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o Horror Sobrenatural na Literatura

A emoção mais forte e mais antiga do


homem é o medo, e a espécie mais forte e mais
antiga de medo é o medo do desconhecido.
Poucos psicólogos contestarão esses fatos , e
a sua verdade admitida deve firmar para
sempre a autenticidade e dignidade das
narrações fantásticas de horror como forma
literária.

~-
nOnclSCO
Alves
qualidade há mais de um século
o HORROR SOBRENATURAL
NA LITERATURA

o HORROR SOBRENATURAL
NA UTERATURA

H.P. Lovecraft (1890-1937) é o mais


importante supernaturalista desde Poe e
teve uma incalculável influência em todos
os escritores de história de horror nas úl-
timas décadas. Apesar de somente de al-
guns anos até hoje sua ficção estar go-
zando de popularidade, ainda não é am-
plamente conhecida a sua critica ao papel
das histórias sobrenaturais na literatura
- considerada ainda a sua melhor dis-
cussão histórica do gênero.

Com imensa penetração e poder, 1..0-


vecraft expõe todas as formas do sobre-
natural do horror e sumariza de maneira
magistral todas as gamas de expressões li-
terárias desde o folclore primitivo até os
contos dos seus mestres do século xx.
Dando seqüência à discussão a respeito
do terror nas literaturas antiga, medieval,
renascentista, ele dá partida a uma busca
r

Howard Phillips Lovecraft

o HORROR SOBRENATURAL
N A LITERATURA
com prefácio de E. F. BLEILER

1
Tradução
João Guilherme Linke
r
e 1973 by Dover Publications, Inc.
Todos os direitos reservados à Pan Arnerican and Intemational
Copyright Conventions

Publicado de acordo com SCOTT MEREDITH LITERARY


.
.i

AGENCY, INC 845 Third Ave. New York - NY 10022

Título original: Supernarural Horror in Literature


Sumário
Revisão tipográfica: Marcos Aurélio Villegas Martins
Edilson Chaves Cantalice
Argemiro de Figueiredo 1. Introdução 1
2. Os Primórdios do Conto de Horror 7
Impresso no Brasil 3. As Primeiras Novelas Góticas 13
Printed in Brasil
4. O Apogeu do Romance Gótico 21
1987 5. Os Desdobramentos da Ficção Gótica 29
6. A Literatura Espectral no Continente 39
ISBN 85-265-0083-X 7. Edgar Allan Poe 47
8. A Tradição Fantástica na América do Norte 55
Todos os direitos desta edição reservados à 9. A Tradição Fantástica nas Ilhas Britânicas 73
LIVRARIA FRANCISCO ALVES EDITORA S.A.
Rua Sete de Setembro, 177 - Centro 10. Os Mestres Modernos 85
Te!.: 221-3198
20050 - Rio de Janeiro - RJ
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Introdução à Última Edição Americana

o falecido Howard P. Lovecraft (1890-1937) foi prova-


velmente o escritor mais notoriamente perdulário da mo-
derna literatura americana, e nada mostra tão bem esse atri-
buto como o longo.ênsaio'C' Horror Sobrenatural na Litera-
tura. Nele, o mais importante dos sobrenaturalistas norte-
americanos desde Poe formulou a estética da história de
horror sobrenatural, sumariou de forma magistral o domínio
conhecido dessa classe de ficção, ministrando um guia de
leitura e um ponto de vista a toda uma geração de escritores
e leitores - e depois, para todos os efeitos práticos, jogou o
ensaio no lixo.
Por volta de 1924, Lovecraft, então um escritor semipro-
fissional de manifesto talento e renome crescente, foi solici-
tado por seu amigo epistolar W. Paul Cook a compor um en-
saio histórico sobre a ficção fantástica para uma revista de
amadores que Cook planejava publicar. Aparentemente,
Lovecraft não hesitou nem questionou a razoabilidade do
pedido; e aplicou-se prontamente a um programa de leitura e

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;

redação que se estendeu por cerca de três anos. Presumi- pensamento pujante e sutil, agudo senso crítico e uma per-
velmente encaixou as suas leituras entre as centenas de lon- cepção de evolução e de meio cultural que faria inveja a
gas cartas a amigos, sua ficção e as histórias de fantasmas qualquer historiador. Muito poucos juízos de Lovecraft fo-
que eram seu meio de vida. ram refutados, mesmo pela crítica mais abalizada, e a argú-
Em 1927 o trabalho ficou pronto e foi enviado a Cook. cia de Lovecraft foi encarecida por críticos tão diversos
Pouco depois apareceu em The Rec/use, uma revista em quanto Vincent Starrett e Edmund Wilson.
formato infólio com uma capa cinza-escura que ostentava Há um talento que Lovecraft demonstra em grau supemo
uma versão adulterada de uma gravura de Dürer. Lovecraft em O Horror Sobrenatural na Literatura. Nenhum outro
recebeu alguns exemplares grátis, que distribuiu entre ami- escritor foi capaz de recapitular uma história fantástica de
gos e críticos cujas opiniões prezava. E então o ensaio desa- modo tão instigante, penetrando a essência da obra e a re-
pareceu, exceto na memória. Hoje, esse periódico gratuito, produzindo com toda a precisão, mas com uma força suges-
cuja vida limitou-se a um único número, vale algumas cen- tiva que às vezes chega a suplantar a peça original. Em suas
tenas de dólares por causa da contribuição de Lovecraft. cartas Lovecraft comenta uma faceta assinalada da sua
Esporadicamente Lovecraft continuou a trabalhar no en- mente: constantemente sua memória remodela os livros que
saio. Em princípios dos anos 30 a indústria dafan magazine ele leu, e ele se vê obrigado a voltar atrás para impedir-sede
estendeu-se aos campos da ficção científica e da ficção de deformar idéias. Mas conseguiu evitar essa espécie de de-
horror, e uma das melhores deste tipo de revista, The Fan- turpação. Ademais, muitas passagens do seu ensaio contes-
tasy Fan, publicou em série O Horror Sobrenatural na Lite- tam a acusação de que Lovecraft sempre tenha escrito em
ratura. Lovecraft compôs algumas revisões, mas a revista estilo pesado e rebuscado. O leitor que tenha percorrido a
morreu antes de terminado o ensaio. As revisões tiveram de mesma literatura há de maravilhar-se com o modo como
esperar pelo volume de memórias de Lovecraft, The Outsi- Lovecraft sempre encontra algo de novo a dizer sobre o que
der and Others, que saiu em 1939, dois anos depois da morte podia parecer um assunto esgotado.
de Lovecraft. Os editores, August Derleth e Donald Wan- Entretanto, o não-iniciado deve precaver-se com a semân-
drei, organizaram o texto final. tica peculiar de Lovecraft, que liga este ensaio à ficção do
Foi em The Outsider e numa publicação avulsa em livro autor. Basicamente ela assenta na mesma estética, e fre-
de 1945 que O Horror Sobrenatural na Literatura ganhou qüentemente o vocabulário encerra blocos de associações
conhecimento geral. que seriam evidentes para um leitor das histórias, mas po-
dem confundir o leigo. Para Lovecraft, "casa marcada" é
II uma maneira elíptica de designar uma casa de tal modo as-
sociada a um horror sobrenatural que é evitada pelas pes-
o Horror Sobrenatural na Literatura é em vários aspec- soas normais. Ou, chamar à Xelucha de Shiel "um frag-
tos uma esplêndida realização. Estruturalmente é um per- mento morbidamente horrível" constitui uma apreciação al-
feito tour de force. transformando o que podia ter sido um tamente elogiosa. Significa que Shiel conseguiu comunicar
catálogo comentado em uma unidade orgânica. Revela um com grande eficiência uma atmosfera de terror particular-
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mente pavorosa empregando imagens universalmente con- Cabem, no entanto, algumas observações gerais. Os vito-
sideradas repulsivas, como por exemplo cobras venenosas. rianos estão escassamente representados. Love~raft co-
"Seres primevos" denomina estranhas inteligências pré- hecia Le Fanu de nome, e é surpreendente que nao t~nha
humanas, possivelmente extraterrestres, com óbvias vincu- ~alado mais a seu respeito. Só posso. imagin~r que os hvro~
lações à ficção de Lovecraft. Mas essas peculiaridades são não fossem disponíveis, visto que ainda hoje ~eFanu esta
facilmente assimiladas. escandalosamente ausente das bibliotecas amen~a~as. que
É notável o número de livros que Lovecraft cobriu, tanto Lovecraft não se ocupasse do outro pólo do fantástico vito-
mais se levado em conta ser ele um leitor vagaroso e que riano - as obras de Amélia B. Edwards , Rhoda. Broughton,
muitas vezes tinha de obter os livros por empréstimo de Miss Braddon e Mrs. Riddell - não é de admirar, pOIShá
amigos de outras partes do país. Eles vão desde o mundo uma boa probabilidade de que não atribuísse a.essas autoras
clássico da Antigüidade, que provavelmente ele explorou maiores qualidades, por não acentuarem o pr~sma sob~'~na-
através das Histórias Fantásticas Gregas e Romanas de tural que Lovecraft exigia. Também curioso e que ormnsse
Morley, até a nova ficção dos anos 20, em que selecionou Oliver Onions. Talvez Onions estivesse programado par~
certeiramente as figuras importantes. No quetoca aos góti- as revisões que não chegaram a ser feitas. Em termos de VI-
cos e ao século XI X, ele releu as obras sugeri das por Saints- são crítica, a meu ver, Lovecraft superestimou Lord Dun-
bury, Edith Birkhead, Aliene Gregory e Montague Sum- sanye C. A. Smith. O caso de Smith, o único escri~or ~on~
mers. É claro que não incluiu tudo o que leu; dezenas de li- temporâneo americano a que Lovecraft vota reverencia. e
vros devem ter sido refugados porum ou outro motivo. Mas difícil de entender.
a versão final fornece a primeira análise realmente percu- Ninguém deve levar a sério os comentá~ios_ de Lov,ec:aft
ciente de autores modernos como Arthur Machen, W. H. sobre as origens étnicas ou raciais da ficção fantástica.
Hodgson, Algernon Blackwood, Lord Dunsany, M. P. Neste ensaio essas teorias são umajaça menor, um detalhe
Shiel e muitos outros. infeliz que pode ser relevado, embora assuma proporções
Naturalmente há lacunas em O Horror Sobrenatural na calamitosas nas suas cartas. O leitor pode considerar esses
Literatura, e é fácil, quase cinqüenta anos passados, apon- conceitos como um artifício sugestivo, capaz de despertar-
tar aspectos que Lovecraft passou por alto. Outros lhe a empatia. o que provavelmente era parte ?O intu~to de
complernentaram-Ihe a obra e os textos são mais acessíveis. Lovecraft. Quanto à discussão central do ensaio. a pSlc?lo-
Depois do escrito de Lovecraft, Montague Summers e De- gia do medo, é uma questão de opinião. Será bastante dlz~r
vendra Varma patrocinaram retrospectivas góticas, os vito- que Lovecraft expõe suas idéias com coerência, penetraçao
rianos foram melhor explorados por S. M. Ellis e Michael e vIgor.
Sadleir, e várias antologias históricas reuniram o que deve
ter custado anos de pesquisa. É digno de nota que Lovecraft III
tenha sido capaz de escrever o seu ensaio antes desse surto
de interesse. o Horror Sohrena(urall1a Literatura é de certo modo a
experiência coletiva de um momento da história da litera-
tura popular nos Estados Unidos. O campo da ficção fantás-
tica, exemplificado na revista Weird Tales (e em suas con-
correntes menos vitoriosas Ghost Storie s e Tales of Magic .:l

and Misteryv, desenvolveu-se paralelamente ao da sua irmã :'..

mecanística, a ficção científica, ou talvez a precedeu ligei-


ramente. Os leitores de w eird Tales experimentaram um
sentimento de fraternidade e comunhão, a sensação de par-
o Horror Sobrenatural na Literatura
ticipar de um progresso. Entretanto, ao contrário da ficção
científica, que nos anos 20 não contava com um passado de
qualidade anterior a H. G. WeIls (e bem pouco depois dele),
a ficção fantástica tinha uma história longa e rica. Havia cu-
riosidade em torno dessa história. Edith Birkhead em seu
Tale o] Terror cobriu os góticos bastante bem, mas seu
ponto de vista é pedante e sua cronologia, limitada. Era pre-
ciso um novo estudo.
H. P. Lovecraft era a pessoa ideal para compilar uma ge-
nealogia estética do gênero. Tinha uma simpatia verdadeira
pela forma, uma estética avançada que via uma forma em
vez de uma coleção de histórias, e um olho de profissional.
Seu ensaio estabeleceu uma comunidade evolucionista com
o passado e um campo de exploração para os seus confra-
des.
Assim como os conceitos de horror de Lovecraft e suas
técnicas literárias canalizaram grande parte do curso inter-
nacional da ficção fantástica dos últimos dez ou vinte anos,
seu ensaio O Horror Sobrenatural na Literatura ajudou a
preparar esse desenvolvimento. Quase cinqüenta anos de-
pois, continua sendo a melhor análise histórica da ficção so-
brenatural.

Janeiro de 1973 E. F. BLE/LER


1. INTRODUÇÃO
A emoção mais forte e mais antiga do homem é o medo, e
a espécie mais forte e mais antiga de medo é o medo do des-
conhecido" Poucos psicólogos contestarão esses fatos, e a
sua verdade admitida deve firmar para sempre a autentici-
dade e dignidade das narrações fantásticas de horror como
forma literária. Contra ela são desferidos os dardos de uma
sofisticação materialista que se apega a emoções freqüen-
temente sentidas e a eventos externos, e de um idealismo in-
genuamente inspirado que reprova o motivo estético e re-
clama uma literatura didática que" eleve" o leitor a um grau
apropriado de otimismo alvaro Mas em que pese toda a opo-
sição, o conto de horror sobreviveu, evoluiu e alcançou no-
táveis culminâncias de aperfeiçoamento, fundado como é
num princípio profundo e elementar cujo apelo, se nem
sempre universal, deve necessariamente ser- pungente e
permanente para espíritos da sensibilidade requerida.
A atração do espectral e do macabro é de modo gerallimi-
tada porque exige do leitor uma certa dose de imaginação e

1
r
u.ma capacidade de desligamento. .
tIvamente poucos são fi· da vIda do dIa-a-dia. Rela- dade por razões impenetráveis e inteiramente extraterrenas,
. su ICIenteme t ,.
rotma do cotidiano para ., n e ivres das cadeias da portanto pertencentes a esferas de existência de que nós
porta, e as descrições d:~~~ ~s bati?a~ do lado de fora da nada sabemos e em que não participamos. O fenômeno do
ou de vulgares desfiguraçõ ço~s e m~Identes ordinários, sonho também contribui para formar a noção de um mundo
e emoções, terão sempre ;r~ se~t~Im~ntaIsdesses incidentes irreal ou espiritual; e, de modo geral, todas as condições da
Com razão talvez já q ce encia no gosto da maioria. vida selvagem primitiva levavam tão fortemente à impres-
f ' , ue o curso de '
orrna a parte maior da experí ~. sses temas ordinários são do sobrenatural que não é de admirar o quão completa-
- iencia huma M mente a essência hereditária do homem veio a saturar-se de
vos estao sempre conosco e' na. as os sensiti-
magia invade um recanto 'b as vezes um curioso lampejo de religião e de superstição. É fato científico bem definido que
id o scuro da c b . essa saturação deve ser vista como virtualmente perma-
rn a; de modo que nenhu d a eça mais empeder-
fierma ou de análise fre d·' ma ose de rací I· - nente no que toca à mente subconsciente e aos instintos
CIOnaizaçan ' de re-
li u rana e ca d
mente o arrepio do sus paz e anular completa- mais profundos; pois embora a área do desconhecido venha
no
resta solitária. É decorr~u~o d canto da lareira ou da flo- há milhares de anos progressivamente se encolhendo, um
- . ,. encia e uma conf -
ç.~oP.SIcologICatão real e tão fund o~açao ou tradi- reservatório infinito de mistério envolve ainda a maior parte
nencra mental quanto . amente arraIgada na expe- do cosmo exterior, e um vasto resíduo de associações her-
tradições da humanidadq~aIsquer outras conformações ou dadas poderosas persiste aderido aos objetos e processos
. ti
m imamenre relacionada. e, coeva do sentiImento relIgIOSO ..
e que outrora eram misteriosos, por bem que se expliquem
por demais intrínseca da anOmuItohs dos seus aspectos, é parte agora. Mais que isso, há uma efetiva fixação fisiológica dos
cera 1 para perder a fort infl ssa ~ ..
erança bi I' .
10 ogica mais vis- primitivos instintos no nosso tecido nervoso, que de um
. . e I uencIa que e
sIgmficativa mesmo se -. xerce numa minoria modo obscuro os faria operantes mesmo que a mente cons-
cie. ' nao muno numerosa, da nossa espé- ciente viesse a ser purgada de todas as fontes de perplexida-
Os primeiros instintos e emo -
sua resposta ao meio em == do homem moldaram a
definidas baseadas em que ele se _~JU envolvido. 'Sensações
de.
Dado que a dor e o perigo de morte são mais vividamente
lembrados que o prazer, e que os nossos sentimentos relati-
~
fienomenos prazer e dor c .
cujas causas e efei - naram-.se em torno dos vos aos aspectos favoráveis do desconhecido foram de iní-
passo que em torno do I,tos ~Ie podIa entender ao cio captados e formalizados pelos ritos religiosos consagra-
b s que e e nao t di ,
a undavam no mundo d .. en en Ia - e estes dos, coube ao lado mais negro e malfazejo do mistério cós-
os pnmeIros te
naturalmente os concejj d . mpos - teceram-se mico figurar de preferência em nosso folclore popular do so-
- os e magIa as ·fi brenatural. Essa tendência é reforçada pelo fato de que in-
sensaçoes de assombro e medo ' '. persom Icações e
dora de idéias poucas e sim I propnas~: u~a ~aça porta- certeza e perigo sempre são estreitamente associados, de
desconhecido sendo I p es e expenencIa lImitada O forma que o mundo do desconhecido será sempre um mundo
, Igua mente o . . , .
í

para os nossos avós prímiti ImprevIsIvel, tornou-se de ameaças e funestas possibilidades. Quando a esse senti-
fonte de bênçãos e cala ~I ~vos uma .onipotente e terrível mento de medo e de desgraça se adiciona a fascinação inevi-
2 mi a es despejadas sobre a humani- tável do espavento e da curiosidade, nasce um corpo com-

3
posto de emoção exacerbada e imaginativa provocada cuja
vitalidade certamente há de durar tanto quanto a própria , tar resente uma certa atmosfera de terror
raça humana. As crianças sempre terão medo do escuro, os gras. Ha qu~ es r ~ I ante forças externas ignotas; e t~m
homens de mente sensível ao impulso hereditário sempre sufocante e mexp Ic~ve sa com a soienidade e sen~-
tremerão ao pensamento de mundos ocultos e insondáveis que haver uma alusao, e,xpre.s terrível concepção da inteli-
de vida diferente que quem sabe pulsam nos abismos além dade adequada ao tema, a mais _ ou derrogação particular
A h • a - uma suspensao ,. e
das estrelas ou sinistramente oprimem o nosso próprio gencia uman' . I . da Natureza, que sã Oa nossa umca defesa
.
globo em dimensões perversas que somente QS mortos e os das imutáveis el~ d demônios do espaço m-
contra as agressoes do caos e os
dementes podem vislumbrar.
Com esse fundamento, não há por que se admirar de que sondado. - erar que todos os contos
exista uma literatura de horror. Sempre existiu e sempre Naturalmente nao podem~~~~Pabsoluto a um modelo te-
existirá; e não se pode citar melhor prova do seu vigor tenaz de horror se conformem de dif entre si e as melhores
'adoras herem ,
que o impulso que de quando em quando leva autores de órico. As mentes Scnpontos fracos. Ademais , grande parte do
• A

tendências totalmente opostas a ensaiá-Ia em contos isola- tessrturas tem seu ,. onsciente aparecendo em
'd Ih em horror e mc , . e'
dos, como se para aliviar suas mentes de certas formas fan- que ha e me or , . di os em material cUJOeleito
tasmais que de outro modo os obcecariam. Assim, Dickens fragmentos mernoraveis I~pers uito diferente. O mais im-
escreveu diversas narrativas de pavor; Browning, o tétrico de conjunto pode, ser de n;lpe m o critério final de auten-
ois
poema Childe Roland; Henry James, A Volta do Parafuso; portante d_et~do e a atm~: ~~a~frama e sim a criação de u~a
ticidade. nao
o Dr. Holmes, o engenhoso romance Elsie Venner; F. Ma- d e o reco~te
çao Po d e-se a firmar
I , em termos gerais,
rion Crawford, O Leito de Cima entre outros exemplos; determina a sensa ,'.
que uma história . intento seja instruir ou pro-
fantástica cUJO final os horrores se des-
Charlotte Perkins Gilman, assistente social, O Papel de Pa- . socia. I'.ou em que no .I - é um autentico
duzir um efeito A •

rede Amarelo; e o humorista W. W. Jacobs produziu o exce- . d meIOS naturais , nao .


lente melodrama intitulado A Pata do Macaco. façam explica os por _ verdade é que narrati-
' ico: nao menos .
Não se deve confundir esse tipo de literatura de pavor conto de pavor cosm, f qü ência em partes Isola-
Possuem com re , . _
com um tipo bastante semelhante mas psicologicamente vas como essas ,. e atendem a todas as condições
muito diferente: a literatura do medo meramente físico e do das, toques a~m~sfencos ~~r sobrenatural. Portanto, uma
horror terreno. Sem dúvida ela tem o seu lugar, como o tem da legitima ficção de h~ I d não pela intenção do autor,
a história de fantasmas corriqueira ou mesmo humorí~tica peça do gênero deve s~r !u ga a d mas pelo plano erno-
ou extravagante, em que o formalismo ou a piscadela irônica nem pela simples rnecaruca do e~re m~'nos trivial. Se excita-
cional que ela atinge em seu po,~ o t alto" deve ser reco-
do autor elimina o verdadeiro senso do mórbido e do inatu- . ões esse pon o
ral; mas não é a literatura do pavor cósmico em sua acepção das as devidas emoç~ . ' ró rios como literatura de hor-
mais pura. O verdadeiro conto de horror tem algo mais que nhecido pelos seus ment,os p p que venha a descambar. O
sacrifícios secretos, ossos ensangüentados ou formas amor- ror, não importa o prosaIs~o ~;;rror é simplesmente este: se
talhadas fazendo tinir correntes em concordância com as re- único teste para o verdadeiro ti ento de profunda apreen-
. - I itor um sen 1m
suscita ou nao no e
São e de contato com es eras
f diferentes
I e forças desconhe-
4
. , 5

,
cidas; uma atitude sutil de escuta ofegante, como à espera
do ruflar de asas negras ou do roçar de entidades e formas
nebulosas nos co~fins extremos do universo conhecido. E, é
claro, quanto rnars completa e unificadamente uma história
comunique uma tal atmosfera, tanto melhor é como obra de
arte no gênero considerado.

2. Os Primórdios do Conto de Horror

Como é lógico esperar de uma forma tão intimamente li-


gada às emoções primevas, o conto de horror é tão velho
quanto o pensamento e a linguagem do homem.
O terror cósmico aparece como ingrediente do mais re-
moto folclore de todos os povos, cristalizado nas mais ar-
caicas baladas, crônicas e textos sagrados. Na verdade, foi
feição proeminente da complexa magia cerimonial, com
seus ritos de conjuração de trasgos e demônios, que flores-
ceu desde os tempos pré-históricos e alcançou seu máximo
desenvolvimento no Egito e nos países semitas. Fragmentos
como o Livro de Enoque e as Claviculae de Salomão ilus-
tram bem o poder do fabuloso na mentalidade oriental anti-
ga, e sobre coisas como essas fundaram-se sistemas e tradi-
ções duradouras cujos ecos obscuramente estendem-se ao
presente. Traços desse terror transcendente são vistos na li-
teratura clássica, e há indícios de um influxo ainda maior
numa literatura de baladas concomitante com a corrente
clássica porém que se perdeu por fal ta de um meio escrito. A
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Idade Média, mergulhada em fantasiosa escuridade, deu- Afim em essência, e talvez a ela associado de fato, foi o me-
lhe enorme impulso no sentido da expressão; e Oriente e donho sistema'secreto de teologia às ave7~as. ou culto ~~
Ocidente empenharam-se igualmente em preservar e ampli- Satã que produziu horrores como a famosa ~Issa Negra .'
ficar a herança tenebrosa, quer do folclore disperso quer da e, operando no mesmo sentido, podem-s~ assinalar as atlv!-
magia e do ocultismo academicamente formulados, que lhes dades daqueles cujos propósitos eram ate c~rto ponto ~~IS
fora transmitida. Bruxas, vampiros, lobisomens e duendes científicos ou filosóficos - astrólogos, cabahstas e alqUlmls-
incubaram ominosamente na tradição oral dos menestréis e tas do tipo de Albertus Magnus ou Raymond L~lly, em que
das vovós, e não precisaram muita incitação para num passo e'ssas épocas rudes invariavelmente ab~ndam.·A preval~n-
final transporem a fronteira que divide a ode e a cantiga da cia e difusão do espírito-de-horror medieval na Europa, m-
composição literária formal. No Oriente o conto místico tensificado pelo negro desespero acarretado por ondas de
tendeu a assumir um colorido suntuoso e picaresco que pestilência, pode ser disti~tament~ avaliada ~as grotesc~s
q~as.e o transformou em fantasia pura. No Ocidente, onde o esculturas ardilosamente mtroduZldas em muitas das mais
rrustico teutão descera da sua negra floresta boreal e o celta belas obras sacras da última fase do gótico; as gárgulas de-
recordava sinistros sacrifícios em bosques druídicos, ga- moníacas de Notre Dame e Mont St. Michel estão entre os
nhou uma intensidade extrema e uma atmosfera de serie- exemplos mais famosos., E em todo esse período, de~e ser
dade convincente que dobrou a força dos horrores parte ex- lembrado, havia tanto entre os cultos como entre os iletra-
pressos e parte sugeridos. dos uma crença cega em todas as formas de sobrenatural.
Muito da força do fabulário ocidental de horror deveu-se das mais mansas doutrinas do cristianismo às mal~ mo.ns-
indubitavelmente à presença oculta mas freqüenternente sus- truosas perversões da bruxaria e da magia n~gr.a. Nao foi de
peitada de um repelente culto de adoradores noturnos cujos uma sementeira vazia que nasceram os alqUlmlstas e magos
estranhos costumes - oriundos de tempos pré-arianos e da Renascença - Nostradamus, Tritemius, Dr. John Dee ,
pré-agrícolas quando uma raça de atarracados mongolóides Robert Fludd e muitos outros.
pervagou a Europa com suas récuas e rebanhos - tinham Nesse solo fértil medraram tipos e personagens de l.en?~s
raízes nos mais asquerosos ritos de fertilidade de eras ime- e mitos sombrios que persistiram na literatura de rmsteno
moriais. Essa religião secreta, furtivamente passada de ge- até os nossos dias, mais ou menos disfarçados o~ alterados
ração a geração de camponeses durante milhares de anos pelas técnicas modernas. Muitos deles foram tirados das
apesar do aparente reinado das fés druídica, greco-romana mais remotas fontes orais, e são parte da herança perma-
ou cristã nas regiões respectivas, foi marcada por selvagens nente da humanidade. A sombra que aparece e reclama o
"Sabás de Feiticeiros" em matas solitárias ou montes remo- sepultamento dos seus ossos. o de~ônio enamorado que
tos nas Noites de Walpurgis ou no Hallowe'en, as quadras vem raptar a noiva ainda viva, o conditor das a~mas dos mor-
tra.dicionais de acasalamento das cabras, ovelhas e gado; e tos ou psicopompo cavalgando o vento da noite, ? homem-
v.elOa ser fonte de uma abundante safra de lendas de feitiça- lobo a câmara lacrada, o mágico imortal - tudo ISSOpode-
na, além de dar causa a inúmeros processos por bruxaria se e~contrar no curioso repertório da lenda medieval que o
sendo o episódio de Salem o principal exemplo americano: finado Baring-Gould com tanta proficiência compilou em
9
8

-
forma de livro. * Em todos os lugares onde o sangue místico na paisagem, no conteúdo e na forma de expressão. A prosa
do norte do~i~ou, a atmosfera dos contos populares dá-nos Morte d' Arthur de Malory, em que se apresentam
mostro~-se ~als mte,n~a; pois nos povos latinos há um toque várias situações horripilantes tiradas de temas de velhas ba-
de :elaclOnahdade básica q~e retira mesmo das superstições ladas - o roubo da espada e da veste do cadáver em Chapel
ma!s fabulosas muno das vibrações de sortilégio tão carac- Perilous por Sir Launcelot, o fantasma de Sir Gawaine e o
tenstlcas dos nossos SUssurros nascidos na floresta e ali- espírito da tumba visto por Sir Galahad - ao ~asso que ou-
mentados no gelo.
tros espécimes mais toscos eram certamente divulgados em
AssiI? como ~oda a ficção criou corpo inicialmente no folhetins baratos e sensacionalistas mascateados nas ruas e
verso, e na poes,la .que deJnício deparamos o ingresso per- devorados pela plebe ignorante. No drama isabelino, com
manente do fantastIco na lIteratura corrente.'Curiosamente seu Dr . Faustus, nas bruxas de Macbeth, no fantasma de
os exemplo.s mais antigos são na maioria e~ prosa: como o Hamlet e na atroz hediondez de Webster podemos facil-
caso do l?blsomem em Petrônio, as horripilantes passagens mente discernir a forte sedução do demoníaco no espírito do
de Apuleio, a curta ma.scélebre carta de Plínio o Moço a Su- povo; uma sedução multiplicada pelo temor muito real da
ra, e ~ estranha. compilação Dos Proqígios pelo grego Flé- bruxaria viva, temor que, a princípio mais frenético no con-
go.n, l~berto do Imperador Adri~no. E em Flégon que pela tinente, passa a ecoar ruidosamente em ouvidos ingleses.à
pn.melra vez encontramos a Impressionante história da medida que as campanhas de caça às bruxas de Jaime I mais
noiva defunta, Filinio e Macates, mais tarde contada por se exacerbam. ;À prosa mística despercebida das idades ••
Pr~clo e nos tempos modernos formando a inspiração de A acrescente-se uma longa série de tratados de feitiçaria e de-
NOlV~ de Corinto de Goethe e de O Estudante Alemão de
monologia que ajudam a excitar a fantasia do mundo dos lei-
Washmgton Irving. Mas quando os velhos mitos nórdicos tores.
tom~m. forma literária, e no tempo mais recente em que o Em todo o século XVII e parte do XVII I observamos
fantastIc? surge como elemento constante na literatura da uma massa efêmera de lendas e baladas de feição astrosa, se
mod~, nos o encontramo, quase sempre em forma metrifi- bem que reputada muito abaixo da literatura refinada e con-
c~da, como ~h.asencontramos a maior parte dos escritos es- sagrada. Folhetins de horror e assombração proliferaram, e
tntamente mltlcos da Idade Média e do Renascimento. Nos podemos entrever o ávido interesse popular através de
E?as ~ nas S~ga.sda Es~andinávia há ressonâncias de horror fragmentos como A Aparição de Mrs. Veal de Defoe, um ~e-
cosnuco e fre~lto.s do mdizÍvel pavor de Ymir e da sua in- lato prosaico da visita espectral de uma morta a uma amiga
forme descende?cla; enquanto o nosso Beowulf anglo-saxão distante, escrito para disfarçadamente promover uma dis-
e as lendas contmentais dos NibeJungos, mais recentes, são sertação teológica sobre a morte, que vendia mal: As cama-
replet~s ~e monstruosidades. Dante foi um pioneiro na cap- das mais altas da sociedade estavam perdendo a fe no sobre-
tura classíca da atmosfera macabra, e nas soberbas estanças natural e embarcando num período de racionalismo clássi-
de Spenser vêem-se não poucos toques de terror fantástico co. Depois, a partir das traduções de contos orientais no
*curtous
. MYlhs of lhe Midd/e Ages. _ E. F.B.
reinado da rainha Ana, e tomando forma definida pelos me-
ados do século, vem o renascer do sentimento romântico -
IO
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a era do gosto, ~ela n~t~reza, pelo brilhantismo de tem os
pa,ss~dos, cenanos exoticos, feitos audazes e maravilh ~
cnveis Nó b " as m-
_' s o perce emos pnrnetro nos poetas cui as ma '
festaçoes adquirem novas qualidades de prodígio ~ ti m-
e como - EfI' ,exo Ismo
çao. ma mente, apos o tímido aparecimento de al-
gumas cenas dantescas em romances da moda _
Aventuras de Ferdinand Conde Fath . como
instinto de libertação p:ecipita-se no °n~s~fm~~t~I~~ ~ o
nova escola literária: a escola' 'gótica" do h ' I d ma
tá ti fi - ornve e o fan-
t::i~~~~~s~~~:o ;;;tf;~~: ~a~~~~~nognaucomo curta, cuja ~os-
t- A. merosa e em murros
casos ao esplêndida em mérito artístico. Pensando bem é
~e~~~:d~d~.n~tavel que a n,arrativa fantástica como forma'li-
dado tan~oI~:na e ~cademIcamen~~ r~conhecida tenha tar-
são tão anti aca ar de nascer. O Impulso e a atmosfera 3. As Primeiras Novelas Góticas
. gos quanto o homem, mas o típico conto de h
ror da literatura corrente é filho do século dezoito. or- 'As paisagens povoadas de fantasmas-de Ossian, asvisões
caóticas- de William Blake, o grotesco, que baila em Tam
O' Shanter de Burns, Õ sinistro demonismó de Coleridge em
Christabel e O Velho Marinhe iro ,_amagia etéreado K ilmeny
de J ames Hogg e traços mais discretos de horror cósmico
em Lamia e vários outros poemas de Keats são exemplos tí-
picos ingleses do advento do fantástico na literatura formal.
Nossos primos teutões do continente foram igualmente re-
ceptivos àquele crescente dilúvio: de Bürger, Caçador Sel-
vagem e, ainda mais famosa, a balada do noivo-demônio
Leonora - ambas imitadas em inglês por Scott, cujo res-
peito pelo sobrenatural sempre foi grande - são somente
uma pequena amostra da exuberância do incrível que o can-
cioneiro alemão começava a oferecer. Foi dessas fontes que
Thomas Moore adaptou a lenda da vampiresca noiva-
estátua (usada mais tarde por Prosper Merimée emA Vênus
de Ille, e cujas origens remontam a tempos antíqüíssimos)
que ecoa tão arrepiantemente em sua balada O Anel; e a
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im~rtal,obr~-~rima de, ~oet?e, ~aust(). 'passando da simples
tranha parecença com o velho senhor Alfonso que gove:-
balada a ~lassIca tragédia cosrmca das Idades, pode ser tida
nava o domínio antes do tempo de Manfredo. Pouco,depOIs
como o pICO culminante a que esse impulso poético alemão
ascendeu, fenômenos extraordinários acometem o castelo de diversos
modos: pedaços de armaduras gigantescas aparecem em l~-
Mas ~oube a um inglês muito mundano e jovial- não ou-
cais inesperados, um retrato sai da sua moldura, um raio
~ro senao Horace Walpole - dar forma definitiva àquele
destrói o edifício e um monstruoso fantasma couraçado de
I~~ulso crescente e tornar-se o verdadeiro fundador da his-
Alfonso brota das ruínas e ascende entre nuvens que, se
tona de horror literária como forma permanente, Cultor do
abrem para o seio de São Nicolau, Teodoro , que corteJ~u
romance e do mistério medievais como diversão de diletan-
Matilda filha de Manfredo , e a perdeu por morte - o par a
t~, e tendo por moradia em Strawberry Hill a graciosa imita-
mata por engano - é reconhecido como filho d,e Alfonso e
çao de um castelo gótico, em 1764 Walpole publicou O Cas-
herdeiro legítimo da terra, Encerrando a narrativa, ele des-
t~lode ptranto. uma narrativa sobrenatural que, embora em
posa Isabela e se prepara para vi~e_r feli,z para sempre, ao
SI medíocre e de todo inconvincente, estava fadada a exer-
passo que Manfredo - cuja ambiçáofoia cau~a,da morte
~e,r ,uma influência quase ímpar na literatura do irreal, De
sobrenatural do filho e dos seus propnos infortúnios sobre-
~?Ic~o,apresentada como simples "tradução" por um certo
naturais - recolhe-se a um mosteiro para cumprir penitên-
,WIIlIam Marshal, Cavalheiro" de um fictício original ita-
cia, e a esposa, amargurada, busca asilo num convento das
liano , "Onuphrio Muralto ", mais tarde o autor assumiu a
redondezas,
PAaternidade d~ livro e comprazeu-se em sua ampla e instan-
Essa é a história: enfadonha, bombástica e completa-
t~nea popularidade - uma popularidade que lhe garantiu
mente despida do verdadeiro horror cósmico que constitui
diversas ediçóes , pronta dramatização e imitações por ata-
cado na Inglaterra e na Alemanha, autêntica literatura, Ainda assim, tal era a ânsia da época
por esses toques de mistério e antigüidade f~ntasmal ~ue el,a
,'A história - cansativa, artificial e melodramática _ é
reflete, que foi recebida a sério pelos seus leitores mars equi-
ainda mais prejudicada por um estilo prosaico e borbulhante
librados, e elevada, apesar da sua inépcia intrínseca, a um
cuja ~Iegância maneirosa em nenhum momento permite a
pedestal de excelsa importância na histó~i~ literária: <? que
cnaçao de uma atmosfera autenticamente espectral. Fala de
acima de tudo ela fez foi criar um novo tipo de cenano, de
Manfredo, um príncipe inescrupuloso e usurpado- decidido
personagens-títeres e de incidentes; o que, manipulado com
a, fundar uma linhagem, e que após a morte súbita e miste-
melhores resultados por autores mais naturalmente adapta-
nosa ~e seu único filho Conrado na manhã' do casamento
dos à criação do horrível, estimulou o desen:olv,ime?to de
deste, mte,nta dar fim a sua esposa Hipólita e casar-se com a
uma escola gótica imitativa que a seu turno veio a ins prrar o,s
dama destmada ao inditoso jovem - a propósito, esmagado
verdadeiros criadores de terror cósmico - sendoque a lI-
pela queda preternatural de um enorme elmo no pátio do
nhagem dos autênticos artistas começou com Poe, A nova
castelo, Isa?ela, a noiva enviuvada, foge ao seu desígnio; e
parafernália dramática consistia em primeiro ~u~ar ?O cas-
nos subterr~neos do castelo encontra Teodoro, um jovem e
telo gótico, com sua lúgubre vetustez, vastas distâncias ~ l~-
bravo coutetro que passa por camponês mas exibe uma es-
birintos , alas abandonadas ou em ruínas. corredores urru-
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,..-'

dos, catacumbas malsãs escondidas e uma procissão de fan- viva, oferece um banquete em honra do seu salvador. Wal-
tasmas. e de lendas tenebrosas, como núcleo de suspense e pole admirava esse conto, embora visse com menos respeito
demomsmo assustador. Além disso incluía o nobre tirânico um descendente ainda mais destacado do seu Otranto - O
e perverso como vilão; a heroína inocente, perseguida e ge- Velho Barão Inglês de Clara Reeve, publicado em 1777. É
ralmente insípida que é a vítima dos principais horrores e bem verdade que neste falta verdadeira vibração à nota de
serve como ponto de vista e foco das simpatias do leitor' o mistério e maldição exterior que distingue o fragmento de
valente e impoluto herói, sempre de nascimento nobre mas Mrs. Barbauld; e embora menos primário que a novela de
freqüentemente em disfarce humilde; a convenção de sono- Walpole, e mais artisticamente parco de ho-rror em sua
ros nomes estrangeiros, o mais das vezes italianos, para as posse de uma única figura espectral, é não obstante por de-
personagens; e toda uma série de artifícios teatrais entre os mais insípido para atingir a grandeza. Mais uma vez temos
quais estran?as luminosidades, alçapões apodrecidos, lâm- aqui o virtuoso herdeiro do castelo disfarçado em camponês
padas que nao se apagam, manuscritos bolorentos escondi- e reintegrado em sua herança por intercessão do fantasma
dos, gonzos rangentes, cortinas agitadas, e por aí afora. do pai, e mais uma vez temos um caso de larga popularidade
Toda essa parafemália se repete com cômica mesmice mas levando a diversas edições, dramatização e finalmente tra-
a~n?a assim por vezes com tremendo efeito, ao longo da his- dução para o francês. Miss Reeve ainda escreveu outra no-
tona ~a ~ovela gótica; e ainda hoje sobrevive, só que agora vela fantástica, infelizmente inédita e perdida.
uma técnica mais sutil a leva a assumir uma forma menos in- A essa altura a novela góticajá se firmara como forma lite-
gênua e óbvia. Um meio de expressão harmonioso para uma rária, e os exemplos multiplicam-se em número surpreen-
nova escola fora descoberto, e o mundo das letras não per- dente à medida que o século XVIII se aproxima do seu ter-
deu tempo em valer-se da oportunidade. mo. O Recesso, escrito em 1785 por Sophia Lee, tem o ele-
.o romance alemão respondeu de pronto à influência de mento histórico girando em tomo das duas filhas gêmeas de
Walpole, e logo tomou-se sinônimo de quimérico e infernal. Maria, rainha da Escócia; e embora desprovido do sobrena-
Na Inglaterra, um dos primeiros imitadores foi a célebre tural, faz uso do cenário e do mecanismo de Walpole com
Mrs. Barbauld, então Miss Aikin, que em 1773publicou um grande habilidade. Cinco anos depois, todas as lâmpadas em
fragmento macabado chamado Sir Bertrand, em que as cor- existência empalidecem ante o despontar de uma nova or-
das de um terror genuíno foram tangia as por mão não inábil. dem luminosa - Ann Radcliffe (1764-1823), cujos célebres
Numa chame~a escura e solitária, um fidalgo, atraído por romances fizeram do terror e do suspense uma voga, e que
um dobre de sino e uma luz distante, entra num velho e lô- instaurou novos e mais elevados padrões no domínio da at-
brego castelo torreado, cujas portas se abrem e fecham e mosfera macabra, a despeito do hábito irritante de no último
o.nde fogos-fátuos azulados conduzem por escadas miste- momento destruir os seus próprios fantasmas com laborio-
rI?sas a passagens sem saída e a estátuas negras animadas. sas explicações mecânicas. Aos já familiares artifícios góti-
Finalmente Sir Bertrand chega a um caixão onde jaz uma de- cos dos seus predecessores, Mrs. Radcliffe acresceu no am-
funta; e no momento em que ele a beija a cena se dissolve biente e no incidente um senso do extraterreno que chegou
para dar lugar a um esplêndido aposento onde a dama, redi- bem próximo do gênio, cada pormenor de ação e de cenário
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l
concorrendo artisticamente para a impressão de ilimitado a descobrir. A caminho de casa ela pára num solar repleto de
horror que ela queria transmitir. Com ela uns poucos deta- novos horrores - a ala abandonada onde morava a castelã
lhes sinistros como um rastro de sangue nas escadas do cas- defunta, o leito de morte com o pano mortuário - mas fi-
telo, um gemido vindo de uma cripta distante, uma melodia nalmente recupera a segurança e a felicidade em companhia
ins?lita numa ~oresta noturna têm o d-om de conjurar as do seu bem-amado Valancourt, depois do desvendamento
mais potentes Imagens de catástrofe iminente, suplantando de um segredo que por algum tempo parecia envolver seu
de muito as elaborações extravagantes e prolixas de outros nascimento em mistério. Visivelmente, trata-se do velho
escritores. E essas imagens em si não são menos poderosas material remodelado; mas tão bem remodelado que Udolfo é
pelo fato de serem expJicadas antes do fim do romance. A um clássico definitivo. As personagens de Ann Radcliffe
imaginação visual de Mrs. Radcliffe era vivíssima e tanto se são chapadas, mas menos marcadamente que as de seus an-
manifesta em suas deliciosas pinceladas paisagísticas _ tecessores. E com respeito à criação de atmosfera ela se des-
sempre. ,em. contornos encantadoramente pictóricos , nunca taca dos seus contemporâneos.
em mrnucias - como em suas fantasias alucinatórias. Suas Dos inúmeros imitadores de Mrs. Radcliffe. o novelista
principais fraquezas, além do vezo do prosaico desencan- americano Charles Bockden Brown é o que mais se apro-
tamento, são uma tendência de incorrer em erros de história xima dela no espírito e no método. Como ela, ele compro-
e geografia e uma fatal predileção por entremear seus ro- meteu suas criações com explicações naturais; mas também
mances de poemetos insípidos, atribuídos a uma ou outra como ela, tinha um poder de composição de atmosfera que
personagem. dá aos seus horrores uma vitalidade impressionante en-
Ann Radcliffe escreveu seis romances: Os Castelos de quanto inexplicados. Diferiu dela ao desdenhar os elemen-
Athlin e de Dunbayne (1789), Um Romance Siciliano (1790), tos e artifícios góticos externos e escolher cenários ameri-
O Romance da Floresta (1792), Os Mistérios de Udolfo canos modernos para os seus mistérios; mas conservou do
(1794), O Italianc: (1797) e Gaston de Blondeville, composto gótico o espírito e o tipo de incidente. Os romances de
em 1802 mas só publicado postumamente em 1826. Deles, Brown encerram memoráveis cenas de horror, e chegam a
Udolfo é de longe o mais famoso, e pode ser considerado tí- exceder os de Mrs. Radcliffe na descrição do funciona-
pico do ro,mance gótico da primeira fase em sua melhor ex- mento de uma mente perturbada. Edgar Huntly começa com
pressão. E a crônica de Emily, uma jovem francesa trans- um sonâmbulo cavando uma sepultura, mas depois se des-
plantada para um velho e portentoso castelo nos Apeninos virtua com laivos de um didatismo à Godwin. Ormond tem a
em razao da morte de seus pais e do casamento da tia com o ver com um membro de uma sinistra irmandade secreta.
s~nhor do castelo - o ardiloso fidalgo Montoni. Sons miste- Neste e em Arthur Mervyn é descrita a epidemia de febre
nosos, portas que se abrem, lendas terríveis e um horror in- amarela a que o autor assistiu em Filadélfia e Nova York.
d~finido num nicho oculto por um véu negro atuam em rá- Mas o livro mais famoso de Brown é Wieland ou A Trans-
pida sucessão para enervar a heroína e sua fiel acornpanhan- formação ( 1789), em que um alemão da Pensilvânia, envol-
te, Annett~: mas finalmente, depois que morre a tia, ela foge vido numa onda de fanatismo religioso, ouve "vozes" e
com o aUXIlIo de um companheiro de confinamento que veio mata a mulher e os filhos em sacrifício. Sua irmã Clara, que

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r
conta a história, escapa por um triz. O cenário, ambientado
no parque florestal de Mittingen, às margens de um trecho
remoto do Schuylkill, é pintado com extrema vividez; e os
terrores de C:lara, carregados de tons espectrais, o cres-
~endo de tensao, passos estranhos na casa isolada, tudo isso
e moldado com força realmente artística. No final se oferece
uma explicação ,capenga, à base de ventriloquia, mas a at-
mosfera e genuma enquanto dura. Carwin, o ventríloquo
perverso, é um típico vilão nos moldes de Manfredo ou de
Montoni.

4. O Apogeu do Romance Gótico

O horror Ila literatura atinge um novo grau devirulência


na obra de Matthew Gregory Lewis (1773-1818) '- cujo ro-
mance' O Monge (1796) granjeou incrível popularidade e
valeu-lhe o apelido de "Monge" Lewis. Esse jovem escri-
tor, educado na Alemanha e imbuído de uma massa barba-
resca de mitologia teutônica desconhecida de Mrs. Radclif-
fe, dedicou-se ao terror em formas muito mais brutais do que
a sua gentil predecessora jamais se atrevera sequer a ima-
ginar; e assim produziu uma obra-prima de pesadelo vivo em
que o cunho geral gótico é exacerbado por doses adicionais
de diabolismo. É a história de um monge espanhol, Ambro-
sio, que, tentado por um demônio disfarçado najovem Ma-
tilda, é arrancado a um estado de virtude escrupulosa e ar-
rastado aos mais nefandos extremos da maldade; enquanto
espera a morte nas mãos da Inquisição, é induzido a com-
prar do Diabo o livramento ao preço de sua alma, porque
julga que esta, tanto quanto o seu corpo, já está perdida.
Prontamente o Demônio escarninho o transporta para um
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grandes figuras na pessoa ~e ~harle,s. R~bert ~Maturin
lugar solitário, dá-lhe a saber que ele vendeu a alma desne- (1782-1824), um obscuro e excentnco c1engo irlandês. Den-
cessariamente,já que o perdão e a oportunidade de salvar-se tre uma extensa coleção de escritos variados, que inclui uma
eram iminentes no momento da sórdida barganha, e arre- confusa imitação radcliffiana intitulada A Vingança Fatal
mata a irônica traição vituperando-o por seus crimes antina- ou a Família de Montorio (1807), Maturin veio a criar uma
turais e atirando-lhe o corpo num abismo, enquanto lhe ar- obra-prima de horror, Melmoth, () Vagabundo (1820), e~
rebata a alma para a perdição eterna. Há no romance descri- que o conto gótico elevou-se,a ~lturas até então desconheci-
ções horripilantes, como o encantamento das ~riptas. sob.o das de consumado terror mísnco.
cemitério do convento, o incêndio deste e o fim do infeliz Melmoth é a história de um gentil-homem irlandês que, no
abade. Na trama acessória em que o marquês de Ias Cister- século XVII, obtém do Demônio um prolongamento pre-
nas encontra a alma penada de sua antepassada, a Freira ternatural da vida em troca de sua alma. Se ele for capaz de
Sangrenta, há pinceladas de enorme vigor, notadamente a vi- convencer um outro a assumir o pacto, e assim retomar à
sita do cadáver ambulante à cabeceira do marquês e o ritual sua existência natural, poderá salvar-se; mas nunca conse-
cabalístico com que o Judeu Errante o ajuda a compreender gue esse intento, por mais persistentemente que asse~ie
e exorcisar a morta que o persegue. Não obstante, en: seu aqueles que o desespero levou à imprudência e ao d_esvar~o.
todo O Monge é uma leitura terrivelmente enfadonha. E por O arcabouço da história é bisonho: peca por extensao t~dlO-
demais longo e disperso, e grande parte da sua força se perde sa, episódios divagantes, narrações dentro de narraç~e~ e
pela irreverência e pelo exagero grosseiro da reação contra artificialismo de situações e coincidências; mas em vanos
os padrões do bom-tom, que Lewis a princípio desprezava pontos da interminável digressão sente-se o puls~r de un:a
como falso moralismo. Há um aspecto importante a seu fa- força que não se encontra em nenhuma obra ~ntenor do ge-
vor: Lewis nunca deitou a perder as suas visões dantescas nero - uma afinidade com a verdade essencial da natureza
com explicações naturais. Teve o mérito de romper a tradi- humana, uma compreensão das fontes mais profundas do
ção radcliffiana e alargar o campo do romance gótico. Afora autêntico pavor cósmico e uma identificação apaixon~da
O Monge, Lewis escreveu muito mais. Seu drama O Espec- por parte do escritor que faz do livro, mais do qu~ um SIm-
tro do Castelo foi composto em 1798, e ele ainda encontrou ples arranjo engenhoso de artifícios, um ver~ade~ro doc.u-
tempo para produzir outras peças de ficção em forma de ba- mento de auto-expressão estética. Nenhum leitor imparcial
ladas - Contos Espantosos (1799), Contos Romanescos há de contestar que Melmoth represente um enorme passo
( 180 I) e uma série de traduções do alemão. na evolução da narrativa de horror. O medo é retirado da es-
A essa altura, romances góticos multiplicavam-se em tu- fera do convencional e exaltado de modo a transformar-se
multuosa e medíocre profusão. Em sua maioria eram sim- numa nuvem negra pairando sobre o destino dos ho~ens.
plesmente ridículos à luz de gostos apurados, e a célebre sá- Os arrepios que Maturin suscita, produzidos por alguem ca-
tira de M iss Austen A Abadia de Northanger foi uma crítica paz de arrepiar-se, são da espécie que conv~nce. Ann_Rad-
mais que merecida a uma escola que se atolara fundo no ab- cliffe e Lewis são presas fáceis para o parodista, mas nao se-
surdo. Essa escola específica estava em vias de esgotar-se, ria fácil encontrar uma nota falsa na ação febricitante e na
mas antes da sua subordinação final surgiu a última das suas
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r
alta tensão atmosférica desse irlandês a quem emoções me-
século XVII por um inglês chamado Stanton, o jovem John
nos sofisticadas e raízes de misticismo céltico proporciona-
fica sabendo de um terrível acontecimento ocorrido na Es-
ram um equipamento natural de primeira ordem para o seu
panha em 1677, quando o autor do manuscrito conheceu um
trabalho. Maturin foi sem dúvida nenhuma um gênio, e
sinistro compatriota e foi informado de como este matara
como tal foi reconhecido por Balzac, que agrupou Melmoth
com o olhar um padre que o denunciara como possuído de
com o Don Juan de Moliêre , o Fausto de Goethe e o Man-
um espírito maligno. Mais tarde, em Londres, tendo reen-
fredo de Byron como as mais notáveis figuras alegóricas da
contrado o homem, Stanton é encerrado num hospício e vi-
moderna literatura européia, e escreveu uma peça intitulada
sitado pelo estranho, cuja chegada é anunciada por uma mú-
Melmoth Reconciliado, em que o Vagabundo logra transfe-
sica espectral e "cujos olhos emitem um fulgor mortífero.
rir o seu pacto infernal a um estelionatário de Paris, que por
Melmoth o Vagabundo - pois é ele o maligno visitante -
sua vez o repassa a uma longa sucessão de vítimas até que
oferece ao prisioneiro a liberdade se ele assumir o seu pacto
um libertino e jogador morre na posse dele e com sua dana-
com o Diabo; mas como todos os outros que Melmoth abor-
ção põe fim à maldição. Scott, Rossetti, Thackeray e Baude-
dou, Stanton resiste à tentação. A descrição por Melmoth
laire foram outros titãs que manifestaram irrestrita admira-
dos horrores da vida num hospício, que ele usa para tentar
ção por Maturin, e é significativo o fato de que Oscar Wilde,
Stanton, é uma das passagens mais fortes do livro. Por fim,
depois de desonrado e exilado, escolheu para os seus últi-
Stanton é libertado e passa o resto da vida a procurar por
mos dias em Paris o nome falso de "Sebastian Melmoth".
Melmoth o Vagamundo - pois é ele o maligno visitante -
Melmoth contém cenas que ainda hoje não perderam seu do. Deixa com a família o manuscrito, que ao tempo do jo-
poder de provocar horror. Começa com um leito de morte - vem John está muito carcomido e fragmentário. John destrói
um velho avarento está morrendo de pavor por -causa de o retrato e o manuscrito, mas enquanto dorme é visitado
certa coisa que viu, combinada a um manuscrito que leu e a pelo seu horrível ancestral, que lhe deixa no pulso uma
um retrato de família pendurado num quartinho escuro da marca azul e negra,
sua casa secular em County Wicklow. Ele manda chamar no Algum tempo depois John recebe a visita de um náufrago
Trinity College de Dublin seu sobrinho John; e este, che- espanhol, Alonzo de Moncada, que fugiu de um monacato
gando, observa uma série de coisas espantosas. Os olhos do compulsório e das perseguições da Inquisição. Ele sofreu
retrato brilham horrivelmente, e por duas vezes uma figura horrivelmente - e as descrições das suas experiências de
estranhamente parecida com o retrato aparece momentanea- tortura e dos subterrâneos através dos quais em certa oca-
mente à porta. O terror ronda a casa dos Melmoths, um de sião tentou fugir são clássicas - mas teve forças para re~is-
cujos ancestrais, "1. Melmoth, 1646", é a figura do retrato. tir a Melmoth o Vagamundo quando acercado em seu pior
O avarento moribundo declara que aquele homem - numa momento na prisão. Na casa de um judeu que o abriga na
data pouco anterior a 1800 - continua vivo. Finalmente o fuga ele descobre uma coleção de manuscritos relatando ~u-
avarento morre, e o sobrinho é instruído pelo testamento a tras façanhas de Melmoth, entre elas a sua corte a uma J~-
destruir o retrato e um manuscrito que se encontra numa vem ilhoa índia, Immalea, que mais tarde recupera o seu di-
certa gaveta. Lendo o documento, que foi escrito em fins do reito hereditário na Espanha e passa a ser conhecida como
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_________________ J
r
Dona Isidora; e o seu medonho casamento com ela junto ao ticos". Melmoth foi amplamente lido e algumas vezes e,n~e-
nado, mas a sua data tardia na evolução do conto gótico
cadáver de um anacoreta, à meia-noite, na capela arruinada
de um mosteiro abandonado e assombrado. A narrativa de privou-o da retumbante popularidade de Udolfo e O Monge.
Moncada ao jovem John ocupa a maior parte dos quatro vo-
lumes do livro de Maturin, sendo essa desproporção consi-
derada um dos principais defeitos técnicos da composição.
Finalmente os colóquios de John e Moncada são inter-
rompidos pela entrada em cena do próprio Melmoth, cujos
olhos hipnóticos agora perderam o poder, e que a decrepi-
tude vem rapidamente abatendo. O prazo do seu contrato
está prestes a vencer, e ele voltou para casa depois de um
século e meio para enfrentar o seu destino. Recomendando
aos outros que fiquem longe do quarto, não importa que
sons possam ouvir à noite, ele espera sozinho pelo fim. O
jovem John e Moncada ouvem uivos horrendos, mas se abs-
têm de entrar até que ao amanhecer se faz silêncio. Então
encontram o quarto vazio. Pegadas enlameadas levam por
uma porta dos fundos a um rochedo que dá para o mar, e à
beira do precipício há marcas indicando que um corpo pe-
sado foi arrastado à força. A manta do Vagamundo é encon-
trada numa saliência um pouco abaixo da borda, mas nunca
mais se vê ou se ouve qualquer sinal dele.
Essa é a história, e ninguém pode deixar de notar a dife-
rença entre esse horror modulado, sugestivo e artistica-
mente conformado e - para usar as palavras do professor
George Saintsbury - .. o racionalismo engenhoso mais in-
sípido de Mrs. Radcliffe e a extravagância freqüentemente
pueril, o mau gosto e o estilo às vezes desleixado de Lewis".
O estilo de Maturin merece em si um louvor especial, pela
simplicidade forte e pela vitalidade que o elevam muito
acima dos pomposos artifícios de que os seus predecessores
são culpados. A professora Edith Birkhead, em sua história
do romance gótico, observa comjusteza que "com todos os
seus senões, Maturin foi o maior e também o último dos gó-
27
26
5. Os Desdobramentos da Ficção Gótica

Entrementes, outras mãos não permaneciam ociosas, e


acima da monótona pletora de sandices como os Mistérios
Horridos do marquês von Grosse (1796), As Crianças da
Abadia de Mrs.Roche (1798), Zofloya ou O Mouro de Mrs.
Dacre (1806) e as efusões de escolar do poeta Shelley Zas-
trozzi (1810) e Saint lrvine (1811) (ambos imitações de Zo-
floya) surgiram muitas peças fantásticas memoráveis em in-
glês e em alemão. Clássica no mérito, e marcadamente dife-
rente das suas congêneres por fundar-se no conto oriental e
não no romance gótico walpolesco, é a célebre_História do
CalifaVathek: do rico diletante William Beckford, escrito
primeiro em francês mas publicado numa tradução inglesa
antes da edição do original. O conto árabe, introduzido na li-
teratura européia em princípios do século XVIII através da
tradução francesa de Galland das luxuriantes Mil e Uma
Noites, tornara-se uma coqueluche, servindo tanto à alego-
ria como à diversão. O humor malicioso que só a mente
oriental sabe mesclar ao fantástico havia cativado uma gera-

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ção sofisticada, ao ponto de Bagdá e Damasco tornarem-se Vida e Cartas de William Beckford. Contudo, falta.a Beck-
nomes tão profusamente semeados na literatura popular ford o misticismo essencial que marca a forma mais aguda
quanto em breve viriam a sê-Io os sonoros nomes italianos e do fantástico; o que faz com que seus contos tenham uma
espanhóis. Beckford, versado no romance oriental, captou a certa rigidez latina, uma clareza que se opõe ao puro terror
atmosfera com rara sensibilidade; e em seu volume fantás- pânico. _ '
tico refletiu com grande força a ostentosa suntuosidade, a Mas Beckford ficou sozinho em sua devoçao ao Onente.
lábia sonsa, a blandiciosa malícia, a traição cortês e o lúgu- Outros escritores, mais chegados à tradição gótica e à vida
bre horror espectral do espírito sarraceno. O tempero do ri- européia em geral, contentaram-se em seguir mais fielment~
dículo raramente compromete o impacto do tema sinistro, e na esteira de Walpole. Entre os incontáveis produtores de li-
a narrativa progride com uma pompa de fantasmagoria em teratura de terror dessa época pode-se mencionar o econo-
que o riso é o de esqueletos a banquetear-se sob domos ara- mista utópico William Godwin, que ao seu f~moso mas
bescos. Vathek é a história de um neto do califa Haroun, não-sobrenatural Cale Williams (1794) fez seguir o preten-
que, tomado pela ambição de poder, prazer e saber suprater- samente sinistro São Leão (1799), em que o tema do elixir da
renos que anima o vilão gótico usual e o herói byroniano (em longa vida, criado pela seita secreta imaginária dos" ~os_a-
essência tipos cognatos), é induzido por um gênio mau a cruzes", é tratado com engenho mas com pouca convicçao
buscar o trono subterrâneo dos poderosos e fabulosos sul- na atmosfera, Esse elemento rosa-cruz, alimentado por uma
tões pré-adamitas nos salões chamejantes de Eblis, o onda de interesse popular pela magia, exemplificada no
Diabo maometano. As descrições dos palácios e das diver- prestígio do charlatão Cagliostro e na publicação d~ O !4.ago
sões de Vathek, de sua mãe, a insidiosa feiticeira Carathis de Francis Barrett (1801), um curioso manual de pnncipros e
com sua torre encantada e suas cinqüenta negras zarolhas, ritos de ocultismo, ainda reeditado em 1896, figura em Bul-
da peregrinação às ruínas assombradas de Istakhar (Persé- wer- Lytton e em vários romances góticos mais re~entes, es-
polis), de Nouronihar, a noiva arteira que traiçoeiramente pecialmente na posteridade remota e enfraquec~da que se
ele abiscoita no caminho, das vetustas torres e terraços de estendeu esporadicamente por grande parte do seculo XI X
Istakhar ao luar flamante do deserto, dos salões ciclópicos e foi representada por Fausto e o Demônio e Wagnero Lobi-
de Eblis onde, atraídas por promessas radiosas, as vítimas somem de George W. M. Reynold. Caleb Williams, posto
são forçadas a perambular para sempre em sofrimento, a mão que não-sobrenatural, tem vários toques de autêntico terror.
direita sobre o coração que queima em combustão eterna, É a história de um criado perseguido pelo amo que ele sabe
são pérolas de colorido diabólico que elevam o livro a um lu- culpado de um crime, e demonstra um,a inve,ntivi~ade e ha?i-
gar permanente nas letras inglesas. Não menos notáveis são lidade que de certo modo o mantém VIVO ate os dias de hoje.
os três Episódios de Vathek, destinados a inserção na histó- Foi dramatizado com o título de A Arca de Ferro, e nessa
ria como narrativas de companheiros de infortúnio de Va- forma foi quase igualmente festejado. Godwin, porém, era
thek nos domínios infernais de Eblis, mas que ficaram inédi- um professor por dema~s conscien~io~o e um pe~sador por
tos em vida do autor e só foram descobertos em 1909 pelo demais prosaico para cnar uma autentica obra-prima de hor-
erudito Lewis Melville quando coligia material para a sua ror.
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Sua filha, a mulher de Shelley, teve muito mais sucesso noveleta, 9 liampiro, em que contemplamos um requintado
Seu inimitávelFrankenstein ou O Moderno Prometeu (1817) vilão do tipo gótico ou byrônico, e encontramos passagens
é um dos cl~s_sicosde horror de todos os tempos. Composto excelentes de perfeito pavor, entre elas uma terrível expe-
eO?c.ompetIçao com o marido, com Lord Byron e o Dr. John riência noturna numa floresta grega mal-assombrada.
Williarn Polido ri numa prova de supremacia em criação de No mesmo período, Sir Walter Scott freqüentemente
~orror, o Frankenstein de Mrs. Shelley foi a única das narra- ocupou-se do sobrenatural, entremeando-o em vários dos
trvas concorrentes a completar-se em forma acabada· e a crí- seus romances e poemas, e eventualmente produzindo pe-
tica. não conseguiu provar que as melhores partes 'fossem quenas narrativas independentes do gênero como A Câmara
d~vIdas. a ~helley e não a ela. O romance, algo tocado mas Atapetada e História de Willie o Vagabundo em Redgaun-
~ao prejudicado por didatismo moral, fala de um homem ar- tLet, sendo que nesta última a força do espectral e do diabó-
tificial construído com pedaços de mortos por Victor Fran- lico é acentuada por uma grotesca rudeza de linguagem e
kenstei~, u~ jovem estudante de medicina suíço. Criado atmosfera. Em 1830 Scott publicou as suas Cartas sobre
por seu idealizador "no orgulho insano do intelectualismo" Demonologia e Bruxaria, que constitui ainda hoje um
o m~nstr? te!ll. inteligência perfeita mas uma aparência re~ dos melhores compêndios da tradição mágica européia.
pulsiva. E rejeitado pela humanidade, torna-se amargurado Washington Irving é outra figura famosa não estranha ao so-
e por fim passa a matar as pessoas que Frankenstein mais brenatural; pois embora os seus fantasmas sejam em sua
ama, amigos e famíia. Exige que Frankenstein crie uma es- maioria por demais extravagantes e jocosos para comporem
posa para ele; e quando o estudante horrorizado se recusa uma autêntica literatura espectral, nota-se uma clara inclina-
para evitar, que o mundo seja povoado por monstros seme- ção nesse sentido em várias de suas produções. O Estudante
lhantes, parte com a torva ameaça de "estar com ele na sua ALemão em Contos de um Viajante (1824) é uma reprodução
noite. de núpcias". Nessa noite a noiva é estrangulada, e daí concisa, irônica e sugestiva da velha lenda da noiva morta, e
em diante Frankenstein sai a perseguir o monstro, chegando entrelaçadas no tecido cômico de Os Cavadores de Dinheiro
aos ermos do Artico. No final, procurando abrigo no navio há mais de uma alusão a aparições piráticas nos domínios um
do na~ador da história, Frankenstein é morto pelo medo- dia percorridos pelo capitão Kidd. Também Thomas Moore
nh? objeto das suas pesquisas e criatura da sua presunção. alistou-se nas fileiras dos artistas macabros com o poemaAL-
Ha em Frankenstein cenas inesquecíveis, como quando o ciphron, que mais tarde transformou no romance em prosa O
monstro recém-animado entra no quarto do seu criador Epicurista (1827). Embora simplesmente relatando as aven-
afasta as cortinas da cama e fita nele os olhos descorados _' turas de um jovem ateniense enganado por artes de astutos
"se é que podiam ser chamados olhos". Mrs. Shelley escre- sacerdotes egípcios, Moore consegue infundir boa dose de
veu outros romances, inclusive o bastante notável Último genuíno horror em sua descrição de aparições e portentos
Homem; mas nunca repetiu o sucesso do seu primeiro traba- subterrâneos sob os templos milenares de Mênfis. De Quin-
lho. Este tem a verdadeira marca do terror cósmico, não im- cey mais de uma vez se regala em terrores grotescos e ara-
porta com~ e~ certas partes o movimento perca o impulso. bescos, mas com uma desconexão e ostentação erudita que
O Dr. Polidori desenvolveu a sua idéia concorrente numa lhe nega a qualificação de especialista.
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A mesma época viu a ascensão de William Harrison velho feiticeiro caldeu que sobrevive na prístina flor daju-
Ainsworth, cujas novelas românticas são repletas de fanta- ventude para perecer na guilhotina da Revolução Francesa.
siae pavor. O capitão Marryat, além de escrever contos cur- Embora saturado do espírito convencional do ~om~~ce,
tos como O Lobisomem, deu uma memorável contribuição aguado por um indigesto emaranhado ?Aeal.usões slmbol.lc~S
com O Navio Fantasma (1839), baseado na lenda do Holan- e discursivas, inconvincente por deficiência de composiçao
dês Volante, cujo barco espectral e amaldiçoado navega da atmosfera em situações que giram em torno do m.un~o
perpetuamente nas proximidades do Cabo da Boa Esperan- dos espectros, Zanoni não deixa de ser uma bela, cn~çao
ça. Dickens comparece com fragmentos fantásticos ocasio- como novela romântica, e pode ser lido com genumo inte-
nais como O Sinaleiro, um conto de premonição horripilante resse pelo leitor não muito exigente .. ~ ~iv~rtido ob~erv.ar
conformado a um padrão muito comum e tocado de uma ve- que ao descrever uma tentativa de imciaçao na annga Ir-
rossimilhança que tanto o liga à incipiente escola psicológica mandade o autor não se pode impedir de recorrer ao surrado
quanto à agonizante escola gótica. A essa altura eclodia um castelo gótico da tradição walpoliana.
surto de interesse em charlatanismo espiritista, mediunida- Em Uma História Estranha (1862) Bulwer-Lytton ~ost.ra
de, filosofia hindu * e coisas que tais, mais ou menos como um marcado progresso na criação de imagens e tons irreais.
acontece hoje em dia; e com isso cresceu consideravelmente O romance, apesar da enorme extensão, de uma trama por
o número de histórias fantásticas de fundo "psíquico" ou demais forçada, apoiada em coincidência~ oportunas, e de
pseudocientífico. Por boa parte delas foi responsável o pro- uma atmosfera de pseudociência hornilénca destinada a
lífico e popular Edward Bulwer-Lytton; e apesar de grandes agradar ao prosaico e objetivo leitor vitorian?, é nota~el-
doses de retórica empolada e romantismo oco em seus pro- mente eficiente como narrativa, despertando mtere~se ms-
dutos, seu sucesso em urdir um certo tipo de bizarro encan- tantâneo e irresistível e proporcionando quadros e lmpr~~-
tamento não pode ser negado. sões de grande impacto, ainda que um tant,o .melodr~~atI-
A Casa e o Cérebro, que faz menção à Rosa-cruz e a uma cos. Mais uma vez temos o misterioso usuano do elixir .da
figura maligna e imortal possivelmente sugerida pelo miste- longa vida na pessoa do desalmado mágico Margrave, ~uJas
rioso cortesão de Luís XV Saint- Germain, ainda hoje re- obras perversas sobressaem com intensa dramaticidade
siste como um dos melhores contos de casa mal-assombrada contra o pano de fundo moderno de uma plácida cidadezinha
até hoje escritos. O romance Zanoni(1842) contém elemen- inglesa e do sertão australiano; e mais uma vez temos as
tos similares mais esmeradamente tratados, e introduz uma sombrias sugestões de um vasto mundo espectral de~conhe-
vasta esfera ignorada de existência que pesa sobre o mundo cido no próprio ar que nos rodeia - desta vez ~ampulado
e é guardada por um hediondo "Habitante da Soleira" que com bem mais vitalidade e vigor que em Zanoni. Uma ~~~
atormenta os que tentam entrar e não conseguem. Aqui te- duas notáveis passagens de encantamento, em que o h~r01 ~
mos uma irmandade benigna que se mantém viva por sécu- levado por um espírito mau a levantar-se em seu sono a nOI-
los a fio até reduzir-se a um único membro, e como herói um te, apanhar uma vara mágica egípcia e evocar ~resenças
*Embora houvesse grande interesse em magia e ocultismo, o pensamento hindu abomináveis no pavilhão, vizinho a um mausoleu de um
só surgiu muito mais tarde. - E.F.B. famoso alquimista do Renascimento, está inegavelmente
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e?tre, as grandes cenas de terror da literatura. A justa me- mais que a tensão maligna ou a verossimilhança psicológica,
dida e sugenda, e não mais que o necessário é dito. Duas ve- e assumem uma posição de simpatia pela humanidade e pelo
zes palavras desconhecidas são ditas ao sonâmbulo, e seu bem-estar. Tem uma força indiscutível, e em razão do
quando ele as repete a terra treme e todos os cães da redon- seu" elemento humano" atrai uma audiência mais ampla do
dez~ se põem a lad~ar para sombras arnorfas entrevistas que que o puro pesadelo artístico. Se não é tão potente como es-
desfilam contra o disco da lua. Quando um terceiro conjunto te, é porque um produto diluído nunca pode alcançar a in-
de palavras misteriosas é sugerido, o espírito do sonâmbulo tensidade de uma essência concentrada.
subitamente se recusa a proferi-Ias, como se a alma se desse Ímpar como romance e exemplo de literatura macabra é o
conta dos supremos horrores abismais ocultos à consciên- famoso Morro dos Ventos Uivantes (1847) de Emily Bronte,
cia; por fim a aparição de uma namorada ausente e de um com sua alucinante vista de charnecas desoladas e tempes-
anjo mau rompe o sortilégio. Este fragmento ilustra bem a tuosas do Yorkshire e das vidas violentas e aberrantes que
que ponto Lord Lytton foi capaz de superar o seu romance elas alimentam. Ainda que primariamente uma história de
empolado e cediço no sentido dessa essência cristalina do vida e de paixões humanas em aflição e conflito, sua ambien-
pavor artístico que pertence ao domínio da poesia. Ao des- tação epicamente cósmica enseja espaço para o gênero mais
creve~ certos detalhes de necromancia, Lytton tirou bom místico de horror. Heathcliff, o herói-vilão byrônico modi-
proveito dos seus estudos curiosamente sérios de ocultis- ficado, é um estranho e soturno enjeitado encontrado em
mo, no curso dos quais teve contato com o estranho sábio e criança nas ruas, que só sabe se expressar numa estranha al-
cabalista francês Alphonse Louis Constant (" Eliphas Le- garavia até ser adotado pela família que acabará por des-
vy"), que alegava possuir os segredos da magia dos antigos truir. A idéia de ser ele um mau espírito e não um ser hu-
e ~er evocado o espectro do velho mago grego Apolônio de mano é mais de uma vez sugerida, e o clima de irrealidade
Tiana, que viveu no tempo de Nero. ainda mais se reforça na experiência do visitante que depara
A tradição romântica, semigótica e quase-moral aqui re- um lamentoso fantasma de criança numa janela do sobrado
presentada foi propagada a um bom trecho do século XI X fustigada pelos ramos de uma árvore. Entre Heathcliff e
por autores como Joseph Sheridan LeFanu Wilkie Collins Catherine Earnshaw existe um laço mais terrível e profundo
o finado Sir H. Rider Haggard (cujo Ela é ~ealmente exce~ que o amor humano. Depois que ela morre, duas vezes ele
lente), Sir A. Conan Doyle, H. G. WeIls e Robert Louis lhe viola o túmulo, e é perseguido por uma presença impal-
Stevenson - sendo que este último, apesar de uma tendên- pável que não pode ser senão o espírito dela. Mais e mais o
cia deplorável para maneirismos ostentosos criou clássicos espírito se apossa da sua vida, e ele acaba por se convencer
d~finitivos como Markheim, O Ladrão de Corpos e O Mé- de uma reunião mística iminente. Diz que sente uma estra-
dico e o Monstro. Aliás, pode-se dizer que essa escola ainda nha transformação se aproximando e deixa de alimentar-se.
sobrevive; pois a ela pertencem nossos contos de horror À noite caminha ao relento ou abre ajanela ao lado da cama.
contemporâneos, que se especializam em acontecimentos Quando ele morre as folhas da janela ainda batem deixando
mais q.ue .na ambientação, dirigem-se ao intelecto mais que à entrar a chuva, e o seu rosto enrijecido guarda um estranho
fantasia Impressionista, cultivam uma magia esclarecida sorriso. É enterrado ao lado do jazigo que rondou durante
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dezoito anos, e pastorinhos contam que ele ainda passeia
com a sua Catherine no cemitério da igreja e na charneca
quando chove. Também os rostos dos dois são vistos às ve-
zes àquela mesma janela da casa do morro. O horror sobre-
natural de Miss Bronte não é um simples arremedo gótico,
mas uma tensa expressão do calafrio do homem em face do
desconhecido. Neste aspecto, Morro dos Ventos Uivantes é
o símbolo de uma transição literária, e marca o crescimento
de uma escola nova e mais saudável.

6. A Literatura Espectral no Continente

No continente o horror literário prosperou. Os célebres


contos e romances de Ernst Theodor Wilhelm Hoffmann
( 1776-1822)são um paradigma de riqueza de ambiente e ma-
turidade de forma, embora inclinados à leviandade e à ex-
travagância, e lhes faltem os momentos exaltados de terror
total e sufocante que um autor menos sofisticado poderia ter
composto. Geralmente transmitem mais grotesco que o ter-
rível. De todos os contos fantásticos continentais o mais ar-
tístico é o clássico alemão Ondina (1814) de Friedrich Hein-
rich Karl, barão de Ia Motte-Fouqué. Nessa história de um
espírito das águas que se casa com um mortal e ganha alma
humana há uma requintada finura de artesanato que a torna
notável em qualquer departamento literário, e uma naturali-
dade fácil que a coloca próxima do verdadeiro mito popular.
Por sinal, foi tirada de uma história contada pelo médico e
alquimista Paracelso em seu Tratado dos Espiritos Elemen-
tares.
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Ondina, filha de um poderoso príncipe das águas, foi em Bmxa de Âmbar de Wilhelm Meinhold , outro produto do
criança trocada pelo pai pela filha de um pescador, para que gênio fantástico alemão da primeira metade do século Xl X.
pudesse ganhar uma alma casando-se com um ser humano. O conto, passado no tempo da Guerra dos Trinta Anos, se
Na cabana do pai adotivo, à beira-mar e à orla de um bosque apresenta como um manuscrito de um clérigo, encontrado
encantado, ela encontra o jovem fidalgo Huldbrand, logo numa velha igreja em Coserow, e gira em torno da filha do
casa-se com ele e o segue ao seu castelo ancestral de Rings- narrador. Maria Schweidler, injustamente acusada de feiti-
tetten. Huldbrand, no entanto, acaba por aborrecer-se com çaria. Ela descobriu um depósito de âmbar que por várias
as afinidades sobrenaturais da esposa, e especialmente com razões mantém secreto, e a riqueza inexplicada assim con-
as aparições de um tio dela, o malicioso gênio das cascatas seguida dá peso a acusação; acusação essa instigada pela
da floresta, Kuhleborn; aborrecimento agravado pelo seu perversidade de um nobre caçador de lobos, Wittich Ap-
crescente amor a Bertalda, que vem a ser a filha de pescador pelmann , que a assediou em vão com propósitos ignóbeis.
por quem Ondina foi trocada. Afinal, durante uma viagem Os atos da verdadeira bruxa, que posteriormente encontra
no Danúbio, um ato inocente qualquer da devotada esposa o na prisão um fim horrível, são hipocritamente imputadas à
incita a proferir as palavras raivosas que a despacham de infeliz Maria; e depois de um típico julgamento de bruxaria,
volta ao seu elemento sobrenatural, do qual, pelas leis da sua com confissões arrancadas sob tortura, ela está a pique de
espécie, ela só pode voltar uma vez - para matá-Io, queira ser queimada na fogueira quando à última hora é salva pelo
ela ou não, se algum dia ele se mostrar infiel à sua memória. seu amado, um jovem fidalgo de um lugar vizinho. A grande
Tempos depois, quando Huldbrand está prestes a casar-se força de Meinhold reside no seu ar de verossimilhança chá e
com Bertalda, Ondina volta para cumprir o seu triste dever e realista, que intensifica o suspense e a impressão do nunca
tira-lhe a vida chorando. Quando ele está sendo sepultado en- visto, e quase nos convence de que os espantosos aconteci-
tr~ ~eus pais no cemitério da igreja da aldeia, uma figura fe- mentos devem ser verdade ou estar muito perto da verdade.
rmmna velada e branca como a neve aparece entre os acom- Por sinal, o realismo é tão completo que em certa ocasião
panhantes, mas depois das orações não é mais vista. Em seu uma revista popular publicou os pontos principais de A
lugar surge um regato prateado que murmurejando rodeia Bruxa de Âmbar como um fato acontecido no século XVII!
quase por completo a nova sepultura e vai desaguar num N a geração atual a ficção alemã de horror é representada
lago próximo. Até hoje os aldeões a mostram e dizem que de modo destacado por Hanns Heinz Ewers, que apóia as
Ondma e o seu amado estão assim unidos na morte. Várias suas concepções funéreas num sólido conhecimento da psi-
passagens e toques de atmosfera do conto revelam em Fou- cologia moderna. Romances como O Aprendiz de Feiticeiro
qué um artista consumado no campo do macabro; particu- e Alraune, e contos como A Aranha contêm qualidades dis-
larmente as descrições da floresta encantada com seu gi- tintivas que os elevam a um plano clássico.
gante branco e vários prodígios aterrorizantes que ocorrem Mas, como a Alemanha, a França incursionou ativa-
na parte inicial da narrativa. mente no reino do. fantástico. Victor Hugo em narrativas
Menos conhecido que Ondina, mas notável pelo realismo I como Han d'Islândia, e Balzac emA Pele do Burro Bravo,
convincente e isenção de artifícios góticos cediços é A Seraphita e Louis Lambert fazem uso do supernaturalismo
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em maior ou menor medida, embora geralmente apenas per Merimée, cuja V ênus de Ille apresenta em prosa sóbria e
como meio para um fim mais humano, e sem a intensidade convincente o' mesmo antigo tema da noiva-estátua que
sincera e demoníaca que caracteriza o legítimo artista das Thomas Moore modelou em forma de balada em O Anel.
sombras. E em Theophile Gautier que pela primeira vez nos Os contos de horror do vigoroso e cínico Guy de Maupas-
parece. encontrar o autêntico senso francês do mundo irreal , sant, escritos quando a loucura final aos poucos o acometeu,
e _aqUise manifesta um mistério transcendente que, posto apresentam individualidades próprias, sendo antes extrava-
na? empregado de modo contínuo, é reconhecível como ge- samentos mórbidos de uma inteligência realista num estado
nuino e ao mesmo tempo profundo. Contos corno A vatar, O patológico do que os saudáveis produtos imaginativos de
Pé da Múmia e Clarimonde deixam vislumbrar paisagens uma visão naturalmente propensa à fantasia e sensível às
proibidas que fascinam, tantalizam e por vezes horrorizam; ilusões normais do invisível. Não obstante, são de extremo
ao passo que as visões egípcias evocadas em Uma Noite de interesse e pungência, sugerindo com tremenda força a imi-
Cleó/J.atra são de um raro poder de penetração e expressão. nência de inomináveis terrores e os implacáveis tormentos
Gautier captou a alma mais recôndita do Egito milenar, com infligidos a um homem malfadado por representantes odio-
sua vida misteriosa e sua arquitetura ciclópica, e exprimiu sos e ameaçadores da treva exterior. Dessas histórias, O
da forma mais cabalo horror do seu mundo inferior de cata- Horla é geralmente tido como a obra-prima. Relatando a
cumbas, onde até o fim dos tempos milhões de rígidos cadá- chegada à França de um ser invisível que vive de água e lei-
veres embalsamados estarão fitando a escuridão com olhos te, governa a mente das pessoas e parece ser a vanguarda de
vítreos, à espera de um chamado assustador e indescritível. uma horda de organismos extraterrenos vindos ao mundo
Gust~ve Flaubert continuou brilhantemente a tradição de para subjugar e destruir a humanidade, essa narrativa tensa
Gautier em orgias de fantasia poética como A Tentação de é talvez inigualada em seu distrito específico, não obstante
Santo Antônio, e não fosse por um forte viés de realismo po- deva a um conto do americano Fitz-James O'Brien porme-
deria ter sido um arquitecelão de tapeçarias de terror. Mais nores descritivos da presença do monstro invisível. Outras
adiante vemos a corrente dividir-se, produzindo excêntricos criações impressionantemente tétricas de Maupassant são
poetas e fantasistas das escolas simbolista e decadente cujos Quem Sabe?, O Espectro, Ele, O Diário de um Louco, O
interesses no campo do inusitado mais se centram nas aber- Lobo Branco, No Rio e os arrepiantes versos intitulados
rações do instinto e do pensamento humanos que no pro- Horror.
priamente sobrenatural, e sutis contadores de histórias A parceria Erckmann-Chatriam enriqueceu a literatura
cujos arrepios derivam mais diretamente das fontes tene- francesa com várias fantasias espectrais como O Homem-
brosas da irreal idade do universo. Da primeira classe dos Lobo, em que uma maldição transmitida opera para consu-
"artistas do pecado", o insigne poeta Baudelaire, grande- mar-se no ambiente de um castelo gótico tradicional. O po-
mente influenciado por Poe, é o protótipo supremo; e o ro- der que tinham de criar uma atmosfera sepulcral de meia-
mancista psicológico Joris- Karl Huysmans, um autêntico fi- noite era tremendo, apesar de uma tendência para usar ex-
lho da década de 1890, é a um tempo a síntese e o final. A se- plicações naturais e maravilhas científicas; e poucos contos
gunda classe, puramente narrativa, é continuada por Pros- contêm horror maior que O Olho Invisível, em que uma
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megera malvada provoca alucinações hipnóticas noturnas que é possível ver de relance por via de certos enc_antamen-
que induzem sucessivos ocupantes de um certo quarto de tos secretos. Seu ritual está ligado a interpretaçoes trans-
estalagem a enforcar-se numa trave do teto. A Orelha da Co- cendentais do Velho Testamento, e atribui um sentido eso-
ruja e As Águas da Morte são repletas de angustiante misté- térico a cada letra do alfabeto hebraico - circunstância que
rio, a segunda incorporando o conhecido tema da aranha gi- emprestou a esses caracteres uma espécie .de poder e fas~í-
gante tão amiúde explorado pelos ticcionistas de terror. nio espectral nas obras populares de magia. O folclore JU-
Villiers de I' Isle Adam seguiu igualmente a escola macabra: daico conservou grande parte do terror e do mistério do pas-
sua Tortura pela Esperança, a história de um condenado à sado, e quando estudado de modo mais complet~ é provável
fogueira a quem permitem fugir para sofrer a aflição da re- que venha a exercer considerável influência na hteratura d?
captura, é tida por alguns como o conto mais excruciante da sobrenatural. Até aqui os melhores exemplos do seu uso h-
literatura. Contudo, esse tipo não tanto pertence à tradição terário são o romance alemão O Golem, de Gustav May-
fantástica como forma uma categoria especial - o chamado rink e o drama O Dvbbuk, de um autor judeu que usa o
conto cruel, em que o esporear das emoções é provocado pse~dônimo de "Ansky ". O primeiro, con; sugestões ~an-
por dramáticas tantalizações, frustrações e tormentos físi- tasmais de prodígios e horrores quase palpáveis, e ambien-
cos atrozes. Quase inteiramente dedicado a esta forma é o tado em Praga e descreve com singular maestria o velho
escritor vivo Maurice LeveI, cujos episódios curtos tão bem gueto da cidade com suas lúgubres emp~~a~ pontiagudas. O
se têm prestado à adaptação teatral nos espetáculos sensa- título refere-se a um fabuloso gigante artificial supostamente
cionais do Grand Guignol. Aliás, o gênio francês propende criado e animado por rabinos medievais por meio de uma
mais naturalmente a esse realismo negro que à sugestão do fórmula secreta. O Dvbbuk, traduzido e encenado na Amé-
insondável; este último processo, para pleno efeito e empa- rica em 1925, e mais recentemente levado em forma de ópe-
tia em larga escala, requer o misticismo inerente ao espírito ra, descreve com força excepcional a possessão de um
nórdico. corpo vivo pela alma maligna de um morto. Golems e Dy-
Um ramo florescente da literatura fantástica, posto que bbuks são tipos fixos, e servem freqüentemente como m-
até recentemente muito pouco conhecido, é o dos judeus, gredientes da tradição judaica mais recente.
que perdurou e prosperou em obscuridade à custa da som-
bria herança da magia, da literatura apocalíptica e a cabala
orientais. A mente semita, como a céltica e a teutônica, pa-
rece possuir tendências místicas marcadas; e a abundância
da tradição de horror que sobrevive oculta nos guetos e nas
sinagogas é provavelmente bem maior do que em geral se
imagina. A cabala, tão predominante durante a Idade Mé-
dia, é um sistema de filosofia que explica o universo como
emanações da Divindade, e envolve a existência de estra-
nhos reinos espirituais e de seres distintos do mundo visível,
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7. Edgar Allan Poe

Na década de 1830 ocorreu uma aurora literária que afe-


tou diretamente a história não apenas da narrativa fantásti-
ca, mas também a da ficção curta como um todo, e indireta-
mente modelou os rumos e o sucesso de uma grande escola
estética européia. É uma alegria para nós americanos po-
dermos afirmar essa aurora como nossa, pois deu-se na pes-
soa do nosso insigne e infeliz compatriota Edgar Allan Poe.
A fama de Poe tem sofrido curiosas variações, e é hoje uma
moda entre a "intelligentsia avançada" minimizar-lhe a im-
portância quer como artista quer como influência; mas seria
difícil para qualquer crítico maduro e refletido negar o valor
da sua obra e o poder persuasivo da sua mente na
inauguração de novas trilhas artísticas. É certo que o seu
tipo de visão pode ter tido precursores, mais foi ele o pri-
meiro a dar-se conta das suas possibilidades e de dar-lhes
forma suprema e expressão sistemática. Também é verdade
que subseqüentemente outros escritores podem ter produ-
zido contos isolados superiores aos dele; não obstante de-
47
vemos compreender que foi ele que Ihes ensinou por exem- Os espectros de Poe adquirem assim uma malignidade
l(
plo e por lição a arte que eles. encontrando o caminho des- convincente que náo se encontra em nen~um dos ~eus pre-
I bravado e o rumo demarcado. foram talvez capazes de levar decessores. c estabelecem um novo padrao de realismo nos
mais longe. Sejam quais forem as suas limitações, Poe fez o anais da literatura de horror. Além disso. o int,e.nto a!1ístic?
e impessoal foi ajudado por uma atitude cientlflca nao ~UI-
que antes ninguém fizera ou poderia ter feito; e é a ele que
tas vezes vista antes dele: dessa forma Poe estudou mais a
devemos a moderna história de horror em seu estado final e
mente humana que os usos da ficção gótica. e obrou com um
acrisolado.
conhecimento analítico das verdadeiras fontes do terror que
Antes de Poe a maioria dos autores de terror trabalhou redobrou a força das suas narrativas c o emancipou dos ab-
quase sempre no escuro. sem a compreensão da base psico- surdos inerentes à mera confecção convencional de cala-
lógica da sedução do horror, e tolhidos em maior ou menor frios. Lançado o exemplo. outros autores naturalmente fo-
grau pela conformidade a certas convenções literárias fúteis ram compelidos a conformar-se a ele para quan?~ menos
como o final feliz, a virtude premiada e em geral um dida- poderem competir: e com isso uma ml!da~ça definida pas-
tismo moral oco, aceitação de padrões e valores populares. sou a afetar a principal corrente da ficçáo macabra. Poe
e empenho do autor em inserir suas próprias emoções na his- também fundou uma moda em consumado artesanato: e
tória e em tomar partido em favor dos defensores das idéias embora alguns dos seus trabalhos pos~am ~oj~ parecer um
tanto ingênuos e melodramáticos. sua intluêncía pode _ser a
artificiais da maioria. Poe, ao contrário. percebeu a irnpes-
todo instante comprovada em coisas como a manutençao ~e
soalidade essencialdo verdadeiro artista; e sabia que o papel um único tom e obtenção de um único efeito ,_co n:t a reduçao
da ficção criativa é simplesmente expressar e interpretar rigorosa de incidentes àqueles que têm relação direta com o
eventos e emoções como realmente são, não importa a que enredo e que irão figurar com relevo no clímax. Na verdade
sirvam ou o que provem - bons ou maus, agradáveis ou re- pode-se dizer que Poe inventou o conto ~m sua forma pr_e-
pugnantes, alegres ou deprimentes, com o autor desempe- sente. POI' outro lado, a elevação da morbidez, da perversao
nhando tão-somente a função de cronista vivaz e imparcial e e da degenerescência ao nível de temas artis~icamente e.x-
nâo a de professor, simpatizante ou apologista. Ele viu cla- primíveis teve conseqüências de um.alcan~~ Imenso; pOIS,
ramente que todas as faces da vida e do pensamento são avidamente assimilada, abonada e IntensltiCada pelo seu
igualmente apropriadas como tema para o artista e, incli- eminente admirador francês Charles Pierre Baudelaire.
nado que era por temperamento ao extravagante e ao tene- tornou-se o núcleo dos principais movimentos e.stetlcos na
broso. decidiu ser o intérprete desses sentimentos podero- França. assim fazendo Poe de certo modo o pai dos deca-
sos e desses não raros acontecimentos ligados não ao prazer dentes e dos simbolistas. , .
Poeta e crítico, por natureza e por ingente e~forço. 10giCO
mas à dor. não ao crescimento mas à decadência, não à tran- e filósofo por gosto e maneirismo. Poe não foi de r,nodo al-
qüilidade mas ao medo, e que fundamentalmente ou são gum imune a imperfeições e afetações. Sua preteusâo de co-
contrários ou indiferentes, aos gostos ejulgamentos expres- nhecimentos profundos e obscuros, suas desastradas incur-
sos tradicionais da humanidade, e à saúde. sanidade e bem- sões num empolado e factício pseudo-humor e suas explo-
estar geral normal da espécie. soes nào raro cáusticas de preconceito crítico devem ser re-
conhecidas e perUl)aUas. Além e acima desses senóes , e

4~ 49

l
grau considerável por Hoffmann, apresentam uma extra-:a-
reduzindo-os à insignificância, há uma visão consumada do gância que as relega ao terreno do grotesco. Um. terceiro
terror que espreita à nossa volta e dentro de nós mesmos, do grupo trata da psicologia anormal e de monoAma~llade um
verme que rasteja e baba no abismo assustadoramente pró- modo que expressa terror mas nao trans~endencIa. Contu-
ximo. Desvendando cada pustulento horror da pantomima do um resíduo substancial representa a literatura do horror
burlesca a que se da o nome de existência, e do solene em- sobrenatural em sua forma mais aguda, e dá.ao seu autor u;
buste a que se chama pensamento e sentimento, essa visão lu ar permanente e inexpugnável como deidade e fonte e
teve o poder de projetar-se em cristalizações e transfigura- toâa a ficção diabólica moderna. Quem ~ capaz de esquecer
ções de magia negra, até que na América estéril dos anos 30 o navio levantado na crista de um te.rrlvel vagalhao e sus-
e 40 floresceu umjardim de deslumbrantes cogumelos vene- penso à borda do rebojo e~ Manuscr~to ~cha~o numa Gar~
nosos como nem as encostas inferiores de Saturno poderiam rafa _ as tétricas sugestoe.s da s~a incrível Idade e mons
ostentar. Versos e contos sustentam igualmente a carga de truosa origem; a sinistra trípulaçáo de velhos cegos, a sua
terror cósmico. O corvo cujo bico nauseabundo traspassa o es antosa carreira rumo ao sul singrando a todo o pano por
coração, os vampiros que tangem sinos de ferro em campa- eJre os gelosda noite antártica, arrastado por uma corrente
nários pestilenciais, o túmulo de Ulalume na noite negra de diabólica irresistivel em direção a um ~o_rtI~ede luz fantas-
outubro, as lúgubres torres e cúpulas sob o mar, a "região magórica que termina em fatal destrulçao.. .
selvagem, ciméria, que se estende sublime além do Espaço E há o extraordinário Mr. VaLdemar, mantido íntato pelo
- além do Tempo" - todas essas coisas e outras mais nos poder do hipnotismo durante sete meses depois de mo~to, e
fitam maldosamente em meio a um matraquear insano no emitindo sons desesperados um momento antes que ~,mt~-
pesadelo efervescente da poesia. E na prosa escancara-se rupção do transe o transforme n~m~ ':,massa quase .•qUI a
para nós a própria boca da caverna - aberrações inconce- de repulsiva, detestável putrescencIa . Na !VQI:r~tlva de
bíveis solertemente insinuadas criando um horrível meio- Arthur Gordon Pym os viajantes chegam. a p,nnclplo a uma
entendimento com palavras cuja inocuidade quase não po- estranha região do Pólo Sul habitada po!"indígenas fer~zes,
mos em dúvida até que a tensão entrecortada da voz cava de onde nada é branco e onde grandes ra~mas rochosas tem ~
quem fala nos move a temer as suas implicações inominá- forma de gigantescos hieróglifos egípcIO.Sque revelam t~r~r
veis; formas e presenças demoníacas em torpor mefítico até veis mistérios primevos da terra; depois a. um remo am a
que despertadas por um momento alucinante num grito re- mais singular onde tudo é branco e onde gIgant~s. embuça-
velador que gargalha em súbita demência ou explode em dos e aves de níveas plumas guardam uma prodIgIOsa cata-
ecos cataclísmicos inesquecíveis. Num relâmpado é-nos rata de névoa que de imensuráveis alturas .celestes .se des-
mostrado um Sabá de horror despojado de vestes decorosas peja num tórrido marde leite. Metzengerstem horr?nza com
- um espetáculo tanto mais monstruoso pelo engenho cien- suas malignas alusões a ~ma mo~struosa met~~p~Icose - ~
tífico com que cada pormenor é arranjado e levado a uma nobre louco que incendeIa o estabulo ~o seu mI~lgo he.r~~I
clara relação com a aura sinistra que envolve a vida real. tário; o gigantesco cavalo desconhecIdo que sal do e~Iflcl~
Naturalmente os contos de Poe se enquadram em várias em chamas depois que o seu dono perece dentro dele,. ave
classes, umas contendo mais que outras uma essência mais lha tapeçaria consumida que mostrava o enorme rocim do
pura do horror espiritual. As histórias de lógica e dedução, antepassado da vítima nas Cruzadas; o .louco a cavalgar
precursoras da moderna novela policial, não se classificam constante e furiosamente a grande montana, e o seu medo e
na ficção fantástica; outras, provavelmente influenciadas em
1 51
50

l
~,d~~do animal; as nebulosas profecias que pairam sobre as
genhoso desenvolvimento que se manifesta na escolha e co-
casas em guerra; e finalmente o incêndio do palácio do I ' .
locação de cada ínfimo incidente. Ligéia é a história de uma
~ ~ ~?rt~ nele d~)proprietário. transportado sem defesa ~~~~
a~,c bam~s e pelei grande escadaria acima montado na estra- primeira esposa de origem elevada e misteriosa, que depois
n a esta. Em seguida a fumaça que sobe ds '. de morta retoma mediante uma força de vontade preterna-
form: d r 'I . as rumas toma a
', I' dd e um cava o colossal. () Homem da Multidão que tural para apossar-se do corpo da segunda esposa, chegando
t a cl e um homem q " d" . no último momento a imprimir o seu aspecto físico ao cadá-
. ., I " - ue vagueIa Ia e norte para misturar-se
as
nh ,.Igornei
t
açoes
f . humanas como
.' se com medo d e fiicar SOZI- . ver temporiamente reanimado da vítima. Apesar de um
,o. ell} e ~ItOS menos agitados. mas não encerra menos nada de prolixidade e de desequilíbrio, a narrativa alcança
pl~V?r cosrrnco. No espírito de Poe o terror estava sem r~ com implacável força um clímax aterrador. Usher. cuja su-

~:,~cl
ple,se,~t~: e Jada conto. poema ou diálogo filosófico rev~la
a,nsla, e p~netr'ar msondáveís
. nsp~ssaI o, ve,u, da morte e de reinar em fantasia como
abismos de treva. de
perioridade em detalhe e proporções é marcante , insinua de
maneira arrepiante uma vida obscura em coisas inorgânicas,
e apresenta uma tríade de entidades anormalmente ligadas
se~~OI d~~ ~1~te~'lo,~ terríveis do tempo e do espaço.
ao final de uma longa e retirada história de família - um ir-
gumas das narr ativas de Poe possuem uma +' . -
qU'1 e b I
'" s a
rois no ge
:0 d c ' ..
uta e rorma artística que faz deles autênticos fa-
perlelçao mão, sua irmã gêmea e a casa incrivelmente antiga, todos
partilhando uma única alma e encontrando uma dissolução
.r. . ~ero d o conto curto. Poe era capaz. quando . ue-
Ild~ de dar a sua prosa um belo cunho poético e qd comum na mesma hora,
e stilo : '.. . . . ' mpregan o o Essas concepções estúrdias. tão ineptas em mãos incom-
.- .' a:t' caico . - e orientalizado
,.' de frase s a orna as, repeti-.
d d
çoes a erçao bíblica e estribilhos recorrentes . us a d os com petentes, tomam-se sob a magia de Poe terrores vivos e con-
t: t ' vincentes a assombrar-nos as noites; e isso porque o autor
an o, sucesso por mestres subseqüentes como Oscar Wilde
e, LOId Duns'IOY" , ' compreendia tão perfeitamente o exato mecanismo e fisio-
.', '.'" oc , e nos,C~lSOSem que fez ISSOtemos uma fan-
tasra lírica quase narcotica na essência - um co tei ',' logia do pavor e da estranheza - os detalhes básicos a acen-
ceo d 'h ' rtejo opia- tuar, as incongruências e excentricidades a selecionar como
e son ? em linguagem de sonho. com cada cor desna-
t.ura I e cad a Imagem grotesca reproduzida numa sinfonia de c preliminares ou concornitâncias do horror. os incidentes e
sons correspondent A M ' c
alusões a adiantar inocentemente como símbolos ou prefi-
I' , es. . ascara da Morte Vcrmcllia Si- guraçóes de cada etapa principal em direção ao desenlace
encto, Uma Fábula e Sombra, Uma Parábola são seg~ra- pavoroso os perfeitos ajustes de força cumulativa e o infalí-
m~n~e poemas em todos os sentidos da palavra exceto o da vel rigor na ligação entre as partes que resulta na impecável
me~n~a, e.devem mui~o da sua força à cadência sonora e à fi- unidade em todo o correr da história e no estrondoso im-
guraçao vIS~~1. Mas e em dois dos seus contos menos aber- pacto de instante do clímax. as delicadas nuanças de valor
tame~te poeticos , Ligéia e A Queda da Casa de U I " . cênico e paisagístico a estabelecer para criar e sustentar o
especíalrn t 'I . s te I - clima desejado e dar vida à ilusão pretendida - princípios
. . :n ~ este u tirno - que se encontram as verdadei-
ras ~ul~l,nancla~ d.e ma.estria pela qual Poe assume o seu lu- como esses e dúzias de outros menos evidentes, por demais
g:r cl,testct,d~s ~rnratunstas ficcionais. Simples e lineares na imponderáveis para serem descritos ou mesmo plenamente
tr ama, esses dOIS contos devem a sua compreendidos por qualquer comentarista vulgar. Melo-
'. suprema magIa' ao en-
drama e ingenuidade pode ser que haja - sabe-se de um
52
53
francês exigente que não suportava ler Poe senão na tradu-
ção refinada e' galicamente adoçada de Baudelaire - mas os
traços dessas qualidades são sobejamente suplantados por
um potente e inato senso do espectral , do mórbido e do hor-
rível que jorrava de cada uma das células da mente criativa
do artista e selava a sua obra macabra com a marca inapagá-
vel do supremo gênio. Os contos fantásticos de Poe estão
vivos como poucos outros podem ter a esperança de perma-
necer.
Como a maioria dos fantasistas, Poe distingue-se mais
nos incidentes e efeitos narrativos em geral que na composi-
ção de personagens. Seu protagonista típico é quase sempre
um cavalheiro de família antiga e condição abastada, taci-
turno, bem-parecido, orgulhoso, tristonho, intelectual, al-
tamente sensível, caprichoso, introspectivo , solitário e às 8. A Tradição Fantástica na América do Norte
vezes meio louco; geralmente versado em ciências estra-
nhas e torvamente empenhado em desvendar os segredos O público para quem Poe escrevia, embora de modo geral
proibidos do universo. À parte um nome antissonante, esse não apreciasse a sua arte, não era em absoluto desafeito aos
personagem pouco tem a ver com a novela gótica dos pri- horrores de que ele tratava. A América do Norte, além de
meiros tempos; pois evidentemente não é nem o desenxa- herdar o folclore mítico europeu, tinha um fundo adicional
bido herói nem o diabólico vilão do romance radcliffiano ou de associações fantásticas de onde sacar; assim, lendas es-
ludoviciano.7:- Indiretamente, porém, tem de fato uma espé- pectraisjá eram reconhecidas como um tema fértil de litera-
cie de vínculo genealógico.já que os seus atributos melancó- tura. Charles Brockden Brown granjeara uma fenomenal ce-
licos, ambiciosos e anti-sociais sabem fortemente ao típico lebridade com seus romances' radcliffianos , e o tratamento
herói byroniano, que por sua vez é certamente um descen- mais leve dado por Washington lrvmg a temas Irreais rapi-
dente dos Manfredos, Montonis e Ambrosios góticos. Qua- damente tornara-se clássico. Esse fundo adicional o-
lidades mais particulares parecem ter origem na psicologia riginou-se, como apontou Paul Elmer More, dos pronuncia-
do próprio Poe, que sem dúvida era portador de muito da dos interesses espirituais e teológicos dos primeiros coloni-
tristeza, sensibilidade, aspiração arrebatada, isolamento e zadores e da natureza agreste e misteriosa da paisagem em
fantasia extravagante que atribui às suas solitárias e orgu- que se embrenharam. As florestas virgens vastas e sombrias
lhosas vítimas do Fado. em cuja penumbra perpétua todos os terrores podiam e~-
boscar-se; as hordas de indígenas de pele acobreada CUJas
caras saturninas e costumes violentos sugeriam fortemente
"Referência a M. G. Lcwis. - E.F.B. traços de origem infernal: a rédea solta dada. sob a influên-

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L
cia da teocracia puritana, a toda a espécie de conceitos res- cias ocultas semi-existentes pairando sobre ele e o perme-
peitantes à relação do homem com o severo e vingativo ando, batalhando por supremacia e modelando os destinos
Deus dos calvinistas e com o sulfúreo Adversário desse dos infelizes mortais que são os seus vaidosos e iludidos ha-
Deus, sobre o qual tanto se vociferava no púlpito aos do- bitantes. A herança do misticismo americano foi sua em
mingos; e a introspecção mórbida engendrada por uma vida grau extremo, e ele via uma lúgubre ho~te de vag~s espec-
sertaneja vazia de diversões normais e de humor recreativo, tros por trás dos fenômenos comuns da Vida.; mas na,? era su-
assediada por imposições de auto-exame teológico, exor- ficientemente desprendido para dar valor a impressoes, sen-
tada a uma repressão moral desnatural, e constituindo so- sações e belezas narrativas por si mesmas. Tinha de ur~i.r a
bretudo uma mera e implacável luta por sobrevivência - sua fantasia em alguma tessitura mansamente melancólica
tudo isso conspirou para gerar um ambiente em que os co- de cunho didático ou alegórico, em que o seu cinismo docil-
chichos temerosos de sinistras avós eram ouvidos bem além mente resignado pudesse apresentar com avaliação moral
do canto da lareira, e em que histórias de feitiçaria e de in- ingênua a maldade da espécie humana, que não po~ia de.i~ar
críveis maldades secretas perduraram por ainda muito de estimar e lamentar embora enxergando a sua hipocrisia.
tempo depois dos dias negros do pesadelo de Salem. Assim, em Hawthorne o horror sobrenatural nunca é o ob-
Poe representa a mais nova, a mais desiludida e a mais jeto primário, embora os seus impulsos sejam tão funda-
tecnicamente acabada das escolas fantásticas que brotaram mente entranhados em sua personalidade que ele não pode
desse meio de cultura favorável. Uma outra escola - a tra- abster-se de segui-los com a força do gênio quando recorre
dição de valores morais, descrição amena e fantasia mansa e ao mundo irreal para ilustrar o sermão reflexivo que intenta
pachorrenta com toques de extravagância - foi represen- pregar.
tada por outra famosa, incompreendida e solitária figura As menções ao fantástico em Hawthorne, sempre leves,
das letras americanas - o tímido e sensível Nathaniel fugidias e contidas, podem ser encontradas ao longo de toda
Hawthorne , filho da vetusta Salem e bisneto de um dos mais a sua obra. O estado de espírito que as produziu encontrou
sanguinários dos velhos juízes de bruxas. Em Hawthorne deleitável vazão no reconto teutonizado de mitos clássicos
nada há da violência, da ousadia, do colorido forte, do agudo infantis contidos em Um Livro de Maravilh as e Contos
senso dramático, da malignidade cósmica e da maestria in- da Floresta Emaranhada, e outras vezes exerceu-se impri-
divisa e impessoal de Poe. Ao invés, temos aqui uma alma mindo uma certa irrealidade e intangível magia ou malevo-
delicada, refreada pelo puritanismo da Nova Inglaterra dos lência em eventos não apresentados como definidamente
primeiros tempos; sombria e tristonha, desgostosa de um sobrenaturais, por exemplo no enredo macabro do romance
mundo amoral que por toda a parte transcende os padrões póstumo O Segredo do DI'. Grim sliawe, que reveste de uma
convencionaisjulgados pelos nossos ancestrais como repre- singular repugnância uma casa que até hoje existe em Sa-
sentando a lei divina imutável. O mal. uma força muito real lern , contígua ao velho cemitério da Rua Charter. Em O
para Hawthorne , surge de todos os lados como um inimigo F(/lI1l0 de Mármore. cujo entrecho foi ambientado numa
traiçoeiro e triunfante; e o mundo visível torna-se em sua villa italiana com fama de mal-assombrada, um fundo lô-
fantasia um teatro de infinita tragédia e aflição, com influên- brego de genuíno mistério e fantasia palpita um passo além
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da visão do leitor comum; e laivos de sangue fabuloso em o lugar de onde ele vem e para onde vai é um túmulo muito
veias mortais insinuam-se no curso de um romance que não antigo.
pode impedir-se de ser interessante apesar da persistente Mas, como peça artística acabada, dentre todo o material
obsessão de alegoria moral, propaganda antipapista e um fantástico do nosso autor destaca-se o famoso e primorosa-
rnoralisrno puritano que levou D. H. Lawrence a expressar mente elaborado romance A Casa das Sete Torres, em que o
o impulso de tratar o autor de um modo extremamente inde- implacável cumprimento de uma maldição ancestral é de-
coroso. Se ptirnius Felton , novela póstuma cuja idéia deve- senvolvido com admirável força contra o fundo sinistro de
ria ter sido aprimorada e incorporada ao inacabado Ro- uma casa muito antiga de Salem - uma daquelas denteadas
ma~1Cede Dolliver, alude ao Elixir da Longa Vida de maneira construções góticas que constituíram as primeiras e-
mais ou menos apta; e as notas para um conto nunca escrito dificações regulares das cidades costeiras da Nova Inglater-
que se chamaria A Pegada Ancestral mostram o que Harw- ra, e que cederam lugar depois do século XVII aos espéci-
thorne teria feito com um tratamento intensivo de uma velha mes mais familiares do clássico georgiano ou de telhado de
lenda inglesa - a de uma antiga linhagem maldita cujos mansardas hoje conhecido como "coloniais". Dessas ve-
membros deixavam pegadas de sangue ao caminhar - por lhas casas góticas guarnecidas de torreões talvez menos de
sinal mencionada em Septimius Felton e em O Segredo do uma dúzia possam ser vistas hoje em todos os Estados Uni-
Dr. Grimshave . dos, mas uma delas, bem conhecida de Hawthorne, ainda
Vários dos contos mais curtos de Hawthorne exibem vi- está de pé na Turner Street em Salem, e é apontada com du-
sos de horror, seja na atmosfera ou na ação, em grau consi- vidosa autoridade como cena e inspiração do romance. Um
derável. O Retrato de Edward Randolph, em Lendas da edifício como esse, com suas cúspides espectrais, suas múl-
Casa da Provincia, tem seus momentos diabólicos. O Véu tiplas chaminés, seu sobrado saliente, suas mísulas grotes-
negro do Ministro (baseado num fato real) e O Convidado cas e suas gelosias de caixilhos em losango, é com efeito um
Ambicioso sugerem bem mais do que dizem, e Eth an Brand objeto bem apropriado para evocar ecos sombrios, tipifi-
-- fragmento de um trabalho mais longo que ficou incom- cando como o faz a soturna era puritana de horrores abafa-
pleto - atinge verdadeiras culminâncias de pavor cósmico dos e rumores de bruxedos que precedeu a beleza, raciona-
com sua vinheta de montanhas selváticas e desolados fornos lidade e arejamento do século XVIII. Hawthorne viu mui-
~e calcário acesos, e sua figuração do "pecador irnperdo- tos deles em suajuventude, e conheceu histórias assombro-
avel" byraniano, cuja vida atribulada chega ao fim com uma sas ligadas a alguns. Ouviu também muitos boatos de uma
horrível gargalhada ressoando na noite quando ele busca o maldição lançada sobre a sua própria família como conse-
descanso entre as chamas da fornalha. Algumas das notas qüência da severidade do seu bisavô como juiz de feiticeiros
de Hawthorne dão conta de histórias fantásticas que ele te- em 1692.
ria escrito se houvesse vivido mais tempo - entre elas um Desse cenário nasceu o conto imortal - a maior contri-
entrecho especialmente sugestivo referente a um misterioso buição da Nova Inglaterra à literatura fantástica - e pode-
forasteiro que de vez em quando aparece em reuniões popu- mos sentir num instante a autenticidade da atmosfera que se
"ires e que por fim é seguido. quando então se descobre que nos apresenta. Horror furtivo e morbidez rondam o interior

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das paredes enegrecidas pelo tempo, incrustadas de musgo e sustentar o clima e redimir a obra de uma pura aridez alegó-
sombreadas por olmos da morada arcaica tão vividamente rica. Episódios como o enfeitiçamento de Alice Pyncheon
descrita, e nós compreendemos a torva malignidade do lu- nos começos do século XVI I I e a música espectral do seu
gar quando ficamos sabendo que o seu construtor _ o velho cravo, que precede uma morte na família - e~ta uma v_a-
coronel Pyncheon - arrebatou a terra com atroz perversi- riante de um tipo imemorial de mito ariano - ligam a açao
dade ao seu primitivo dono, Matthew Maule , que condenou diretamente ao sobrenatural; e o velório do velho juiz Pyn-
à ~orca como feiticeiro no ano do terror. Maule morreu amal- cheon na antiga sala de visitas, com o lúgubre tiquetaque do
diçoando o velho Pvncheon - ., Deus lhe dará sangue a be- seu relógio, é puro horror da espécie mais pungente e genuí-
ber" - e as águas do velho poço na terra apropriada na. O modo como a morte do juiz é sutilmente sugerida pelos
tornam-se amargas. O filho de Maule, carpinteiro, consente movimentos e chiados de um estranho gato do lado de fora
em construir a grande casa torreada para o algoz triunfante da janela, muito antes de o leitor ou qualquer das per~on~-
do seu pai, mas o velho coronel morre de modo estranho no gens ter imaginado o fato, é um lance de gênio que o propno
dia da inauguração. Seguem-se gerações de vicissitudes Poe não teria suplantado. Depois o gato, sempre na mesma
anormais, com boatos singulares sobre os poderes maléficos janela, fica a vigiar atentamente a noite e o dia seguinte, à
dos Maules, e por vezes fins terríveis vitimando os Pynche- espera de ... alguma coisa. Ele é claramente o pSlc~pomp?
ons .
da mitologia primitiva, oposto e adaptado com infinita pen-
. A malevolência opressiva do velho casarão _ quase tão cia ao ambiente moderno.
VIV? qu~nto ~ casa de Usher de Poe, embora de maneira
mais sutil - Impregna a narração como um motivo recor- Mas Hawthorne não deixou posteridade literária defini-
r~nt~ ~mpr~gn.a uma tragédia operística; e quando se chega à da. Seu modo e atitude pertencia à época que se encerrou
hlstona prmcipal, veern-se os Pyncheons modernos numa com ele, e foi o espírito de Poe - que tão clara e realistica-
deploráv:1 c~ndição de decadência. A pobre velha Hepzi- mente entendeu a base natural da fascinação do horror e o
ba?, excentnca dama rebaixada; o infantil e infortunado correto mecanismo de criá-lo - que sobreviveu e floresceu.
Clifford, recém-libertado de uma prisão imerecida' o astuto Entre os primeiros discípulos de Poe pode contar-se o bri-
e traiçoeiro juiz Pyncheon, em tudo igual ao velho coronel lhante jovem irlandês Fitz-James O'Brien (1828-1862), que
- todas essas figuras são símbolos terríveis e combinam se naturalizou americano e morreu honrosamente na Guerra
bem com a vegetação mirrada e as galinhas doentias do quin- da Secessão. Foi ele quem nos deu O Que Foi Isso? , o pri-
tal. Chega a ser uma pena que o final seja bastante feliz com meiro conto curto bem estruturado tendo como tema um ser
a união da alegre Phoebe, prima e última descendent~ dos tangível porém invisível, protótipo do Horla de Maupas-
Pyncheons ao simpático jovem que se descobre sero último sant; e foi ele quem criou a inimitável Lente de Diamante.
dos Maules. P~esumivelmente, o enlace põe fim à maldição. em que um jovem microscopista se apaixona por uma don-
Hawthorne evita toda violência de linguagem ou de movi- zela de um mundo infinitesimal que descobriu numa gota de
mento e mantém suas implicações de terror em plano bem água. A morte prematura de O'Brien sem dúvida ~rivou-nos
recuado; mas ocasionais relances servem amplamente para de alguns contos magistrais de fantasia e terror, ainda que o

60
o,
61
seu gênio não chegasse a ter a qualidade titânica que carac- contraste com a malignidade extranatural. Não o d~ur~~o
terizou Hawthorne e Poe. mundo costumeiro, mas um mundo impregnado do mlst~no
Mais próximo da autêntica grandeza esteve o excêntrico e do azul e da opressiva recalcitrância dos s~nhos é.? de B,ler-
saturninojornalista Ambrose Bierce, nascido em 1842, que ce. No entanto, curiosamente, a desumanidade nao esta de
também tomou parte na Guerra Civil mas sobreviveu para todo ausente." -
escrever algumas narrativas imortais e para desaparecer, A "desumanidade" de que fala Loveman tem vazao
em 1913, numa nuvem de mistério tão grande quanto qual- numa espécie rara de comédia irônica e humor negro, e num
quer das que evocou em seus pesadelos de ficção. Bierce foi como que deleite em imagens de maldade e frustraçao tanta-
satírico e panfletista de nota, mas a maior parte do renome lizante. Essa característica é bem demonstrada por alguns
que ganhou como artista deve-se aos seus contos sinistros e dos subtítulos das suas histórias mais macabras como por
brutais, um bom número dos quais trata da Guerra Civil e exemplo "Nem sempre se come o que es!á na ~esa_", de~-
forma a expressão mais vívida e realista que o conflito já re- crevendo um cadáver exposto para uma investigaçao poh-
cebeu na ficção. Praticamente todos os contos de Bierce são cial ou" Mesmo nu um corpo pode estar em farrapos" , re-
contos de horror; e conquanto muitos deles só tratam de ferindo-se a um morto horrivelmente mutilado. ,
horrores físicos e psicológicos restritos à Natureza, uma De modo geral, a obra de Bierce é um tanto irregular. Va-
parcela apreciável admite a malignidade sobrenatural e rias das suas histórias são evidentemente maquinars e pe-
constitui um elemento importante no acervo americano da cam por um estilo rebuscado, de um artificialismo vulgar,
li!eratura fantástica. Samuel Loveman, um poeta e crítico derivado de modelos jornalísticos; mas a satânica malevo-
VIVO que conheceu Bierce pessoalmente, sintetiza assim o lência que espreita em todas elas é inequívoca, e várias se
gênio do grande "fazedor de sombras" no prefácio a uma destacam como marcos permanentes da literatura de horror
coleção de algumas de suas cartas: americana. A Morte de Halpin Frayser, chamada por Fre-
"Em Bierce a evocação do horror torna-se pela primeira deric Taber Cooper de a mais diabólica história de horror da
vez não tanto a prescrição ou a prevenção de Poe e Maupas- literatura anglo-saxônia, fala de um corpo sem alma que se
sant, mas uma atmosfera definida e incrivelmente precisa. esconde à noite numa floresta maldita e horrivelmente san-
Palavras tão simples que poderiam levar-nos a atribuí-Ias às grenta, e de um homem perseguido por memórias ancestrajs
limitações de um escrevinhador assumem um horror diabó- que encontra a morte nas garras daquela que fora a su.a mae
lico, uma transfiguração nova e imprevista. Em Poe vemos estremecida. A Coisa Maldita, muitas vezes transcnta em
nisso um tour de force. em Maupassant uma nervosa impo- antologias populares, relata as maléficas devastações de
sição do clímax torturado. Para Bierce, simples e sincera- uma entidade invisível que noite e dia anda a gingar e trope-
mente, o diabolismo encerrava em sua profundeza atormen- çar nos morros e nas plantações de trigo. O Am~iente Apro-
tada um meio legítimo e confiante para o fim. Mas em todos priado evoca com simplicidade aparente mas singular suti-
os casos insiste-se numa tácita confirmação com a natureza. leza um agudo senso do terror que pode residir na pal.avra
"Em A Morte de Halpin Frayser. flores, plantas e os ga- escrita. Na história, um contista de horror, Colston, dIZ ao
lhos e folhas das árvores são postos como um elemento de seu amigo Marsh: "Você é valente bastante para ler-me
63
62
r
num bonde, mas ... numa casa abandonada ... sozinho ... na de um ano depois dois homens de alta posição sào forçados
floresta ... à noite! Há! Eu tenho aqui no bolso um manus- por uma tempestade a procurar abrigo na casa abandonada;
crito que haveria de matá-lo " Marsh lê o manuscrito no dentro, topam um estranho cômodo subterrâneo iluminado
. 'ambiente apropriado" - e morre. O Dedo Médio do Pé por uma luz esverdeada inexplicável e tendo uma porta de
Direito é mal-desenvolvido. mas tem um clímax poderoso. ferro que não se pode abrir por dentro. Ali estào os cadáve-
Um homem chamado Manton mata os dois filhos e a mu- res decompostos de toda a família desaparecida; e quando
lher. sendo que a esta faltava o dedo médio do pé direito. um dos visitantes corre para abraçar o corpo que julga reco-
De.z anos depois. com a aparência muito mudada. volta à lo- nhecer. o outro é de tal modo assoberbado por um horrível
calidade; reconhecido sem saber. é provocado e desafiado fedor que acidentalmente tranca o companheiro na cripta e
para um duelo a facáo no escuro. a ser travado na casa agora perde a consciência. Recobrando os sentidos depois de seis
abandonada onde foi cometido o crime. Chegada a hora do semanas. o sobrevivente não consegue mais achar o com-
~uelo. pregam-lhe uma peça: ele é deixado sem adversário, partimento oculto; e durante a Guerra Civil a casa é incen-
tech~.ldo numa sala térrea escura como breu do casarão, que diada. Do companheiro aprisionado nunca mais se tem notí-
te,m fama de mal-assombrado, com a espessa poeira de uma era.
de~ad~ cobrindo tudo. Nenhuma faca é puxada contra ele. Raramente Bierce realiza as possibilidades atmosféricas
pOls.a Inte~çúo é apenas pregar-lhe um susto em regra; mas dos seus temas táo vividamente quanto Poe; e grande parte
no dia seguinte ele é encontrado encolhido a um canto com a da sua obra mostra um quê de ingenuidade. de aspereza vul-
fi:iunon~ia.cuntorcida. morto de puro medo de uma coisa que gar ou do provincianismo da América primitiva. que con-
VIU. A uruca explicação à vista tem implicações terríveis: trasta bastante com os trabalhos de mestres do horror mais
.. Na poeira dos anos que cobria o chão numa camada es- recentes. Não obstante. a autenticidade e inventividade dos
pess'.l - partindo da porta de entrada e atravessando a peça seus toques de magia são sempre inegáveis. de forma que a
em linha reta até uma jarda de distância do cadáver aga- sua grandeza não corre risco de eclipsar-se. No arranjo de-
ché.~dode ~anton - havia três linhas paralelas de pegadas finitivo das suas obras coligidas, os contos fantásticos de
-lInpressoes leves mas nítidas de pés descalços. as de fora Bierce aparecem principalmente em dois volumes: Isso E
de cna_nças. as do meio de mulher. Do ponto aonde chega- Possivel? e No Meio da Vida. O primeiro. aliás. é quase
~an: nao retomavam: todas apontavam numa só direção. " todo dedicado ao sobrenatural.
E., e.claro, ~s '!1a~cas da mulher mostravam a falta do dedo Muito do que há de melhor na literatura de horror ameri-
med~o do pe direito. A Casa Assombrada, narrado num ar cana saiu de penas não especialmente consagradas a esse
sobna~ente prosaico de verossimilhança jornalística, meio de expressão. Oliver Wendell Holrnes no histórico E/-
transmite sugestões terríveis de um mistério apavorante. sie Venner sugere com admirável sobriedade um elemento
Em 185~ uma ~amília inteira de sete pessoas desaparece de ofídico numa jovem mulher vítima de uma influência pre-
repente Inexphcavelmente de uma casa de fazenda no leste natal, e sustenta a atmosfera com toques paisagísticos de
do. Kentucky, deixando intatas todas as suas posses - mó- uma lucidez sutil. Em A Volta do Parafuso Henry James
veis. roupas. mantimentos, cavalos. gado e escravos. Cerca vence a sua inevitável ênfase e prolixidade suficientemente
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~-
"r-
b~m para criar um clima realmente forte de malignidade si- primido que traz a quem o lê loucura e tragédia espectral, re-
rnstra, retratando a influência deletéria de dois criados per- almente atinge notáveis culminâncias de pavor cósmico,
versos, Peter Quint e a govemanta, Miss Jessel, depois de apesar do interesse desigual e do cultivo um tanto banal e
mortos, sobre um menino e uma menina que estiveram sob afetado da atmosfera de ateliê de artista francês populari-
os ~eus cuidados. Jarnes é talvez por demais difuso, por de- zada pelo Trilby de Du Maurier. A narração mais forte é,
mais refinado e untuoso, e por demais afeito a sutilezas de talvez, O Sinal Amarelo, em que aparece um silencioso e si-
linguagem para realizar plenamente todo o horror selvagem nistro guarda de cemitério com uma cara balofa que lembra
e devastador das suas situações; mas apesar de tudo tem-se um verme de sepultura. Um menino, descrevendo uma
um raro crescendo de terror, que culmina com a morte do briga que teve com a criatura, treme e tem ânsias de náusea
menino e que dá à noveleta um lugar permanente em sua ao relatar certo detalhe. "Olhe, senhor, juro por Deus que
classe específica.
quando eu bati nele ele me segurou os pulsos, senhor, e
F. Marion Crawford produziu diversos contos fantásticos quando eu torci o punho dele, que era mole e esponjoso, um
de qualidade variável, hoje coligidos num volume intitulado dedo dele saiu na minha mão." Um artista que depois de vê-
Fantasmas Erra~t~s. O Sangue é a Vida refere com vigor 10 conta a outro um estranho sonho com um funeral notur-
um caso de vampmsmo nas redondezas de um velho castelo no, se horroriza com a voz do guarda quando este se dirige a
nos rochedos desolados da costa do sul da Itália. Os Mortos ele. O homem emite um som murmurante que enche a ca-
Sorriem versa sobre horrores de família numa velha mansão beça "como fumaça grossa e oleosa de uma cuba de derreter
e num jazigo ancestral na Irlanda, e apresenta o banshee * sebo ou um fedor nauseabundo de decomposição". O que
com força considerável. No entanto, O Leito de Cima é a ele engrola é simplesmente: "Encontrou o sinal amarelo?"
obra-p~m!l?e mistério de Crawford, e uma das mais espan- Pouco tempo depois o ouvinte do sonho apresenta ao ar-
tosas histórias de horror de toda a literatura. Nessa narrati- tista um talismã de ônix com estranhos hieróglifos que
va: ~ue fala de um camarote de navio assombrado por um achou na rua; e encontrando, em circunstâncias singulares,
SUICIda,detalhes como a espectral umidade salgada, a vigia o livro de horrores proibido, os dois ficam sabendo, entre
estranhamente aberta e a pavorosa luta com o abantesma outras coisas medonhas que nenhum mortal' em seu juízo
são tratados com incomparável maestria. deveria conhecer, que o talismã vem a ser o tal Sinal Ama-
~uito ~~nuíno, embora não isento da extravagância ma- relo legado pelo culto maldito de Hastur, da primitiva Car-
ne.msta típica da década de 1890, é o traço de horror nos cosa, de que trata o livro, e do qual uma lembrança diabólica
pnmeiros trabalhos de Robert W. Chambers, desde então procura se infiltrar latente e ominosa na mente subcons-
fa~oso por produtos de uma qualidade muito diferente. O ciente de todos os homens. Logo eles ouvem o estrépito do
Rei de Amarelo, uma série de contos vagamente relaciona- coche fúnebre enfeitado de plumas negras e guiado pelo tlá-
dos entre si, tendo como fundo um livro monstruoso e su- cido guarda de cara cadavérica. Na escuridão dá noite ele
entra na casa em busca do Sinal Amarelo, e todas as trancas
*No fO,I~loreirlandês. espírito feminino cujos lamentos prenunciam uma morte e ferrolhos se desfazem ao seu toque. E quando pessoas
na família. (N. do T.)
acorrem atraídas por um grito que nenhuma garganta hu-
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mana poderia emitir, encontram três formas no chão _ duas
cazmente pavoroso em sua descrição de afinidades inaturais
mortas e uma agonizante. Um dos mortos está em estado
entre um mestiço idiota e um estranho peixe de um lago iso-
ad!a?tado de decomposição. É o guarda do cemitério, e o
lado, que no final vinga a morte do seu parente bí~ede. Os
médico exclama: "Este homem deve estar morto há me-
últimos trabalhos de Cobb introduzem um possível ele-
~es. " Vale observar que a maior parte dos nomes e alusões
mento de ciência, como no caso de memória hereditária em
ligados a esse fantástico país de memórias prirnevas o autor
que um homem moderno de origem negróide profere pala-
tirou dos contos de Ambrose Bierce. Outras das primeiras
vras de uma língua nativa africana quando atropelado por
obras de Chambers que ostentam o elemento inusitado e
um trem em circunstâncias visuais e auditivas que recordam
macabro são O Fazedor de Luas e Em Busca do Desconhe-
a mutilação de um seu antepassado negro por um rinoce-
cido. N~o se pode deixar de lamentar que ele não tenha le-
ronte um século antes. .
vado adiante uma vocação em que facilmente se teria tor- Uma criação menos sutil e equilibrada mas mesmo aSSIm
nado um mestre consagrado.
bastante eficaz é o romance de Herbert S. Gorman, O Lu,!ar
Material de horror de autêntica pujança pode ser encon- Chamado Dagon, que conta a história sombria de um vila-
trado?a obra realista de Mary E. WiIkins, da Nova Inglater- rejo do oeste do Massachusetts onde descendentes de refu-
ra, cujo volume de contos O Vento na Roseira contém di-
ficada e subumana. Acaba por embrenhar-se nos matos e à
~ersos trab~lhos dignos de nota. Em Sombras na Parede
noite uivajunto àsjanelas. Por fim encontram-no morto e di-
e-nos descnta com habilidade consumada a reação de uma
lacerado num matagal. Junto dele, o cadáver retalhado do
I. pacata família da Nova Inglaterra a uma espantosa tragédia;
cão. Um matou o outro. A atmosfera do romance é de
i ~

".,
e a sombra desgarrada do irmão envenenado nos prepara
grande força maligna, com muita atenção dada à casa do
adequada~ente para o momento do clímax em que a sombra
protagonista e aos seus sinistros moradores. ~
do assassmo secreto, que se matou numa cidade vizinha
De alta estatura artística é o romance A Camara Escura
aparece de repente ao lado dela. Charlotte Perkins Gilrnan.
(1927), do falecido Leonard Cline. É ~ história ,~e ~~ h~-
e~ O Pap~1 de Parede Amare/o, eleva-se a um plano c1ás~
mem que - com a ambição característica do herói-viláo go-
SICOao delInear com sutileza a demência que acomete uma
tico ou byrônico - se propõe desafiar a natureza e.recapt!l-
mulher que Ocupa um quarto medonhamente forrado de pa-
rar todos os momentos da vida passada pela estimulaçâo
pel no qual uma louca tinha estado confinada.
anormal da memória. Para isso se vale de uma infinidade de
Em O Vale Morto o eminente arquiteto e medievalista
notas, registros, retratos e objetos mnemônÍcos.- e final-
Ralph Adams eram alcança um grau memoravelmente po-
mente de odores, música e drogas exóticas. Por fim sua am-
tente de vago horror regIOnal através de sutilezas de atmos-
fera e descrição. bição vai além da sua vida pessoal e pass~ a buscar os ~egros
abismos da memória hereditária - ate mesmo as Idades
Nossa tradiç~o. espe.ctral é levada ainda mais longe pelo
pré-humanas entre os charcos fumega~te~ do perí?d~ car-
ta~ent?so e versatd Irvin S. Cobb, cujos trabalhos, tanto os
bonífero e as profundezas ainda mars inconcebíveis do
pnmeIros como os mais recentes, contêm excelentes amos-
tras de horror. Caheça-de-Peixe, um dos primeiros, é efi- tempo e existência primevos. Recorre a mús.icas cada vez
mais enlouquecedoras e a drogas cada vez mais estranhas, e
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69
I I
r por fim o seu grande cão passa a ter medo dele. Um cheiro
animal mefitico o envolve, sua fisionomia torna-se estupidi-
giados da bruxaria de Salem mantêm vivos os horrores mór-
bidos e depravados do Sabá Negro.
dimensões bem como de estranhos
xias, outr?s mundos e Ele fala de Hiperbóreos primevos
lugares e Idades da terra. . Tsathoggua; do continente per-
e do seu amorfo deus negro i s-
1~ veroi ne infestado de
dido Zothique e do fabulo~o P~IS ~ns do; m~lhores traba-
Casa Sinistra, de Leland Hall, tem toques de magnífica vampiros- na França medieva ~ aios na brochura intitulada
atmosfera mas é prejudicado por um romantismo um tanto lhos de Smith podem ser encon r .
medíocre. A Sombra Dupla e Outras Fantas/QS (1933).
Bastante notáveis a seu modo são algumas das concep-
ções fantásticas do romancista e contista Edward Lucas
White, a maior parte de cujos temas teve origem em sonhos
reais. O Canto da Sereia tem uma aura muito convincente
de mistério, e peças como Lukundoo e O Focinho suscitam
apreensões mais aflitivas. White imprime em suas narrati-
vas uma qualidade muito singular - uma forma oblíqua de
magia com um gênero próprio de convicção.
Dos americanos mais jovens, nenhum fere a nota do hor-
ror cósmico tão bem como o poeta, pintor e ficcionista Clark
Ashton Smith, cujos excêntricos escritos, desenhos, pintu-
ras e contos fazem a delícia de apreciadores mais sensíveis.
Smith adota como pano de fundo um universo de terror re-
moto e paralisante - selvas de flores irisadas e venenosas
nas luas de Saturno, templos diabólicos e grotescos na
Atlântida, na Lemúria e em mundos esquecidos mais anti-
gos, e pântanos bafientos de cogumelos mortíferos em re-
giões espectrais situadas além dos confins da terra. Seu po-
ema mais longo e mais ambicioso, O Comedor de Haxixe, é
em versos pentâmetros brancos; e desafia visões incríveis e
caóticas de caleidoscópicos pesadelos nos espaços siderais.
Em desvairada extravagância demoníaca e fertilidade de in-
venção, Smith talvez não seja excedido por nenhum outro
escritor morto ou vivo. Quem mais já contemplou essas vi-
sões luxuriantes, suntuosas e febrilmente deformadas de es-
feras infinitas e múltiplas dimensões e viveu para contar a
história? Seus contos tratam vigorosamente de outras galá-
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70


9. A Tradição Fantástica nas Ilhas Britânicas

A literatura britânica recente, além de incluir os três ou


quatro maiores fantasistas do presente, é satisfatoriamente
fértil no elemento sobrenatural. Rudyard Kipling abordou-o
com freqüência e, apesar dos seus índetectíveis maneiris-
mos, tratou-o com indubitável maestria em contos como O
Jinriquixá Fantasma, A Melhor História do Mundo, A Re-
crudescência de lmray eA Marca da Fera. Este último é es-
pecialmente aflitivo: as imagens do sacerdote leproso nu
que mia como uma lontra, das manchas que aparecem no
peito do homem que o sacerdote amaldiçoou, do crescente
apetite carnívoro da vítima, do medo que os cavalos passam
a mostrar dele, e da sua parcial metamorfose em leopardo,
são coisas que dificilmente o leitor há de esquecer. A frus-
tração final do sortilégio maligno não tira a força da história
nem a validade do mistério.
Lafcadio Hearn, estranho, errante e exótico, afasta-se
ainda mais do reino da realidade; e com suprema sensibili-
dade de poeta tece fantas.ias impossíveis a um cronista do
73
;' t
r cotidiano. Seu Fantastics, escrito na América, contém pas-
sagens das mais tétricas de toda a literatura; e Kwaidan, es-
crito no Japão, cristaliza com incomparável maestria e suti-
. - A Fala de uma ameaça horrível e
maio~es cnaçoes do gener~~n o de séculos numa ilha s~bár-
arrepiante que se escoa ao g onde em meio a funosos
leza as superstições e lendas SUssurradas daquela cultura tica ao largo d~ costa noruet~~~~~ de ondas colossais e cata-
tão rica e pitoresca. O fascínio da linguagem de Hearn ainda vendavais e o mce~san~e es truiu uma tenebrosa morada
mais se revela em algumas das suas traduções do francês, ratas, um morto vmgativo co;s embora muito diferente, A
notadamente de Gautier e Flaubert. Sua versão da Tenta- do terror. Lembra vagamen e, N omance A Nuvem
d d C de Usher de Poe. o r
ção de Santo Antônio de Flaubert é um clássico de fantasia Que a a asa da força uma praga que
febril e turbulenta envolvida na sonoridade mágica da prosa. Púrpura ,Sh~eldescreve co~ :~:r::nidade, e que por algum
Oscar Wilde fazjus igualmente a um lugar entre os nove- vem do Artico para .de~trUl laneta um único habitante. As
listas do sobrenatural com alguns dos seus requintados con- no
tempo parece ter del~a ot ~Iitário à medida que ele se dá
tos de fadas e com o seu impressionante Retrato de Dorian sensações do s~brevlven ~ s I cidades do mundo povo-
Gray , em que durante muitos anos um retrato milagroso as- conta da situaçao e Iv~gu~~at~:o~sroscomo seu senhor abso-
sume o encargo de envelhecer e corromper-se em lugar do adas de morto~ e rep e as h bilidade e maestria que quase
seu original, que entrementes se afunda em todos os exces- luto são de.scntas com u.ma a I I se unda metade do livro,
sos do vício e do crime sem perder exteriormente a.iuventu- se diria majestosa. InfehAzm.ente,a ve~cional resulta numa
com seu elemento romantrco con ,
de, a beleza e o frescor. Há um clímax súbito e potente
quando Dorian Gray, que por fim tornou-se assassino, tenta verda?eira dec~pção. Shi I' engenhoso Bram Stocker,
destruir o quadro cujas transformações são o testemunho da .Mals conhe~ldo que leõees~errificantes numa séri.e de
sua degeneração moral. Ele crava-lhe uma faca, e então cnador de .mu!ta~ conceplria lamentavelmente prejudica o
ii
i.
li I
ouve-se um grito horrível e um grande barulho; mas os cria-
dos que acorrem encontram-no em toda a sua beleza primi-
no~elas CUt ~e~~~.~alc;~erme Branco, que trata de uma gi-
efeito gera: ( . .. ue se oculta numa cripta de um
tiva. "No chão jazia o cadáver de um homem trajado a rigor, gantesca cnatura pnrmtrva ql t ente uma idéia magnífica
com uma faca enterrada no peito. Tinha um rosto emaciado, velho castelo, estraga comp e a~ f til A Jóia de Sete Es-
encarquilhado e repulsivo. Só quando examinaram os anéis com um des~fl\'olviment~r~~~:e r';s:~r;~ição egípcia, é es-
souberam quem ele era." trelas, refenndo uma es M melhor de todas é o fa-
Matthew Phipps Shiel, autor de várias novelas e contos crita de maneira menos tosca. as .e o padrão moderno na
fantásticos, grotescos e aventurosos, alcança por vezes uma moso Drácula, que se tor~oudquaSampiros O conde Drá-
alta qualidade de magia horripilante. Xelucha é um frag- l-do medonho mito os v . ,
exp oraçao co i b' um lúgubre castelo nos Carpatos,
mento morbidamente horrível, mas é ultrapassado pela in- cula, um ~am.plro, ha ita glaterra com a intenção de povoar
discutível obra-prima de Shiel, A Casa dos Sons, exuberan- mas depois ml~ra para a Inl As vicissitudes de um inglês no
0
temente escrita na "década amarela dos noventa" e refun- o pa,ísde vampiros cor:n e :. o malogro final do plano de do-
dida com mais discrição artística em princípios do século ternvel reduto de Dracu~a., - elementos que se unem
XX. Em sua forma final, a história merece um lugar entre as rninaçâo da monstruosa cnatur~ sao merecidamente um
para constituir um conto que hoje ocupa
74
75
lugarpe~~ane~te.nas letras inglesas. Drácula inspirou mui-
Intangível de H . )3. Drake desperta visões estranhas ~ te~í-
tas .hIstonas similares de horror sobrenatural, dentre as
veis. Lilith de George Macdonald fascina por uma bizarria
quars as melhores são talvez O Besouro de Richard Marsh
toda própria, sendo que a primeira e mais simples das duas
A Estirpe da Rainha Bruxa de Sax Rohrner (pseudônimo d~
versões é provavelmente a melhor. _.
Arth~r ~arsfield Ward) e A Porta do Irreal de Gerald Biss.
Merecedor de menção destacada como artesao VIgOroSO,
E_staultIm~ trata com b~stante habilidade da velha supersti-
para quem um mundo místico invisível é sempre uma .reali-
çao do lobisomem. MUlto mais artístico e sutil, e contado
dade próxima e vital, é o poeta Walter de Ia Mare, cuja p.o-
com ,e~cepclOnal talento através das narrativas justapostas
de varras personagens, é o romance Porto Frio de Francis esia obsessiva e prosa requintada ostentam traços consis-
tentes de uma visão estranha que penetra fundo nas esferas
~rett v..oung, em que uma velha mansão de estranha malig-
veladas da beleza e nas dimensões proibidas e terríveis da
nl~ade e soberbamente descrita. O irônico, maldoso e quase
existência. No romance A Volta vemos a alma de um morto
cruootenre H~mphre~ Furnival tem reflexos do tipo Man-
sair de sua sepultura depois de duzento~ anos e entra??ar-se
fre~o- Mon!om do antigo "vilão" gótico, mas escapa do cli-
no corpo dos vivos, de tal modo que ate o rosto da vI~Ima se
che ~~r multas e inventivas originalidades. Somente a ligeira
transforma naquele que de há muito retorno~ ao p~. ,nos
pr~h.xIdad_ede explicações no final, e o uso um tanto livre da
contos curtos, de que há vários volumes, mUItos. sao ines-
ad~v.mhaçao como fator de enredo, impedem que o trabalho
avizinhe a perfeição absoluta. quecíveis pela maestria com que abordam as mais atr?zes
ramificações do medo e da feitiçaria: n.otadamente A !~ade
No romance floresta das Bruxas John Buchan retrata Seaton, em que negreja um fundo pestilento de vamplr~s~o
com tremenda força a sobrevivência do demoníaco Sabá
maligno; A Árvore, que fala de uma honível excrescencia
num rincão perdido da Escócia. A descrição da floresta es-
cura com a pedra infernal e das terríveis visões cósmicas vegetal no quintal de um artista que não tem o q~e c.ome~;
Do Fundo do Abismo, em que fica por conta do leitor Imagi-
quando o horror é finalmente extirpado, compensam o cus-
nar o que atenderá ao chamado de um marginal agonizante
to~o avanço através do desenvolvimento muito gradual da
numa casa escura e solitária quando ele puxa a corda de um
açao e da pletora de dialeto escocês. Alguns dos contos cur-
sino que sempre o apavorou no sótão da sua meninice po~o-
tos de _Buchan são também extremamente vívidos em suas
ada de terrores; Um Recluso, que sugere o que fez um hos-
sugestoes. esp~ctrais, destacando-se O Gnlf Verde, história
pede casual sair correndo de uma casa no meio da noite;
de bruxaria afncana. O Vento no Pórtico, com seu despertar
Mr. Kempe, que nos mostra u~ eremita !o.u~o em busca da
de passados horrores britano-romanos, e Skule Skerrv com
toques de horror subártico. -, alma humana, morando numa lugubre falésiajunto a uma ve-
lha capela abandonada; eAll-Hallow~',u.m ~isl~mbre?e for-
Clemence Housm~n, na noveleta O Lobisomem, atinge
ças demoníacas assediando uma sohta~Ia Igreja ~edIeval e
um alto grau de ~en~ao macabra e cria até certo ponto uma
milagrosamente restaurando a alvenana ~arcomIda. De Ia
at~osfera de autentICo folclore. Em O Elixir da Longa Vida
Mare não faz do medo o elemento exclusivo ou mesmo do-
~I thur Ransome consegue alguns excelentes efeitos aterro-
minante da maioria das suas narrações: aparentel!1ente se
nzantes. embora o enredo seja no geral simplório, e A Coisa
interessa mais nas sutilezas de caráter envolvidas. As vezes
76
• I. 77
mergulha em pura fantasia extravagante do gênero de Bar- 249, em que o tema da múmia rediviva é utilizado c~~ ta-
rie. Mas é um dos muito poucos para quem a irreal idade é lento acima do comum. Hugh Walpole, da mesma fan:lllIado
~ma ?n~sença viva e palpitante; e nessa qualidade é capaz de fundador da ficção gótica, abordou algumas vezes o macre-
impnrmr aos seus ocasionais estudos do pavor uma força ditável com ótimos resultados, sendo que o seu CO?to curto
sugestiva que só raros mestres chegam a alcançar. Seu po- Mrs. Lunt é de molde a provocar intensas emoçoes. John
ema Os Ouvintes reproduz no verso moderno o paroxismo Metcalfe, na coleção publicada com o nome de A :er~a
do terror gótico. Fumegante, demonstra por vezes um r~ro grau d: potencia;
Ultimamente o conto curto fantástico tem sido bem re- o conto intitulado As Terras Más contem gradaçoes de hor-
presentado, e uma importante contribuição é a do versátil E. ror que sabem fortemente ao .gê~io. Ma~s extravaga~tes_ e
F. Benson, autor de O Homem que Foi Longe Demais, que inclinados à fantasia inócua e Jovial de SIr J. ~. Barrie sao
nos sussurra ao ouvido a respeito de uma casa à borda de uma os contos de E. M. Forster, agrupados sob o titulo ~e_Ana-
floresta lúrida e da marca do casco de Pã no peito de um lecto Celeste. Somente um deles, que alude a uma vrsao fu-
morto. O livro de Benson Visível e Invisível compreende vá- gaz de Pã com sua aura de terror, pode s~r d~do como encer-
rias histórias de excepcional poder descritivo, notadamente rando o autêntico elemento de horror cosrmco. Mrs. H. D.
Negotium Perambulans, cujo desenrolar revela um monstro Everett embora apegada a modelos antiquados e conven-
anormal saído de um velho painel de igreja e que leva a cabo cionais,' atinge ocasionalmente notáveis eminências de ter:
um ato de vingança milagrosa numa aldeia isolada da costa ror espiritual em sua coleção. de. ~ontos. * L. P. Hartley e
da Cornualha; e O Pico do Horror, em que um terrível so- digno de nota pelo seu conto mCISIV?e extre~a,?~nte ho~-
brevivente semi-humano vagueia por cumes infreqüenta- . do Um Visitante do Mundo Inferior. As Historias Incri-
Ien , . " di
dos. O Rosto, em outra coleção, é mortalmente sugestivo veis de May Sinclair contém mais de "ocultls~o tra lCIO-
com sua aura de implacável maldição. H. R. Wakefield, em nal que do tratamento inventivo do medo que e ~ marca da
suas coleções Eles Voltam ao Anoitecer e Outros que Vol- maestria nesse campo, e tendem a centrar-se mars nas emo-
tam, consegue por vezes alcançar um forte grau de horror, ções humanas e em perquirições psicoló~icas que nos puros
apesar de um fastidioso ar de,sofisticação. As histórias mais fenômenos de um cosmo inteiramente Irreal. Cabe talvez
notáveis são O Pavilhão Vermelho, Ele Vem e Ele Passa E notar aqui que os crentes do oculto. são provavelmente me-
Ele Cantará, O Marco, Olhe para Cima, A Jaqueta do Ce~o nos aptos que os materialistas a delmear o espec~ral e o fa~-
e uma história de um horror milenar oculto, O Décimo Sé- tástico,já que para eles o mundo dos fan~asmas e uma reah-
timo Buraco em Duncaster. Já foram mencionadas as cria- dade tão comum que eles tendem a refenr-se a_ele com me-
çôes fantásticas de H. G. Wells e A. Conan Doyle. O pri- nos assombro, estranheza e força de expressao do que os
meiro, em O Fantasma do Medo, atinge um altíssimo nível, que vêem nele uma violação estupenda e absoluta da ordem
e todas as componentes de Trinta Histórias Estranhas têm natural. . d'
fortes implicações sobrenaturais. Doyle algumas vezes fez De qualidade estilística um tanto desigual, mas espora 1-
soar uma forte nota espectral, como em O Capitão da Es- camente de enorme poder em sua sugestao de mundos es-
trela Polar, narração de visagens árticas, e Lote Número *A Mascara da Morte.

78 79
'I,

condidos e de seres que habitam além da face ordinária da


vida é a obra de Wi11iam Hope Hodgson, hoje muito menos , rrativa de um navio con~en~do e
' ,
logia, e uma poderosa a última viagem, e dos terríveis de-
conhecido do que merecia, Em que pese uma tendência para
mal-assombrado em sua u e humano provavel-
concepções sentimentais convencionais do universo e da re- 'h (de aspecto quas , f
lação do homem com ele e com seus semelhantes, Hodgson mônios mann os, iros) que o perseguem e 1-
mente espíritos de antigos buca~~;~~o ignorado, Com seu
talvez só perca para Algemon Blackwood em seu sério tra-
tamento da irrealidade, Poucos o igualam no modo de suge- nalmente o arrast~m para um '(mos e sua hábil seleção de
domínio de conheclme~tos ~an die horrores latentes na na-
rir a proximidade de forças obscuras e de monstruosas enti- - , Sdi insinuativos ,,'
dades assediantes através de insinuações perfunctórias e de- alusoes e episo 10S m rt s pontos .invejáveis culmi-
tureza, o livro alcança em ce o
talhes insignificantes, ou de comunicar sensações do espec-
nâncias
traí e do anormal em relação a lugares ou edifícios, O País de vigo,r. , ma narrativa extensa (538 pági-
da Noite (1912) e u bilhô es e bilhões de
Os Barcos do Glen Carrig (1907) apresenta-nos uma va- " da terra -
nas) do futuro remotl~slmo d I Desenvolve-se de
riedade de prodígios malignos e de terras desconhecidas e irv d s da morte o so ,
malditas encontradas pelos sobreviventes de um naufrágio, anos no porvir, epoi b forma de sonhos de um
modo bastante desastrado, ,so a te se funde com sua pró-
A lúgubre ameaça das primeiras partes do livro é inexcedí-
homem do século XVII, cUJ,ame? ente afetada por uma
vel, embora para o final ocorra um declínio no sentido do - f t a' e e senam ,
romance e da aventura comuns, Uma tentativa falha de re- pria encamaçao u, ur , heia de repetições, por um senti-
produzir a prosa do século XVIII deprecia o efeito geral, verbosidade can~atl~a, Crtificial e enjoativamente piegas, e
mentalismo romantlc~ a aica ainda mais grotesca
mas a erudição náutica realmente profunda sempre demons- por uma tentativa de hnguage~ are
trada é um dado compensador, d de Glen Carrig . é uma d
A Casa da Fronteira (1908) - talvez a melhor de todas as e absur a que a f lhas ainda assim e uma a,s
Descontadas todas es~as ~ -' macabra até hoje escn-
criações de Hodgson - fala de uma casa isolada e temida na de Imagmaçao ,
Irlanda, que se constitui em foco de medonhas forças do ou- mais poderosas peças to envolto em noite perpe-
' d um planeta mor , d
tro mundo e é sitiada por anomalias híbridas profanas que tas, A Imagem e d a humana concentra os
escentes a raç
habitam um abismo oculto embaixo dela, As viagens do es- tua, com os re~~:ide metálica e acossados po~ desconhe-
pírito do narrador através de incontáveis anos-luz de espaço numa enorme pira . as híbridas das trevas, e algo q~e,o
cósmico e de ilimitados ciclos de eternidade, e de como ele cidas e monstruosas fOIç nd des de uma especie
" , Formas e en I a
assiste à destruição final do sistema solar, constituem algo
leitor Jamais esquecera, , cebível que rondam no
' mana e mcon, ,~ ,
de quase único na literatura corrente, E por toda a parte absolutamente inu inexnlorado de fora da pirarru-
b ndonado e mexp , , I
manifesta-se o poder do autor de sugerir vagos terrores em- mundo- negro,,'das
' a ae parClG 'I men te descritas com inefáve , , 'po-
boscados no cenário natural. Não fossem alguns toques de de , sao sugeri 'do ís d a noi'te com seus precrpicios,
pais
sentimentalismo vulgar, o livro seria um clássico de pri- tência; e as paIs~gens ';- assumem na pena do au-
meira água, '
ravmas e vulcanisrno em extmçao, I ,
Os Piratas Fantasmas (1909), considerado por Hodgson tor um horror ~uase ~~Ip~v~~ntral se arrisca a deixar a PI-
Como perfazendo com as duas obras acima referidas uma tri- No meio do livro a I~UIa 'de reinos povoados de
râmide numa exploraçao atraves
80
81

._-----.
abantesmas, não pisados pelo homem há milhões de anos, e
Um tanto apartado da corrente principal inglesa há o ramo
em seu lento progresso, minuciosamente descrito dia a dia
fantástico da literatura irlandesa que ganhou evidência no
ao I~ngo de incontáveis léguas de negrume imemorial, há um
Renascimento céltico do fim do século XIX e começo do
sentimento de alienação cósmica, mistério sufocante e ex-
XX. Lendas fádicas e fantasmais sempre tiveram grande
pec~ativa angustiosa que não tem paralelo em todo o campo
destaque na Irlanda, e por mais de cem ~nos foram registra-
da literatura. O último quarto do livro se arrasta deplora-
das por uma linhagem de fiéis transcntores e trad~tores
velmentc, mas não chega a destruir a tremenda força do con-
Junto. como William Carleton, T. Crofton Croker, Lady W.lde-
mãe de Oscar Wilde -, Douglas Hyde e W. B. Yeats. Tra-
O volume mais recente de Hodgson, Carnacki, o Caçador
zido à tona pelo movimento moderno, esse corpo de. mitos
de Fantasmas, consiste de diversos contos bastante longos
foi cuidadosamente coligido e estudado, e os seus atnbutos
publicados vários anos antes em revistas. Em qualidade ele
salientes reproduzidos na obra de figuras mais recent~s
se coloca manifestamente muito aquém dos outros livros.
como Yeats, J. M. Synge, "A. E.", Lady Gregory, Padraic
Aqui encontramos uma figura estereotipada e mais ou me-
Colurn, James Stephens e seus confrades. , .
nos convencional de "detetive infalível" - progênie de M.
Embora no todo mais excentricamente fantastIco que ter-
Dupin e Sherlock Holmes e parente próximo do John Si-
rível, esse folclore e seus correlativos conscientemente ar-
lence de Algernon Blackwood - que se movimenta em ce-
tísticos contêm muitos componentes que se enquadram po-
nários e eventos seriamente arruinados por uma atmosfera
sitivamente no domínio do terror cósmico. Histórias de se-
de "ocultismo" profissional. Mas alguns dos episódios são
pultamentos em igrejas afundadas em lagos ass~mbrados,
de um poder inegável, e deixam entrever o gênio peculiar ca-
racterístico do autor. lendas de banshees precursores de morte e de cnanças t~o-
cadas por fadas, baladas de espectros e das "criatura~ ~Ia-
Naturalmente é impossível, num ligeiro esboço, arrolar
bólicas dos Raths " - todas têm seus cruciantes e expl~c.tos
todos os empregos clássicos modernos do elemento terror.
calafrios, e marcam um elemento forte e distintivo na litera-
Necessariamente o ingrediente entra em toda obra, seja em
tura do sobrenatural. Apesar do seu primitivismo grotesco e
prosa ou verso, que trate da vida em geral; assim não nos
absoluta ingenuidade, há genuíno horror na classe de narra-
surpreende encontrar uma parcela dele em escritores como
tivas representada pela história de Teig O'Kane, q~e ~m
o poeta Browning, cujo Childe Roland Vindo ao Castelo Es-
castigo por sua vida desregrada era atormentado a noite In-
curo ~ impregnado de fúnebres presságios, ou como o ro-
teira por um medonho cadáver que queria ser sepultado e o
mancrsta Joseph Conrad, que escreveu repetidamente sobre
levava de um a outro cemitério enquanto em cada um deles
os sinist.ros .mistéri~s do mar e o demoníaco poder impulsor
os mortos se levantavam pavorosamente e recusavam c~n-
do Destino mfluenclando as vidas de homens solitários e fa-
ceder um pouso ao recém-vindo. Yeats, sem dúvida a rnaror
naticamente resolutos. É uma trilha de infinitas ramifica-
figura da restauração irlandesa, se não o maior de to~~s ~s
ções; mas devemos limitar-nos ao seu aparecimento em es-
poetas. realizou coisas notáveis tanto em obras ongmais
tado. relativamente isento de mistura, em que determina e
domina a obra de arte que a contém. como na codificação de velhas lendas.

82 I
I
83

J
10. Os Mestres Modernos

Os melhores contos de horror de hoje, aproveitando a


longa evolução do gênero, mostram uma naturalidade, uma
convicção, um esmero artístico e uma intensidade de fascí-
nio muito acima de comparação com quaisquer peças góti-
cas de há um século ou mais atrás. Técnica, artesanato, ex-
periência e conhecimento psicológico avançaram enorme-
mente com o passar dos anos, de forma que grande parte dos
textos mais antigos se afigura primária e artificial, somente
redimida, quando é o caso, por um gênio que venceu sérias
limitações. O tom de romance afetado e empolado, cheio de
falsas motivações e investindo todo evento imaginável de
um sentido contrafeito e de magia frivolamente abrangente,
limita-se agora a faces mais leves e cômicas da ficção sobre-
natural. Histórias fantásticas sérias ou se fazem realistica-
mente intensas por perfeita congruência e estrita conformi-
dade com a Natureza salvo no aspecto mágico específico
que o autor se permite, ou são cunhadas totaímente no reino
da fantasia, com atmosfera inteligentemente adaptada à

85
inspiração histórica. Absorveu o mistério medieval de bos-
visualização de I;lmmundo refinadamente exótico de irreali- ques sombrios e velhos costumes, e é em tudo um campeão
dade, fora do espaço e do tempo, em que quase tudo pode da Idade Média - na fé católica inclusive. Da mesma forma
acontec~r desd~ que aconteça em verdadeiro acordo com cedeu ao encanto da vida britano-romana que em certa
certos tIPO~.de Imaginação e ilusão próprios do cérebro hu- época floresceu na sua região nativa; e vê uma estranha ma-
, I
mano sensitivo. Pelo menos, esta é a tendência dominante' gia nos arraiais fortificados, nos pisos de mosaico, fragmen-
embora, é claro, muitos dos grandes autores contemporâ- tos de estátuas e outras coisas que falam do tempo em que o
neos .resv~lem ocasionalmente em assomos vulgares de ro- classicismo reinava e o latim era a língua do país. Um jovem
mantisrno Imaturo, ou no jargão igualmente vazio e absurdo poeta americano, Frank Belknap Long, resumiu bem os ri-
do "o~u~tismo" pseudocientífico, atualmente em uma de cos dotes e a magia de expressão desse sonhador no soneto
suas cíclicas recrudescências.
I?os criadores vivos do pavor cósmico elevado ao seu Lendo Arthur Machen: *
mais alto e~poente artístico, dificilmente poderá citar-se al- There is a glory in the autumn wood,
gum que s: I~uale ao versátil Arthur Machen, autor de cerca There ancient lanes of England wind and climb
de uma dúzia de composições longas e curtas em que os Past wizard oaks and gorse and tangled thyrne
eleme?to.s de horror o~ulto e medo avassalante atingem uma To where a fort of rnighty ernpire stood:
sUb,stancIa e um realismo quase incomparáveis. Machen, There is a glamour in the autumn sky;

\' pohgraf? e dono de um pensamento requintadamente lírico e


expressivo, talv~z tenha aplicado um esforço mais cons-
The reddened clouds are writhing in the glow
Of some great tire, and there are glints below

i
1
I
1
!1
n
':,1

"
ciente em suas picarescas Crônicas de Clemendy, em seus
saborosos ensaios, e~ se,us ~ívidos volumes autobiográfi-
cos, em suas traduçoes límpidas e vigorosas e, principal-
Of tawny yellow where the ernbers die.:
I wait, for he will show me, clear and cold,
High rais'd in splendour, sharp against the North,
111:,
.r n:ente, em sua memorável epopéia da mente estética sensi- The Roman eagles, and through mists of gold
, !"
tiva A ~()nt~nha dos Sonhos, em que o jovem herói res- The marching legions as they issue forth:
ponde a n:agIa do ~ntigo ambiente galês que é o do próprio I wait for I would share with him again
, • .l._,

autor, e VIveuma vida de sonho na cidade romana de Isca Si- The ancient wisdom, and the ancient pain.
lurum, hoje reduzida à aldeia repleta de relíquias de
Caerleon-on- Usk. Mas ~ão há dúvida que as pujantes peças * Há uma glória na florestade outono, 1 As velhas sendas da Inglaterra sobem
d~ ho~rro~que ele produziu nos anos 90 e princípios dos 1900 tortuosas 1 Entre mágicos carvalhos. tojos e timos entrançados 1 Par~ onde se
n~o ~e.mIgual em sua classe e marcam uma época distinta da erguia um forte de imponente império: 1 Há um encant~mento no ceu de
outono; 1 As nuvens avermelhadas se retorcem no clarao 1 De um grande
história dessa forma literária. incêndio e embaixo há cintilações 1 Castanho-amareladas onde as brasas se
Com uma.impr~ssionável herança céltica ligada a vívidas extingue~. 1 Eu espero, pois ele vai mostrar-me. claras e frias. I, Erguid,as em
lem?:anças}uvems das colinas agrestes, florestas seculares esplendor. nítidas contra o norte. 1 As águias romanas, e at,raves de ne~oas
j douradas 1 As legiões em marcha avançando: 1 Eu espero. pOISquero partIlhar
I

e rrutrcas ruinas romanas da região rural de Gwent Machen com ele novamente 1 A antiga sabedoria. e a antiga dor.
desenvolveu uma vida criativa da rara beleza, intensidade e
87
86

L
Gr~::ec~~~s ~: horror de Machen o mais famoso é talvez O os seus indícios e revelações. Inegavelmente há melodra-
experiê . S da (1894), que fala de uma singular e hórrida ma, e as coincidências são levadas a um extremo que, anali-
. ncra e . os s~us desdobramentos. Uma mo
metida a uma cirurgm das células do ' b ça, sub- sando, afigura-se absurdo; mas o feitiço maligno da história
gar ~Aen~nne e monstruosa divindade c::~~~~~~s: :~n::- como um todo é tal que esses pormenores ficam esquecidos
sequencIa transforma-se numa idiota e m - e o leitor sensível chega ao fim simplesmente com um arre-
a~o depois. Passados alguns anos uma cri orre menos de ur:n pio aprobativo e a tendência de reproduzir as palavras de
li
~ , rustra de aspecto estrance- ança estranha e SI- uma das personagens: "É incrível demais, monstruoso
; .' rangeiro, chamada HeI V h '
acolhida por uma família d en aug an, e demais ... Homem, se um caso como esse fosse possível,
I'
I
nosso mundo seria um pesadelo."
!
~~sdooma,brloar
os matos de mo~~:~~~~~:~feU~a:~~i~~s:~e~
ucura ao ver alg , I . Menos famosa e menos complexa na trama que O Grande
uma menina encontra um uem o~ a guma COIsacom ela, e De us Pá, mas decididamente superior em atmosfera e valor
te. Todo esse . té , fim terrível de maneira semelhan- artístico geral, é a crônica curiosa e vagamente inquietante
divindades ru ~IS erro e estranhamente interligado com as intitulada O Povo Branco, cuja parte central se apresenta
rais romanas do I
lhos fragmentos de I ugar, representadas em ve- sob a forma do diário de uma menina cuja ama a instrui em
escu turas Tran .
anos, e uma mulher de estr . , .scorrem mais alguns algumas das tradições mágicas secretas e enlouquecedoras
sociedade, leva o marido à ~nha e exot,Ica beleza aparece em do espantoso culto da feitiçaria cujos ritos foram transmiti-
pintar medonhas cenas de ;sg~aç~ e ~ morte, faz um artista dos através de muitas gerações de camponeses em toda a
I,; ,I,'
epidemia de suicídios entre o: h
as
e ruxas, provoca uma Europa ocidental, e cujos praticantes se esgueiravam à noi-
I
! '
!
nalmente descobre-se ..omens qu~ a conhecem e fi- te, um a um, para reunir-se em florestas escuras e lugares so-
de vício de Londres o~~e fr~9uenta,os mais sórdidos antros litários para as medonhas orgias do Sabá. A narrativa de
dos se escandalizam'com: a e os crapulas ~ais empederni- Machen, um primor de hábil escolha e sobriedade, acumula
tando informações de pe s suas monstruosIdades. Confro- enorme força à medida que se desenrola num fluir de ino-
fases de sua carreira a ura-se que souberam dela em várias cente tagarelice infantil, introduzindo alusões a estranhas
len Vaughan filha ' ~ rda-seq.ue a mulher é a menina He- "ninfas ", "DoIs", "voolas" "cerimônias brancas, verdes
, - nao e par mortal d
freu o experimento cerebral EI ' filh - a moça que so- e vermelhas", "letras Aklo '\ "língua Chian", "jogos
demoníaco Pã, e por fim é ~ort a e I a .nada me?o~ que do Mao ' e coisas que tais. Os ritos aprendidos pela ama da sua
a avó feiticeira são ensinados à criança quando esta tem três
mutações de forma envolveI1do ~~dmelO a hornveIs trans-
degeneração que a reduz às mai . a?~as de se.xo e uma anos de idade, e as cândidas explicações dos perigosos se-
do princípio da vida. aIS pnmItIvas mamfestações gredos revestem-se de um terror oculto generosamente
Mas o encanto do conto está na -' . mesclado de ternura. Bruxedos malígnos bem conhecidos
descrever o crescente de sus e narraçao. E Impossível dos antropólogos são descritos com juvenil ingenuidade, e
estua em cada parágrafo p nse ~ o supremo horror que finalmente há uma excursão numa tarde de inverno aos ve-
qüência exata em que M ' ~em se.gUIr completamente a se- lhos montes galeses, descrita com uma riqueza de imagina-
ac en var aos poucos desvendando ção que empresta ao cenário selvagem uma aura redobra-
88
89
damente sobrenatural, fantástica e estranhamente tangível. tas e terríveis. Uma enigmática passagem do geógrafo an-
Os detalhes da viagem são de uma extraordinária vivi dez e tigo Solinus, uma sucessão de misteriosos desaparecimen-
c~nstituem parar o crítico inteligente uma obra-prima de fie- tos nos confins inabitados de Gales, um filho idiota nascido
çao macabra, c?m uma força quase ilimitada na insinuação de uma mãe campônia após um susto em que suas faculda-
de poderes malignos e aberrações cósmicas. Por fim a me. des ficaram abaladas, tudo isso sugere ao professor uma pa-
nina - agora com treze anos - defronta uma visão rniste- vorosa conexão e uma condição repugnante para quem
riosa e assombrosamente bela no coração de urna floresta preze e respeite a raça humana. Ele toma a seu serviço o ra-
escura e inacessível. No final o horror a empolga de um paz idiota, que às vezes engrola sons incompreensí~eis
! modo habilmente anunciado por um episódio do prólogo, numa voz repulsivamente sibilante e é acometido de cnses
! mas ela se envenena a tempo. Como a mãe de Helen Vaug-
.' epiléticas. Certa vez, após um desses acessos na sala de es-
han em O Grande Deus Pã, ela viu a terrível divindade. tudo do professor, à noite, fazem-se sentir odores inquietan-
Encontram-na morta na floresta ao lado do enigmático ob- tes e sinais de presenças sobrenaturais; pouco depois disso o
jeto que ela deparou: e esse objeto - uma estátua branca e professor deixa um grosso documento e parte para as mon-
hrminosa de lavor romano a respeito da qual campeavam si- tanhas encantadas com febril expectativa e um estranho ter-
nistros rumores medievais - é freneticamente malhada e ror no coração. Ele não volta nunca mais, mas ao pé de uma
reduzida a pó pelos homens da busca. pedra num rincão selvagem são encontrados seu relógio, seu
.Nanovejn em episódios, Os Três Impostores, obra cujo dinheiro e seu anel cosidos com fio de tripa num pergaminho
?"I~nto_como ~m todo é um tanto prejudicado por uma que ostenta os mesmos estranhos caracteres do sinete babi-
mutação do es~do empolado de Stevenson, há algumas narra- lônio e da rocha nas montanhas de Gales.
tívas que possivelmenra representam o apogeu do talento de O volumoso documento explica o suficiente para suscitar
Machen como artífice do horror. Aqui encontramos em sua as mais espantosas visões. Tendo reunido os indícios repre-
for?"Iamais primo~os,~ uma concepção fantástica que é a pre- sentados pelos sumiços de Gales, a inscrição na rocha, rela-
fenda do autor: a Idem de que sob os cômoros e rochas das tos de geógrafos antigos e o sinete negro, o professor Gregg
ag~e~t~s montanhas de Gales habita aquela raça pigméia, chegou à conclusão de que uma raça diabólica de seres pri-
pnmrtíva e subterrânea cujos vestígios deram origem às mitivos de imemorial antigüidade, outrora numerosa, ainda
no~sas len~as pop~lares ~e fadas, elfos e anões, e a cuja habita o interior das montanhas desertas de Gales. Novas
aç.ao se atnbuem ainda hoje certos desaparecimentos inex- investigações decifram a mensagem do sinete negro e prova-
phcáveis e ocasionais substituições de crianças normais por ram que o menino idiota, filho de algum pai mais terrível que
estranhos "abortos". Este tema recebe excelente trata- a humanidade, é herdeiro de monstruosas memórias e pos-
mento no episódio Novela do Sinete Negro, em que um pro- sibilidades. Na noite fatídica, no gabinete de estudo, o pro-
fessor, tendo descoberto uma singular identidade entre cer- fessor invocou "a medonha transmutação das montanhas"
to~ caracteres inscritos em rochas calcárias de Gales e os com auxílio do sinete negro e despertou no idiota os horro-
,. existentes ~u~ sinete pr~-histórico da Babilônia, se empe- t
res da sua infernal paternidade. "Viu seu corpo inchar como
nha numa sene de pesquisas que o conduzem a coisas igno- uma bexiga e o rosto escurecer. .. " Então os efeitos extre-
90
91
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~
l __
mos da invocação se manifestaram e o professor Gregg co- os criados informam que a comida deixada junto ~ porta d<:>
nheceu o frenesi total do terror cósmico em sua forma mais quarto não mais está sendo tocada. Chamados a porta S?
horripilante. Compreendeu os abismos tenebrosos de tem como resposta um som de passos arrastados .e o pedi-
anormalidade que havia devassado e saiu para as montanhas do numa voz roufenha e gorgolejante, de .ser deixado em
bravias preparado e resignado. Queria encontrar o fantás- pa~. Por fim um fato horrível é comun~cado po~' uma
tico povo dos "homúnculos " - e o documento termina com criada apavorada. No teto do quarto que fica embaixo .do
uma observação racional: "Se desgraçadamente eu não vol- de Leicester surgiu uma mancha de um e~tranho fluido
tar da minha expedição, não há necessidade de evocar aqui negro que, gotejando, formou uma poça VIscosa e I~epe-
uma imagem da terribilidade da minha sina. " lente na cama abaixo dela. O Dr. Haberden, per~uadIdo ~
Também em Os Três Impostores temos a Novela do Pó voltar à casa, arromba a porta do rapaz e golpeia ~'epetI-
Branco, que se aproxima do auge absoluto do terror abomi- damente com uma barra de ferro a monstruosa COisa .se-
nável. Francis Leicester, um jovem estudante de direito, so- miviva que ali encontra. É uma massa escura e putrefelt~,
frendo um esgotamento nervoso devido ao isolamento e ao fervilhando em corrupção e meio decomposta, nem lI-
excesso de estudo, faz uso de uma receita aviada por um ve- quida nem sólida, mas derretendo e mud~ndo de forma.
lho farmacêutico não muito cuidadoso com o estado das Pontos acesos como olhos brilham no meio del~ e, an~es
suas drogas. A substância, vem-se a saber mais tarde, é um de ser liquidada, ela tenta levantar o, q~e P?dena ter SIdo
sal incomum que o tempo e as variações de temperatura um braço. Pouco tempo depois o médico, Incapaz de su-
transformaram acidentalmente em algo estranho e terrível: portar a lembrança do que VIU, m,o~Teno mar quando a
numa palavra, em nada menos que o vinus sabbati medieval, caminho de uma vida nova na Aménca.
cujo consumo nas horríveis orgias do Sabá de Feiticeiros .Machen retorna aos demoníacos "homúnculos" em A
provocava incríveis metamorfoses e - se imprudentemente Mão Vermelha e A Pirâmide Brilhante; ~ em O Terror trata
usado - levava a medonhas conseqüências. De nada sa-
bendo, o jovem regularmente mistura o pó num copo de
com patente maestria e efeito d? r~púdIO pelo homem 0:0-
derno da espiritualidade nos ammais do ~lUndo, que assim
água depois das refeições; e a princípio parece obter bons são levados a questionar-lhe a supremacIa e a umr-s.e para
resultados. Aos poucos, porém, sua disposição melhorada exterminá-Io. De extrema sutileza, e passando do simples
assume a forma de dissipação; ele passa muito tempo fora de horror ao verdadeiro misticismo é O Gran~e Retorno, uma
casa e dá mostras de uma repulsiva transformação psicoló- história do Graal, também um produto da epo~a_da gu~r:a.
gica. Um dia uma estranha mancha lívida aparece em sua Por demais conhecido para precisar de descnçao aqui ~ o
mão direita, e depois disso ele volta à sua reclusão, aca- conto Os Arqueiros, que, tomado por histór~a verdadeIr~:
bando por trancar-se no quarto e não admitir a entrada de deu origem à lenda muito difundida dos" Anjos de Mons
nenhum membro da família. O médico faz-lhe uma visita e se _ fantasmas dos velhos arqueiros ingleses d~ C?recy e
retira horrorizado, declarando que nada mais pode fazer na Agincourt que combateram em 1914ao lado das fileiras cas-
casa. Duas semanas depois a irmã do paciente, passando do tigadas dos gloriosos" Velhos Desprezíveis" da Inglaterra.
lado de fora, vê uma coisa monstruosa àjanela do doente; e
93
92
Menos intenso que Machen ao delinear os extremos do
sentimento assombrado e convicto da imanência de estra-
pavor: ma~ infinitamente mais ligado à idéia de um mundo
nhas esferas espirituais.
Irreal influindo no ~osso é o inspirado e prolífico Algernon
A série quase interminável das obras de ficção de B~ack-
Blackwood, em cuja obra volumosa e desigual podem-se
wood inclui romances e contos curtos, estes as vezes inde-
e~c?ntrar alguns dos melhores exemplos de literatura fan-
pendentes e às vezes seriados. O melhor de t~dos é sem
t~st!ca da epoca atual ou de qualquer outra. A qualidade do
dúvida Os Salgueiros, em que presenças demoníacas ~uma
ge~1O de Blackwood não pode ser posta em dúvida; pois nin-
ilha desolada do Danúbio são horrivelmente pressentidas e
f guern sequer chegou perto do talento; seriedade e minu-
I reconhecidas por um par de viajantes ociosos ..Aqui a arte e
dente exatidão com que ele registra as sugestões de estra-
o comedimento da narração atingem um perfeito desenvol-
nheza em objetos e experiências ordinárias, ou o discerni-
vimento, e uma impressão de pungência duradour~ ~ produ-
rnento pretern~tural com que ele constrói, detalhe por deta-
zida sem uma única passagem forçada e sem uma umca nota
Ih~, ~s ~ensa~oes e percepções que levam da realidade à
falsa. Outra história notavelmente potente embora menos
eXls~encl~ ~u a visão supranormal. Sem domínio notável da
artisticamente acabada é O Wendigo, em que somos co~-
~a?Ja poeuca das simples palavras, é ele o mestre absoluto e
frontados com horríveis indícios de um monstruoso demo-
mdlsputa~o da atmosfera espectral; e de um simples frag-
mento de insulsa descrição psicológica é capaz de evocar o nio da floresta sobre o qual os lenhadores de North Woo~s
cochicham à noite. A maneira como certas pegadas. dao
que quase chega às dimensões de uma história. Melhor que
conta de certas coisas incríveis é positivamente um pnmor
qualquer outro ele compreende quão inteiramente certas
de artesanato. Em Episódio numa Casa de Pensão contem-
mentes sensitivas habitam perpetuamente as fronteiras do
plamos presenças terríveis invocadas do espaço n~gro pO,r
~onho, e quão relativamente tênue é a distinção entre as
um feiticeiro, e O Ouvinte fala de um medonho resíduo pSI-
Ima~ens formadas a partir de objetos concretos e as que são
excitadas pelo mecanismo da imaginação. quico que ronda uma velha casa ond~ ~orre~ um leproso.
No volume intitulado Aventuras lncriveis estao alguns dos
. As ob~as menores de Blackwood são prejudicadas por vá-
melhores contos que o autor compôs, levando a fantasia a ri-
nos ~efel.tos como didatismo ético, insípidas extravagâncias
tos selvagens em montanhas ~oturnas, ~ aspectos ~~cretos e
ocasronars, a sensaboria do supernaturalismo benigno e um
terríveis emboscados por tras de cenanos tranqUl.los, e ~
uso exagerado do jargão profissional do "ocultismo" mo-
inacreditáveis subterrâneos de mistério sob as areias e PI-
derno. Um senão das suas produções mais sérias é a exten-
râmides do Egito; tudo com uma seriedade sutil ~ refi~ada
são e prolixidade que resulta de um esforço excessivamente
que convence onde um tratamento mais cru_ou mais leviano
~Ia?orado, comprometido pelo estilo um tanto árido ejorna-
apenas divertiria. Alguns desses relatos nao chegam a ser
hStICO, desprovIdo de magra, colorido e vitalidade intrínse-
histórias, mas estudos de impressões de passagem e frag-
cos, e~ visualizar com precisão sensações e gradações de
mentos de sonhos parcialmente recordados. O en~edo e
sugestao extraterrena. Mas apesar de tudo isso as obras
sempre secundário; é a atmosfera que reina sem pelas.
m~st:as de Blackwood alcançam um nível genuinamente
clássico, e evocam como nenhuma outra peça literária um
John Silence - Médico Extraordinário é u~ livro, c~m
cinco narrações encadeadas, através das qUaJS um uruco
94
95
r personagem segue o seu curso triunfante. Somente prejudi-
cadas por traços da atmosfera convencional das novelas de
detetive - pois o Dr. Silence é um desses gênios benévolos
que empregam os seus dons superiores em ajudar semelhan-
dedica-se a um mundo estranho de fantástica beleza e se
empenha em guerra perpétua contr~ a g~osseri~ e feald~de
da realidade diurna. Seu ponto de vista e o mal.s autentica-
mente cósmico de todos os sustentados na literatura de
qualquer período. Tão sensível quanto Poe aos. valores
tes virtuosos em dificuldades - essas narrações contêm al-
dramáticos e significância de palavras e det~lhes Isolad~s.
à
gumas das coisas que o autor produziu de melhor, criando
e retoricamente muito melhor equipado atraves. de um estilo
lima ilusão ao mesmo tempo marcante e duradoura. O conto
de abertura. Uma Invusào Psiquica, relata o que sucedeu a lírico simples baseado na prosa da Bíblia do Rei Iarnes , esse
um escritor sensitivo numa casa que foi em certa época autor explora com tremenda ~ficácia ~uase todos os ~orpos
de mitos e lendas compreendIdos no Circulo da cultura ~uro-
palco de atos malignos, e de como uma legião de demônios
péia , produzindo um ciclo misto ou~e~lético de fa~tasta em
foi exorcizada. Antigas Bruxarias, talvez o melhor conto do
que o colorido oriental. a forma helemca, a lugub:ldade t~u-
livro. é um relato quase hipnoticamente vívido de uma velha
tônica e a melancolia céltica se fundem de modo ta~ sober bo
cidade francesa onde outrora o diabólico Sabá era praticado
por todos os habitantes em forma de gatos. Em Néme se de que cada e'lemento sustenta e s~ple~enta os dem~ls sem sa-
crifício de uma perfeita congruencta e hom~geneldade. Na
F(i,~(l sinistros elementais são evocados pelo sangue as
maioria dos casos as terras de Dunsany sao fabulo.s -
recém-derramado. e Adoração Secreta fala de uma escola
"além do Oriente", ou "na borda do mundo". ~eu sl~tema
al~mü on.de o satanismo dominou e onde muito tempo de-
de topônimos e antropônimos originais. com ralz~~ tlrad.as
pOIS persiste uma aura diabólica. O Acampamento do Cào é
de fontes clássicas. orientais e outras. e um ~rod.lglo de 10-
l~ma história de lobisomem, prejudicada por pregação mora-
lista e "ocultismo" profissional. ventiva versútil e discernimento poético. haja vista exe~-
.. AI'gl'menes" .. Bethmoora" .. Poltamees ,
Por demais sutis talvez para classificar-se como contos de p Ios como '. ,. .
horror. mas possivelmente mais verdadeiramente artísticos "Camorak'·. "lIuriel" e "Sardathnon .
Beleza mais que terror é a tônica da obra de Dunsany. EI~
num sentido absoluto. são fantasias delicadas comoJimbo e
adora o verde vivo do jade e das cúpulas de ~obre .e o del~-
() Ccnt auro . Nessas novelas Blackwood faz um contato es-
cudo reflexo do poente nos minaretes de marfim de rmpossi-
t rcito e palpitante com a substãncia mais íntima do sonho e
transtorna seriamente as barreiras convencionais entre reali- veis cidades de sonho. Humor e ironia freqüenteme.n~e tam-
dade e imaginação. bém se fazem presentes, introduzindo um leve cimsmo e
modificando o que de outra forma poderia apresentar uma
Insuperado no fascínio de uma prosa cristalina e cantante
. ' intensidade ingênua. Todavia, como é inevitável ~um mes-
e suprem? na cnação de um mundo deslumbrante e lango-
tre da irrealidade triunfante, há toques oC~SI?naIS ?e 'pa-
roso de visões exóticas iridescentes, é Edward John More-
vor cósmico que se enquadram bem na tradição autent~ca.
ton Drax Plunkett, décimo oitavo barão Dunsany, cujos
Dunsany gosta de insinuar astuta e engenhosament~ COIsas
contos e pequenas peças formam um elemento quase sem
monstruosas e maldições incríveis, como as que se ~ao a en-
paralelo em nossa literatura. Inventor de uma nova mitolo-
tender num conto de fadas. Em O Livro das Moravtlhas ou-
gia e urdidor de um surpreendente folclore. Lord Dunsany
97
96
1
vimos falar de Hlo-Hlo, o gigantesco ídolo-aranha que nem esmeralda de Klesh, um monstruoso deus hindu. Eles
sempre fica eftl casa; do que a Esfinge temia na floresta; de atraem ao seu quarto e liquidam os três sacerdotes vingati-
Slith, o ladrão que salta pela beirada do mundo ao ver vos que os perseguem, mas à noite Klesh vem buscar o seu
acender-se uma certa luz e sabendo quem a acendeu; dos olho; e, tendo-o recuperado, faz sair cada um dos gatunos
Gibbelins antropófagos, que habitam um castelo maldito e para a escuridão e os castiga terrivelmente. Em O Riso dos
guardam um tesouro; dos Gnoles, que vivem na floresta e Deuses há uma cidade condenada à borda de uma selva, e
aos quais não é prudente roubar; da Cidade de Nunca, e dos um fantasma tocado r de alaúde que só é ouvido pelos que es-
olhos que espreitam nas Covas Inferiores; e de outras coisas tão prestes a morrer (cf. o cravo de Alice na Casa das Sete
tenebrosas. Contos de um Sonhador fala do mistério que faz Torres de Hawthorne); e Os Inimigos da Rainha reconta a
todos os homens de Bethmoora saírem para o deserto; do anedota de Heródoto em que uma princesa vingativa con-
enorme portão de Perdondaris, lavrado de uma única peça vida os seus desafetos para um banquete subterrâneo e faz
de marfim; e da viagem do velho marinheiro Bill, cujo capi- entrar a água do Nilo para afogá-Ios.
tão amaldiçoava a equipagem e aportava a ilhas de aspecto Mas nenhuma descrição pode dar mais que uma pálida
ameaçador recém-emersas do mar, com cabanas de colmo idéia do encanto irradiante de Lord Dunsany. Suas cidades
de estranhas janelas escuras. prismáticas e ritos inauditos são tocados de uma segurança
Várias das peças curtas de Dunsany são repletas de medo que só a maestria pode engendrar, e nós vibramos com uma
espectral. Em Os Deuses da Montanha sete mendigos se sensação de participação real nos seus mistérios secretos.
disfarçam nos sete ídolos verdes de uma colina distante, e Para os verdadeiramente imaginosos ele é um talismã e uma
desfrutam conforto e honras numa cidade de adoradores até chave que destranca ricos depósitos de sonhos e memórias
que corre a notícia de que os verdadeiros ídolos não estão fragmentárias, de modo que não devemos ver nele apenas
nos seus lugares costumeiros. Eles são informados de um um poeta, mas um poeta que faz do leitor igualmente um po-
espetáculo muito estranho ao anoitecer - "pedras não de- eta.
viam caminhar à noite" - e, sentados à espera de um grupo No polo de gênio oposto ao de Lord Dunsany, e dotado de
de dançarinos, notam que os passos que se aproximam são um poder quase diabólico de evocar horror aos poucos a
mais pesados do que deveriam ser os de bons dançarinos. partir da trivialidade da vida cotidia~a, ~ ? douto .Montague
Seguem-se vários incidentes e por fim os sacrílegos aventu- Rhodes James, diretor de Eton, antrquano respeltad~ e ,a~-
reir,os são transformados em estátuas de jade pelas próprias toridade reconhecida em manuscritos medievais e histórta
estatuas ambulantes cuja santidade profanaram. Mas o en- das catedrais. De há muito amigo de contar histórias de fan-
redo é o menor dos méritos dessa peça magistral. Os inci- tasmas em festas de fim de ano, o Dr. James tornou-se aos
dentes e desenvolvimentos são os de um mestre consuma- poucos um ficcionista fantástico de primeira ordem, e de-
do, de forma que o todo constitui uma das contribuições senvolveu um estilo e um método distintivo capazes de ser-
mais importantes da época presente, não apenas para o vir de modelo a uma longa linhagem de discípulos.
drama como para a literatura em geral. Uma Noite numa Es- A arte do Dr. James não e de modo algum acidental; no
'I prefácio de uma de suas coleções ele formula três regras
talagem conta de quatro ladrões que roubaram um olho de
99
98
j
f
:~.
"

muito judiciosas para a composição macabra. Uma história ~ueno e cabeludo - uma abominação noturna lerda e diabó-
de fantasmas, acha ele, deve ter um cenário familiar na lica, meio bicho e meio homem - e geralmente apalpado em
época moderna, para estar mais próxima da esfera de expe- vez de visto. As vezes a compleição do espectro é ainda
riência do leitor. Além do mais, os fenômenos espectrais mais insólita: um rolo de flanela com olhos aracnóides, ou
devem ser maléficos e não propícios; pois é o medo a emo- uma entidade invisível que se molda em roupa de cama e
ção primária a ser suscitada. E finalmente, o jargão técnico exibe uma cara de lençol amassado. Evidentemente o Dr.
do' 'ocultismo" ou pseudociência deve ser cuidadosamente James possui um conhecimento inteligente e científico dos
evitado, para que o encanto da verossimilhança não se perca nervos e sentimentos humanos, e sabe exatamente como
em pedantismo inconvincente. distribuir a descrição, imagens e sugestão sutil de modo a
Praticando o que prega, o Dr. James aborda os seus temas assegurar os melhores resultados junto aos seus leitores. É
em tom despreocupado e não raro coloquial. Criando a ilu- um artista do incidente e da composição mais que da atmos-
são de eventos corriqueiros, introduz os seus fenômenos fera, e atinge as emoções mais vezes pelo intelecto que dire-
anormais aos poucos e cautelosamente, a cada passo alivia- tamente. Naturalmente, esse método, com as ocasionais
dos por toques de detalhes ordinários e prosaicos, e às vezes ausências de um clímax definido, tem seus inconvenientes
temperados por breves digressões eruditas. Cônscio da es- tanto quanto suas vantagens; e muitos sentirão falta da ele-
treita relação entre a irreal idade presente e a tradição acu- trizante tensão atmosférica que autores como Mahen têm o
mulada, ele geralmente aduz antecedentes históricos remo- cuidado de construir com palavras e ambientes. Mas apenas
tos dos seus incidentes, habilitando-se assim a utilizar com alguns poucos contos são passíveis da acusação de tibieza.
muita propriedade o seu vasto conhecimento do passado e o Em geral o lacónico desenrolar de eventos anormais em or-
seu domínio pronto e convincente da linguagem e do colo- dem apropriada é suficiente para produzir o desejado efeito
rido arcaicos. Um cenário favorito nas narrativas de James é de horror cumulativo.
alguma catedral secular, que o autor é capaz de descrever Os _cont~s ~e James estão contidos em quatro pequenas
com a familiaridade e minudência de um especialista nesse coleçoes, intituladas respectivamente Histórias Fantas-
campo. mais de um Antiquário, Mais Histórias Fantasmais de um
Vinhetas humorísticas sutis e fragmentos de estudos de Antiquário, Um Fantasma Magro e Outras Histórias e
caráter de gênero realista são freqüentemente encontrados A \li~o aos C~riosos. Há também uma deliciosa fantasia ju-
nos contos do Dr. James, e em suas mãos competentes ser- venil, Os Ct~co Jarros, que tem suas alusões espectrais.
vem para ampliar o efeito geral em vez de comprornetê-lo , Dentre essa nqueza de material é difícil indicar um conto fa-
como esses mesmos recursos tenderiam a fazer com um ar- vorito ou especialmente típico, embora cada leitor tenha
tesão menos capaz. Inventando um novo tipo de fantasma, sem dúvida suas preferências, ditadas pelo seu tempera-
ele se aparta consideravelmente da tradição gótica conven- mento.
cional; pois enquanto os velhos fantasmas típicos eram páli- O Conde Magnus é seguramente um dos melhores, for-
dos e imponentes, e percebidos principalmente pelo sentido mando uma verdadeira Golconda de suspense e sugestão.
da visão, o fantasma de James é geralmente franzino, pe- Mr. Wraxall é um viajante inglês dos meados do século

100 101
XI X, que se encontra na Suécia colhendo material para um por uma figura atarracada e imprecisa com um tentáculo de
livro. Tomando-se de interesse pela antiga família dos De t· polvo, dirigida por um homem alto e embuçado postado num
La Gardie , perto da aldeia de Raback, ele estuda os seus outeiro próximo. O sarcófago tem três grandes cadeados de
anais; e se deixa fascinar especialmente pelo construtor do aço, um dos quais se encontra aberto no chão, lembrando ao
solar existente, um certo conde Magnus, a respeito do qual viajante a pancada metálica que ele ouviu na véspera ao pas-
correm histórias terríveis. O conde, que viveu em princípios sar pelo mausoléu desejando descuidadosamente ver o
do século XV I I, era um senhor de terras impiedoso, famoso conde Magnus.
pela severidade com que tratava ladrões de caça e rendeiros Com fascinação acrescida, e estando a chave acessível,
desonestos. Os castigos cruéis que ele infligia eram prover- Mr. Wraxall faz uma segunda visita, agora desacompanha-
biais, e havia sinistros rumores de influências que sobrevi- do, ao mausoléu e encontra outro cadeado aberto. No dia
veram até mesmo ao seu sepultamento no grande mausoléu seguinte, seu último em Raback, volta outra vez sozinho
por ele construído junto à igreja - como no caso de dois para despedir-se do conde de há muito defunto. Mais uma
camponeses que uma noite foram caçar no seu couro. um vez estranhamente impelido a expressar o desejo extrava-
século depois da sua morte. Ouviram-se gritos horríveis no gante de um encontro com o nobre enterrado, ele vê com de-
mato, e perto da tumba de Magnus uma gargalhada inatural sassossego que resta apenas um dos cadeados no grande
e um c1angor metálico como o bater de uma grande porta. sarcófago.Enquanto ele olha, o último cadeado cai ruido-
Na manhã seguinte o padre encontrou os dois homens; um samente no chão e faz-se ouvir um som de dobradiças ran-
louco e o outro morto, com a carne do rosto sugada dos os- gendo. A enorme tampa parece levantar-se muito devagar e
sos. Mr. Wraxall foge apavorado, sem voltar a trancar a porta do
Mr. Wraxall ouve essas histórias e esbarra com referên- mausoléu.
cias menos divulgadas a uma Peregrinação Negra certa vez Durante a sua volta à Inglaterra o viajante sente uma cu-
empreendida pelo conde, uma peregrinação a Chorazin na riosa inquietação em relação aos outros passageiros na
Palestina, uma das cidades denunciadas por Deus nas Escri- barca de canal em que percorre o primeiro trecho da viagem.
, v, turas, e na qual velhos sacerdotes disseram que nasceria o Vultos encapotados deixam-no nervoso, e ele tem a impres-
\ ' ~ são de ser vigiado e seguido. Das vinte e oito pessoas que ele
Anticristo. Ninguém se atreve a dizer o que foi essa Pere-
I; grinação Negra, ou que estranho ser ou coisa o conde trouxe conta, só vinte e seis aparecem para as refeições; e só dois
,.:
,.
I de volta em sua companhia. Entrementes Mr. Wraxall está ausentes são sempre um homem alto de capa e uma figura
cada vez mais ansioso por explorar o mausoléu do conde mais baixa embuçada. Completando a viagem por água em
II
Magnus, e finalmente consegue permissão para fazê-Io, em Harwich, Mr. Wraxall põe-se em franca fuga numa carrua-
companhia do diácono. Ele encontra vários monumentos e gem fechada, mas vê duas figuras embuçadas numa estrada
três sarcófagos de cobre, um dos quais é o do conde. Em transversal. Finalmente se hospeda numa casinha de aldeia
volta da borda deste há várias faixas de cenas gravadas, en- e passa o tempo a escrever frenéticas anotações. No se-
tre elas uma cena medonha e singular de uma perseguição- gundo dia é encontrado morto, e durante o inquérito seteju-
um homem aterrorizado perseguido através de uma floresta rados desmaiam à vista do corpo. A casa onde ele se hospe-

102 103
dou nunca mais é habitada, e quando demolida meio século A quem gosta de especular sobre o futuro, o conto de hor-
mais tarde o seu manuscrito é encontrado num armário es- ror sobrenatural proporciona um campo interessante. Com-
quecido. batido pela crescente onda de laborioso realismo. frivoli-
Em O Tesouro do Abade Thomas um antiquário inglês de- ',. dade cínica e desilusão sofisticada, ele é no entanto encora-
cifra uma mensagem emjanelas pintadas do Renascimento e jado por uma concomitante maré de misticismo, desenvol-
com isso descobre um tesouro secular de ouro num vão a vido pela reação cansada de "ocultistas" e fundamentalistas
meia altura de um poço no pátio de uma abadia alemã. Mas o religiosos contra a descoberta materialista e pelo estímulo
astuto depositante tinha deixado um guardião do tesouro, e de maravilha e fantasia que vem das visões amplificadas e
algo no poço escuro enrosca os braços no pescoço do pes- das barreiras rompidas que nos oferece a ciência moderna
quisador de tal modo que a busca é abandonada, e um clé- com sua química intra-atômica, astrofísica avançada, dou-
rigo é chamado. Depois disso, todas as noites o descobridor trinas de relatividade e aprofundamento da biologia e do
pressente uma presença furtiva e percebe um horrível cheiro pensamento humano. No momento presente as forças favo-
de mofo junto à porta do seu quarto de hotel, até que final- ráveis parecem levar certa vantagem; pois indubitavelmente
mente o clérigo, à luz do dia, repõe a pedra na boca do nicho há maior cordialidade para com textos fantásticos do que
do tesouro - do qual alguma coisa saíra no escuro para vin- quando, trinta anos atrás, o melhor da obra de Arthur Ma-
gar a violação do ouro do velho abade Thomas. Ao comple- chen caiu no terreno pétreo dos dogmáticos e arrogantes
tar o trabalho o clérigo observa na borda do velho poço um anos noventa. Ambrose Biarce, quase desconhecido em seu
curioso entalhe em feitio de sapo, com a epígrafe latina tempo, alcançou hoje um certo reconhecimento geral.
"Depositum custodi - guarda o que te foi confiado". Entretanto, não se devem esperar mudanças surpreen-
Outros contos notáveis de James são Os Bancos da Cate- dentes numa ou noutra direção. Em qualquer caso conti-
dral de Barchester, em que uma gravura grotesca curiosa- nuará a existir um equilíbrio aproximado de tendências; e
mente ganha vida para vingar o assassinato secreto e sutil de embora possamos esperar fundamente maior sutilização de
um velho deão pelo seu ambicioso sucessor; Apite e Eu Vi- técnicas, não temos por que julgar que a posição geral do es-
,r-
rei, que fala do horror evocado por um estranho apito de me- pectral na literatura venha a alterar-se. É·um ramo estreito
tal encontrado nas ruínas de uma igreja medieval; e Um Epi- mas essencial da expressão humana, e como sempre atrairá
sódio da História das Catedrais, em que a demolição de um principalmente uma audiência limitada dotada de uma sen-
púlpito revela uma antiga tumba habitada por um demônio sibilidade especial. Qualquer obra-prima universal que ve-
que espalha terror e pestilência. Com toda a leveza do seu nha a ser forjada no futuro a partir do sobrenatural ou do ter-
toque, o Dr. James evoca pavor e bestialidade em suas for-
ror deverá a sua aceitação antes à excelência da sua confec-
mas mais chocantes, e certamente se destaca como um dos ção que à simpatia pelo tema. Ainda assim, quem afirmará
poucos mestres realmente criativos na sua lúgubre especia- que o tema negro é um empecilho positivo? Radiante de be-
lidade. leza, a Taça dos Ptolomeus foi talhada em ônix.

104 105
i'

índice Remissivo

Abadia de Northanger, A, 22 Apolônio de Tiana, 36


Acampamento do Cão, O, 96 Aprendiz de Feiticeiro, O, 41
Adam, Villiers de l'Isle, 44 Apuleio, 10
Adoração Secreta, 96 Aranha, A, 41
Adriano, 10 Arqueiros, Os, 93
Águas da Morte, As, 44 Arthur Mervyn, 19
Aikin, Miss, 16 Árvore, A, 77
Ainsworth, William Harrison, 34 Atlântida, 70
Aklo, letras, 89 Austen, Jane, 22
Albertus Magnus, 9 Avatar, 42
Alciphron, 33 Aventuras de Ferdinand, Conde
A ll-Hallows, 77 Fathom, 12
Alraune, 41 Aventuras Incríveis, 95
Analecto Celeste, O, 79 Averoigne, 71
Anel, O, 13 Aviso aos Curiosos, Um, 101
"Anjos de Mons", 93
••Ansky", 45 Balzac, Honoré de, 24, 41
Antigas Bruxarias, 96 Bancos da Catedral de
Aparição de Mrs. Veal, A, 11 Barchester, Os, 104
Apite e Eu Virei, 104 Barbauld, Mrs., 17

107

.'
Barcos do Glen Carrig, Os, 80,81
Baring-Gould, 9
Câmara Atapetada, A, 33 ,r Collins, Wilkie, 36
Colum, Padraic, 83
Dr. Faustus, 11
Doyle, Sir Arthur Conan, 36
Câmara Escura, A, 69
Barrett, Francis, 31 cancioneiro alemão, 13 Comedor de Haxixe , 0, 70 Drácula, 75-6
Barrie, J. M., 79 Canto da Sereia, 0, 70 Conde Magnus, 0, 101-3 Orake, H.B., 77
Baudelaire, 24, 42, 49, 54 Capitão da Estrela Polar, 0, 78 Conrad, Joseph, 82 druidas, 8
Beckford, William, 29 Carcosa, 67 Constant, Alphonse Louis, 36 Du Maurier, George, 67
Benson, E. F., 78 Carleton, William, 83 • Contos da Floresta Dunsay, Edward John Moreton,
Beowulf, 10 Carnacki, o Caçador de Emaranhada, 57 Lord, 52, 96-9
Besouro, 0, 76 Fantasmas .•..82 Contos de um Sonhador, 98 Dybbuk, 0, 45
Bethmoora, 97 Cartas sobre Demonologia e Contos de um Viajante, 33
Bierce, Ambrose, 62-5, 68, 105 Bruxaria, 33 Contos Espantosos, 22
Eblis, 30
Birkhead, Prof. Edith, 26 Casa Assombrada, A, 64 Contos Romanescos, 22
Edas escandinavas, 10
Biss, Gerald, 76 Casa da Fronteira, A, 80 Convidado Ambicioso, 0, 58
Edgar Huntly, 19
Blackwood, Algernon, 80, 82, Casa das Sete Torres, A, 59-60, Cooper, Frederic Taber, 63
E Ele Cantará, 78
94-6 99 Cram, Ralph Adams, 68
Egito, 7,42
Blake, William, 13 Casa dos Sons, A, 74-5 Crawford, F. Marion, 4, 66
Ela, 36
Bronte, Emily, 37-8 Casa e o Cérebro, A, 34 Crianças da Abadia, As, 29
Ele, 43
Brown, Charles Brockden, 19, Casa Sinistra, 70 cristianismo, 9
Ele Vem e Ele Passa, 78
55 Castelo de Otranto, 0, 14-7 Croker, T. Crofton, 83
Eles Voltam ao Anoitecer, 78
Browning, Robert, 4, 82 Castelos de Athlin e de Crônicas de Clemendy, As, 86
elixir da longa vida, 58
Bruxa de Âmbar, A, 41 Dunbayne, Os, 18 Elixir da Longa Vida, 0, 76
bruxaria, 9 Cavadores de Dinheiro, Os, 33 Dacre, Mrs. 29 Elsie Venner, 4, 65
Buchan, John, 76 Centauro, 0, 96 Dante, 10 Em Busca do Desconhecido, 68
Bulwer-Lytton, Edward Chambers, Robert W., 66-8 Dedo Médio do Pé Direito, 0, 64 Epicurista, 0, 33
George, 34-6 Chapel Perilous, 11 Décimo Sétimo Buraco em Episódio da História das
Bürger, 13 Chian, língua, 89 Duncaster, 0, 78 Catedrais, Um, 104
Burns, Robert, 13 Childe Roland, 4, 82 Dee, Or. John, 9 Episódio numa Casa de Pensão,
Byron, George Gordon, Lord, Christabel, 13 Defoe, Daniel, 11 95
24,32 Cinco Jarros, Os, 101 de Ia Mare, Walter, 77 Episódio de Vathek, 30
Clarimonde, 42 De Quincey, Thomas, 33 Erckmann-Chatrian, 43
cabala, 44 Claviculae de Salomão, 7 Deuses da Montanha, Os, 98 Espectro, 0, 43
Cabeça-de-Peixe, 68 Cline, Leonard, 69 Diário de um Louco, 0, 43 Espectro do Castelo, 0, 22
Caçador Selvagem, 0, 13 Cobb, Irvin S., 68-9 Dickens, Charles, 4, 34 Estirpe da Rainha Bruxa, A, 76
Caerleon-on-Usk, 86 Coisa Intangível, A, 76-7 Do Fundo do Abismo, 77 Estudante Alemão, 0, 10, 33
Cagliostro, 31 Coisa Maldita, A, 63 Dois, 89 Ethan Brand, 58
Caleb Williams, 31 Coleridge, Samuel Taylor, 13 Don Juan, 24 Eventos Maravilhosos, Dos, 10

108 109
Evereth, Mrs, H. D., 79 gótica, ficção, 13-40 Huysmans, Joris-Karl, 42 LeFanu, Joseph Sheridan, 36
Ewers, Hanns Heinz, 41 Grande Deus Pã, 0, 88-9 Hyde, Douglas, 83 Leito de Cima, 0, 4, 66
Grande Retorno, 0, 93 Lemúria, 70
Fantasma do Medo, 0, 78 Gregory, Lady, 83 Lendas da Casa da Província, 58
Idade Média, 8, 10
Fantasma Magro e Outras Inimigos da Rainha, Os, 99 Lendo Arthur Machen, 87
Histórias, Um, 101 Haggard, Sir H. Rider, 36 Invasão Psíquica, Uma, 96 Leonora, 13
Fantasmas Errantes, 66 Hall, Leland, 70 Irving, Washington, 10, 33, 55 Lente de Diamante, A, 6t
Fantastics, 74 HaUoween,8 isabelino, drama, 11 Level, Maurice, 44
Fatos no Caso de Mr. Valdemar, Hamlet, 11 Isca Silurum, 86 Lewis, Matthew Gregory, 21-2
Os, 51 Han d' Islândia, 41 Isso É Possível?, 65 Ligéia, 53
Fauno de Mármore, 0, 57 Hartley, L. P., 79 Italiano, 0, 18 Lilith, 77
Fausto, 14, i3 Hawthome, Nathaniel, 56-62, 99 Livro de Enoque, 7
Fausto e o Demônio, 31 Hearn, Lafcadio, 73 Jacobs, W. W., 4 Livro de Maravilhas, Um, 57
Fazedor de Luas, 0, 68 Hiperbóreos, 71 Jaime I, 11 lobisomem, 10, 33
Filínio e Macates, 10 História de Willie o Vagabundo, James, Montague Rhodes, Lobisomem, 0, 34
Flaubert, Gustave, 42, 74 33 99-104 Lobo Branco, 0, 43
Flégon, 10 História do Califa Vathek, A, James, Henry, 4, 65-6 Long, Frank Belknap, 87
Floresta das Bruxas, A, 76 29-30 Jaqueta do Cego, A, 78 Lote Número 249, 78-9
Fludd, Robert, 9 História Estranha, Uma, 35-6 Jimbo,96 Louis Lambert, 41
Focinho, 0, 70 Histórias Fantasmais de um Jinriquixá Fantasma, 0, 73 Loveman, Samuel, 62-3
Foster, E. M., 79 Antiquário, 101 John Silence, 95 Lugar Chamado Dagon, 0, 70
Fouqué, barão de Ia Motte, 39 História Incríveis, 79 Jóia de Sete Estrelas, A, 75 Luís XV, 34
Frankenstein, 32 Hlo-Hlo, 98 judaico, folclore, 44-5 Lukundoo, 70
Hodgson, William Hope, 80-2 Lully, Raymond, 9
Galahad, 11 Hoffmann, E. T. W. A., 39,_51
Gales, 91 Kidd, Capitão, 33
Hogg, James, 13 Macbeth, 11
Gaston de Blondeville, 18 Kilmeny, 13
Holandês Volante, O, 34 Macdonald, George, 77
Gautier, Théophile, 42, 74 Kipling, Rudyard, 73
Holmes, Oliver Wendell, 4, 65 Machen, Arthur, 86-94, 101, 105
Kwaidan, 74
Gawaine, 11 Homem da Multidão, 0, 52 magia negra, 9
GiIman, CharIotte Perkins, 4, 68 Homem-Lobo, 0, 44 Mago, 0, 31
Gnu Verde, 0, 76 Homem que Foi Longe Demais,
-
Ladrão de Corpos, O, 36 Malory, 11
Godwin, William, 31 0,78 Lamia, 13 Manfredo, 24
Goethe, Johann WoIfgang von, homúnculos, 93 Lancelote, 11 Manuscrito Achado numa
10, 14, 24 Horla, 0,43 latinas, raças, 10 Garrafa, 51
Golem, 0, 45 Housman, Clemence, 76 Lawrence, D. H., 58 Mao, jogos, 89
Gorman, Herbert S., 70 Hugo, Victor, 41 Lee, Mrs. Sophia, 17 Mão Vermelha, A, 93

110 111
Marca da Fera, A, 73 Narrativa de A. Gordon Pym, 51 Pata do Macaco, A, 4 Reynolds, George W. M., 31
Marco, 0,78 Navio Fantasma, 0, 34 Pavilhão Vermelho, O, 78 Riso dos Deuses, 0, 99
Markeheim, 36 Negotium Perambulans, 78 Pegada Ancestral, A, 58 Roche, Mrs., 29
Marryat, capitão Frederick, 34 Nêmese de Fogo, A, 96 Pele do Burro Bravo, A, 41 Rohmer, Sax, 76
Marsh, Richard, 76 Nibelungos, 10 Perna Fumegante, A, 79 Romance da Floresta, O, 18
Máscara da Morte Vermelha, A, Noite de Cleópatra, Uma, 42 Petrônio, 10 Romance de Dolliver, 0, 58
52 Noite numa Estalagem, Uma, 98 Pico do Horror, 0, 78 Romance Siciliano, Um, 18
Maturin, Charles Robert, 23-35 Noiva de Corinto, A, 10 Pirâmide Brilhante, A, 93 Rosa-cruzes, 34
Maupassant, Guy de, 43, 61, 62 No Meio da Vida, 65 Piratas Fantasmas. Os, 80 Rossetti, Dante Gabriel, 24
Médico e o Monstro, 0, 36 No Rio, 43 Plínio o Moço, 10 Rosto, 0, 78
Meinhold, Wilhelm, 41 Nostradamus, 9 Poe, Edgar AUan, 15, 42, 47-56, Russell .:' A. E.", 83
Melhor História do Mundo, A, 73 Notre Dame, 9 61, 62, 65, 75, 97
Melmoth o Vagamundo, 23-7 Novela do PÓ Branco, A, 92 Polidori, Or. WilIiam, 32
sabá de feiticeiros, 8
Melmoth Reconciliado, 24 Novela do Sinete Negro, A, 90 Porta do Irreal, A, 76
Sagas escandinavas, 10
Melville, Louis, 30 Nuvem Púrpura, A, 75 Porto Frio, 76
Saint-Germain, conde de, 34
Merimée, Prosper, 13, 42-3 Povo Branco, 0, 89
Saint Irvine, 29
Metcalfe, John, 79 O'Brien, Fitz-James, 43, 61 Proclo, 10
Saintsbury, George, 26
Metzengerstein, 51 O'Kane, Teig, 83 psicopompo, 9
Salem, 57, 59
Mayrink, Gustav, 45 Olhe para Cima, 78
Queda da Casa de Usher, A, Salem, julgamentos por bruxaria
Mil e Uma Noites, As, 29 Olho Invisível, 0, 43
52-3, 75 em, 8, 56
missa negra, 9 Ondina, 39, 40
Quem Sabe?, 43 Salgueiros, Os, 95
Mistérios de Udolfo, 18-9, 27 "Onuphrio Muralto", 14
Mistérios Hórridos, 29
Moliere, 24
° Que Foi Isso?, 61
Orelha da Coruja, A, 44
Radcliffe, Ann, 17-20
Sangue é a Vida, O, 66
São Leão, 31
Ransome, Arthur, 76 Satã, adoração de, 9
Monge, 0, 21, 22, 27 Oriente, 8 Recesso, O, 17 Schweidler, Maria, 41
Montanha dos Sonhos, A, 86 Ormond, 19 Recluso, Um, 77 Scott, Sir Walter, 13
Mont Saint- Michel, 9 Ossian, 13 Recrudescência de lmray , A, 73 "Sebastian Melmoth", 24
Moore, Thomas, 13, 33, 43 Outras Histórias Fantasmais de Segredo do Dr. Grimshawe, 0,
Reeve, Clara, 17
More, Paul Elmer, 55 um Antiquário, 101 Redgauntlet, 33 57-8
Morro dos Ventos Uivantes, Outros que Voltam, 78 Septimius Felton, 58
Rei de Amarelo, O, 66
37~8 Ouvinte, O, 95
! : Renascença, magos da, 9 Seraphita, 41
Morte d'Arthur, 11
Renascimento, 10 Shelley, Mary, 32
Morte de Halpin Frayser, A, 62-3 País da Noite, 0, 81 Renascimento céltico, 83 Shelley, Percy Bysshe, 32
Mortos Sorriem, Os, 66 Papel de Parede Amarelo, 0, 4, Shiel, M. P., 74-5
Retrato de Dorian Gray , 0, 74
Mr. Kempe, 77 68 Retrato de Edgar Randolph, 0, Silêncio, uma Fábula, 52
Mrs. Lunt , 79 Paracelso, 39 58 Sinal Amarelo, 0, 67

112 113
Sinaleiro, O, 34 Tritemius, 9 Wieland, 19 Yeats, W. B., 83
Sinclair, May, 79 Tsathoggua, 71 Wilde, Oscar, 24, 52, 74, 83 Ymir, to
Sir Bertram, 16 Wilkins, Mary E., 68
Skule Skerry , 76 Ulalume, 50 "William Marshal", 14 Zanoni, 34
Slith, 98 Último Homem, O, 32 Zastrozzi, 29
Smith, Clark Ashton, 70-1 Zofloya, 29
Smollett, Tobias, 12 Vale Morto, O, 68 Xelucha, 74 Zothique, 71
Sombra Dupla e Outras Vampiro, O, 33
Fantasias, A, 71 Vaughan, Helen, 88-90
Sombra, uma Parábola, 52 Velho Barão Inglês, O, 17
Sombras na Parede, As, 68 Velho Marinheiro, O, 13
Spencer, Edmund, 10 "Velhos Desprezíveis", 93
Stephens, James, 83 Velho Testamento, 45
Stevenson, Robert Louis, 36 Vento na Roseira, O, 68
Stoker, Bram, 75 Vento no Pórtico, O, 76
Sura, to Vênus de Ille, A, 13,43
Synge, J. M., 83 Véu Negro do Ministro, O, 58
Vida e Cartas de William
Beckford, 31
Tam O' Shanter, 13
Vingança Fatal, A, 23
Tentação de Santo Antônio, A,
Visitante do Mundo Inferior,
42,74
Terras Más, As, 79 Um, 79
Visível e Invisível, 78
Terror, O, 93
Volta, A, 77
Tesouro do Abade Thomas, O,
Volta do Parafuso, A, 4,65
104
teutões, 8 Von Grosse, marquês, 29
voolas, 89
Thackeray, William Makepeace,
24 Wagner o Lobisomem, 31
Tia de Seaton, A, 77 Wakefield, H. R., 78
Toca do Verme Branco, A, 75 Walpole, Horace, 14-7
Tortura pela Esperança, 44 Walpole, Hugh, 79
Tratado dos Espíritos Walpurgís, Noite de, 8
Elementares, 39 Webster, John, 11
Três Impostores, Os, 92-3 Wells, H. G., 36, 78
Trilby, 67 Wendigo, O, 95
Trinta Histórias Estranhas, 78 White, Edwàrd Lucas, 70
114 115
·1
crítica em toda a história de horror e fic-
ção desde a escola gótica do século
XVIII - quando o sobrenatural final-
mente encontrou seu espaço - desde o
tempo de De Ia Mare e M.R. James, pas-
sando por Radcliffe, Charles Brockden
Brown, Fouqué, Poe, Maupassant, Bier-
ce, M.P. Shiel, W.H. Hodgson, Machen,
Blackwood e Dunsany, estão entre os au-
tores e trabalhos discutidos a fundo.

Por mapear tão completamente o


background para o seu próprio conceito
de horror e técnicas literárias, Lovecraft
ilumina sua própria ficção assim como a
literatura de horror que seguirá suas in-
fluência. Por essa razão, este livro é es-
pecialmente intrigante para aqueles que
leram e apreciam Lovecraft como um fe-
nômeno isolado. Para estes e outros leito-
res, que procuram um guia na literatura
de horror, acabou a busca.

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