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Dissertação Angela Maria dos Santos.PPGE/UFMT
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pesquisadora a uma das escolas observadas, onde estudei durante a minha infância e
adolescência. Onde também como aluna negra sofri preconceitos.
Contudo, esses sentimentos não constituem dificuldade para a realização de um
trabalho científico. Estar em outra situação, de posse de instrumentos teóricos e
metodológicos, para entender o processo das manifestações de preconceito e discriminação
racial nas relações entre negros e não-negros, me permitiu maior segurança e mais
sensibilidade para a coleta de dados de uma realidade da qual faço parte. Como lembra Lévi-
Strauss1, “numa ciência, onde o observador é da mesma natureza que o objeto, o observador,
ele mesmo, é uma parte de sua observação”.
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Lévi-Strauss apud Minayo, 1994 p. 215
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Silva (1999), pp. 161-165. No decorrer de todo o livro fala sobre processo de miscigenação e povoamento da então
Capitania de Mato Grosso.
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misturados com negros ou com brancos, onde o produto destes
casamentos sai menos inútil à República.3
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De certa maneira os estigmas construídos socialmente na história da região em
torno do negro e do índio e seus descendentes atravessaram o tempo, e povoam de forma
multifacetada o imaginário popular acerca da sua própria identidade racial, reforçada muitas
vezes pelo olhar do branco, dos não nativos, que aqui vêm ou que aqui vivem.
Apresentado um pouco do contexto histórico da formação racial da região, e
das categorias raciais utilizadas na pesquisa, busco agora adentrar a discussão sobre os
conceitos de preconceito e discriminação racial e os aspectos da sua veiculação,
particularmente através dos estigmas e estereótipos.
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Compreende-se pela expressão “negros e não negros”: a relação entre negros, brancos e descendentes
indígenas.
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comportamentos e concretude de práticas sociais. A autora numa reflexão mais atual sobre
discriminação, registra que esta,
refere-se a processos de controle social que servem para manter a distância
social entre determinados grupos , através de um conjunto de práticas, mais
ou menos institucionalizadas, que favorecem a atribuição arbitrária de traços
de inferioridade por motivos, em geral, independentes do comportamento
real das pessoas que são objetos da discriminação. (Candau op.cit., p. 18)
Candau também afirma que
os preconceitos atuam como filtros da nossa percepção, fortemente
impregnados de emoções, colorindo nosso olhar, modulando o ouvir,
modulando o tocar, fazendo com que tenhamos uma percepção simplificada
e enviesada da realidade. (p. 17)
O preconceito para Jones (1973 p.3), “é uma atitude negativa, com relação a
um grupo ou pessoa, baseando-se num processo de comparação social em que o grupo do
individuo é considerado como ponto positivo de referência”.
Pode-se dizer que preconceito é um conceito preconcebido no qual baseiam- se
as crenças e opiniões. O preconceituoso se utiliza desses elementos para julgar e classificar as
pessoas antecipadamente. Nesse sentido, o preconceito pode ser entendido como
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sociais. À simples menção de pertencer a determinado grupo social, as referidas imagens
são utilizadas.
Sobre preconceito racial, Muller (2005 p. 7) observa que constitui uma maneira
negativa de perceber um indivíduo ou grupos raciais com fenótipos diferentes dos que se
denominam superiores, para tanto as características físicas como a “cor da pele, o tipo de
cabelo, o tipo de nariz, o tipo de lábios, etc.” caracterizam a suposta superioridade.
Munanga (1998 p. 48), salienta que o preconceito racial não está relacionado à
ignorância, ou seja, sua racionalidade está incrustada na ideologia. Conforme o autor, o
preconceito antecede a discriminação racial. Este último é uma disposição afetiva imaginária
ligada aos estereótipos, são ações e opiniões que podem ou não ser verbalizados.
Complementa ainda, que a discriminação é produzida quando não se aceita que
o outro tenha a igualdade de tratamento que tem direito de receber. Chama atenção, que por
isso, discriminação não pode ser confundida com o simples fato de evitar pessoas consideradas
antipáticas.
Numa observação sobre as características das manifestações da discriminação
racial, Oliveira (2000 p. 113) chama atenção para a importância de compreender a
caracterização das práticas discriminatórias no nosso país, fazendo a seguinte fala:
Julgo importante questionar também se a discriminação racial no Brasil
tende a ser caracterizada como racismo tradicional, que se orienta pelo
fenótipo não-branco como estigma de inferioridade, ou se é caracterizada
pelo neo-racismo, cuja origem é a diversidade cultural que dá origem a
conflitos, como é o caso dos imigrantes nos Estados Unidos e na Europa, o
que tem sido denominado de fundamentalismo cultural.
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Ver Miniaurélio, o minidicionário da língua portuguesa, 2004 p. 178.
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agressões, tensões e divisões que possam permear as relações entre alunos no cotidiano
escolar.
Para a realização desta pesquisa alguns questionamentos se apresentaram: As
relações raciais entre alunos são hierarquizadas? Tal qual as existentes na sociedade brasileira?
Que percepção os alunos de diferentes origens raciais têm das diferenças raciais? Quais as
formas e incidências de discriminação que ocorrem nas relações entre alunos negros e não-
negros?
Isto posto, busca-se responder a essas questões dialogando com vários autores,
dentre os quais, estão, Elias e Scotson (2000), que trata das relações de poder entre grupos de
estabelecidos e outsiders.
A contribuição dos pesquisadores: Oracy Nogueira (1985), Munanga (2000) e
Guimarães (1999), para este estudo, dá-se acerca das suas reflexões sobre os aspectos e
particularidades das relações raciais no Brasil.
Com Goffman (1982), busco utilizar seus estudos sobre estigma, a partir do
qual, procuro analisar o processo de estigmatização infligidas aos sujeitos da pesquisa, vítimas
de preconceito e discriminação racial.
Cavalleiro (2002) dentre outros autores, contribui nesta pesquisa, com seus
estudos sobre os processos de manifestação de preconceitos e discriminação racial no cotidiano
escolar, particularmente nas relações interpessoais dos alunos.
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trabalho, os alunos tecem comentários de fatos e situações discriminatórias ocorridos no
cotidiano de suas relações.
No quinto capítulo procuro abordar a percepção dos professores sobre as
relações raciais entre alunos, momento em que analiso o trato dos professores acerca das
tensões raciais que ocorrem na escola.
Por fim, são registradas as considerações finais sobre os dados principais
relacionados à análise das relações entre alunos negros, bugres e brancos.
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