Você está na página 1de 3

O jogo perigoso de Donald Trump

O artigo do cientista político Sérgio Abranches para o blog


neste domingo

24/06/2018 13h42 Atualizado há 7 horas


* Por Sérgio Abranches
No futebol, o jogo perigoso tem gradações de gravidade, mas sempre indica uma
ação temerária, imprudente ou de alto risco para a integridade do outro. Não tenho
dúvida de que o presidente Donald Trump usa e abusa do jogo perigoso nas decisões
de política interna e externa. No caso mais recente — e escabroso — de separação
forçada de pais e filhos detidos por imigração ilegal, Trump levou ao limite seu jogo
perigoso, aproximou-se da agenda dos setores mais extremistas da sociedade,
assumiu riscos muito altos de danos à integridade física e psicológica. Prender
imigrantes como se fosse criminosos comuns, separá-los de suas crianças, detidas em
gaiolas é mais que uma afronta humanitária, é um ato de discriminação violento e
supremacista. Mas não é necessariamente uma atitude derivada da adesão à ideologia
dos neo-nazistas ou dos supremacistas brancos.
Trump decide por impulso, como ele mesmo tem reconhecido. Esses impulsos
revelam, no caso, sentimentos de repulsa e desprezo pelos “não-americanos” que se
aproximam perigosamente desses valores. A decisão impulsiva é, por definição, uma
ação realizada com um grau inadequado de deliberação, previsão e autocontrole. Ela
revela incapacidade de controle emocional e uma superestimação de sua
competência e qualidade dos julgamentos que faz. Em estudo clássico da psicologia,
Justin Kruger e David Dunning explicam que as pessoas impulsivas não apenas
chegam a conclusões erradas e fazem escolhas infelizes, mas não têm a capacidade
cognitiva de reconhecer seus erros. São pessoas emburradas, com vocabulário pobre,
agressivas e que superestima suas habilidades e seu desempenho. A linguagem
corporal de Trump, seus tuítes e suas reações às críticas na imprensa e a pessoas que
o contrariam confirmam essa personalidade impulsiva do presidente. É, na minha
opinião, uma explicação satisfatória para seu comportamento político sempre de alto
risco e com um elevando teor de agressividade.
A rejeição extremada dos imigrantes, embora impulsiva, satisfez tanto as
expectativas dos supremacistas brancos, que consideram os não-brancos inferiores
moral e intelectualmente, mas aos ultranacionalistas, que desejam uma nação
exclusivamente para os americanos brancos. São todas manifestações de racismo,
mas eles se julgam diferentes. No caso dos supremacistas, o âncora alt-right da Fox
News, Brian Kilmeade, sintetizou esse sentimento de superioridade, ao justificar a
decisão de Trump. No Late Night Show com Steven Colbert, ele disse “goste-se ou
não, essas não são nossas crianças, não é como se [Trump] esteja fazendo isso com
pessoas do Texas ou de Idaho”. Os supremacistas banco começaram discriminando
negros e judeus, mas hoje vêem com igual repulsa latinos, asiáticos e 'muçulmanos’,
isto é qualquer um oriundo dos países árabes. O American Nazi Party explica, no seu
site, que não é supremacista, mas separatista “nós acreditamos que a separação racial
é o melhor para todos, brancos e não-brancos”. Eles gostam de resumir sua ideologia,
com “14 palavras”, “nós precisamos garantir a existência de nosso povo e um futuro
para crianças brancas”. Uma dissidência dos “nazi”, o Movimento Nacional-
Socialista, diz que “toda imigração não-branca precisa ser evitada. Nós exigimos que
se determine a todos os não-brancos residindo na America que deixem a nação
imediatamente e retornem à sua terra de origem: pacificamente ou à força”
Esse é um dos perigos da política anti-imigrantes de Trump. Ela unifica a alt-right, os
neonazistas e os grupos de ódio racial tradicionais, como a Klu Klux Kan. Esse
nacionalismo extremado, como tem mostrado o politólogo Lawrence Rosenthal, da
Universidade Berkeley, tem agora alguém, no comando da Casa Branca, que fala sua
linguagem. A própria visão econômica de Trump, se assemelha muito à concepção
de uma economia autárquica, que pertence à tradição da direita, inclusive na doutrina
econômica original do fascismo e do nacional-socialismo (nazismo). O nacionalismo
branco, ao contrário, do racismo genérico, busca uma nação branca homogênea. Na
alt-right, as pessoas discordam de como chegar a esse objetivo, mas concordam com
esse objetivo de longo prazo, explica o politólogo da Universidade do Alabama,
George Hawley, autor do livro Making Sense of the Alt-Right (Entendendo a Alt-
Right).
O perigo aumenta exponencialmente porque as atitudes de Trump tem apoio na
maioria republicana que se ressente da decadência econômica de suas atividades
econômicas e de seus distritos tradicionais. A maioria das facções da extrema-direita
americana defende a melhoria de condição dos trabalhadores blue-collar, os operários
das manufaturas tradicionais, do setor metal-mecânico. Grande parte dessas correntes
adota alguma forma de populismo econômico. Nas pesquisas recentes de
popularidade tradicional, Trump tem na média, desaprovação majoritária entre
Democratas, de 80%, e Independentes, de 65%. Mas é aprovado por 85% dos
Republicanos. Nessa identificação dos eleitores Republicanos com Trump interfere
outro clássico da psicologia social, a identificação emocional que suplanta a
avaliação objetiva. É o mesmo tipo de sentimento que faz as pessoas apaixonadas por
um time não admitirem a correção de um pênalti contra ele ou que alimenta a
intolerância entre igrejas. Nesse caso, as pessoas são até capazes de reconhecer algo
inadequado em seu time ou igreja, mas tendem a negar-lhes relevância. Apoio
emocional a uma personalidade tão controvertida tende a gerar oposição emocional,
em contrapartida. Numa sociedade polarizada, esse confronto emocional incentiva a
radicalização. Trump assume o risco de dividir ainda mais profunda e radicalmente a
sociedade de seu país, levando-a ao limiar da violência com efeitos
desestabilizadores sem precedentes pelo menos desde os anos de 1960.
* Sérgio Abranches é cientista político, escritor e comentarista da CBN. É
colaborador do blog com análises do cenário político

Você também pode gostar