Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
PENAL DEMOCRÁTICO:
Crítica à Metástase do
Sistema de Controle Social
ALEXANDRE MORAIS DA ROSA
Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de
Direito de Coimbra, Portugal e UNISINOS, Brasil.
Doutor em Direito do Estado pela UFPR.
Mestre em Direito pela UFSC.
Professor do Curso de Pós-Graduação Stricto
Sensu em Ciência Jurídica da UNIVALI.
Juiz de Direito (TJSC).
E-mail: alexandremoraisdarosa@gmail.com
PARA UM PROCESSO
PENAL DEMOCRÁTICO:
Crítica à Metástase do
Sistema de Controle Social
vii
Alexandre Morais da Rosa e Para um Processo Penal Democrático:
Sylvio Lourenço da Silveira Filho Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
Noutra dimensão, pode ser visto como A leitura é fluída, aguçando a capacidade
uma conseqüência da narcose dromológica na de recusa-requestionamento do leitor, com uma
qual estamos imersos, impondo seu ritmo. Para rara habilidade de encantar e desvelar as falá-
ser lido, deve-se tomar pouco tempo de quem cias do senso comum teórico.
já não dispõe de tempo. Ou ainda, só a acelera- Não farei antecipações do mérito, de modo
ção salva. Nenhum inconveniente nisso, desde que, a partir daqui, só nos resta gozar o que
que, como fazem os autores, não se sacrifique a temos nas mãos...
seriedade da análise. Eis o valor da obra deles. Boa leitura!!
Breve, mas jamais superficial.
Aury Lopes Jr.
Gosto deste formato, pois me remete as Doutor em Direito Processual Penal pela
prazerosas leituras que fiz, inúmeras vezes, de Universidad Complutense de Madrid.
Professor do Programa de Pós-Graduação
pequenas-grandes obras. em Ciências Criminais da Pontifícia Universidade
Carnelutti escreveu preciosidades em pou- Católica do Rio Grande do Sul PUCRS.
Pesquisador do CNPq.
cas páginas (sem desprezar os tratados, é Advogado.
claro), basta ler “Las Misérias del Proceso www.aurylopes.com.br
Penal” ou “Como se hace el Proceso”. Chio-
venda, em 1903, marca época com pouco mais
de 40 páginas ao publicar “La Acción en el sis-
tema de los derechos”, fruto de “la prolusión de
Bolonha”. Da genialidade de Goldschmidt nas-
ceu “Problemas Juridicos y Politicos del Proceso
Penal”, fruto das palestras que ministrou na
Universidad Complutense de Madrid em 1935.
E, por aí vão as boas lembranças as quais me
remetem os “libros de bolsillo”.
E os autores começam bem quando par-
tem da noção de processo penal como limite-
garantia, ou seja, limite em relação ao poder
punitivo, talvez nossa última esperança de
recusa à banalização operada em relação ao
(ab)uso do direito penal; e, por outro lado, uma
garantia do sujeito, um lugar de reconstrução
da democracia.
viii ix
Sumário
xi
Introdução
1
Alexandre Morais da Rosa e
Sylvio Lourenço da Silveira Filho
2 3
Alexandre Morais da Rosa e Para um Processo Penal Democrático:
Sylvio Lourenço da Silveira Filho Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
4 5
Alexandre Morais da Rosa e Para um Processo Penal Democrático:
Sylvio Lourenço da Silveira Filho Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
6 7
Alexandre Morais da Rosa e Para um Processo Penal Democrático:
Sylvio Lourenço da Silveira Filho Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
8 9
Alexandre Morais da Rosa e Para um Processo Penal Democrático:
Sylvio Lourenço da Silveira Filho Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
estimulante de uma suposta impunidade), o (...). Quem tem a palavra constrói identidades
serve como verdadeiro instrumento, pois repre- pessoais ou sociais”.21
senta um substituto da violência física e da A partir dos estigmas criados22, está aber-
força bruta. Estas últimas são exercidas to o espaço para a orientação seletiva das
somente no caso de falhar o controle da primei- agências de criminalização. Fomenta-se um
ra, pois “sempre é mais econômico e eficaz colo- esquema de cunho deliberadamente bélico, de
car a instância de controle, a polícia, na mente incessante combate aos “indesejados”, aos
dos indivíduos do que manter e utilizar corpos “diferentes”, enfim, aos outsiders. Com extre-
de repressão física”.19 ma propriedade, Zygmunt Bauman observa
Por isso, torna-se imperativa uma inversão – que a produção social de estranhos ocupa uma
ou, pelo menos, um desvelamento – do senso função específica nas sociedades: “Se os estra-
comum para se trazer à tona a violência exerci- nhos são as pessoas que não se encaixam no
da pelo poder do sistema punitivo e sua insti- plano cognitivo, moral ou estético do mundo –
tuições, como leciona Vera Regina Pereira de num desses mapas, em dois ou em todos três; se
Andrade: “os códigos da violência têm que ser eles, portanto, por sua simples presença, dei-
urgente e vitalmente submetidos a outras lupas xam turvo o que deve ser transparente, confuso
e holofotes que não os da tecnologia midiática, o que deve ser uma receita para ação, e impe-
cujo flash não ultrapassa a cena da dor – san- dem a satisfação de ser totalmente satisfatória;
gue é lágrimas – para radiografar os braços que (...). Ao mesmo tempo que traça suas fronteiras
se armam muito aquém do humano”.20 e desenha seus mapas cognitivos, estéticos e
É não há dúvidas em se afirmar que uma morais, ela não pode senão gerar pessoas que
das manifestações mais cruéis da violência encobrem limites julgados fundamentais para
simbólica exercida pela mídia é identificada no sua vida ordeira e significativa, sendo assim
processo de “etiquetamento”, de rotulação e acusadas de causar a experiência do mal-estar
na criação do estereótipo criminoso, pois como como a mais dolorosa e menos tolerável”.23
ensina Pedrinho Guareschi “os que detêm a Constata-se, assim, a simbolização de
comunicação chegam até a definir os outros, uma (anti)estética, na qual o sujeito (dito)
definir determinados grupos sociais como sendo
melhores ou piores, confiáveis ou não confiáveis
21 GUARESCHI, Pedrinho A. A realidade da comunicação.
In: GUARESCHI, Pedrinho A Comunicação e controle
social, p. 15.
19 ROMANO, Vicente. “Apresentação”. In: CONTRERA, 22 BACILA, Carlos Roberto. Estigmas: um estudo sobre pre-
Malena Segura. Mídia e pânico, p. 17. conceitos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
20 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Sistema penal máxi- 23 BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade,
mo x cidadania mínima, p. 28. p. 27.
10 11
Alexandre Morais da Rosa e Para um Processo Penal Democrático:
Sylvio Lourenço da Silveira Filho Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
“delinqüente” é exposto como o avesso dos queísta do bem e do mal: simbolizam-se os out-
padrões adequados à sociedade de consumo siders. Afirma Vicente Romano, que “a violência
(os não consumidores ou consumidores falhos): e a contraviolência representam na comunica-
expõem-se símbolos, linguagens, (des)valores ção estereotipada dos chamados “meios de
e rotinas dos grupos marginalizados de forma massa” a luta épica entre o bem e o mal, a luz e
que acabam pautando a orientação seletiva as trevas, a democracia e o totalitarismo, a civi-
das demais agências do sistema penal, que, lização e a anarquia, a ordem e o caos. A maior
por sua vez, confirmam o estereótipo criado,24 parte do conhecimento público acerca da violên-
de acordo com o conceito sociológico da profe- cia, dessa luta baseia-se nas imagens, definições
cia que se auto-realiza. e explicações proporcionadas pelos meios. A
O estigma difundido no “imaginário coleti- esse respeito convém lembrar que na tecnificada
vo”, via “violência simbólica”, passa a ser sufi- sociedade atual a imensa maioria de aventuras e
ciente para se presumir a periculosidade do eti- experiências não são diretas, mas sim mediadas
quetado, bem ao estilo lombrosiano, que carre- e indiretas”.26
ga consigo – numa espécie de pena perpétua – Com relação ao estereótipo criminoso, a
a contingência de ser diferente: são “eles”, os “- Criminologia Crítica desloca, em oposição à
outros”, intolerantemente, diferentes de “nós” Criminologia positivista, o objeto de estudo da
e dos “nossos”.25 Impõe-se a fronteira mani- ciência. Enquanto na Criminologia Positivista
(paradigma etiológico) pretende-se desvendar
as causas da criminalidade, encarada como da-
24 Esta (anti)estética é muito bem percebida por Vera do ontológico, pré-constituído – ou seja, seu
Malaguti Batista: “O esteriótipo do bandido vai-se consu- objeto é criminalidade –, a Criminologia Crítica
mando na figura de um jovem negro, funkeiro, morador de
(paradigma da reação social27), por seu turno,
favela, próximo do tráfico de drogas, vestido com tênis,
boné, cordões, portador de algum sinal de orgulho ou de
poder e de nenhum sinal de resignação ao desolador cená- partir da interioridade da consciência do outro, criando
rio de miséria e fome que o circunda. A mídia, a opinião evidências e adesões, que interiorizam e introjetam nos
pública destacam o seu cinismo, a sua afronta. São came- grupos destituídos a verdade e a evidência do mundo
lôs, flanelinhas, pivetes e estão por toda a parte, até em dominador, condenando e estigmatizando a prática e a
supostos arrastões na praia. Não merecem respeito ou tré- verdade do oprimido como prática anti-social”. (GUARES-
gua, são sinais vivos, os instrumentos do medo e da vulne- CHI, Pedrinho A. A realidade da comunicação. In: GUA-
rabilidade, podem ser espancados, linchados, extermina- RESCHI, Pedrinho A Comunicação e controle social, p.
dos ou torturados. Quem ousar incluí-los na categoria 19). A propósito ver o excelente SOARES, Luiz Eduardo;
cidadã estará formando fileiras com o caos e a desordem, BILL, Mv; ATHAYDE, Celso. Cabeça de porco, especial-
e será também temido e execrado”. (MALAGUTI BATIS- mente p. 95 e seguintes.
TA, Vera. Difíceis ganhos fáceis, p. 28). 26 ROMANO, Vicente. “Apresentação”. In: CONTRERA,
25 Sustenta Pedrinho A. Guareschi que “a posse da comuni- Malena Segura. Mídia e pânico, p. 16.
cação e a informação tornam-se instrumento privilegiado 27 Segundo Vera Regina Pereira de Andrade, “por reação ou
de dominação, pois criam a possibilidade de dominar a controle social designa-se pois, em sentido lato, as formas
12 13
Alexandre Morais da Rosa e Para um Processo Penal Democrático:
Sylvio Lourenço da Silveira Filho Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
14 15
Alexandre Morais da Rosa e Para um Processo Penal Democrático:
Sylvio Lourenço da Silveira Filho Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
traços de sua personalidade ou influências de minal oficial oferece dados somente acerca do
seu ambiente. A criminalidade se revela, princi- total da criminalização, porém nunca dados
palmente, como um status atribuído a determi- reais do total da criminalidade.
nados indivíduos mediante um duplo processo: a A importância da Criminologia Crítica no
“definição” legal de crime, que atribui à conduta desvelamento do significado e da projeção de
o caráter criminal, e a “seleção” que etiqueta e imagens ou de símbolos pelos meios de comu-
estigmatiza um autor como criminoso entre nicação na psicologia popular é notável: pelo
todos aqueles que praticam tais condutas”.33 teorema de Thomas – através do qual situações
A criminalização, portanto, é formada pela definidas como reais produzem efeitos reais –
seleção de estereótipos, preconceitos e outras constatou-se que ações sobre a “imagem da cri-
idiossincrasias e, conseqüentemente, isso minalidade” para a criação de alarma social são
importa reconhecer que a diferença entre o necessárias para produzir o desencadeamento
comportamento desviante e o comportamento das campanhas repressivas e de alargamento
conforme a lei “depende menos de uma atitude do poder punitivo. De acordo com Juarez Cirino
interior intrinsecamente boa ou má, social ou dos Santos “o estudo de percepções e atitudes
anti social, valorada positiva ou negativamente projetadas na opinião pública permitiu à
pelos indivíduos do que a definição legal que, Criminologia Crítica revelar efeitos reais de ima-
em um dado momento distingue, em determina- gens da criminalidade difundidas pelos meios
da sociedade, o comportamento criminoso do de comunicação de massa, que disseminam
comportamento lícito”.34 representações ideológicas unitárias de luta con-
A quantidade de condutas tipificadas (o tra o crime – apresentado pela mídia como inimi-
programa legal da criminalização primária) é go comum da sociedade – e, desse modo, intro-
tão imensa que é inviável ser posta na prática duzem divisões nas camadas sociais subalter-
em sua totalidade ou mesmo em parcela consi-
derável. Daí, o funcionamento do aparelho
punitivo se dirigir a um número deveras delimi- conhecimento e às estatísticas das agências recebeu a
denominação da criminologia de “cifras ocultas” ou “-
tado de sujeitos, por meio da orientação seleti- cifras negras” do sistema penal. Observa Vera Regina
va da criminalização:35 qualquer estatística cri- Pereira de Andrade que “a conclusão de que a cifra negra
é considerável e de que criminalidade real é muito maior
que oficialmente registrada permitiu concluir que, desde o
33 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Sistema penal máxi- ponto de vista das definições legais, a criminalidade se
mo x cidadania mínima, p. 41. manifesta como o comportamento da maioria, antes que
34 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do de uma minoria perigosa da população e em todos os
direito penal, p. 86. estratos sociais, mas a criminalização é, com regularidade,
35 A inevitável discrepância entre o número de condutas cri- desigual ou seletivamente distribuída” (ANDRADE, Vera
minalizadas que diariamente são consumadas em deter- Regina Pereira de. Sistema penal máximo x cidadania
minada sociedade e aquela ínfima parcela que chega ao mínima, p. 50)
16 17
Alexandre Morais da Rosa e Para um Processo Penal Democrático:
Sylvio Lourenço da Silveira Filho Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
nas, infundindo na força de trabalho ativa atitu- concernentes nos direitos e garantias indivi-
des de repúdio contra a população marginaliza- duais e coletivas, doravante empecilhos na luta
da do mercado de trabalho, por causa de poten- da “sociedade de bem”. Tudo com propósitos
cialidades criminosas estruturais erroneamente bem definidos pela pauta política. Assim, a
interpretadas como defeitos pessoais”.36 política criminal, enquanto programa de con-
Entretanto, a mudança de paradigma ope- trole do crime e da criminalidade, no Brasil,
rada não perpassa o âmbito acadêmico para influenciada pelo modelo norte americano, con-
alcançar o espaço público, provocando a neces- figura-se como mera “política penal despoliti-
sária transformação cultural no senso comum zada”, pois, como afirma Juarez Cirino dos San-
acerca da criminalidade e do sistema penal,37
tos “exclui políticas públicas de emprego, salá-
pois o caminho único é traçado pelo discurso
rio, escolarização, moradia, saúde e outras
midiático da expansão penal.38
medidas complementares, como programas ofi-
Desse modo, pela exploração do medo e
da insegurança, adota-se o discurso da uma ciais capazes de alterar ou de reduzir as condi-
reforma radical da legislação penal e da políti- ções sociais adversas da população marginali-
ca criminal pelo viés do terror, ao mesmo tempo zada do mercado de trabalho e dos direitos de
em que se desprezam conquistas históricas cidadania, definíveis como determinações estru-
turais do crime e da criminalidade”.39 Dito de
outra forma: exclui-se imaginariamente o fator
36 SANTOS, Juarez Cirino.Criminologia crítica e a reforma político da esfera do controle social. O jurídico
da legislação penal, pp. 03 e 04.
37 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Sistema penal máxi- é transformado, assim, numa esfera técnica
mo x cidadania mínima, p. 34. despolitizada, balizada pelo saber científico
38 Observa Joe Teninyson Velo: “A despeito da maioria da
população ver o crime apenas como atitude de alguns des-
dos especialistas e adubado ideologicamente.
graçados, moralmente perversos, ou dignos de novas e
oportunas exclusões, olhar mais esclarecido desconfia das
intenções políticas que a criminalização por vezes escon- 39 SANTOS, Juarez Cirino dos. Teoria da pena. Fundamentos
de. A propósito da cifra reservada aos considerados “per- políticos e aplicação judicial, p. 01. Ensina Alessandro
versos”, não raro ela tem sido matéria-prima de setores Baratta que deve ser distinguida, de forma programática,
bem definidos de manifestação de poder, onde o crime é a política penal da política criminal, “entendendo-se a pri-
fato social anormal, por isso categoria bastante disponível meira como uma resposta à questão criminal circunscrita
a instrumentalizar o serviço de propagando política – ao âmbito do exercício da função punitiva do Estado (lei
oportuna superestrutura baseada em certo modo de pro- penal e sua aplicação, execução da pena e das medidas de
dução jornalística e motivo fundante de um discurso qual- segurança), e entendendo-se a segunda, em sentido
quer. Naturalmente, como corrupção do espírito crítico, o amplo, como política de transformação social e institucio-
tagarelar “jornalístico” é tanto pernicioso quanto o des- nal (...). Entre todos os instrumentos de política criminal o
viance”. (VELO, Joe Tennyson. “Postura criminológica: direito penal é, em última análise, o mais inadequado”
entre a etnometodologia e o mito de Hermes”. In: Revista (BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do
de Ciências Penais. nº 02,.pp. 114 e 115). direito penal, p. 201).
18 19
Alexandre Morais da Rosa e
Sylvio Lourenço da Silveira Filho
20 21
Alexandre Morais da Rosa e Para um Processo Penal Democrático:
Sylvio Lourenço da Silveira Filho Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
fundado pela “Société du Mont Pelérin” e pelos Miranda Coutinho “é nesse espaço que entra a
financistas do “Consenso de Washington” noção de ação eficiente, no lugar daquela
impõe o receituário econômico global, mesmo causa-efeito, da falibilidade humana na previ-
para os países que sequer passaram alçaram as são dos fins. Com isso, combatia-se – e comba-
vantagens da modernidade: abertura dos mer- te-se – o construtivismo, ou seja, as instituições
cados, onda de privatizações, taxas de juros deliberadamente criadas (pense-se, antes de
exorbitantes, regime cambial vulnerável, redu- tudo, no processo como objeto cultural), frutos
ção das verbas orçamentárias sociais, recessão da razão (falha por natureza) e da crença em
econômica, desemprego, índices elevados de resultados não raro impossíveis. No seu lugar,
inadimplência civil e empresarial, sucateamen- ordens naturais espontâneas seriam eleitas,
to do aparelho estatal, além da servilização dos após os erros dos atores sociais, tudo mirado no
Parlamentos e subjugação do Poder Judiciário.3 mercado, a principal delas e sua balizadora.
Como conseqüência, o aumento da complexida- Não foi por outro motivo que o mercado acabou
de dos problemas sociais ante o desemprego glorificado; e o pensamento em torno dele o
estrutural e a radicalização da pobreza. supra-sumo da intelectualidade, ao ponto de,
No vácuo da crise principiológica do Es- para quem tem alguma memória, todos os que
tado, o discurso da globalização e de sua ma- se colocaram em seu caminho serem taxados de
triz economicista, o neoliberalismo, capitanea- neoburros e/ou neobobos”.7
do por Friedrich Hayek4 e Milton Friedman5 – se A idéia da rede de segurança do Estado de
incumbiu de propor um câmbio espistemológi- Bem-Estar Social8 – que tinha que arcar com os
co, abandonando a relação causa-efeito para
configurar a eficiência (relação custo/ benefí-
cio) como balizamento de atuação, doravante 7 MIRANDA COUTINHO, Jacinto N. Efetividade do Pro-
cesso Penal e Golpe de Cena: Um Problema às Reformas
integrada na principiologia constitucional (art. Processuais. In. WUNDERLICH, Alexandre (org.). Escritos
37, CR/88), (con)fundindo efetividade (fins) com de direito e processo penal em homenagem ao Professor
eficiência (meios).6 Segundo Jacinto Nelson de Paulo Cláudio Tovo, p. 144.
8 Ressalta-se, desde logo, que não se pretende aqui – como
pode parecer – de propor um endeusamento do Estado de
3 POTTES DE MELLO, Aymoré Roque. A política neoliberal Bem-Estar Social, mas da constatação do câmbio estrutu-
de endividamento e exclusão e instrumentos para o exer- ral ocorrido no âmbito econômico que produz a conse-
cício da cidadania e da democracia. In Revista da Ajuris, qüente conformação do campo penal à nova estrutura,
nº 84, p. 35. tomando-se por base o alerta de George Rusche e Otto
4 HAYEK, Friedrich A. Direito, legislação e liberdade. Vol. I, Kirchheimer, segundo os quais “todo sistema de produção
II e III. Trad. Anna Maria Capovilla. São Paulo: Visão, 1985. tende a descobrir formas punitivas que correspondem às
5 FRIEDMAN, Milton. Capitalismo e liberdade. Trad. suas relação de produção (RUSCHE, Geoge; KIRCHHEI-
Luciana Carli. São Paulo: Abril, 1984. MER, Otto. Punição e estrutura social, p. 20). A propósito
6 ROSA, Alexandre Morais da. Introdução Crítica ao ato dessa relação no Estado de Bem-Estar Social: CARVA-
infracional. Princípios e garantias constitucionais, p. 19. LHO, Salo de. As feridas narcísicas do Direito Penal (pri-
22 23
Alexandre Morais da Rosa e Para um Processo Penal Democrático:
Sylvio Lourenço da Silveira Filho Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
custos marginais da corrida do capital pelo lucro cidadão é sinônimo de consumidor, o individua-
– é esvaída sob o argumento de que não mais se lismo apresentado na forma de consumismo,
conseguia cumprimento de suas promessas, sendo que “eficiência, flexibilização, produtivi-
além das teses cínicas de que os cortes dos gas- dade e competitividade são as características do
tos assistenciais eram plenamente justificados mercado sem fronteiras, onde os países se divi-
porque desestimulavam a vontade de trabalhar dem em produtores e consumidores”.10
de seus beneficiários, alimentando uma cultura Como destaca Zygmunt Bauman, no
de dependência: deixemos, de agora em diante, Estado de Bem-Estar Social, havia o controle da
tudo aos cuidados do deus-mercado!9 conduta disciplinada dos seus membros atra-
Assim, o neoliberalismo dita o ritmo da vés dos seus respectivos papéis produtivos e a
globalização, visando criar um mercado mun- sociedade incitava forças combinadas e busca-
dial voltado (somente) para quem possui o po- va avançar mediante esforços coletivos. A dou-
der de consumir (homo economicus): doravante trina neoliberal promove uma guinada desse
papel a ser desempenhado: de produtores os
indivíduos passam a ser encarados como con-
meiras observações sobre as (dis)funções do controle
sumidores, restando evidente que ao contrário
penal na sociedade contemporânea. In: GAUER, Ruth M.
Chittó. A qualidade do tempo: para além das aparências do processo produtivo, o processo de consumo
históricas, pp. 182-187). é uma atividade inteiramente individualista e
9 De acordo com Zygmunt Bauman, “poucos de nós se lem-
que coloca as pessoas em campos marcada-
bram hoje de que o estado de bem-estar foi, originalmen-
te, concebido como um instrumento manejado pelo estado mente distintos e opostos: a exacerbação do
a fim de reabilitar os temporariamente inaptos e estimular conflito é inevitável, mormente através do pro-
os que estavam aptos a se empenharem mais, protegendo- cesso de sedução do mercado consumidor. 11
os do medo de perder a aptidão no meio do processo... Os
dispositivos da previdência eram então considerados uma
rede de segurança, estendida pela comunidade como um
todo, sob cada um de seus membros... A comunidade assu- 10 BERBERI, Marco Antonio Lima. Reflexos da pós-moderni-
mia a responsabilidade de garantir que os desempregados dade no sistema processual penal brasileiro (algumas
tivessem saúde e habilidades suficientes para se reempre- considerações básicas). In MIRANDA COUTINHO, Jacin-
gar e de resguardá-los dos temporários soluços e caprichos to N. de Miranda. Crítica à Teoria geral do Direito Proces-
das vicissitudes da sorte(...). Hoje, com um crescente setor sual Penal, p. 63.
da população que provavelmente nunca reingressará na 11 BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade, p.
produção e que, portanto, não apresenta interesse presen- 54: “Quanto mais elevada a “procura do consumidor” (isto
te ou futuro para os que dirigem a economia, a “margem” é, mais eficaz a sedução do mercado), mais a sociedade de
já não é marginal e o colapso das vantagens do capital consumidores é segura e próspera. Todavia, simultanea-
ainda o faz parecer menos marginal – maior, mais inconve- mente, mais amplo e mais profundo é o hiato entre os que
niente e embaraçoso – do que o é. A nova perspectiva se desejam e os que podem satisfazer os seus desejos, ou
expressa na frase da moda: “Estado de bem-estar? Já não entre os que foram seduzidos e passam a agir de modo
podemos custeá-lo”...” (BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar como essa condição leva a agir e os que foram seduzidos
da pós-modernidade, p. 51). mas se mostram impossibilitados de agir do modo como se
24 25
Alexandre Morais da Rosa e Para um Processo Penal Democrático:
Sylvio Lourenço da Silveira Filho Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
Ademais, é certo que as diretrizes neolibe- Assim, o modelo neoliberal expõe sua face-
rais, pregando a austeridade orçamentária e o ta numa equação que implica: a) a supressão do
fortalecimento dos direitos do capital, acompa- Estado econômico; b) o enfraquecimento do
nhado da contenção dos gastos públicos e Estado social; e c) o fortalecimento e glorificação
redução da cobertura social, necessitam englo- do Estado penal: “à atrofia deliberada do Estado
bar o tratamento punitivo como forma de conter social corresponde a hipertrofia distópica do
a insegurança e a marginalidade: ao lado da Estado penal”.13 Em outros termos, ao Estado
mão-invisível do mercado no âmbito econômico, social mínimo deve corresponder um Estado
há que se utilizar a mão-de-ferro do Estado no penal máximo, que dê respostas às desordens
campo penal, para o contenção dos deserdados, provocadas pela desregulamentação econômi-
excluídos, indesejados, não consumidores.12 ca, pela pulverização do trabalho assalariado e
alarmante aumento da pobreza. De acordo com
Nilo Batista, “(...) prover mediante criminaliza-
espera agirem os seduzidos. A sedução do mercado é,
simultaneamente, a grande igualadora e a grande diviso- ção é quase a única medida de que o governan-
ra. Os impulsos sedutores, para serem eficazes, devem ser te neoliberal dispõe: poucas normas ousa ele
transmitidos em todas as direções e dirigidos indiscrimi- aproximar do livre mercado – fonte de certo jus-
nadamente a todos aqueles que os ouvirão. No entanto,
existem mais daqueles que podem ouvi-los do que daque-
naturalismo globalizado, que paira acima de
les que podem reagir do modo como a mensagem seduto- todas as soberanias nacionais – porém, para
ra tinha em mira fazer aparecer. Os que não podem agir garantir o “jogo limpo” mercadológico a única
em conformidade com os desejos induzidos dessa forma
são diariamente relegados com o deslumbrante espetácu-
política pública que verdadeiramente se mante-
lo dos que podem fazê-lo” ve em suas mãos é a política criminal”.14
12 Segundo Eduardo Galeano “em muitos países do mundo,
a justiça social foi reduzida à justiça penal. O Estado vela
pela segurança pública: de outros serviços já se encarrega o confinamento é antes uma alternativa ao emprego, uma
o mercado, e da pobreza, gente pobre, regiões pobres, cui- maneira de utilizar ou neutralizar uma parcela considerá-
dará Deus, se a polícia não puder” (GALEANO, Eduardo. vel da população que não é necessária à produção e para
De pernas pro ar: a escola do mundo ao avesso, p. 31). a qual não há trabalho “ao qual se reintegrar.” ”(BAU-
Nesse sentido explica Zygmunt Bauman que “outrora MAN, Zygmunt. Globalização: as conseqüências huma-
ansioso em absorver quantidade de trabalho cada vez nas, pp. 119-120).
maiores, o capital hoje reage com nervosismo às notícias 13 WACQUANT. Loic. As prisões da miséria, pp. 18 e 80.
de que o desemprego está diminuindo; através dos pleni- 14 BATISTA, Nilo. Mídia e sistema penal no capitalismo tar-
potenciários do mercado de ações, ele premia as empresas dio, p 05. No mesmo sentido aduz Maria Lúcia Karam que
que demitem e reduzem postos de trabalho. Nessas condi- “dentro do Estado mínimo da pregação neoliberal faz-se
ções, o confinamento não é nem escola para o emprego presente um simultâneo e incontestado Estado máximo,
nem um método alternativo compulsório de aumentar as vigilante e onipresente, que se vale de ampliadas técnicas
fileiras de mão-de-obra produtiva quando falham os méto- de investigação e de controle, propiciadas pelo desenvolvi-
dos “voluntários” comuns e preferidos para levar à órbita mento tecnológico, que manipula o medo e a insegurança,
industrial aquelas categorias particulares de rebeldes e para criar novas e dar roupagem pós-moderna a antigas
relutantes de “homens livres”. Nas atuais circunstâncias, formas de intervenção e de restrições sobre a liberdade
26 27
Alexandre Morais da Rosa e Para um Processo Penal Democrático:
Sylvio Lourenço da Silveira Filho Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
28 29
Alexandre Morais da Rosa e Para um Processo Penal Democrático:
Sylvio Lourenço da Silveira Filho Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
30 31
Alexandre Morais da Rosa e Para um Processo Penal Democrático:
Sylvio Lourenço da Silveira Filho Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
de 825 mil em 1991, ou seja, um crescimento eram alheios por completo à conflituosidade cri-
nunca visto em uma sociedade democrática, minalizada”.24
de 314% em vinte anos”.22 Na década de noventa, o avanço das cam-
Esta política criminal fundou-se na tradi- panhas de Lei e Ordem se intensificaram com a
ção hegeliana de direita cuja tese consiste em implementação da política de tolerância zero,
considerar realizado ou consumado o projeto conduzida pelo prefeito de Nova York, Rudolph
da modernidade (ficção da modernidade con- Giuliani, ganhando ares de cientificidade, com
sumada). Desse modo, encontrando-se o esta- a difusão da teoria das janelas quebradas.25
do racional realizado, o poder não possuiria ele- A referida teoria tem origem nos estudos de
mentos criminógenos. Portanto, o delito deve- James Q. Wilson e George L. Kelling, autores do
ria ser encarado como fruto de uma decisão artigo “Broken windows: the police and neigh-
individual que, no mínimo, implicaria em sua borhood safety”, publicado na edição de março
retribuição.23 de 1982, no periódico Atalantic Monthly,26 onde
Nesta linha teórica rudimentar destaca- sustentavam que se a janela de uma proprieda-
ram-se, nos anos setenta, o novo realismo de de fosse quebrada e não reparada imediatamen-
Ernest van der Haag, identificando a ordem e a te, denotaria a inexistência de uma autoridade
utilidade como valores supremos, mesmo em responsável pela manutenção da ordem.
face da solidariedade e da justiça e, nos anos Assim, passou-se a trabalhar com a hipóte-
oitenta, o pragmatismo burocrático de Richard se (absurda e inverificável) de que pessoas
J. Herrnstein, cuja proposta limitava-se a esta-
belecer pragmaticamente como reprimir de
24 ZAFFARONI, E. Raúl; BATISTA, Nilo et. al. Direito penal
modo eficaz (denotando o eficientismo neolibe- brasileiro, p. 632.
ral). Segundo E. Raúl Zaffaroni, Nilo Batista et. 25 “Em julho de 1994, o prefeito recém-eleito de Nova Iorque,
al., esses autores “não fizeram parte da crimi- RUDOLF GIULIANI, e seu chefe de polícia, WILLIAN
BRANTON, começaram a implantar uma estratégia de
nologia estadunidense tradicional; eles foram policiamento baseada na manutenção da ordem, enfati-
apenas ideólogos oportunistas, que obtiveram zando o combate ativo e agressivo de pequenas infrações –
notoriedade justamente por causa de suas a grande maioria, quando muito, meros atos desviantes,
como estudados na criminologia – contra a qualidade de
racionalizações insólitas, fruto de sua tática vida, como pichação, urinar nas ruas, beber em público,
consistente em colocar entre parênteses o esta- catar papel, mendicância e prostituição” (MIRANDA COU-
do, supondo que este e seu exercício de poder TINHO, Jacinto Nelson de; CARVALHO, Edward. Teoria
das janelas quebradas: E se a pedra vem de dentro?. In:
Revista de estudos criminais. !TEC/PUC-RS, nº 11, p. 23)
26 MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de; CARVALHO,
22 WACQUANT, Loïc. Punir os pobres, p. 28. Edward. Teoria das janelas quebradas: E se a pedra vem
23 ZAFFARONI, E. Raúl; BATISTA, Nilo et. al. Direito penal de dentro?. In: Revista de estudos criminais. !TEC/PUC-
brasileiro, p. 632. RS, nº 11, p. 23.
32 33
Alexandre Morais da Rosa e Para um Processo Penal Democrático:
Sylvio Lourenço da Silveira Filho Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
34 35
Alexandre Morais da Rosa e Para um Processo Penal Democrático:
Sylvio Lourenço da Silveira Filho Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
36 37
Alexandre Morais da Rosa e Para um Processo Penal Democrático:
Sylvio Lourenço da Silveira Filho Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
Ademais, o refluxo da criminalidade violenta foi por outro, no fomento da indústria carcerária,38
alcançado em cidades onde não foram aplica- além de produzir um campo fértil para a dema-
das as doutrinas do “tolerância zero” (incluin- gogia política, pela dramatização e clamor que
do cidades com políticas absolutamente opos- envolve o tema “violência urbana”.
tas: Boston, San Francisco, San Diego, etc.)35 E neste viés, há uma espécie de consenso
Acrescente-se, ainda, ao grande cresci- entre as tendências políticas conservadoras e
mento econômico, de cunho amplo e durável,
experimentado pelos Estados Unidos nas últi- cos do sexo masculino e 7% dos homens negros estavam
mas décadas. Desse modo, o rei fica nu quando atrás das grades em 1994. Em probabilidade acumulada,
se constata que “o espantoso aumento do 9% do conjunto dos homens do país estarão, no curso de
suas vidas, confinados nas prisões federais ou estaduais”
número de encarcerados não correspondeu a (WESTERN, Bruce; BECKETT, Katherine; HARDING,
nenhuma alteração relevante na incidência cri- David. Sistema penal e mercado de trabalho nos Estados
minal, estabilizada nos anos noventa graças ao Unidos. In: Discursos sediciosos. ICC. nº 11, p. 43). Do
mesmo modo, explica Loïc Wacquant que “o sistema
pleno emprego e a uma redução demográfica da penal contribui diretamente para regular os segmentos
população jovem, deixando em aberto o real inferiores do mercado de trabalho – e isso de maneira infi-
objetivo desse encarceramento massivo”.36 nitamente mais coercitiva do que todas as restrições
sociais e regulamentos administrativos. Seu efeito aqui é
O sentido dessa política criminal se con- duplo. Por um lado, ele comprime artificialmente o nível do
substancia, por um lado, em mascarar os índi- desemprego ao subtrair-se à força de milhões de homens
ces de desemprego (regulação da miséria e da “população em busca de um emprego” e, secundaria-
mente, ao produzir um aumento do emprego no setor de
armazenamento dos refugos do mercado37) e, bens e serviços carcerários, setor fortemente caracteriza-
do por postos de trabalho precários (e que continua ele-
vando mais ainda a com a privatização da punição).
35 Segundo Loïc Wacquant, em San Francisco “uma política Estima-se assim que, durante a década de 90, as prisões
sistemática de “diversão” dos jovens delinqüentes para tiraram dois pontos do índice do desemprego americano”
programas de formação, de aconselhamento e de trata- (WACQUANT, Loïc. As prisões da miséria, pp. 96 e 97).
mento social e médico permitiu reduzir o número de entra- 38 Explica Loïc Wacquant que “dezessete firmas, quinze
das em delegacias em mais da metade, diminuindo, ao americanas e duas britânicas, oferecem a gestão completa
mesmo tempo, a criminalidade violenta em 33% entre 1995 (full-scale management) de estabelecimento de detenção.
e 1999 (contra 26% em Nova York, onde os volumes dos Sete dentre elas estão cotadas em bolsa, no mercado
aceitos em detenção aumentou em um terço no mesmo Nasdaq: Correction Corporation of America, Correctional
intervalo)” (WACQUANT, Loïc. Sobre a “janela quebrada” Services Corporation, Securicor (sediada em Londres),
e alguns outros contos sobre segurança vindos da Wackenhut, Avalon Community Services, Cornell
América. In: Revista brasileira de ciências criminais. IBC- Corrections e Correctional Systems. Estas sete empresas
CRIM. nº 46, p. 238). controlam 82% dos efetivos do setor comercial e totalizam,
36 ZAFFARONI, E. Raúl; BATISTA, Nilo et. al. Direito penal sozinhas, um capital superior a 500 milhões de dólares (...).
brasileiro, p. 632. Com uma taxa de crescimento global de 45% ao ano duran-
37 De acordo com Bruce Western, Katherine Beckett e David te a década passada, a maioria destas firmas duplicaram
Harding, os EUA intervêm diretamente na área do empre- seu volume de prisioneiros e suas vendas de um ano para o
go pelo viés penal: “Aproximadamente 1% dos adultos bran- outro”. (WACQUANT, Loïc. Punir os pobres, pp. 33 e 86).
38 39
Alexandre Morais da Rosa e
Sylvio Lourenço da Silveira Filho
40 41
Alexandre Morais da Rosa e Para um Processo Penal Democrático:
Sylvio Lourenço da Silveira Filho Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
expressão de Loïc Wacquant – é acolhido, par- leiro é emblemático nesse sentido, pois ao
cial ou integralmente, consciente ou incons- mesmo tempo em que não foram consolidadas
cientemente em diversos países “requerendo as promessas do Estado Social no plano subs-
um trabalho mais ou menos elaborado de adap- tancial, o intervencionismo foi devidamente
tação ao idioma cultural e às tradições de instaurado no viés penal (substituição da pers-
Estado, próprios aos diferentes países recepto- pectiva absenteísta pela intervenciosnista),5
res, por parte dos funcionários que, em seguida
os colocam em prática, cada um em seu domínio
de competência”.3 “Evidentemente, a minimização do Estado em países que
A situação é ainda mais grave nos países passaram pela etapa do Estado Providência ou welfare
state tem conseqüências absolutamente diversas da
periféricos, que não experimentaram os benefí- minimização do Estado em países como o Brasil, onde não
cios do Estado social, ou se experimentaram, houve Estado Social.” (STRECK, Lenio. Hermenêutica
foi em grau tal, que o mesmo não passou de um jurídica e(m) crise, p. 24) Explica Ana Lúcia Sabadell que
“mesmo naqueles países que nunca passaram pela expe-
simulacro, não sendo suficiente a galgar relati- riência de um Estado de bem-estar social, como é o caso
vo nível de justiça social pela adoção de políti- do Brasil, constatamos a criação de um Estado penal, mui-
cas públicas necessárias para distribuição de tas vezes atuando no limite entre a legalidade e a ilegali-
dade. Essa política tem levado à propagação, por meios
renda e erradicação da miséria.4 O caso brasi- formais e informais, de uma cultura do pânico, que permi-
te legitimar como única solução viável para a efetivação
da cidadania (segurança!), a segregação de parcelas cada
3 WACQUANT. Loic. As prisões da miséria, p. 66: “É por vez maiores da população e, principalmente, sua estigma-
intermédio das trocas, intervenções e publicações de cará- tização como ‘bandidos’”. (SABADELL, Ana Lúcia.
ter universitário, real ou simulado, que os “transmissores” Prefacio. In: ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Sistema
intelectuais reformulam essas categorias em uma espécie penal máximo x cidadania mínima, p. 02).
de pidgin politológico, suficientemente concreto para 5 Salienta Salo de Carvalho que “ao ser chamado a operar
atrair as esferas de decisão políticas e os jornalistas preo- políticas preventivas – no que tange à prevenção dos ris-
cupados em “ater-se à realidade” (tal como projetada pela cos imanentes à sociedade industrial e aos instrumentos
visão autorizada do mundo social), mas suficientemente de garantia de efetivação dos direitos dela decorrentes – o
abstrato para livrá-los das marcas demasiado flagrantes controle penal (direito penal, processo penal, criminologia
que devem às particularidades do seu contexto nacional e política criminal) foi instigado a ampliar seu espectro de
de origem. De tal maneira que essas nações tornam-se incidência, adaptando-se aos novos bens jurídicos. Tal
lugares-comuns semânticos para onde convergem todos assertiva é perceptível se verificarmos o incremento da
aqueles que, para além das fronteiras do ofício, de organi- tutela penal ao trabalho (crimes contra a organização do
zação e de nacionalidade, e mesmo de filiação política, trabalho), à previdência social (crimes previdenciários), ao
pensam espontaneamente a sociedade neoliberal avança- transporte público (crimes contra a segurança dos meios
da como ela gostaria de sê-lo”. de transporte), à saúde (crimes contra a saúde pública e
4 CARVALHO, Salo de. As feridas narcísicas do Direito leis de entorpecentes), à economia (crimes contra a econo-
Penal (primeiras observações sobre as (dis)funções do mia popular) et coetera. (....) No entanto, ao mesmo tempo
controle penal na sociedade contemporânea. In: GAUER, em que o direito penal normativo responde positivamente
Ruth M. Chittó. A qualidade do tempo: para além das apa- às expectativas criminalizantes, ou seja, chama para si a
rências históricas, p. 190. No mesmo sentido Lênio Streck: responsabilidade de tutelar as demandas da era da indus-
42 43
Alexandre Morais da Rosa e Para um Processo Penal Democrático:
Sylvio Lourenço da Silveira Filho Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
fundando as bases da atual hipertrofia legisla- Zaffaroni quando afirma que, ao contrário do
tiva penal e, conseqüentemente, instaurando que ocorre nos países centrais, na região mar-
no imaginário dos juristas a crença na adequa- ginal latino-americana as campanhas do movi-
ção do processo (penal) às finalidades do Esta- mento da Lei e da Ordem são executadas na
do de Bem-Estar (narcisismo).6 vigência de governos constitucionais progres-
Desse modo, o espaço do tratamento sistas, uma vez que nos regimes ditatoriais ha-
penal avançou no vácuo deixado pela ausência veria o impedimento, ou pela censura oficial ou
de políticas públicas de fomento da melhoria pela auto-censura dos próprios meios de comu-
de vida da população em geral e, atualmente, nicação de massa. De acordo com o autor isso
através do receituário do movimento da Lei e possui um duplo efeito: “sitiar o setor político
da Ordem, o Estado se vendo atingido pela pró- progressista para impedir o enfraquecimento da
pria impotência econômica frente à mão-invisí- máquina repressiva que, a curto prazo, será
vel do mercado, é adaptado a implementação aplicada no próprio setor político e gerar uma
da penalização (ainda mais) agressiva. Aduz sensação de “ordem e segurança” nas ditaduras
Gevan Almeida sobre o movimento da Lei e da (mediante a desaparição de notícias) e de
Ordem que “os reflexos dessa política criminal “desordem e insegurança” nos regimes mais ou
não tardaram a alcançar o Brasil, que, (...) de menos democráticos”.8
repente, sob a égide de uma constituição demo- O primeiro grande passo tomado no senti-
crática, começou a introduzir na sua Legislação, do da institucionalização brasileira dessa políti-
medidas típicas do novel movimento”.7 ca criminal do terror foi a criação da Lei dos
A adoção desta política justamente sob a Crimes Hediondos, como se depreende das
égide constitucional é explicada por E. Raúl lições de Aury Lopes Jr, ao afirmar que “o Brasil
já foi contaminado por esse modelo repressivista
há mais de 10 anos, quando a famigerada Lei
trialização, prevenindo a lesão aos direitos sociais via dos Crimes Hediondos (Lei 8072/90), seguida de
ameaça penal, sua instrumentalidade começa a ser colo- outras na mesma linha, marcou a entrada do sis-
cada à prova, visto que genealogicamente não fora conce-
bido para tais funções. (CARVALHO, Salo de. As feridas tema penal brasileiro na era da escuridão, na
narcísicas do Direito Penal (primeiras observações sobre ideologia do repressivismo saneador. A idéia de
as (dis)funções do controle penal na sociedade contem- que a repressão total vai sanar o problema é
porânea. In: GAUER, Ruth M. Chittó. A qualidade do
tempo: para além das aparências históricas, pp. 184-185). totalmente ideológica e mistificadora”.9
Portanto, não se pretendeu até aqui – como pode parecer
– de um endeusamento do Estado de Bem-Estar Social,
mas da constatação do câmbio estrutural 8 ZAFFARONI, E. Raúl. Em busca das penas perdidas, p. 130.
6 Tema que será objeto de críticas no Capítulo 4. 9 LOPES JR., Aury. Introdução crítica ao processo penal, p.
7 ALMEIDA, Gevan. Modernos movimentos de política cri- 15. Explicam E. Raúl Zaffaroni, Nilo Batista et. al. que a
minal e seus reflexos na legislação brasileira, p. 97. famigerada lei descumpriu o mandamento constitucional
44 45
Alexandre Morais da Rosa e Para um Processo Penal Democrático:
Sylvio Lourenço da Silveira Filho Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
46 47
Alexandre Morais da Rosa e Para um Processo Penal Democrático:
Sylvio Lourenço da Silveira Filho Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
ciais que oferecem sérias reservas de constitu- Penal, pois utilizados – de forma excessiva e
cionalidade”.12 reiterada – para fins que não lhe são próprios.
Produz-se, então, um direito penal e pro- Constata-se a utilização do direito penal e
cessual penal de emergência, meramente sim- processual penal de uma forma promocional,
bólico, sendo que os efeitos simbólicos são difusora de ideologia, pois, abrandando a
verificados a partir do objetivo ou da função de ansiedade em torno da (in)segurança, acarreta
“transmitir à sociedade certas mensagens ou o induzimento da população a acreditar que
conteúdos valorativos, e sua capacidade de inexistem riscos em torno das medidas adota-
influência ficaria confinada às mentes ou às das.15Ressalta Maria Lúcia Karam que “o dis-
consciências, nas quais produziram as emoções curso demonizador que, hoje, se vale especial-
ou, quando muito, representações mentais”13, mente das ocas expressões como “criminalidade
causando a impressão tranqüilizadora de um organizada” e “narcotráfico”, para viabilizar
legislador atento e decidido, porém adotando legislações de exceção, outrora já se valeu das
medidas que carecem de fundamento legiti- expressões “bruxaria” e “heresia”, que, na sua
mante, pois representadas por puro exercício época, eram igualmente apresentadas como um
de poder14 e, além disso, operando a distorção “mal universal”, a ser enfrentado com medidas
da sistemática do Direito Penal e Processual excepcionais”..16
A legislação de pânico busca tão só um
12 Apud FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos: notas
efeito sedativo, procurando direcionar sua efi-
sobre a Lei 8.072/90, p. 39. cácia em torno da tranqüilização da opinião
13 RIPOLLÉS, José Luiz Diéz. O direito penal simbólico e os pública(da), ao mesmo tempo em que manifes-
efeitos da pena. In: Ciências penais. ABPCP. nº 00, p. 27.
14 Sublinhe-se, aqui, a prevalência das funções latentes
ta uma exacerbada importância do legislador
sobre as funções manifestas da atuação legislativa. na imediata aprovação das normas penais.
Lecionam E. Raúl Zaffaroni, Nilo Batista et. al. que “o
poder estatal concede às suas instituições funções mani-
festas, que são expressas, declaradas e públicas. Trata-se 15 ZAFFARONI, E. Raúl; BATISTA, Nilo et. al. Direito penal
de uma necessidade republicana; um poder orientador brasileiro, p. 631. Assevera Aury Lopes Jr que no contex-
que não se expresse para que é exercido não pode subme- to da atual complexidade social o velho Direito é pauta-
ter-se ao juízo da racionalidade. Porém, em geral, essa fun- do a acompanhar a dinâmica da urgência. Entretanto,
ção manifesta não coincide por completo com o que a ins- “os programas urgentes (...) permitem resultados rápidos,
tituição realiza na sociedade, ou seja, com suas funções visíveis e mediaticamente rentáveis, mas com certeza não
latentes ou reais. Tal disparidade deve ser sempre objeto se institui nada durável numa sociedade a partir, unica-
de crítica institucional, porque é a única maneira de con- mente, da repressão” (LOPES JR, Aury. (Des)Velando o
trolar a racionalidade do poder, pois, em caso contrário (se risco e o tempo no processo penal. In: GAUER, Ruth M.
a discussão se mantiver ao mero nível das funções mani- Chittó. A qualidade do tempo: para além das aparências
festas), o controle seria de pura racionalidade do discur- históricas, p. 168.
so”.( ZAFFARONI, E. Raúl; BATISTA, Nilo et. all. Direito 16 KARAM, Maria Lúcia. Pela abolição do sistema penal. In:
penal brasileiro, p. 88). PASSETTI, Edson. Curso livre de abolicionismo penal, p. 77.
48 49
Alexandre Morais da Rosa e Para um Processo Penal Democrático:
Sylvio Lourenço da Silveira Filho Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
50 51
Alexandre Morais da Rosa e Para um Processo Penal Democrático:
Sylvio Lourenço da Silveira Filho Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
ordem social produz certas fantasias dos peri- do pela imputação antecipada do lugar de ini-
gos que colocam em risco sua identidade22 – e migo. Assim, nem mesmo logicamente se sus-
o Direito Penal do inimigo é expressão inigualá- tenta o Direito Penal do Inimigo.
vel dessa constatação –, não é preciso – pelo Saliente-se, ainda, o caráter simbólico e
que até agora foi dito – grandes divagações legitimante do expansionismo penal agregado
para saber quem serão os inimigos eleitos na às formulações do Direito Penal do Inimigo,
sociedade dividida entre consumidores x não uma vez que “essa visão traz consigo a idéia de
consumidores. Uma questão merece reflexão, que o delito seria uma má propaganda para o
ainda. Se o inimigo era cidadão, para que ele sistema, e a pena seria a expressão através da
possa transpor os limites para o lado do inimi- qual o sistema faria uma publicidade neutrali-
zante”.23 Não é à toa que se coaduna perfeita-
go, precisa de uma decisão. E, se ele era cida-
mente com o discurso midiático do terror e
dão fazia jus ao devido processo legal, sonega-
satisfaz aos interesses políticos dominantes.
Tratam-se, portanto, de idéias e de medidas
Estendendo ao extremo esta segunda opção, chega-se a de ocasião que induzem a um deliberado fortale-
conclusão de que a essência do delito reside numa carac- cimento do Estado de Polícia em prejuízo das
terística do autor, que explica a pena (...). Este direito
penal supõe que o delito seja sintoma de um estado do conquistas democráticas do Estado de Direito.
autor, sempre inferior ao das demais pessoas consideradas Os modelos de Estado de Direito e de
normais”. (ZAFFARONI, E. Raúl; BATISTA, Nilo et. al. Estado de Polícia são ideais, “sendo possível
Direito penal brasileiro, p. 131).
22 De acordo com Zygmunt Bauman “cada sociedade, porém,
descobrir na história uma tendência ao progres-
gera fantasias elaboradas segundo sua própria medida – so do estado de direito, mas ele sofre marchas e
segundo a medida do tipo de ordem social que se esforça contramarchas e sua realização em conformida-
em ser. De um modo geral, tais fantasias tendem a ser ima-
gens espelhadas da sociedade que a gera, enquanto a ima-
de com o modelo ideal cumpre uma função
gem da ameaça tende a ser um auto-retrato da sociedade axial”.24 Enquanto o paradigma ideal do Estado
com um sinal negativo. Ou, para expressar em termos psi- de Polícia é evidenciado pelo exercício de poder
canalíticos, a ameaça é uma projeção da ambivalência
interna da sociedade sobre seus próprios recursos, sobre a
vertical e autoritário, bem como pela adoção de
maneira como vive e seu modo de viver. A sociedade inse- medidas substancialistas (no âmbito do direito
gura de sua ordem desenvolve a mentalidade de uma for- penal) e decisionistas-inquisitivas (no âmbito do
taleza sitiada. Mas os inimigos que lhe sitiaram os muros
direito processual penal), o paradigma ideal do
são seus próprios “demônios interiores” – os medos reprimi-
dos e circundantes que lhe permeiam a vida diária e a “nor- Estado de Direito se caracteriza pelo exercício
malidade”, e que, no entanto, a fim de se tornar suportável
a realidade diária, devem ser dominados, extraídos do coti-
diano vivido e moldados em um corpo estranho, um inimi- 23 ZAFFARONI, E. Raúl; BATISTA, Nilo et. al. Direito penal
go tangível com que se possa lutar, e lutar novamente, e brasileiro, p.122.
lutar até sob a esperança de vencer.(BAUMAN, Zygmunt. 24 ZAFFARONI, E. Raúl; BATISTA, Nilo et. al. Direito penal
O mal-estar da pós-modernidade, pp. 52-53). brasileiro., p. 94.
52 53
Alexandre Morais da Rosa e Para um Processo Penal Democrático:
Sylvio Lourenço da Silveira Filho Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
54 55
Alexandre Morais da Rosa e Para um Processo Penal Democrático:
Sylvio Lourenço da Silveira Filho Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
ram sistemas variáveis, “hasta el punto de que Constituição Federal de 1988 projetou uma
deberá hablarse más propiamente, a propósito ingerência penal em várias esferas do direito,
de las instituciones y ordenamientos concretos, a partir da compreensão da capacidade da
de tendencia al derecho penal mínimo o de ten- tutela penal na resolução de conflitos. Nessa
dencia al derecho penal máximo”.32 perspectiva, explica Salo de Carvalho, o texto
Desse modo, o estabelecimento e a con- constitucional fundou um sistema criminaliza-
cretização de princípios e regras que possuem dor, alicerçando um modelo penal programáti-
como função a contenção e a redução do direi- co que o autor denominou Constituição Penal
to penal é um componente dialético indispen- dirigente, cujo efeito é combinar os mais diver-
sável à subsistência e ao progresso do Estado sos projetos políticos que, sob a retórica da
de Direito.33 implementação do Estado Democrático de
A Constituição da República de 1988 con- Direito, na verdade, opta pela edificação de um
sagra rigorosamente a tutela dos cidadãos Estado Penal como alternativa ao inexistente
frente ao arbítrio punitivo, conforme o modelo Estado Social.35
garantista do Estado de Direito, segundo o Sob essa ótica, a paranóia punitiva
qual “no se admite ninguna imposición de pena orquestrada pelas campanhas de Lei e Ordem
sin que se produzcan la comisión de un delito, dos meios de comunicação, com a guarida
su previsión por la ley como delito, la necesidad constitucional (e, obviamente, extrapolando
seus limites), passou a influenciar sobremanei-
de su prohibición y punición sus efectos lesivos
ra a produção legislativa brasileira a instituir
para terceros, el carácter exterior o material de
la acción criminosa, la imputabilidad y la culpa-
bilidad de su autor y, además, su prueba empí- 35 CARVALHO, Salo de. As feridas narcísicas do Direito
rica llevada por una acusación ante un juez Penal (primeiras observações sobre as (dis)funções do
controle penal na sociedade contemporânea. In: GAUER,
imparcial en un proceso público y contradicto- Ruth M. Chittó. A qualidade do tempo: para além das
rio con la defensa y mediante procedimientos aparências históricas, pp. 194-195. Observa Salo que “a
legalmente preestablecidos”.34 Constituição Federal de 1988 (a) recepcionou anseios
punitivos no que tange à tutela dos direitos sociais e tran-
Por outro lado, concomitantemente a essa sindividuais – v.g. a minimização de garantias proces-
fixação dos limites ao poder repressivo do suais em relação aos delitos de discriminação racial; a res-
Estado (contenção do Estado de Polícia), a ponsabilização penal nos atos praticados contra a ordem
econômica e financeira e contra a economia popular, a
tutela penal do meio ambiente, et coetera; e (b) captou
projetos de recrudescimento operados por movimentos
32 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón, p. 104. político-criminais autoritários (Movimentos de Lei e
33 ZAFFARONI, E. Raúl; BATISTA, Nilo et al. Direito penal Ordem) – v.g. o projeto de elaboração da Lei dos Crimes
brasileiro, p. 41. Hediondos, a constrição de direitos nos casos de tráfico
34 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón, pp. 103-104. ilícito de entorpecentes et coetera.”
56 57
Alexandre Morais da Rosa e Para um Processo Penal Democrático:
Sylvio Lourenço da Silveira Filho Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
várias figuras de responsabilidade penal36 à nos níveis normativos inferiores, gerando uma
custa do enfraquecimento das garantias bali- ineficiência tendencial dos primeiros e uma ile-
zadoras do poder punitivo, também consagra- gitimidade tendencial dos segundos.37
das no texto constitucional. Contudo, a afirmação procede apenas em
De acordo com Luigi Ferrajoli, no ordena- parte, pois nossa realidade denota que a pró-
mento dos modernos Estados de Direito, carac- pria Constituição, ao mesmo tempo em que ins-
tituiu os necessários limites ao arbítrio puniti-
terizados pela distinção de vários níveis norma-
vo, exigiu “da estrutura liberal (genealógica) do
tivos, é constatada a coexistência dos modelos
direito penal algo que dificilmente terá capaci-
garantista e autoritário. O primeiro paradigma dade resolutiva, projetando severos índices de
seria verificado nos níveis normativos superio- ineficácia. Desde esta perspectiva, pode-se afir-
res, enquanto o segundo pode ser observado mar a existência de uma ‘Constituição Penal,
idealizadora/instrumentalizadora de um Estado
36 Alguns desses diplomas legais são citados por JOSÉ A. Penal, plenamente realizada”.38
PAGANELLA BOSCHI, como “(...) a Lei 8.072/90, que veio Constata-se, assim, que a adoção das
a proibir a progressão nos regimes instituída pela Lei campanhas de Lei e Ordem, estimuladas pelo
6.416/77; a Lei 9.034/95, autorizando o juiz a realizar
investigações e julgamentos em procedimentos secretos, furor punitivo midiático, instigando e aprovei-
colocando-nos de volta à inquisição e ao sistema inquisiti- tando-se da faceta penal(izadora) da
vo da Idade Média; a Lei 7.960/89, autorizando a prisão Constituição (vg. art. 5º, XLIII, CR/88), tem
para investigar, em contraste com o princípio de que pri-
meiro investiga-se e, só depois, comprovada a autoria e gerado nefastos resultados contra os institu-
existência do crime, é que, por ordem judicial pode-se tos garantistas ante a promoção de políticas
prender...; a Lei 9.437/97, sancionado, com duras penas, a criminais voltadas a um sensível aumento da
posse e o porte da arma de fogo [Já revogada pela Lei
nº10.826/03, o Estatuto do Desarmamento, porém man-
tendo a mesma substância da anterior]; a Lei 9.099/95,
definido os crimes de menor potencial ofensivo e, desse 37 Afirma Luigi Ferrajoli que “la tendencia hacia el derecho
modo, trazendo, de volta para o sistema penal, a grande penal máximo en los planos más bajos de nuestros ordena-
clientela constituída pela população mais pobre, que dele mientos ha crecido recientemente, además de por el desar-
vinha se alforriando com base no princípio da bagatela; o rollo de un derecho penal de excepción, también por un
novo Código de Trânsito e a fantástica gama de proibi- masivo incremento cuantitativo de la intervención penal,
ções, ensejando multas e mais multas, como se o Direito llamada demasiado a menudo a suplir la carencia de ins-
penal pudesse atuar como instrumento arrecadatório, trumentos de tutela y de control político y administrativo
dentre outros diplomas legais” (BOSCHI, José A. más apropiados” (FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón, pp.
Paganella. “Violência e criminalidade: o resgate do pacto 104 e 115).
federativo como proposta de solução”. In: Revista de 38 CARVALHO, Salo de. As feridas narcísicas do Direito
estudos criminais. !TEC/PUC-RS, nº 12, p. 160). Entre as Penal (primeiras observações sobre as (dis)funções do
recentes reformas merece destaque a instituição do controle penal na sociedade contemporânea. In: GAUER,
Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), que alterou – Ruth M. Chittó. A qualidade do tempo: para além das
para bem pior – a Lei de Execuções Penais. aparências históricas, p. 196.
58 59
Alexandre Morais da Rosa e Para um Processo Penal Democrático:
Sylvio Lourenço da Silveira Filho Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
criminalização primária (criação de leis parece chegar ao definitivo quando afirma que
penais), acompanhado do endurecimento das “os maiores perigos do crime nas sociedades
penas, da restrição dos direitos da execução modernas não vêm dos próprios crimes, mas do
penal e de uma notória diminuição das garan- fato de que a luta contra eles pode levar a gover-
tias processuais. Leciona Salo de Carvalho nos totalitários”.41
que “com a proliferação dos discursos maximi- Diante do quadro apresentado, há que se
zadores e a ‘natural’ invasão desta retórica nas resistir desde as possibilidades dos respecti-
esferas jurídica e política, tem-se, tragicamen- vos locais de fala ocupados. E, desde logo, sem
te, a ineficácia da Constituição garantista em pretender qualquer solução definitiva, é chega-
detrimento da plena efetividade da Consti- do o tempo de reconhecer (sem narcisismos) o
tuição penal(izadora)”.39 papel do Processo Penal como efetivo instru-
Depreende-se daí a consagração das mento a serviço da democracia (ou seja, como
medidas punitivas promocionais vendidas limite democrático). Nessa empreitada, as
como a panacéia de todos os males sociais e importantes lições de François Ost: “enquanto
que promovem (ideologicamente) a idéia o totalitarismo erradica o conflito e reduz toda a
absurda idéia de que por esse viés seria alcan- espécie de oposição, a democracia, pelo contrá-
çada a tão almejada convivência social pacífi- rio, baseia-se no pluralismo de opiniões e na sua
ca, mas que na verdade só têm causado retro- oposição conflitual. Doravante, a sociedade não
cesso na busca dos referenciais democráticos é totalizável, nem representável de forma orgâ-
do Estado de Direito.40 Assim, Nils Christie nica; o seu bem comum já não susceptível de ser
definido a priori, nem sem dissenção. A demo-
cracia é esse regime que, sem dúvida pela pri-
39 CARVALHO, Salo de. As feridas narcísicas do Direito meira vez na história, não se propõe eliminar os
Penal (primeiras observações sobre as (dis)funções do
controle penal na sociedade contemporânea. In: GAUER,
conflitos; pelo contrário, ela torna-os visíveis
Ruth M. Chittó. A qualidade do tempo: para além das instituindo a divisão social – esforçando-se ape-
aparências históricas, p. 197. nas por lhes garantir um desfecho negociável
40 Baseada na definição legal de publicidade abusiva do
Código de Defesa do Consumidor (art. 37, §§ 1º, 2º e 3º,
com a ajuda dos procedimentos aceites. A deli-
do CDC) e da tipificação deste tipo de conduta (art. 67 do beração é, pois, o seu princípio, que nenhuma
CDC), Maria Lúcia Karam chega à seguinte conclusão: conclusão vem a fechar. Nunca há uma conclu-
“Esta criminalização da publicidade enganosa ou abusiva
encerra um irônico paradoxo: na verdade, a mais eficaz e
são, mas sempre uma decisão, pois é preciso
perversa venda de um produto, através da omissão de
dados essenciais e da divulgação de informações, inteira
ou parcialmente falsas, capazes de induzir em erro a medo, é, exatamente, a “venda” do sistema penal”
respeito da natureza, características, qualidades, origens, (KARAM, Maria Lúcia. De crimes, penas e fantasias, p. 196).
propriedades, etc., ou de incitar a violência e explorar o 41 CHRISTIE, Nils. A indústria do controle do crime, p. 05.
60 61
Alexandre Morais da Rosa e
Sylvio Lourenço da Silveira Filho
62 63
Alexandre Morais da Rosa e Para um Processo Penal Democrático:
Sylvio Lourenço da Silveira Filho Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
(Dussel1), uma vez que são as duas únicas pos- las envolvendo o conceito, acordando com
sibilidades democráticas, consoante trabalha- Chiovenda que a Jurisdição “é o poder de apli-
do alhures.2 car a lei aos casos concretos de forma vinculan-
te e cogente”,5 materializada pela coisa julga-
4.2. Articulando Jurisdição, Ação e da.6 O desenlace desse poder, ou melhor, sua
Processo constituição, já foi alinhavado na formação do
Simbólico, no discurso do Outro, a partir da
interface com a psicanálise.7 A Jurisdição,
Não se pretende reconstruir as discus-
assim, está ligada indissociavelmente ao po-
sões sobre Jurisdição, Ação e Processo. A idéia
der.8 De qualquer forma, na perspectiva de se
deste momento é reiterar noções absolutamen-
construir a alteridade (Dussel), a Jurisdição pre-
te necessárias ao encadeamento da compreen-
cisa se aproximar de La Boétie e sua proposta
são de processo como tarefa democrática ina-
de amizade. Lido a partir da psicanálise, o sub-
fastável. Esta compreensão, por sua vez, não
metimento à Jurisdição decorre do desejo de
se aproxima, em nada, da rançosa visão expli-
onipotência, de tirania, que aviva em cada indi-
cada a partir de uma impossível Teoria Geral
víduo.9 Roman Borges sustenta que se “pode
do Processo. Aliás, de causar náuseas.3 É pre-
concluir com La Boétie que o poder de um só
ciso superar Dinamarco, pelo menos, em favor
de Fazzalari.
Cumpre anotar, entretanto, que as discus- 5 ROMAN BORGES, Clara Maria. Jurisdição e amizade, um
sões sobre o conceito de Jurisdição são ainda resgate do pensamento de Etienne La Boétie. In: MIRAN-
DA COUTINHO, Jacinto Nelson de. Crítica à teoria geral
vivas.4 Roman Borges faz o histórico das quere- do direito processual penal, p. 73-108.
6 CHIOVENDA. Giuseppe. Instituições de direito processual
civil. Trad. J. Guimarães Menegale. São Paulo: Saraiva,
1 DUSSEL, Enrique. Ética da Libertação: na idade da globali- 1965. v. 2.
zação e da exclusão. Trad. Epharaim Ferreira Alves, Jaime 7 ROSA, Alexandre Morais da. Decisão Penal: a bricolage
A. Clasen e Lúcia M. E. Orth. Petrópolis: Vozes, 2002. de significantes...
2 ROSA, Alexandre Morais da. Decisão Penal: a bricolage 8 BINDER, Alberto M. Introducción ao Derecho Penal, pp.
de significantes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. 17-32.
3 LOPES JR, Aury. Prefácio. In: COSTA, Ana Paula Motta. 9 LA BOÉTIE, Étiene de. Discurso sobre a servidão voluntá-
As Garantias processuais e o direito penal juvenil como ria, p. 29: “Os audaciosos, para adquirir o bem que dese-
limite na aplicação da medida socioeducativa de interna- jam, não temem o perigo; os prudentes não recusam o
ção, p. 17. sacrifício; os covardes e entorpecidos não sabem nem
4 TUCCI, Rogério Lauria. Teoria do Direito Processual Penal, suportar o mal, nem recobrar o bem: limitam-se a desejá-
p. 20; MARTINS, Nelson Juliano Schaefer. Poderes do juiz lo e a virtude de pretendê-lo lhes é tirada pela covardia; o
no processo civil, pp. 19-87. FAZZALARI, Elio. Il cammino desejo de obtê-lo lhes é de natureza. Este desejo, esta von-
della sentenza e della cosa guidicata. In: Rivista di Diritto tade é comum aos sensatos e aos irrefletidos, aos corajosos
processuale. Padova: Cedam, 1988, v. XLIII, n. 5, (II série), e aos covardes, de querer todas as coisas que, uma vez
pp. 589-597. adquiridas, os tornariam felizes e contentes.”
64 65
Alexandre Morais da Rosa e Para um Processo Penal Democrático:
Sylvio Lourenço da Silveira Filho Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
sobre os outros foi dado ao tirano por nosso dese- como companheiros, ou antes, como irmãos. (...)
jo de sermos tiranos também. Além disso, o Para que cada qual pudesse mirar-se e como que
autor acrescenta que esse desejo de ser tirano reconhecer-se um no outro.”14 Miranda Couti-
vem do desejo de ser proprietário, de ter bens e nho lembra que: “Etienne de La Boétie tinha
riquezas e, portanto, do desprezo que temos pela razão: obedecemos a vontade de um porque que-
liberdade.”10 Então, o argumento de La Boétie remos ser que nem ele, ou seja, tiranos. Rei
de que não existe fundamento em se submeter morto, rei posto: e viva o Rei! Bastaria, contudo,
incondicionalmente a um senhor, sem garantias diz o próprio La Boétie, não dar o que ele quer
de que será bom ou mau,11 por não possuir limi- para a casa vir abaixo, ou seja, não dar a ele
tes, pode ser explicado. Não se trata de encan- nossa razão (que é só imagens) e nossa liberda-
tamento ou de feitiço, mas de desejo de ser de, isto é, nosso desejo de posse e poder.”15 A
igual (onipotente), esperando que, no futuro, partir deste reconhecimento entre iguais, a ‘ser-
detenha-se (todo) o poder12 (Pai da Horda). Sua vidão voluntária’ deixaria de ter fundamento, já
perplexidade diante da ‘servidão voluntária’, que ela foi construída. Ao invés de ser naturali-
naturalizada – introjetada – e perseguida pela zada,16 deve-se resgatar o fundamento de liber-
população, na lógica do poder e do senhor,
impõe uma postura diversa frente ao poder da para que façam o melhor que souberem fazer, que é levá-las
opressão, rompendo com a base de servidão,13 às guerras, que as conduza à carnificina, que as faça minis-
tros de sua cobiça e executoras de suas vinganças; sacrifi-
ou seja: “Nos reconheçamos uns aos outros cais vossas pessoas, para que ele possa desfrutar de suas
delícias e chafurdar nos prazeres sujos e vis; enfraqueceis-
vos, para torná-lo mais forte e rígido ao encurtar-vos as
10 ROMAN BORGES, Clara Maria. Jurisdição e amizade, um rédeas; e tantas indignidades, que os próprios animais ou
resgate do pensamento de Etienne La Boétie. In: MIRAN- não as sentiriam ou não as suportariam, podeis livrar-vos, se
DA COUTINHO, Jacinto Nelson de. Crítica à teoria geral o tentardes, não de livrar-vos, mas apenas de desejar fazê-lo.
do direito processual penal, p. 101. Sede resolutos em não servir mais e eis-vos livres. Não quero
11 LA BOÉTIE, Étiene de. Discurso sobre a servidão voluntá- que o empurreis ou abaleis, mas apenas que não o sustenteis
ria, p. 25: “Mas falando em sã consciência, é extrema infe- mais e o vereis, qual grande colosso a quem se tirou a base,
licidade estar sujeito a um senhor, do qual jamais se sabe desfazer-se debaixo do próprio peso e romper-se”.
se pode assegurar se é bom, pois está sempre em seu poder 14 LA BOÉTIE, Étiene de. Discurso sobre a servidão voluntá-
ser mau, quando o quiser.” ria, p. 31.
12 LA BOÉTIE, Étiene de. Discurso sobre a servidão voluntá- 15 MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. Ensino do
ria, p. 26: “Mas é de lamentar a servidão, ou então, não se Direito na UFPR: Voto à Esperança. In: Revista da
surpreender, nem se lamentar, mas suportar o mal pacien- Faculdade de Direito da UFPR, n. 36, p. 143.
temente e esperar melhor sorte no futuro.” 16 LA BOÉTIE, Étiene de. Discurso sobre a servidão voluntá-
13 LA BOÉTIE, Étiene de. Discurso sobre a servidão voluntá- ria, p. 37: “Digamos, portanto, que ao homem todas as coi-
ria, p. 30: “Semeais vossos frutos, para que deles faça sas parecem naturais, nas quais é criado e nas quais se
estrago; mobiliais e supris vossas casas, para fornecer- habitua, mas isso só o torna ingênuo, naquilo que a natu-
lhe as pilhagens; alimentais vossas filhas, para que ele te- reza simples inalterada o chama; assim, a primeira razão
nha com que saciar sua luxúria; alimentais vossas crianças, da servidão voluntária é o costume.”
66 67
Alexandre Morais da Rosa e Para um Processo Penal Democrático:
Sylvio Lourenço da Silveira Filho Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
68 69
Alexandre Morais da Rosa e Para um Processo Penal Democrático:
Sylvio Lourenço da Silveira Filho Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
na de “tipo” possui reflexos inexoráveis na com- preensão de processo, já apontada por Corde-
preensão da norma processual, não se podendo ro,26 dado que o processo na contemporânea
falar em plena autonomia, havendo, ao contrá- configuração da relação jurídica, segundo
rio, uma ‘estrecha relación’ entre o “tipo” e o Fazzalari,27 é o procedimento em contraditório.
Processual Penal, até porque a atribuição de Até porque existem outros processos, como o
sentido é realizada num ambiente hermenêutico tributário, administrativo, nem sempre em con-
desprovido de metalinguagem salvadora (Lenio traditório. O contraditório é, pois, a característi-
Streck). A política criminal24 apresenta-se, tam- ca que diferencia o processo do procedimento.28
bém, como fator necessário à interpretação das Com efeito, a legitimidade na imposição de atos
normas processuais, uma vez que sempre é de cogentes, decorrentes do poder de império,
um ‘ser-aí’ (Heidegger), inserido no mundo da com conseqüências no âmbito dos jurisdiciona-
vida. Apesar de o conhecimento das formas pro- dos e, no caso do Processo Penal, dos acusados,
cessuais ser importante, o isolamento formal faz precisa atender aos princípios e regras previs-
desaparecer a estrutura democrática – eminen- tos no ordenamento jurídico de forma taxativa.
temente acusatória – do Processo Penal.25 É pre- As regras do jogo democrático devem ser
ciso mais, invertendo-se, por primeiro, a própria
garantidas de maneira crítica29 e constituciona-
compreensão de processo.
lizada, até porque com ‘Direito Fundamental’ (e
as normas processuais o são), não se transige,
4.3. Processo como Procedimento não se negocia, defende-se, deixou assentado
em Contraditório: a sua Ferrajoli. Dito de outra forma, as regras do jogo
Marca Fundamental devem ser constantemente interpretadas a par-
70 71
Alexandre Morais da Rosa e Para um Processo Penal Democrático:
Sylvio Lourenço da Silveira Filho Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
tir da matriz de validade Garantista,30 não se mais de um poder sobre a conduta da parte
podendo aplicar cegamente as normas do adversa ou mesmo de prestação, senão sobre os
Código de Processo Penal, sem que se proceda efeitos processuais da norma.34 Os atos proces-
antes e necessariamente, uma oxigenação cons- suais lícitos se mostram como poderes decor-
titucional.31 Neste caminhar procedimental, rentes do exercício da vontade, regulados por
preparatório ao ato de império, a existência efe- normas processuais, perante as quais o sujeito
tiva de contraditório consiste em sua caracterís- possui o poder de agir (confissão judicial), a
tica fundamental.32 Assim é que a teoria do pro- faculdade (arrolar testemunhas) e o ônus, (no
cesso precisa ser revista, a partir do contraditó- caso da imposição de conseqüências pelo des-
rio, implicando na modificação da compreensão cumprimento da norma). A faculdade e o poder
de diversos institutos processuais vigorantes podem, também, gerar circunstâncias desfavo-
na prática processual brasileira.
ráveis ao sujeito caso não exercidas a tempo e
Em relação ao direito subjetivo, Fazzalari
modo. O procedimento se desenvolve a partir
propõe que este seja entendido a partir da rela-
de atos jurídicos lícitos, componentes do desen-
ção entre o sujeito e o objeto do comportamen-
rolar procedimental até a decisão final, mas não
to indicado pela norma jurídica, o qual o coloca
numa compreensão de oposição aos atos ilíci-
numa posição de vantagem pelo exercício de
uma faculdade ou de um poder.33 Não se trata tos.35 Destarte, até a decisão final, o procedi-
30 ROSA, Alexandre Morais da. Garantismo jurídico e con- fondamentale, di secondo grado: il diritto soggettivo. Così,
trole de constitucionalidade material. Rio de Janeiro: la norma che concede al soggetto una facoltà, o un potere,
Lumen Juris, 2006. constituisce in capo a lui una posizione di preminenza
31 CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata de (così, il potere può indicarsi e viene indicato anche come
constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: RT, diritto potestativo. Non altrimenti, la norma che impone
1995; SCHIER, Paulo Ricardo. Filtragem constitucional. ad un soggeto il dovere di prestare alcunché ad un altro
Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1999. soggeto conferisce a quest’ultimo una posizione di premi-
32 GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual, p. 115: “Há nenza sull’oggeto della prestazione, dunque un diritto
processo sempre onde houver o procedimento realizando-se soggetivo (si pensi al diritto di credito: la posizione di chi
em contraditório entre os interessados, e a essência deste è destinatario dell’altri obbligo di prestare). Del diritto
está na ‘simétrica paridade’ da participação, nos atos que soggettivo che – a differenza di quello costituito dal dove-
preparam o provimento, daqueles que nele são interessados re di uno (o più) soggeti: perciò indicato come relativo – è
porque, como seus destinatários, sofrerão seus efeitos.” realizzato daí doveri di tuttii i consociati (excluso il titola-
33 FAZZALARI, Elio. Istituzioni di diritto processuale, p. 51: re del diritto) ed è detto perciò assoluto, nonchè del dirit-
“Delle posizioni soggettive primarie (facoltà, potere, dove- to soggetivo reale.”
re) abbiamo fatto cenno. Mediante un altro passaggio logi- 34 GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual, p. 106: “Se
co, cioè collegando l’oggeto del comportamento descritto da norma decorre uma faculdade ou um poder, para o sujei-
dalla norma al soggetto al quale essa, con la propria valu- to, sua posição de vantagem incide sobre o objeto daquela
tazione, assicura una posizione di preminenza (in ordine a faculdade ou daquele poder que a norma lhe conferiu.”
quell’oggeto, appunto), si perviene ad un’altra posizione 35 GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual, p. 107.
72 73
Alexandre Morais da Rosa e Para um Processo Penal Democrático:
Sylvio Lourenço da Silveira Filho Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
mento, apesar de guardar uma unidade, deve rias, salvo nulidade, passível de ser discutida,
ser visto como uma sucessão de atos jurídicos inclusive em sede de Habeas Corpus. Desta
determinados por normas processuais que feita, a legitimidade do provimento judicial
regulamentam a maneira pela qual se dará a dependerá do desenrolar correto dos atos e
seqüência de atos e posições jurídicas: “O pro- posições subjetivas previstos em lei. E a perfei-
cedimento não é atividade que se esgota no ta observância dos atos e posições subjetivas
cumprimento de um único ato, mas requer toda dos atos antecedentes é condição de possibili-
uma série de atos e uma série de normas que os dade à validade dos subseqüentes. Logo, a
disciplinam, em conexão entre elas, regendo a mácula procedimental ocorrida no início do pro-
seqüência de seu desenvolvimento. Por isso se cesso contamina os demais, os quais para sua
fala em procedimento como seqüência de nor- validade precisam guardar referência com os
mas, de atos e de posições subjetivas.”.36 É a anteriores.41 O ato praticado em desconformi-
perfeita vinculação das etapas antecedentes dade com a estrutura do procedimento é inser-
que legitima o procedimento37 como condição vível à finalidade a que se destina.42 A decisão
preparatória ao provimento final,38 consoante final, preparada pelo procedimento, também se
aponta Cordero: “El antecedente inválido conta- constitui como uma parte deste, ou melhor, sua
mina a los siguientes.”39 A posição subjetiva é o parte final, o corolário. Assim é que Fazzalari
vínculo do sujeito para com a norma, a qual lhe sintetiza: “L’essenza stessa del contraddittorio
valora suas manifestações de vontade como esige che vi partecipino almeno due soggeti, un
lícitas, facultadas ou devidas, com as conse- interessado e un controinteressato: sull’uno dei
qüências daí advindas,40 verificando-se a ocor- quali l’atto finale è destinato a svolgere effetti
rência de preclusão das decisões interlocutó- facorevoli e sull’atro effetti pregiudizievoli.”43
Então, invertendo-se a lógica do senso
comum teórico dos juristas, o processo é um
36 GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual, p. 108. procedimento realizado por meio do contraditó-
37 FAZZALARI, Elio. Istituzioni di diritto processuale, pp.
77-78.
rio e, especificamente no Processo Penal, entre
38 BREDA, Antonio Acir. Efeitos da declaração de nulidade no
processo penal. In: Revista do Ministério Público do Estado
do Paraná, n. 9, p. 184: “É que a declaração de nulidade 41 BINDER, Alberto M. O descumprimento das formas pro-
exige a regressão do procedimento ao momento processual cessuais: elementos para uma crítica da teoria unitária
em que foi o ato nulo praticado. Daí por diante, todos os das nulidades no processo penal. Trad. Angela Nogueira
demais atos processuais são atingidos pela nulidade.” Pessoa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.
39 CORDERO, Franco. Procedimento Penal, p. 328. 42 GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual, p. 111:
40 GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual, p. 109: “O ato praticado fora dessa estrutura, sem a observância
“Posição subjetiva é a posição de sujeitos perante a de seu pressuposto, não pode ser por ela acolhido valida-
norma, que valora suas condutas como lícitas, facultadas mente, porque não pode ser nela inserido.”
ou devidas.” 43 FAZZALARI, Elio. Istituzioni di diritto processuale, p. 85.
74 75
Alexandre Morais da Rosa e Para um Processo Penal Democrático:
Sylvio Lourenço da Silveira Filho Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
o Ministério Público44 e/ou querelante, e efeti- va participação daqueles que sofrerão os efei-
va presença do acusado com defesa técnica. tos do provimento final, apurando-se o melhor
Por isso a necessidade de se entender o exercí- argumento em face do Direito e do ‘caso penal’,
cio da Jurisdição a partir da estrutura do pro- na via intersubjetiva, sem perder de vista o cri-
cesso como procedimento em contraditório, com tério ético material (Dussel).
significativas modificações na maneira pela
qual ele se instaura e se desenrola, especial-
mente no tocante ao princípio do contraditório
4.4. O Novo Papel do Juiz no
e o papel do juiz na condução do feito.45 Neste Procedimento em Contraditório
pensar, o contraditório precisa ser revisitado,
uma vez que não significa apenas ouvir as ale- A figura do juiz, desde o ponto de vista de
gações das partes, mas a efetiva participação, sujeito do processo, demonstra que sua partici-
com paridade de armas, sem a existência de pação não é de mero autômato, mas está vincu-
privilégios, estabelecendo-se uma comunica- lada às decisões proferidas no curso do proce-
ção entre os envolvidos, mediada pelo Esta- dimento e no seu final, no exercício de sua fun-
do.46 Rompe-se, outrossim, com a visão de que ção jurisdicional,47 sem olvidar os princípios
a simples participação dos sujeitos (juiz, auxi-
informadores de sua atuação, mormente se
liares, ministério público, acusado, defensor)
adotada a matriz eminentemente acusatória.
do processo possa conferir ao ato o status de
contraditório. É preciso mais. É preciso a efeti- Assim é que apesar dessa participação – sujei-
to do processo –, não se pode confundir a fun-
ção do juiz com a das partes, eis que não assu-
44 LOPES JR, Aury. Prefácio. In: COSTA, Ana Paula Motta. me a condição de contraditor, a qual é exercida
As garantias processuais e o direito penal juvenil como
limite na aplicação da medida socioeducativa de interna- pelos interessados, mas de terceiro, responsá-
ção., p. 18: “Basta recordar as lições de Guarnieri: acredi- vel, todavia, pela sua regularidade na produção
tar na imparcialidade do Ministério Público é incidir no
erro de confiar al lobo la mehor defensa del cordero.” dos significantes probatórios. Sua função é
45 GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual, p. 126. também a de expedir, em nome do Estado, o
46 GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual, p. 120:
provimento com força imperativa, atendido o
“A conotação citada como uma aproximação do conceito
atual de contraditório explica-se, pois ele exige mais do devido processo legal,48 levando em considera-
que a audiência da parte, mais do que o direito das partes
de se fazerem ouvir. Hoje, seu conceito evoluiu para o de
garantia de participação das partes, no sentido em que já
falava VON JHERING, em simétrica paridade de armas, 47 FAZZALARI, Elio. Istituzioni di diritto processuale, pp.
no sentido de justiça interna no processo, de justiça no 85-86.
processo, quando as mesmas oportunidades são distribuí- 48 CADEMARTORI, Sergio. Estado de direito e legitimidade.
das com igualdade às partes.” Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999.
76 77
Alexandre Morais da Rosa e Para um Processo Penal Democrático:
Sylvio Lourenço da Silveira Filho Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
78 79
Alexandre Morais da Rosa e Para um Processo Penal Democrático:
Sylvio Lourenço da Silveira Filho Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
‘escopos processuais’, com forte influência da seu tempo, não mais pode ser acolhida demo-
superada Filosofia da Consciência, deslizando craticamente.56
no Imaginário e facilitando o surgimento de Advirta-se, por fim, que a atuação do juiz,
Juízes Justiceiros da Sociedade. Entretanto, no procedimento, não pode ser a de realizar os
este paradigma, informado pelo modelo do anseios sociais, devendo se postar de maneira
Bem-Estar Social e da jurisprudência de valores imparcial, garantindo o equilíbrio contraditório,
não mais se sustenta, como bem afirma ou seja, a verdadeira democracia processual.57
Cattoni,55 mormente em face do paradigma Todavia, no ato decisório, a pretensão haberma-
habermasiano, acolhido de forma parcial neste siana não pode ser acolhida como se mostra.
Evidente que os argumentos formulados pelas
escrito. Não se trata mais de realizar os valores
partes devem ser levados em consideração no
sociais, quer via escopos (Dinamarco) ou essen-
momento da decisão, fundamentando-se as
cialismos dicotômicos, que em certa medida
pretensões de validade, mas não se pode
concedem um conforto Metafísico, mas acolher negar, pela construção até aqui realizada, que
no campo das práticas jurídicas a viragem lin- o um-julgador esteja informado por fatores
güística, cujos efeitos retiram a carga axiológi- externos, condicionantes ideológicos, crimino-
ca do processo. O processo precisa de uma nova lógicos, midiáticos, inconscientes, enfim, subje-
postura. A pretensão de Dinamarco de que o tivos que sempre são co-produtores da decisão,
juiz deve aspirar os anseios sociais ou mesmo o mesmo que obliterados retoricamente. O
espírito das leis, tendo em vista uma vincula- importante é que sua atuação do juiz no decor-
ção axiológica, moralizante do jurídico, com o rer do processo como procedimento em contra-
objetivo de realizar o sentimento de justiça do
56 LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria processual, pp. 68-69:
tuação em que a existência de direito é negada), é sempre “Quando Cândido Dinamarco proclama, ao se contrapor a
resultante da acomodação de uma concreta situação de Fazzalari, que a diferença entre ambos ‘é que o professor
fato nas hipóteses oferecidas pelo ordenamento jurídico: de Roma põe o Processo ao centro do sistema’ enquanto
mediante esse enquadramento e o trabalho de investiga- a proposta é que ‘ali se ponha a jurisdição’, conclui-se
ção do significado dos preceitos abstratos segundo os valo- facilmente que o insigne professor paulista e seus inúme-
res que, no tempo presente, legitimam a disposição, chega- ros discípulos, em todo o Brasil e no mundo, ainda não
se à ‘vontade concreta da lei’, ou seja, ao concreto preceito fizeram opção pelo estudo do direito democrático, pensan-
que o ordenamento dirige ao caso em exame. Por isso é do ser ainda ser o plano da DECISÃO exclusivo do decidi-
que, quando os tribunais interpretam a Constituição ou a dor (juiz) e não um espaço procedimental de argumentos
lei, eles somente canalizam a vontade dominante, ou seja, e fundamentos processualmente assegurados até mesmo
a síntese das opções axiológicas da nação. O comando con- para discutir a legitimidade da força do direito e dos crité-
creto que emitem constitui mera revelação do preexisten- rios jurídicos de sua produção, aplicação e recriação.”
te, sem nada acrescer ao mundo jurídico além da certeza.” 57 RAMOS, João Gualberto Garcez. Audiência processual
55 CATTONI, Marcelo. Direito processual constitucional, p. 12. penal, p. 19
80 81
Alexandre Morais da Rosa e Para um Processo Penal Democrático:
Sylvio Lourenço da Silveira Filho Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
ditório não deve pender para a realização ante- mento de feudos decisórios dos magistrados,
cipada de suas opções ideológicas, criminológi- inseridos desde sempre no campo comunica-
cas, sob pena de macular a legitimidade de sua cional e regulados, no caso do Processo Penal,
decisão. É somente na decisão é que elas pelas respectivas normas.
devem aparecer de maneira fundamentada. Conseqüência disso é a assunção de uma
nova postura por parte do juiz, ganhando rele-
4.5. A Validade Discursiva da Decisão vo, por conseguinte, a teoria da decisão judi-
cial. Para tanto, o ponto de partida deve se
A portentosa obra de Habermas, para os constituir na crítica à maneira pela qual o senso
fins desta pesquisa, é acolhida de maneira comum teórico a vende e a massa histérica pelo
pontual, especificamente no tocante ao discur- gozo dos atores jurídicos compra a verdade fun-
so a ser instado intra-processualmente. Como dante prometida apocalipticamente, e entre-
já se afirmou anteriormente, o Direito Proces- gue sob a tutela de uma nova dinastia, ou
sual possui balizas democráticas, não se po- ‘Monastério de Sábios’ – Warat –, os guardiães
dendo mais aceitar a decisão isolada e sem das promessas da modernidade – Garapon61 –,
fundamentação do Juiz, devendo este, neces- em especial a figura do Juiz, do Super-Juiz,
sariamente, considerar as pretensões de vali- sujeito cheio de predicados (serenidade, sabe-
dade enunciadas pelas partes no discurso doria, sapiência, moralidade, hombridade, etc),
comunicativo instaurado. Neste paradigma não um Juiz Hércules, como diria Dworkin. A dis-
há espaço para discricionariedade judicial cussão, portanto, sobre o instituto da decisão
(Hart58), como a interpretação não atende a judicial exsurge fundamental. Conquanto não
uma moldura de possibilidades (Kelsen59). Pelo se acolha o procedimentalismo habermansiano
contrário, a decisão judicial, naquilo que no que se refere à postura do Poder Judiciá-
Habermas evidencia como tensão entre fatici- rio,62 a razão comunicativa mostra-se, no âmbi-
dade e validade,60 exige uma nova postura dos to processual, importante. Para Habermas, o
atores jurídicos embrenhados no processo
(sempre) constitucional e intersubjetivo de atri-
buição de sentido. A autonomia do Direito 61 GARAPON, Antoine. O juiz e a democracia: o guardião
das promessas. Trad. Maria Luiza de Carvalho. Rio de
Processual não pode significar o estabeleci- Janeiro: Revan, 2001.
62 STRECK, Lenio Luiz. A concretização de direitos e a vali-
dade da tese da Constituição Dirigente em países de
58 HART, Herbert L.A. O conceito de direito pp. 137-168. modernidade tardia. In: NUNES, Antônio José Avelãs;
59 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, pp. 363-371. MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de (orgs.).
60 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre factici- Diálogos constitucionais Brasil/Portugal. pp. 301-371.
dade e validade. Trad. Flávio Beno Siebeneichler. Rio de MORAIS DA ROSA, Alexandre. Garantismo jurídico e con-
Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. v. 1 e 2. trole de constitucionalidade material, pp. 81-91;
82 83
Alexandre Morais da Rosa e Para um Processo Penal Democrático:
Sylvio Lourenço da Silveira Filho Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
84 85
Alexandre Morais da Rosa e Para um Processo Penal Democrático:
Sylvio Lourenço da Silveira Filho Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
teza de antes. Com isto, as rançosas percep- mente. Enfim, diante das pretensões de valida-
ções da ‘Filosofia da Consciência’ (do sujeito de trazidas pelas partes no procedimento em
uno) são expungidas do campo processual, contraditório, que o um-juiz se legitima a emitir
abrindo-se espaço para a democracia proces- o provimento estatal, fundamentando tanto no
sual discursiva, abjurando-se, dentre outras, a acolhimento quanto na rejeição das alegações,
legitimidade formal kelseniana do juiz. não podendo buscar a legitimação apenas por
sua condição formal de emissor reconhecido. As
4.6. A Construção Discursiva da partes possuem o direito de enunciar seus
Decisão: Aproximando-se argumentos, produzirem provas e os verem
devidamente analisados pelo Estado-Juiz.68
da Psicanálise
Quanto ao Processo Penal, relativamente
Com efeito, esse processo democrático aos direitos dos acusados, a postura a ser ado-
precisa garantir a isonomia, publicidade, ampla tada é aquela professada pelos mais ferrenhos
defesa e contraditório, princípios fundamentais legalistas: respeito às regras do jogo de manei-
sem os quais a sua deslegitimidade aflora e ra transparente.69 Nada mais do que isso.
macula a decisão. No decorrer do processo os Todavia, quando as regras do jogo passam a
Direitos Fundamentais serão invocados e deba- ser o entrave para a turba sedenta pelo gozo
tidos argumentativamente (discurso proposi- sádico – mormente em tempos neoliberais de
cional e não autoritário). O processo é quem encarceramento total da pobreza –, os argu-
mediará, pelo discurso, a decisão, não mais soli- mentos jurídicos transcendentes da condena-
tária do juiz,67 mas co-produzida democratica- ção em nome da paz social, da segurança jurí-
dica, do interesse social em formatar o apenado
subvertem a lógica de garantias e se consti-
67 LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria processual, p.. 112: “A téc-
nica do silogismo pelo jogo de premissas, com supressão tuem no fundamento retórico e deslegitimado
do processo como estrutura encaminhadora da decisão, de uma condenação.70 Não se trata, assim, de
poderá premiar o decididor pela coerência dos juízos ela- aplicar uma pena no interesse do apenado,
borativos do provimento. Entretanto, ainda que primorosa
a decisão assim obtida, é negativa do devido processo
legal, porque, no direito democrático, o acerto da decisão
não se autojustifica ante a ausência de procedimento pro- 68 CATTONI, Marcelo. Direito processual constitucional, p. 60.
cessualizado, que é o elemento teorizador de legitimidade 69 CATTONI, Marcelo. Direito processual constitucional, pp.
do sistema jurídico constitucionalmente acolhido. Isto é: 78-79.
no direito democrático, só a institucionalização constitu- 70 CORDERO, Franco. Procedimiento penal, p. 264:
cional do processo como eixo de decisão das situações “Amorfismo. Era característico del método inquisitorio,
jurídicas asseguradas no ordenamento jurídico (as chama- pues en el proceso reducido a sondeo introspectivo, las for-
das relações de direito material ou formal) é que tornam mas constituyen un dato secundario o simplemente sin
legítimas a dirimência dos conflitos normativos e a defini- importancia, pues solo cuenta el resultado, no importa
ção de direitos alegados ou exercidos.” cómo sea obtenido.”
86 87
Alexandre Morais da Rosa e Para um Processo Penal Democrático:
Sylvio Lourenço da Silveira Filho Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
88 89
Alexandre Morais da Rosa e Para um Processo Penal Democrático:
Sylvio Lourenço da Silveira Filho Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
que pretende. No caminho aqui defendido, a De maneira que o inasfastável buraco é de ser
razão comunicativa pode ser situada para se apontado com Marques Neto: “Há essa dimen-
fixar o lugar do juiz no processo em contraditó- são que ultrapassa tudo aquilo que o sujeito pode
rio (Fazzalari) como sendo aquele que no decor- pôr de intencionalidade no seu discurso. O
rer dele irá garantir as regras do jogo,75 sem inconsciente é uma referência a esse ultrapassa-
prejuízo de seu papel específico no ato decisó- mento, a isso que está para além do discurso.
rio, o qual deve se fundamentar no critério Toda a fala é acompanhada de um cortejo de
material proposto por Dussel. silêncios, que tem uma enorme eloqüência. O que
O devido processo democrático proposto não se diz é freqüentemente mais significativo do
por Habermas, entretanto, é paradoxal. Ao que o que se diz.”77 Dews,78 contrapondo a ‘ver-
mesmo tempo em que rejeita o solipsismo do jul- dade do sujeito’ em Lacan e Habermas, afirma
gador, agora envolvido pelo medium lingüístico, que para Lacan a cadeia de significantes impede
considera que o discurso consciente é seu fun- o encontro definitivo com o Real, por ser impos-
damento. Para ele, a legitimidade do Direito e da sível, sendo que, rompendo com as concepções
decisão estariam jungidas à aceitação pelos racionalistas, a (possível) representação pelo
concernidos das normas e das decisões, como significante não é a coisa; o que há é linguagem
se isso pudesse ocorrer no plano consciente do sem metalinguagem.79 A crítica formulada por
Lacan, portanto, detona com a pretensão de que
sujeito único. A crítica poderia ser formulada a
partir de Heidegger ou mesmo de Dussel, como
já se pontuou, mas para o fim deste escrito, con- 76 PRADO JR, Bento. Alguns ensaios, p. 25: “É pelo menos
curioso que alguém, que busca a verdade de Freud no que
tudo, é Lacan que será trazido à baila. Para além ele não disse, negue a idéia do inconsciente como discurso
do assentimento sincero, existem mecanismos mudo, ou como um campo prévio que (tornando possível a
inconscientes que roubam a cena, conforme linguagem) é de natureza análoga àquilo que torna possí-
vel, sem ser propriamente linguagem.”
deixa evidenciada a psicanálise. Por isso proce- 77 MARQUES NETO, Agostinho Ramalho. O Poder
dem as críticas de Prado Jr. acerca do projeto Judiciário na perspectiva da sociedade democrática: O
habermasiano, no sentido de que a leitura da Juiz Cidadão. In: Revista ANAMATRA, n. 21, p. 48.
78 DEWS, Peter. A verdade do sujeito: linguagem, validade
psicanálise a partir da psicologia do eu efetuada e transcendência em Lacan e Habermas. In: SAFATLE,
por Habermas, renegou o silêncio e o inconscien- Vladimir (Org.) Um limite tenso: Lacan entre a Filosofia e
te na formulação do consenso intersubjetivo.76 a Psicanálise, pp. 75-105.
79 LACAN, Jacques. Escritos, p. 501: “Por essa via, as coisas
não podem fazer mais que demonstrar que nenhuma sig-
nificação se sustenta a não ser pela remissão a uma outra
75 CATTONI, Marcelo. Direito processual constitucional, p. significação: o que toca, em última instância, na observa-
15: “Assim é que os juízes, não devem comporta-se, embo- ção de que não há língua existente à qual se coloque a
ra tantos se comportem, como donos da verdade e guar- questão de sua insuficiência para abranger o campo do
diões das virtudes.” significado, posto que atender a todas as necessidades é
90 91
Alexandre Morais da Rosa e Para um Processo Penal Democrático:
Sylvio Lourenço da Silveira Filho Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
92 93
Alexandre Morais da Rosa e Para um Processo Penal Democrático:
Sylvio Lourenço da Silveira Filho Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
tempo, passa sua vida questionando o sentido neste escrito, o acolhimento da proposta
de sua própria existência.83 habermasiana é contingente, como horizonte
Portanto, conquanto sua proposta de possível de assentimento dos concernidos,
democracia processual – no qual as pretensões sem que, todavia, constitua-se em algo plena-
de validade são acolhidas ‘in the long run’, por mente factível diante dos obstáculos aponta-
mecanismos de consenso discursivo –, possa dos. Sem dúvida que os pressupostos do dis-
representar uma tentativa de continuidade do curso indicados por Habermas podem e devem
projeto do sujeito da Modernidade, sua pers- nortear a atuação processual num Estado
pectiva de destranscendelizar o sujeito navega Democrático de Direito, desde que ciente de
sem a dimensão do desejo, ao arrepio da feno- que a racionalidade proposta é suscetível de
menologia heideggeriana e a barra imposta críticas intransponíveis. Possui, ademais, o
pelo sujeito clivado da psicanálise (Lacan), dei- mérito de rejeitar o solipsismo do julgador deci-
xando à descoberto os mecanismos de ligação sionista, o qual não se sustenta mais democra-
da proposta ao sujeito, dado que: “Lacan não ticamente. No entanto, nem por isso o proces-
nega, evidentemente, que esse questionamento so como eixo democrático pode tamponar o
será formulado em função do repertório simbó- que salta do insconsciente das partes nas suas
lico de uma cultura determinada, mas suas for- argumentações e do ser-aí-julgador.85 De qual-
mulações deixam implícito que o que está em quer forma, aproveita-se sua proposta para o
jogo – ao menos em parte – é a relação entre o encadeamento procedimental necessário à
sujeito e qualquer repositório simbólico em legitimidade da decisão a ser proferida, eis
geral, e portanto o problema da finitude de sua que antecedentemente já se agregou ao proje-
realização de si enquanto sujeito.”84 Por isto, to em construção a ‘viragem lingüística’, com a
conseqüente rejeição da Filosofia da
83 LACAN, Jacques. Escritos, p. 556: “Pois, certamente, os Consciência. De outra parte, é impossível que
sulcos que o significante cava no mundo real vão buscar, a proposta seja ultimada consoante Habermas
para alargá-las, as hiâncias que ele lhe oferece como ente,
a ponto de poder persistir uma ambigüidade quanto a pretende por desconsiderar fatores interve-
apreender se o significante não segue ali a lei do significa- nientes na prolação da decisão e nos próprios
do. Mas, o mesmo não acontece no nível do questionamen-
to, não do lugar do sujeito no mundo, porém de sua exis-
tência como sujeito, questionamento este que, a partir
dele, vai estender-se à sua relação intramundana com os 85 ZAFFARONI, Raúl. E. La cultura del riesgo. In: DOBÓN,
objetos e à existência do mundo, na medida em que ela Juan; BEIRAS, Iñaki Rivera (orgs). La cultura del riesgo,
também pode ser questionada para-além de sua ordem.” p. 3: “El encuentro entre el derecho y el psicoanálisis
84 DEWS, Peter. A verdade do sujeito: linguagem, validade nunca fue pacífico, ya desde que Freíd golpeara uno de
e transcendência em Lacan e Habermas. In: SAFATLE, los pilares en los que se pretenden asentar casi todos los
Vladimir (Org.) Um limite tenso: Lacan entre a Filosofia e discursos que nutren el campo jurídico: la pretendida
a Psicanálise, p. 102. racionalidad del ser humano.”
94 95
Alexandre Morais da Rosa e Para um Processo Penal Democrático:
Sylvio Lourenço da Silveira Filho Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
96 97
Considerações Finais
99
Referências Bibliográficas
101
Alexandre Morais da Rosa e Para um Processo Penal Democrático:
Sylvio Lourenço da Silveira Filho Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
102 103
Alexandre Morais da Rosa e Para um Processo Penal Democrático:
Sylvio Lourenço da Silveira Filho Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
CLEINMAN, Betch. A esquerda punitiva: entre- FAZZALARI, Elio. Il cammino della sentenza e
vista com Maria Lúcia Karam. In: Revista de della cosa guidicata. In: Rivista di Diritto
Estudos Criminais. !TEC. nº 01. Sapucaia do processuale. Padova: Cedam, 1988, v. XLIII,
Sul: Notadez Informação, 2001. n. 5, (II série).
CONTRERA, Malena Segura. Mídia e pânico: _____. Istituzioni di diritto processuale. Padova:
saturação da informação, violência e crise CEDAM, 1994.
cultural na mídia. São Paulo: Annablume: FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón. Teoría del
Fapesp, 2002. garantismo penal. 5 ed. Trad. Perfecto
CORDERO, Franco. Procedimento penal. Vol. 1. Andrés Ibañes, Alfonso Ruiz Miguel, Juan
Trad. Jorge Guerrero. Santa Fé de Bogotá: Carlos Bayón Mohino, Juan Terradillos
Temis, 2000. Basoco, Rocío Cantarero Bandrés. Madrid:
CRESPO, Eduardo Demetrio. Do ‘direito penal Trotta, 2001.
liberal’ ao ‘direito penal do inimigo’ In: FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos:
notas sobre a lei 8.072/90. 3 ed. São Paulo:
Ciências penais – Revista da Associação
Revista dos Tribunais, 1994.
Brasileira de Professores de Ciências Penais.
FRIEDMAN, Milton. Capitalismo e liberdade.
ABPCP. nº 01. São Paulo: Revista dos
Trad. Luciana Carli. São Paulo: Abril, 1984.
Tribunais, 2004.
GALEANO, Eduardo. De pernas pro ar: a esco-
DEWS, Peter. A verdade do sujeito: linguagem,
la do mundo ao avesso. Trad. Sergio Faraco.
validade e transcendência em Lacan e
Porto Alegre: L&PM, 1999.
Habermas. In: SAFATLE, Vladimir (Org.) Um GARAPON, Antoine. O juiz e a democracia: o
limite tenso: Lacan entre a Filosofia e a guardião das promessas. Trad. Maria Luiza
Psicanálise. São Paulo: UNESP, 2003. de Carvalho. Rio de Janeiro: Revan, 2001.
DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentali- GAUER, Ruth M. Chittó. Alguns aspectos da
dade do processo. São Paulo: Malheiros, 2002. fenomenologia da violência. In: _____. ;
DUSSEL, Enrique. Ética da libertação: na idade GAUER, Gabriel J. Chittó. A fenomenologia
da globalização e da exclusão. Trad. da violência. Curitiba: Juruá, 1999.
Epharaim Ferreira Alves, Jaime A. Clasen e GUARESCHI, Pedrinho A. A realidade da
Lúcia M. E. Orth. Petrópolis: Vozes, 2002. comunicação. Visão geral do fenômeno. In:
ESTIVALLET, Jaqueline; FONTOURA MACHA- _____. Comunicação e controle social. 4 ed.
DO, Maristela da. Algumas indagações Petrópolis: Vozes, 2001.
sobre a violência. In: GAUER, Ruth M. GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual
Chittó; GAUER, Gabriel J. Chittó. A fenome- e teoria do processo. Rio de Janeiro: AIDE,
nologia da violência. Curitiba: Juruá, 1999. 2001.
104 105
Alexandre Morais da Rosa e Para um Processo Penal Democrático:
Sylvio Lourenço da Silveira Filho Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
106 107
Alexandre Morais da Rosa e Para um Processo Penal Democrático:
Sylvio Lourenço da Silveira Filho Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
MARTINS, Nelson Juliano Schaefer. Poderes do nº 11. Sapucaia do Sul: Notadez Informação,
juiz no processo civil. São Paulo: Dialética, 2003.
2004. MUÑOZ CONDE. Francisco. La búsqueda de la
MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. A verdad en el proceso penal. Buenos Aires:
lide e o conteúdo do processo penal. Curitiba: Hammurabi, 2003.
Juruá, 1998. ORWELL, George. 1984. Trad. Wilson Velloso.
_____. Atualizando o discurso sobre direito e São Paulo: Nacional, 1983.
neoliberalismo no Brasil. In: Revista de estu- OST, François. O tempo do direito. Trad. Maria
dos criminais. !TEC. nº 04. Sapucaia do Sul: Fernanda Oliveira. Lisboa: Instituto Piaget,
Notadez Informação, 2001. 1999.
_____. Crítica à teoria geral do direito proces- PELLEGRINI, Flaviane de Magalhães Barros. O
sual penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. processo, a jurisdição e a ação sob a ótica de
_____. Efetividade do processo penal e golpe Elio Fazzalari. Virtuajus, a. 2, n. 1, agosto
de cena: um problema às reformas proces- 2003.
suais. In WUNDERLICH, Alexandre (org.). PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil.
Escritos de direito e processo penal em Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999.
homenagem ao Professor Paulo Cláudio Tovo. POTTES DE MELLO, Aymoré Roque. A política
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. neoliberal de endividamento e exclusão e
_____. Ensino do Direito na UFPR: Voto à instrumentos para o exercício da cidadania
Esperança. In: Revista da Faculdade de e da democracia. In: Revista da AJURIS, nº
Direito da UFPR. nº 36. Porto Alegre, 2001. 84. Porto Alegre: 2001.
_____. Glosas ao ‘Verdade, Dúvida e Certeza’, PRADO JR, Bento. Alguns ensaios: Filosofia,
de Francesco Carnelutti, para os operadores Literatura, Psicanálise. São Paulo: Paz e
do Direito. In: Anuário Ibero-Americano de Terra, 2000.
Direitos Humanos (2001-2002). Rio de RAMONET, Ignacio. Geopolítica do caos. 4 ed.
Janeiro: Lumen Juris, 2002. Trad. Guilherme de João de Freitas Teixeira.
_____. O papel da jurisdição constitucional na Petrópolis: Vozes, 2001.
realização do Estado Social. In: Revista de _____. A tirania da comunicação. 2 ed. Trad.
estudos criminais. !TEC/PUC-RS, nº 10. Lúcia Mathilde Enderlich Orth. Petrópolis:
Sapucaia do Sul: Notadez, 2003. Vozes, 2001.
_____.; CARVALHO, Edward. Teoria das janelas RAMOS, João Gualberto Garcez. Audiência
quebradas: e se a pedra vem de dentro?. In: processual penal: Doutrina e Jurisprudência.
Revista de estudos criminais. !TEC/PUC-RS. Belo Horizonte: Del Rey, 1996.
108 109
Alexandre Morais da Rosa e Para um Processo Penal Democrático:
Sylvio Lourenço da Silveira Filho Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
REALE JR, Miguel. Insegurança e tolerância SABADELL, Ana Lúcia. Prefacio. In: ANDRA-
zero. In: Revista de estudos criminais. DE, Vera Regina Pereira de. Sistema penal
!TEC/PUC-RS. nº 09. Sapucaia do Sul: máximo x cidadania mínima: códigos da vio-
Notadez Informação, 2003. lência na era da globalização. Porto Alegre:
RIPOLLÉS, José Luiz Diéz. O direito penal sim- Livraria do Advogado, 2003.
bólico e os efeitos da pena. In: Ciências SANTOS, Juarez Cirino dos. Teoria da pena.
penais – Revista da Associação Brasileira de Fundamentos políticos e aplicação judicial.
Professores de Ciências Penais. ABPCP. nº 00. Curitiba: ICPC/Lumen Juris, 2005.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. _____. A criminologia crítica e a reforma da
ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do legislação penal. Dsiponível em: <www.ciri-
processo. São Paulo: Malheiros, 1999. no.com.br/artigos/jcs/criminologia_criti-
ROMAN BORGES, Clara Maria. Jurisdição e ca_reforma_legis_penal>.Acesso em: 05 de
amizade, um resgate do pensamento de julho de 2006.
Etienne La Boétie. In: MIRANDA COUTI-
SCHECAIRA, Sérgio Salomão. Mídia e crime.
NHO, Jacinto Nelson de. Crítica à teoria
In: CORRÊA JR, Alceu. Teoria da pena. São
geral do direito processual penal. Rio de
Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
Janeiro: Renovar, 2001.
SCHIER, Paulo Ricardo. Filtragem constitucio-
ROMANO, Vicente. Apresentação. In: CON-
nal. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1999.
TRERA, Malena Segura. Mídia e pânico:
SILVEIRA FILHO, Sylvio Lourenço da. Neolibe-
saturação da informação, violência e crise
ralismo, mídia e movimento da lei e da
cultural na mídia. São Paulo: Annablume:
Fapesp, 2002. ordem: rumo ao estado de polícia. In: Ciên-
ROSA, Alexandre Morais da. Decisão Penal: a cias penais – Revista da Associação Brasi-
bricolage de significantes. Rio de Janeiro: leira de Professores de Ciências Penais.
Lumen Juris, 2006. ABPCP. nº 02. São Paulo: Revista dos
_____. Garantismo jurídico e controle de consti- Tribunais, 2005.
tucionalidade material. Rio de Janeiro: SOARES, Luiz Eduardo; BILL, Mv; ATHAYDE,
Lumen Juris, 2006. Celso. Cabeça de porco. Rio de Janeiro:
_____. Introdução crítica ao ato infracional. Objetiva, 2005.
Princípios e garantias constitucionais. Rio STRECK, Lenio Luiz. A concretização de direi-
de Janeiro: Lumen Juris, 2007. tos e a validade da tese da Constituição
RUSCHE, George; KIRCHHEIMER, Otto. Dirigente em países de modernidade tardia.
Punição e estrutura social. 2 ed. Trad. In: NUNES, Antônio José Avelãs; MIRANDA
Gizlene Neder. Rio de Janeiro: Revan, 2004. COUTINHO, Jacinto Nelson de (orgs.).
110 111
Alexandre Morais da Rosa e Para um Processo Penal Democrático:
Sylvio Lourenço da Silveira Filho Crítica à Metástase do Sistema de Controle Social
112 113