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HIERARQUIA NOS TERREIROS DE CANDOMBLÉ.

Em uma casa de candomblé, hierarquia é ordem, pois é através dela que são distribuídos os cargos
dentro do candomblé, obedecendo uma lógica cronológica ou mesmo mediúnica (quem recebe e
quem não recebe Orixá); é segurança, pois entende-se que os mais velhos são detentores do saber e
do aṣé essencial para conduzir a vida dos iniciados dentro da religião; é proteção, pois segue-se a
máxima da humanidade, os pais e mães protegem seus filhos, esta confiança precisa existir entre
os/as babalorixás/iyalorixás e seus filhos/as; é sabedoria, pois caminhar a través do tempo dentro
do candomblé proporciona o conhecimento necessário para conduzir sua casa de aṣé e seus filhos,
isso acarretará uma responsabilidade por vezes severa, daí a necessidade de respeito a ela por parte
de todos os iniciados ou mesmo adeptos, não iniciados.

O iniciado no candomblé ocupa o lugar social que será responsável pela construção do discurso
em defesa do pertencimento àquela religião, ao assumir-se candomblecista, este iniciado
compromete-se, ainda que inconscientemente, a falar pelo Candomblé e a favor deste. Pode até
ocorrer certos questionamentos sobre a pedagogia usada durante o aprendizado dos preceitos,
entretanto esse questionamento é feito internamente ou entre outros também pertencentes ao
Candomblé.

A hierarquia nas religiões de matriz africana obedece à lógica da cultura africana em geral, na
qual o respeito aos mais velhos é de suma importância. Os mais velhos foram os que, em um
primeiro momento de sua trajetória, aprenderam os segredos e as regras do candomblé, eles são a
representação ancestral desses elementos na terra, pois vieram primeiro, aprenderam primeiro. Os
participantes das comunidades de terreiro veneram o antigo como uma forma de preservar a
memória. O fator antiguidade tem grande peso dentro dos terreiros de candomblé. Constituindo-se
em uma cultura que prioriza o oral sobre o escrito, o povo-de-santo zela pelos seus mais velhos, os
antigos, os idosos, que são considerados como verdadeiras bibliotecas orais. Isso confere ao idoso
do terreiro uma tranquilidade: ele se torna alvo da estima, da consideração, do apreço e até mesmo
de certa veneração.

Dentro do candomblé, isso se faz presente não só na questão cronológica, quando a idade formal
se faz presente, mas também na idade de iniciação ou cargo que determinado filho de santo possui.
Na primeira fase da iniciação, o filho de santo recebe a denominação de iaô (iyawô), essa fase
corresponde ao renascimento de uma pessoa dentro do candomblé, durante esse primeiro estágio,
muitas proibições e limites lhes são impostos: como se portar frente aos mais velhos dentro do
candomblé, o que deve e não deve comer, como comer, como se vestir, onde sentar, como sentar.

Iyawó deve andar descalço. Muitos pensam que o objetivo é humilhar o novato, mas não é isto. O
recém-nascido, o iniciado, precisa ter maior contato com a Mãe Terra, que é a matéria básica da
formação do nosso corpo. A terra emana energias indispensáveis para o corpo físico e espiritual. É
Oníle, o Dono da Terra, é Ele o responsável pela emanação dessas energias

No candomblé, a hierarquia também pode ser observada através dos cargos de um dos membros
que fazem parte da comunidade do terreiro, cargos esses que obedecem a preceitos como: tempo de
feitura, ser médium rodante (que incorpora o Orixá) ou não, ser suspenso para determinada
atividade, questão de gênero etc. O cargo máximo dentro do candomblé da nação Ketu são os de
Iyalorixá (feminino) e Babalorixá (masculino) – os sacerdotes responsáveis pelo terreiro e pelo
axé como um todo, o líder espiritual, também chamado de pai ou mãe de santo na língua
portuguesa.

A cuia é o símbolo primordial, na hierarquia do candomblé, que dá plenos poderes religiosos ao


iniciado e que lhe confere o cargo de sacerdote/sacerdotisa. Ela é considerada uma transmissão de
conhecimento, de saberes e também dos fundamentos e dos segredos mais recônditos do
candomblé, ela é passada de um/uma babalorixá/ialorixá para um/uma futuro(a)
babalorixá/ialorixá, representando a maioridade. Em seguida, temos o que se pode entender como
a segunda pessoa em hierarquia depois do líder espiritual do terreiro, Iya kekerê (feminino) e Babá
kekerê (masculino). Ela é feita da cabaça fruto das plantas do gênero lagenaria.

Em seguida, têm-se os cargos referentes às atividades diversas dentro de um terreiro, para cada
uma delas há um homem ou mulher designado a desempenhá-la. O cargo de Ekede , só é dado para
mulheres que não incorporam Orixá. Algumas das diversas funções das equedes dentro do
candomblé, a principal delas é cuidar do santo a que se dedicam, quando o mesmo chega à cabeça
de sua filha . Ela é quem atende à sua filha no momento do transe. Ajeita-lhe as roupas. Enxuga-lhe
o suor do rosto com uma toalha, que é um dos símbolos de sua função; e encarrega-se das vestes
cerimoniais do santo. São mulheres bem informadas, conhecedoras muitas vezes dos fundamentos
do culto no próprio nível das velhas ebômins. Defendem, no candomblé, suas filhas no mundo das
competições intragrupais, valorizam o santo de seu cuidado, cuja filha é frequentemente uma
parenta ou amiga muito íntima.

Em geral, ela será a responsável para cuidar do Orixá no momento em que este incorpora no filho
de santo, é quem dança e orienta os passos do Orixá incorporado dentro do barracão, é quem pode
manusear as ferramentas dos Orixás, praticamente tem acesso a todas as atividades femininas dentro
do terreiro. Há também a Iyalaxé (Iyá bassé), são mulheres responsáveis pelos rituais, pelas coisas
secretas do axé , ela é a - zeladora do axé – e, por assim dizer, um posto de transição. Antes da
confirmação da sucessora do terreiro, uma ebômin pode usar o posto de ialaxé que, a rigor, pouco
se distingue, funcionalmente do posto da ialorixá. É um título, nesses casos, que apenas situa a
virtual mãe-de-santo do terreiro até que os ritos fúnebres finais da falecida ialorixá permitam que a
sucessora entre em pleno gozo de seu status. A Iyá bassé , responsável pela comida sagrada do
Orixá, é quem orienta o preparo da comida que será oferecida em cada obrigação – como são
denominados os rituais dentro do candomblé, geralmente para esse posto, são escolhidas,
preferencialmente, mulheres que já atingiram o estado fisiológico da menopausa – e por isso,
isentas das interdições rituais associadas aos dias considerados “impuros” , em que as mulheres não
devem tocar as comidas sagradas dos Orixás. Por fim, a Iya bassé, é a encarregada de importante
setor da comida sacrificial e das oferendas. É ela quem se encarrega, com suas imediatas, da
elaboração e distribuição ritual das comidas oferecidas aos santos e por isso deve ser pessoa de
grande experiência e equilíbrio.

Há ainda os cargos tanto para homens quanto para mulheres que dizem respeito à idade ou tempo
de iniciação, esse cargo não é conferido como os outros, mas alcançado de acordo com o tempo de
feitura e as obrigações de sete anos ou mais, é cargo de Egbon (em língua portuguesa). Ebami ou
Ebomi. Ajibonã (ambos os sexos) em Ketu, é o cargo que corresponde a padrinho ou madrinha,
aquele (a) que patrocina o/a iyawô durante sua iniciação.

Ao referente masculino de equede dá-se o nome de Ogá (ou Ogã como é mais conhecido) , é
dado para homens que não incorporam Orixá. O lado masculino das hierarquias auxiliares
executivas nos candomblés é representado pelo corpo de ogãs, nome genérico que se dá a uma série
de pessoas investidas de funções rituais as mais diversas [...]. Esse cargo é divido e nomeado de
acordo com a atividade para a qual esse homem foi suspenso - momento em que determinado Orixá
o escolhe para ser seu Ogá – e confirmado – depois que são realizados os rituais de iniciação para
confirmá-lo como pertencente ao terreiro. O ogã é escolhido geralmente por um orixá manifestado
numa filha-de-santo. Entende-se que é o próprio Orixá que, por simpatia para com a pessoa, a
escolhe para ser ogã – ogã do santo – e com isto cria uma relação entre o ogã e seu “cavalo”. Daí os
filhos-de-santo chamarem o ogã de seus Orixás de “meu pai”.
De acordo com a atividade, ele receberá um nome a mais, a exemplo de: Alabê; iniciado
responsável pelos toque e cânticos rituais. Axogun é o responsável pelos rituais de oferendas de
animais, também conhecido como Ogá ou Ogã de faca. Babá lossãyn, responsável pela coleta das
folhas.

Há alguns cargos que podem existir em uma nação e não existir em outra, como é o caso do
Pejigã que não possui equivalente em Angola. O pejigã é o “guardião do peji”. Esse cargo tem por
atividade guardar os segredos do peji – nome dado ao local onde ficam as ferramentas dos orixás e
onde se colocam as oferendas, também é conhecido como assentamento, é o equivalente a altar nas
igrejas católicas. Esse cargo, entretanto, não é constante em todos os terreiros.

Por fim, tem-se o representante do primeiro estágio da iniciação dentro do candomblé, o (a)
iyawô; não é um cargo, mas o nome dado àquele (a) que inicia sua caminhada dentro da religião
candomblecista. Esse nome é dado apenas aos médiuns que possuem o dom de incorporar o Orixá.
O (a) iniciado (a) será chamado por este nome durante os seis primeiros anos de sua iniciação, a
partir do sétimo ano, ele ou ela será tratado (a) pelo nome de Ebomi, o que significa já possuir certa
idade de “santo”, adquirindo o status de pai ou mãe. Com exceção do primeiro estágio da
caminhada do iniciado – o iyawô – as pessoas que possuem os cargos anteriormente discriminados
são iniciadas possuindo situações hierárquicas de prestígio desde que entram, independente de sua
idade, são tratados e respeitados como pais e mães pelos mais novos. Há ainda, o estágio antes da
iniciação, quando não se participa diretamente dos rituais mais privativos e secretos do candomblé,
é um estágio de preparação para a iniciação propriamente dita. Nesse início, recebe-se o nome de
abyán (abi = aquele que nasce; iyán = caminho novo). Quando se fala em situações hierárquicas
de prestígio, refere-se à reprodução do comportamento africano em relação aos mais velhos ou às
autoridades no qual reza o respeito e a obediência a estes. Devendo os mais jovens prostrar-se aos
pés em atitude de respeito. A hierarquia em qualquer setor da sociedade define indivíduos com
capacidade para liderar e assim ajudar um conjunto de pessoas a conviver pacífica e
harmoniosamente em um mesmo local. É costume antigo que assim aconteça nas comunidades de
candomblé, em que a hierarquia é severa e as graduações são necessárias, pois a temporalidade
precisa ser respeitada. O povo do candomblé diz que “tempo é posto”. Há, entretanto, outro
princípio que, embora não seja aprofundado aqui, não se pode deixar de ser abordado, trata-se da
ancestralidade a qual não se baseia necessariamente na idade cronológica , mas em questões como a
origem de tudo, o início, é caso de Exu, ele não é o Orixá mais velho, mas é o primeiro a ser
reverenciado, nada é feito sem que Exu seja agradado antecipadamente, a exemplo do padê,
cerimônia realizada antes de qualquer festa pública de Candomblé. Desse modo, tanto o princípio
da ancestralidade, como o da senioridade fazem parte do mesmo universo, completando-se,
alternando momentos em que cada um prevalecerá, citando como exemplo a nação Ketu na qual
Exu abre a festa e Oxalá, o mais velho, fecha-a.

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