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I TÉCNICAS PROJETIVAS E EXPRESSIVAS

o Desenho da Família como técnica objetiva de investigação psicolágica*

ANTONIO CARLOS ORTEGA **

1. Introdução; 2. Monique Morval e a técnica


do desenho da família; 3. Principais trabalhos
realizados por Monique Morval; 4. Considera-
ções fmais.

O autor fornece, inicialmente, uma breve visão histórica da técnica do Desenho da Família. Em
seguida, apresenta a posição de Monique Morval sobre a técnica em questão que, de uma certa
maneira, sintetiza as proposições dos diferentes autores que se dedicaram ao seu estudo. Na
unidade seguinte, faz uma revisão dos principais trabalhos realizados por Morval, a partir de
1973, com o objetivo de validar a técnica do Desenho da Família. Na parte fmal, assinala as
contribuições de Morval referentes ao estabelecimento de parâmetros genéticos e diferenciais,
que são fundamentais para a análise do Desenho da Família, e faz algumas restrições relativas à
caracterização da referida técnica e ao método utilizado para analisá-la. A partir destas conside-
rações, estabelece uma posição sobre a técnica do Desenho da Faml1ia e sugere um método
objetivo de análise, com base principalmente, nas proposições de Weiler (1967) e Morval
(1974a, b, c e d).

1. Introdução

Com base na literatura existente sobre o Desenho da Família, verificamos que N. Appel já o
empregava, em 1931, no estudo da personalidade de crianças em clínica, propondo, desta
maneira, a seguinte instrução: "Desenhe uma casa, uma família e animais."
Como assinala Wildléicher (1975), o interesse por um estudo sistemático do Desenho da
Família foi manifestado pela primeira vez por Trude Traube, em seu artigo sobre os desenhos de
crianças-problema, publicado em 1937.
Mas foi sobretudo nos anos 50 que os psicólogos intensificaram seus estudos e começaram
a utilizá-lo, de maneira sistemática, nos exames clínicos, apesar das variações concernentes ao
tipo de instrução e ao método de análise.

* Esta técnica está sendo validada pelo autor, numa população brasileira, através de estudo empíriCO e
experimental e será apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de doutor em psicologia, na
Fundação Getulio VaIgas, Rio de Janeiro. (Artigo apresentado à redação em 2.6.80.)
** Professor do Departamento de Filosofia e Psicologia da UFES. (Endereço do autor: Caixa Postal 1240 -
Vitória-ES.)

Arq. bras. Psic., Rio de Janeiro, 33 (3): 73-81, jul/set. 1981


o Desenho da Família também foi objeto de estudo de Minkowska (1949), que o conside-
rava um modo privilegiado de expressão dos conflitos familiares. Assim, ela propôs uma análise
da personalidade global da criança, através da interpretação de desenhos, usando a seguinte
instrução: "Desenhe você, sua faml1ia e sua casa." Posteriormente, ela comparou esta análise
com as respostas obtidas no Teste de Rorschach.
Apesar de já ter sido utilizado anteriormente, foi Porot (1952) que teve o mérito de
codificar a situação de exame do Desenho da Família. A técnica proposta por ele é de aplicação
simples. A instrução consiste em se pedir à criança: "Desenhe sua família", caracterizando desta
maneira a família verdadeira. O material empregado é uma folha de papel e um lápis preto. Para
ele, é necessário observar a criança enquanto desenha: anotar a ordem de aparecimento dos
personagens, os eventuais retornos, as rasuras, as hesitações etc. Durante e após a execução do
desenho, anotam-se os comentários e principalmente a denominação que a criança dá a seus
personagens. Em seguida, ele propõe analisar, com bastante cuidado, o seu conteúdo. Assim,
Porot enfatiza três aspectos na análise do Desenho da Família: a) a composição da família;
b) as valorizações e desvalorizações dos diferentes elementos constituintes; c) a situação na qual
o sujeito se coloca em relação aos seus.
Este método, além de possibilitar uma maior objetividade na caracterização das relações
familiares, possibilita também a projeção da imagem do próprio corpo.
Cain & Gomila (1953) realizaram um estudo, no qual empregaram a instrução proposta
por Porot, com o objetivo de codificar, com mais precisão, a interpretação do Desenho da
Família. Desta maneira, estabeleceram critérios de classificação, com base nos seguintes itens:
a) o número de personagens; b) sua organização; c) a relação figura-fundo; d) a dinâmica do
desenho.
Reznikoff & Reznikoff (1956) e Lawton & Seechrest (1962) utilizaram também a ins-
trução proposta por Porot, insistindo, entretanto, para que o sujeito não esquecesse ninguém.
Através da investigação clínica de 10 mil Desenhos Cinéticos da Família (KFD), Burns &
Kaufrnan (1970, 1972) elaboraram um novo método para a análise desta técnica, usando a
seguinte instrução: "Desenhe sua família fazendo qualquer coisa." Este método baseia-se princi-
palmente nas ações, individuais ou coletivas (movimentos de energia entre pessoas e objetos),
nos estilos (características gerais do desenho, relacionadas com a disposição dinâmica das figuras
no papel) e nos diversos símbolos (provenientes de uma interpretação dentro da perspectiva
psicanalítica tradicional).
Corman (1970), através da prática sistemática do Desenho da Família, em psicologia
clínica, elaborou um novo método para a sua aplicação e interpretação. Assim, modificou a
instrução proposta por Porot (1952), alegando que esta, por seu caráter objetivo, limita a
projeção. Propôs, desta maneira, a instrução: "Desenhe uma família, uma família que você
imagina", que possibilita mais liberdade na projeção das tendências inconscientes. Elaborou
também um método de análise que compreende três níveis: a) gráfico; b) das estruturas formais;
c) de conteúdo.
Os assuntos mais enfatizados por Corman em seus estudos através do Desenho da Família
são: o complexo de Édipo, o narcisismo e a rivalidade fraternal.
Borelli-Vicen t (1965) assinala, em seu estudo sobre a expressão dos conflitos através do
Desenho da Faml1ia, que esta prova gráfica, apesar da freqüência de seu emprego, carece de
estudos sistemáticos. Desta maneira, propõe estudar sucessivamente os aspectos adaptativos,
expressivos e projetivos do Desenho da Família, servindo-se de duas instruções: "Desenhe uma
família" e "Desenhe sua família".
Borelli-Vincent propõe um método de análise com base nos seguintes itens:
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A. Estudo global do desenho.
1. Composição do grupo familiar.
2. Aspectos estruturais gerais dos personagens.
3. Aspectos de organização geral do desenho:
a) a es~turação do grupo;
b) a colocação na situação do grupo.

B. Especificação dos personagens e das relações interpessoais.

Além dos instrumentos que possibilitam a análise da família verdadeira e da família


imaginária, existe uma outra técnica proposta por Kos & Biermann (1977), que permite a
caracterização de "uma família transformada". Esta técnica foi denominada pelos autores de
Teste da Famfiia Encantada, que comporta três fases:

1. O Teste do Desenho da Famflia Encantada, eontendo a seguinte instrução: "Nós iremos


inventar uma estória. Você conhece contos? Bem, nós iremos fabricar um ... Imagine que um
mágico vem e encanta uma família, todos os personagens desta família, os grandes e os peque-
nos ... Eis uma folha de papel e um lápis; e agora, desenhe o que se passou: ' (p. 21)
2. O Relato do Conto sobre a Familia Encantada. Assim, após a execução do desenho, Kos
& Biermann dizem à criança: "E agora, conte-me o que se passou. Conte-me a história do
encantamento." (p. 21)
3. O Teste de Pigem, que consiste em se perguntar à criança em que animal ela gostaria de
ser transformada (e por que) e em que animal ela não queria, em nenhum caso, ser transformada
(e por que não).

Dentre as contribuições sobre a validação do Desenho da Família, as de Morval (1973,


1974a, b, c, d, 1976) são, para n6s, apesar das restrições que apresentamos no fmal deste
trabalho, as mais significativas. ~ por isso que dedicamos a maior parte deste artigo à caracteri-
zação do método proposto por ela e aos estudos sistemáticos que realizou para validá-lo.

2. Monique Morval e a Técnica do Desenho da Famflia

Segundo Morval (1974d), o Desenho da Família é um teste projetivo e a sua utilização baseia-se
num tríplice postulado: 1. a família é um fator importante na estruturação da personalidade;
2. através do Desenho da Família, a criança projeta suas atitudes e sentimentos em relação à sua
famfiia; 3. é possível conhecer essas atitudes e sentimentos, interpretando os signos do Desenho
da Família.
Para ela, a interpretação do Desenho da Família toma-se possível: a) Rela passagem dos
signos do desenho ao significado explícito; b) pela integração dos significados explícitos numa
hipótese interpretativa, segundo uma teoria de referência. Morval, entretanto, alerta-nos para o
fato de que "se a passagem dos signos aos significados explícitos pode ser baseada em dados
empíricos revelados pela observação, a passagem à hipótese interpretativa depende, certamente,
da teoria que sustenta a interpretação e que é, freqüentemente, de inspiração psicanalítica"
(1974a, p. 457 e 458).

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A autora usa com mais freqüência a instrução proposta por Corman (1970): "Desenhe
uma família, uma família que você imagina", pois, segundo ela, esta possibilita um maior grau
de liberdade de projeção das tendências inconscientes. Elaborou um método de análise con-
tendo 115 signos e que consiste em: a) características gerais do desenho; b) nível das estruturas
formais; c) nível de conteúdo.

3. Principais trabalhos realizados por Monique Morval

A referida autora efetuou uma série de estudos a partir de 1973, com o objetivo de validar a
técnica do Desenho da Família. Apresentaremos, a seguir, uma revisão bibliográfica das princi-
pais pesquisas desenvolvidas por ela.
Assim, Morval (1973) realizou um estudo com o objetivo de verificar a influência da
idade, do sexo e nível s6cio-econÔD1ico sobre o Desenho da Família.
Desta maneira, a autora analisou a representação gráfica da família de 418 crianças de
Montreal, de 5 a 11 anos, de ambos os sexos e pertencentes a dois níveis sócio-econômicos
(médio e baixo). Todos os sujeitos eram provenientes de família onde os pais estavam presentes
no lar. A aplicação foi realizada individualmente. Foi empregado o tipo de instrução proposto
por Connan: "Desenhe sua família, uma família que você imagina." Após a execução do
desenho, aplicou-se um questionário sobre a família desenhada e a família verdadeira.
Na conclusão de seu estudo, Morval recomenda uma certa prudência na interpretação do
Desenho da Família, pois muitos elementos variam, principalmente em função da idade, às
vezes em função do sexo e raramente em função do meio ambiente.
Assim, a idade revelou o principal fator de diferenciação. A autora considera 8 anos como
uma idade charniere, onde os mais jovens desenham a família verdadeira e os mais velhos
representam uma família-padrão. O sexo desempenha um papel na identificação do sujeito e na
importância atribuída às figuras parentais. Constatou-se pouca diferença devido ao meio am-
biente.
Morval, além de colocar em questão a simbólica do espaço, a distinção entre racional e
sensorial e a formulação da instrução, contesta a afirmação de Connan de que a instrução para
desenhar uma família possibilita mais liberdade de projeção. Para ela, o uso da instrução mais
restritiva "Desenhe sua família", neste estudo, poderia fornecer-no:; mais informações.
Portanto, a autora assinala, ao concluir sua pesquisa, que é importante levar em conside-
ração as características do grupo ao qual o sujeito pertence, antes de analisar seu Desenho da
Família.
Outro trabalho, desenvolvido por Morval (1974a), tem como objetivo analisar, sucessiva-
mente, os problemas da sensibilidade, de valor projetivo, da fidedignidade e da validade do
Desenho da Família.
De acordo com os dados obtidos em diferentes estudos, a autora discute a significação dos
diferentes índices geralmente utilizados na correção desta prova.
Assim, o Desenho da Família revela-se interessante para abordar não só as atitudes em
relaçãO aos pais e a fratria, mas também em relação à estrutura familiar.
Morval assinala que é necessário adaptar a instrução, tendo em vista o problema que se
deseja estudar. Desta maneira, "Desenhe sua família" é mais conveniente para analisar as atitu-
des em relação à mãe e à fratria, ao passo que "Desenhe uma família que você imagina" será
aconselhável para estudar as atitudes em relação ao pai.

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Concluindo, a autora refere-se à técnica proposta por Borelli-Yincent (1965) como sendo
ainda a melhor. Este autor serve-se de dois desenhos: inicialmente "uma famma" e depois "sua
família". No entanto, Morval considera-os como sendo duas provas diferentes e acrescenta que
nllo podemos dar muita importância à comparação das duas, pois os signos não têm sempre o
mesmo sentido, em ambos os casos.
Em um dos trabalhos, apresentado em sua tese de doutorado, Morval (1974b) estuda a
rivalidade fraternal através das características gráficas do Desenho da Família.
Assim, ela analisou, inicialmente, as posições de diferentes autores (Osterrieth, Corman,
Porot, Faure, Mauco & Rambaud, Toman & Toman, Leventhal, Berge, Cahn) referentes à
rivalidade fraternal. A maioria destes autores enfatiza o aspecto psicopatológico desta rivali-
dade.
Com base nestes estudos, a autora coloca as seguintes hipóteses, para serem testadas com
crianças normais:
1. A respeito da agressividade:
- os primogênitos manifestam mais agressividade que os outros;
- os segundos filhos têm reações mais regressivas;
- encontra-se mais depressão nos caçulas.
2. A rivalidade fraternal é mais forte nos primogênitos.
3. No que concerne ao sexo:
os meninos manifestam mais agressividade que as meninas;
- as meninas têm reações mais depressivas ou regressivas;
a rivalidade ocorre principalmente em relação a uma criança do outro sexo.
4. A rivalidade fraternal é mais forte nas famílias pouco numerosas.

A amostra compreende 125 primogênitos, 114 segundos fIlhos e 101 caçulas da região de
Montreal, de ambos os sexos, de 5 a 11 anos. O nível intelectual das crianças situa-se na média.
Os pais são vivos e estão presentes no lar.
A autora emprega a instrução proposta por Corman: "Desenhe sua família, uma família
que você imagina." Após a execução do desenho, a criança foi convidada a identificar os
personagens e a se identificar também, caso fIZesse parte da família representada.
Para estudar a rivalidade entre irmãos, Morval fIXOU-se nos seguintes traços: presença de
sujeito, presença de crianças; valorização (sujeito, menino, menina): personagem desenhado em
primeiro lugar, e maior; desvalorização (sujeito, menino, menina): personagem suprimido, o
desenhado em último lugar, o menor; identificação.
A autora afirma que, em sujeitos normais, a agressividade direta ou indireta, tal como é
revelada no Desenho da Família, é a principal manifestação da rivalidade fraternal.
Com relação à primeira hipótese, observa-se que os primogênitos, principalmente os mais
jovens, manifestam efetivamente mais agressividade indireta, executando com mais freqüência
um desenho sem crianças. Entretanto, encontra-se também agressividade nos caçulas, onde os
mais jovens suprimem um persooagem, mais freqüentemente um menino ou uma menina. Desta
maneira, os segundos fIlhos parecem aceitar melhor as outras crianças. Finalmente, Morval não
observou nem regressão nos segundos fIlhos, nem depressão nos caçulas.
A segunda hipótese não foi confirmada, pois é principalmente nos caçulas que a rivalidade
é mais forte, sendo que se manifesta mais pela eliminação de todas as crianças que pela supres-
são de uma só.

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No que concerne à terceira hipótese, o pequeno número de diferenças significativas en-
contradas podem ser consideradas como efeito do acaso. Não há nada de surpreendente para as
duas primeiras afirmações da hipótese; mas com relação à terceira afirmação, a agressividade não
se dirige mais especialmente para uma criança de outro sexo.
O tamanho da família não constitui um papel importante na rivalidade fraternal, e a
última hipótese não foi confirmada.
Portanto, em crianças normais, a manifestação mais habitual da rivalidade fraternal no
Desenho da Família é constituída pela agressividade; e é nos caçulas que esta rivalidade é mais
acen tuada. O sexo e o tamanho da família têm pouca importância.
Através de uma comunicação apresentada no XVIII Congresso Internacional de Psicologia
Aplicada, realizado em Montreal, em 1974, Morval (1974a) fornece o resultado de três estudos
efetuados com o Desenho da Família, com o objetivo de analisar crianças privadas de pai.
Nos três estudos, o método empregado é o mesmo, o já citado nos artigos anteriores.
No primeiro estudo, em colaboração com Lassonde-Fontaine, MOlVal analisou 10 meninos
de 5 anos, cujos pais estavam separados há menos de dois anos; viviam com a mãe e não tinham
nenhum contato com o pai ou substituto paternal. Estas crianças foram comparadas com 10
meninos provenientes de lares unidos, de classe média e de inteligência normal. Formulou-se a
hipótese de que as atitudes em relação ao pai, a mãe e a si mesmos são diferentes nos dois
grupos.
Todas as crianças desenharam a família verdadeira; somente um sujeito do grupo experi-
mental representou o pai, enquanto todas as crianças do grupo de controle o fIZeram. Os
sujeitos do grupo experimental atribuem mais importância à mãe, desenhando-a com mais
cuidado e é o maior personagem desenhado. Enfim, nas respostas às questões do examinador, as
crianças cujo pai estava ausente do lar se consideram mais como o personagem menos gentil da
faml1ia. Isto permite observar que os meninos de 5 anos, cujos pais estavam separados, fornecem
provas de realismo na representação da família, mas sentem, ao mesmo tempo, uma certa
culpabilidade diante do desacordo dos pais.
No segundo estudo, em colaboração com Melanson, a autora analisou crianças da região
de Montreal: o grupo experimental compreendia 30 meninos e 30 meninas de pais separados,
que foram comparados com 30 meninos e 30 meninas de pais unidos, formando o grupo de.
con trole. Elas tinham entre 8 e 11 anos e possuíam a in teligência normal; As crianças do grupo
experimental foram escolhidas de acordo com os seguintes critérios:

1. os pais deviam ser separados há pelo menos um ano;


2. a criança tinha pelo menos 5 anos no momento da separação;
3. é a mãe que tinha a guarda das crianças e não havia substituto paternal;
4. o pai conservava entretanto um certo contato com as crianças.

Formulou-se a hipótese de que, nas crianças de pais separados, encontra-se no Desenho da


Família mais manifestações de ansiedade, mais agressividade em relação ao pai, mais aproxima-
ção com a mãe; há igualmente mais problemas nos meninos que nas meninas, pois eles estão
separados de seu modelo de identificação.
As hipóteses são geralmente verificadas, principalmente no que concerne à ansiedade,
assinalada por Bernstein e Robey; existe também uma certa agressividade dirigida ao pai A
aproximação com a mãe é verdadeira para as meninas, os meninos procuram principalmente
aproximar-se de um outro menino. Enfim, encontram-se efetivamente mais problemas nos
meninos que nas meninas.

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No terceiro estudo, em colaboração com Marcoux-Legault, Morval analisou 21 meninos
cujo pai morrera havia pelo menos um ano; viviam em internato, mas reencontravam a mãe no
fim de semana; a autora comparou-os com 21 meninos de famt1ia normal, estes constituindo o
grupo de controle. As crianças tinham entre 8 e 11 anos e eram de inteligência normal. A
hipótese proposta é .que, no Desenho da Família, os meninos cujo pai morreu negam esta
ausência, representando-o e valorizando-o; manifestam, entretanto, uma baixa estima de si
mesmo, desvalorizando o personagem que representa o sujeito.
As hipóteses propostas foram confirmadas, menos a concernente à valorização da figura
paterna.
Na conclusão destes estudos, a autora assinala que as crianças privadas de pai, qualquer
que seja a razão, identificam-se melhor com uma criança mais jovem, representando, talvez, uma
idade mais feliz quando o pai ainda estava presente no lar. As crianças de pais separados
procuram restaurar uma imagem de si mesmas perturbada e manifestam mais ansiedade e
ambivalência em relação à figura paterna, enquanto aqueles cujo pai morreu têm uma atitude
mais ambivalente em relação à mãe e a eles mesmos.
A autora assinala também que a separação parece ser mais traumática que a morte do pai.
Portanto, o Desenho da Famt1ia permite entender as diferenças entre as crianças de lar
unido e aquelas cujo pai está ausente; permite, iguabnente, diferenciar os sujeitos em função das
razões da ausência paterna.
Para fmalizar esta unidade, apresentamos o artigo de Morval, publicado em 1976, na
Revista de Psicologia Aplicada, 26 (2).
Neste trabalho, a autora estudou, de uma maneira sistemática, a constância de caracterís-
ticas gráficas do Desenho da Famt1ia de 18 meninas "normais" de 7 e 8 anos. Foram realizadas
por um mesmo examinador quatro aplicações individuais com uma semana de in tervalo.
Morval serviu-se da instrução proposta por Porot: "Desenhe sua famtlia", sem acrescentar
outras explicações. O examinador anotou os comentários espontâneos do sujeito durante a
execução do desenho e a ordem de aparecimento dos personagens.
Os resultados revelaram uma grande estabilidade, tanto no que concerne às características
gerais do desenho quanto às estruturas formais e ao conteúdo.
Segundo Morval, as estruturas formais correspondem às imagens que a criança faz de sua
família e de seus n:tembros, e o conteúdo depende da relação imediata estabelecida com cada
um.
Ao concluir este estudo, a autora sugere a realização da mesma pesquisa, porém com
crianças perturbadas, com o objetivo de verificar se existe, igualmente, uma constância de sinais
patológicos.

4. Considerações finais

Morval mostrou, através de suas pesquisas, a importância da realização de estudos sistemáticos


com o objetivo de estabelecer parâmetros genéticos e diferenciais - idade, sexo, ordem de
nascimento, nível sócio-econômico, etc - que são fundamentais na análise do Desenho da
Famt1ia.
Apesar destas contribuições, a autora insiste em considerar o Desenho da Família um
teste projetivo e baseia-se unicamente na teoria psicanalítica para analisá-lo.
Em primeiro lugar, se considerarmos o Desenho da Famt1ia como uma técnica projetiva,
na qual, de acordo com Anzieu (1970), "as respostas são livres, mas o material é defmido e

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padronizado" (p. 23), observaremos que, apesar das tentativas realizadas, ainda não existe um
número significativo de estudos sistemáticos e nem uma base padronizada para sua interpre-
tação.
Além disso, alguns autores, como Monique Augras (1978), questionam a própria ade-
quação do conceito de projeção para fundamentar as chamadas "técnicas projetivas".
Por outro lado, a psicanálise não constitui o único modelo de explicação psicológica.
Para nós, o Desenho da Famüia pode ser considerado uma técnica gráfica expressiva que
permite analisar o traçado e a maneira pela qual a criança usa o espaço gráfico na representação
da percepção que ela tem de seu corpo e de sua famüia, num determinado momento. Para tal, a
instrução proposta por Porot (1952): "Desenhe sua família", parece a mais apropriada.
Esta proposta vai de encontro à posição de Monique Augras (1978) referente a técnicas
gráficas:
"O traço, que em testes de 'grafismo' deveria ser o elemento mais investigado, representa
o testemunho da movimentação do indivíduo dentro do espaço. A utilização mais corriqueira
desses testes, contudo, raras vezes se apóia no traçado e na organização do espaço, restringindo-
se, lastimavelmente, a interpretação acerca do significado do conteúdo da representação"
(p.49).
Baseando-nos nos métodos elaborados por Weiler (1967) e Morval (1973), propomos um
método objetivo de análise para o Desenho da Famüia.
Weiler (1967) elaborou um método com base na proposição de Osterrieth & Cambier
(1976), referente à análise do Desenho da Figura Humana. Morval (1973), por sua vez, baseou-
se no método proposto por Corman (1970), para análise do Desenho da Faml1ia.
Portanto, propomos um método que permite estabelecer um inventário, o mais neutro e
completo possível, das características gráficas, com o objetivo de possibilitar uma compreensão
objetiva da situação familiar da criança, independentemente de qualquer teoria psicodinâmica
existente.
Desta maneira, ao invés de partirmos de uma determinada teoria de base, sugerimos o
emprego do método fenomenológico, com o objetivo de descrever de uma maneira rigorosa a
estrutura essencial do fenômeno psicológico a ser explicado.
Além disso, elaboramos uma ficha de observação para ser usada durante a aplicação e um
protocolo para a análise do Desenho da Famüia, com base no proposto por Osterrieth &
Cambier (1976) para a análise do Desenho da Figura Humana.

Résumé

L'auteur foumit initialement une breve vision historique de la technique du Dessin de la


Famille. 11 présente ensuite la position de Monique Morval sur cette même technique qui, d'une
certaine maniere, synthétise les propositions des différents auteurs se consacrant à cette étude.
L'auteur fait également une révision des principaux travaux réalisés par Morval à partir de 1973,
ayant pour objectif de valider la technique du Dessin de la Farnille. Dans un demier temps, il
signale les 'contributions de Morval se référant à l'établissement des parametres génétiques et
différentiels qui sont fondamentaux pour l'ana1yse du Dessin de la Famille et émet aussi
quelques restrictions sur la caractérisation de cette technique et sur sa méthode d'analyse. A
partir de. ces considérations, l'auteur prend position sur la technique du Dessin de la Famille et
suggere une méthode objective d'analyse, basée principalement sur les propositions de Weiler et
Morval.

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