no processo
penal. Artigo antecipado do livro Prova por presunção do direito civil. 3. ed., 2017.
Disponível em: http://www.trl.mj.pt/PDF/O%20standard%20de%20prova%20
2017.pdf. Acesso em: 20 set. 2017. p. 06.
66
Matheus Dantas Vilela

em conta os meios de prova disponíveis. Dito de outra forma,


deve escolher-se a hipótese que receba apoio relativamente
maior dos elementos de prova conjuntamente disponíveis.28
Caso ao final da instrução probatória nenhum dos
enunciados fáticos levantados tenham se destacado como
preponderante devido a uma corroboração cognitiva deficiente, a
postura a ser adotada para o impasse é a aplicação da regra do ônus
da prova. Segundo Luís Filipe Pires de Souza, “Perante este estado
de incerteza ou outro em que a verdade de um enunciado não
receba uma adequada confirmação, a decisão só pode ser adotada
mediante a aplicação da regra do ónus da prova objetivo”.29
Como um modelo de constatação intermediário, inserindo
entre a preponderância de provas e o standard probatório próprio do
processo penal, encontra-se o clear and convincing que, por sua vez,
demanda um grau elevado de probabilidade para que a hipótese
fática seja considerada provada. Esse standard de prova também
possui aplicação à jurisdição civil, mas em razão da relevância
do bem jurídico em pauta, transcendendo o conflito meramente
patrimonial, o nível de exigência probatória é mais elevado em
comparação à preponderância de evidências, incidindo em processos
civis especiais, a exemplo dos de natureza punitiva como nas ações
de improbidade administrativa, bem como em algumas ações que
envolvam direito de família.30
Conforme bem destacado por André Nicolitt e Rafel Barili,
mesmo em casos de natureza cível onde os interesses discutidos
merecem uma maior proteção, o nível de exigência pode subir,
sendo a lógica que demandou a criação do chamado clear
and convincing (claro e convincente) para casos chamados de
much more likely than not (onde a alegação deve ser muito
mais provável do que não), onde seria demandado um grau
de certeza ainda maior. Essa sistemática é a que encontramos,

28 Ibidem. p. 06.
29 Ibidem. p. 08-09.
30 GUEDES, Clarissa Diniz. LOPES, Laís Almeida de Souza. Standards probatórios
no contexto da responsabilidade civil do médico. Revista Eletrônica de Direito
Processual - REDP, Rio de Janeiro, v. 18, n. 2, p. 88-115, mai./ago. 2017. p. 98-99.
67
Standards Probatórios e Processo Penal

por exemplo, em questões envolvendo filiação, o que demanda


uma análise mais apurada, não sendo possível que uma simples
relação de preponderância seja suficiente para se considerar a
relação de parentesco e suas obrigações decorrentes.31
Por fim, no processo penal reclama-se a aplicação do modelo
de constatação de maior rigor probatório, estando bem além de uma
mera preponderância de provas ou de elementos cognitivos claros e
convincentes favoráveis à hipótese acusatória. A necessidade de um
standard probatório mais rigoroso para o processo penal parte do
reconhecimento de que a sanção penal é a forma mais extrema de
intervenção do Estado na vida do indivíduo. Portanto, no processo
penal o standard probatório correspondente é a prova além de
dúvida razoável (proof beyond reasonable doubt), possuindo como
vetor axiológico o princípio da presunção de inocência32.
O princípio da presunção de inocência é o princípio cardeal
do processo penal33 e, como bem salientado por Luigi Ferrajoli, trata-
se de um “princípio fundamental de civilidade”34. Nesse sentido,
ressalta-se que o princípio da presunção de inocência, devido ao
seu caráter multifacetado, possui conteúdo normativo que produz
efeitos metaprocessuais e endoprocessuais, sendo que, no que se
refere ao nível de suficiência probatória para autorização da sentença
penal condenatória, exige-se que as provas produzidas ao longo da
instrução processual, isto é, elementos cognitivos produzidos sob
a luz da estrutura dialética do contraditório, sejam suficientes para
afastar todas as dúvidas razoáveis acerca da inocência do acusado35.
31 NICOLITT, André. BARILI, Raphael. Standards de prova no Direito – debate sobre
a súmula 70 do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Boletim – Instituto Brasileiro
de Ciências Criminais, São Paulo, n. 302, p. 06-09, jan. 2018. p. 07.
32 FERNANDES, Lara Teles. Standards probatórios e epistemologia jurídica: uma
proposta interdisciplinar para a valoração do testemunho no processo penal.  2019.
Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2019.
p. 104.
33 AVELAR, Paulo Antônio Pereira de. A presunção de inocência como princípio
cardeal do processo penal. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2002.
34 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 3. ed. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 441.
35 NARDELLI, Marcella Alves Mascarenhas. Presunção de Inocência, Standards de
68
Matheus Dantas Vilela

Atingir a prova além da dúvida razoável para fins de


autorização da sentença penal condenatória não se trata de
sanar toda e qualquer dúvida subjetiva e banal, pois, como já
dito anteriormente, jamais se chegará à verdade absoluta do fato
histórico, haja vista que, por mais robusto e vigoroso que seja o
resultado probatório, esta jamais será atingida, quer por razões de
ordem ideológica, prática ou teórica36. Na realidade, o standard da
prova além da dúvida razoável reivindica, para fins de uma sentença
penal condenatória, que a hipótese acusatória seja capaz de explicar
de forma íntegra e coerente todos os dados disponíveis e permita
concluir que se trata da única aceitável diante do arcabouço fático-
probatório construído no percurso do processo penal, devendo ser
rechaçadas todas as demais que sejam compatíveis com a inocência
do acusado. Segundo Luís Filipe Pires de Souza, “A hipótese vertida
na acusação deve ser a única, em função da prova concretamente
reunida, a dar um sentido à ‘história’ que se propõe para a
reconstrução da factualidade sob averiguação”37.
Conforme destacado por Jordi Ferrer Beltrán, para que
a hipótese acusatória possa ser considerada provada no processo
penal e superada a presunção de inocência, devem estar presentes
os seguintes requisitos:
1) A hipótese deve ser capaz de explicar os dados disponíveis,
integrando-os de forma coerente, e as previsões de novos dados
que a hipótese permita formular devem ter sido confirmadas.
2) Todas as outras hipóteses plausíveis que explicam os mesmos
dados compatíveis com a inocência do acusado devem ter sido
refutadas, excluindo meras hipóteses ad hoc.38
Prova e Racionalidade das Decisões sobre os Fatos no Processo Penal. In: SANTORO,
Antônio Eduardo Ramires; MALAN, Diogo Rudge; MADURO, Flávio Mirza (org.).
Crise no processo penal contemporâneo: escritos em homenagem aos 30 anos da
Constituição de 1988. Belo Horizonte: D’Plácido, 2018. p. 292-295.
36 PINTO, Felipe Martins. Introdução crítica ao processo penal. 2. ed. Belo
Horizonte: Del Rey, 2016. p. 83-98.
37 SOUZA, Luís Filipe Pires de. O standard de prova no processo civil e no processo
penal. Artigo antecipado do livro Prova por presunção do direito civil. 3. ed., 2017.
Disponível em: http://www.trl.mj.pt/PDF/O%20standard%20de%20prova%20
2017.pdf. Acesso em: 20 set. 2017. p. 16.
38 BELTRÁN, Jordi Ferrer. La prueba es libertad, pero no tanto: una teoría de la
69
Standards Probatórios e Processo Penal

Com conteúdo bastante similar, Andrea Pellegrino também


aponta as condições para a satisfação da hipótese acusatória e
autorização da sentença penal condenatória:
1) Deve ser sustentada por provas atinentes sobre todos os
seus elementos constitutivos; 2) As contraprovas não devem
estilhaçar o seu núcleo essencial; 3) As contra-hipóteses devem
revelar-se ou indemonstradas ou implausíveis; 4) A hipótese
deve ter uma interna coerência lógica, não podendo ser
autocontraditória; 5) A hipótese deve ser a única congruente
com os fatos, ou seja, deve ser a única com condições de
respeitar os fatos fundamentais apurados e de explicá-los com
racionalidade.39
Assim, a prova além da dúvida razoável corresponde ao
standard probatório aplicado ao processo penal e possui como
vetor axiológico o princípio da presunção de inocência, somente
admitindo-se a prolação da sentença condenatória quando a
hipótese acusatória seja capaz de explicar de forma coerente e íntegra
todos os dados disponíveis e rechace todas as hipóteses compatíveis
com a inocência do acusado, devendo ser a única conclusão
possível diante do arcabouço fático-probatório construído dentro
da estrutura dialética do contraditório judicial.

4.4 A aplicação do standard probatório no controle


intersubjetivo do juízo fático da sentença penal

A construção teórica de um standard probatório mais


rigoroso, que seja compatível com o princípio da presunção de
inocência, somente contribuirá de maneira concreta e efetiva no
controle intersubjetivo do juízo fático da sentença penal na presença
algumas premissas necessárias, pois, caso contrário, será reduzida
à mera fonte retórica de encobrimento da discricionariedade dos
julgadores. A primeira delas é que os juízes e tribunais, especialmente
prueba cuasi-benthamiana. Revista Jurídica Mario Alario D’Filippo, Cartagena
(Colombia), v. 9, n. 18, p. 150-169, jul./dez. 2017. p. 165.
39 PELLEGRINO, Andrea. Il doppio volto dell’indizio nel processo penale. Torino:
Giappichelli Editore, 2010. p. 331.
70
Matheus Dantas Vilela

os de jurisdição ordinária, estejam comprometidos e conscientes


da sua função em um Estado Democrático de Direito, isto é, de
garantidores dos direitos e garantias fundamentais, sob pena do
total esvaziamento da aplicabilidade dos standards probatórios.
Como bem lembrado por Aury Lopes Jr., a legitimidade da atuação
do poder judiciário em um Estado Democrático de Direito é
“consubstanciada na função de proteção dos direitos fundamentais
de todos e de cada um, ainda que para isso tenha que adotar uma
posição contrária à opinião da maioria. Deve tutelar o indivíduo
e reparar as injustiças cometidas e absolver quando não existirem
provas plenas e legais”40.
O segundo ponto é a positivação desse standard probatório
mais rigoroso, apoiado em aprimorada técnica legislativa, no
código de processo penal. Nesse sentido, ainda que um standard
probatório mais exigente seja decorrência e implícito no princípio
da presunção de inocência, trata-se de um equívoco pensar que
sua previsão na legislação ordinária seria dispensável. A ausência de
previsão legal expressa de um standard probatório para o processo
penal resulta numa proteção deficiente do princípio da presunção
de inocência, viabilizando condenações firmadas em conjuntos
fático-probatórios mais frágeis e, principalmente, conferindo
liberdade irrestrita ao julgador na definição de qual seria esse nível
elevado de provas e quando ele seria atingido.41
Em apresentação realizada por Vinicius Gomes de
Vasconcellos, em 24/04/2019, na Faculdade Nacional de Direito da
UFRJ, intitulada “Standard probatório para condenação e dúvida
razoável no processo penal”, referente ao trabalho desenvolvido em
sede de pós-doutoramento sob orientação do professor Geraldo
Prado, foi proposta a seguinte redação de um dispositivo legal apto
a abarcar as características de um standard probatório compatível
40 LOPES Jr., Aury. Direito Processual Penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 106.
41 NARDELLI, Marcella Alves Mascarenhas. Presunção de Inocência, Standards de
Prova e Racionalidade das Decisões sobre os Fatos no Processo Penal. In: SANTORO,
Antônio Eduardo Ramires; MALAN, Diogo Rudge; MADURO, Flávio Mirza (org.).
Crise no processo penal contemporâneo: escritos em homenagem aos 30 anos da
Constituição de 1988. Belo Horizonte: D’Plácido, 2018. p. 296-297.
71
Standards Probatórios e Processo Penal

com o processo penal e o princípio da presunção de inocência:


Art. XX. Toda pessoa é presumidamente inocente até que
a sua culpa definitivamente. Incumbe ao acusador prova
todos os elementos da hipótese fática tipificada penalmente,
autorizando-se a condenação somente se houver prova além da
dúvida razoável da materialidade e da autoria.
§ 1º. A hipótese acusatória deve ser capaz de explicar de modo
coerente e íntegro todos os elementos fáticos comprovados no
processo, apresentando critérios confirmatórios disponíveis.
§ 2º. Considera-se dúvida razoável a hipótese alternativa à tese
incriminatória que se mostre logicamente possível e amparada
suficientemente pelo lastro probatório do processo.
§ 3º. A sentença ou acórdão condenatório deve apresentar
motivação fática consistente, a partir de critérios objetivos e
racionais, indicando os elementos probatórios que justifiquem
cada afirmação fática e analisando eventuais hipóteses
alternativas de potencial dúvida razoável.42
Nesse seguimento, a terceira premissa necessária para
a efetividade do standard probatório no processo penal é a sua
conjugação com os princípios da fundamentação das decisões
judiciais e do contraditório, que já são princípios umbilicalmente
interligados e traduzem uma relação de co-dependência43. Há que
se atentar para o fato de que, a partir da contribuição teórica do
processo como procedimento em contraditório, de Elio Fazzalari44,
o contraditório não se resume mais à bilateralidade de audiência
(adiatur et altera pars), sendo compreendido como influência e não
surpresa.
O princípio do contraditório consagra o processo

42 Palestra proferida por Vinícius Gomes de Vasconcellos na Conferência Standard


probatório para condenação e dúvida razoável no processo penal, Rio de Janeiro, 24
abr. 2019.
43 FAZZALARI, Elio. Instituições de direito processual. Campinas: Bookseller, 2006.
44 BARROS, Flaviane de Magalhães. MARQUES, Leonardo Augusto Marinho. A
atuação do juiz no contraditório dinâmico: uma análise comparativa entre o sistema
processual penal adversarial chileno e o modelo constitucional de processo brasileiro.
In: POSTIGO, Leonel González (dir.). Desafiando a inquisição: ideias e propostas
para a reforma processual penal no Brasil. Chile: CEJA, 2017. p. 349.
72
Matheus Dantas Vilela

penal como o espeço procedimentalizado que garante a efetiva


participação das partes na construção das decisões judiciais ao
vincular sua fundamentação aos argumentos e à prova produzida
em contraditório, vedando a surpresa ao impedir que o julgador
decida com base no que não foi previamente debatido pelas partes45.
Dessa forma, o princípio da fundamentação em conjunto com o
contraditório permite a individualização da decisão ao destacar a
importância do caso concreto e inibir que a atividade jurisdicional
seja uma manifestação da prudência, consciência ou senso de
justiça do julgador46, amplificando-se o controle intersubjetivo do
juízo fático ao se edificar “em cima de uma realidade objetivada”47.
A efetividade dos princípios do contraditório e da
fundamentação das decisões judiciais também reivindica contornos
legais mais apurados pela legislação processual penal, consistindo
o contraditório uma das pedras de toque da definição do sistema
acusatório constitucional48. A relação de contrariedade entre o
sistema acusatório constitucional e o inquisitório do código de
processo penal deixa claro a existência de uma crise existencial do
processo penal brasileiro49, e demanda mais do que alguns meros
dispositivos para a real eficácia dos princípios do contraditório e
da fundamentação das decisões judiciais, mas sim um novo código
de processo penal, tendo em vista a contaminação inquisitorial
45 Ibidem. p. 348-349
46 SOUSA, Lorena Ribeiro de Carvalho. O dever de fundamentação das decisões
no código de processo civil de 2015: um estudo crítico das decisões do Superior
Tribunal de Justiça a partir do modelo constitucional de processo.  2017. Dissertação
(Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo
Horizonte, 2017. p. 130-131.
47 MARQUES, Leonardo Augusto Marinho. O modelo constitucional de processo
e o eixo estrutural da processualidade democrática. Revista Brasileira de Direito
Processual Penal, Porto Alegre, vol. 2, n. 1, p. 43 - 55, 2016. p. 51.
48 LOPES Jr., Aury. Fundamentos do processo penal: introdução crítica. 3. ed. São
Paulo: Saraiva, 2017. p. 162-163.
49 SANTIAGO NETO, José de Assis. A crise existencial do processo penal: entre a
acusatoriedade constitucional e a inquisitoriedade da vida real. In: COUTINHO,
Jacinto Nelson de Miranda; PAULA, Leonardo Costa de; SILVEIRA, Marco Aurélio
Nunes da (org.). Mentalidade inquisitória e processo penal: o sistema acusatório e
a reforma do CPP no Brasil e na américa latina. Florianópolis: Empório do Direito,
2017.
73
Standards Probatórios e Processo Penal

sistêmica do Código de Processo Penal de 1941.


Uma alternativa enquanto não é promulgado um novo
código de processo penal de base constitucional acusatória, que não
é a mais recomendável pelo risco do vilipêndio às individualidades
do processo penal, é a aplicação analógica e provisória do art. 489,
§ 1º, do CPC50, que é admitida por força do art. 3º do CPP51
e traz importantes delineamentos da motivação das decisões
judiciais. Especial destaque deve ser conferido ao inciso IV do
art. 489, § 1º, do CPC, que estabelece como requisito de uma
decisão fundamentada e evidencia a relação co-dependência com
o princípio do contraditório, o dever de serem enfrentados todos
os argumentos levantados pelas partes que possam infirmar a
conclusão do juízo fático, na medida em que uma das condições
para que a hipótese acusatória seja considerada provada no processo
penal é o afastamento de todas as demais hipóteses fáticas que sejam
compatíveis com a inocência do acusado.
Caso esteja presente tal conjuntura, o standard probatório
poderá se estabelecer como um método apto no controle
intersubjetivo do juízo fático da sentença penal. Assim, ao indicar o
nível de suficiência probatória para satisfação da hipótese acusatória,
autorizando a imposição da pena e afastando o estado de inocência,
o modelo de constatação da prova além da dúvida razoável fornece

50 Art. 489, § 1º, do CPC: “Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial,
seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I - se limitar à indicação, à
reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou
a questão decidida; II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o
motivo concreto de sua incidência no caso; III - invocar motivos que se prestariam a
justificar qualquer outra decisão; IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos
no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus
fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta
àqueles fundamentos; VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou
precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em
julgamento ou a superação do entendimento”. BRASIL. Código de Processo Civil.
Brasília, DF: Presidência da República, 2015.
51 Art. 3º do CPP: “A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação
analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito”. BRASIL.
Código de Processo Penal. Brasília, DF: Presidência da República, 1941.
74
Matheus Dantas Vilela

critérios e referências aos julgadores para uma valoração racional


da prova, minorando o subjetivismo na conclusão e fortalecendo o
controle intersubjetivo sobre o juízo fático da sentença penal, além
de garantir uma maior proteção aos acusados inocentes.
Dessa maneira, o método de raciocínio do julgador na
avaliação probatória deve partir da concepção inicial da inocência do
acusado, verificando-se, em seguida, se a hipótese acusatória é capaz
de explicar de forma coerente e íntegra todos os dados disponíveis.
Caso assim ocorra, deverão ser analisadas, posteriormente, todas
as hipóteses fáticas compatíveis com a inocência do acusado
que tenham base no lastro probatório e que, se categoricamente
rechaçadas, levarão à conclusão de que a hipótese acusatória é a
única possível diante do arcabouço fático-probatório construído na
estrutura dialética do contraditório judicial, autorizando-se, assim,
a prolação da sentença condenatória e o afastamento do estado de
inocência do acusado.52
Portanto, o standard de prova, caso positivado com base em
aprimorada técnica legislativa, inserido em um contexto de juízes
e tribunais comprometidos com sua função de garantidores dos
direitos e garantias fundamentais, e trabalhado em conjunto com
os princípios do contraditório e da fundamentação das decisões,
poderá servir como método de controle intersubjetivo do juízo
fático da sentença penal. Todavia, vale ressaltar que os standards
probatórios não apresentam um método infalível e não eliminarão
todo os espaços de discricionariedade e subjetividade na definição
do juízo fático das decisões judiciais. Na verdade, os standards
probatórios se destinam a colocar limites e balizas ao “livre”
convencimento do julgador, propiciando a contenção dos efeitos
colaterais que são inerentes a esse modelo por meio da definição de
critérios para uma valoração racional da prova.

52 NARDELLI, Marcella Alves Mascarenhas. Presunção de Inocência, Standards de


Prova e Racionalidade das Decisões sobre os Fatos no Processo Penal. In: SANTORO,
Antônio Eduardo Ramires; MALAN, Diogo Rudge; MADURO, Flávio Mirza (org.).
Crise no processo penal contemporâneo: escritos em homenagem aos 30 anos da
Constituição de 1988. Belo Horizonte: D’Plácido, 2018. p. 303-305.
CONCLUSÃO

Após a elaboração da presente pesquisa, é possível apontar,


pela análise do conhecimento produzido, as seguintes conclusões:
1. O standard de prova no processo penal corresponde ao
modelo de constatação que indica o nível de suficiência probatória
exigido para que a hipótese acusatória seja considerada provada e
autorize a prolação da sentença condenatória, além de fornecer um
critério de raciocínio ao julgador na fundamentação e conclusão
do juízo fático, fortalecendo o controle intersubjetivo da decisão
judicial.
2. O procedimento no processo penal exige em um sistema
escalonado, reivindicando níveis de constatação específicos para a
instauração da investigação preliminar, recebimento da denúncia,
pronúncia e sentença condenatória.
3. Os standards probatórios possuem diferentes nivelamentos
e estão inseridos em uma lógica de distribuição dos riscos de erro,
podendo ocorrer a variação do grau da demanda probatória para
se considerar uma hipótese fática satisfeita ou provada na esfera
jurisdicional de acordo com a matéria ou com a relevância do bem
jurídico em apreço.
4. Quanto mais exigente um standard probatório, maior será
a ocorrência de falsas absolvições, isto é, absolvições de culpados
(falsos negativos). Por outro lado, dificultará a existência de falsas
condenações, ou seja, condenações de inocentes (falsos positivos).
5. Os trabalhos especializados sobre o tema trabalham,
em regra, com 03 (três) espécies de standards probatórios que
são oriundos da tradição common law: preponderância de
evidências (preponderance of evidence); claro e convincente (clear
and convincing); e prova além de dúvida razoável (proof beyond
reasonable doubt).
6. O standard probatório da preponderância de evidências é
76
Matheus Dantas Vilela

empregado, em geral, nos processos civis de natureza patrimonial,


em que se parte da concepção de resguardo da paridade de armas
entre as partes e da simetria existente entre os bens jurídicos em
questão, devendo ser declarada como provada aquela hipótese
fática que tenha atingido o maior nível de confirmação probatória
em confronto com as demais, elegendo-se a versão que aparenta ser
mais provável do que não.
7. No standard probatório da preponderância de evidências,
caso ao final da instrução probatória nenhum dos enunciados fáticos
levantados tenham se destacado como preponderante devido a uma
corroboração cognitiva deficiente, a postura a ser adotada para o
impasse é a aplicação da regra do ônus da prova.
8. O standard probatório da preponderância de provas é
um modelo de constatação intermediário e que também possui
aplicação à jurisdição civil, mas em razão da relevância do
bem jurídico em pauta, transcendendo o conflito meramente
patrimonial, o nível de exigência probatória é mais elevado em
comparação à preponderância de evidências, incidindo em processos
civis especiais, a exemplo dos de natureza punitiva como nas ações
de improbidade administrativa, bem como em algumas ações que
envolvam direito de família.
9. O standard da prova além da dúvida razoável (proof beyond
reasonable doubt) corresponde ao standard probatório do processo
penal e possui como vetor axiológico o princípio da presunção
de inocência, somente admitindo-se a prolação da sentença
condenatória quando a hipótese acusatória seja capaz de explicar de
forma coerente e íntegra todos os dados disponíveis e rechace todas
as hipóteses compatíveis com a inocência do acusado, devendo ser
a única conclusão possível diante do arcabouço fático-probatório
construído dentro da estrutura dialética do contraditório judicial.
10. O standard da prova além da dúvida razoável (proof
beyond reasonable doubt), caso positivado com base em aprimorada
técnica legislativa, inserido em um contexto de juízes e tribunais
comprometidos com sua função de garantidores dos direitos
77
Standards Probatórios e Processo Penal

e garantias fundamentais, e trabalhado em conjunto com os


princípios do contraditório e da fundamentação das decisões,
poderão servir como método de controle intersubjetivo do juízo
fático da sentença penal.
11. O standard da prova além da dúvida razoável (proof beyond
reasonable doubt) estabelece um raciocínio ao julgador na avaliação
probatória que deve partir da concepção inicial da inocência do
acusado, verificando-se, em seguida, se a hipótese acusatória é capaz
de explicar de forma coerente e íntegra todos os dados disponíveis.
Caso assim ocorra, deverão ser analisadas, posteriormente, todas
as hipóteses fáticas compatíveis com a inocência do acusado
que tenham base no lastro probatório e que, se categoricamente
rechaçadas, levarão à conclusão de que a hipótese acusatória é a
única possível diante do arcabouço fático-probatório construído na
estrutura dialética do contraditório judicial, autorizando-se, assim,
a prolação da sentença condenatória e o afastamento do estado de
inocência do acusado.
12. Os standards probatórios não apresentam um método
infalível e não eliminarão todo os espaços de discricionariedade e
subjetividade na definição do juízo fático das decisões judiciais,
mas colocam limites e balizas ao “livre” convencimento do julgador
e propiciam a contenção dos efeitos colaterais que são inerentes a
esse modelo por meio da definição de critérios para uma valoração
racional da prova, fortalecendo o controle intersubjetivo.
REFERÊNCIAS

ANDOLINA, Italo; VIGNERA, Giuseppe. I fondamenti


constituzionali della giustizia civile: il modello constituzionale
del processo civile italiano. 2. ed. Torino: Giappichelli, 1997.
AQUINO, Yuri Alvarenga Maringues de. O sistema do livre
convencimento motivado no processo penal em face do
ordenamento constitucional.  2016. Dissertação (Mestrado em
Direito) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte,
2016.
AVELAR, Paulo Antônio Pereira de. A presunção de inocência
como princípio cardeal do processo penal. Dissertação
(Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais, Belo Horizonte, 2002.
BADARÓ, Gustavo Henrique. Correlação entre acusação e
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BADARÓ, Gustavo Henrique. Ônus da prova no processo
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BALTAZAR Jr., José Paulo. Standards probatórios no processo
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BARROS, Flaviane de Magalhães. MARQUES, Leonardo
Augusto Marinho. A atuação do juiz no contraditório dinâmico:
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SOBRE O AUTOR

Matheus Dantas Vilela

Advogado Criminalista. Especialista (pós-graduação lato sensu) em


Advocacia Criminal pela Escola Superior de Advocacia da OAB/
MG e em Direitos Humanos pelo CURSO CEI. Bacharel em
Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
E-mail: mdvilelaadv@gmail.com

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