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Este trabalho faz parte de um projeto. Um projeto que teve inicio com o meu
desligamento e o da minha família da CCB em 2006, os motivos estão em uma carta que
entregamos ao ministério. No mesmo ano de 2006 ingressei na Faculdade de Teologia da
Universidade Presbiteriana Mackenzie. O objetivo já estava traçado, que era o de buscar
ferramentas acadêmicas que me ajudassem a entender, e principalmente a quebrar os “mitos”
de que a CCB não possuía ligações históricas, que a “Obra” começou ex nihilo, que
Francescon não tinha denominação, e que nem recebeu influências que marcaram seu
ministério. Nada mais falso. Francescon foi presbiteriano, numa igreja formada por italianos e
algumas famílias valdenses. Teve contato com o movimento pentecostal americano, recebeu
uma profecia do próprio Durham para ser missionário entre as colônias italianas espalhadas
pelo mundo. Foi batizado por G. Beretta, um ex-metodista. Quanta influência recebeu
Francescon. Seu padrão de ministério foi o do missionário Michelli Nardi. O objetivo desse
trabalho foi justamente contar um pouco dessa história, apoiado em outros autores que
percorreram esse mesmo caminho. No final de 2006 encontrei na biblioteca do Mackenzie
uma dissertação de mestrado de Gloecir Bianco, cujo objetivo era o de “testar a memória” do
membro da CCB. Até que ponto o membro conhecia suas origens. A resposta já era esperada,
ou seja, a maioria não sabe muita coisa da sua própria denominação. Hoje com o avanço da
internet, isso tem mudado um pouco, mas em relação ao grande público o desconhecimento
ainda continua. Gloecir teve o privilégio de usar como fonte do seu trabalho a tese de
doutorado feita pelo Prof. Dr. Key Yuasa. Dr. Key, atualmente, é a maior autoridade em
relação à vida de Francescon, sua tese foi concluída em 2001 na Suíça, mas até agora
aguardamos a tradução e publicação. É um trabalho que já entrou para a história da CCB. Dr.
Key teve acesso a este trabalho e através de e-mail disse que gostou muito, isso já valeu todo
o esforço empreendido. Em 2008 Gloecir lançou o livro: Italianos Pentecostais. Marcelo
Ferreira lançou o livro: Por trás do Véu e pagou um alto preço por isso, mas não negou o seu
chamado. Agradeço a esses autores pela amizade e inspiração. Para entendimento do trabalho
é preciso lê-lo na íntegra, ler somente o capítulo quarto perde-se o “fio da meada”. Por se
tratar de uma monografia as análises são limitadas, maiores análises serão feitas
posteriormente numa dissertação de mestrado, se Deus permitir. Aguardo de todos as
preciosas críticas e contribuições. Que Deus abençoe.
HELYEL RODRIGUES
São Paulo
2009
Este trabalho é dedicado a todos os membros da
Congregação Cristã no Brasil, na esperança de
que um dia encontrem o caminho do
protestantismo bíblico. E a todos os que lutam
das mais variadas formas, interna ou
externamente, para que esse dia brilhe.
AGRADECIMENTOS
Ao Deus Trino,
Que pela divina providência fez com que esse trabalho fosse possível.
Beside the scriptural christianity has always been a Christian Spirit. Such demonstrations have
been called the "Movement of the Spirit." The main characteristic of these movements is to
have as a source of authority not only to the Bible, but mainly the direct illumination of the
Holy Spirit. These movements erupted throughout the history of Christianity. There are
examples at the beginning of Christianity in the Middle Ages, in the Protestant Reformation
and contemporary. This paper looks at the historical and theological origins of the Christian
Congregation of Brazil (CCB) within the context of the movements of the Spirit. A pioneer in
the integration of Pentecostalism in Brazil, and about to complete its first century, the CCB
was the fruit of missionary work of Italian-american Louis Francescon. From the beginning it
was considered a church different from other evangelical churches in Brazil. This
differentiation is based precisely on its understanding that its foundation, growth and
development were not the result of human works, but the Holy Spirit. CCB believes that all
actions and decisions were, and are guided exclusively by the Spirit.
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 11
CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................... 88
REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 90
11
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem por objetivo estudar as origens históricas e teológicas da CCB. O
Estudo dessas origens será feito baseado na hipótese, que permeia todo o trabalho, de que a
CCB faz parte de uma tradição cristã, a qual os estudiosos denominam genericamente como
“Movimentos do Espírito”. “A tradição bíblica afirma que o Espírito age livremente, ninguém
consegue aprisioná-lo. A igreja oficial, com seus dogmas, tem muitas vezes tentado delimitar
12
sua ação, mas a história tem registrado, aqui e ali, a irrupção de movimentos que qualificamos
de ‘movimentos do Espírito’”. (JARDILINO, 1994, p. 18). Segundo Mendonça:
Uma das marcas característica da maioria desses movimentos é o estado de êxtase, que
pode ser acompanhado da glossolalia (falar em línguas estranhas) e da profecia1. O êxtase é
um estado alterado de consciência, e se caracteriza pela passagem que o indivíduo sofre de
uma realidade para outra. É considerado um canal privilegiado de comunicação com o
sagrado. Os graus de consciência são variados e o indivíduo pode apresentar: tremores, voz
embargada, choro e em alguns casos total inconsciência. Tais fenômenos não são
peculiaridades exclusivas da religião cristã. (MENDONÇA, 2008).
1
O termo “profecia” esta sendo usado no sentido dos dons do Novo Testamento conforme entendida pelos
pentecostais. Refere-se ato da pessoa que fala em nome de Deus.
13
O termo “entusiasmo” (do grego em = “em” e theós = “Deus”) aponta para situações
em que as pessoas afirmam receber revelações diretas de Deus, muitas vezes
acompanhadas de êxtases místicos, visões e outros fenômenos associados a uma
experiência religiosa de grande fervor e intensidade. Por sua vez, a palavra
“carismático” lembra os carismas ou dons espirituais mencionados no Novo
Testamento, particularmente aqueles extraordinários ou espetaculares, tais como
profecias, línguas estranhas, curas e milagres diversos. (s.d.).
2
Depois de Cristo.
14
História da Igreja Antiga, 5 a.C – 590 d.C. O primeiro período da história da Igreja
revela a evolução da Igreja Apostólica para a Antiga Igreja Católica Imperial, e o
início do sistema Católico Romano. O centro de atividade era a bacia do
Mediterrâneo, que incluía regiões da Ásia, África e Europa; A igreja operava dentro
do ambiente cultural da civilização greco-romana e do ambiente político do Império
Romano. (2001, p. 21)
O movimento de Joaquim de Fiori, século XII d.C, tem seu inicio no Período
Medieval. Um período bastante conturbado para o Império Romano, época em que o
cristianismo irá se mesclar com novas culturas. Cairns classifica esse período como:
Historia da Igreja Medieval, 590 d.C – 1517 d.C. O palco de ação nesse período
muda do sul para o norte e oeste da Europa, isto é, para as margens do Atlântico. A
Igreja Medieval, diante das levas migratórias das tribos teutônicas, lutou para trazê-
las ao cristianismo e fundir a cultura greco-romana e o cristianismo com as
instituições teutônicas. Ao fazer isso, a Igreja medieval centralizou ainda mais sua
organização debaixo da supremacia papal, desenvolvendo o sistema sacramental-
hierárquico que caracteriza a Igreja Católica Romana. (2001, p. 22)
Tal divisão possui apenas fins didáticos. É um recurso que auxilia a localizar os
eventos dentro de um “espaço-tempo” e a memorizar fatos importantes. “Por esta razão, a
periodização da história da Igreja é apenas um recurso artificial para colocar os dados na
história em segmentos perceptíveis e ajudar o estudante a guardar os fatos essenciais.”
(CAIRNS, 2001, p. 21). Não se pode cair na “idolatria das origens”. É necessário vencer o
pressuposto de que as origens são um começo que explica. Pior ainda: que basta para explicar.
(BLOCH apud CAMPOS, 2005).
16
1.1 O Montanismo.
O montanismo surgiu por volta do ano de 172, como movimento profético na região
da Frígia, na Ásia Menor. Eram seus fundadores, Montano, Priscila, Maximila e Quintila
posteriormente. Tinham como pólo central duas cidades de uma aldeia chamada Ardaban:
Pepuza e Timiom. Existe contradição referente à data de inicio do montanismo, entre dois
escritores antigos. São através de seus escritos que nos chegou às informações sobre ele. O
historiador da Igreja Eusébio de Cesaréia, em sua obra História Eclesiástica (H.E. V. XIV-
XIX), apresenta os anos entre 160 e 177, tendo preferência por 170. O Bispo Epifânio de
Salamina em sua obra Panarion (Pan. XLVIII-XLIX), fornece a data de 157. (TREVETT,
1996 - tradução nossa).
Montanismo foi o nome dado pelos opositores do movimento, ou seja, pelos líderes
oficiais da Igreja na época. “Teria sido Cirilo de Jerusalém o primeiro a usar o termo
montanismo.” (MAGALHÃES, 2006, p. 76). Outros nomes também foram usados para
designar o movimento, “Frígios”, “Pepuzitas”, “Priscilianistas”, “Quintilianistas” (Pan.
XLVIII. 1 – XLIX. 1 - tradução nossa) “Catafrigas” (H.E. V. XVIII). Esses nomes provinham
dos fundadores e da suas cidades. Porém, os montanistas denominavam-se “Nova Profecia”.
Para Magalhães:
17
Montano nasceu na Frigia e por volta de 155, foi supostamente sacerdote do deus
Apolo Lairbeno. Após conversão ao cristianismo, começou a profetizar dizendo ser a
encarnação do Espírito Santo, e que havia começado uma nova e última era, a era do Espírito.
Montano acreditava ser o próprio Paráclito (Consolador) prometido por Jesus em João 14:26
(H.E. V. XVI. 12). Montano dizia: “Em verdade o homem é como uma lira, e eu o arco; o
homem dorme, e eu velo”, “Vim não como anjo ou mensageiro, mas como Senhor, Deus o
Pai” (Pan. XLVIII. 3-11; 11,9 - tradução nossa). Enquanto Montano era o Paráclito, Priscila e
Maximila eram suas profetisas. (H.E. V. XVI. 1). “Os montanistas tinham duas idéias
fundamentais: o Espírito e o ‘fim’” (TILLICH, 2000, p. 59). Eles entendiam que o Espírito
Santo ainda falava e ensinava os cristãos, e que isso não estava restrito as Escrituras. Em
relação ao “fim” diziam que Jesus voltaria e instituiria a Nova Jerusalém na cidade de Pepuza.
De acordo com Montano e suas profetizas, com eles, o período de revelação tinha
chegado ao fim e imediatamente depois disso viria o fim do mundo. A Nova
Jerusalém seria estabelecida na cidade de Pepuza na Frigia – e muitos montanistas,
se reuniram ali a fim de testemunhar os grandes eventos dos dias finais.
(GONZALEZ, 2004a, p. 140).
Tais afirmações causaram grande discórdia entre os cristãos da época. Mesmo porque,
Montano e suas profetizas pronunciavam seus oráculos em estado de êxtase, dizendo coisas
sem sentido. Esse fato parece ter desagradado os líderes da Igreja, pois havia um
entendimento que não era necessário que o profeta falasse em êxtase, se o tal fizesse era
considerado um falso profeta. Inclusive eram citados os profetas do Antigo e do Novo
Testamento e segundo os líderes, nenhum deles profetizou em estado de êxtase. Eusébio
assim relata o pensamento dos lideres:
Mas entre o povo existiam pessoas que defendiam essas manifestações. A confusão
tornou-se grande, uns queriam reprimir enquanto outros queriam ouvir as profecias. Eusébio
ao citar Apolinário (H.E. V. XVI. 7-8), nos dá uma idéia de qual era a imagem dos líderes da
Igreja em relação ao movimento:
Diz-se que em Misia da Frigia existe uma aldeia chamada Ardaban. Ai foi, dizem
que um recém-convertido à fé chamado Montano, pela primeira vez, em tempos de
Grato, procônsul da Ásia, saindo contra o inimigo com a paixão desmedida de sua
alma ambiciosa de proeminência, ficou a mercê do espírito e de repente entrou em
arrebatamento convulsivo como se possesso e em falso êxtase, e começou a falar e a
proferir palavras estranhas, profetizando desde aquele momento contra o costume
recebido pela tradição e por sucessão desde a Igreja primitiva. Dentre os que naquela
ocasião, escutaram estas expressões bastardas, uns, ofendidos com ele como
energúmeno, endemoninhado, embebido no espírito do erro e perturbador das
multidões, repreendiam-no e tentavam impedi-lo de falar, lembrando-se da
explicação e advertência do Senhor sobre estar em guarda e alerta com a aparição de
falsos profetas, os outros em troca, como que excitados por um espírito insano,
sedutor e desencaminhador do povo, provocavam-no para que não permanecesse
mais em silencio. (grifo nosso).
É possível perceber na citação acima, que os líderes estavam irritados e aturdidos com
essa nova maneira de expressão da fé. Não conseguiam classificar taxativamente o
movimento como heresia, ou seja, um ensinamento não apostólico. Afinal de contas, eles
aceitavam as doutrinas da Escrituras, Ressurreição dos Mortos e Trindade. (Pan. XLVIII. 1).
No entanto, um importante líder e teólogo da Igreja de Cartago na África, Tertuliano, por
motivos obscuros aderiu ao montanismo.
Tertuliano, o teólogo de mente jurídica, nasceu em Cartago por volta de 150. Viveu
vários anos em Roma e após sua conversão, aos 40 anos, retornou a sua cidade natal
dedicando-se a escrever diversas obras em defesa da fé cristã. Dentre elas: Apologia;
Prescrição contra os Hereges; Contra Praxeas; Contra Marcião e Da Alma. (GONZALEZ,
2004a). Gonzalez ao falar de Tertuliano diz:
Deste modo, mediante uma inigualável combinação de ironia mordaz com uma
lógica inflexível, Tertuliano se converteu na chibata dos hereges e campeão da
ortodoxia. E entretanto por volta do ano 207, aquele rude inimigo dos hereges,
aquele tenaz defensor da autoridade da igreja, uniu-se ao movimento montanista,
que o resto dos cristãos considerava herético. Esse passo dado por Tertuliano é um
dos mistérios insolúveis da história da igreja. (1995a, p. 125).
19
Não é possível saber com certeza quais foram os motivos que levaram Tertuliano a se
converter ao montanismo. Ao que tudo indica, Tertuliano foi atraído pelo caráter ascético e de
rigor moral existente nos ensinamentos do movimento, como explica Campenhausen:
As razões pelas quais Tertuliano tomou tal decisão não são claras; contudo parece
que o montanismo personificava, na opinião dele, o espírito de protesto contra o
crescente poder da hierarquia e contra sua suposta lassidão em lidar com os
pecadores arrependidos. Foi esse aspecto do montanismo que atraiu Tertuliano, que
sempre demonstrara um excessivo rigor moral. (apud GONZALEZ, 2004, p. 168).
Temos entre nós uma irmã favorecida com dons de revelação que ela manifestou na
igreja, mediante visões extáticas no Espírito, durante os ofícios do domingo...
Terminando o culto e despedido o povo, costuma relatar-nos suas visões... “entre
outras coisas, diz ela, foi-me revelada uma alma em forma corporal que surgiu
semelhantemente a um espírito; não era, contudo, uma realidade vazia de
qualidades, mas algo que podia ser tocado, vaporoso, transparente, de cor etérea e de
forma perfeitamente humana”. (2007, p. 139).
As visões por parte das mulheres pareciam ser comuns no movimento. Certa Quintila
mencionada por Ephifanius, faz um relato parecido com o de Tertuliano. Cristo havia
aparecido a ela enquanto dormia em Pepuza. “Cristo veio a mim, vestido de um manto
branco, sob a forma de uma mulher, imbuindo-me com sabedoria, e revelou-me que este lugar
é santo, e que Jerusalém deve descer do céu aqui” (Pan. XLIX. 1). As mulheres
desenvolveram papel proeminente no montanistmo. Esse fato parece ser comum à maioria dos
Movimentos do Espírito, que no inicio pregam sempre uma igualdade entre os membros. Para
Trevett (1996), Montano foi o grande organizador do movimento, mas foi Priscila a grande
líder carismática. “[...] pesquisadores recentes têm reconhecido que não foi Montano o
principal profeta do movimento e sim Priscila.” (MAGALHÃES, 2006, p. 87). “Alem de
Priscila, Maximila, Quintila, as mulheres mais conhecidas da historiografia, são mencionadas
outras mulheres na Nova Profecia com posição de destaque, Dentre elas destacamos Perpétua
20
Enfim, o montanismo não ficou restrito aos limites da Frigia, mas estendeu-se por
Roma e Norte da África. Após várias condenações regionais o Papa Vitor em 198-199, ou
Zeferino em 199-217, excomungou os seguidores de Montano. Também sofreram condenação
no VI Concilio Ecumênico realizado em Constantinopla em 680-681. (FRANGIOTTI, 1995).
A exigência do imperador Leo III em 721-722 para que os montanistas e judeus fossem
batizados é prova da longa existência do movimento. (MAGALHÃES, 2006).
Em seguida será descrito outra forma de Movimento do Espírito. Tendo suas bases no
ascetismo, no isolamento da Sociedade, na fuga das atividades mundanas, e muitas vezes na
clausura. O monasticismo nasce no Oriente, mas rapidamente se espalha por outras regiões.
22
1.2 O Monasticismo.
O monasticismo tem suas origens por volta do século III d.C. no Egito, especialmente
nas regiões desérticas. Todavia, ele se espalhou por várias localidades do Império Romano,
tanto no Oriente quanto no Ocidente, influenciando profundamente o cristianismo. A palavra
monge vem do termo grego monachós e significa “solitário”. Uma das principais razões para
os primeiros monges viverem isolados foi a fuga do “mundanismo” com suas inquietações e
tentações. Dessa forma poderiam se dedicar mais a vida no Espírito. Devido ao isolamento,
logo foram também chamados de “anacoretas”, que significa: “retirado” ou “fugitivo”. O
movimento monástico possui dupla influencias. Uma interna e outra externa. A interna vem
das próprias palavras de Jesus sobre o deixar as riquezas e segui-lo (Mateus 19:21), e das
palavras de orientação do apostolo Paulo quanto ao celibato (Romanos 7). “Se o fim estava
próximo, não havia razão para se casar e levar a vida sedentária dos que fazem planos para o
futuro.” (GONZALEZ, 1995b, p. 61). A externa vem da filosofia grega, platônica e estóica.
Elas entendiam que a matéria era má. Para se atingir o aperfeiçoamento da alma era
necessário ter domínio sobre os desejos e paixões do corpo.
exclusivamente de tâmaras. As únicas companhias que teve foram os animais e algumas vezes
de Antonio. Segundo Atanásio, Antonio nasceu no Egito numa família de agricultores
relativamente rica. Quando jovem, ouviu na Igreja as palavras de Jesus ao jovem rico (Mateus
19:21) e sentido-se tocado, optou pela vida monástica. Antonio viveu alguns anos com um
ancião para aprender a vida monástica, depois se retirou para o deserto. Atanásio conta que os
demônios importunavam e lutavam muito contra Antonio, provocando até ferimentos físicos.
Outras pessoas também o procuravam, monges queriam aprender de sua sabedoria, e
enfermos iam atrás de milagres. Próximo a sua morte, em 356 d.C, Antonio permitiu que dois
jovens monges vivessem com ele, para aprenderem e atenderem suas necessidades. Cada vez
mais pessoas se retiravam para o deserto a fim de aprender com os monges. Esse contato entre
monges fez com que surgisse outro tipo de monasticismo, o “cenobita”, palavra de origem
grega que quer dizer “vida comum”. Pacômio nasceu também no Egito em 286 d.C, e deu
forma a esse novo tipo de monasticismo, que se dava em mosteiros, em pequenas
comunidades de monges. O movimento também iria se espalhar pelo Ocidente.
...ele recebeu uma repentina iluminação do alto, recobrou os sentidos, e ao ver uma
moite de espinheiros e urtigas tirou toda a roupa e se lançou aos espinheiros e ao
fogo das urtigas. Depois de se revolver ali durante muito tempo, saiu todo ferido... A
partir de então nunca voltou a ser tentado de maneira igual. (GONZALEZ, 1995c, p.
45).
diferente do estilo oriental. Somente duas regras eram mais rígidas. A “Permanência” ao
mosteiro de origem e a “Obediência” ao abade.
Em meio a uma sociedade cristã, ou que pretende ser cristã, mas que é e se sente
ameaçada pelo espírito do mundo ou pela tibieza, o monge lá está para representar
o ideal mesmo do Evangelho em todo o rigor e a recusa a todo compromisso, o
chamamento a perfeição à estrada estreita, à loucura da cruz; mas este ideal é
também plenitude da vida espiritual, entusiasmo, efusão do Espírito. Este último
ponto talvez seja o mais característico do monacato oriental; o monge é um
“pneumático”, um “pneumatóforo”, manifestando a presença do Espírito pelos
carismas que lhe são confiados e é esta a função mais elevada que terá de preencher
no seio da Igreja. (apud JARDILINO, 1994, p. 20).
contexto aparecem as idéias de Joaquim de Fiori. Fiori nasceu na Calábria entre 1130 e 1135.
Era monge cisterciense, posteriormente em 1189 fundou seu próprio mosteiro, o “São João de
Fiori.” Neste lugar Joaquim passou a vida exercitando a contemplação e estudando a Bíblia,
principalmente o livro de Apocalipse. Quando morreu em 1202, era considerado um Santo.
(CONGAR, 1976).
Conforme Fiori, a história estava dividida em três eras. Cada qual regida por uma das
pessoas da Trindade. Dessa forma a história se desenrola em três estágios. A era do Pai a do
Filho e a do Espírito Santo. Porém estes períodos não são estanques, mas são gerados no seio
do anterior. “Os três estágios sucedem um ao outro de tal maneira que durante os últimos dias
de uma era aparecem sinais ou presságios da que esta para vir.” (GONZALEZ, 2004b, p.
183). “Cada novo período é concebido e nascido no ventre do período anterior.” (TILLICH,
2000, p. 183). “Segundo Fiore, os períodos e as formas do reino são de tal maneira
entrelaçados que um fecunda o outro, nele penetrando.” (MOLTMANN, 2000, p. 210).
O primeiro começa com Adão e termina com Cristo; o segundo vai de Cristo até o
ano de 1260; o ultimo se inicia naquela data e se estenderá até o final dos tempos. O
primeiro é a era do Pai; o segundo é a era do Filho; e o terceiro a era do Espírito. A
data 1260 é estabelecida por intermédio de um processo exegético que serve para
mostrar o método teológico de Joaquim. Se entre Adão e Jesus houve quarenta e
duas gerações, deve se esperar que, para poder manter a concordância entre ambos
os testamentos, haverá também quarenta e duas gerações entre Cristo e o início da
terceira era. Embora no Antigo Testamento estas gerações não sejam absolutamente
de comprimentos iguais, a perfeição do Novo Testamento necessita que sejam todas
iguais. Se então se calcula com uma base de trinta anos para cada geração, quarenta
e duas gerações serão 1260 anos. (2004b, p. 183).
26
Fiori acreditava ter descoberto um segredo nas Sagradas Escrituras, que apontava para
um desenvolvimento histórico regido por três ordens universais ou reinos. O relacionamento
de Deus com a humanidade seria diferenciado em cada um deles.
Os segredos das Sagradas Escrituras nos apontam três ordens universais – status -: a
primeira, na qual estávamos sob o império da lei; a segunda, na qual estamos sob a
graça; a terceira, que já sentimos próxima, na qual estaremos numa graça muito mais
rica... Assim, o primeiro status consiste na ciência; o segundo, na sabedoria
parcialmente completa; o terceiro, na plenitude do conhecimento. O primeiro na
servidão de escravos; o segundo na sujeição de filhos, o terceiro na liberdade. O
primeiro no medo; o segundo na fé; o terceiro no amor. O primeiro no status de
escravos; o segundo no de homens livres; o terceiro no de amigos. O primeiro é dos
jovens; o segundo é o dos homens; o terceiro é o dos anciãos. O primeiro situa-se na
luz das estrelas; o segundo na luz do alvorecer; o terceiro na plena luz do dia... O
primeiro status relaciona-se com o Pai; o segundo com o Filho; o terceiro com o
Espírito Santo. (MOLTMANN, 2000, p. 210).3
A história desenvolve-se sob três formas de reino. No reino do Pai, a relação com os
homens se dá através da lei e do temor. No reino do Filho, Deus domina através do Evangelho
e dos sacramentos da Igreja. Por causa do Filho os homens passam de escravos a filhos de
Deus. A relação baseada no temor passa para a confiança. No reino do Espírito os homens
passam da condição de filhos a condição de “amigos de Deus”. (MONTMANN, 2000).
3
A obra citada por Montmann é: Concórdia Novi ac Veteris Testamenti, Veneza, 1519, Lib. V, 84,112.
27
Por influência das doutrinas de Fiori a partir do século XIII surgiram movimentos
baseados no ideal de pobreza. Os “begardes” (de beggar, mendigo, pobre). Eram conhecidos
também como “Comunidades do Livre Espírito” e tinham a ala feminina chamada de
“beginnes”. Estes homens e mulheres julgavam viver sobre o controle do Espírito, e dessa
forma não podiam pecar. Todos os atos praticados por eles eram santos, e livres de quaisquer
acusações, já que o Espírito não pecava. (MENDONÇA, 2008). Segundo Jardilino:
Uma ala mais radical dos monges franciscanos, outro movimento também
influenciado por Fiori, passaram a pregar suas doutrinas. Chamavam-se de “espirituais”.
Diziam que o papa e os demais cristãos estavam ainda na “era de Cristo”, enquanto eles, os
espirituais, estavam na era do Espírito. Enfim no século XIII, a doutrina de Fiori foi
condenada pelo quarto Concilio de Latrão.
Para Tillich (2000) e Moltmann (2000), as doutrinas de Fiori irão influenciar diversos
movimentos da era Moderna, como o iluminismo e socialismo, pois ambos esperavam por um
período da história em que todos seriam ensinados diretamente pela luz interior, a luz da
razão, e assim o homem teria liberdade completa. Suas idéias irão influenciar também as
diversas “seitas” da Reforma protestante. Para Jardilino, Fiori é o primeiro dispensacionalista
4
da história:
4
O dispensacionalismo é uma das formas teológicas de se entender a relação de Deus com a humanidade,
defendida pelos pentecostais, a outra de linha reformada, é a teologia dos pactos.
28
História da Igreja Moderna, 1517 e depois. Esse período foi iniciado por um cisma
que resultou na origem das igrejas-estados protestantes e na divulgação universal da
fé cristã pela grande vaga missionária do século XIX. O palco da ação não era mais
o mar Mediterrâneo nem o oceano Altântico, mas o mundo. O cristianismo tornou-se
uma religião universal e global. (2001, p. 23)
Tentativas internas para reformar um papado corrupto foram feitas pelos místicos
que lutaram para personalizar uma religião que se institucionalizara
demasiadamente. Tentativas de reforma foram feitas também por reformadores
primitivos, tais como os místicos João Wycliffe e João Huss, concílios reformadores
e humanistas bíblicos. A expansão geográfica do mundo, a nova visão intelectual
secular da realidade na Renascença, o surgimento das nações-estado e a emergência
da classe média se constituíram em forças externas que logo derrubariam uma Igreja
corrupta e decadente. A recusa da Igreja Católica Romana em aceitar a reforma
interna tornou possível a Reforma. (2001, p. 23).
A Reforma Protestante do século XVI com suas doutrinas de sacerdócio universal dos
crentes; livre exame das Escrituras Sagradas; individualismo religioso entre outras; contribuiu
29
para o surgimento da era moderna. O conceito de era, ou mundo moderno, esta sendo usado
no sentido de cultura ocidental. Pelas características descritas, o protestantismo tem sido
considerado como fator preponderante para este acontecimento. Para Ernst Troeltsch (1983)
se o protestantismo não foi o fator primordial, pelo menos não se constituiu um estorvo.
Grande parte dos fundamentos do mundo moderno se desenvolveu em completa
independência do protestantismo, sendo um desenvolvimento natural da baixa idade media,
em parte pelos efeitos do Renascimento assimilado pelo protestantismo. Este contexto será
parte do palco dos Movimentos do Espírito descritos a seguir.
Lutero inovou nos ensinamentos quanto à salvação através da justificação pela fé;
quanto à autoridade papal em relação às Escrituras entre outros. Mas na questão da relação
entre Igreja e Estado não houve avanço significativo. Esse fato desagradou alguns grupos
menos favorecidos socialmente, pois viam em Lutero e no movimento, um novo tempo em
que eles seriam libertos, não só espiritualmente da opressão papal, mas também socialmente
da opressão dos poderosos. Para esses grupos a reforma havia ficado pelo meio do caminho.
Em Zurique da mesma forma, outro grupo não estava satisfeito com as propostas de
reforma do reformador Zuínglio. Para eles, a igreja deveria ser separada e distinta do Estado.
Como foi a igreja do Novo Testamento, assim deveria ser agora. A igreja primitiva esteve
sempre em tensão e sendo perseguida, mas nunca usou a violência para se defender. O
Sermão do Monte deveria ser observado literalmente. Para ser um cristão, a pessoa deve fazer
uma opção voluntária e isso na fase adulta, e não deve ser batizada quando criança. A idéia de
igualdade também deveria prevalecer e muitos se chamavam de “irmãos”, inclusive em
relação às mulheres. Em 21 de Janeiro de 1525 George Blaurock pediu a um dos seus irmãos
Conrad Grebel, que o batiza-se. Grebel assim procedeu e logo Blaurock começou a batizar
outras pessoas na comunidade. Como essas pessoas já tinham sido batizadas quando crianças,
seus opositores começaram a chamá-los de “anabatistas” que significa “rebatizadores”. Os
anabatistas se defendiam dizendo que não estavam rebatizando ninguém, mas simplesmente
aplicando o verdadeiro batismo, que posteriormente passou a ser por imersão total do corpo.
(GONZALEZ, 2004c). Gonzalez explica as proposições anabatistas:
Portanto a reforma iniciada por Lutero devia ir mais além se verdadeiramente queria
ser obediente ao mandato bíblico. A igreja não deveria confundir-se com o restante
da sociedade. E a diferença fundamental entre ambas é que, embora se pertença a
uma sociedade pelo simples fato de nascer-se nela, e sem fazer decisão alguma a
esse respeito, para ser parte da igreja há necessidade de se fazer uma decisão
pessoal. A igreja é uma sociedade voluntária e não uma sociedade dentro da qual
nascemos. A conseqüência imediata de tudo isso é que o batismo das crianças deve
ser rechaçado. Esse batismo dá a entender que uma pessoa é cristã simplesmente por
ter nascido em uma sociedade supostamente cristã. Porém tal entendimento oculta a
verdadeira natureza da fé cristã, que requer decisão própria. (1995e, p. 98).
Muitos anabatistas foram perseguidos e mortos, tanto por católicos quanto por
protestantes. Em muitos casos, ironicamente, por afogamento. Com o calor da perseguição
não demorou a que idéias apocalípticas e da iminente volta de Cristo para implantar seu reino
surgissem. Em Strasbourg, Melquior Hoffman começou a pregar que esta cidade era a “Nova
Jerusalém”. O afluxo de pessoas foi intenso, e consequentemente as autoridades tiveram que
intervir. Hoffman “profetizou” que seria aprisionado por seis meses e depois viria o fim.
Como as profecias não se cumpriram os radicais voltaram seus olhos para a cidade de
Munster na região da Westphalia, onde uma trégua entre católicos e protestantes criara uma
situação favorável. Liderados por João Matthys e João de Leiden a “Nova Jerusalém” fora
transferida para lá e as conseqüências também foram trágicas. (GONZALEZ, 2004c). Matos
esclarece a relação entre entusiastas e reformistas:
31
Na Inglaterra outro movimento trás como marca a mesma distinção que os entusiastas
da reforma faziam em relação à separação da Igreja e do Estado em assuntos espirituais.
George Fox radicalizou ainda mais a questão dos sacramentos. Ensinava que o verdadeiro
comer e beber de Cristo eram espirituais. Comer os elementos materiais como, pão e vinho,
tinham pouco ou nenhum valor. Superior as Escrituras era a “luz interior” que cada ser
humano recebia do Espírito.
32
“Um homem na busca pela luz interior”, assim era George Fox o fundador do
movimento quaker. Nasceu em 1624 em uma pequena aldeia da Inglaterra. De origem
humilde, foi aprendiz de sapateiro. Não recebeu educação teológica formal. Fox gastou
diversos anos numa ardente peregrinação espiritual. Participava de varias reuniões de muitos
grupos religiosos, porém nada o satisfazia. Em 1646 ele descobriu o que chamou de “luz
interior”, que é Cristo vivendo no crente. Para ele o cristão é ensinado por essa luz, não
necessitando de nenhum meio exterior de graça, como a igreja, o batismo ou a ceia. Ao expor
suas idéias nessas reuniões, Fox passou a ter vários seguidores. No começo chamavam-se de
“filhos da luz”, ou simplesmente “amigos”. O povo vendo que seu entusiasmo religioso era
tanto que até tremiam, deu-lhe o nome de “quakers” (do inglês, tremer).
Fox chamava as igrejas de “casa com campanários”, pois Deus não habita em casas
feitas por mão de homens. Em relação ao culto ele entendia que qualquer estrutura ou liturgia
era um obstáculo à obra do Espírito, por isso o “culto dos amigos” era realizado em silêncio.
Caso alguém se “sentisse” chamado a falar ou a orar, o fazia. As mulheres também tinham os
mesmos direitos para falar quando impulsionadas pelo Espírito. Fox não se preparava para as
pregações, pois entendia que o Espírito na hora o iria mover para isso. Em certa ocasião se
negou a pregar alegando que não se sentia movido pelo Espírito. Quanto à ceia e o batismo,
entendia que eram meio materiais que desviavam à atenção da realidade espiritual. Para ele, o
beber e o comer espiritual do corpo de Cristo era muito mais importante do que o pão e vinho.
Gonzalez registra as palavras de Fox:
Mesmo a despeito desse individualismo espiritual, Fox não se distanciou dos seus
seguidores. Ele enfatizava a necessidade da comunhão cristã e o envolvimento com questões
de justiça social. Quando surgia alguma discordância entre o grupo, não usavam do voto para
dirimi-las. Ao invés disso propunham o silêncio até que alguém recebesse uma “iluminação”
que fosse satisfatória para todos. Os quackers rapidamente atraíram o ódio dos lideres
33
abominável idolatria aos olhos de Deus; essas coisas devem ser negadas, rejeitadas e
separadas nesses dias em que ele produz uma ressurreição espiritual.
XII. Sobre o Batismo
Assim como há um só Senhor e uma só fé, há também um só batismo; este não
consiste em por de lado a sujeira da carne, mas na resposta da boa consciência
perante Deus pela ressurreição de Jesus Cristo. E esse batismo é uma coisa pura e
espiritual, a saber, o batismo do Espírito e do fogo, pelo qual somos sepultados com
ele, a fim de que, sendo lavados e purificados de nossos pecados, possamos andar
em novidade de vida; dele o batismo de João era uma figura, o qual foi recomendado
somente durante algum tempo e não para ser continuado sempre. Quanto ao batismo
das crianças, trata-se de uma tradição puramente humana, de que não se encontra
nem o preceito nem a prática em toda a Escritura.
XV. Sobre saudações e recreações etc.
Vendo que o fim principal de toda religião é redimir o homem do espírito e do vão
comportamento deste mundo e leva-lo para a comunhão interior com Deus – perante
o qual, se sempre estivermos em temo, somos tidos por felizes – todos os vãos
costumes e hábitos, tanto em palavras como em obras, devem ser rejeitados e
esquecidos; tais como tirar o chapéu a outro homem, inclinar e curvar o corpo e
outras saudações desta espécie, com todas as formalidades loucas e supersticiosas
que concernem a eles... (citado em BETTENSON, 2007, p. 350-355 – grifo nosso).
2.3 O Pietismo.
Filipe Jacó Spener fundador do Pietismo alemão nasceu em 1635 em uma devotada
família luterana. Ao ingressar no curso superior, sentiu grande diferença entre a fé vivida em
casa e a que encontrara na Universidade. Ao viajar para a Suíça conheceu Jean de Labadie,
um ex-jesuita. Ficou impressionado com a vitalidade do movimento Labadista. Decidiu então
que iria promover um despertamento fervoroso na Igreja Luterana. Ao voltar para a Alemanha
e ser ordenado pastor, começou a fazer experiências com pequenos grupos que se reuniam na
sua casa para estudos bíblicos. Em 1675 publicou sua obra mais conhecida, Pia Desideria
(Desejos Piedosos). Ao lado de Spener se destacou o seu discípulo Augusto Hermann
Francke. A oposição por parte dos teólogos da ortodoxia luterana veio rapidamente e ambos
foram acusados de ensinar heresias. Assim os pietistas se viram obrigados a fundar em 1694
seu próprio centro de estudos, a Universidade de Halle.
Os seis “desejos piedosos” que deram o título à obra de Spener continham todo o
programa do movimento, são eles: 1) O entendimento mais claro das escrituras se dá pelo
estudo devoto em pequenos grupos, o collegia pietatis; 2) Os crentes devem redescobrir o
princípio do sacerdócio universal e assumir responsabilidades nesses grupos; 3) A natureza do
cristianismo não está contida em formulas doutrinárias, mas sim na experiência de fé e uma
atitude no todo da vida, mais importante que as doutrinas ortodoxas são as experiências e
práticas efetivas da vida cristã; 4) Todas as controvérsias que venham a existir no grupo
devem ser levadas a cabo com espírito de caridade; 5) O treinamento dos pastores deve ir
além da lógica fria da teologia ortodoxa, deve incluir leitura devocional e a prática efetiva de
pastorear o rebanho; 6) Dessa forma o púlpito será lugar de alimento, instrução e inspiração
para os crentes, ao invés das especulações e investigações eruditas sobre pontos irrelevantes.
Importante dizer, que Spener não estava pregando um anti-intelectualismo, mas uma vida
cristã mais intensa e prática. Mendonça define o núcleo da fé pietista:
36
2.4 O Metodismo.
À noite, fui de muita má vontade a uma sociedade na rua Aldersgate, onde alguém
lia o prefácio de Lutero à Epístola aos Romanos. Quando falava um quarto para as
nove, enquanto ele descrevia a mudança que Deus opera no coração mediante a fé
em Cristo, senti em meu coração um ardor estranho. Senti que confiava em Cristo, e
somente nele, para minha salvação e me foi dada a certeza de que ele havia
resgatado os meus pecados, os meus, e me havia salvo da lei do pecado e da morte.
(2007a, p. 177).
George Whitefield, outro membro do “clube santo”, dividia sua atividade de pregação
entre a Geórgia e a Inglaterra. Whitefield foi o responsável por trazer Wesley para a prática
da pregação ao ar livre. Essa maneira de pregar não era do seu agrado, pois entendia que Deus
exigia ordem nos serviços divinos. Outra preocupação era com a reação dos ouvintes, relatada
por Gonzalez:
Whitefield e Wesley logo iriam separar-se por motivos teológicos. O primeiro seguia a
linha calvinista, enquanto o último a arminiana. O arminianismo é um sistema teológico,
criado em antítese ao calvinismo, pelo Teólogo holandês Jacó Armínio (1559-1609). Dá
ênfase na vontade e responsabilidade humanas quanto à salvação. Mendonça faz uma síntese
da teologia arminiana.
39
Na sua essência, a teologia de Armínio pode ser resumida assim: Cristo morreu por
todos os homens, e o propósito de Deus, desde o princípio, foi salvar todos os crêem
em Cristo. Desse modo, os propósitos soberanos de Deus deixam uma margem para
a decisão humana, o que valoriza de certo modo o homem ao lhe garantir a liberdade
de aceitar ou não, pela fé, essa graça que lhe é oferecida. (1995, p. 37).
Wesley desenvolve toda sua teologia sobre bases arminianas, os pontos principais em
contraste com o calvinismo são: 1) Não existe eleição ou predestinação prévia de alguns
indivíduos para salvação por parte soberana de Deus; 2) O ser humano pode ou não resistir ao
chamado divino para salvação em Cristo, pois em todo ser existe uma graça preventiva, da
parte de Deus que o habilita a isso; 3) Deus poderá conceder a alguns cristãos uma certeza de
seu amor e de salvação - como fora sua experiência em Aldersgate - mas essa certeza, em
momento algum, se constitui em garantia absoluta de não cair do estado salvífico. Wesley
rejeita três importantes doutrinas do calvinismo: a) predestinação; b) graça irresistível e c)
perseverança dos santos. Ele entendia a salvação como um processo em que o ser humano,
possuindo uma graça preventiva que o habilita aceita a mensagem do evangelho; arrepende-se
dos seus pecados; é justificado pela fé em Jesus Cristo e passa por um processo de
santificação até atingir um estágio de “perfeição cristã”. Por meio da santificação somos
restaurados a imagem de Deus. Assim é lido em um de seus sermões5:
5
Para outros sermões de Wesley consultar: http://www.metodistavilaisabel.org.br/metodismo/sermoes_john.asp,
acesso em 24 Set. 2009.
40
Você poderá encontrar minhas opiniões a esse respeito nos sermões do senhor
Wesley sobre a perfeição cristã e sobre o cristianismo escritural; com esta única
diferença: que eu distinguiria mais claramente entre o crente batizado com o poder
pentecostal do Espírito Santo, e o crente que, como os apóstolos depois da ascensão
do Senhor, ainda não está tão cheio desse poder. (DAYTON, 1996, p. 31 – tradução
nossa).6
Graças aos esforços de Wesley o metodismo se espalhou por toda Europa e Nova
Inglaterra. Ele viajou mais de 200.000 milhas a cavalo, pregou cerca de 42 mil sermões e
escreveu cerca de 200 livros. (CAIRNS, 2001). Os desdobramentos da doutrina de
santificação de Wesley terão grande influência no surgimento do movimento pentecostal em
solo norte-americano. “O metodismo haveria de encontrar seu verdadeiro destino na América
do Norte.” (DAYTON, 1996, p. 37 – tradução nossa).
6
Carta de John Fletcher a Mary Bosanquet, datada data de 07 de março de 1778, reimpressa em Tyerman,
Wesle’s Designated Sucessor, p. 411. citando em
41
Ann Lee Stanley fundadora dos seekers (tremedores). “A Mãe Ann Lee dizia ser a “Segunda
Vinda de Cristo”, que havia regressado agora em forma feminina, como antes havia vindo em
forma masculina.” (GONZALEZ, 2007b, p. 26-27). 7
Outro fator importante que irá marcar a teologia norte-americana serão os avivamentos
dos séculos XVIII e XIX. O primeiro deles surgiu nos meios calvinistas, muitos dos quais
influenciados pela pregação de Whitefield. Em 1734 o pastor de Northamptom,
Massachusetss, Jonathan Edwards, começou a pregar dando ênfase para que as pessoas se
arrependessem dos seus pecados e procurassem ter uma experiência de conversão genuína. A
reação dos ouvintes foi análoga ao do avivamento inglês promovido por Wesley. “As pessoas
arrependiam-se dos seus pecados em meio a lágrimas, davam gritos de entusiasmo pelo
perdão alcançado e algumas até desmaiavam.” (GONZALEZ, 2007a, p. 208). Em 1802 outro
avivamento teve inicio nos meios universitários. Timothy Dwight, neto de Jonathan Edwards,
pregava sobre a incredulidade e a autoridade da Bíblia, e levou quase um terço do corpo
discente da universidade de Yale a se converter. Assim, no Leste norte americano, os
avivamentos começaram nas universidades.
Os avivamentos também atingiram o Oeste, lugar para onde muitas pessoas haviam
migrado. Eram realizadas reuniões em acampamentos ao ar livre. O mais famoso deles foi o
de Cane Rigde no estado de Kentucky, marcado por estranhos fenômenos como, quedas,
pulos, meneios, danças e ladridos. (CAIRNS, 2001). “Inesperadamente, começaram a ocorrer
inauditas expressões de emoção, pois uns choravam, outros riam, outros tremiam, alguns
saiam correndo, e não faltavam pessoas que latiam...” (GONZALEZ, 2007b, p. 29). Estes
avivamentos surgiram primeiramente nos meios presbiterianos calvinistas, causando polêmica
e divisão na denominação. Todavia outros grupos irão utilizar o mesmo expediente, obtendo
maior êxito na evangelização, foram os batistas e metodistas.
7
Relato análogo é o da montanista Quintila: “Cristo veio a mim, vestido de um manto branco, sob a forma de
uma mulher [...]”
43
Nos meios calvinistas o representante desta tendência foi Charles G. Finey. Com uma
nova forma de fazer reuniões, chamada de “Novas Medidas”, Finey fazia uso de uma
linguagem simples, distribuía folhetos antes dos cultos, citava nomes de pessoas em orações e
sermões. Havia também o “banco dos aflitos”, destinados às pessoas que tinham alguma
dúvida para esclarecer. Finey tornou-se professor e posteriormente reitor do Oberlin College
(Colégio de Oberlin) em Ohio. Neste lugar, devido à ênfase na santificação cristã, surgiu o
“perfeccionismo de Oberlin”, ou seja, a busca por uma santificação total. A teologia de
Oberlin pode ser resumida assim: “Todo crente é santificado na medida em que tendo aceito a
Cristo e dado integralmente seu coração renuncia totalmente ao pecado”. (SMITH apud
MENDONÇA, 1995, p. 58). Em Oberlin também foi criado um periódico para se difundir as
idéias de santidade, o Oberlin Evangelist. Finey, porém, não chegou a vincular a experiência
de santificação ao batismo do Espírito Santo nos moldes pentecostais. (DAYTON, 1996).
poder eficiente para levar a cabo a obra”. (citado em DAYTON, 1996, p. 46 – tradução
nossa). Dessa forma cada vez mais a linguagem e os símbolos pentecostais passaram a ser
usados no Movimento de Santidade. O sentimento de restauração, ou seja, a igreja atual
deveria viver como nos dias apostólicos, colaborou para a crescente vinculação da experiência
de santidade e do recebimento de poder para o evangelismo, ao evento de Pentecostes. Em
1856 o metodista britânico William Arthur escreve o livro The Tongue of Fire (Língua de
Fogo). Ao concluir a obra ele faz a seguinte oração:
E agora, adorável Espírito, que procede do Pai e do Filho, desce sobre todas as
igrejas, renova o Pentecoste para nossa época, e batiza a todos em geral... oh, batiza-
os de novo com línguas de fogo! Coroa este século XIX com um novo avivamento
da religião pura e sem mácula maior do que o século passado, maior do que o
primeiro século, maior que qualquer demonstração do Espírito que tenha sido
outorgada aos homens. (citado em DAYTON, 1996, p. 47-48 – tradução nossa).
No ano seguinte, em 1857, teve inicio mais um avivamento, entendido por muitos
como o Terceiro Grande Avivamento. A partir de reuniões diárias de oração dirigidas por
Jeremiah Lanphier na rua Fulton, em Nova Iorque. No inicio eram apenas seis pessoas,
passados alguns meses, quase 10.000 (dez mil) pessoas estavam se reunindo em reuniões
similares por toda Nova Iorque. Como resultado desse avivamento, cerca de 1.000.000 (um
milhão) de pessoas foram acrescentadas as igrejas. Os metodistas ganharam a maioria dos
novos membros. (CAIRNS, 2001).
1. ...que existem varias formas de nomear esta experiência na Bíblia... batizados com
o Espírito Santo... cheios do Espírito Santo... investidos de poder do alto... receber o
Espírito Santo... o dom do Espírito Santo... 2. ...que o batismo do Espírito Santo é
uma experiência clara e distinta, que é possível saber se tem recebido ou não... 3. O
batismo do Espírito Santo é uma obra separada e distinta da sua obra de regeneração.
4. O batismo do Espírito Santo sempre esta conectado com o testemunho e o serviço.
(citado em DAYTON, 1996, p. 70 – tradução nossa).
A associação do “falar em outras línguas” como sendo o sinal exterior que atestaria
que uma pessoa havia recebido o batismo do Espírito Santo, seria o “salto de qualidade” que
faltava para a transformação do Movimento de Santidade no Movimento Pentecostal
Moderno. Os historiadores dariam esse mérito a Charles Fox Parham.
como, a conversão, a santificação, o iminente retorno de Cristo entre outros. Porém uma
questão os incomodava, nas palavras do próprio Parham:
No dia 31 de Dezembro de 1900 era realizada uma vigília de oração para aguardar a
chegada do novo ano. Uma das presentes, a evangelista Agnes N. Ozman Laberge pediu que
os outros alunos lhe impusessem as mãos para que ela recebesse o batismo do Espírito Santo,
e assim fosse capacitada para o trabalho missionário no exterior. Na seqüência desse ato,
Agnes falou em idioma chinês. Parham prontamente ligou um evento ao outro. Era a resposta
que esperava para as questões que vinham estudando. A glossolalia (falar em outras línguas)
era o sinal visível, ou evidência inicial, do batismo do Espírito Santo. Nos dias seguintes o
fenômeno também ocorreu com Parham e com grande parte dos alunos da Escola Betel
Parham relacionou esse evento ao que ocorrera com os apóstolos no dia de pentecostes (Atos
2). Assim ele denominou seu movimento de The Apostolic Faith (A Fé Apostólica). Este
também era o nome de um jornal pelo qual Parham divulgava suas idéias.
sermão Seymour prega Atos 2.4 dando ênfase para nova doutrina pentecostal da glossolalia.
Houve discordância entre o grupo e alguns membros se uniram a Seymour. Eles passaram a
realizar suas reuniões em uma antiga casa na Rua Bonnie Brae8. No dia 12 de Abril de 1906,
Seymour tem a experiência que vinha pregando, falou em outras línguas. Nesse mesmo dia a
varanda da casa onde estavam desabou pelo excesso de pessoas. Os lideres então alugaram
um antigo edifício de madeira, onde anteriormente havia pertencido a uma igreja metodista de
negros. O local era situado à Rua Azuza, 312 próxima ao centro de Los Angeles. (CAMPOS,
2005), (MATOS, s.d.).
8
O historiador da Igreja Presbiteriana do Brasil Alderi Souza Matos teve a oportunidade de visitar esse local em
outubro de 2003. A casa da Rua Bonnie Brae está muito bem preservada, sendo administrada por uma instituição
denominada Pentecostal Heritage Inc.
51
Missão da Avenida Norte irá influenciar de maneira decisiva a vida de Louis Francescon,
fundador da CCB.
O movimento pentecostal, como foi dito no tópico anterior, se dividiu por problemas
teológicos. Surgiram assim dois grandes grupos e um terceiro menor. A divergência não era
nova, no Movimento de Santidade também houve controvérsia quanto ao entendimento do
processo de santificação.
O segundo grupo (Durham) ensinava uma variante da doutrina acima, a qual foi
chamada de “as duas obras da graça” ou “obra consumada”. O indivíduo se converte, é
santificado e recebe o batismo do Espírito Santo, evidenciado pelo falar em línguas. Para
Durham a obra de Cristo na cruz era suficiente tanto para salvar quanto para santificar. O
padrão de Durham foi o que predominou entre os pentecostais brasileiros, uma vez que tanto
Francescon quanto Daniel Berg, um dos fundadores da Assembléia de Deus, partiram em
missão motivados pelos ensinamentos de Durham.
A divisão entre o primeiro e o segundo grupo se tornou tão séria que chegaram a dizer
que o próprio diabo havia motivado Durham a ensinar um batismo do Espírito Santo sem a
devida preparação da santificação. As acusações a Durham foram embasadas ao melhor
“estilo pentecostal”, ou seja, através de visões, sonhos, profecias entre outros. Rehfeldt relata
um acontecimento curioso:
52
Como não poderia deixar de ser, uma certa irmã Reubley teve uma visão em que os
demônios estavam discutindo quanto ao que fazer agora que o Espírito Santo tinha
novamente voltado ao mundo. Eis que finalmente um demônio muito corrompido
disse: “Eu descobri, dêem [sic] a eles um batismo numa vida não santificada”. Todos
os demônios bateram palmas e gritaram em aprovação. (apud JARDILINO, 1994, p.
82).
Durante a Reforma Deus se utilizou de Martinho Lutero entre outros para restaurar
no mundo a doutrina da justificação pela fé. Ro. 5.1. Mais tarde o Senhor usou os
irmãos Wesley entre outros, que pertenceram ao grande movimento de santidade,
para restaurar o evangelho da santificação pela fé. Atos 26:18. Depois disto usou
diversas pessoas para restaurar o evangelho da cura divina pela fé. (Stg. 5.14,15) e a
doutrina da segunda vinda de Cristo. Atos 1.11. Agora o Senhor está utilizando
muitas testemunhas dentro do grande movimento pentecostal para restaurar o
evangelho do batismo com o Espírito Santo e com fogo (Lucas 3.16; Atos 1.5) e os
sinais que o seguiriam. Marcos 16.17,18; Atos 2.4; 10.44-46; 19.6; 1.1-28.31.
Graças a Deus agora temos pregadores do evangelho completo. (citado em
DAYTON, 1996, p. 7).
clássicas do cristianismo e com a própria historia da Igreja pode parecer um ponto fraco do
movimento, mas pelo contrário, tornou-se a maior justificação de sua teologia. (DAYTON,
1996).
Antes de passar para o quarto e último capítulo deste trabalho, faz-se necessário um
balanço dos movimentos estudados até aqui. Nestes três primeiros capítulos foram descritos
alguns movimentos ocorridos na história da igreja, os quais receberam a denominação de
“Movimentos do Espírito”. Junto ao relato dos movimentos procurou-se delinear alguns fatos
importantes concernentes ao contexto histórico em que surgiram. Muitos destes movimentos
não guardam relação histórica direta com a CCB, outros sim, como é o caso do Movimento
Pentecostal Americano. Mais do que relação histórica direta, o trabalhou procurou por
características que pudessem estabelecer uma relação quanto ao pensamento teológico destes
movimentos.
milênio e a Jerusalém Celestial. Usam expressões para se referirem a uma experiência prática
com o Espírito: comunhão; coração aquecido; desejos de piedade; perfeição cristã, batismo do
Espírito Santo entre outras.
O desejo de voltar a viver como a Igreja dos dias apostólicos, faz com que a tradição
cristã perca o valor. A continuidade histórica é rompida. Não se consegue enxergar a atuação
do Espírito em outras épocas. Tudo começa agora. O nome “apostólico”, presente no nome de
alguns destes movimentos, denota este desejo. O Espírito parece não atuar na história de
forma coletiva, mas somente na história de indivíduos. Para Velasquez:
força do ímpeto original, conferido, tanto pelas revelações ingênuas quanto pelo
vigor da convicção que erigiu este ímpeto absoluto e divino. (apud NIEBURH,
1992, p. 27).
Um dos traços comuns desse tipo de “igreja” é o fervor emocional. Nela o pensamento
abstrato ainda não se desenvolveu plenamente, e a emoção não foi suprimida pelas
convenções da religião bem educada. A genuína religiosidade é expressa pelo vigor dos
sentimentos, mais do que pela conformidade com os credos religiosos. A formalidade do
ritual é substituída pela informalidade e linguagem simples. O clero bem preparado e fixado
na liturgia é substituído por líderes leigos que dão total ênfase no improviso. Como correm a
margem da Sociedade, o desejo pelo milenarismo, pelo apocaliptismo ou por uma nova era é
constante. Nieburh resume:
Entende-se por Igreja uma comunidade local, regional ou nacional, com um mínimo
de estabilidade, com certa liderança burocrática razoavelmente estabelecida e com
corpo de doutrinas mais ou menos delineado, situado acima das vontades
individuais. (2002, p. 143).
O termo seita também pode ser usado, pois a CCB possui algumas das características
mencionadas no capítulo anterior como, oposição ao mundo e adesão voluntária. As seitas
tendem com o passar do tempo a se tornarem Igrejas. Geralmente elas passam da condição de
“movimento” para a condição de Igrejas a partir da segunda geração de membros. As novas
gerações, porém, não guardam o mesmo ímpeto religioso das primeiras, pois procuram
adaptar-se melhor a Sociedade. Nieburh explica:
Pela própria natureza, o tipo sectário de organização é valido apenas para a primeira
geração. Os filhos nascidos dos membros voluntários da primeira geração começam
a fazer da seita uma Igreja, muito antes, de chegarem à maturidade. Com o advento
59
Louis Francescon é peça fundamental para o entendimento das origens da CCB. Não
somente por ser o fundador, mas também por deixar as bases dos ensinamentos que se
tornarão fundamentos inabaláveis na Igreja. Ou como os anciães9 brasileiros costumam
denominar: “nossas santas tradições” (CCB, Resumo de Ensinamentos da Assembléia de
2002, Tópico 21).
9
A CCB usa a forma arcaica “Anciães” no lugar de “Anciãos”.
60
dada aos Santos; Histórico da Obra de Deus, Revelada pelo Espírito Santo no Século Passado
e Mensagens”. Uma das raras publicações oficiais da Igreja. Devido à importância do
documento, e por ser uma fonte primária, a autobiografia será sempre citada fazendo-se
intervenções quando necessárias.
Este fiel testemunho da Obra do Nosso Senhor, teve início na cidade de Chicago,
Illinois e não é para engrandecer aquele que o escreve, porém, para a Glória de Deus
que opera todas as coisas, segundo o conselho de Sua vontade. (Efésios 1:11). Eu,
Louis Francescon, nasci em 29 de março de 1866, na comarca de Cavasso Nuovo,
Prov. de Udine (Itália) de profissão mosaísta. Vim para a América do Norte, depois
de ter cumprido o serviço militar, chegando a Chicago em 3 de março de 1890.
(CCB, 2002, p. 35).
Francescon revela que nasceu na Itália. De família católica, era o quinto filho de Pietro
e Maria Lorsa Francescon. Aos 15 anos de idade vai para Budapeste, Hungria, onde
desenvolve habilidades para aprender outros idiomas e evolui na profissão de mosaísta. O
conhecimento de outras línguas será importante para o desenvolvimento de seu trabalho
missionário no futuro. A Hungria foi o principal destino dos imigrantes italianos entre 1886 e
1895. (YUASA apud BIANCO, 2008).
Após ter cumprido o serviço militar, Francescon emigrou para os Estados Unidos da
América do Norte, checando na cidade de Chicago em Março de 1890. Milhares de europeus
emigram para os Estados Unidos nessa mesma época, produzindo mudanças significativas
tanto na cultura, economia e religião. Para Nieburh:
A migração de milhões de europeus para os Estados Unidos nos séculos XVIII, XIX
e XX constitui um dos maiores fenômenos da história mundial, comparável, em
certo sentido, ás extraordinárias migrações que assinalaram o fim do mundo antigo e
o inicio da civilização do norte da Europa. Descobriu-se que, não somente seus
efeitos políticos e econômicos sobre a prosperidade das nações são cada vez mais
61
significativos, mas que sua importância para a história religiosa esta se tornando
cada vez mais visível. (1992, p. 125).
No mesmo ano, ouvi o Evangelho por meio da pregação do irmão Miguel Nardi. Em
Dezembro de 1891 tive do Senhor a compreensão do novo nascimento. Em Março
de 1892, com o grupo evangelizado pelo irmão M. Nardi e algumas famílias da fé
“Valdense”, foi criada nesta cidade a primeira Igreja Presbiteriana Italiana, sendo o
Sr. Fillippo Grilli, pastor. Eu fui eleito um dos três diáconos, e após alguns anos,
ancião. (CCB, 2002, p. 35).
distintiva na denominação dos seus líderes. Porém, o termo é sinônimo de Pastor, Bispo,
Presbítero.11
No ano de 1898, o Senhor salvou o irmão Giuseppe Beretta por meio dos
Metodistas Livres Americanos, o qual após algum tempo, uniu-se conosco,
Presbiterianos italianos. Falei-lhe também muitas vezes, do citado batismo, mas no
momento não lhe era dado compreender. Em princípio de Setembro de 1903 nos
encontramos em Elgin, ILL, (no local onde eu e o irmão G. Marin estávamos
executando um trabalho), lhe falei novamente em presença deste, da necessidade de
11
A palavra Presbítero vem do Grego “presbíteros”, significa “mais velho”, são pessoas designadas para
liderarem a igreja. São responsáveis pela pregação e ensino dos membros e também se envolvem na
administração. Sua instituição encontra-se em Atos 20:17; 1 Timóteo 5:17 entre outros.
63
Com a volta do Pastor Grilli, Francescon pede a palavra num culto de domingo e
apresenta sua demissão dos cargos que ocupava naquela igreja. Tal atitude, segundo ele, era
uma “ordem” recebida de Deus. Ele ainda os exorta a seguirem sua atitude caso queiram ser
abençoados por Deus.
Pouco tempo depois, o pastor (F. Grilli) voltou da Itália e no primeiro domingo que
nos reunimos, disse-lhe que eu desejava dirigir algumas palavras à irmandade antes
de seu sermão, o que me foi concedido. Primeiramente perguntei a todos se eu havia
feito alguma coisa errada, que testemunhassem; responderam que nada havia contra
mim. Então exortei-os que, se quisessem também ser participantes das promessas de
Deus, seria necessário obedecê-lo conforme Sua palavra. Em seguida apresentei
minha demissão de ancião, secretário e membro daquela Igreja. Todos se
maravilharam e pediram para que eu não os deixasse e eu lhes respondi que aquela
decisão não era por mim premeditada, mas sim ordenada, por Nosso Senhor. (CCB,
2002, p. 37).
64
O motivo que levou Francescon a se desligar da igreja presbiteriana não foi somente a
questão do batismo. Francescon como membro da administração vivenciou a constante
dificuldade de se pagar o salário pastoral. Isto o incomodava, pois, entendia que um pastor
não deveria receber salários. Seu modelo de pastor era o de Miguel Nardi que trabalhava
gratuitamente. Ele também entendia que o pastor deveria ser fixo na igreja, não concordava
com mudanças contínuas de pastores. Todos estes fatores contribuíram para seu desligamento.
(YUASA apud BIANCO, 2008). Bianco esclarece:
Mas, a convivência harmoniosa da nova comunidade não seria duradora. Após uma
viagem à Itália para visita de familiares, Francescon por motivos teológicos se afasta também
do grupo recém formado. Alguns irmãos acabam seguindo-o. Francescon diz que sempre esta
sendo orientado por Deus.
pão, recordando a morte do Nosso Senhor. Eis alguns dos preliminares da grande
obra que o Senhor fez pelo Espírito Santo, na colônia Italiana. (CCB, 2002, p. 37).
Desta nova divisão, um grupo irá se reunir na W. Grand Ave, 1139 em Chicago.
Francescon sempre atribui às revelações do Espírito Santo, a motivação de suas atitudes. Ele
diz buscar sempre a orientação do Espírito e procura fugir das disputas teológicas. Francescon
deseja viver a fé à sua maneira e continua a reunir-se com seu grupo em casas. Eles
comemoram a ceia do Senhor em todos os domingos, bem diferente do que veio a fazer a
CCB com sua comemoração anual. Segundo Giamarco:
Após o retorno de uma viagem de visita a Itália com sua família que durou de 02 de
dezembro de 1903 até o principio de maio de 1904, ao retornar Francescon se
indispõe com Beretta, Ottolini e Menconi pois defende que o domingo deve ser
observado como era o sábado judaico, abstendo-se o cristão de qualquer atividade,
ao que Beretta contrapunha dizendo que os cristãos deviam ser santos, não os dias.
Isso fez com que Francescon com sua família e acompanhado das famílias Moles e
DiCicco se separassem do grupo e passassem a realizar reuniões nas casas
novamente, pois nessa altura a pequena comunidade livre italiana já tinha adquirido
um local de culto situado na W. Grand Avenue 1139, onde se reunia a Assemblea
Cristiana como foi denominada por seus membros, ou a Igreja dos Toscanos, como
era jocosamente chamada pelos demais imigrantes italianos devido a origem da
maioria de seus fiéis. (2007).
Os dois grupos separados em 1904 irão unir-se novamente em 1907. O motivo que
levará a isso é o contato que Francescon terá com o recente movimento pentecostal.
Francescon ao assistir um culto ao ar-livre fica sabendo que na West North Ave, 943 há uma
missão que anunciava o batismo do Espírito Santo Pentecostal. (GIAMARCO, 2007).
Essa missão não é outra senão a North Avenue Mission (Missão da Avenida Norte),
liderada pelo pastor Willian H. Durham. Francescon freqüenta o local por uma semana
sozinho, e depois leva as outras pessoas do seu grupo. Curiosamente ele diz que aquele lugar
é a obra de Deus.
Após freqüentarem algum tempo a Missão, Francescon, sua esposa e a irmã Dora,
recebem o batismo do Espírito Santo. Interessante que ele usa a expressão “selar” referindo-se
ao recebimento do batismo. Este termo tornou-se usual entre os membros da CCB. Quando
um membro recebe o batismo do Espírito Santo diz que foi “selado com a promessa”, o que
também difere do vocabulário da maioria dos evangélicos brasileiros, colaborando assim para
o futuro exclusivismo.
Enquanto esperava “ser selado com a promessa”, Francescon recebe do pastor Durham
uma profecia dizendo que Deus o havia chamado para ser o portador da nova mensagem
pentecostal para as colônias italianas. A profecia o motivará empreender posteriormente
viagem à America Latina.
Francescon passa a divulgar suas experiências entre os irmãos do grupo do qual estava
separado. Ele os convida a freqüentar a Missão do pastor Durham, e alguns acabam também
recebendo o batismo do Espírito Santo Pentecostal.
Pietro Ottolini testifica aos seus irmãos reunidos na West Grand Ave, 1139, os fatos
ocorridos na North Avenue Mission do pastor Durham, e como recebeu o batismo do Espírito
Santo no dia 09 de Setembro de 1907. No dia 14 de Setembro o irmão A. Lencioni visita a
Missão de Durham acompanhado de G. Perrou, este último recebe o batismo. “Na manhã do
dia de domingo, 15 de setembro, chamado por Francescon de ‘inesquecível dia’ e por Ottolini
de ‘um dia de sacra memória’ houve uma manifestação especial do Espírito Santo entre os
italianos reunidos na Assemblea Cristiana.” (GIAMARCO, 2007).
baixas. Nessa época Francescon faz uma profecia, que futuramente se tornará a marca
calvinista distintiva da CCB, ou seja, Deus é quem enviará as pessoas que se salvarão á Igreja.
Em fins de outubro, o Senhor enviou minha esposa a Los Angeles, Cal., a fim de dar
o testemunho da promessa a família do irmão N. Moles, que residia naquela cidade à
cerca de um ano antes da manifestação do Espírito Santo, resultando assim que
também alguns deles foram selados e então se uniram com os irmãos Americanos
que ali, habitavam. Nessa ocasião recebemos a visita de alguns irmãos de Hulberton
N. Y., que ouviram como o Senhor tinha operado em nosso meio. Após alguns dias
foram também selados e voltaram as suas residências com essa confirmação em seus
corações. Pouco depois vinha também o irmão G. Beretta que recebeu o dom de
Deus. Recebemos também em nosso meio os irmãos Leopoldo Tedeschi e Michele
Iacovetti, (que conheciam o Evangelho). Em princípios de Dezembro o Senhor falou
pela minha boca, dizendo: “Eu o Senhor, permaneci no meio de vós e se me
obedecerdes e fordes humildes Eu mandarei convosco todos que devem ser
salvos. Vos terei unidos por um pouco de tempo a fim de vos preparar, para
depois mandar alguns de vós em outros lugares para recolher outras minhas
ovelhas. Este é o sinal que vos dou para confirmar que vosso Deus é que vos
falou. Este local será pequeno para conter as pessoas que chamarei”. Logo após
estas profecias um irmão sentiu-se de comprar mais 60 cadeiras, a fim de juntar às
existentes. Naqueles dias o Senhor havia operado nos irmãos Giacomo Lombardi e
Giovanni Rossi e em outras famílias, membros da Igreja Presbiteriana Itália, como
também nos católicos, dentre os quais o irmão Luigi Terragnoli. No domingo
seguinte ao da profecia, todas as cadeiras foram ocupadas, permanecendo algumas
pessoas em pé. Em princípios de janeiro de 1908, foi realizado um batismo para
estes últimos e cerca de 70 obedeceram ao mandamento de Nosso Senhor; desses, a
maior parte já eram selados com a Promessa. De 15 de setembro até fim de
Dezembro de 1907, o Senhor fez muitas curas milagrosas de doenças crônicas e
incuráveis à ciência humana; desses casos citamos aqui quatro nomes: G. Lombardi,
P. de Stefano, Lúcia Menna e Fidalma Andreoni. O Senhor permitiu, entretanto que
passássemos duras provas e perseguições, mas não fazíamos caso delas, porque a
Graça de Deus abundava em nossos corações e as suas promessas eram fiéis. (CCB,
2002, p. 40-41 – grifo do autor).
situação financeira e cada um com 6 filhos menores; entretanto, não tememos, certos
de que o Senhor protegeria nossas famílias. Esta revelação nos foi confirmada por
meio do dom de interpretação de linguagem e isto muito nos consolou, dispondo-nos
inteiramente à vontade de Nosso Senhor. Em princípios de Abril, num espaço de
duas semanas, quatro irmãos partiram para a Itália, dos quais três voltaram sem
sucesso. Permaneceu lá um pouco de tempo com sua família o irmão Demetrio
Cristiani, tendo o Senhor operado nela, vieram, após, a Chicago. Durante o mês de
Abril, o Senhor nos mandou gloriosas mensagens, controladas pelo Espírito Santo e
quase todas já se cumpriram; destas, vamos narrar uma como segue: um irmão,
depois de ter rendido testemunho, falou em linguagem estranha e sentou-se; uma
nossa irmã, com o dom de interpretação, levantou-se dizendo: “O Senhor nos faz
saber hoje, pela boca deste irmão, que os Santos da Itália serão perseguidos sob
o reinado de Vittorio Emanuelee III”, (Note-se que por ocasião desta profecia, o
testemunho desta Obra, não tinha ainda chegado a Itália). Como todos sabem, esta
profecia foi totalmente cumprida em 1936, quando, por ordem do governo italiano,
todos os locais de reuniões de nossos irmãos foram fechados e proibidos de se
reunirem, e os que eram surpreendidos reunidos eram multados e também
encarcerados, pelo único motivo de servirem a Deus vivente, segundo a fé
Apostólica. Em 29 de Junho, o Senhor me fez sentir de ir a St. Louis, Mo. Antes de
partir, ordenei para anciães desta Igreja de Chicago os irmãos Pietro Menconi e A.
Andreoni. Em 15 de Julho, me veio encontrar em St. Louis, Mo. o irmão Lombardi e
de lá partimos para Califórnia. Em princípios de Setembro, ele voltou a Chicago
para depois partir para Roma (Itália) onde diversos foram pelo Senhor chamados e
eleitos para serem Suas testemunhas naquela nação.12 Eu fiquei em Los Angeles, e
acolhi em casa do irmão N. Moles algumas irmãs italianas já salvas e batizadas com
o Espírito Santo, nas Igrejas Americanas daquela cidade. Naquele tempo o Senhor
salvou o irmão Serafino Arena e família, além de outros e, após tempos, o irmão S.
Arena sentiu-se levar o testemunho na Sicilia (Itália), onde foi bem sucedido. Em 3
de março de 1909, voltei a Chicago. Em 18 de Abril, guiado pelo Espírito Santo,
parti para Filadélfia, Pa., onde o Senhor chamou os irmãos Giovanni Marcucci, sua
esposa e um filho, sua irmã Carolina e filha, e mais a irmã Concetta. O Senhor
firmou Sua Obra naquela cidade no meio do povo italiano, confirmando-A pelo bom
fruto dado à Glória de Deus Pai. Voltei a Chicago em 22 de Julho. (CCB, 2002, p.
42-44 – grifo do autor).
12
Dos trabalhos de G. Lombardi na Itália originou-se a Igreja Cristã Evangélica Assembléia de Deus na Itália.
Disponível em http://www.assembleedidio.org/cennistorici.php
70
reuniões de oração e vigílias em sua igreja. Os textos de Atos e do profeta Joel são estudados
com afinco, até que:
“... risos, chôro [sic], gritos, cantos, línguas estranhas, visões, êxtases nos quais a
pessoa caia no solo e se sentia trasladada a outra parte – ao céu, ao paraíso, a campos
formosos, com experiências variadas – falavam com o Senhor, com anjos ou com o
diabo [!]. Os que passavam por estas experiências gozavam muito e geralmente eram
mudados e se tornavam cheios de louvores, de espírito de oração, de amor”.
(HOOVER apud D’EPINAY, 1970, p. 48).
O Espírito surge com toda força na igreja dirigida pelo pastor Hoover, com todas as
manifestações pertinentes a este tipo de movimento. Assim desde 1902 “ventos de
espiritualidade” já sopravam sobre a pequena igreja de Valparaíso e consequentemente sobre
a America Latina. (D’EPINAY, 1970).
Francescon não dá detalhes da sua passagem pela Argentina. Acontece, porém, que ao
evangelizar um pequeno grupo na província de San Cagetano e num bairro de Buenos Aires
chamado Tigre, ele lança as bases da futura igreja Assemblea Cristiana. Em 1916 Narciso
Natucci, vindo da Assemblea Cristiana de Chicago, organiza definitivamente a igreja. O
relato a seguir é da própria igreja na Argentina. Nas palavras do Pastor Crimi:
Cidade de Chicago (EUA) calle West Erie Street 1350, em sua fachada lê-se
ASAMBLEA CRISTIANA REUNIDOS EM NOME DE JESUS. Nesta direção
vinha todos os dias, um grande número de fiéis, os cultos eram realizados em
71
13
Revista: “Ingressando como membro na Asamblea Cristiana. Disponível. em
<http://www.asambleacristiana.com.ar/pdf/Ingresando%20como%20miembro%20-%20Profesor.pdf.>. Acesso
em 14 de Out. de 2009.
72
Francescon conheceu no Jardim da Luz em São Paulo, o italiano Vicenzo Pievani que
curiosamente classifica como ateu. Enfrentando todas as dificuldades possíveis, ou seja, sem
saber a localização nem como chegar lá, sem falar o português, doente e com pouco dinheiro,
Francescon, divinamente guiado, decide viajar pela estrada de ferro Sorocabana,
desembarcando na estação de Salto Grande. Após percorrer 70 quilômetros a cavalo na
companhia de um guia indígena, chega a Santo Antonio no dia 20 de Abril de 1910. Segundo
ele tudo já estava preparado por Deus.
Dois dias após, V. Pievani voltou a Sto. Antônio da Platina, e nós permanecemos em
S. Paulo até aos 18 de Abril, quando então por vontade de Deus, o irmão G.
Lombardi partiu para Buenos Aires e eu para Sto. Antônio da Platina. Chegando
naquele lugar, encontrei dois italianos um dos quais era V. Pievani e o outro Felício
A. Mascaro; sendo suas esposas e demais moradores daquele lugar brasileiros e de
fé católica romana. Para ir ao lugar onde o Senhor me ordenara, eu não tinha
nenhum endereço a não ser o seguinte: V. Pievani, Sto. Antônio da Platina, Estado
do Paraná. Havia só uma estrada de ferro que levava ao sul daquele Estado, porém,
Sto. Antônio da Platina achava-se ao norte e distante mais de 200 Km da estação
mais próxima. Meu coração duvidava em tomar aquela estrada, porém, me senti de
ir à estação e consultar o mapa e o Espírito Santo me indicou a tomar a Estrada de
Ferro Sorocabana, que percorria o Estado de São Paulo, passando perto do norte do
73
Estado do Paraná, e sua última estação era Salto Grande. Parti de São Paulo às 5:30
horas com uma terrível dor lombar que me impediu tomar alimento durante todo
aquele dia. Cheguei a Salto Grande às 23 horas e nesse lugar o Senhor me disse ter
preparado tudo para mim, a fim de cumprir minha missão; e assim aconteceu, porém
faltavam cerca de 70 km a cavalo, atravessando matas virgens infestadas de jaguaras
e outras feras existentes no lugar. Pela Graça de Deus, fiz este resto de viagem com
um guia indígena, chegando em Sto. Antônio da Platina, em 20 de Abril. Outra
dificuldade que encontrei foi não conhecer uma palavra do idioma português, e
achar-me sem dinheiro e doente; Deus, porém, que tem todos os corações em suas
mãos, me fez ver a primeira maravilha: ao chegar naquele local, encontrei na janela
a esposa do italiano V. Pievani tendo o senhor lhe dito: “Eis o homem que Eu vos
enviei”. (note-se que eu não era lá esperado). Assim, fui recebido em sua casa e
poucos dias depois, o Senhor comprazeu-se em abrir seus corações e de mais 9
pessoas. Foram batizadas na água 11 pessoas e confirmados com sinais do
Altíssimo. Estas foram as primícias da grande obra de Deus naquele país. (CCB,
2002, p. 44-46 – grifo do autor).
Logo após o inimigo começou a trabalhar para desfazer aquela Obra, mas foi em vão
o seu trabalho. O resto do povo daquele lugar sabendo da minha chegada e da minha
missão, juraram matar-me, tendo como chefe um sacerdote de determinada
denominação. Isto teria sucedido se Deus não interviesse com Seus meios. O Senhor
me fez saber de permanecer lá até 20 de Junho; nessa prova eu estava pronto a me
entregar aos inimigos, a fim de poupar a vida dos poucos crentes que o Senhor havia
chamado. Deus é testemunha disso, como também os irmãos que lá vivem. Parti de
Sto. Antonio da Platina em 20 de Junho, com destino a São Paulo. (CCB, 2002, p.
46).
74
Apenas chegando àquela capital, o Senhor permitiu abrir uma porta, resultando que
cerca de 20 almas aceitaram a fé e quase todas provaram a Divina virtude. Uma
parte eram Presbiterianos e alguns Batistas e Metodistas e alguns também Católicos
Romanos. Alguns foram curados e outros selados com o Bendito Dom do Espírito
santo. (CCB, 2002, p. 46).
Os membros que ficaram começaram a realizar cultos com Francescon naquele lugar,
eram eles: Felipe Pavan (ex-presbítero da igreja), sua esposa Ângela e seus filhos Germilio e
Paulo, Ernesto Finotti sua esposa Esterina e seu filho João, Santo Pontalti e sua esposa Isabela
parentes de Ernesto. Esse pequeno grupo foi batizado por Francescon no Rio Tietê, na altura
da Ponte Grande. Ernesto e Pavan foram ungidos14 para o ministério de Ancião. Em Setembro
de 1910 ele parte para o Canal do Panamá, após aconselhar o pequeno grupo de irmãos. “Em
fins de Setembro parti para o Canal do Panamá, deixando-os nas mãos de Deus e com os
conselhos que o Senhor mandou dar para que, por meio deles continuassem a Obra de Deus
naqueles lugares.” (CCB, 2002, p. 46).
Em 1911 o irmão Genário também foi ungido para o ministério. O ancião Genário
batizou outra família no bairro da Água Branca. Em um rio próximo à fábrica de vidros Santa
Marina, foram batizados: Antonio Mazzei, sua esposa Maria e seus filhos Francisco e
Genarino.
14
“Ungir” no vocabulário da CCB é o mesmo que ordenar ou consagrar ao pastores ao ministério.
75
Em Fevereiro ou Março de 1915, Felipe Pavan e sua família foram despejados da casa
onde moravam na Rua da Alfândega. Pavan foi acolhido pelo irmão Caetano D’angelo na Rua
Anhaia. Passado alguns dias ele foi morar com a família Spina na Rua da Graça. Dessa forma
o grupo ia aumentando. Finalmente em 1916 é adquirida uma propriedade na Rua
Uruguaiana, 163 para realização dos cultos. Na década de 1950 será adquirida a propriedade
que se tornará sede central da CCB no mundo, situada a Rua Visconde de Parnaíba nº 1616.
Estes são os primórdios do inicio da CCB em São Paulo.15
Quatro razões contribuíram para esse fenômeno. O primeiro, econômico, está ligado à
substituição da mão-de-obra escrava pelo trabalhador italiano. O segundo, racial, está ligado à
política de branqueamento da população brasileira. O terceiro, cultural, está ligado à política
migratória de não trazer povos distante da cultura latina. O quarto, religioso, está ligado ao
fortalecimento da população católica em nosso país. Desse ponto de vista, o italiano possuía o
perfil perfeito. (BORGES PEREIRA, 2004). Segundo Bianco:
Em São Paulo, que chegou a ser identificada como uma “cidade italiana” no início
do século XX, os italianos se ocuparam principalmente na indústria nascente e nas
atividades de serviços urbanos. Chegaram a representar 90% dos 50.000
trabalhadores ocupados nas fábricas paulistas, em 1901. No início, entretanto, o
destino era mesmo as fazendas de café do interior paulista, que também incluía o
que conhecemos hoje como interior paranaense. Logo que os italianos chegavam, o
governo os recebia em alojamentos provisórios. Em 1882 foi inaugurada uma
hospedaria, no bairro do Bom Retiro, no entanto, o local era pequeno e lá
proliferavam diversas doenças. Foi necessário então, começar a construir um novo
local que pudesse atender à demanda crescente de estrangeiros. Em junho de 1887
começou a funcionar a Hospedaria do Imigrante, com capacidade para 1200 pessoas,
mas esse número muitas vezes foi ultrapassado, houve oportunidades em que se
registrou a presença de 6 mil pessoas alojadas. Nos 91 anos de atividades, estima-se
que o local tenha acomodado aproximadamente três milhões de pessoas.
Atualmente, o complexo abriga o Museu da Imigração. (2008, p. 36-37).
15
O relato completo do inicio da CCB em São Paulo está disponível em
<http://www.louvoresccb.kit.net/curiosidades/relato_da_obra_de_deus_no_seu_in.htm>.
76
Até agora o Senhor me enviou nove vezes ao Brasil e todos as vezes tenho notado
maior progresso no meio deles quer espiritual, quer material. Esta é uma prova que a
obra de Deus no Brasil foi plantada pelo Espírito Santo e por Ele guiada; na Capital
de São Paulo existem cerca de 30 Igrejas, todas de comum acordo e com mais de
6000 almas que rendem testemunho da graça de Deus. Segundo o relatório do ano de
1940, o numero de casa de oração da nossa irmandade no Brasil era de 305; do ano
de 1935 a 1940, obedeceram 17.761 almas ao mandamento de Nosso Senhor Jesus
Cristo, ao qual seja dada toda honra e glória. (CCB, 2002, p. 47).
77
Até 1935 a CCB não contabilizava o numero de pessoas batizadas, pelo receio de
incorrer no pecado do Rei Davi, descrito em II Samuel capítulo, 24. Após 1936 Francescon
recebe uma revelação do óbvio, “manter registros sistemáticos a fim de obedecer às leis do
país” (READ, 198-?, p. 25). Para Mendonça (1990) a CCB “explodiu” na década de 1950
quando os trabalhadores italianos foram substituídos pelos nordestinos no bairro do Brás.
Embora não mantendo registros históricos, uma fonte que demonstra o processo de
aculturação da CCB ao povo brasileiro é o seu livro de hinos usado nos cultos. O primeiro
hinário foi composto e impresso ainda na Assemblea Cristiana de Chicago em 1912. Sua
autoria é reputada às revelações do Espírito Santo. Yuasa registra esse acontecimento:
No ano de 1912, enquanto nós ainda estávamos na igreja de Chicago Illinois, numa
humilde localização numa grande Avenida, nosso primeiro livro de hinos foi
impresso. Estando sem um livro de hinos até aquele momento com o qual
pudéssemos louvar o Senhor, nós nos reunimos em especial oração, e rogamos ao
Senhor para abrir um caminho através do qual nós pudéssemos obter um livro
italiano de músicas espirituais. [...] Durante a oração o Senhor se revelou aos irmãos
com estas palavras: “Eu darei sabedoria para os irmãos entre vocês, quem deverão
compor um livro de músicas, o qual será se sua propriedade e o qual deverá ser
utilizado sempre onde quer que Eu seja invocado (apud BIANCO, 2008).
16
Disponível em
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2000/populacao/religiao_Censo2000.pdf.
78
cultos, são de autoria dos fundadores, tanto a letra quanto a música. Assim acreditam que as
outras igrejas, principalmente as pentecostais “copiaram” seus hinos mudando apenas a letra.
Mas segundo análise de Yuasa (apud BIANCO, 2008), os hinos contidos nesses hinários
foram inspirados em diversas musicas do movimento Holiness americano e nos hinários
protestantes em geral. Somente 24% (vinte e quatro por cento) dos hinos contidos nesses
hinários são de autoria do movimento pentecostal italiano.
Em 1932 Francescon teve outra “revelação” e deu instruções aos anciães brasileiros
para que alguns hinos fossem traduzidos para o português. Assim foi produzido um hinário
misto, italiano/português e um hinário só em português. O balanço apresentado na Assembléia
Geral de 1936 mostra a contabilização da venda dos hinários em 1934/1935. Foram vendidos
2.042 mistos contra 1677 hinários em português, revelando a preferência dos membros pelo
hinário misto.
Agradecemos a Deus por Jesus Cristo por mais este passo que nos permitiu dar na
compilação deste novo livro intitulado “HYMNOS E PSALMOS ESPIRITUAES” Nº
2 o qual melhor se adapta ao desenvolvimento da Congregação Cristã do Brasil.
Grande parte destas melodias sacras, pertencem a autores norte-americanos, italianos
e de outras nacionalidades; as demais, assim como as poesias, quer originais,
traduzidas ou semi-traduzidas, são frutos de membros da Congregação Cristã do
Brasil. (CCB, Hinário Nº 2, 1944).
Prefácio
Devido à necessidade sempre crescente da Obra de Deus, o Senhor fez compreender
a seus servos nas Reuniões Gerais de 1998, que seria necessária a nova edição do
Resumo da Convenção das Igrejas da Congregação Cristã no Brasil do ano de 1936,
assim como o Resumo das Reuniões Gerais de Ensinamentos do ano de 1948, já que
esses dois trabalhos tiveram a assistência do irmão Ancião Louis Francescon, a
quem esta Obra foi revelada. [...] (CCB, 2002, p. 5 – grifo nosso).
Os dois grandes pontos doutrinários que deram impulso a toda “saga” teológica
empreendida por Francescon, foram o batismo por imersão e o batismo do Espírito Santo.
Segundo ele foi através deles que a Igreja cresceu em numero, e por isso nada se pode mudar
ou acrescentar, pois o crescimento é sinal da aprovação de Deus.
Eis como o benigno Deus começou Sua Obra; pelo batismo da água, segundo o
mandamento do Senhor Jesus, fomos tirados das seitas humanas e de suas teorias;
pelo Dom do Espírito Santo Ela foi animada e engrandecida, nada mais havendo
necessidade de acrescentar, pois os resultados falaram e ainda falam desta
maravilhosa obra feita pela potente mão de Deus, e só a Ele seja dado honra e glória
por Jesus Cristo, Bendito em Eterno. (CCB, 2002, p. 47).
17
Devo a Marcelo Ferreira Silva o contato com os hinários 1, 2 e 3.
80
Francescon declara que todas as vezes que voltava para os Estados Unidos da
América, após alguma viagem, encontrava “coisas diferentes” daquilo que se fazia no inicio
do movimento pentecostal ítalo-americano. Devido a diferenças teológicas ele acabou se
separando desse movimento e organizando a Congregação Cristã de Chicago, a qual
permaneceu até sua morte em 07 de Setembro de 1964.
da perfeição. Onde esses três não governam, é satanás que governa em forma de
homem para seduzir o povo de Deus com sabedoria humana.
Por determinação dos Anciães essa Constituição foi colocada em um quadro, e por
muitos anos permaneceu afixada nos átrios da CCB. Nela Francescon transmite a idéia que
tem sobre a constituição da “verdadeira Igreja”. Nela não deve haver hierarquia, pois Jesus é a
cabeça e o Espírito Santo é a guia dos crentes.
Curiosamente esse quadro foi retirado dos átrios da CCB em 1999, devido a uma
revelação dada aos Anciães da época. A alegação para tal se deve ao fato de que Deus revelou
a Francescon que a única frase que deveria constar na CCB era a frase em cima do púlpito:
“Em Nome do Senhor Jesus”.
4.4.1 Doutrinas.
Além da Constituição, a CCB possui doze pontos doutrinários que deveriam reger a
Igreja. Os doze pontos são figurativos, pois na prática o que impera são os ensinamentos
transmitidos pela tradição oral. Os pontos de doutrinas foram elaborados em uma convenção
18
O asterisco no tópico de ensinamento significa que ele é privativo do ministério, ou seja, não pode ser lido aos
membros comuns.
82
9. Nós cremos na necessidade de nos abster das coisas sacrificadas aos ídolos, do
sangue, da carne sufocaa e da fornicação, conforme mostrou o Espírito Santo na
assembléia de Jerusalém. (Ato, 15:28,29; 16:4; 21:25).
10. Nós cremos que Jesus Cristo tomou sobre Si as nossas enfermidades. "Está
alguém entre vós doente? Chame os presbíteros da Igreja, e orem sobre ele, ungindo-
o com azeite em nome do Senhor. E a oração da fé salvará o doente, e o Senhor o
levantará; e se houver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados." (Mat. 8:17; Tiago,
5:14,15).
11. Nós cremos que o mesmo Senhor (antes do milênio) descerá do céu com alarido,
com voz de arcanjo e com a trombeta de Deus; e os que morreram em Cristo
ressuscitarão primeiro. Depois nós, os que ficarmos vivos, seremos arrebatados
juntamente com eles nas nuvens, a encontrar o Senhor nos ares, e assim estaremos
sempre com o Senhor. (I Tess., 4:16,17; Ap. 20:6).
12. Nós cremos que haverá a ressurreição corporal dos mortos, justos e injustos.
Estes irão para o tormento eterno, mas os justos para a vida eterna. (Atos, 24:15;
Mat., 25:46) para a vida eterna. (Atos, 24:15; Mat., 25:46).
Dois pontos de doutrina merecem destaque. O ponto numero 1 por muitos anos
permaneceu inalterado. Até que em 1995 recebeu o acrescimento da palavra “contendo”,
passando a ter a seguinte redação:
diferenciada das demais igrejas evangélicas brasileiras. Embora sendo trinitariana na sua
teologia, sua fórmula batismal, segue a do movimento pentecostal unicista. A maneira com
que a CCB batiza seus novos membros é a seguinte:
4.4.2 Ensinamentos.
Já vimos que os membros da CCB não obedecem nem ao carisma de um líder, nem a
uma estrutura burocrática, mas a tradição e à ordem, da qual o ancião é apenas o
guardião e representante. Ser o guardião e representante da tradição legitima a
autoridade do ancião [...] Eles agem como “condutores” da tradição oral de geração
em geração. Eles guardam e transmite a memória coletiva da CCB e são seus
portadores. (2006, p. 134).
ensinamento apostólico. Para a CCB Francescon restaurou a doutrina apostólica que a igreja
cristã havia perdido. A maioria dos Movimentos do Espírito alega a mesma coisa. Os
principais ensinamentos são:
3. As mulheres que oram ou profetizam deve ter a cabeça coberta com o véu. (I
Coríntios 11).
7. O verdadeiro obreiro não pode receber salário, pois aquilo que recebeu de
graça deve dar de graça. (Mateus 10:8).
9. A pregação do sermão não deve ser preparada, mas sim revelada na hora que
se irá pregar. O Espírito Santo irá trazer naquele momento o que deverá ser
ensinado à Igreja.
10. Quando um membro falece, ele “dorme” e não tem consciência do que
acontece ao seu redor.
somente nesse caso Deus permite. (S. Matheus 19:9). O pecador será excluído da
comunhão com os fiéis.
Resumo de Ensinamento da Assembléia Geral de 1984.
02 - ERROS DE DOUTRINA: PREGAR QUE ADULTÉRIO NÃO É PECADO DE
MORTE - E QUEM NÃO RECEBE A PROMESSA NÃO É SALVO.
Quem pregou que adultério não é pecado de morte deve se retratar perante a
irmandade e desfazer o que disse. Se alguns pecaram e depois declararam que se
sentem perdoados, isto é entre eles e Deus. De nossa parte não os impedimos de se
congregar [...]
Enfim, a CCB entende que por ser a única igreja a observar, no conjunto, esses
ensinamentos, está numa posição de superioridade às demais igrejas evangélicas. Ela se
entende como a “Graça”, o “Verdadeiro Caminho”, enquanto as outras estão a “beira do
caminho”. As demais igrejas são “outros apriscos” e servem apenas, para “guardar”
momentaneamente os predestinados, até que encontrem o “verdadeiro aprisco”, a própria
CCB. Ela defende que todas as suas decisões são guiadas e reveladas pelo Espírito Santo.19
O sentimento de ser a igreja verdadeira, o único caminho que conduz ao céu, parece
presente já no fundador Francescon, em suas próprias palavras: “Este é o Caminho do Céu
aprovado do Eterno Salvador” (CCB, 2002, p. 50). Mas essa idéia foi levada ao extremo pelos
seus discípulos, os anciães brasileiros. De tal sorte que a CCB não possui nenhum tipo de
cooperação com as demais igrejas brasileiras.
Os membros da CCB não se sentem ligados a nenhuma história ou tradição cristã. Para
eles o verdadeiro evangelho foi restaurado somente em 1910. Assim a CCB constitui-se a
única “arca de salvação” para o ser humano. Para os membros, essa idéia redunda em prejuízo
intelectual, numa visão míope e exclusivista do evangelho, para a denominação redunda em
orgulho espiritual. Não conhecer suas origens religiosas é o mesmo que não conhecer os
próprios genitores. Este trabalho intenta ser uma contribuição no resgate dessa história. Com a
expectativa de que ao lê-lo, o membro da CCB possa perceber que faz parte de algo bem
maior do que a sua denominação, algo chamado “Cristianismo”, que possui uma longa
história de heróis e mártires. Para Cairns:
19
A palavra “aprisco” é uma alusão ao discurso de Jesus em João 10:16.
87
PREÂMBULO:
O Senhor iniciou Sua Obra no Brasil por um Seu servo, em Junho de 1910, sem
denominação alguma, propagando-se, todavia, rapidamente, por intermédio de Seus
crentes, desde então chamados por fé, em Nosso Senhor Jesus Cristo [...]
Gloecir Bianco (2008) ao “testar” a memória dos membros da CCB em seu trabalho,
verificou que é raríssimo encontrar um membro que conheça suas origens. O fato de que a
igreja começou em uma colônia italiana e que por muitos anos ficou restrita a ela, é
totalmente desconhecido pela grande maioria dos membros. Pode ser que com a evolução
tecnológica dos meios de comunicação, principalmente a internet, esse desconhecimento
venha a diminuir.
A CCB usa com eficácia uma receita bem conhecida da sociologia da religião. É o
conceito “Moisés e Maquiavel”. Ao ocultar suas “origens humanas”, ela procura transmitir a
idéia de que sua existência é exclusivamente obra do Espírito. Dessa forma, ela consegue
legitimar suas proposições religiosas. Berger define essa “receita”:
88
Para se provar a eficácia da legitimação religiosa pode-se fazer, por assim dizer, uma
pergunta de receita sobre a construção de mundos. Se alguém se imagina fundador
plenamente consciente de uma sociedade, um misto de Moisés e Maquiavel, poderia
perguntar a si mesmo o seguinte: Qual seria o melhor modo de garantir a futura
continuação da ordem institucional, agora estabelecida ex nihilo? Há uma resposta
óbvia à pergunta, formulada em termos de poder. Suponha-se, porém, que todos os
meios de poder tenham sido de fato empregados – que todos os opositores tenham
sido destruídos, que todos os meios de coerção estejam à disposição, que se tenham
tomado providencias razoavelmente seguras para a transmissão do poder aos
sucessores designados do fundador da sociedade. Persiste o problema da legitimação
cuja urgência é maior devido a novidade e portanto a precariedade notória da nova
ordem. A melhor maneira de resolver o problema seria aplicar a seguinte receita:
interprete-se a ordem institucional de modo a ocultar o mais possível o seu caráter
de coisa construída. Que aquilo que foi formado ex nihilo surja como a manifestação
de alguma coisa que existiu desde o começo dos tempos, ou ao menos desde o
começo deste grupo. Que as pessoas esqueçam que esta ordem foi estabelecida por
homens e continua dependendo do seu consentimento. Que acreditem que,
executando os programas institucionais que lhes foram impostos, limitam-se a
realizar as mais profundas aspirações do seu ser e a se porem em harmonia com a
ordem fundamental do universo. Em suma: estabelece legitimações religiosas [...]
(1985, p. 45-46).
89
CONSIDERAÇÕES FINAIS.
Ao termino desse trabalho foi possível verificar o quanto a CCB esta enquadrada no
conceito de Movimento do Espírito. Todas as ações empreendidas pelo fundador Louis
Francescon são atribuídas ao Espírito. Foi visto o quanto a história do cristianismo está
impregnada desses movimentos. Desde o inicio com o montanismo, passando pelos quakers
até chegar ao movimento pentecostal americano, o qual a CCB está diretamente ligada.
O discurso desses movimentos é sempre o mesmo, ou seja, Deus ainda fala e orienta
diretamente as pessoas. Deus não está preso a escritura, mas seu Espírito “sopra onde quer”.
Eles também acreditam representar uma “era do Espírito”, uma restauração do tempo
apostólico, com direito a todas as suas prerrogativas. Dessa forma todos os dons, milagres e
feitos extraordinários, não estão restritos à Bíblia, mas são também para hoje.
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