Você está na página 1de 28

115

4.2 A MEDIAÇÃO TEATRAL NO QUÉBEC

O espectador faz parte interna da totalidade do teatro e, ao mesmo


tempo, ele é o estrangeiro que coloca um olhar sobre a
representação.42

Roger Deldime

No Québec as experiências bem-sucedidas de mediação teatral estão se multiplicando por


diversos grupos e espaços teatrais. Além disso, as escolas e outros ambientes educativos aderem
aos processos organizados e educativosao de trabalhar a apreciação de um espetáculo teatral com
as crianças e os jovens.

Neste sentido, este texto faz um recorte de algumas experiências referenciais da Maison
Théâtre, na cidade de Montréal-QC, e do Groupe de Théâtre des Petites Lanternes,na cidade de
Sherbrooke-QC, no Canadá. São ações que dão uma base atualizada, no que se refere ao processo
de mediação teatral. Trata-se de instituições culturais que organizaram, de forma sistematizada,
seu processo de diálogo com o público e os múltiplos caminhos de apreciação da obra teatral.
Nestes trabalhos o público vivencia o teatro como um percurso educacional, antes, durante e
depois das apresentações dos espetáculos.

Este texto aborda, portanto, a definição de mediação teatral que une a aprendizagem
artística e a pedagógica, nos contextos comunitários e escolares. Esta concepção complementa-se
nas definições das funções artístico-pedagógicas de difusores e mediadores que trabalham neste
fluxo com o público, em um processo de profissionalização da mediação teatral. Por fim,
seguindo a perspectiva de aprofundar um exemplo de instrumentais de mediação, destaca-se o
trabalho dos cadernos de espetáculo43 como um produto didático sistematizado.

42
Le spectateur fait partie interne de la totalité du théâtre et, en même temps, il lui est étranger par le
regard qu’il porte sur la représentation. (DELDIME, Roger. 1998, p. 45, tradução nossa)
43
Material como suporte pedagógico na mediação teatral composto por um conjunto de técnicas artísticas
e outras atividades para serem desenvolvidas com os alunos antes, durante e depois das apresentações.
116

O caderno de espetáculo traz atividades com um diferencial metodológico que coloca um


novo tratamento para com o público e valoriza-o como cidadão cultural. Por exemplo, os
professores das escolas que irão assistir ao espetáculo, tem acesso a um caderno de mediação
cultural com atividades que podem feitas no pré-espetáculo, durante o espetáculo e pós-
espetáculo. Normalmente, é um conjunto de exercícios artísticos ligados à estética
contemporânea e que poderão ser facilmente aplicados pelo professor em sala de aula.

Com este caderno, o aprender a ser público é experienciado pela prática artística. É um convite ao
professor para apreciar, produzir e pesquisar os saberes das artes cênicas e abrir novos campos
criativos aos seus alunos.

4.2.1 A mediação teatral e a transformação comunitária

Para o grupo de Théâtre des Petites Lanternes a mediação teatral passa pelo domínio dos
sentidos que o teatro provoca. A diretora do grupo, Angèle Séguin, afirma bem isso, quando diz:

eu creio que o teatro, mais que nunca, deve ser portador de sentido para
ser portador de mudanças. É evidente, para mim, que as pessoas saberão
comprovar seu julgamento e discernimento se eles souberem compreender
o sentido dos gestos apresentados.44 (2004, p. 103)

O complemento desta aprendizagem pedagógica é a aprendizagem artística. Com isso, a


mediação é feita a partir dos elementos pedagógicos da própria arte. Os procedimentos utilizados
como atividades formativas, antes, durante e depois, decorrem dos próprios jogos teatrais e dos
diversos outros tipos de exercícios para se trabalhar com o público. Desta forma, a formação do
público, nas comunidades trabalhadas por este grupo, passa pelo fazer artístico, pela própria
experiência estética, mas mantendo permanentemente a valorização da voz, da visão e dos sonhos
destas pessoas. É um trabalho que vincula o grupo e o contexto onde ele está localizado.

44
Je crois que le théâtre, plus que jamais, doit être porteur de sens pour être porteur de changement. Il
m'apparaît évident que les personnes sauront faire preuve de jugement et de discernement si elles savent
comprendre le sens des gestes posés. (SÉGUIN, Angèle. 2004, p. 103, tradução nossa)
117

Trata-se de um tipo de união que é construída com a comunidade, em que as ações de


mediação desenvolvidas, por exemplo, pelo Grupo Théâtre des Petites Lanternes, mostram que

[...] a participação da população na criação, coloca em destaque a palavra


cidadania, para a criação de ligações sólidas, numa mudança na percepção
que estimula o gosto dos cidadãos a participarem dos eventos sociais,
contribuindo assim para reforçar o sentimento de pertencimento.45
(TREMBLAY, 2007, p. 61)

A instituição teatral, nestes 12 anos, tornou referencia-se do trabalho profissional em


teatro, numa vertente de transformação social, principalmente para ações em comunidades
pobres; desenvolve, ainda, montagens de espetáculos, residências internacionais, oficinas e
cursos, em diversas produções das linguagens das artes cênicas, além de coordenar ações
internacionais com jovens e mulheres imigrantes através do teatro social.

Assim, a mediação teatral é tratada como um processo comunitário devido à sua


característica de trabalhar com um tipo de teatro nomeado por ela de “teatro cidadão”, uma
vertente estética do teatro social. Nesta proposta, o público é aquele que decide o que vai fazer e
ver, pois ele é convocado a criar o espetáculo e nele atuar, como autor e ator. Para o grupo, o
teatro cidadão apoia-se na noção de empoderamento, individual e coletivo, tendo em vista atender
ao objetivo de um projeto artístico e social comum. É um tipo de empoderamento comunitário,
destinado ao cidadão, que, na compreensão de Guellouz,[...] “provoca um sentimento de ligação,
reconhecimento e pode transformar profundamente seu sentimento de pertencimento e a maneira
de se comportar e de interagir dentro de seu meio”46 (2008, p. 3).

O trabalho é completamente voltado para um contexto comunitário específico, como o


dos jovens em situação de pobreza, que são estimulados a falar sobre sua realidade e, depois, suas
falas são transformadas em um texto dramático. Com estes textos prontos, normalmente parte
destes jovens se torna ator e integra o espetáculo, com ou sem a inclusão de atores profissionais.

45
[...] la participation de la population à la création, à la mise en relief de la parole citoyenne, à la création
de liens solides, au changement dans les perceptions qui stimulent le goût des citoyens à participer à des
événements sociaux, contribuant ainsi au renforcement du sentiment d’appartenance.(TREMBLAY, 2007,
p. 61, tradução nossa)
46
[...] provoque un sentiment de fierté, de reconnaissance et peut transformer profondément son sentiment
d’appartenance et la façon de se comporter et d’interagir dans son milieu. (GUELLOUZ, 2008, p. 3,
tradução nossa)
118

Então, o público participa diretamente de um processo de construção cênica, baseado em


concepção de teatro mais coletiva ou colaborativa.

Como exemplo, é possível verificar o antes, o durante e o depois da mediação teatral, no


âmbito do Projeto Colheita de Esperança (Cueillette d'Espoir), realizado, entre 2008 e 2010, com
900 jovens, de 15 países, inclusive o Brasil; estes jovens integrantes de grupos comunitários de
instituições que fazem parte da Associação Internacional de Drama, Teatro e Educação – IDEA.
Convidados a responder a algumas perguntas sobre as suas “esperanças” diante do mundo de
hoje, num instrumento denominado de “caderno de falas” (Cahier des Paroles).Eles são
preenchidos pelo público pesquisado, que é tratado como cidadão-escritor. Junto à confecção
destes cadernos os jovens criaram cenas teatrais em seus grupos, objetos artísticos e outros
materiais sobre o tema.

Os coordenadores de alguns grupos conseguiram efetivar trocas entre os jovens, enviando,


via internet, os resultados de cada um para todos os outros. Com isso, durante oito meses,
aprofundou-se o processo de construção de vários textos e possibilidades cênicas sobre o tema.
Ao final, sistematizado em um único texto, em quatro línguas (inglês, francês, português e
espanhol), foi montado por 30 jovens, escolhidos pelo IDEA, para participarem de uma
residência artística durante seu congresso realizado em 2010, em Belém do Pará(THÉÂTRE DES
PETITES LANTERNES, 2011, p.2).

Nesta etapa os 30 jovens, junto com a equipe técnica e artística do Théâtre des Petites
Lanternes, ensaiaram durante 25 dias, intensivamente, numa troca colaborativa entre jovens e
alguns de seus coordenadores. Estavam ali presentes jovens de 15 países dos cinco continentes,
com diversas línguas, dialogando, quando era possível, em inglês ou francês e nos seus idiomas
maternos. Com idades entre 18 e 30 anos, eles saíram do lugar de criadores do texto para serem
atores, vivendo uma experiência única ao lado da floresta amazônica, em Belém, fazendo e
vivendo o teatro.

O espetáculo foi apresentado em quatro línguas, para uma plateia de 2.000 pessoas, de 75
países, que participavam do congresso IDEA e conseguiu mostrar o que os 900 jovens pensaram
e como atuaram sobre o tema da esperança. Depois das apresentações, ainda na residência
artística, os jovens participaram de um processo de avaliação, vivendo um momento diferente, de
119

se olharem como jovens que escreveram, que atuaram e, depois, tiveram de decidir como iriam
levar este aprendizado, como multiplicadores nos seus grupos de origem.

Esta sequência é uma das bases didáticas da instituição que lida diretamente com a
abertura de espaço para a voz das pessoas e a reflexão da comunidade. É uma abertura solidária,
para que se escutem as demandas da comunidade, num diálogo criativo. O valor é dado ao que é
dito, pois, como exemplo, quando se lê o texto dramático deste espetáculo com os jovens, pode se
ver o nome e a nacionalidade de quem escreveu. Com isso, mostra-se que o texto teatral é vivo
em sua contextualização.

Este mesmo trabalho, de diálogo e abertura para a voz das pessoas da comunidade, é feito
com mulheres imigrantes (figura 38), que chegam e vivem diversas dificuldades na cidade de
Sherbrooke, no Québec. O Théâtre des Petites Lanternes desde 2001 desenvolve o projeto de
teatro comunitário “Térre (Théatre, Études, Reseau, Ressources e Emploi)”, direcionado a estas
imigrantes, que estão como residentes permanentes em Sherbrooke,tendo, como eixo, a
montagem de um espetáculo teatral. O projeto alia a construção da obra à formação em francês e
à inserção socioprofissional (Anexo E).

Figura 38 – Espetáculo Ayuthaya do Projeto Terre – Théâtre des Petites Lanternes.


120

Esta ação do Projet Térre atende em torno de 20 a 25 mulheres imigrantes, em situação de


vulnerabilidade social e que ainda estão aprendendo o francês. Neste projeto é o teatro que guia o
processo, de 10 meses, influenciando no que é trabalhado nas aulas de francês e nas outras
atividades de formação profissional (figura 39).

Figura 39 – Espetáculo do Projeto Terre 2008 – Théâtre des Petites Lanternes.

A consistência desse trabalho transformador pode ser confirmada quando uma


participante do projeto TÉRRE diz: “o teatro me deu muita coragem e confiança em mim
mesma”47 (2007a, p. 2). É algo que se complementa na fala de outra imigrante, que revela seu
aprendizado com a socialização grupal, ao dizer:

Eu aprendi igualmente a valorizar os esforços dos outros, a respeitar a


opinião dos outros e seus sentimentos. Eu me senti valorizada pelos
outros. Eu sou capaz de trabalhar em equipe. (Idem, p. 3)

47
Le théâtre m’a donné beaucoup de courage et aussi la confiance en moi-même. (THÉÂTRE
DES PETITES LANTERNES, 2007, p. 2, tradução nossa)
121

O espetáculo é construído a partir das verdades, dores, alegrias etc., que estas mulheres,
muitas vezes refugiadas, trazem de seus países. É interessante perceber que este formato,
guardadas as devidas diferenças, foi também utilizado pelo Projeto Cuida Bem de Mim, como
vimos no capítulo 3, quando foi mostrado que o espetáculo nasceu a partir da coleta de textos e
improvisações cênicas, em 45 oficinas dramático-pedagógicas com alunos e professores. É uma
base para se pensar num teatro mais democrático, integrativo, e que efetive transformações mais
concretas naqueles que o fazem e nos que irão assisti-lo.

Com uma equipe de professores, assistentes sociais, técnicos e artistas das artes cênicas, o
grupo conseguiu gerar um espetáculo de qualidade estética, reunindo em cena mulheres da
América Latina, África, Ásia, países árabes, entre outros. O teatro passou a ser um processo
intenso de transformação social, profissional e pessoal, na vida destas mulheres e uma
oportunidade de conviver, falar e se integrar a um país estrangeiro.

Elas desenvolveram a autonomia e o senso de responsabilidade com a própria vida.


Muitas dentre elas foram para Sherbrooke em situação difícil, como asiladas ou refugiadas de
países em guerra, além de precárias condições de sobrevivência. A cena foi um espaço da palavra
e dos movimentos que trazem as dores, as alegrias e os sonhos destas mulheres, colocando no
palco o seu símbolo de resistência, pelo direito de ser livre, de condições equitativas de trabalho e
de se mostrar na beleza e na força do feminino. Por isso, na visão da criadora do grupo, Angèle
Séguin, este teatro

[...] se direciona para dar à comunidade a possibilidade de desenvolver um


sentimento de pertencimento pelo contrato de uma produção artística,
dentro da qual cada um se reconhece.48 (2004, p. 102)

No momento final do projeto os familiares têm a oportunidade de vivenciar o processo,


assistindo ao espetáculo, referenciando-se também no mesmo poder de mudar expressado pelas
mulheres. Este projeto é um exemplo eficaz da relação poderosa entre teatro e vida, quando se

48
[...] il s’agit de donner à une communauté la possibilité de développer un sentiment d’appartenance par
le biais de la création d’une production artistique dans laquelle chacun se reconnaît. (SÉGUIN, 2004, p.
102, tradução nossa)
122

tem a clareza de sua força, pelos personagens interpretados, pelas histórias contadas, pelos
investimentos técnicos e a qualificação estética. A temática da imigração é extremamente forte e
complexa no Québec, mas é algo que o Projet Térre consegue conduzir através da mediação
cultural que integra a comunidade e a cena, facilitando o poder democratizador do palco.

O contexto encarna-se como obra. Desta forma, representa a busca por um teatro que
escuta a população, realiza os diversos processos de pesquisa, de forma democrática, e cria uma
obra que retrata a realidade social a partir daqueles que a vivem.

Atualmente a instituição dedica-se a finalizar um projeto de um ano e meio com centenas


de jovens e adultos das regiões pobres do Haiti, atingidas pelo terremoto de 2009. É a mesma
metodologia de “Colheita da Esperança”, com a escuta, a escrita e a construção da obra, sendo
que a diferença no Haiti é que o texto da população foi encenado por um grupo de teatro
profissional. Além disso, esta versão destina-se especificamente à temática da água, que é um dos
graves problemas sociais do Haiti.

Figura 40 – Espetáculo Cuillette de la Reconstruction – Théâtre des Petites Lanternes – Haiti, 2011.
123

O espetáculo criado vai realizar mais de 200 apresentações, por diversas vilas do Haiti,
em um caminhão adaptado como espaço cênico alternativo. O projeto foi realizado com o
patrocínio da instituição One Drop, que é a organização social do Cirque de Soleil, que tem sua
sede no Québec.

O grupo desenvolve também, há mais de 13 anos, um trabalho com o Teatro Fórum de


Augusto Boal, nas escolas do município. O processo é um exemplo positivo de mediação teatral,
que abre a oportunidade para os alunos assistirem e viverem o papel do “espect-ator”, ao serem
convidados para interferir cenicamente no processo da apresentação.

Como procedimento, o público tem a oportunidade de interpretar um papel da cena


apresentada, podendo mostrar sua forma livre de mudar a história, entrando e refazendo o
conflito encenado. Atualmente eles trabalham com temáticas relacionadas à discriminação, às
doenças sexualmente transmissíveis e à bulimia.

Organizam, ainda, uma programação anual com apresentações na região, mas mantendo
sua dedicação ao público de adolescentes, num processo de transformação sociocultural. Eles
participam intensamente da apresentação-evento, que dura entre 1 a 2 horas, valorizando a
oportunidade, que vai além do assistir, e favorece a entrada do público, como ator, em cena. É
uma vivência estético-educativa, proporcionada pela experiência teatral, em que o questionar e o
falar se dão pela cena, pois o jovem deve demonstrar, ao fazer o personagem, sua visão da
história e sua atitude consciente. É também um exercício de mudar em cena para mudar na vida,
algo que Augusto Boal defendia bem, ao integrar o teatro à vida, concebendo-o como um
processo de libertação e conscientização política.

Com estas experiências, o Théâtre des Petites Lanternes trata a mediação teatral como
uma relação comunitária com o público (ao agregar o contexto social a partir de uma temática);
uma relação artística colaborativa (pela inclusão do público como autor e ator); uma relação
formativa (pela experimentação estética da aprendizagem dos conteúdos artísticos e dos temas);
e uma relação político-mobilizadora (na focalização da consciência cidadã para agir na
transformação de sua realidade).
124

É um diálogo criativo com o público e seus diversos contextos. Esta relação


contextualizada é um trabalho em que o Théâtre des Petites Lanternes se tornou referência no
Québec. Para Angèle Séguin há uma crença numa função mais cidadã do teatro que dialoga com
o meio comunitário, quando afirma que

o espírito que habita o Théâtre des Petites Lanternes se manifesta na importância


de encarnar o teatro dentro de uma sociedade que evolui socialmente,
humanamente e espiritualmente. Seus objetivos são de criar uma rede entre os
indivíduos, entre os contextos e entre as culturas; de aproximar o teatro do
contexto e o contexto do teatro, integrando-os na produção e nas suas diferentes
etapas (pesquisa, produção, difusão).49 (2004, p. 102)

É esta relação mais próxima com a comunidade que o artista ou profissional das artes, que
atua como mediador, pode favorecer como vínculo criativo. Esta vinculação gera um caminho de
mediação contextualizada e um sentido de pertencimento artístico no público.

4.2.2 A mediação teatral e o contexto escolar

É importante saber que no Estado do Québec a apreciação teatral se aprende no currículo


escolar. O programa de formação escolar do governo do Québec prioriza as artes como saberes
intrínsecos à aprendizagem escolar. Existem programas específicos para a orientação curricular,
em disciplinas de teatro (Arte Dramática), artes plásticas, dança e música. Sendo que, em todas
essas disciplinas, também se inclui a dimensão obrigatória do trabalho com mídias e tecnologias
(MINISTÉRE DE L’ÉDUCATION, 2008, p. 7).

Na disciplina de arte dramática, mais especificamente, são priorizadas as seguintes


competências para o desenvolvimento do aluno: criação, interpretação e apreciação de obras
dramáticas. O destaque, nesta análise, é dado à valorização do aprender a apreciar como
49
L'esprit qui habite le Théâtre des petites lanternes se manifeste dans l'importance d'incarner le théâtre
dans une société qui évolue socialement, humainement et spirituellement. Ses objectifs sont de créer un
réseau entre les individus, entre les milieux et entre les cultures; de rapprocher le théâtre des milieux et les
milieux du théâtre en les intégrant à la production a cours des différentes étapes (recherche, production,
diffusion). (SÉGUIN, Angèle. 2004, p. 102, tradução nossa)
125

processo que se exercita em sala, quando os alunos vêem um ao outro ou, na oportunidade de
assistir a grupos artísticos, dentro e fora da escola. No programafica claro que, para os alunos

as diversas experiências de criação, de interpretação e de apreciação que o


curso de arte dramática convida-os a viver, lhes permitem exercer no dia a
dia diferentes papeis – os de criadores, de intérpretes e de espectadores – e
os envolvem para melhor compreenderem e apreciarem a importância e a
função das artes na sua vida.50 (MINISTÉRE DE L’ÉDUCATION, 2008,
p. 7)

A vivência apreciativa é colocada em prática, no plano de aula, como parte fundamental


da aprendizagem, para o saber crítico e estético. Os alunos desenvolvem uma consciência
artística e uma sensibilidade às qualidades expressivas, simbólicas, técnicas e estéticas de uma
obra dramática (MINISTÉRE DE L’ÉDUCATION, 2008, p. 7). Os procedimentos passam por:
analisar a obra; interpretar seu sentido; relacionar com experiências anteriores; e, por fim,
construir o julgamento e a argumentação, a partir do contexto histórico e sociocultural.

Para o programa, quando o aluno coloca um olhar sobre uma representação dramática ele
desenvolve um julgamento de ordem crítica e estética. Neste momento, as atividades
desenvolvidas pelos professores seguem as possibilidades de favorecer ao aluno o ver e o analisar
a obra de seus colegas, de representações externas à escola ou através de vídeos. O programa
ainda deixa claro que o aluno

é envolvido para trazer seu senso de observação e ao mesmo tempo sua


sensibilidade para apreciar a pertinência das escolhas artísticas e
convenções próprias da forma teatral explorada. Eles são incitados a
deixar-se impregnar pelos elementos simbólicos e expressivos, os quais
contribuem para alimentar e para estimular seu
imaginário.51(MINISTÉRE DE L’ÉDUCATION, 2008, p. 27)

50
Les diverses expériences de création, d’interprétation et d’appréciation qu’il est appelé à vivre dans le
cours d’art dramatique lui permettent d’exercer tour à tour différents rôles – ceux de créateur, d’interprète
et de spectateur – et l’amènent à mieux comprendre et apprécier l’importance et la fonction de l’art dans
sa vie. (MINISTÉRE DE L'ÉDUCATION, 2008, p. 7, tradução nossa)
51
Il est amené à faire appel à son sens de l’observation de même qu’à sa sensibilité pour apprécier la
pertinence des choix artistiques et l’utilisation des conventions propres à la forme théâtrale exploitée. Il est
incité à se laisser imprégner des éléments symboliques et expressifs, ce qui contribue à nourrir et à
stimuler son imaginaire. (MINISTÉRE DE L'ÉDUCATION, 2008, p. 27, tradução nossa)
126

Para que isso seja efetivado pelos professores, porém, é preciso uma base formativa para
se aplicarem tais orientações e procedimentos, numa didática qualificada. Neste sentido, destaca-
se, como exemplo, o programa de formação de professores de teatro da École Supérieure de
Théâtre da Université du Québec à Montréal – UQAM, onde há um aprofundamento destas
competências, como base para os planos de aula a serem desenvolvidos pelos futuros professores,
seguindo as diretrizes do programa do governo.

Durante os estágios obrigatórios desses futuros professores a condução das atividades já


segue as exigências desse programa do governo. A avaliação que é feita, na observação de aula,
nos produtos artísticos finais e nos relatórios de estágios, atende ao que está sendo pedido pelo
programa.

Talvez seja este um dos pontos que qualifique a aplicação, efetiva e real, de um programa
de governo, partindo da formação dos futuros professores, no âmbito dos cursos de licenciatura
nas universidades.

É um fato que se transforma em ação nas escolas, quando se vê que os 25 novos


professores de teatro que são formados na UQAM, por ano, estão preparados para aplicar o
programa de governo. Claro que isto se desenvolve com as devidas críticas, autonomias e
qualidades didáticas, seguindo a avaliação da professora da UQAM, Carole Marceau.52

Como exemplo concreto, existe a escola Curé-Antoine-Labelle (figura 41), fundada em


1961, que foi uma das primeiras escolas polivalentes do Québec53, contando com disciplinas de
arte dramática, dança, música e artes plásticas para todos os alunos e com salas específicas e
equipadas para cada atividade artística.

52
MARCEAU, Carole. Programme de formation de l'école Québécoise. Entrevista concedida a Ney
Wendell, em 22 de março de 2011, em Montréal, QC.
53
ÉCOLE CURÉ-ANTOINE-LABELLE (2011). Art dramatique. Disponível em:
<http://www2.cslaval.qc.ca/cureantoinelabelle/spip.php?rubrique241>. Acesso em: 4 set. 2011.
127

Figura 41 - Imagem de uma apresentação dos alunos na instituição École Polyvalente de Laval-QC.

Conta, ainda, com todos os instrumentos musicais de uma orquestra, uma sala de teatro,
com equipamentos de som e luz, um atelier completo de artes visuais e sala de dança, com as
devidas adequações. Os alunos entram num quarteirão inteiro dedicado às artes, o que lhes
possibilita uma vivência estimulante e integradora com a criação estética.

As atividades de teatro têm uma carga horária semanal de seis horas, o que possibilita ao
aluno ensaiar e apresentar um espetáculo, ao final do semestre. Eles têm, assim, a oportunidade
de dialogar profissionalmente com o público da escola e da comunidade, nas apresentações que
são feitas num teatro da escola, com 700 lugares e completamente equipado.

Aos alunos é oferecida, ainda, a oportunidade de trabalhar com professores, que são
artistas profissionais, a exemplo do experiente diretor teatral François Gauthier, que ensina e
monta qualificadamente os espetáculos. Esta experiência une a pedagogia organizada para o
ensino do teatro à oportunidade, de tempo e espaço, para o aluno criar e dialogar com o público,
juntando-se às condições técnicas que demonstram o valor dado às artes na escola. Os alunos, ao
fazerem um espetáculo de qualidade, contando com os elementos de luz, som, figurino, cenário
128

etc., conseguem apreender a arte dramática como uma experiência que une entusiasmo,
integração e saberes estéticos.

Outro aspecto facilitador, que é definitivo para a formação de público nas escolas e para o
desenvolvimento de diversas atividades de mediação teatral, é o programa La Culture, Toute Une
École. Este programa é desenvolvido por uma ação exemplar, através da junção de dois
ministérios, Educação e Cultura, que criou uma comissão permanente e interministerial para
executar diversas ações artísticas e culturais, numa programação anual para as escolas.54

O programa é composto por três atividades-eixo. A primeira dá-se pela ação do “Projeto
Mês da Cultura”, desenvolvido há mais de 20 anos, no mês inteiro de fevereiro, dentro das
escolas, quando a maioria das disciplinas realiza atividades culturais. Os professores, em cada
uma das suas disciplinas, seguem o tema anual do projeto e coletam as atividades num portal na
internet. Este portal apresenta atividades, idéias, planos de aulas etc., que orientam sobre os
diversos tipos e procedimentos, auxiliando o professor, além de disponibilizar as edições
anteriores do “Mês da Cultura” (figura 42).

Figura 42 – Imagem do cartaz de divulgação do mês da cultura nas escolas.

54
TURCOTTE, Nicole. Programme La Culture, Toute une École. Entrevista concedida a Ney Wendell em
15 de abril de 2011, em Montréal, QC.
129

A segunda atividade é desenvolvida pelo “Programa Artistas nas Escolas”. Neste


programa as escolas recebem um recurso financeiro específico para contratar artistas
independentes ou grupos, para a realização de atividades culturais, contínuas ou pontuais, com os
alunos. Existe um banco de dados com um repertório virtual de mais de 800 organismos culturais
e 1.850 artistas, com suas propostas de espetáculo, oficinas, cursos, projetos especiais etc. É a
escola que acessa este banco de dados, na internet, e contacta diretamente os artistas ou grupos,
trazendo-os para o ambiente escolar para executarem um projeto cultural em conjunto com os
outros professores da comunidade escolar.55

A terceira e última atividade-eixo está no “Programa Cultura nas Escolas”, que se


concretiza por um plano de financiamento anual às escolas. Cada uma delas pode apresentar um
projeto de desenvolvimento cultural, segundo um formulário padrão, disponível on-line, na
internet. Com este cadastro do projeto as escolas recebem os recursos, além de concorrerem a
uma premiação específica pelo melhor projeto desenvolvido no ano. Esta premiação é também
uma forma de incentivo à participação das instituições.56

Destaca-se, como exemplo para vários países, esta parceria dos dois ministérios que
trabalham juntos e promovem a culturacomo uma prioridade das escolas desde 1997. Há uma
divisão de responsabilidades através de uma comissão comum, que coordena o programa, com as
devidas autonomias. Pensar em relações intersetoriais e colaborativas pode ser um caminho mais
ágil para se desenvolver a cultura no âmbito das escolas, articulando a educação com o processo
cultural e vice-versa.

4.2.3 Grupos culturais e escolas

Existem alguns bons exemplos de parceria entre escolas e grupos culturais que
possibilitam um desenvolvimento diferencial do currículo escolar.

O primeiro refere–se a um trabalho de mediação teatral em um festival de teatro com as


escolas. Em 1996 foi criado, em Laval-Quebéc, o “Encontro Teatro Adolescente” (Rencontre
55
MINISTÉRE DE LA CULTURE, COMMUNICATIONS ET CONDITION FEMININE (2011).
Éducation et Formation. Disponível em: <http://www.mcccf.gouv.qc.ca/index.php?id=22>. Acesso em : 4
set. 2011.
56
Id., 2011.
130

Théâtre Ados – RTA)57, como um tipo de festival, com apresentações, oficinas e diversas ações de
mediação teatral, voltado especificamente para os adolescentes (figura 43).

Figura 43 – Espetáculo Les Hikikomori sobre problemas sociais entre os jovens,apresentado na edição de
2009.

O festival apresenta um diferencial e uma qualidade de programação para as escolas,


partindo de um processo de mediação teatral que prepara os alunos antecipadamente. A produção
estabelece uma relação, nos 10 meses que antecedem o festival, com os professores e também
com os alunos, através de encontros nas escolas e oficinas teatrais (antes do evento), debates
(durante as apresentações) e (depois) com outras formações nas escolas; como: criação de
exposição sobre o tema do festival; montagem de esquetes teatrais com os alunos; visitas ao
centro de cultura da cidade etc..

57
RENCONTRE THÉÂTRE ADOS. Édition 2011. Laval, QC: Rencontre Théâtre Ados, 2011. Disponível
em: <http://www.rtados.qc.ca/editions/Festival_2011/>. Acesso em: 26 out. 2011.
131

Como referência desta mediação teatral, na 11º edição, em 2011, foi realizado um
encontro sobre dramaturgia para adolescentes, durante uma Jornada de Profissionais (Journée des
Profissionelles), voltada, ainda, para difusores, mediadores e artistas de teatro. Durante esta
jornada discutiu-se como se desenvolve uma mediação com os adolescentes, pensando-se nos
temas cada vez mais complexos da sociedade e em como aplicá-los na construção de textos. Três
dramaturgos do Québec, que produzem textos específicos para adolescentes, trouxeram pistas
para a mediação a partir da própria valorização da experiência e dos saberes contextualizados
deste público, em permanente transição.

Vários professores e membros de comissões de cultura do Ministério da Educação do


Québec afirmaram a necessidade de os adolescentes serem desafiados com temas mais próximos
de sua linguagem e realidade e, assim, poderem falar sobre a recepção da obra, identificando os
códigos teatrais através das atividades de mediação teatral.58 Este é um exemplo da relação entre
uma atividade de festival, que passa oito meses sendo construída, junto às escolas, até o momento
das apresentações. Além disso, traz discussões sobre os elementos do teatro e seu diálogo com os
adolescentes.

É importante ainda salientar que, na equipe do festival, existem profissionais das artes que
atuam como mediadores, junto aos adolescentes e professores, nos procedimentos que seguem
etapas: antes, durante e depois, pois a escola não é convidada apenas para assistir ao festival, e
sim para integrar-se à construção, discussão e apreciação dos trabalhos.

Outro exemplo está na parceria que é feita pelo Grupo Teatral Le Clous com o projeto Les
Urbains, específico de dramaturgia, voltado para as escolas. Este projeto vem acontecendo desde
1997 nas cidades de Montréal, Québec, Ottawa e Toronto através de um concurso anual, de
contos urbanos, para selecionar 12 adolescentes de escolas secundárias. Após a seleção dos
adolescentes, entre os mais de 5.000 inscritos na última edição de 2011, os 12 selecionados têm a
oportunidade de reescrever seus textos e transformá-los em peças teatrais junto com um
dramaturgo profissional, num processo de estágio em dramaturgia. Destes 12 textos, os cinco
melhores são encenados por atores profissionais.

58
O autor desta pesquisa teve a oportunidade de participar de diversas atividades deste festival, durante
sua 11ª edição, em 2011.
132

A ação é patrocinada por dois bancos nacionais e envolve as escolas e outras instituições
culturais, como o Théâtre Denise-Pelletier, em Montréal, o Théâtre Jeunesse Les Gros Becs, em
Québec Ville, o Théâtre Français, em Toronto, e o Centre National des Arts,em Ottawa.

Figura 44 – Jovens dramaturgas que ganharam o prêmio do Les Urbains,em 2009.

Este concurso estimula os adolescentes a produzirem contos e dramaturgia,


principalmente, como uma linguagem literária juvenil, o que também acaba influindo na
educação escolar, por ampliar a utilização de textos teatrais (figura 44). As etapas de divulgação,
nas escolas, de inscrição dos adolescentes, do estágio dramatúrgico dos selecionados até a
montagem e a sua circulação pelos teatros, servem como um bom exemplo de mediação teatral.

A escritura dramatúrgica, com a criação estética de uma obra artística e o processo


pedagógico de aprendizagem teatral possibilitam que os adolescentes entrem no mundo da arte
dramática e ampliem seu vivenciar artístico. Juntam-se a isso as relações de instituições culturais
e os grupos profissionais de teatro, com as escolas, trabalhando em prol do desenvolvimento
cultural dos adolescentes e da própria geração de novos dramaturgos.

Através desta ação qualificada a dramaturgia vem se tornando conhecida entre os jovens
das escolas participantes e se tornando uma linguagem acessível, pois pode falar de sua realidade.
133

Um bom exemplo está nos textos apresentados em 2011, que falam de facebook, imigração,
família sem pais, surrealismo na contemporaneidade etc., como temas que têm as palavras e os
jeitos de compreender a dramaturgia dos adolescentes.59

4.2.4 A mediação teatral e sua profissionalização

No Québec existem vários grupos e instituições teatrais que trabalham com a mediação
cultural como um processo profissional, ou seja, com as devidas estruturas e especialistas,
desenvolvendo seu trabalho num sistema já estruturado profissionalmente.

Entre vários exemplos destaca-se aqui, uma instituição que é, ao mesmo tempo, espaço e
associação de grupos teatrais, a Maison Théâtre, formada por 25 companhias de teatro dedicadas
a espetáculos para crianças e jovens, que estão associadas em uma estrutura cooperativada de
sociedade civil.

Seu espaço físico é constituído por uma grande sala teatral, de 400 lugares, e outras salas
dedicadas às atividades de mediação teatral para crianças e adolescentes.

59
LE CLOU (2011). Les urbains. Disponível em: <http://www.leclou.qc.ca/>. Acesso em : 10 jun. 2011.
134

Figura 45 – Visão frontal do prédio da Maison Théâtre, em Montréal.

Este espaço (figura 45) é o que há de mais moderno no processo de mediação teatral, pois
além da sala principal de apresentações existem salas ambientadas com móveis flexíveis e
adaptados a crianças e adolescentes, com livros e vários objetos artísticos.

A maioria das salas de atividades fica em torno da sala principal. De alguma forma estes
espaços que circundam o exterior da sala principal criam um fluxo para as crianças ocuparem o
espaço. Pela facilidade de acesso e a integração das diversas áreas, as crianças podem facilmente
ira para a coxia, platéia, camarins e salas de cenotécnica, com o devido acompanhamento da
equipe.
135

Figura 46 – Atividade de mediação teatral, com as crianças, no palco da Maison Théâtre.

Assim as crianças, que são seu maior público, sentem-se livres e estimuladas a circular,
usar e experienciar, com prazer, o ambiente do teatro, a minibiblioteca, as salas de ensaios etc.
Desta forma, o próprio espaço, adaptado e atrativo, torna-se o diferencial para a mediação teatral
(figura 46).

A Maison Théâtre tem uma intensa programação anual de espetáculos voltados para as
escolas e comunidades. Para isso, tem uma programação exclusiva, que acontece em turnos da
semana, voltada apenas para o público de escolas e comunidades, concentrando o final de semana
para a temporada aberta ao público. Desta forma, mantém uma circularidade de apresentações e
um trabalho referencial, no Québec, na formação de público.

Seu programa de mediação é exemplarmente reconhecida em Montréal, com uma


organizada metodologia, construída para cada espetáculo. Os professores das escolas
136

participantes recebem um Caderno de Espetáculo60, que também está disponível para download
no site, com atividades de mediação teatral para serem feitas com os alunos, antes, durante a ida
para a apresentação e na sua estada no teatro, e depois na sala de aula. Além disso, o próprio
teatro tem uma equipe de difusores, para a organização estrutural do público, e mediadores, que
realizam oficinas com técnicas teatrais para crianças e adolescentes no próprio espaço do teatro
ou nas escolas. Como exemplo de uma destas atividades, há os desenhos que as crianças fazem
depois de assistirem aos espetáculos (figura 47).

Figura 47 – Desenho feitos por uma criança depois do espetáculo na Maison Théâtre

Complementando estas atividades há algumas ações que também envolvem os familiares


dos alunos, integrando a escola e os bairros pobres do entorno do teatro.

60
MAISON THÉÂTRE. Documents à telecharger pour préparer votre sortie. Montréal: Maison Théâtre,
2011. Disponível em: <http://www.maisontheatre.com/fr/mediation/anim-sco.php#documents>. Acesso
em: 26 out. 2011.
137

Nestes 27 anos de existência a Maison Théâtre tornou-se uma referência do trabalho de


mediação, estimulando e ensinando os grupos artísticos do Québec a utilizarem métodos
sistematizados na formação de público. Esta vivência atinge positivamente, o desenvolvimento
do aluno na escola, como mostram os resultados da pesquisa sobre o público da Maison Théâtre,
em que “os professores verificaram a influência positiva da atividade como meio de
sensibilização, de aprofundamento, de motivação e de boa socialização”61 (BELLAVANCE;
L’ALLIER, 2007, p. 21). Isto se complementa com o resultado de que “a maioria constata mais
influência positiva deste modelo sobre a motivação e o interesse dos alunos, notadamente no que
se trata de desenvolvimento do gosto pela leitura e pela escrita”62 (BELLAVANCE; L’ALLIER,
2007, p. 27). Este resultado se direciona à leitura de peças teatrais, principalmente, pela prática
teatral desenvolvida revelado e estimulado a descoberta da existência e da produção
dramatúrgica.

É neste momento do processo de mediação teatral que o público ganha a oportunidade de


se aprofundar mais no fazer artístico, pois experimenta, no corpo, na mente e nas emoções, o que
é o teatro. Neste percurso da mediação cultural de um espaço teatral como a Maison Théâtre une-
se o prazer de conhecer, pela prática e pelo viver, às diversas sensações, histórias e conteúdos dos
espetáculos.

4.2.5 Os difusores teatrais e a organização do público

A difusão desenvolve-se no processo de diálogo comunicativo (publicação das ofertas


artísticas que um determinado espaço cênico disponibiliza) e produtivo (procedimentos
estruturais com o público, permitindo, pedagogicamente, sua inclusão como espectador).

61
Les enseignants constatent l’influence positive de la mesure comme moyen de sensibilisation,
d’approfondissement, de motivation et de bonne socialisation. (BELLAVANCE; L’ALLIER, 2007, p. 21,
tradução nossa)
62
La plupart constatent de plus une influence positive de ces modèles sur la motivation et l’intérêt des
élèves. (BELLAVANCE; L’ALLIER, 2007, p. 23, tradução nossa)
138

A difusão é uma função cultural específica do espaço cênico, que pode ser um teatro, uma
estrutura alternativa de um grupo artístico ou qualquer lugar destinado a uma programação
artística.

Quando se fala em difundir uma obra teatral, esta é caracterizada como um produto
artístico que tem suas características comerciais (investimentos e retorno financeiro), mas,
principalmente, de formação de público. Este público, ao ser mobilizado, entra num processo de
inclusão cultural, alcançando maior oportunidade de participar dos eventos artísticos,
aumentando, portanto, seu acesso aos produtos culturais (BELLAVANCE; L’ALLIER, 2007,).

Entretanto, é necessário estabelecer parâmetros que qualifiquem esta difusão junto ao


público,que gerem a continuidade de sua participação. Para isso, a partir das análises que foram
feitas no Québec, é interessante se criar procedimentos63 que integrem o público ao espaço, tais
como: o prazer (um vínculo afetivo e entusiasta com as obras artísticas e a programação do
lugar); a fidelidade (respeito e um contínuo interesse em participar como público, tendo
consciência de que há um retorno cultural na programação de qualidade); a diferenciação (valor
dado à dinamização do espaço, em uma busca constante de afirmar novas possibilidades criativas
e diferentes opções culturais); e a multiplicação (um momento em que o público se vê
responsável também por difundir as atividades culturais, pelo seu próprio interesse espontâneo,
reverberando-as para os outros). Estas atividades estão claras na administração do espaço da
Maison Théâtre.

Existem profissionais específicos que trabalham na função de difusores dos espaços


culturais e lidam diretamente, em diversos diálogos, com o público. Não ocupam a função de
jornalistas ou produtores culturais, mas especificamente de agentes formadores de público e
atendem à especialidade de lidar com as diversas comunidades de espectadores.

O difusor trabalha diretamente com o produtor do espaço e do espetáculo, além dos


profissionais que realizarão as atividades de mediação teatral. Desta forma, a área de difusão do
espaço junto com a área de mediação formam o elo de ligação mais próximo e direto com o
público.

63
Neste caso, é uma observação livre do autor, que traz idéias sistematizadas, a partir do que foi
observado na Maison Théâtre.
139

Num espaço teatral o difusor é responsável, por exemplo, por: organizar o público de
crianças ou jovens de alguma escola; estruturar a utilização dos ingressos e convites; realizar
determinadas atividades de apresentação do programa anual do espaço etc.

É nesta parte da programação cultural que o difusor entra com sua ampla especialidade,
para organizar uma sequência coerente de apresentações dos espetáculos, com os devidos
horários, entre adultos e infantis. Com isso, fica também responsável pela organização do
cronograma de exibições especiais, para escolas, comunidades e outras instituições.

4.2.6 Os mediadores e a formação do público

No Québec, os mediadores teatrais são profissionais fundamentais num espaço ou grupo


teatral, pois sãos os responsáveis por realizar diversas atividades formativas junto ao público. São
eles que conduzem as ações que acontecem antes, durante e depois das apresentações, dando
conta, assim, de uma ampla responsabilidade artístico-pedagógica.

Estes especialistas são oriundos, normalmente, de áreas artísticas, com formação em


alguma das linguagens das artes, mas com experiência ou formação pedagógica no ensino
artístico ou em outra área didática. No seu histórico, apresentam uma prática artística voltada
para públicos bem específicos, como crianças e jovens, que mais necessitam de atividades de
mediação. Este direcionamento formativo do mediador depende, porém, da característica e do
foco do espaço teatral, que pode, muitas vezes, atender um público infantil, juvenil ou adulto,
mas de origens diversas; ou mesmo grupos de pessoas com necessidades especiais etc.

Em sua atividade diária, de mediador teatral, voltado para aos mais diversificados
públicos, este profissional coloca em prática as habilidades de: desenvolver atividades artístico-
pedagógicas; saber publicar as obras artísticas; mostrar conhecimentos técnicos, estéticos e
pedagógicos dos espetáculos; apresentar desenvoltura na escrita e no discurso sobre as obras;
estar integrado à equipe de artistas e técnicos; mostrar ser conhecedor de ambientes formativos
diversos, como escolas, ONGs e outros; além de possuir formação em artes cênicas.
140

4.2.7 Cadernos de espetáculo: exemplo artístico-pedagógico

O caderno é um instrumento pedagógico com informações sobre o espetáculo, em suas


dimensões técnicas (características da infraestrutura e dos diversos equipamentos cênicos da
representação); estéticas (elementos definidores das escolhas cênicas da obra e sua
historicidade); e artísticas (composição criativa e atuação dos diversos artistas no espetáculo).
Ele complementa-se nas informações sobre as atividades artístico-pedagógicas, que podem ser
desenvolvidas a partir das temáticas e da composição do espetáculo.

A feitura deste caderno é coordenada, nos exemplos utilizados, pela Maison Théâtre, por
um profissional das artes cênicas que tem experiência na educação de crianças e jovens, na
didática escolar e, principalmente, na capacidade de análise crítica da obra teatral. Ele também é
aquele que vai construir os diversos exercícios e orientações didáticas a partir de seu
conhecimento do ambiente escolar, artístico e sociocomunitário da clientela.

O processo de construção do caderno segue as necessidades de auxílio didático (ajudar o


professor da escola a desenvolver um processo de mediação junto aos alunos) e auxílio criativo
(abrir espaço para o professor desenvolver novas metodologias dinâmicas em suas atividades na
escola, a partir de uma vivência educativa do espetáculo).

Os cadernos são documentos históricos, de alto valor de sistematização para o grupo


teatral. Eles criam um retrato bem detalhado da obra, com seus contornos artísticos, técnicos e
estéticos, segundo um processo pedagógico, valorizando a narrativa bem detalhada da obra
teatral. Contêm informações descritas para leigos sobre o teatro, pois serão estudados e utilizados
em itinerários formativos na sala de aula.64

É importante destacar estas atividades, em três campos: pré-peça (refere-se a tipos de


exercícios artístico-pedagógicos, que os professores podem usar em sua própria preparação ou
dos alunos); durante a peça (trata mais da descrição do que vai ocorrer no teatro, como os

64
MAISON THÉÂTRE. Médiation Théâtrale. Disponível em:
<http://www.maisontheatre.com/fr/mediation.php>. Acesso em: 4 set. 2011.
141

horários, debates etc., mas também contém atividades que deverão ser feitas na ida para o teatro);
e, por fim, o pós-peça (que representa uma das partes mais ricas do caderno, com a maior parte de
exercícios que serão feitos para que os alunos processem a obra e criem uma repercussão
educativa, na escola e em suas vidas).

Em sua estrutura descritiva segue, normalmente, o formato de livro, pois apresenta uma
introdução sobre o grupo, a obra e o teatro em si e em suas características principais. Depois,
segue-se a descrição de cada um dos elementos do espetáculo, dando-se maior ênfase ao texto e
ao estilo da obra (dirigindo-se à multiplicidade da linguagem contemporânea) e, por fim,
descreve as diversas atividades pedagógicas que poderão ser realizadas.

É importante lembrar que esta proposta de atividades (antes, durante e depois) é a base do
Projeto Cuida Bem de Mim, que foi descrito na seção 3, verificando-se, com isso, uma correlação
muito interessante ao que estava sendo desenvolvido no Québec e na Bahia, nestes últimos 10
anos. Estas ações seguem bem a preocupação de capacitar o professor, como parceiro e
multiplicador das atividades de mediação teatral.

Este percurso pela mediação teatral e cultural do Québec afirma a valorização de cada
contexto e suas formas de possibilitar o acesso democrático ao público. Para a mediadora cultural
que desenvolve vários projetos no Québec, Amélie Côté65, é preciso entender que

a mediação teatral, como toda mediação cultural, baseia-se principalmente


na transcrição e transmissão de abordagens artísticas adaptadas aos
diferentes públicos, em função da sua idade, sua bagagem cultural e seus
conhecimentos.66

65
CÔTÉ, Amélie. Médiation Théâtrale. Entrevista concedida a Ney Wendell, em 12 de setembro de 2011,
em Montréal, QC.
66
La médiation théâtrale, comme toute médiation culturelle, repose principalement sur la transcription et
transmission des démarches artistiques adaptées aux différents publics, en fonction de leur âge, de leur
bagage culturel et leurs connaissances. (Informação verbal, tradução nossa)
142

Figura 48 – Alunos apresentam cena nas ações pós-peça do Cuida Bem de Mim.

A MEDIAÇÃO TEATRAL NAS ESCOLAS

Você também pode gostar