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DissemiNacao
DissemiNacao
“Argumentei contra o uso do conceito «choque de civilizações». Antes de mais nada, porque não acredito
que as culturas tenham antagonismos regionais ou essenciais. Podem existir sistemas de crença distintos,
noções muito diversas de hábitos e práticas, mas não acredito que as culturas continuamente se querem
opor ou erradicar. [..] Os antagonismos [..] devem-se a decisões políticas, a matérias geográficas e
políticas, à história."
BHABHA, Homi K.
2. Introdução
O que é irônico é que Bhabha - talvez mais do que qualquer outro teórico pós-colonialista - tem
toda a sua carreira suscetível a acusação de elitismo, eurocentrismo, privilégio acadêmico
burguês, e uma dívida para com os princípios do pós-estruturalismo europeu o que faz com que
muitos dos seus críticos mais severos retratem isso como determinante de seu
“desconhecimento” dos novos modos dominantes de discurso "neo-imperial" ou "neo-colonial"
que despontam em colonizados do Terceiro Mundo.
Em seu trabalho, o teórico, tem incentivado uma rigorosa reavaliação do nacionalismo, a
representação, resistência e que acima de tudo salienta a "ambivalência" ou "hibridismo" que
caracteriza o plano Colonial de contestação - um espaço limítrofe no qual as diferenças
culturais, como ele argumenta, realmente produzam a imaginada "construção" da identidade
cultural e nacional.
Em outras palavras, argumenta que identidades culturais não podem ser imputadas à pré-
determinados, padrões irredutíveis, a traços históricos culturais que definam as convenções da
etnia. Também não pode o "colonizador" e o "colonizado" serem vistos como entidades distintas
que se definem de forma independente. Em vez disso, sugere que a negociação da identidade
cultural envolve interfaces e trocas culturais que, por sua vez, produzem um reconhecimento
mútuo e mutável (ou representação) da diferença cultural.
(1998) Modernity, Culture, and The Jew, with Laura Marcus & Bryan Cheyette
(2004) The Third World of Theory with Henry Louis Gates
(2004) Adagio
(2004) 'Foreword' to The Wretched of the Earth by Frantz Fanon, trad. Richard Philcox
(2005) Framing Fanon
3. O Ensaio
Nessas partes narrativas Bhabha apresenta o que ele denomina de tensão produtiva da
perplexidade da linguagem em várias localizações do viver (p. 569). A partir da própria
vivência como “expatriados”, propõe entender e questionar, desde o início, as tensões
dualísticas e/ou dialéticas entre: povo – sociedade – cultura - colonizador e povo; minoria -
social – cultura - imigrante – expatriada - colonizado.
Assim, dependendo do “lugar de onde se olha”, da nação da qual se faz objeto de observação,
percebe-se um determinado movimento-deslocado de um povo: seja de dispersão desse povo,
seja de união desse mesmo povo. Esse faz parte de minorias ou micro-sociedades citadas, como
expatriados, exilados, emigrantes ou refugiados, que se encontram em espaços de “culturas
estrangeiras”, nos ghettos e cafés no centro das cidades. Bhabha considera que essas pessoas
vivem uma espécie de semi-vidas, porque nem são considerados, nem consideram a si mesmos
integrantes da sociedade na qual deveriam estar inseridos. A separá-los concorrem o “não
domínio dos idiomas estrangeiros”, a “não fluência dessas línguas”, ou ainda uma “fluência
sinistra”, gauche, da língua do Outro. Eles - os semi- cidadãos - não têm um “dialet coach” para
ajudar a limpar o sotaque, a melhorar a dicção, aprimorar a entonação. Na fala da língua
estrangeira, o falante tende a transferir sua entonação nativa para o segundo idioma – o que não
só muda o sentido do que é dito como conteúdo a forma ficam comprometidos.
“Aprendeu vinte palavras da nova língua. Mas para seu espanto, o sentido destas
mudou quando ele as proferiu. Pediu um café”. (p.564).
Migração
Pluralidade Dispersão
Disseminação Multiplicidade DissemiNação Reunião
Indecidibilidade Diáspora
Exílio
“(...)Rushdie parece sugerir [em Os Versículos Satânicos] que é apenas através do processo de
dissemiNação – do sentido, do tempo, dos povos, das fronteiras culturais e das tradições
históricas – que a alteridade radical da cultura nacional criará novas formas de viver e de
escrever” (p.565)
“O que faço tensão de [estou a tentar] formular neste ensaio são as estratégias complexas de
identificação cultural e de alocução discursiva que operam em nome do ‘povo’ ou da ‘nação’ e
fazem destes os sujeitos e os objectos imanentes de uma multiplicidade de narrativas sociais e
literárias” (p.534).
Na citação de Gellner sobre “[o]s retalhos e remendos culturais usados pelo nacionalismo”
(p.536)
“Só procuro alinhavar algumas notas sobre o tempo intermitente, e o espaço intersticial, que
emerge como estrutura da indecidibilidade nas fronteiras da hibridez cultural” (p.559).
Na citação que faz do texto de Rushdie “(...) Aquela manta de retalhos embrulhada pela
memória era na realidade o cerne, o âmago da sua pessoa, o seu auto-retrato” (p.567).
Colapso entre discurso teórico e o artístico-literário: seu texto se coloca como uma narrativa
que dialoga com outras narrativas, sejam elas de natureza teórica ou literária: exemplo disto são
os textos citados-analisados neste ensaio (Gellner, Foucault, Anderson, Kristeva, Fanon,
Rushdie, Harlem Renaissance etc). Nesta concepção, a nação, seja em textos literários, seja em
textos teóricos aparece como narrativa:
Nação como metáfora – “É necessário também que haja uma tribo de intérpretes destas
metáforas – os tradutores da disseminação de textos e discursos através das culturas” (p.535)
“Para minha conveniência, construí uma citação composta a partir das várias descrições que
Althusser faz dos efeitos ideológicos do historicismo.” (p.547)
Suplemento
“A estratégia suplementar sugere que, apesar de se acrescentar, não se tem que forçosamente
somar, mas é possível que o resultado final do cálculo seja afetado” (p.551)
Povo-Nação As pessoas
Texto “sem uma lógica causal ‘centralizada’” (p535), “teoria viajante”, flutuante: contra o
historicismo, contra o encadeamento causa-conseqüência, contra o centro:
Isso acontece textualmente pela ausência das marcas características de um discurso/texto dito
teórico, como por exemplo, os conectores (portanto, logo), o uso de citações
descontextualizadas; o não encadeamento dos argumentos, mas sim a disseminação destes pelo
texto, como uma série de linhas discursivas que se entrelaçam vez ou outra e que durante o
transcorrer do texto irrompem aqui e acolá, numa espécie de repetição que nunca é a mesma.
Texto que se opõe à síntese, a uma totalização, assim como “a nação enquanto estratégia
narrativa” (p.535):
(...) é contra a certeza histórica e contra a natureza fixada deste termo [nacional ismo] que eu
procuro escrever a nação ocidental como uma forma obscura e ubíqua de viver a localização da
cultura. Esta localização radica mais á volta [around] da temporalidade do que sobre [about] a
historicidade: é uma forma de existência mais complexa do que ‘comunidade’; mais simbólica
do que ‘sociedade’; mais conotativa do que ‘país’; menos patriótica do que patriae; mais
retórica do que razão de estado; mais mitológica do que ‘ideologia’; menos homogênea do que
hegemonia; menos centrada do que o cidadão; menos coletiva do que ‘o sujeito’; mais psíquica
do que civilidade; mais híbrida na articulação entre diferenças e identidades culturais – gênero,
raça ou classe – do que uma estruturação hierárquica ou binária do antagonismo social é capaz
de representar” (p.534).