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O SAGRADO ECOLÓGICO:
RELAÇÃO ENTRE O HOMEM E A NATUREZA NO CANDOMBLÉ JEJE SAVALÚ EM
BELÉM DO PARÁ
BELÉM
2014
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O sagrado ecológico: relação entre o homem e a natureza no candomblé jeje savalú em Belém do
Pará / Manoel Roberto Ferreira Chagas; Orientadora: Daniela Cordovil Correa dos Santos, Belém, 2014.
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O SAGRADO ECOLÓGICO:
RELAÇÃO ENTRE O HOMEM E A NATUREZA NO CANDOMBLÉ JEJE SAVALÚ EM
BELÉM DO PARÁ
BELÉM
2014
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O SAGRADO ECOLÓGICO:
RELAÇÃO ENTRE O HOMEM E A NATUREZA NO CANDOMBLÉ JEJE SAVALÚ EM
BELÉM DO PARÁ
Banca Examinadora:
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Profa. Dra. Daniela Cordovil Corrêa dos Santos (UEPA/PPGCR)
_______________________________________________________
Profa. Dra. Taissa Tavernard de Luca (UEPA/PPGCR)
____________________________________________________
Profa. Dra. Maria Roseli Sousa Santos (UEPA/PPGCR)
BELÉM
2014
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AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a DEUS pela sua infinita bondade e misericórdia e por ter permitido a conclusão deste
trabalho.
À toda Comunidade savaluna que me acolheu com carinho no Templo Afrorreligioso Funderê Oyá Jokolosy e
possibilitou a realização deste estudo. Minha profunda gratidão à Sacerdotisa Gàniyakú Jokolosy, a Mèhùnàn
Hínòhòdèsi, ao Kpèdjígàn Hunsijé e ao Kpèdjigàn Gankonã.
A todos os meus familiares, amigos e irmãos na fé em Cristo, em especial a meus pais, meus sobrinhos e irmãos
Mariene, Mirian, Mariza, Chagas, Mauro, Hélio, Marília, Marcello, Gilson e Jorge pelo apoio constante.
À Lucia Helena Ruiz Oliveira (in memorian) e minhas filhas queridas Heloisa e Izabella pelo amor incondicional
e apoio sempre.
Aos amigos fraternos Dr. Jorge Almeida, Dr. Gilson Chagas, Prof. Msc.Marcos Dutra (Família Dutra), Daniel
Lucas, Samuel Campos, Rosinda Miranda, Sandra Andrade, Simone Araujo, Ana Patrícia pelas conversas de fé e
socialização de conhecimentos e a todos que participaram deste trabalho.
À minha Orientadora Profa Daniela Cordovil Corrêa dos Santos pelo apoio, amizade, compreensão,
direcionamento da pesquisa e excelente orientação.
À Profa. Taissa Tavernard de Luca por ter participado da banca de qualificação, pelas importantes
considerações, críticas e sugestões para o engrandecimento do trabalho e pelo apoio a mim dispensado nos
momentos de dificuldades.
Ao Prof. Manoel Ribeiro de Moraes Junior por ter participado da banca de qualificação, pelo apoio e por todas as
contribuições necessárias para a construção do trabalho.
À Profª Maria Roseli Sousa Santos por ter aceitado o convite para participar da banca de defesa do Mestrado.
Ao Prof. José Carlos Aguiar de Souza da PUC-BH pelas importantes contribuições e pelas conversas via e-mail.
A todos os professores (as) e Secretários (as) do Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião (PPGCR)
da UEPA pelo brilhante trabalho que vem sendo realizado com muito esmero e dedicação ao curso.
A todos os colegas da segunda turma do PPGCR pelos momentos inesquecíveis e agradável companhia.
E, finalmente, agradeço à todas as energias da natureza que me conduziram nessa longa trajetória.
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RESUMO
Este estudo visa compreender a relação entre o homem e a natureza no Candomblé Jeje
Savalú, e o papel da religião nessa relação, sem, no entanto, focalizar o protocolo litúrgico
presente na casa. Em todos os recantos da cidade de Belém do Pará, é possível encontrar
terreiros ou templos religiosos de matriz africana divididos em diferentes nações (Angola,
Jeje, Keto e Mina) denominados pelo termo candomblé. Muitos terreiros estão localizados em
bairros centrais da cidade que já não dispõem de áreas verdes, como era no passado em que
eles se serviam dos recursos naturais com facilidade para as suas práticas religiosas. Nesse
sentido, o discurso ecológico se faz presente no mundo moderno e tem despertado interesse
não apenas das questões ambientais, mas em diferentes áreas do conhecimento como a
filosofia, política e religião. No templo savaluno, em razão de seus ritos, não é diferente, o
afrorreligioso tem se apropriado do termo “ecologia” como forma de construir uma identidade
vinculada à tradição africana em que o homem está devidamente integrado com a natureza.
Essa concepção reflete a importância dos elementos naturais para as suas práticas religiosas,
sinalizadas pela necessidade que as religiões de integração têm desses elementos como parte
essencial de seu universo, reproduzindo um sentimento de respeito, harmonia, louvor,
reverência e reciprocidade. A proposta deste ensaio é apresentar o Candomblé Jeje Savalú e
sua relação com a natureza, na perspectiva de construção de uma identidade ecológica que
possa garantir a sustentabilidade tanto humana quanto natural.
ABSTRACT
This study aims to understand the relationship between man and nature in Candomblé Jeje
Savalú and the role of religion in this relationship, without, however, to focus on the liturgical
protocol present in the house. In all corners of the city of Belém-PA, you can find yards or
religious temples of African origins divided into different nations (Angola, Jeje, Ketu, Mina)
denominated by the term Candomblé. Many yards are located in central districts of the city
that no longer has green areas, as it was in the past when they had easily the natural resources
to their religious practices. In this sense, the ecological discourse is present in the modern
world and has attracted interest not only environmental issues, but in different areas of
knowledge such as philosophy, politics and religion. In the religions of African origins, is not
different, African religiosity has appropriated the term “ecology” as a way to build an identity
linked to the African tradition in which the man is property integrated with nature. This view
reflects the importance of natural elements for their religious practices, signaled by the need
that integration religions have of nature as an essential part of their universe, reproducing a
sense of respect, harmony, praise, reverence and reciprocity. The purpose of this essay is to
present the Candomblé Jeje Savalú and their relationship with nature, in the perspective of
building an ecological identity that can ensure sustainability both human and natural.
LISTA DE FIGURAS
LISTA DE QUADROS
SUMÁRIO
Introdução ................................................................................................................... 11
INTRODUÇÃO
para a exuberância dos contrastes de cores dos colares e guias, dos turbantes tipicamente
africanos, dos ritmos e aromas que certamente desviaram os olhares do público presente, não
apenas para a plasticidade e estética do evento, mas principalmente para a organização ordeira
da mobilização política em defesa das garantias constitucionais do direito a liberdade
religiosa. No segundo momento, percebi que em cima do carro som, havia a presença de
diferentes lideranças religiosas ao lado de políticos conhecidos do público paraense,
desfilando lado a lado como se estivessem tecendo uma relação representativa do poder
mítico “entrelaçado” com o poder político, aparentemente observado.
Durante a concentração, na saída da caminhada, notei que algumas comunidades
saíram na frente, se distanciando dos outros grupos, desarticulando o principal objetivo que
deveria ser de unidade pela luta contra a intolerância religiosa e não, apenas, pela visibilidade
individual de cada comunidade em busca de espaços e afirmação política.
O segundo contato se deu em decorrência do Dia Mundial do Meio Ambiente, quando
participei, como ouvinte, do evento público denominado “Axé e Natureza”, realizado no dia
05/06/2012 no Auditório da SEFA (Secretária Estadual da Fazenda), localizado na Av.
Visconde de Souza Franco em Belém do Pará, promovido pela ARFUOJY (Associação
Afrorreligiosa e Cultural Funderê Oya Jokolosy).
A abertura do evento ficou sob a responsabilidade do Kpèdjigàn Gankónã (Alan) e da
Sacerdotisa Gàniyakú Jokolosy (Nação Jeje Savalú), que discursaram sobre a importância da
natureza para o povo de santo.
O evento contou com a participação de vários convidados e dentre eles estava o
representante do MOPS PARÁ (Movimento Popular da Saúde), que apresentou o MOPS
como movimento mobilizador, organizador de luta, de busca, de construção e defesa da saúde
integral para todos, segundo a concepção ampliada, objetivando assegurar as contribuições
dos usuários na construção de políticas públicas, na participação de gestão pública e no
aprofundamento do controle social segundo os princípios da educação popular em saúde.
Antes do início do evento foi distribuído aos participantes um texto sobre A Carta da
Terra, que contém alguns princípios fundamentais de como respeitar e cuidar da comunidade
e da vida, reconhecendo que todos os seres vivos são interligados e cada forma de vida tem o
seu devido valor, independentemente de sua utilidade para os seres humanos.
Na abertura do evento foi enfatizada a relação do Candomblé com a natureza, no que
se refere ao mote ecológico como elemento aglutinador da tradição. Dessa forma, é possível
compreender o processo de “purificação” do Candomblé, quando este descarta os elementos
considerados negativos e estigmatizados por força da intolerância religiosa e de preconceito.
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por razões “etnocêntricas” e diferenças doutrinárias, que geralmente desemboca num mar de
intolerância e incompreensão religiosa que navegam entre dois pólos: o sagrado e o profano; o
cristão e o pagão. Isso nos remete ao questionamento clássico sobre o que é do bem e o que é
do mal, “se são deuses ou demônios” (MACEDO, 2006). A resposta para esses eternos
dilemas está inserida na subjetividade e nos valores de quem precisa responder, e depende,
sobre tudo, do olhar de cada um, ou seja, os demônios de uns podem ser os deuses de outros e
vice e versa. Obviamente que essa questão está longe de ser resolvida ou respondida de forma
direta, clara e objetiva. Afinal, o essencial e o mistério são invisíveis aos olhos, mas a
essência religiosa pode ser sentida de diferentes maneiras, a relação com “Deus” ou com os
“Deuses”, depende do ethos de cada um. Para (BASTIDE, 2006) “o homem é uma fábrica de
criar deuses” e junto com a criação de cada divindade está presente no mesmo pacote,
diferentes sentidos e significados.
No campo de pesquisa, percebi a importância da “neutralidade axiológica”, no sentido
de evitar um discurso apologético sobre valores doutrinários distintos da religião em questão.
Assim, é necessário abraçar a pesquisa e tudo o que ela envolve, e isso implica determinação
e profissionalismo do pesquisador para a condução do trabalho. Acima de qualquer
proselitismo religioso está à relação harmoniosa entre aqueles que se respeitam e se querem
bem, o que vale é a intenção de acolher e valorizar o outro, respeitando a idiossincrasia de
cada indivíduo. Essa preocupação com o bem estar do ser humano, está presente no
Candomblé Jeje Savalú. O cuidado e atenção a mim dispensados, referentes a problemas de
saúde e do campo espiritual foi relevante durante o período decorrente da pesquisa, a sensação
de ser acolhido pela comunidade recrudesceu no decorrer da pesquisa, num único objetivo, o
de proporcionar harmonia e equilíbrio ao ser humano.
Contudo, o fato de não conhecer e nem ter intimidade com os terreiros, tornou-se um
grande obstáculo acompanhado de desconfianças e de dificuldades encontradas em algumas
casas, mas felizmente, com o passar do tempo e com a intervenção de pessoas conhecidas,
esse impasse inicial foi contornado a partir do momento que os adeptos perceberam que se
tratava de uma pesquisa, e que eu estava desempenhando um estudo como pesquisador, cujo
objeto de análise enfatizava o papel da religião de matriz africana na relação entre o homem e
a natureza, com a intenção de proporcionar um grande debate em torno dessa temática.
Outra questão a ser destacada, fica por conta dos “melindres” que podem ocorrer antes
ou no decorrer da pesquisa, podendo se tornar um problema para o pesquisador. Nesse caso, é
necessário priorizar todas as precauções que viabilizem a relação com os sujeitos inquiridos
na pesquisa, tomando o cuidado para que todos os acordos sejam cumpridos, caso contrário, a
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relação poderá ser estremecida. Como exemplo, destaco uma situação de “melindre”, com
uma sacerdotisa que nem sequer, tive a oportunidade de conhecer. Após várias tentativas para
um contato inicial, a mesma não quis me receber, alegando que eu já havia visitado outros
terreiros antes de conhecer a sua casa. Não obstante, é necessário compreender que existe
uma constante comunicação entre os terreiros, e que a presença do pesquisador em um
determinado espaço religioso, pode ser levada ao conhecimento de outro terreiro inserido na
pesquisa, que por sua vez, poderá compreender a ausência da visita como “descaso”, e que
possivelmente esse entendimento resultará numa “porta fechada”.
A primeira entrevista com a Sacerdotisa Gàniyakú Jokolosy e a comunidade da
Associação Funderê Oyá Jokolosy ocorreu no dia 29/07/13 as 17:00 horas, conforme
combinado por telefone, inicialmente fui recebido pelo Kpèdjigàn Alan e por outros membros
da comunidade, que se mostraram bem receptivos, fiquei numa área próxima a entrada
principal da casa conversando e aguardando a chegada da Gàniyakú Jokolosy, que apesar da
grande intensidade de trabalhos litúrgicos, a sacerdotisa me recebeu com alegria e demonstrou
grande disposição em colaborar com a pesquisa. Em seguida fui convidado para entrar em
uma sala mais reservada para iniciarmos a conversa sobre a temática do projeto de pesquisa.
A minha intenção era apenas de falar sobre o projeto e me apresentar à comunidade Jeje
Savalú, para que num segundo momento pudesse iniciar a entrevista sobre a relação da
comunidade com a natureza. Mas, o ambiente estava tão propício e harmonioso que o trabalho
começou a fluir a partir desse primeiro encontro.
Em Agosto de 2013, retornei ao Templo Religioso Savalú para dar continuidade à
pesquisa. No primeiro momento fui recebido pela Mãe Jokolosy, que no decorrer do trabalho
chamou o Kpèdjigàn Hunsijé (Aldryn), seu neto, para participar da entrevista, que contribuiu
com informações precisas sobre a Nação Jeje Savalú. A coleta dos dados concernentes a
temática pesquisada foi contemplada devido à grande quantidade de informações que facilitou
o desenvolvimento da pesquisa. O espaço destinado às entrevistas é bem aconchegante, e a
comunidade esteve sempre disposta a colaborar e facilitar com o bom andamento do estudo.
O tema “Sagrado-Ecológico: relação entre o homem e a natureza no Candomblé Jeje
Savalú em Belém do Pará”, vem contrapor o “desencantamento do mundo” (WEBER, 1982,
p. 32). “O mundo se desencanta – como escreveu Weber – e passa a ser governado por leis
naturais, racionais e impessoais que podem ser conhecidas por nossa razão e que permitirão
aos homens o domínio técnico sobre a natureza (CHAUI, 1992, p. 350)”. O “sagrado-
ecológico” é um termo metafórico, constituído para se opor a fragmentação imposta pelo
mundo moderno, na busca de novos conceitos, atitudes e olhares que possam permitir uma
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¹ Termo de origem banto que ao lado de outros termos como batuque e batucajé que designava dança coletiva,
cantos e músicas acompanhado de instrumentos percussivos com a finalidade de invocar espíritos, possessão e
magia.
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No que se refere ao tambor de mina, este foi introduzido em Belém de forma mais
sincrética do que as casas do Maranhão que tem conservado de certa forma a tradição
africana.
Por isso, em Belém acredita-se que o Mina-Nagô “legítimo” e “autêntico” existe no
Maranhão. Assim São Luis se tornou uma fonte de “pureza” para os praticantes de Mina-
Nagô belenense (FURUYA, 1986).
No entanto, a Umbanda tem sua formação a partir da década de 1920 na cidade do Rio
de Janeiro e essa formação segue as mudanças sociais ocorridas naquele período, isso trouxe
uma grande representatividade para os umbandistas, “o desenvolvimento de larvar a religião”.
(ORTIZ, 1991, p. 32).
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Vale ressaltar que primeira Constituição Republicana não fez nenhuma referência à
“raça” e alguns anos antes de sua promulgação, Rui Barbosa (1849-1923, Jurista, político e
escritor) mandou destruir documentos alfandegários referentes à compra e venda de escravos
africanos, numa tentativa de apagar a memória da escravidão e do legado cultural presente na
formação do povo brasileiro, abrindo espaço para a política de branqueamento.
Entretanto, o Candomblé foi inserido no Estado do Pará nas décadas de 1960 e 1970
aproximadamente, e está vinculado à memória do pai Astianax (CAMPELO, 2008), a partir
dessa data vem conquistando espaço e agregando adeptos de outras denominações, por esse
fato vem sendo estudado com maior freqüência pela academia, exceto o Candomblé Jeje, que
ainda não foi devidamente estudado e raramente é citado por pesquisadores locais.
Apesar de ter recebido escravos de diferentes nações, provenientes do tráfico atlântico
e do tráfico interno, é inexistente no Pará a presença de terreiro de raiz, fundado diretamente
por africanos, como aconteceu na Bahia e no Maranhão que teve dois terreiros constituídos
em solos maranhenses, a Casa das Minas (Jeje) e a Casa de Nagô.
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² O branqueamento nasce da elite branca do final do século XIX e início do século XX, com o objetivo de
extinguir de forma progressiva o segmento negro brasileiro. O desejo de “europeização” expresso por essa elite
evidencia que não só os negros se sentem desconfortáveis com sua condição racial, mas o próprio branco
desejava e deseja ainda hoje, perder-se no outro, o europeu. Ver (BENTO, 1995, p. 50).
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Belém. Mas, já existia uma casa savaluna, sob o comando de Pai Cícero, que trouxe essa
nação para Belém, mas não se identificou, deixando esse encargo para o Pai Carlinhos.
Figura 1
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³ No interior do Hunkó, o quarto de santo, onde se desenvolve o processo iniciático, pode ocorrer uma diferença
hierárquica entre os iniciantes e seus barcos, marcando dessa forma quem seria o primeiro, o segundo e assim
sucessivamente.
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Figura 2
Hènnú Savalunnú (Família Savalú) de Belém do Pará. Filhos e netos da Funderê Jokolosy.
Fonte: Arquivo savaluno
Figura 3
1.3- Gàniyakú Jokolosy e seus filhos: sua trajetória e sucessivas iniciações e práticas de
diferentes matrizes afrorreligiosas
Figura 4
Antes de iniciar no Candomblé Jeje Savalú, Gàniyakú Jokolosy passou pelo culto de
Pena e Maracá, quando tinha apenas oito anos de idade na cidade de Soure na Ilha do Marajó,
em seguida passou pela Umbanda ainda com dezesseis anos de idade e com trinta e um anos,
passou pelo Candomblé Keto, foi iniciada nessa nação por Jideui (Aroldo Ferreira) na família
de três unidos em 11/07/1978. Após receber o Deká no Jeje, a sacerdotisa explicou que para
afirmar todos os fundamentos do Candomblé Jeje, ficaria com a responsabilidade de assentar
o Vodun Lokô que mora na floresta, estabelecendo assim, a relação com a natureza pelo fato
de morar numa árvore que simboliza a proteção das florestas, dos animais e de toda a mata.
O assentamento do Vodun Lokô na casa savaluna, impossibilitaria a sacerdotisa de
receber os caboclos de Pena e Maracá, oriundos da região amazônica. Assim, para não perder
essa linha já cultuada anteriormente, houve a necessidade de assentar Kitembo que é uma
adaptação da Umbanda com o Candomblé de Angola, ou seja, é necessário fazer oferendas no
Candomblé de Angola e aos caboclos da Umbanda que são doutrinados em outros ritmos e
costumes que tem como adoração, no caso de Kitembo, toda uma simbologia de acordo com a
nação específica. No Jeje savalú foi assentado Kitembo que é um I‟nkisse de Angola, cujo
objetivo é de permitir o culto aos caboclos já conhecidos. Tanto o Keto como o Jeje e Angola
apropriam-se do Candomblé de caboclo que seria um pouco da Umbanda amazônica.
Durante as entrevistas no campo religioso savaluno, nota-se com freqüência as
informações referentes à divindade Oyá da nação Yorubá, relatadas por Gàniyakú Jokolosy.
Isso se explica pelo fato da sacerdotisa ter sido iniciada na nação Keto no Orixá Oyá
(Abesàn/Avesàn – nação Jeje), na casa Três Unidos, casa existente no bairro de Paripe em
Salvador – Bahia.
Dentre as principais responsabilidades do cargo de sacerdotisa, Gàniyakú Jokolosy
informa as suas principais atribuições nos dias da semana que envolve a relação com as
divindades e com os elementos da natureza.
Na segunda feira pela manhã, a sacerdotisa faz uma salva a casa de Legbara e Sabají
onde mora Abesàn, em seguida salva o Vodun Gú da porta, o bahunnù que é o meio do
barracão e salva os atabaques, depois prepara o lebalilé (farofa de dendê, mel, cachaça, azeite
de oliva e água), após o preparo do lebalilé, diríje-se a entrada principal para despachar a
porta, no sentido de que tudo de ruim que esteja na porta possa ir embora, deixando-a livre de
todo o mal, pois todas as energias negativas trazidas por pessoas que freqüentam a casa ficam
na porta e precisam ser despachadas.
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No decorrer da manhã ela faz uma pausa para se alimentar e em seguida rezar nos
trabalhos dos clientes, acendendo velas e utilizando o adjá4. Na terça feira, o ritual se repete
exceto o preparo do lebalilé para o despacho da porta, a reza e a queima de velas nos trabalhos
dos clientes se repete cotidianamente.
Nos intervalos de folga ela trabalha com costuras de roupas, faz tabaquinha que é um
tipo de roupa feita na mão, faz camisú de crioula (tipo de blusa) com corte no tecido da manga
de acordo com a tradição, pois todas as roupas dos iniciados são feitas na casa.
Figura 5
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Sineta utilizada na casa para atrair as energias do Vodun.
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Figura 6
Mãe Jokolosy atende a clientela da casa jogando búzios e dando passe de acordo com
a necessidade, com dia e hora marcada. Na quarta feira idem, cuida da família e acompanha o
neto, de segunda a sexta, até a parada de ônibus com destino a escola.
Diariamente, ela coordena as obrigações internas que são feitas na casa, assim como
as obrigações destinadas a clientes que inclui as oferendas. Na quinta feira ela faz as
obrigações para arriar aos pés dos Voduns. Quando tem gente recolhida, as obrigações
iniciam às quatro horas da manhã e percorre durante o dia todo, no caso de iniciantes, são
dezesseis dias de recolhimento e o trabalho diário envolve o banho, acompanhado de cantos, e
o preparo de chás que faz parte da alimentação. Dependendo da necessidade ela também faz o
serviço da cozinha e atende não apenas os filhos de santo, assim como todos aqueles que
batem em sua porta necessitando de ajuda.
Na comunidade Jeje Savalú, o respeito aos mais velhos é um ensinamento que vem
sendo repassado cotidianamente para os filhos de santo, preservando-se a hierarquia da casa.
Nesse sentido, priorizá-se o tempo em que cada adepto é confirmado ou iniciado, a idade
cronológica fica em segundo plano. Um adepto de quarenta anos de idade cronológica e cinco
anos feito no santo, deve pedir a benção a um adepto de vinte anos de idade cronológica e
com sete anos de iniciado. Nesse sentido, a prioridade hierárquica é seguida à risca pelos
adeptos e refere-se à idade de formação no processo iniciático ou de confirmação.
No templo savaluno os adeptos aprendem desde cedo como se comportar junto à
comunidade, principalmente no que se refere ao respeito hierárquico, reconhecendo a
importância das autoridades da casa.
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Então começaram os preparativos para essas obrigações. Mas nessa mesma época,
eu estava prestando vestibular para Engenharia Elétrica na Universidade Federal do
Pará, na qual fui aprovada, e então tive que antecipar a minha iniciação no Templo
Religioso. Entrei no dia 29 de abril de 1991 para iniciar na Nação Savalú e saí dia 25
de maio. Passando a ser uma Vodunsi, após cumprir os meus preceitos por 3 meses,
inclusive ir a faculdade, toda de branco; pano na cabeça; sehuló (quelê); xaorô e
todas as indumentárias necessárias (Entrevista realizada em Novembro de 2013).
Para Mèhùnàn (Nalva), esse foi um período de muitas provações, pois existem pessoas
com bloqueios de informações, no que se refere ao uso de indumentárias litúrgicas no espaço
urbano. Por onde passava, ela ouvia críticas e ofensas: na faculdade, nas ruas, nos ônibus,
entre outros. Mas isso só serviu para o seu fortalecimento espiritual e após três anos, foi
escolhida pelo Vodun do Templo Religioso para ser a Mãe Pequena e receber o cargo de
Mèhùnàn.
Figura 7
Figura 8
Figura 9
Hunsijé (Aldryn) fala do amor que sente pela religião e pelos ancestrais, sejam eles:
Nagôs, Bantos ou Jejes, porém afirma que nasceu para ser um savaluno. Ele ama seu pai Dãn
Gbèsén, Vodun para qual foi confirmado, declara seu amor pela Senhora Abesàn, Vodun para
qual desempenha a Função de Kpèdjigàn.
Apesar de ter nascido em casa de Candomblé, na companhia de sua avó que exerce o
cargo de Gàniyakú, sua mãe que é uma Vodùnã da casa e seu pai que assim como ele também
é Kpèdjigàn, teve o livre arbítrio para a escolha da religião que deveria seguir. Mesmo
morando em um templo religioso, seu único contato diretamente com o contexto litúrgico,
estava relacionado com as festividades públicas.
Aldryn relata o primeiro contato com a divindade da casa para confirmar o seu
recolhimento.
Após um curto período de tempo, sua irmã que é Anagàn, foi escolhida para entrar
junto com eles e antes de serem recolhidos, mais um Huntó, também foi escolhido para ser
confirmado.
O recolhimento se deu no dia 14 do mês de Julho do ano de 2012, com Adriano de
Agé, Aldryn de Vodun Dãn, sua Irmã Rendryka de Onitá que é Ekedjí e seu primo de Lisà
que é Osíkpèdjigàn. E assim ele foi confirmado como Kpèdjigàn de Vodùn Abesàn, sendo
cargo de confiança do Funderê Oya Jokolosy.
Aldryn reforça seu amor e identificação pela nação savaluna. “Savalú é minha nação e
se tivesse que iniciar em outra nação não seria a mesma coisa, não seria o mesmo amor que
tenho pelos Voduns e em especial pelo Vodun Gbessen”. O fato de saber desde pequeno que
ele era de Gbessen resultou no seu recolhimento para ser confirmado. Para ele, um dos
momentos mais bonitos dos savalunos é quando se canta uma han (cantiga na língua fon):
Adahún dose
Dan Kó bada dwè
Dan Kó bada dwè
Dan Kómèhùntó è
Primeira tradução
O toque do Adahùn
É o próprio espírito
A cobra da terra é a representante do rei e irá dançar
A cobra irá dançar
A cobra é o pai da terra e irá dançar.
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Segunda tradução
O espírito sagrado
Da serpente dança
Na terra a noite
A serpente dança
A noite sobre a terra
No ritmo da cólera
Neste capítulo busco descrever como o culto às divindades está relacionado ao culto à
natureza, evidenciado e mantido por meio dos mitos e das histórias que são repassadas de
geração a geração, dos mais velhos para os mais novos, preservando-se dessa forma toda uma
gama de conhecimentos importantes para a manutenção do ciclo religioso e mitológico na
casa savaluna. O mito da criação do mundo na base fon está relacionado à Nanã que é
divindade mais velha que compõe o grupo de divindades5 do Candomblé Jeje. Para a nação
savaluna, Nanã criou o mundo e essa concepção fundamenta-se no seguinte Xwénuxo (história
na língua fon), conhecido também como itan (na língua yorubá) conforme relato de Gàniyakú
Jokolosy e Kpèdjigàn Hunsijé (aldryn).
Mawu é um Deus andrógino na mitologia africana, essa divindade se sentia muito só e
por esse motivo criou Lissá, porém não resolveu o problema da solidão. Como ele já havia
criado quase tudo que existe no mundo, resolveu criar os humanos, ensinando-os a cultuar os
Voduns e cada um dos elementos da natureza. Assim, Mawu chamou os outros Voduns para
participarem da criação dos seres humanos, ensinando-os como agradá-los. Para cada um de
seus filhos, Mawu concedeu um lugar para que esses pudessem habitar.
Elegbá é o filho caçula de Mawu, dotado de grande astúcia que o levou a ocupar o
primeiro posto de adoração. É o dono do tempo, “é comum ouvir que Elegbá atira uma pedra
hoje e mata um passarinho ontem”, por ser universal e detentor do controle sobre o tempo.
Tem as encruzilhadas como sua morada, é o dono de todas as ruas.
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Sem negar a possível intervenção desses fatores, cabe notar que havia entre os grupos africanos que chegaram
na Bahia alguns com claros antecedentes religiosos nesse âmbito particular. Efetivamente, uma das
características da religião Vodun é a conceitualização do mundo espiritual em constelações ou grupos de
divindades, e um dos seus elementos estruturais é a organização de congregações religiosas dedicadas ao culto
coletivo de um número variável de Voduns, com rituais públicos que utilizam formas de performance seriada.
Paralelamente, a análise histórica e etnográfica do culto de Voduns mostra com clareza a natureza
essencialmente dinâmica desses grupos de divindades, existindo uma tendência recorrente a incluir, assimilar ou
agregar novas divindades aos “panteões” existentes. O que poderíamos chamar de “princípio de agregação”
seria, portanto, uma terceira propriedade do sistema religioso Vodun (PARÉS, 2007, p. 272).
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Nas outras nações Elegbá é conhecido como Exú e Aluvaiá e é associado por
algumas pessoas com o mal, que não procede. É um Vodun extremamente
brincalhão, por vezes usa um gorro dividido nas cores vermelho e preto que de
acordo com o xuenuxó (história) Exú viu dois amigos felizes conversando e resolveu
passar no meio dos dois amigos, sendo que um viu apenas um lado do gorro na cor
vermelha e o outro só viu a cor preta. Os dois amigos começaram a discutir sobre a
verdadeira cor do gorro, um afirmava que era preto e o outro insistia que era
vermelho, causando uma polêmica entre eles, que para Elegbá isso não passava de
uma grande diversão (Entrevista realizada em Setembro/2013).
Segundo Gàniyakú Jokolosy, Elegbá é universal porque fala todas as línguas, portanto
ele é o senhor da comunicação que leva as mensagens aos outros Voduns, ele é representado
pelo espiral sem fim e sem começo que gira de forma contínua e permanente. Elegbá é o
princípio de tudo, a força criadora, aquele que gera o infinito, infinitas vezes.
Os Voduns considerados mais humildes são os que moram na terra, as suas roupas são
feitas de palha e murin também conhecido como madrasta, eles gostam de roupas mais
simples, rústicas e sem exageros.
O I‟nkisse Kitembo, por exemplo, tem sua morada nos cupinzeiros, as oferendas a ele
destinadas são arriadas nos cupinzeiros. O Vodun Parará que é da família de Sakpatá é o dono
do formigueiro e o seu animal preferido é a formiga e a saúva.
Conta um Xwenuxó que Nanã criava uma grande cobra (arcoiris) que lhe servia de
transporte para o seu deslocamento. Um dia Nanã pegou uma grande cabaça que lhe serviu de
instrumento para a criação do mundo, começando a sua longa viagem sob o seu transporte,
por onde a cobra passava, Nanã aproveitava para construir cada elemento que compõe esse
imenso mundo, como os mares, os oceanos, os rios e a terra. Depois de ter criado o mundo,
Nanã criou o sol e a lua, constituindo a partir desse momento a morada de Mawu, que passou
a morar na lua, e Lissá que passou a morar no sol. O surgimento do fenômeno eclipse
representa a relação amorosa de Mawu e Lissá, gerando dessa forma, as outras divindades
Voduns. A partir desse momento, o povo fon passou a ver Nanã como uma grande senhora,
em reconhecimento pelo seu grande feito na criação do mundo. Porém, o povo fon considera
Mawu como o seu Deus supremo, que é uma divindade feminina.
Na grande cabaça, Nanã foi modelando o mundo, incluindo o sol e a lua, constituindo-
se como morada de Mawu e Lissá que aproveitaram a chegada do eclipse para iniciar a
procriação dos Voduns. Após a chegada dos Voduns, Mawu e Lissá perceberam que ainda
estava faltando alguma coisa para que tudo ficasse perfeito, e resolveram criar os seres
humanos para que esses pudessem servi-los e adorá-los. Essa decisão foi tomada por Mawu,
41
que conversou com as outras divindades para que contribuíssem com alguma coisa na criação
dos humanos. Dentre as principais atribuições dos Voduns, chama-se a atenção para uma
função específica referente à criação das cabeças, que de acordo com a mitologia, seria a
última parte a ser criada.
Kpèdjigàn Hunsijé (Aldryn) informa que a partir do uso da lama e do barro que foi
cedido por Nanã, o Vodun Unitá passou a modelar os corpos dos humanos. Mawu e Lissá se
encarregaram de dar o sopro da vida, o ato da respiração ficou por conta de Vodunjó.
A divindade Nanã (respeitável senhora) habita nas águas salobres e nos pântanos, sua
morada preferida é no barro (kó na língua fon). As oferendas destinadas a essa divindade não
devem ser “arriadas” em pratos de vidro ou esmalte, para Nanã a comida é oferecida somente
em prato de barro, assim como para Elegbá e outras deidades da Terra. Na mitologia da
criação, Mawu pediu para Nanã o barro para criar os humanos, nesse contexto percebe-se a
importância desse elemento da natureza. Da argila é feito o prato de barro (Agban na língua
Fon). Hunkó é o nome de um quarto feito de barro que é a preferência dos Voduns que tem
ligação com esse elemento da natureza, sendo que no espaço urbano o hunkó foi adaptado
para a construção de tijolo e cerâmica.
Existe um Xwénuxo específico sobre a criação das cabeças dos humanos e não
humanos conforme o relato de Hunsijé (Aldryn).
Elegbá, o grande mensageiro, contava muitas histórias para o seu melhor amigo que
era o caranguejo, que por sua vez, gostava de adquirir essas informações. Elegbá
orientava o caranguejo, para que não se esquecer de chegar cedo á fila do céu para
garantir a sua cabeça, pois até esse momento, os animais ainda não possuíam cabeça.
Entretanto, o caranguejo estava mais preocupado em obter as informações, pois ele
sabia o valor do conhecimento que passou a vendê-las, esquecendo completamente
que essa informação também era importante para ele adquirir a sua própria cabeça.
Quando teve certeza que tinha vendido as informações a todos os animais, para
entrarem na fila do céu no intuito de adquirir uma cabeça, o caranguejo se deu conta
que ele também deveria estar na fila, então começou a correr, e só conseguiu o
ultimo lugar, e como conseqüência de seu desleixo, acabou ficando sem cabeça
(Entrevista realizada em Setembro/2013).
Tudo que se passava no céu, Elegbá contava para seu amigo caranguejo, que resolveu
tirar proveito dessas informações para ganhar dinheiro. Voduntá era quem modelava as
cabeças. Mas o caranguejo, mesmo avisado por Elegbá para chegar cedo à fila, no intuito de
conseguir uma das melhores cabeças, mas preferiu dar mais importância ao dinheiro com a
venda das informações e acabou ficando sem cabeça.
42
Nas nações Jejes, tudo é atribuído aos Voduns e a natureza, podendo ser explicado
através do mito de origem. Para qualquer problema referente a doenças, a primeira coisa a ser
consultada é o Vodun, se o problema é de origem espiritual, pode ser tratado pela intervenção
das divindades, mas se não for de ordem espiritual, será indicada outra direção.
Para melhor compreensão da relação das divindades é necessário primeiramente
apresentar o grupo de divindades que compõem as religiões de matriz africana.
Gàniyakú Jokolosy explica que na Igreja católica as rezas são faladas, mas na
comunidade savaluna, os mlangans (rezas na língua6 fon) são cantados de acordo com a
tradição, isso facilita a memorização das rezas.
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6
Embora seja difícil falar de uma “lÍngua” propriamente dita, há também “lÍngua” Jeje na terminologia
hierárquica e litúrgica e em certas fórmulas orais como as bênçãos, saudações ou outras expressões para
conversar com os Voduns, para chamar a gaiaku; rezar, pedir licença ao entrar no terreiro, ou na casa (ago nu
kwevi ou ago no kwé vê). Outras fórmulas são utilizadas pela gaiaku para saber se uma Vodunsí está doente, e
assim por diante (PARÉS, 2007, p. 316).
44
Yewa pertence à família dos Voduns, é uma moça muito bonita e repleta de muita
formosura sem igual e de extrema pureza virginal, pois estava impedida de ter
relações sexuais. Todas as tardes, Yewa ia ver o por do sol, trajando um lindo
vestido que foi construído especialmente para aquela ocasião, sempre protegida e
escoltada por dois gansos pretos. Um dia, os gansos se distraíram com a presença de
algumas galinhas que estavam ciscando, e nessa distração uma galinha sujou o lindo
vestido de Yewa. Os gansos correram para proteger Yewa com suas asas abertas que
lhe serviam de escudo contra o ataque das galinhas, garantindo o seu retorno. Yewa
ficou muito triste ao ver o vestido que usava para contemplar o por do sol, estava
todo sujo por causa do ataque da galinha. Por esse motivo, Yewa não aceita galinhas
nos seus fundamentos (Entrevista realizada em Setembro/2013).
O Orixá costuma se adapta a nação que ele está sendo cultuado. Quando Oyá (Keto)
chega a cada Jeje, passa a ser chamada de Vodun Abesàn ou Avesàn, que também é apelidada
de Vidijá, porém mantém a mesma essência.
Nesse caso, ou é feito um quarto para Abesàn ou ela passa a morar no quarto de Sogbô
porque os dois são Voduns originários do céu e podem ser acomodados7 no mesmo quarto.
Quando chega Oxossi, ele passa a ser acomodado no quarto de Agué porque possuem
uma particularidade em comum, são caçadores. Oxun quando chega numa casa Jeje, pode
ficar no quarto de Aziri Tobossi, porque são divindades das águas e essas particularidades os
aproximam.
Os Voduns Anagonos são Voduns de origem Yorubá (Nagô) que migraram para a
nação Jeje e passaram por um processo de acomodação em outra nação. Na casa savaluna esse
processo raramente acontece ou custa acontecer devido a casa não ter o costume de receber
pessoas iniciadas em outra casa com frequência. Geralmente, os adeptos iniciam na própria
casa, e são agregados a comunidade. Mas quando isso ocorre, o fato poderá ser explicado por
um dito popular que diz: “em casa Orixá não se faz Vodun, mas em casa Vodun se faz Orixá”.
Nesse caso, quando um Orixá vem para a nação Jeje, passa a ser tratado de forma diferente
devido à mudança de fundamentos que envolvem algumas regras, que vão desde a predileção
de alimentos até as cantigas.
Segundo Hunsijé (Aldryn), quando chega uma pessoa na casa Jeje, que ainda não foi
iniciada, ela poderá ser iníciada em Vodun, porque o Vodun é prioridade na casa savaluna.
Quando chega uma pessoa feita em Orixá, como por exemplo, no Orixá Airá que será
chamado de Sogbô Airá e será tratado da mesma forma como era tratado em sua nação de
origem, porém com algumas diferenças como as que se refere as hans e outros fundamentos,
pois cada nação mantém suas hans e suas especificidades.
Abesàn (fon) equivale a Oyá (Yorubá), sendo que a divindade é a mesma, mas em
caminhos diferentes. Sakpatá é um Vodun Jeje e é equivalente a Xapanã no Keto, ou seja, é a
mesma divindade, mas em diferentes nações com fundamentos distintos.
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7
Essa acomodação de mais de uma divindade da mesma origem, se dá pelo motivo da falta de espaço suficiente
para acomodar um Vodun em cada quarto separadamente.
47
Segundo Jokolosy, quando chega um Orixá para o templo Vodun, que possui um
fundamento muito forte, é jogado o gorô para verificar a aceitação das obrigações na casa
Jeje. Xapanã (divindade Keto), quando conquistou o território de Mahin, foi denominado de
Sakpatá, isto é, trata-se da mesma divindade, mas em caminhos diferentes. Em Keto, ele é
tratado como Orixá e em Jeje ele é Vodun.
Nesse contexto, algumas prioridades mudam e as coisas que ele era acostumado a
receber em uma nação, em outra ele recebe de outra forma. Logo, Orixá e Vodun não são
cultuados de maneira semelhante, alguns fundamentos passam por mudanças.
Toda casa de Keto oferece quiabo pra Xangô, mas os savalunos sabem que Xangô não
come quiabo, que é comida de Sogbô, porque na região de Keto não existe plantações de
quiabo. Esse legume é facilmente encontrado em Daomé (Atual Benin), terra de Sogbô. O
quiabo é considerado uma iguaria de reis, devido o alto preço em algumas regiões africanas e
por esse motivo foi oferecido a Xangô (Heviossô em Jeje Savalú), por se tratar de um grande
rei.
Para Aldryn, no Candomblé Jeje, é cantado uma han para Xangô (Orixá cultuado
como Vodun) tanto que se fala que Dahomé é a cidade dos Voduns.
Hunsijé (Aldryn) informa que de acordo com os Xwénuxos, após a criação dos
humanos e de todos os animais, Voduntá foi chamado para modelar as cabeças de acordo com
cada espécie. Mawu incubiu cada um de seus filhos da responsabilidade do domínio de cada
elemento da natureza, os Voduns que moram no céu como Vodunjó, ficaram responsáveis
pelos elementos como trovão, raios, chuva, relacionados ao céu. Alguns Voduns vieram para
a terra com Gbessen, Sakpatá e Nanã que são os Voduns responsáveis pelas doenças e pelas
coisas que brotam da terra. Outros Voduns foram morar nas águas como Aziri Tobossi que é
responsável pelos animais marinhos e pelos fenômenos das águas como a pororoca. Essas
responsabilidades que foram atribuídas a cada divindade, estão relacionadas diretamente com
o bem estar da própria humanidade.
O Vodun Lokô e Azaká são responsáveis pelos preceitos religiosos do Candomblé que
devem ser cumpridos na íntegra da liturgia. Vodun Lokô tem como área de domínio as
florestas, a flora e a fauna. Vodun Agué é responsável pelas matas e detém o conhecimento
sobre as follhas e ervas. Aziri Tobossi é responsável pelos grandes mares e pelas águas
profundas e salgadas, sendo que Aziri Kaia é responsável pelas águas doces. Vodun Gu é
responsável pela tecnologia e criatividade, Sogboadan é o grande e corajoso raio. Heviossô
(equivalente a Xangô) tem como domínio o trovão e sua morada é o céu, Vodun Kpossú é o
homem pantera, conta os xwénuxos que esse Vodun tem a capacidade de se transformar em
pantera, tem como domínio o chão seco e o deserto. Aisàn é conhecida como à senhora dos
mercados e a grande mãe da terra, o culto a essa divindade é feito em um montículo de terra.
Vodun Frekwen (cobra albina) é a mulher de Vodundã (Úbessen cobra piton), como
dizem os antigos de acordo com os xwénuxos, cobra nunca anda só, aonde Vodundã vai
Frekwen vai atrás, o reflexo do arcoiris é de Frekwen. Dandô-Herrô é o grande rei serpente e
tem como domínio as águas salobres.
Assim, percebe-se uma tendência na mitologia africana pela adoração a grande cobra
sagrada como Gbessen, Frekwen e Dandô-Herrô. Para Carpenter (2008, p. 58), essa tendência
é ainda maior no caso da serpente do que da árvore
Os xwénuxos de Sakpatá existem tanto nos cultos Jejes quanto nos cultos yorubanos,
apesar de já existir antes das nações fon e yorubá conforme o relato de Jokolosy.
Nanã queria engravidar de Lissá e resolveu pedir conselhos ao Bokonnono (adivinhos
da época) que ensinou uma receita para que Nanã engravidasse. Depois de alguns meses, ela
deu a luz a Sakpatá que nasceu muito feio e cheio de chagas por todo o corpo, por esse
motivo, Nanã abandonou seu filho na beira do rio, no qual foi encontrado por Aziri Tobossi
que levou a criança para morar dentro do rio.
Toda vez que Sakpatá entrava no rio, as chagas desapareciam de seu corpo e quando
ele saia das águas, as chagas reapareciam. A partir dessa observação Aziri Tobossi preparou
uma roupa de palha para ele usar quando estivesse fora d‟água. Sakpatá se revoltou contra
Nanã pelo fato de ter sido abandonado por ela e quando ficou adulto passou a se incomodar
com a sua aparência e com as suas feridas que o levou a procurar o Bokonnono para pedir
conselhos no sentido de resolver o seu problema. Bokonnono o aconselhou para não se
preocupar com essas coisas porque Mawú sabia muito bem o que havia feito, Sakpatá seria
um grande guerreiro e seria chamado de Azouany (aquele que cheira doença), a partir dessa
informação ele transformou todo o ódio que sentia por sua mãe num grande motivo para se
50
tornar um grande guerreiro e lutar em favor de seu povo, a partir dai passou a usar uma lança
chamada piá e se tornou Azouany.
Dessa forma, é possível perceber a criação de mais um caminho de Sakpatá, caminho
esse chamado pelos Jejes de qualidade que envolve duas denominações Sakpatá e Azouany,
sendo que os dois são apenas um, porém em caminhos e qualidades diferentes da seguinte
maneira: Sakpatá é um Vodun idoso e cansado, Azouany é um Vodun jovem e guerreiro com
sede de vingança que gosta de guerrear e conquistar territórios. Assim, todos aqueles que
zombavam de Sakpatá, devido a sua aparência, passaram a admirá-lo em sua nova versão
como guerreiro jovem, destemido e grande conquistador de territórios, dentre eles destaca-se
Savalú, território no qual Sakpatá se tornou rei.
Sakpatá é chamado pelo povo fon por diferentes nomes como Azouany, Aynon que
significa o senhor da terra e Jéholú (o rei das jóias). Húnjévi é uma das jóias de Sakpatá, jé
significa jóia na língua fon. Húnjévi8 é um colar que começa com a cor azul e termina com
vermelho, é o colar da vida e da morte porque acompanha o afrorreligioso na vida e na morte,
de forma que quando a pessoa morre, ela é enterrada junto com seu húnjévi, ou seja, esse
colar nasce com o adepto do Candomblé e morre com ele quando segue viagem para o outro
mundo.
Jokolosy fala sobre a importância do hunjevi como segredo dos fons.
O hunjevi é o fio de contas sagradas do povo fon, ele representa o elo entre Mawu e
a terra, é o fio de contas da vida e da morte, símbolo do próprio céu e do mundo
espiritual que é invisível, transcendente e cósmico. Particularmente em sua relação
com a terra, algumas casas Jejes entregam o hunjevi no início da iniciação, sendo
que outras casas Jejes só o entregam quando o iniciado recebe o deká. Na nossa
linhagem, recebemos na obrigação de sete anos. Quanto à preparação do hunjevi é
igual ou maior do que alguns segredos da nação savaluna, o poder do hunjevi
ultapassa a mente humana, nos avisa dos perigos, não deve ser tocado por outra
pessoa e não pode ser usado trançado no pescoço. Quando arrebenta, tem que ser
passado pelos rituais para ser reenfiado, pois toda a sua força é sagrada. Para enfiar
um hunjevi, é necessário ter uma quantidade suficiente de miçangas entre os corais,
seu fechamento é um só e não se deve fechar com contas de outros Voduns. O coral
é uma árvore das águas que faz parte do eixo dos símbolos das águas profundas,
origem da vida no mundo. Sua cor avermelhada (terra cota) está relacionada com o
hun (em fon). Possui uma particularidade que é a conciliação com a natureza
envolvendo os três reinos (animal, vegetal e mineral), é o símbolo universal do
princípio da vida com a terra, tem o brilho da cor do sangue, do mistério da vida e da
morte. A cor azul, encoraja, provoca e incita a vigilância, é a mais profunda das
cores que permite o mergulho do olhar livre de qualquer obstáculo.
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8
No entanto, esse colar só é utilizado por pessoas gabaritadas, competentes e que exercem cargos importantes no
Candomblé, também representa um diploma que garante e promulga o exercício de um cargo no Candomblé
como Gàniyakú, Kpedjígàn, Huntó (nação Jeje) e Babalorixá, Ogan (nação Yorubá).
51
A húnjévi a mé vu
Odã bé a nado
Figura 10
Figura 11
Figura 12
Foi quando Gbessen desceu e trouxe o húnjévi preso na boca após ouvir a han que foi
cantada por Heviossô. Mas Gbessen não tinha a intenção de entregá-lo pelo fato de que ele
também queria ser um dos donos do colar, pois até esse momento só quem possuía o húnjévi
era Heviossô, foi quando Gbessen resolveu engolir o colar. Diante do ocorrido, Heviossô não
teve alternativa, a não ser destruir Gbessen para pegar o húnjévi de volta. Mas diante dessa
atitude ele foi castigado por Mawu que o incumbiu de reconstruir Gbessen surgindo assim
outra han.
Sogbô húndê
Sogbô húndê
Bôbô Sogbô Sogbô húndê.
E com esses atributos, passou a ser chamado de médico dos pobres Oholú – (Omolú
em Yorubá) e Sakpatá, (Avimaje e azouany).
Sakpatá tem preferência pelas cores, preto e branco, enquanto que Azouany tem
preferência pelas cores preto e vermelho que simboliza as guerras, um representa a
experiência e a calma; e o outro representa a juventude e a força. Sakpatá trás dentro de uma
cabaça que ganhou de Agué o segredo das folhas.
Hunsijé informa que quando Mawu criou o mundo, distribuiu diferentes funções a
seus filhos. Sakpatá que vivia no céu passou a ser o rei de Savalú, passando a ser um Vodun
da terra. Devido às desavenças que Sakpatá tinha com seu irmão Sogbô, decidiu morar com
seu povo em Savalú. Com a autorização de Mawu, ele desceu do céu, trazendo consigo todos
os seus pertences de maior utilidade.
Entretanto, alguns dias se passaram e a chuva parou de cair em Savalú por um longo
período. O povo savaluno, percebendo a dificuldade encontrada, devido à ausência de chuva,
resolveu procurar Sakpatá.
Nesse momento passava pela cidade dois Bokonnonos que pediram para falar com
Sakpatá a fim de revelar o motivo pelo qual a chuva não estava caindo em Savalú. A ausência
de chuva estava relacionada à desavença entre os dois irmãos.
Sakpatá pediu para verificar os verdadeiros motivos por meio do jogo, que por sua
vez, foi revelado. Sakpatá perguntou o que poderia ser feito para reparar o ocorrido, sendo
informado sobre a necessidade de enviar oferendas ao céu.
55
Gberê é o pássaro de Sakpatá que foi incumbido de levar as oferendas até o céu, e
quando chegou ao céu, foi atacado por um raio atirado por Sogbô. O pássaro usou a sua
agilidade para desviar do raio, deixando assim a oferenda no seu destino, retornando em
seguida para Savalú. Os búzios foram consultados novamente para confirmar o resultado, foi
quando ficaram sabendo que o céu tinha aceitado as oferendas.
Quem respondia pelo céu era Sogbô que mandou avisar Sakpatá que o amava apesar
das desavenças, e como ele era responsável pela chuva, sabia do perigo que Sakpatá
representava, por isso que resolveu castigá-lo com a falta de chuva. Como forma de
agradecimento pelo retorno da chuva, Sakpatá preparou um grande banquete e convidou
Sogbô para comparecer a terra, pois esse vodum vive tanto no céu quanto na terra. Durante o
banquete Sakpatá e Sogbô se entenderam e desse encontro surgiu uma han que Sogbô cantou
para Sakpatá, colocando aos seus pés uma cabaça com água, como forma de compartilhar a
água com seu irmão.
Portanto, o mito de Sakpatá explica como ele se tornou o rei mais cultuado da cidade
de Savalú (Benin) e como ele adquiriu o poder da cura.
Tó tò tò ezin minadò
Ezin arazon á
Sógbô hùndê minadò
Figura 13
Vodun Gú Avahùn do Mèhùntó (Pai pequeno, terceira pessoa na ordem hierárquica da casa)
Fonte: Arquivo savaluno
Da gú da gú ta
Gú corta a cabeça para nos proteger
Otolu no Brasil é conhecido como senhor da caça, o chefe dos caçadores, porque os
outros Voduns também eram caçadores. No culto Vodun, Otolu é uma divindade de extrema
importância por ter liderado muitos grupos em Savalú, sendo que Lú vem de Savalú e Oto
significa caçador.
Hunsijé explica como Agué se tornou os olhos e os ouvidos da floresta, e o dono da
flora e da fauna baseado no seguinte Xwénuxo.
57
No passado o rei das selvas era a hiena, que por ser um animal carnívoro, tinha
dificuldade para se alimentar, nenhum animal se aproximava dela porque sabia que iria ser
morto. Diante dessa dificuldade, a hiena montou uma estratégia, auxiliada pelo esquilo, que se
incumbiu de avisar todos os animais, que a hiena estava muito doente e iria morrer por falta
de alimento. Após avisar todos os animais da selva, o esquilo retornou e encontrou a hiena
fingindo que estava morrendo. Porém o esquilo ficou aguardando para ver o que acontecia
com a suposta agonia da hiena. Foi então que resolveu chamar o coelho, por se tratar de um
animal de grande esperteza, ele ficou observando a hiena e percebeu que ela não estava morta
e adotou uma nova estratégia que consistia em ajuntar uma grande quantidade de frutas em
estado de decomposição para jogar em cima do corpo da hiena e com isso atrair mosquitos
para incomodá-la, e como os mosquitos estavam em cima da hiena, ela ficava se mexendo,
deixando parecer que não estava morta e que tudo não passava de uma farsa.
Hunsijé informa que a partir desse momento o coelho começou a cantar uma han para
espantar a morte, e todos os animais perceberam que a hiena não estava morta
Aniamãn Agué ô
Aniaman Agué (Bis)
Agué e suas folhas de “levante” (aniamã)
Agué que era apenas um caçador, estava passando pelo local e ouviu o cântico do
coelho e percebeu o que estava ocorrendo, resolvendo logo em seguida matar a hiena para
livrar os animais de tamanha astúcia. Diante do ocorrido, o esquilo e o coelho instituíram
Agué como os olhos e ouvidos da floresta, porque ele conseguiu ver e entender o que se
passava com os animais nas mãos da hiena, livrando-os da morte.
Por meio dos xwénuxos é possível compreender os detalhes que circundam o contexto
do Candomblé.
58
Figura 14
Vodun Agué do Sénmàtó da Xuè (cargo que colhe as folhas para obrigação)
Fonte: Arquivo savaluno
Outro xwénuxo relatado por Gàniyakú sobre a morte (Iku) que queria matar Vodunfá
(Vodun da adivinhação e protetor dos Bokonnonos). Vodunfá entrou na mata e começou a
fugir de Iku, nesse percurso de fuga ele encontrou Iewa que estava à beira de um rio
admirando o por do sol, foi quando ele pediu a ela que o escondesse em baixo de sua saia.
Após algum tempo, Iku chegou próximo do rio e perguntou a Iewa se ele tinha visto
Vodunfá e ela respondeu que não viu nada e Iku teve que ir embora.
Para recompensar o grande favor que recebeu, Vodunfá deu de presente a Iewa o dom
da adivinhação.
59
Figura 15
O xwénuxo que explica porque o jogo de búzios deve ser cobrado foi explicado por
Hunsijé (Aldryn)
Conta o xwénuxo que um homem muito problemático procurou o Bokonnono para
abrir o jogo de búzios, relatando que estava passando por muitas dificuldades, inclusive
financeira. O Bokonnono ficou com dó desse homem e percebeu que ele não tinha dinheiro
para pagar a abertura do jogo de búzios, mesmo assim, resolveu abrir o jogo sem cobrar nada.
60
Bokonnono verificou nos búzios a solução para acabar com aquela situação de
penúria, fazendo com que ele mudasse de vida. A partir desse momento, esse homem ficou
rico e desapareceu no mundo. Diante do ocorrido, Bokonnono começou a passar dificuldades,
perdendo tudo que tinha conquistado inclusive o dom de adivinhação, não conseguindo abrir
o jogo para mais ninguém.
Diante do ocorrido, Bokonnono resolveu procurar Elegbá que é o senhor da
comunicação, perguntando-lhe o que estava acontecendo com ele. Elegbá respondeu que ele
teve pena de pessoas que o procuraram, se baseando apenas pelo que elas disseram, sem
procurar saber se era verdade ou não, e se ele estava nessa situação desconfortável, deveria
pedir ajuda a essas pessoas que ele abriu o jogo de graça.
Bokonnono procurou o homem que enriqueceu, porém não o encontrou e decidiu
procurou novamente Elegbá, que pediu a ele que procurasse por Mawu para resolver seu
problema. Esse xwénuxo reforça o entendimento que o jogo de búzios não deve ser feito de
foma gratuita, e para aqueles que não podem pagar, deve ser depositado nem que seja um
valor mínimo para não cegar os búzios e para que não percam o poder de adivinhação.
Hunsijé relatou outro xwénuxo sobre o homem que produzia enxada.
Esse xwénuxo demonstra a relação de sentimentos humanos que estão presentes tanto
nos homens quanto nas divindades do Candomblé conforme relatado.
61
A casa savaluna cultua uma variedade de divindades que abarca tanto os Voduns
quanto as divindades de outras nações como Kitembo que é um I‟nkisse da nação Angola.
Contudo, o grupo de divindades Voduns assume um papel de destaque na comunidade e cabe
destacar as famílias de Voduns que mantém as características dessa nação que formam os três
grandes grupos de divindades.
Segundo Parés (2007, p.278). “Esses três grupos ou “famílias” são liderados pelos
chamados “reis da nação Jeje”: 1) o Vodun serpente Gbessén (a família de Dan); 2) o Vodun
do trovão Sogbo (a família de Heviossô ou Kavionô) e 3) o Vodun da varíola Azonsu (a
família de Sakpatá)”, que estão devidamente relacionados à natureza.
Nanã, respeitável senhora, mãe d‟água considerada a mais velha; Loko, cuja morada é
à gameleira branca; as Aziris, Lissá, Agué e Elegbá que compõem o grupo de divindades mais
conhecidos. Neste tópico serão analisados os Voduns que estão relacionados com os
elementos da natureza, incluindo o mar e o trovão, pertencentes à família de Heviossô e
outros elementos naturais que estão indissoluvelmente associados às divindades savalunas.
Jokolosy explica que Vodun Gú é o próprio ferro. Para invocar a energia dessa
divindade é costume bater ferro com ferro para atrair a energia dessa divindade.
Otolu e Azaka são conhecidos como os maiores caçadores e conhecedores das matas
fechadas de Danvi (Vodun Dan).
Agué é o detentor da cura por meio das ervas, ele é a própria essência das folhas, das
matas e do cheiro da flora.
Kpossú (Homem leopardo), conhecido dessa forma porque sua mãe era uma princesa
que se transformava numa pantera.
Iewa é um Vodun que também se transforma em cobra, é filha do Vodun Parará da
família de Sakpatá. Vodun Parará aprecia as formigas e Iewa aprecia o por do sol, é uma
grande caçadora, mora nas matas escuras e beira de rios.
O Vodun Sakpatá também conhecido como Xapanã e Aynon (senhor da terra, do pó
da terra), diferente do Vodun Aysan que é o senhor da terra, de todo o planeta.
Vodun Jó é conhecido como a energia do vento e como o próprio vento.
Vodun Lokô, grande caçador e dono da fauna, mora dentro de uma árvore que no
Brasil é representada pela gameleira branca.
Atidanlokô, conhecido como Vodun Lokô serpente (feminino) que também tem como
sua morada uma grande árvore.
62
Figura 16
Vodun Nanã está relacionada com o barro, mora na lama, argila e dentro dos pântanos.
É uma divindade muito respeitada na comunidade Savalú.
Vodun Aziri é conhecida como a grande senhora das águas doces, temo como sua
morada o rio Togbô na África. É uma princesa que quando encosta o pé na água também se
transforma numa serpente.
Figura 17
Aziri Tobossi é a esposa das águas, mora nas profundezas das águas tanto doce quanto
salgada.
Lissá é um JíVodun que mora no céu e é representada pelo sol. Olissá é um TóVodun
que mora nas águas e tem o poder de se transformar em camaleão.
64
Hunsijé explica o culto às divindades como culto à natureza a partir do rio Togbô na
África que significa grande rio, onde mora a energia de Aziri. Acredita-se que foi nesse rio
que Aziri foi divinizada. Todos os anos na África são realizados o “festival das águas” no rio
Togbô e nesse local são depositadas as oferendas como presentes destinados a essa divindade.
No Brasil, as oferendas destinadas as Yabás também são feitas anualmente, é
oferecido a essa divindade uma pata que é solta no mar ou no rio. Isso explica o motivo pelo
qual os filhos de Aziri Tobossi não comerem pato.
A morada dos Vodungus (ferro) é no vulcão, isso reforça a relação dos Voduns com os
elementos da natureza, essa relação proporciona alegria e satisfação quando os adeptos
contemplam o vento (Vodunjó), as folhas (Agué), o por do sol, o arco Iris, o tempo e a mata.
Figura 18
Opanha Valuê
Opanha Valu vessô
Opanha Valuê
Opanha Valu vessô
Lissá é na ce nu wê
Lissá nos dê boa sorte
Mawú aceé dé é
Deus nos abençoe
A sen kó
A sen ahosú aiynon
Figura 19
Abesàn/Avesàn, deusa da espada de fogo, dona das paixões, rainha dos raios, dos
ciclones, dos tufões e vendavais. Ela em si é o próprio fogo, o incêndio e a devastação, é
guerreira e poderosa. Ela carrega as almas das criancinhas nos braços, guia os espíritos
desencarnados e os leva para os seus respectivos lugares. Abesàn está presente no vento e na
brisa que alivia o calor. É também o calor e o abafamento, o tremular dos panos ao vento, das
árvores e dos cabelos. Ela é a larva vulcânica destruidora. Abesàn é o raio, é a própria beleza
desse fenômeno, o seu poder é comparado à eletricidade, com energia suficiente para acender
uma lâmpada, uma vela, capaz de produzir um choque elétrico. É uma energia que gera
energia para funcionar os rádios e outros aparelhos eletrônicos. Ela é pulsante e vibrante,
quando está com o vento forte, está junto de Gbessén no deslocamento dos objetos e coisas da
vida. É a provação do ciúme, a sua paixão é violenta que até cria sentimentos de loucura. Ela
rege o amor forte e violento. Abesàn, senhora dos mortos, dos espíritos, dos Kututus. Guia os
espíritos ao lado de Sakpatá, é a divindade que indica o caminho certo a ser percorrido. Na
fala da Gàniyakú, percebe-se a presença da força da natureza concatenada com a força da
divindade Abesàn (Jeje) e Oyá (Keto).
Abaixo, encontra-se a primeira referência ao culto do “Deus Vodun”, indicando uma
possível origem Jeje da congregação religiosa.
todos os tipos. Percebe-se que esse culto estava atrelado, pelos menos aparentemente, ao
comércio estabelecido com estrangeiros.
Entretanto, os Voduns do mar também são conhecidos como Hulahun, atualmente os
hulas reclamam o direito de propriedade desse culto. Os hulas também são conhecidos como
popos, plas, fulaos, flas ou aflas, eram notáveis pescadores e produtores de sal.
O culto do trovão está relacionado à Costa do Ouro na África que implica a associação
entre o trovão e uma divindade que mora no céu. Para os africanos “a força do trovão está
contida em uma pedra”, portanto, sobrenatural.
A primeira referência a esse culto aponta para o reino de Uidá, numa crença que o
trovão matava os ladrões com suas “pedras”. Essa compreensão está relacionada com a ideia
de uma divindade que pratica a justiça.
A nação Jeje apresenta Heviossô como o deus do trovão, porém existe uma variedade
de cultos do trovão (Sô = trovão), mas Heviossô é aceito como culto do trovão mais
conhecido e de maior popularidade.
Hunsijé informa que Sogbô é conhecido como o grande raio e o rei dos Vodunsôs,
essa divindade é representada pelo leão. Heviossô é um Vodun pertencente à família de Sogbô
e é conhecido como o raio da cidade de Heviê.
Contudo, com o passar do tempo, os cultos referentes ao mar e ao trovão foram sendo
acolhidos por outras nações como fons, ewes, huedas, transformados como cultos interétnicos
ou públicos e passaram a integrar um único grupo “panteão”.
Em Uidá (África), Heviossô é cultuado em algumas famílias huedas, porém é na
concessão de Hunon Dagbo (o grande sacerdote dos Voduns do mar) que se encontra o seu
templo de maior importância.
O Vodun Dan Uedo é conhecido como o arco Iris (a grande serpente colorida), é ele
que leva as águas para o céu para que Sogbô providencie a chuva.
Dangbê é conhecido como Vodun serpente da vida ou “espírito cobra” que é
conhecido no Brasil como Gbessén.
69
Jokolosy relata o xwénuxo que explica como Dangbê se tornou um vodun. Uma cobra
estava se deslocando pelas terras de Mahi quando um homem descuidado pisou em cima da
cobra e a matou. Por esse motivo esse homem foi castigado por Mawu, mas não compreendeu
o motivo pelo qual estava sendo castigado. Então, resolveu consultar um Bokonnono para
compreender o motivo do castigo e o que poderia ser feito para amenizar esse problema. Após
receber a informação do adivinho, retornou para as terras de Mahi para resgatar o corpo da
cobra e fazer o sepultamento do animal, construindo um altar (Dangbê = adorar –
Dangbessen) para que o espírito da cobra (Dangbê) fosse cultuado.
Jé Agué lú
Aman, aman nya gbé á
Eô eô eô Dahomey
Um jê kó pó si
Vodun si Dahomey
Savalú savahundê
Ako Bessen
Aho boboi
Figura 20
Figura 21
VODUN(S) FOLHA(S)
Vodun Gú Folha fina de mangueira
Nanã Japana roxa, Orisa , Sanguelavô e Cajueiro
Iewa, Aziri Tobossi, Lissá e Tòkpádùn Japana branca
AziriTobossi Gávia
Gbessen Jiboia, Melão São Caetano e Coqueiro
Abesàn Capianga ou Lacre vermelho
Lissá Capianga ou Lacre branco, Alecrin, Bete
branco e Sanguelavô
Sakpatá Velame, Paiva e Muruci
Obá, Aziri Tobossi e Azirí Kaya Jarrinha
Heviossô Seringueira e Para-raio claro
Abesàn Folha de fogo e Cuia de Oyá
Agué Todas as folhas
Otolú Samambaia, Cajueiro, Muruci e Mescla
Ederê Verbena e Maravilha
Oguiã Malvarisco e Manjericão
Azirí Loucura, Bergamota e Pampôla de todas as
cores
Heviossô Sanguelavô
Abesàn Capianga
Folha de fogo
Onitá
Lokô Gameleira branca, Paiva e Jaqueira
Ayizan Cactos
Fonte: Gàniyakú Jokolosy e Mèhùnàn Hinòhòdesì.
A folha da costa é também utilizada no Tasèn e no gólònèsín – (na língua fon significa
cerimônia interna de culto a cabeça), usado para esfriar a cabeça que significa “adorar a
74
Cabeça”, utilizada nos animais sagrados, além de ser uma folha utilizada por todas as nações,
isso por si só já é suficiente para confirmar a sua importância.
Para o preparo do banho de ervas, as folhas são devidamente maceradas, utilíza-se
defumação10 junto com um canto de adoração a Agué, acompanhado de uma seqüência de
palmas ritmadas (paó) que significa saudação e evocação ao Vodun como sinal de respeito.
Tudo que é usado no Candomblé Jeje, tem que passar pelo ritual de consagração.
Um detalhe fundamental no uso das folhas está relacionado à forma de como e quando
ela é colhida. A folha que é retirada de manhã tem uma finalidade e se for colhida à tarde, a
finalidade muda, ou seja, dependendo do horário da colheita a folha pode servir para
diferentes finalidades. Outro detalhe a ser destacado é a questão de gênero referente à flora,
ou seja, se a folha é “macho” serve para uma finalidade, e se é “fêmea” serve para outros fins.
Na casa savaluna a relação dos Voduns com os elementos da natureza é indissolúvel11,
isso explica a necessidade que o povo de santo tem em manter o vínculo com esses elementos
para desenvolver a prática litúrgica, apesar da constatação da diminuição de áreas verdes no
meio urbano. Diante da necessidade dessas áreas que são encontradas de forma cada vez mais
minguantes, a construção da identidade ecológica, por parte dos adeptos do Candomblé, é de
extrema importância, não apenas para a manutenção do meio ambiente, mas para anular a
imagem negativa criada para rotular os afrorreligiosos como poluidores da natureza.
Para Jokolosy a nação Jeje é a que mais cultua a natureza e os terreiros geralmente
ficam próximos ou no entorno de áreas verdes. No entanto, no meio urbano, essas casas
tiveram que passar por algumas adaptações ou adequações para manter seu ciclo litúrgico,
devido à ausência da mata. Diante desse quadro, as plantas consideradas mais sagradas são
cultivadas em pequenos vasos, de acordo com a disponibilidade do espaço e do ambiente. A
relação do Candomblé com a natureza representa o vínculo entre o céu e a terra; humanos e
divindades e acima de tudo representa a razão de ser do sagrado.
_______________________________
10
A defumação faz parte da liturgia da casa, cujos ingredientes são extraídos das plantas e das ervas como mirra,
incenso, bejuin, breu branco, miri, favas raladas de aridan. As folhas de algodão branco, de preferência do
Vodun Lissa, são muito utilizadas no Candomblé Jeje Savalú.
11
No Candomblé Jeje Savalú a relação com a natureza tem um significado mais amplo que vai além da simples
relação, isso significa para os adeptos, que o Candomblé é a própria natureza, dai a ideia de relação indissolúvel.
75
Figura 22
Jokolosy informa que quando um adepto vai ser iniciado em agué é construída uma
casa forrada toda de folhas, desde o chão até as paredes para que o iniciado seja recolhido
nesse ambiente em busca de energia da divindade. A casa Jeje Savalú, até o presente
momento, já iniciou quatro pessoas no Vodun Agué.
Uma das árvores consideradas mais sagradas no Candomblé Jeje Savalú é a aroeira
(Amàví na língua Fon), a sua folha é utilizada para diversas finalidades, incluindo o banho
dos adeptos.
76
Figura 23
O aridan é uma fava muito utilizada no Candomblé Jeje Savalú, sendo que cada
divindade possui a sua fava de preferência. O aridan é de Vodun Gú, porém é utilizado por
todos os Voduns que gostam de guerrear.
Figura 24
Cântico de evocação da energia do Vodun Agué na língua fon apresentado por Hunsijé
(Aldryn)
Amásí Vodun ô
Amásí Vodum ô
Ononamáhundê Vodun
Ononamáhundê Vodun
Amásí é Vodun ô
A relação dos savalunos com os animais domesticados como os pássaros, exige que
estes sejam criados soltos. Os filhos de Agué não podem manter pássaros presos em gaiola,
sendo proibida na casa, a presença de pássaros engaiolados.
Aldryn informa que o goro (noz de cola na língua fon) e obi (noz de cola na língua
yorubá) é uma fruta africana e essa fruta é como se fosse um Vodun que se entrega a outro
Vodun da seguinte maneira, a gente abre um gorô (obi) pra saber o que ele quer nos dizer,
esse ritual é acompanhado de cânticos específicos referente ao sacrifício do gorô no sentido
que ele responda por outro vodum. Dessa mesma forma é feito com as folhas quando elas
passam pelo fundamento cantamos as cantigas de Agué para reverenciá-las, que só podem ser
retiradas com a devida permissão e no momento certo. Quando as folhas são maceradas
significa que elas estão morrendo ao dar o sumo pra gente, ou seja, elas estão nos entregando
o próprio sangue. Portanto, devem ser reverenciadas e colhidas no momento certo, a escolha
79
das folhas depende da preferência de cada divindade. Lissá geralmente costuma utilizar as
folhas de Azirí.
Figura 25
Segundo Jokolosy o primeiro Vodun a ser cultuado é Elegbá, tudo que se pretende
fazer tem que consultar Elegbá, mas para cultuar essa divindade é imprescindível o uso do
gorô, por esse motivo essa fruta é considerada sagrada, sua função é de informar se a
obrigação foi aceita ou não. Tem casa que usa o goro ou o ahowê (obi e orogobô na língua
fon) depois. Na casa Savaluna utiliza-se antes para se obter a resposta que se deseja saber,
dessa forma, o gorô simboliza a voz do Vodun. Do modo como ele cai, significa aquilo que o
80
Vodun quer dizer, quando ele tula (língua fon) e alafia (língua yorubá), significa que o
trabalho pode ser feito e que a obrigação foi aceita pela divindade.
Em todas as obrigações, de preferência, o adepto deve fazê-las descalço. Depois da
iniciação é costume andar descalço para manter o contato com a terra para estabelecer a troca
de energia, durante os preceitos é comum abster-se do uso de calçados.
Falar sobre o sangue dos três reinos (animal, vegetal e mineral), seja no Candomblé ou
em outra religião que utiliza esses elementos em seus ritos, é necessário compreender que se
trata de um tema complexo, que está ligado à simbologia e dinamismo que é típico da religião
em si e dos aspectos provenientes do fenômeno religioso. Essa concepção exige conhecimento
profundo e substancial sobre práticas litúrgicas que simbolizam, ritualizam e necessitam de
cuidados, pois transitam entre dois pólos, o positivo e o negativo.
Jokolosy explica que no Candomblé Jeje, ohun (sangue na língua fon) está relacionado
diretamente ao ritual sagrado da feitura e das oferendas, feitura significa a força vital dos
Voduns.
Durante o ritual de corte (bejeressun ou nahunnú na língua fon) do animal destinado
ao sacrifício, somente os órgãos vitais são oferecidos as divindades, a carne do animal é
devidamente preparada, cozida e oferecida a toda a comunidade. A pele dos bichos de quatro
pés é utilizada na confecção dos atabaques.
Jokolosy explica que o sangue vermelho está relacionado diretamente as coisas
quentes e ao movimento do fogo. Para atender as necessidades dos Voduns, o ohun (animal,
vegetal e mineral) deve ser oferecido na medida certa, podendo aumentar ou diminuir para
atingir a quantidade desejada de acordo com a energia, temperatura e intensidade.
Durante o assentamento de três Voduns quentes como Abesàn Vodun Gú e Heviossô,
é assentado Lissá que é um Vodun frio, para esfriar e equilibrar a energia dos Voduns
quentes. Aldryn explica que Gàniyakú não gosta de atribuir muito dendê (sangue vegetal
vermelho) aos Voduns quentes, mesmo que o Vodun peça dendê, esse elemento vegetal é
oferecido de forma dosada para que a casa não fique muito quente.
O uso do sangue dos três reinos deve ser feito com conhecimento e moderação a fim
de manter o equilíbrio energético.
81
Para Jokolosy “não se derrama sangue do animal por crueldade e nem para fazer o mal
a quem quer que seja. O sacrifício deve ser compreendido como condição única e
insubstituível para que a vida continue”.
O sangue preto pode ser encontrado nas cinzas de galhos e folhas de árvores
sacrificadas, sendo a cor verde a variação da cor preta e azul que é compatível com o sumo
das folhas. O pó azul chamado de wají que é extraído das árvores é exemplo de sangue preto
do reino vegetal.
A cor vermelha é associada ao fogo, o preto a terra e o branco à água e o ar. São
muitos os elementos portadores de axé que vem reforçar, ampliar e restabelecer a relação
entre o homem e a natureza. O axé12 é uma força vital acumulada que provém da natureza e
fortalece o poder dos Voduns, fazendo com que o povo da comunidade fique sempre em
sintonia com as divindades.
O axé está contido numa infinidade de elementos que representam os reinos animal,
vegetal e mineral que podem ser encontrados em diferentes lugares da natureza como na água
doce ou salgada (oceano, mar, rios, igarapés); na terra, na floresta, mato, capoeira, ou espaço
urbano.
________________________________
12
O axé (acè) é a força vital, é o conteúdo mais importante do “terreiro”. É a força que assegura a existência
dinâmica, que permite o acontecer e o devir. Sem axé, a existência estaria paralisada, desprovida de toda a
possibilidade de realização. É o princípio que torna possível o processo vital. Como toda força, o axé é
transmissível; é conduzido por meios materiais e simbólicos e acumulável. É uma força que só pode ser
adquirida por introjeção ou por contato [...]. Mas esta força não aparece espontaneamente: deve ser transmitida.
Todo objeto, ser ou lugar consagrado só o é através da aquisição do axé. Compreende-se assim que o “terreiro”,
todos os seus conteúdos materiais e seus iniciados, devem receber axé, acumulá-lo, mantê-lo e desenvolvê-lo.
Para que o “terreiro” possa ser e preencher suas funções, deve receber axé. O axé é “plantado” e em seguida
transmitido a todos os elementos que integram o “terreiro” (SANTOS, 2012, p.41).
82
O ohun está distribuído em três categorias representadas pela cor vermelha, preta e
branca. Os elementos que detém axé são encontrados nos reinos animal, mineral e vegetal.
Para Jokolosy a parte invisível está na combinação desses elementos portadores de
muito axé que renovam, ampliam, distribuem e restabelecem a força vital numa relação
estreita entre os homens e os Voduns. Todo sacrifício, assim como toda a oferenda presente
na iniciação e consagração, implica na transmissão de energias.
O sangue vermelho está diretamente ligado com a vida em todas as fases da existência
tanto do animal quanto humana; o vegetal é representado pelo azeite, óleo e seiva, assim
como pelo atim que é composto de pó sagrado, o mineral é representado pelos metais como o
cobre, bronze e chumbo.
O sangue preto é representado pelas cinzas dos animais sacrificados e o sangue branco
é representado pelo plasma do caracol que é o animal de predileção de Mawu. Quando
oferecido a esta divindade proporciona a paz a todos da casa como sinal de amor e união,
nessa ocasião todos ficam de preceito por 16 ou 21 dias (16 dias para os confirmados e 21
dias para os iniciados).
século XIX. Para compreender esse duplo aspecto do sacrifício ritual, é preciso primeiramente
compreender o caráter sagrado do ato com relação à “vítima”, o que a torna sagrada, pois sem
o sacrifício, o animal sacrificado não se tornaria sagrado, portanto, não há crime algum nesse
ato. A palavra sacrifício segundo (HUBERT e MAUSS, 2013, p. 17) “sugere imediatamente a
ideia de consagração, ou seja, em todo sacrifício um objeto passa do domínio comum ao
domínio religioso”.
Na casa savaluna o poder do sangue (ohun) envolve o campo dos segredos que
apontam diretamente para a prática litúrgica da casa, ou seja, falar do bejeressun significa
adentrar numa linha tênue que representa a fronteira entre os fundamentos que compõem o
campo dos segredos referente ao sagrado e aquilo que é permitido informar. Por outro lado,
transitar por esse campo que deixa emergir o protocolo litúrgico exige muito cuidado e
sutileza, tanto por parte do pesquisador quanto dos informantes.
No entanto, numa tentativa de desconstruir a mácula gerada por grupos
fundamentalistas referentes ao povo de santo, é necessário explicar a relação do afrorreligioso
com o sacrifício.
Gàniyakú Jokolosy explica sobre essa relação
Eu penso que todos os Voduns têm que ter ohun. Para o assentamento de Lissá é
utilizado uma grande quantidade pó sagrado para cobrir o assentamento. É
impossível efetuar um assentamento sem ohun, porém o conhecimento tradicional é
importante para evitar os excessos no uso do sangue vermelho, branco ou preto que
compõem o sangue dos três reinos: animal, vegetal e mineral. Obviamente que a
retirada de um desses elementos da prática ritual do Candomblé significa a perda
com maior ou menor grau da tradição que necessariamente se sustenta na afirmação
desses três elementos, sendo que nenhum pode substituir o outro, cada qual atende e
desenvolve a especificidade de cada caso, de cada divindade e em diferentes
situações (Entrevista realizada em 27/10/2013).
__________________________
13
Mauss evidencia que a dádiva é o oposto de troca mercantil, portanto, procura na dádiva a origem da troca,
evidenciada pela essência da reciprocidade numa tríplice obrigação de dar, receber e retribuir.
86
A dádiva de Mauss pode ser interpretada como intercâmbio, não no sentido utilitarista,
em que o doador deveria recuperar o bem doado, mas, sobretudo porque o doador deseja
resguardar seu mana14, seu prestígio, ou seja, a sua integridade espiritual.
A utilização dos recursos da natureza deve vir acompanhada do sentimento de
preservação desses elementos conforme explica Rìnòhòdecí (Nalva)
Quando iniciei no Candomblé, minha mãe me levou na mata e disse que tínhamos
que entrar em silêncio, que ninguém deveria achar graça e fazer barulho. Isso foi o
primeiro ensinamento que ela me repassou, ao entrar na mata, a gente bate paó que é
uma maneira da gente se comunicar com os Voduns, o paó(s) são palmas que
indicam alguma coisa que queremos dizer aos Voduns, ou seja, é um tipo de
comunicação entre os humanos e as divindades.
Rinòhòdecí (Nalva) informa que para manter a energia dos Voduns ela forra o chão
com as folhas que também são utilizadas nas obrigações. No bejeressun, as folhas (amans na
língua Fon) também são usadas para forrar o chão, evitando o contato do animal com o solo,
ou seja, entre os Ká (Cabaças sagradas) e a terra ficam as amans. Assim, compreende-se a
relação indivisivel entre os Voduns e as folhas, pois elas estão vinculadas diretamente com os
Voduns, usa-se folha para cada divindade de acordo com a sua preferência.
Minha mãe me ensinou que cada Vodun utiliza folhas diferentes em seus
fundamentos, a folha da baronesa é utilizada para Togbossí, assim como a folha fina
da mangueira que é específica de Gú, já a folha mais grossa não está relacionada a
essa divindade. Para cada Vodun existe uma variedade de folhas, além da mistura
desses elementos para diferentes finalidades, sendo utilizadas tanto as folhas quentes
quanto as folhas frias. As folhas que tem espinhos nem sempre pertencem a
Elegbara (Entrevista realizada em 27/10/13).
____________________
14
O mana é o valor da reciprocidade, um terceiro entre os homens, que não está ainda aqui, mas para nascer, um
fruto, um filho, o verbo que circula, que da a cada um seu nome de ser humano e a sua razão ao universo
(MAUSS, 1950).
87
Vergolino (2008, p. 144) analisa o ponto de vista do sagrado, a pedra do rei Sabá,
observada no seu platô. “Estava situada em meio a uma natureza selvagem, repleta de
elementos de grande densidade significativa – pedras que se elevam como uma grande
pedreira, pedras que formavam, no seu recôndito, pequenos lagos que vez por outra deviam
aprisionar os peixes”. Observa-se nesse contexto a potencialização da natureza elevando-se a
percepção sensível do sagrado, ou seja, a manifestação do transcendente sobre o elemento
imanente, evidenciando assim a presença do sagrado.
89
O espaço entre o mundo material (Aiyê) e o mundo espiritual (orun) é ocupado pelos
múltiplos orixás. O processo que configurou a personalidade e o culto dos orixás, da
África ao Candomblé brasileiro pode ser entendido em três movimentos ou vieses. O
primeiro viés é anímico: atribuir vida espiritual aos elementos e manifestações
naturais. Assim, a argila, as pedras e as colinas; o ar ou o vento impetuoso; o céu
estrelado, o sol e os trovões; a mata, a palmeira e as folhas curativas; os vários rios,
fontes e lagos: cada qual possui um animus (espírito) que lhe dá movimento e
humor. O segundo viés é zoético: associar esses elementos às habilidades e ofícios
necessários à vida, no sentido de sobrevivência e bem estar da tribo. Temos o
plantio, o cultivo e a colheita (ligados a terra, à água e ao sol); a olaria (ligada à
terra, à água e ao fogo); o conhecimento de raízes e ervas medicinais (referente à
mata, à palmeira e às folhas); a fabricação de artefatos de metal [...], e também a
caça de animais (referente à mata). O terceiro viés é memorial, quando o culto dos
orixás fundiu-se com o culto dos antepassados (MAÇANEIRO, 2011, p. 45-46).
Na África, os orixás são deuses de clãs; são considerados como antepassados que
outrora viveram na terra e que foram divinizados depois da morte. Mas ao mesmo
tempo constituem forças da natureza, fazem chover, reinam sobre a água doce, ou
representam uma atividade sociológica bem determinada, a caça, a metalurgia; não
são pois, adorados apenas pelos descendentes membros do clã, mais ainda por todos
que necessitam do seu apoio (BASTIDE, 2001, p. 153).
91
É importante perceber que cada clã possui a sua especificidade tanto no aspecto ritual
como funcional, porém as atribuições de cada clã são destinadas para atender os interesses da
coletividade, do bem comum e não a este ou aquele clã de forma individualizada. Cada clã
detinha o poder místico para estabilizar a força da natureza, devidamente amparado na ação
de reciprocidade, isso explica a relação dos orixás com os elementos que representam a
natureza, sua força e mistério.
A representação e formas religiosas contidas no Candomblé tornaram-se referências
para o conjunto de religiões de origem africana de forma geral, incluindo o Candomblé Jeje.
De acordo com o pensamento de Risério (2004, p. 283-4), sobre os aspectos religiosos
básicos que são eminentemente e genericamente partilhados, destaca-se a ligação entre
religião e natureza.
Se o vínculo de ligação entre os orixás e os clãs foi dissolvido, temos agora o elo entre
os orixás e os elementos da natureza. A classificação que antes era atribuída ao campo
sociológico, foi ressignificada pelo caráter religioso que rege a classificação das coisas do
mundo. Cada orixá está ligado com determinadas plantas, cores, animais, espaço no mar, rios
e florestas, dias da semana e outros itens que compreende uma gama de fundamentos
religiosos, de segredos, de símbolos e ritos que compõem o complexo mundo do Candomblé
que envolve diferentes nações.
A tradição yorubá sustenta uma importante matriz necessária para a realização dos
ritos e práticas de contato com a natureza, que por sua vez, demandavam espaços apropriados
nos moldes da flora africana, que de certa forma foram re-significados no outro lado do
atlântico, tanto na vida material quanto na vida religiosa e simbólica. No entanto, se o
material e o espiritual se misturam reciprocamente, compreende-se que a coisa dada leva algo
do ser do doador.
Mauss (1950, p. 263) afirma que: “se coisas são dadas e retribuídas é porque se dão e
se retribuem „respeitos‟ – podem dizer igualmente, „cortesias‟. Mas é também porque as
pessoas se dão ao dar, e, se as pessoas se dão, é porque se devem”.
92
No Candomblé, o uso cotidiano das plantas segue alguns critérios e regras, capaz de
distinguir a esfera terapêutica e religiosa. A relação das plantas com determinados orixás,
pode interferir na escolha das mesmas tanto para a utilização nos rituais e no campo
medicinal.
É possível compreender que a religião de matriz africana exerce um importante papel
para equilibrar a cisão entre homem e natureza, sem ela, seria mais difícil equilibrar o mundo
no caos estabelecido por meio de uma classificação hierárquica, que mantém a humanidade
distante do verdadeiro significado que contempla o sentido de unidade em oposição ao
antropocentrismo, no qual, carrega em si o germe da dissolução e dominação; do espírito de
superioridade e controle da natureza.
A sociedade contemporânea utiliza uma classificação própria, cuja função é restrita as
particularidades em detrimento de uma visão que contempla a totalidade e a concepção
holística do mundo.
No meio urbano brasileiro, ainda é possível encontrar a “África em miniatura”
(BASTIDE, 2001, p. 76), mas sem a presença dos antigos clãs africanos, a linhagem
tradicional de famílias e reinos ficou para trás, a sociedade tribal desapareceu no âmago do
regime escravocrata, foi impiedosamente dilacerada e ao mesmo tempo transformada em
outro modelo que se apropriou da religião como forma de organização social, cuja função é de
reconstruir o que foi perdido, mesmo que seja uma reconstrução simbólica, mas rica em
significados. Assim, os orixás mantém sua identidade, seus ritos e mitos, abarcando os
ancestrais divinizados e atuantes nos espaços sagrados.
A mudança de domínio entre o espaço dos homens e dos deuses, da África para o novo
mundo, configurou-se em um novo modelo de classificação da realidade. Por esse motivo o
afro-religioso ao adentrar no espaço místico, deverá tomar algumas precauções como cumprir
os rituais característicos, marcados por oferendas e sacrifícios para aventurar-se no espaço
sagrado e obter permissão para utilizar os recursos da natureza. Diante desse ritual é possível
estabelecer uma relação isenta de conflitos, mediada por regras, respeito e reverência aos
deuses e a natureza.
Portanto, as religiões de matriz africana, no mundo moderno, não prima por mudanças
radicais, no que se refere às práticas religiosas e visão de mundo. Porém, diante desse novo
contexto, optou-se pela adaptação dessa nova realidade. Os afrorreligiosos procuram dividir
seu tempo entre as obrigações religiosas, a contemplação da natureza e sua vida social como
trabalho, estudo e a busca por oportunidades no mundo globalizado.
94
_________________
15
Porém sabemos que um ano antes, em 1807, nas terras da fazenda Boa Vista, pertencentes ao engenho de
Herminigildo Netto, no distrito Madre de Deus (perto de Santo Amaro), existiu uma congregação ritual
aparentemente mais estável, liderada por Antônio, um jovem escravo angola. Antônio foi preso e identificado
nos documentos como “presidente do terreiro dos candombleis”. Trata-se do primeiro registro da palavra
“Candomblé”, um termo provavelmente de origem banto. Nessa expressão “Candombléis” parece utilizado
como sinônimo de batuque, podendo referir-se a prática de curas e/ou adivinhação, mas o título de “presidente”
sugere uma incipiente organização hierárquica de uma coletividade religiosa. Como comenta Rachel Harding, a
palavra “Candomblé” surge no momento em que o termo “calundu” deixa de ser utilizado (PARÉS, 2007, p.
126).
16
Projeto de extensão desenvolvido no âmbito da UEPA, pelo grupo de pesquisa GERMAA, com o objetivo de
estabelecer um diáologo horizontal entre afrorreligiosos e a academia. Nos eventos promovidos pelo projeto
afrorreligiosos são chamados a palestrar em torno de um tema referente as religiões de matriz africanas, após a
exibição de um filme sobre o mesmo assunto.
96
jamais será somente natural. Nesse entendimento vale ressaltar a compreensão sobre as
religiões da natureza de acordo com a afirmação de Carvalho (2005, p. 18).
Figura nº 26
„Ecologia ou barbarie‟: o século XXI corre de fato o risco de consagrar tal slogan. É
preciso, pois, destacar o falso debate que ameaça e a verdadeira questão que ainda nos guarda
(FERRY, 2009, p. 26). Entretanto, quando se fala de religiões de matriz africana o racismo
entra em cena. As religiões tradicionais utilizam o conceito da sustentabilidade que está
diretamente relacionado com a preservação do meio ambiente e inclui todo o ecossistema.
101
Em minha trajetória como sacerdotisa da religião de matriz africana, passei por uma
experiência inesquecível, onde fui transportada numa viagem inusitada de percurso
vertical e ascendente, cujo ponto de partida estava representado simbolicamente pela
base de uma árvore frondosa de grande porte, rodeada por muitas árvores, que
conectava o solo sagrado da floresta à longevidade celeste. O início da viagem foi
marcado por uma sensação de leveza flutuante, meu corpo deslocava-se suavemente
por toda a extensão vertical da floresta exuberante com seus contrastes de cores
verdejante, sentindo um suave cheiro da mata que me levava em direção ao topo,
que estava revestido de intensa folhagem e encobria parcialmenteo reflexo luminoso
do cosmo sagrado. Quando meu corpo ultrapassou o topo da grande árvore, percebi
que estava diante de um feixe de luz recrudescente que refletia muita paz e
harmonia, possibilitando o meu encontro com a divindade, foi como despertar de um
lindo sonho, repleto de magia e mistério, ocorrido há 27 anos após o assentamento
das divindades Gbessen e Agué, protetores das matas e das florestas (Entrevista
realizada em Julho/2013).
Gàniyakú Jokolosy afirma que falar da relação do afrorreligioso com a natureza, não
se trata uma tarefa simples, isso requer muita força e determinação para enfrentar os
obstáculos que cercam essa relação.
A experiência religiosa é traduzida na vivência e na determinação diária, necessária
para conduzir uma casa de tradição africana.
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17
”Racismo ecológico ou ambiental”, se refere a qualquer política ou diretiva que afete ou prejudique, de formas
diferentes, voluntaria ou involuntariamente, a pessoas, grupos ou comunidades por motivo de raça ou cor. Esta
ideia se associa com políticas públicas [...]. Robert Bulart – Sociólogo e Diretor do Environmental Justice
Resource Center. Fonte: Revista ECO 21, ano xv, nº 98, Janeiro/2005.
102
O sacrifício18 de animais nas práticas rituais das religiões de matriz africana, ainda é
visto, no mundo contemporâneo, como uma questão polêmica. Em alguns Estados brasileiros
existem Propostas de Lei no sentido de proibir o sacrifício de animais em rituais, por conta de
uma suposta preocupação referente à “crueldade” com animais que são submetidos à
imolação. Seria de fato uma preocupação voltada à defesa dos animais, ou uma atitude de
discriminação vinculada ao “racismo ecológico” dirigido as religiões de matriz africana?
Essas Propostas de Lei tem gerado manifestações de repúdio e de inconstitucionalidade.
O Art. 5º da Constituição Federal de 05 de Outubro de 1988 estabelece que: “é
inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos
cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias”.
Para Gàniyakú Jokolosy o animal que vai ser sacrificado passa por um processo que
envolve rezas, cantos e outros ritos de preparação de acordo com a tradição africana. O
respeito pelo animal é fundamental, não sendo permitido nenhum excesso que possa
ultrapassar o nível critico da imolação. Antes de ser levado para o sacrifício, o animal para
por um período de no mínimo de três dias de preparação.
Levando-se em conta que o verdadeiro significado da palavra “sacrifício” está
relacionado ao “sacro ofício” e “santo ofício” que aponta para a ação de realizar algo
considerado sagrado, ou seja, o vocábulo em questão, não está inserido no campo de outros
vocábulos que tratam ou representam uma ação de barbárie ou crueldade, conforme o
entendimento equivocado de algumas pessoas fundamentalistas ou não.
Gankónã informa que a visão distorcida sobre o sacrifício de animais, vai além da falta
de conhecimento sobre a necessidade dos cultos das religiões de matriz africana. Na verdade
trata-se de uma atitude racista e preconceituosa, que por vezes se sustenta no discurso
ecológico com a desculpa de proteger os animais de atos de crueldade. Nem todos os rituais e
oferendas exigem a imolação de animais.
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18
Para Mauss e Hubert (2013, p. 27-28), “o sacrifício é um ato religioso que só pode ser efetuar num meio
religioso e por intermédio de agentes essencialmente religiosos”. Nesse sentido, palavra sacrifício sugere
imediatamente a ideia de consagração.
103
Em algumas oferendas, o afrorreligioso leva algum tipo de animal (pombo, preá) para
que este seja solto na mata, em agradecimento a divindade, mas esse ritual, mesmo que não
envolva o sacrifício e sim a soltura do animal na mata nativa, ainda encontra barreira que
impede tal prática, com a desculpa de que o animal não deve ser solto na mata porque não é
nativo da região e se for solto poderá causar um desequilíbrio populacional de uma espécie
que não é autóctone, mas que pertence ao grupo restrito a oferendas.
Gankónã adverte que o problema não está relacionado com o tipo de sacrifício ou
oferenda que se pretende realizar, mas está direcionado, sobretudo, a uma atitude de
discriminação e intolerância religiosa, e como alvo dessa atitude discriminatória temos as
religiões de matriz africana, identificadas e estigmatizadas como detentora de práticas
religiosas que poluem o espaço urbano.
Nesse sentido, percebe-se a necessidade que o povo de santo tem de vincular ao
conhecimento tradicional já existente no contexto religioso, com o discurso ecológico, na
intenção de construir uma identidade que possa facilitar a prática religiosa, sendo que o único
instrumento legal que a comunidade afrorreligiosa possui é o dispositivo constitucional.
No entanto, é preciso chamar atenção para o fato de que o termo “ecológico” pode ser
utilizado de forma dualista, ou seja, ao mesmo tempo pode ser incorporado como atitude que
possibilite a afirmação de um grupo no campo político, por outro lado, pode ser usado por
grupos fundamentalistas para formalizar propostas de leis para que sejam instituídas em favor
dos animais e contra os supostos atos de crueldade.
Para Girard (1990, p. 55). “Não há nada no sacrifício que não se encontre rigidamente
fixado pelos costumes. A incapacidade de adaptação e a novas condições e características dos
fenômenos religiosos em geral”.
Vale ressaltar que é importante focalizar o que realmente está por trás dessa aparente
defesa dos animais, quando se olha atentamente para o pano de fundo do enredo
preservacionista, encontra-se um mosaico que compõe as práticas discriminatórias, cujo
principal objetivo é desqualificar e anular as práticas das religiões de matriz africana.
Kpedjigãn Gankónã explica que as oferendas que são depositadas no meio urbano,
geralmente são identificadas pela população como lixo, que é deixado nas encruzilhadas pelo
povo de santo e que por sua vez, não relaciona lixo com oferendas. As oferendas são
identificadas como axé, e no que se refere aos resíduos que são depositados nas ruas e são
identificados como lixo, é de responsabilidade do município e do poder público, de fazer o
recolhimento e apontar um destino final para esse material.
104
Figura 27
Figura 28
Figura 29
Gàniyakú Jokolosy informa que infelizmente, ainda não foi possível alcançar todos os
objetivos que contemplam a atitude ecológica, devido à postura de alguns adeptos que ainda
estão desinformados sobre essas práticas de sustentabilidade ambiental.
No que se refere à prática de sacrifício, o animal escolhido para essa finalidade, passa
por vários momentos que envolvem diferentes rituais, conforme a afirmação do Kpèdjigàn
Hunsijé.
106
4.4-A luta por políticas públicas para os terreiros a partir da mobilização de argumentos
ecológicos
Segundo Mãe Nalva, as folhas podem ser colhidas tanto no “mato” como no meio
urbano, pois não existe dicotomia entre esses espaços, sendo que um complementa o outro. O
mundo moderno apresenta-se cada vez mais urbano, de áreas verdes minguantes, essa
realidade está presente nas sociedades que tem como característica a eliminação drástica dos
espaços verdes. Diante dessa situação o povo de santo vem buscando como recurso de
superação dessas dificuldades, a utilização dos elementos naturais por meio de uma
reinterpretação da noção do sagrado no trato com as plantas e ervas.
O Pai Tayandô da nação Mina explica que a pretensão ecológica já faz parte das
religiões de matriz africana desde a década de 1980 conforme relato abaixo:
108
A relação das religiões de matriz africana com a ecologia não é novidade, isso não é
de agora, essa pretensão ecológica surgiu na década de 1980 no Rio de Janeiro. O
fato das pessoas afirmarem que se pode cultivar uma divindade só com o sangue
vegetal, já vem de algum tempo. Eu até concordo, mas existem outros ingredientes
de fundamental importância, temos que ver os tipos de sangue que vão se juntar para
formar o axé. Essa novidade de ecologia vem ajudar as pessoas que estão
combatendo a imolação de animais.Muitas coisas que ocorreram na África, por
conta da tradição, foram supridas ou passaram por adequações nas terras brasileiras,
porém permaneceram as mais importantes como o sangue dos três reinos (mineral;
animal e vegetal). Sem o egé, não tem orixá, um desses três elementos tem que está
presente. Tem pessoa que não pode utilizar o sangue de animal porque é muito
quente, por isso numa feitoria, é necessário utilizar outro tipo de sangue para aquele
ritual. A feitoria é um processo sagrado e muito perigoso, a pessoa tem que está
devidamente preparada para acalmar o orixá. Nessa tradição a presença do egé é
insubstituível.
O Pai Tayandô relata que em situações que exigem extremo conhecimento da tradição
como a feitoria de iaô, necessita de água natural, retirada diretamente nas fontes. Mas, na falta
desse recurso natural, é possível utilizar água tratada para outras práticas litúrgicas, pelo fato
de que o Candomblé necessita desses elementos presentes na natureza, para a construção do
axé.
A tradição africana determina que as plantas e ervas devem ser colhidas de forma
especial, diretamente na natureza e não devem ser cultivadas de qualquer forma. Quando um
terreiro está localizado nos centros urbanos, distantes de áreas verdes, existe a necessidade do
cultivo de plantas e ervas em pequenos vasos, cuja intenção é de manter a relação com a
natureza, superando a impossibilidade da representação física dessa relação. O cultivo das
plantas ao redor dos terreiros adquire o mesmo poder mágico religioso das plantas
encontradas em outros espaços naturais.
A relação das religiões de matriz africana com a ecologia na Amazônia fica por conta
do ineditismo, pelo fato de que essa relação já ocorria em outras regiões. No Rio de Janeiro,
na década de 1980, já se falava de Umbanda ecológica, divulgada amplamente por
antropólogos como Renato Ortiz (1991). Na Bahia, no final da década de 1990, já se falava do
Candomblé como religião essencialmente ecológica, informação divulgada nos trabalhos
publicados pelo antropólogo Julio Braga (2000). Essa relação já estava inserida no debate
ecológico desse período, que era possível realizar um culto, uma obrigação sem o sangue
animal. Nesse contexto, vale ressaltar que por opção, algumas comunidades religiosas,
desestruturam toda uma tradição em busca de um novo modelo que exige um conhecimento
que contemple essa opção.
O conhecimento tradicional é repassado de forma oral entre os afrorreligiosos. No
espaço urbano o que prevalece hoje é o conhecimento acadêmico que difere do conhecimento
109
repassado no cotidiano dos terreiros, dos centros religiosos de matriz africana. É muito difícil
manter uma casa, uma comunidade, essa tarefa exige muito conhecimento e dedicação
principalmente quando o sacerdote adota uma postura ecológica, deixando de lado o sacrifício
de animais, isso certamente traduz um choque muito grande entre aquilo que a comunidade é
na tradição e aquilo que ela pretende ser na mudança de conhecimento ou no reducionismo da
tradição. Quanto á imolação de animais, alguns sacerdotes se manifestam contra os excessos,
é importante perceber a necessidade de cada santo e suas preferências pelo tipo de egé, tem
santo que é frio e têm outros que são quentes e necessitam de egé quente.
O sacrifício de animais exige um cuidado especial, o animal é devidamente preparado
para esse ritual. O sacerdote deve mostrar a Olorun que o sacrifício é uma exigência do ritual,
e não é apenas por simples vontade de quem o executa. A vontade do santo é sublime e está
relacionada à tradição para a manutenção dos fundamentos religiosos.
Entretanto, a folha faz parte do axé principal e está inserida no contexto dos três
reinos, porém o sacrifício de animais não está relacionado somente à tradição africana, outras
religiões fundamentam seus cultos com o poder do sangue.
Figura 30
Figura 31
Pai Alfredo explica que as folhas pertencem aos orixás e possuem qualidades mágicas
de extrema importância no contexto religioso.
As folhas são realmente sagradas, as folhas curam, as folhas fazem. Todas as folhas
têm uma determinação para o ser humano que é fazer o bem. Existe folha do ar, da
água, da terra. Para a feitoria de cabeça, são utilizadas as folhas especiais para a
condução do processo iniciático. As folhas são misturadas e combinadas para
diferentes finalidades, às sementes possuem funções específicas para a cura,
dependendo do problema de saúde, existe mato para todos os fins, para se sentir bem
basta tomar chás e banho de cabeça com ervas, raízes, sementes e casca de árvores.
A Nação Cabinda tem como tradição a mistura das folhas de diferentes espécies.
Pai Tayandô informa que a Umbanda carioca, considerada ecológica, pratica o ritual
sem o sacrifício de animais, mas é preciso saber se as pessoas que se intitulam como
sacerdotes, possuem o conhecimento necessário do axé para fazer o ritual de acordo com a
tradição. Tem gente que faz obrigação num copo de plástico descartável só para agradar a
112
_______________
19
É de todos conhecido que o Orixá Ossaim é o Orixá das ervas, das plantas sagradas e medicinais, mágicas,
litúrgicas. Todos os mitos relativos a Ossaim falam de seus poderes mágicos de curar e do domínio das plantas.
Ossaim, conta uma das lendas, guardava as folhas sagradas numa cabaça que foi quebrada por Iansã, que
provocou uma ventania espalhando-as por todos os cantos. Cada Orixá se apropriou de uma quantidade delas.
Ossaim só conseguiu esconder as mais secretas, mas continuou dono do poder mágico, e, por isso, todos tem de
lhe pedir licença para usar as folhas. BRAGA, Julio. Oritameji: o antropólogo na encruzilhada. Feira de Santana:
UEFS, 2000, p. 181.
114
A riqueza do povo de santo está relacionada à preservação de sua tradição que envolve
a plena harmonia entre os homens e a natureza. Cada ser humano deve acreditar no seu
potencial, mesmo sem conhecer a divindade que reina em cada um de nós. A riqueza não está
relacionada a dinheiro e bens materiais, más está diretamente ligada com forma de como nos
relacionamos com a natureza e com as divindades, quem tem uma divindade presente em sua
vida e detém o conhecimento dos fundamentos religiosos, tem muito mais do que bens
materiais.
O vínculo entre religião e natureza perpassa por uma gama de questões que inclui não
apenas o conhecimento tradicional, mas está relacionado à apropriação de um discurso
ocidental referente a práticas ecológicas e sustentáveis, cuja principal intenção é de construir
uma identidade ecológica que seja capaz de minimizar a intolerância e a discriminação contra
as práticas e rituais das religiões de matriz africana.
Logo, vale ressaltar a importância do vínculo do Candomblé com a natureza, com suas
divindades, incluindo a cosmologia, os mitos de origem e o discurso ecológico, que vem
sendo construído no espaço urbano amazônico. Os afrorreligiosos se reconhecem como parte
integrante da natureza e priorizam o sentimento de louvor e reverência preservado nos ritos e
no cotidiano da vida religiosa, percebendo o mundo com olhares distintos dos ensinamentos
115
que nos foram repassados pela ciência moderna. Nessa relação, à ecologia e a dimensão
religiosa estão sempre presentes em todos os elementos que integram a natureza e o universo.
Para os savalunos, as divindades e os elementos da natureza são indivisíveis, pois é
impossível reverenciar o tempo, o vento, as folhas, a terra e tudo que compõe esse imenso
cosmo sagrado sem se reportar aos Voduns correspodentes a cada elemento da natureza.
116
CONSIDERAÇÕES FINAIS
certamente a lógica compreendida é de não degradar e não poluir a natureza, por se tratar de
um espaço sagrado.
No terceiro capítulo destaquei as folhas como elemento primordial para a prática
litúrgica, sua magia e importância, assim como o sacrifício que foi apresentado como
elemento importante para a renovação da vida, envolvendo o sangue dos três reinos: o
vegetal, animal e mineral. O cerne da pesquisa é a relação do afrorreligioso com a natureza,
sem, no entanto adentrar no protocolo litúrgico da casa que envolve os segredos, os oros de
quarto de santo. Entretanto, quando se falou de sacrifício ou bejeressun como os adeptos
costumam dizer, percebi que estava na linha de fronteira que divide aquilo que pode e que não
pode ser repassado. O sacrifício está situado nessa linha tênue e escorregadia que envolve as
particularidades dos principais fundamentos do terreiro.
O contato com o templo religioso savaluno foi de completa harmonia desde o primeiro
encontro e a cada entrevista, realizada sempre aos domingos no final da tarde, percebi que os
relatos dos informantes se desdobravam e apontavam para novas possibilidades de coleta de
dados que ultrapassou a técnica de entrevista e observação participante. Esses relatos estão
presentes em todos os capítulos da dissertação, fruto da troca de informações entre os
interlocutores da pesquisa. Contudo, o campo afrorreligioso savaluno oferece inúmeras
possibilidades para o avanço da pesquisa, que vai além da temática pesquisada e que por sua
vez, vem representar um ponto de partida para quem pretende desvendar esse imenso e rico
campo de informações que se sustentam na tradição milenar africana.
No quarto capítulo, falei sobre a sacralização da natureza pelas religiões de matriz
africana e suas adaptações para o discurso ecológico; enfatizei a concepção da natureza na
cosmovisão africana; o conceito de ecologia e o movimento ambientalista; a apropriação do
discurso ecológico nos terreiros e a luta por políticas públicas para terreiros a partir da
mobilização e argumentos ecológicos.
O Sagrado ecológico é um termo representativo da relação harmoniosa entre o homem
e a natureza fundamentado numa “postura” ou “atitude ecológica” que vem sendo construída
pelos afrorreligiosos. Contudo, acima dessa atitude “ecologicamente correta”, está a relação
de respeito, de louvor e de reverência, alicerçada nos moldes da tradição africana em que o
homem, apesar de estar inserido na sociedade moderna, ainda guarda o sentimento de
docilidade para com a natureza. O meio urbano já não oferece os espaços de mata verde como
era no passado, nesse contexto a adaptação se faz necessária para que a prática litúrgica da
religião de matriz africana permaneça atuante e alcance seus propósitos. A sociedade moderna
valoriza a atitude utilitária e a prática de consumo predatório, e nesse sentido, é importante
119
perceber que colocar em prática uma atitude ecológica numa sociedade engessada pelo
pensamento moderno, que fragmenta e divide qualquer possibilidade de interação entre o
homem e a natureza, não se trata de uma tarefa simples. Entretanto, é possível pensar na
possibilidade de interação entre esses dois pólos, a principio, contraditórios aos olhos do
mundo moderno, mas que se mostra possível quando se volta para o conhecimento
tradicional, de grupos religiosos que mantém um arcabouço de conhecimentos tradicionais e
que valoriza o vínculo com todos os elementos da natureza.
É óbvio que vínculo entre religião e natureza perpassa por uma gama de questões que
inclui não apenas o conhecimento tradicional, mas está relacionado à apropriação de um
discurso ocidental referentes a práticas ecológicas e sustentáveis, cuja principal intenção é de
construir uma identidade ecológica que seja capaz de minimizar a intolerância e a
discriminação contra as práticas e rituais das religiões de matriz africana.
No centro do debate encontra-se à dimensão do sagrado que constitui uma condição
importante para a mudança do aspecto predatório para o campo de uma possível relação,
devidamente amparada na ética sustentável. As oferendas, nesse contexto, estão relacionadas
à dinâmica da reciprocidade, uma “contra-dádiva” em resposta a “dádiva inicial”, ofertada
pela natureza. Mauss (1950) interpreta a dádiva no sentido de intercâmbio, de reciprocidade
positiva e não no sentido utilitarista, de recuperação de bem e sim no resguardo de seu
prestígio, seu mana e sua integridade espiritual.
Com relação à prática do sacrifício, é comum perceber uma ambivalência atrelada ao
discurso ecológico, instituída pela sociedade moderna e atribuída as práticas religiosas de
matriz africana, que se apropriam desse discurso, mas ao mesmo tempo demonstram a
necessidade de manter o enredo sacrificial para acalmar as divindades e receber em
contrapartida um equilíbrio entre os seres humanos e o cosmos sagrado, impedindo dessa
forma a geração de conflitos.
Segundo Piazza (2005, p. 7). “Para o africano, moral e religião são a mesma coisa,
pois tudo depende da atuação dos espíritos”. Por esse motivo, o afrorreligioso ao adentrar no
espaço místico, procura tomar algumas precauções, como fazer rituais característicos,
marcados pelas oferendas para aventurar-se no espaço sagrado e obter permissão para utilizar
os recursos naturais, da mesma forma que se vê na obrigação de respeitar o próximo, a
natureza e a própria vida.
Portanto, é importante compreender que a relação do Candomblé Jeje Savalú com a
natureza, com suas divindades, incluindo a cosmologia, está associada ao discurso ecológico,
que vem sendo construído no espaço urbano amazônico. Os savalunos se reconhecem como
120
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125
GLOSSÁRIO
Àtin – árvore.
Bicho de quatro pés – Bichos oferecidos as divindades, aqueles que possuem quatro
patas como bode, carneiro, preá, dentre outros.
Candomblé Angola – Culto afro-brasileiro com grande influência dos negros de Angola,
que tiveram seus deuses assimilados pelos nagôs.
Candomblé Jeje – Culto afro-brasileiro implantado por negros do atual Benim, antigo
Daomé, cuja crença foi absorvida em grande medida pelos nagôs.
Candomblé Ketu – Candomblé de nação nagô trazido por escravos oriundos da cidade de
Ketu, fundada por povos Yorubás. É a nação que mais conserva as tradições africanas,
embora seus cultos não permaneçam iguais aos cultos da África.
Ebó – Sacrifício ritual, geralmente para limpeza ou descarrego, em que se transfere para os
alimentos ou animais as mazelas do corpo ou espírito da pessoa.
Feitura – Processo de iniciação, ou seja, se refazer para a sua divindade por meio de ritos
como dar de comer a cabeça, entre outros ritos relativos a esse processo.
Hãn – Cânticos.
Nação – Denominação de origem tribal atribuída aos grupos de negros africanos trazidos
para o Brasil sob a condição de escravos.
Nanã – Vodun do Daomé da nação Jeje que foi assimilado pelo candomblé Ketu e Angola.
É considerada a mais velha e respeitável senhora, tem como domínio o barro, a terra e a
lama.
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Odu – termo utilizado pelos Yorubás para definir a palavra destino (Fádú em fon).
Kpejí – Local onde fica hospedado as Divindades maiores da casa e objetos sagrados dos
Voduns.
Tambor de mina – Culto afro-brasileiro implantado por escravos oriundos da Costa do ouro,
atual Gana, que ganhou maior expressividade no Maranhão.
ANEXOS
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