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O autor fornece, inicialmente, uma breve visão histórica da técnica do Desenho da Família. Em
seguida, apresenta a posição de Monique Morval sobre a técnica em questão que, de uma certa
maneira, sintetiza as proposições dos diferentes autores que se dedicaram ao seu estudo. Na
unidade seguinte, faz uma revisão dos principais trabalhos realizados por Morval, a partir de
1973, com o objetivo de validar a técnica do Desenho da Família. Na parte fmal, assinala as
contribuições de Morval referentes ao estabelecimento de parâmetros genéticos e diferenciais,
que são fundamentais para a análise do Desenho da Família, e faz algumas restrições relativas à
caracterização da referida técnica e ao método utilizado para analisá-la. A partir destas conside-
rações, estabelece uma posição sobre a técnica do Desenho da Faml1ia e sugere um método
objetivo de análise, com base principalmente, nas proposições de Weiler (1967) e Morval
(1974a, b, c e d).
1. Introdução
Com base na literatura existente sobre o Desenho da Família, verificamos que N. Appel já o
empregava, em 1931, no estudo da personalidade de crianças em clínica, propondo, desta
maneira, a seguinte instrução: "Desenhe uma casa, uma família e animais."
Como assinala Wildléicher (1975), o interesse por um estudo sistemático do Desenho da
Família foi manifestado pela primeira vez por Trude Traube, em seu artigo sobre os desenhos de
crianças-problema, publicado em 1937.
Mas foi sobretudo nos anos 50 que os psicólogos intensificaram seus estudos e começaram
a utilizá-lo, de maneira sistemática, nos exames clínicos, apesar das variações concernentes ao
tipo de instrução e ao método de análise.
* Esta técnica está sendo validada pelo autor, numa população brasileira, através de estudo empíriCO e
experimental e será apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de doutor em psicologia, na
Fundação Getulio VaIgas, Rio de Janeiro. (Artigo apresentado à redação em 2.6.80.)
** Professor do Departamento de Filosofia e Psicologia da UFES. (Endereço do autor: Caixa Postal 1240 -
Vitória-ES.)
Segundo Morval (1974d), o Desenho da Família é um teste projetivo e a sua utilização baseia-se
num tríplice postulado: 1. a família é um fator importante na estruturação da personalidade;
2. através do Desenho da Família, a criança projeta suas atitudes e sentimentos em relação à sua
famfiia; 3. é possível conhecer essas atitudes e sentimentos, interpretando os signos do Desenho
da Família.
Para ela, a interpretação do Desenho da Família toma-se possível: a) Rela passagem dos
signos do desenho ao significado explícito; b) pela integração dos significados explícitos numa
hipótese interpretativa, segundo uma teoria de referência. Morval, entretanto, alerta-nos para o
fato de que "se a passagem dos signos aos significados explícitos pode ser baseada em dados
empíricos revelados pela observação, a passagem à hipótese interpretativa depende, certamente,
da teoria que sustenta a interpretação e que é, freqüentemente, de inspiração psicanalítica"
(1974a, p. 457 e 458).
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A autora usa com mais freqüência a instrução proposta por Corman (1970): "Desenhe
uma família, uma família que você imagina", pois, segundo ela, esta possibilita um maior grau
de liberdade de projeção das tendências inconscientes. Elaborou um método de análise con-
tendo 115 signos e que consiste em: a) características gerais do desenho; b) nível das estruturas
formais; c) nível de conteúdo.
A referida autora efetuou uma série de estudos a partir de 1973, com o objetivo de validar a
técnica do Desenho da Família. Apresentaremos, a seguir, uma revisão bibliográfica das princi-
pais pesquisas desenvolvidas por ela.
Assim, Morval (1973) realizou um estudo com o objetivo de verificar a influência da
idade, do sexo e nível s6cio-econÔD1ico sobre o Desenho da Família.
Desta maneira, a autora analisou a representação gráfica da família de 418 crianças de
Montreal, de 5 a 11 anos, de ambos os sexos e pertencentes a dois níveis sócio-econômicos
(médio e baixo). Todos os sujeitos eram provenientes de família onde os pais estavam presentes
no lar. A aplicação foi realizada individualmente. Foi empregado o tipo de instrução proposto
por Connan: "Desenhe sua família, uma família que você imagina." Após a execução do
desenho, aplicou-se um questionário sobre a família desenhada e a família verdadeira.
Na conclusão de seu estudo, Morval recomenda uma certa prudência na interpretação do
Desenho da Família, pois muitos elementos variam, principalmente em função da idade, às
vezes em função do sexo e raramente em função do meio ambiente.
Assim, a idade revelou o principal fator de diferenciação. A autora considera 8 anos como
uma idade charniere, onde os mais jovens desenham a família verdadeira e os mais velhos
representam uma família-padrão. O sexo desempenha um papel na identificação do sujeito e na
importância atribuída às figuras parentais. Constatou-se pouca diferença devido ao meio am-
biente.
Morval, além de colocar em questão a simbólica do espaço, a distinção entre racional e
sensorial e a formulação da instrução, contesta a afirmação de Connan de que a instrução para
desenhar uma família possibilita mais liberdade de projeção. Para ela, o uso da instrução mais
restritiva "Desenhe sua família", neste estudo, poderia fornecer-no:; mais informações.
Portanto, a autora assinala, ao concluir sua pesquisa, que é importante levar em conside-
ração as características do grupo ao qual o sujeito pertence, antes de analisar seu Desenho da
Família.
Outro trabalho, desenvolvido por Morval (1974a), tem como objetivo analisar, sucessiva-
mente, os problemas da sensibilidade, de valor projetivo, da fidedignidade e da validade do
Desenho da Família.
De acordo com os dados obtidos em diferentes estudos, a autora discute a significação dos
diferentes índices geralmente utilizados na correção desta prova.
Assim, o Desenho da Família revela-se interessante para abordar não só as atitudes em
relaçãO aos pais e a fratria, mas também em relação à estrutura familiar.
Morval assinala que é necessário adaptar a instrução, tendo em vista o problema que se
deseja estudar. Desta maneira, "Desenhe sua família" é mais conveniente para analisar as atitu-
des em relação à mãe e à fratria, ao passo que "Desenhe uma família que você imagina" será
aconselhável para estudar as atitudes em relação ao pai.
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Concluindo, a autora refere-se à técnica proposta por Borelli-Yincent (1965) como sendo
ainda a melhor. Este autor serve-se de dois desenhos: inicialmente "uma famma" e depois "sua
família". No entanto, Morval considera-os como sendo duas provas diferentes e acrescenta que
nllo podemos dar muita importância à comparação das duas, pois os signos não têm sempre o
mesmo sentido, em ambos os casos.
Em um dos trabalhos, apresentado em sua tese de doutorado, Morval (1974b) estuda a
rivalidade fraternal através das características gráficas do Desenho da Família.
Assim, ela analisou, inicialmente, as posições de diferentes autores (Osterrieth, Corman,
Porot, Faure, Mauco & Rambaud, Toman & Toman, Leventhal, Berge, Cahn) referentes à
rivalidade fraternal. A maioria destes autores enfatiza o aspecto psicopatológico desta rivali-
dade.
Com base nestes estudos, a autora coloca as seguintes hipóteses, para serem testadas com
crianças normais:
1. A respeito da agressividade:
- os primogênitos manifestam mais agressividade que os outros;
- os segundos filhos têm reações mais regressivas;
- encontra-se mais depressão nos caçulas.
2. A rivalidade fraternal é mais forte nos primogênitos.
3. No que concerne ao sexo:
os meninos manifestam mais agressividade que as meninas;
- as meninas têm reações mais depressivas ou regressivas;
a rivalidade ocorre principalmente em relação a uma criança do outro sexo.
4. A rivalidade fraternal é mais forte nas famílias pouco numerosas.
A amostra compreende 125 primogênitos, 114 segundos fIlhos e 101 caçulas da região de
Montreal, de ambos os sexos, de 5 a 11 anos. O nível intelectual das crianças situa-se na média.
Os pais são vivos e estão presentes no lar.
A autora emprega a instrução proposta por Corman: "Desenhe sua família, uma família
que você imagina." Após a execução do desenho, a criança foi convidada a identificar os
personagens e a se identificar também, caso fIZesse parte da família representada.
Para estudar a rivalidade entre irmãos, Morval fIXOU-se nos seguintes traços: presença de
sujeito, presença de crianças; valorização (sujeito, menino, menina): personagem desenhado em
primeiro lugar, e maior; desvalorização (sujeito, menino, menina): personagem suprimido, o
desenhado em último lugar, o menor; identificação.
A autora afirma que, em sujeitos normais, a agressividade direta ou indireta, tal como é
revelada no Desenho da Família, é a principal manifestação da rivalidade fraternal.
Com relação à primeira hipótese, observa-se que os primogênitos, principalmente os mais
jovens, manifestam efetivamente mais agressividade indireta, executando com mais freqüência
um desenho sem crianças. Entretanto, encontra-se também agressividade nos caçulas, onde os
mais jovens suprimem um persooagem, mais freqüentemente um menino ou uma menina. Desta
maneira, os segundos fIlhos parecem aceitar melhor as outras crianças. Finalmente, Morval não
observou nem regressão nos segundos fIlhos, nem depressão nos caçulas.
A segunda hipótese não foi confirmada, pois é principalmente nos caçulas que a rivalidade
é mais forte, sendo que se manifesta mais pela eliminação de todas as crianças que pela supres-
são de uma só.
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No que concerne à terceira hipótese, o pequeno número de diferenças significativas en-
contradas podem ser consideradas como efeito do acaso. Não há nada de surpreendente para as
duas primeiras afirmações da hipótese; mas com relação à terceira afirmação, a agressividade não
se dirige mais especialmente para uma criança de outro sexo.
O tamanho da família não constitui um papel importante na rivalidade fraternal, e a
última hipótese não foi confirmada.
Portanto, em crianças normais, a manifestação mais habitual da rivalidade fraternal no
Desenho da Família é constituída pela agressividade; e é nos caçulas que esta rivalidade é mais
acen tuada. O sexo e o tamanho da família têm pouca importância.
Através de uma comunicação apresentada no XVIII Congresso Internacional de Psicologia
Aplicada, realizado em Montreal, em 1974, Morval (1974a) fornece o resultado de três estudos
efetuados com o Desenho da Família, com o objetivo de analisar crianças privadas de pai.
Nos três estudos, o método empregado é o mesmo, o já citado nos artigos anteriores.
No primeiro estudo, em colaboração com Lassonde-Fontaine, MOlVal analisou 10 meninos
de 5 anos, cujos pais estavam separados há menos de dois anos; viviam com a mãe e não tinham
nenhum contato com o pai ou substituto paternal. Estas crianças foram comparadas com 10
meninos provenientes de lares unidos, de classe média e de inteligência normal. Formulou-se a
hipótese de que as atitudes em relação ao pai, a mãe e a si mesmos são diferentes nos dois
grupos.
Todas as crianças desenharam a família verdadeira; somente um sujeito do grupo experi-
mental representou o pai, enquanto todas as crianças do grupo de controle o fIZeram. Os
sujeitos do grupo experimental atribuem mais importância à mãe, desenhando-a com mais
cuidado e é o maior personagem desenhado. Enfim, nas respostas às questões do examinador, as
crianças cujo pai estava ausente do lar se consideram mais como o personagem menos gentil da
faml1ia. Isto permite observar que os meninos de 5 anos, cujos pais estavam separados, fornecem
provas de realismo na representação da família, mas sentem, ao mesmo tempo, uma certa
culpabilidade diante do desacordo dos pais.
No segundo estudo, em colaboração com Melanson, a autora analisou crianças da região
de Montreal: o grupo experimental compreendia 30 meninos e 30 meninas de pais separados,
que foram comparados com 30 meninos e 30 meninas de pais unidos, formando o grupo de.
con trole. Elas tinham entre 8 e 11 anos e possuíam a in teligência normal; As crianças do grupo
experimental foram escolhidas de acordo com os seguintes critérios:
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No terceiro estudo, em colaboração com Marcoux-Legault, Morval analisou 21 meninos
cujo pai morrera havia pelo menos um ano; viviam em internato, mas reencontravam a mãe no
fim de semana; a autora comparou-os com 21 meninos de famt1ia normal, estes constituindo o
grupo de controle. As crianças tinham entre 8 e 11 anos e eram de inteligência normal. A
hipótese proposta é .que, no Desenho da Família, os meninos cujo pai morreu negam esta
ausência, representando-o e valorizando-o; manifestam, entretanto, uma baixa estima de si
mesmo, desvalorizando o personagem que representa o sujeito.
As hipóteses propostas foram confirmadas, menos a concernente à valorização da figura
paterna.
Na conclusão destes estudos, a autora assinala que as crianças privadas de pai, qualquer
que seja a razão, identificam-se melhor com uma criança mais jovem, representando, talvez, uma
idade mais feliz quando o pai ainda estava presente no lar. As crianças de pais separados
procuram restaurar uma imagem de si mesmas perturbada e manifestam mais ansiedade e
ambivalência em relação à figura paterna, enquanto aqueles cujo pai morreu têm uma atitude
mais ambivalente em relação à mãe e a eles mesmos.
A autora assinala também que a separação parece ser mais traumática que a morte do pai.
Portanto, o Desenho da Famt1ia permite entender as diferenças entre as crianças de lar
unido e aquelas cujo pai está ausente; permite, iguabnente, diferenciar os sujeitos em função das
razões da ausência paterna.
Para fmalizar esta unidade, apresentamos o artigo de Morval, publicado em 1976, na
Revista de Psicologia Aplicada, 26 (2).
Neste trabalho, a autora estudou, de uma maneira sistemática, a constância de caracterís-
ticas gráficas do Desenho da Famt1ia de 18 meninas "normais" de 7 e 8 anos. Foram realizadas
por um mesmo examinador quatro aplicações individuais com uma semana de in tervalo.
Morval serviu-se da instrução proposta por Porot: "Desenhe sua famtlia", sem acrescentar
outras explicações. O examinador anotou os comentários espontâneos do sujeito durante a
execução do desenho e a ordem de aparecimento dos personagens.
Os resultados revelaram uma grande estabilidade, tanto no que concerne às características
gerais do desenho quanto às estruturas formais e ao conteúdo.
Segundo Morval, as estruturas formais correspondem às imagens que a criança faz de sua
família e de seus n:tembros, e o conteúdo depende da relação imediata estabelecida com cada
um.
Ao concluir este estudo, a autora sugere a realização da mesma pesquisa, porém com
crianças perturbadas, com o objetivo de verificar se existe, igualmente, uma constância de sinais
patológicos.
4. Considerações finais
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padronizado" (p. 23), observaremos que, apesar das tentativas realizadas, ainda não existe um
número significativo de estudos sistemáticos e nem uma base padronizada para sua interpre-
tação.
Além disso, alguns autores, como Monique Augras (1978), questionam a própria ade-
quação do conceito de projeção para fundamentar as chamadas "técnicas projetivas".
Por outro lado, a psicanálise não constitui o único modelo de explicação psicológica.
Para nós, o Desenho da Famüia pode ser considerado uma técnica gráfica expressiva que
permite analisar o traçado e a maneira pela qual a criança usa o espaço gráfico na representação
da percepção que ela tem de seu corpo e de sua famüia, num determinado momento. Para tal, a
instrução proposta por Porot (1952): "Desenhe sua família", parece a mais apropriada.
Esta proposta vai de encontro à posição de Monique Augras (1978) referente a técnicas
gráficas:
"O traço, que em testes de 'grafismo' deveria ser o elemento mais investigado, representa
o testemunho da movimentação do indivíduo dentro do espaço. A utilização mais corriqueira
desses testes, contudo, raras vezes se apóia no traçado e na organização do espaço, restringindo-
se, lastimavelmente, a interpretação acerca do significado do conteúdo da representação"
(p.49).
Baseando-nos nos métodos elaborados por Weiler (1967) e Morval (1973), propomos um
método objetivo de análise para o Desenho da Famüia.
Weiler (1967) elaborou um método com base na proposição de Osterrieth & Cambier
(1976), referente à análise do Desenho da Figura Humana. Morval (1973), por sua vez, baseou-
se no método proposto por Corman (1970), para análise do Desenho da Faml1ia.
Portanto, propomos um método que permite estabelecer um inventário, o mais neutro e
completo possível, das características gráficas, com o objetivo de possibilitar uma compreensão
objetiva da situação familiar da criança, independentemente de qualquer teoria psicodinâmica
existente.
Desta maneira, ao invés de partirmos de uma determinada teoria de base, sugerimos o
emprego do método fenomenológico, com o objetivo de descrever de uma maneira rigorosa a
estrutura essencial do fenômeno psicológico a ser explicado.
Além disso, elaboramos uma ficha de observação para ser usada durante a aplicação e um
protocolo para a análise do Desenho da Famüia, com base no proposto por Osterrieth &
Cambier (1976) para a análise do Desenho da Figura Humana.
Résumé
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Referências bibliográficas
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