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Resumo:
Este artigo foca os conceitos de integração e interação e suas implicações para o debate sobre
inclusão no campo de teatro na escola e na comunidade. Para a visualização da problemática
são feitos relatos sobre um processo de montagem baseado em um texto que trata da
questão da xenofobia, tendo sido criado para a interação em grandes grupos. Rituais de
passagem e jogos teatrais com objetos e fragmentos de texto são analisados como uma metodologia
para favorecer a inclusão ao intercalar, respectivamente, a introdução gradual do contexto
pelo professor e a interação do texto com a memória dos participantes.
Palavras-chave:
Teatro na educação. Inclusão em teatro na educação. Análise de interação em educação.
Abstract:
This paper looks at the concepts of integration and interaction and their implications for the
debate on inclusion in the field of theatre in schools and communities. In order to visualize
the approach, a description is made of the process of staging a play based on a text that
focuses on the issue of xenophobia. This text was written for interactions within big groups.
An analysis of a methodology that allows for approaching inclusion, shows how Rituals of
passage and theatre games with objects and fragments of text may be used for a gradual introduction
to the context and an interaction between the text and the memory of the participants.
Key words:
Creative dramatics. Inclusion in Theatre Education. Forms of Interaction in Drama
Education.
Introdução
Focar a questão da inclusão na esfera do Teatro Educação requer que sejam
consideradas as implicações em torno dos conceitos de integração e interação. A
prática de utilizar estratégias de integração entre os participantes de um processo
teatral traz consigo o desafio de se conseguir manter uma dinâmica de interação
centrada no foco da narrativa em processo e nos problemas cênicos que emergem
durante seu desenvolvimento.
A integração, como objetivo e concepção de trabalho, inclui os participantes
em um todo, os torna parte da vida comunitária de um mesmo grupo, idéia ou
sistema. Assim sendo, a integração tende a anular as diferenças e a atenuar as
desigualdades e acaba por nivelar as especificidades individuais. A ênfase na
integração leva com freqüência à formação de grupos teatrais fechados e à
priorização de uma identidade que acaba por diferenciá-los e afastá-los dos diversos
segmentos sociais que os rodeiam e lhe deram origem.
A interação, por sua vez, implica a participação conjunta em um trabalho,
ou projeto, onde ambas as partes reagem juntas à mesma situação de forma a
afetar ou modificar o comportamento ou condição de ambas, de acordo com
suas especificidades. A interação busca promover a construção de identidades
particulares, com base na observação das diferenças, e desta forma procura não
só preservar, como também priorizar as diferenças.
A perspectiva neste trabalho é a de que o ponto de partida para considerar
a inclusão dentro de um espaço democrático para a diferença deve estar na
interação e não na integração. A interação caracteriza particularmente as redes
e parcerias, nas quais a complementaridade se constrói com base na valorização
das suas diferenças. Sua complexidade exige novas orientações epistemológicas
no campo da pesquisa.
A experiência que sustentou esta reflexão teórica reuniu 30 professores da
Rede Estadual de Ensino de Santa Catarina, alunos do Curso Magister em Artes
Cênicas, que trabalharam com moradores da comunidade de Nova Trento,
durante três finais de semana, após terem escolhido, analisado e planejado o
espetáculo teatral a ser realizado em parceria. A interação com as pessoas da
comunidade ocorreu na esfera do processo de montagem, mediante exercícios
de improvisação e interpretação. A metodologia da pesquisa e os focos de
investigação foram definidos pela coordenação e professores no período
anterior ao início do trabalho.
Metodologia
A opção pela abordagem etnográfica (DONELAN, 1999) resultou de
sua aproximação com a metodologia de ensino utilizada, a qual se reflete na
linguagem, categorias conceituais e áreas de debate dos dois campos de
conhecimento, tais como:
O diferente em cena
Nós e Eles resultou na orquestração das vozes individuais e coletivas, de
pequenos grupos e do grande grupo, representando “os daqui e os de fora” e as
diferenças tais como percebidas por ambos.
Esta forma de apropriação do texto está centrada no conceito de democratização
da diferença e resulta na multiplicidade de identificações e na heterogeneidade de
problematizações inseridas por fragmentos diversos. O impacto desta
intertextualidade em processo na construção e apresentação teatral decorre de
sua dimensão metafórica. As histórias ou narrativas que se cruzam nesta
intertextualidade são, como acentua Roland Barthes (1988), metáforas da maneira
pela qual vivemos e, como tal, contam sobre a cultura e a comunidade, explicando
ou confirmando a identidade cultural.
Goffman (1974) enfatiza como o indivíduo se auto-apresenta mediante
narrativas em seus encontros diários no palco social – histórias sobre o trabalho,
o lazer, para impressionar, para angariar simpatias ou simplesmente para entreter.
A partir deste entendimento, recorremos ao suporte de uma pedagogia
crítica que, como lembra Giroux (1991), implica engajar os participantes nas
referências múltiplas que constituem as diferentes linguagens, experiências e códigos
culturais. Isto significa educar os alunos não apenas para ler estes códigos
criticamente, mas para aprender os limites de tais códigos, inclusive aqueles que
usam para construir suas próprias narrativas e histórias. A imersão em suas próprias
histórias possibilita que os participantes sintam-se parte da história e tenham voz
no processo de construção da narrativa. Por outro lado, leva à transformação
das histórias individuais pela sua articulação com as demais e com o processo de
narrar, faz emergir forma e movimento, além de promover o distanciamento
necessário para a percepção das diferenças e a convivência entre elas.
A análise do processo de montagem de Nós e Eles mostrou que o impacto
nos participantes foi causado pela forma pela qual o tema foi abordado e o
material foi introduzido: a transformação do espaço (a sala de aula) e a interação
entre os estudantes e os participantes da comunidade, que permitiram uma nova
leitura do texto e do espaço; a ressonância do contexto teatral com os contextos
histórico e social dos participantes; o uso de rituais como uma forma de abrir
espaço para as vozes individuais; o sentido de cerimônia, salientado pela
orquestração das vozes individuais e coletivas.
Notas conclusivas
Um levantamento das implicações deste processo no comportamento
dos participantes em cena, ou seja, na sua performance dramática e teatral,
apontaram para:
Notas
1 David Campton nasceu em 1924 em Leicester/Inglaterra. Tornou-se drama-
turgo ‘tempo integral’ em 1956. A maior parte de suas peças são de um ato só
e se caracterizam como comédias de costume ou intervenções. Geralmente é
apresentado como dramaturgo de ‘comédias sérias’ e, na década de 90, escre-
veu inúmeras peças sobre a ameaça da bomba e sobre pessoas como fanto-
ches, encurraladas em situações de pânico em seu próprio trabalho.
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Beatriz Ângela Vieira Cabral
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