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RESUMO
Objetivo: investigar as explicações dos conceitos de registro e cobertura, proferidas por professores
de canto e sua correspondência a referências teóricas. Métodos: pesquisas bibliográficas de obras
da área do canto e da laringologia e entrevistas do tipo não estruturadas com 12 professores de canto,
sendo oito especializados em canto lírico e quatro em popular. Resultados: sete entrevistados utiliza-
ram o termo ressonância na descrição de registro; 2 mencionaram timbre e qualidade vocal; 3 fizeram
referência à musculatura vocal; todos definiram cobertura como uma forma de adequar a emissão de
agudos na região da passagem de registros; 2 mencionaram ajustes de trato vocal; 4 professores de
canto lírico mencionaram sobre ajustes motores e faciais; 3 mencionaram ressonância e 4 enfatizaram
a necessidade de treino Conclusões: os professores de canto referem-se aos assuntos registro e
cobertura utilizando-se de referências que, num primeiro momento, pareceram baseadas na prática e
nas sensações produzidas pelo canto. Ao se analisar as entrevistas como um todo, constata-se que
conhecem estudos científicos relacionados à produção vocal, bem como acreditam que essas infor-
mações sejam importantes para um melhor ensino do canto.
respiração e nas sensações produzidas no corpo, Uma outra classificação subdivide registros vocais
cientistas da área médica e fonoaudiológica buscam em fry, modal (peito, médio e cabeça) e falsete 4.
explicações lógicas e observáveis 7. Estudos para quantificar o predomínio muscular
Na medida em que muitos dos mecanismos para nos diferentes registros, observaram que o músculo
a produção vocal eram desconhecidos, os termos tireoaritenóideo é o que apresenta mudanças mais
usados para classificar os diferentes tipos de regis- marcantes em resposta à troca de registros. A mu-
tro baseavam-se nas partes do corpo em que o can- dança do registro pesado para o leve mostra uma
tor sente as vibrações do som, ou seja, através de diminuição na atividade do músculo tireoaritenóideo.
sensações subjetivas 8. Concluiu-se que, quanto mais pesado o registro, maior
Relacionou-se, assim, o registro aos termos "pei- é a atividade desse músculo. Já no registro modal,
to" e "cabeça", que são as regiões onde ocorrem subdividido em peito, médio e cabeça, as diferenças
adaptações ressonantais, mas que não são as que observadas vêm de um equilíbrio entre as forças do
geram de fato os diferentes registros, o que originou músculo tireoaritenóideo e do cricotireóideo. No re-
as discordâncias e variadas terminologias existen- gistro de peito, o músculo tireoaritenóideo está em
tes 9 -11. As "sensações vibratórias" sentidas pelo maior atividade, enquanto no registro de cabeça o
cantor ao cantar determinadas freqüências deveri- músculo cricotireóideo apresenta-se com maior pre-
am ser descritas como "fenômenos de ressonân- domínio. Com o aumento da tensão do músculo
cia" e não como registro 11. cricotireóideo, as pregas vocais tornam-se mais del-
Além disso, há discordância quanto à nomencla- gadas sendo que a amplitude da onda mucosa apre-
tura dos registros que parece estar ligada ao fato de a senta-se mais reduzida. Quanto mais aumenta a ati-
denominação dos mesmos estar relacionada a fatores vidade do cricotireóideo, mais se alongam as pregas
empíricos ou a descontinuidades percebidas na voz ao vocais e a voz passa do registro de peito para o de
se produzir escala ascendente ou descendente 11. cabeça. Os outros músculos intrínsecos e
O nome "registro pesado" está relacionado ao extrínsecos da laringe também têm participação nes-
fato de as sensações, produzidas por esse som, se- sas mudanças. Entretanto, os músculos
rem transmitidas à traquéia e aos brônquios. O que tireoaritenóideo e o cricotireóideo parecem ser os de
faz com que o cantor perceba a ressonância na re- maior participação 4. Com base na atuação dos mús-
gião do peito 12. culos das pregas vocais a atividade do canto tem sido
Do ponto de vista da fisiologia muitas são as de- comparada a uma atividade atlética que requer um
finições para registro vocal. preparo muscular que possibilite ao cantor realizar
No século XIX, Manuel Garcia definiu registro plenamente sua atividade 16.
como uma "série de sons consecutivos homogêne- Os registros vocais, além de serem determina-
os, produzidos por um mecanismo, diferenciando-se dos pela troca de predomínio muscular, são também
essencialmente de uma outra série de sons igual- determinados pelo padrão de vibração das pregas
mente homogêneos produzidos por um outro meca- vocais, que varia de acordo com a freqüência funda-
nismo" 11,13. Essa definição tem relação com defini- mental produzida, assim como pelo fluxo de ar res-
ções mais recentes onde registro é referido como uma ponsável pelo tempo de abertura e fechamento das
"série de tons homogêneos que se caracterizam por pregas vocais 2,4.
um especial timbre sonoro, distinto dos outros regis- Para que o cantor possa utilizar todo seu poten-
tros, independente da freqüência do tom emitido" 2. cial vocal é necessário criar condições favoráveis para
Os critérios de classificação dos registros vocais que ele domine o uso das cavidades de ressonância
são muito variados. As primeiras denominações de e a musculatura envolvida na produção da voz 5,6,8.
registro são de Giovanni di Garlandia, no século XIII, De modo especial há uma preocupação com as que-
quando este divide registro em voz de peito, voz de bras produzidas na voz ao se executarem as escalas
garganta e de cabeça 1. ascendentes e descendentes. A execução da cha-
Existem várias classificações para os diferen- mada cobertura está relacionada à zona de passa-
tes tipos de registro. Uns consideram apenas dois gem, da voz de peito para a voz de cabeça17 constitu-
registros, peito e cabeça 11,13. Há autores que iden- indo um fenômeno de adaptação das cavidades de
tificam três posições: peito, meio e cabeça, onde ressonância 8,12.
registro vocal é considerado apenas uma posição Na tentativa de deixar imperceptível a passagem
vocal, ou seja, é uma "série de tons produzida por de um registro para outro, algumas escolas de canto
uma certa posição dos órgãos vocais - laringe, pa- adotaram a cobertura, técnica que tem sua origem
lato e língua" 14 e outros que consideram os regis- na escola italiana de canto denominada Bel Canto:
tros basal, modal (peito, misto e cabeça) e eleva- "um processo de equalização da escala ascendente,
do, diferenciando-os pela freqüência produzida e executado de forma consciente, pela modificação da
levando em consideração os aspectos mioelásticos vogal, com o intuito de diminuir os períodos que mar-
e aerodinâmicos 15. cam a mudança de um registro para outro"19. A co-
bertura funciona como um ajuste que ocorre em virtu- e observadas na emissão das diferentes vogais. Os
de da necessidade de se fazer uma unificação nos principais ajustes ou "acoplamentos" são: manter a
sons produzidos na escala e resulta de um controle laringe em posição baixa e palato mole elevado. A
consciente dos ressoadores; só o tempo e a prática interdependência entre a articulação e a ressonância
poderão torná-la automatizada 8. deve ser considerada 22. Quando determinados canto-
Professores de canto procuram ensinar seus alu- res insistem em cantar as vogais de forma pura na voz
nos a passar por essas regiões, de forma quase im- de cabeça, ocorre uma perda na qualidade da voz ob-
perceptível, dando ao ouvinte a impressão de unifor- tendo, como resultado final, uma emissão tensa pro-
midade na voz 1,8,17-20. Preferencialmente no canto líri- duzida com a laringe em posição alta 11-12.
co, o cantor tem como objetivo executar a escala da Sendo constituída por ajustes do trato vocal, a
maneira mais pura possível, sem quebras ou inter- cobertura proporciona modificações ressonantais que
rupções 1,17,19. Sugere-se que a passagem deva ser geram alterações nas características do som. O im-
preparada usando-se ressonância alta mesmo na re- portante nesse ajuste é que o cantor busque utilizar,
gião grave da voz 1,17. na voz, uma qualidade suave.
Na primeira passagem do registro de peito para o As diferentes formas na descrição destes fenô-
de cabeça, há modificações moderadas da vogal e menos - registro, cobertura, ressonância - aguçaram
uma nova modificação, na voz do cantor, perto da a necessidade de entender a linguagem usada pelo
segunda passagem 18. O termo cobertura deriva de professor de canto e motivaram a comparação com
movimentos fisiológicos que envolvem adaptações as descrições científicas.
posturais realizadas pela epiglote durante a emissão O objetivo deste trabalho foi o de investigar as
das diferentes vogais. Como o termo propicia diver- explicações dos conceitos de registro e cobertura,
gências entre os professores de canto, alguns prefe- proferidas por professores de canto e sua correspon-
rem denominar o ajuste como "modificação da vogal" dência a referências teóricas.
e não como cobertura 12,20.
O uso da cobertura propicia uma emissão "fácil e ■ MÉTODOS
fluida" com brilho e igualdade na voz, mantendo a
potência do som. É necessário que haja um aumen- Foram realizadas pesquisas bibliográficas de
to da pressão diafragmática sobre os músculos ab- obras da área do canto e da laringologia e entrevistas
dominais, de abertura das costelas por ação dos com doze professores de canto, sendo oito
músculos intercostais e de colocação do som na especializados em canto lírico e quatro em popular.
"máscara" como forma de não se produzir uma emis- Utilizaram-se entrevistas do tipo não estruturadas,
são conhecida como "entubada" . Como conseqüên- focalizadas 23. Tiveram duração de aproximadamente
cia do uso desta técnica, consegue-se um timbre 1hora e 30 minutos, foram áudio gravadas e transcri-
aveludado e macio 12,20. tas pelas pesquisadoras.
Para que a cobertura ocorra, é necessário que o A análise das transcrições foi descritiva. A inter-
cantor use apoio respiratório correto, acompanhado pretação dos relatos, dos professores entrevistados,
de adaptações do trato vocal. Algumas posturas são teve como objetivo principal investigar a utilização de
consenso entre os autores estudados. Entre elas, informações baseadas ou não na fisiologia vocal na
laringe em posição baixa, que leva à ampliação das prática diária com o aluno de canto. Dessa forma fo-
cavidades supraglóticas e ao relaxamento da mus- ram utilizados núcleos de significado pertencentes
culatura faríngea propiciando menor esforço na emis- às falas dos professores que trouxessem esclareci-
são 1,12,17, 20. mentos relativos ao registro vocal e cobertura, base-
No entanto, é importante levar-se em conta o fato ados ou não nos achados bibliográficos. Não foi pro-
de que alguns ajustes variam conforme a escola de posta deste levantamento evidenciar adequação ou
canto 20. Para os italianos, a posição da epiglote du- não das informações e sim entender como se dá a
rante a cobertura não deveria ser tão abaixada quan- informação de aspectos controversos como registro
to para os alemães. e cobertura. Todos os sujeitos assinaram o termo de
As vogais, produzidas de forma estridente ou aber- consentimento livre e esclarecido devidamente apro-
ta, ocorrem quando o espaço do trato vocal é diminuí- vado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de
do. Mudanças na postura da boca, palato e parte pos- Especialização em Fonoaudiologia Clínica, sob o
terior da língua provocam mudanças na faringe e na número 180/04.
laringe afetando a qualidade sonora da vogal 21.
A ressonância tem uma grande importância na ■ RESULTADOS
qualidade vocal 2,5,7. O controle dos ressoadores ocorre
pelo ajuste das estruturas maleáveis do trato vocal São apresentados com relação aos itens regis-
tais como língua, mandíbula, lábios e palato mole. Di- tro, cobertura e ressonância, incluindo trechos de
ferentes configurações são assumidas pelo trato vocal respostas dos entrevistados.
dos, bem como o controle da pressão de ar necessá- vem as mais diferentes formas de se cantar.
ria para a produção do som.
Assim, o uso da cobertura como ajuste para o ■ CONCLUSÃO
canto apareceu de forma significativa na fala dos pro-
fessores de canto lírico, enquanto professores de Observou-se que os professores de canto se re-
canto popular revelam conhecer o recurso, porém não ferem aos assuntos registro e cobertura utilizando-
o utilizam. se de referências que, num primeiro momento, pare-
Muitos dos recursos e explicações referidas pe- ceram baseadas na prática e nas sensações produ-
los professores não foram acompanhados de expli- zidas pelo canto. Ao se analisar as entrevistas como
cações fisiológicas e/ou anatômicas. No entanto, um todo, constata-se que conhecem estudos cientí-
demonstraram a existência de um conhecimento nes- ficos relacionados à produção vocal, bem como acre-
sa área. Na opinião deles, é fundamental conhecer ditam que essas informações sejam importantes para
tais aspectos, pois todos enfatizaram a necessidade um melhor ensino do canto.
de cuidados com a voz de seus alunos para que essa Com relação ao registro, embora os professores
se mantenha com boa qualidade por longo tempo. de canto não tenham feito menção ao comportamen-
Percebeu-se o quanto seria importante incentivar to muscular ocorrido durante a execução dos exercí-
a realização de pesquisas que buscassem esclare- cios, verificou-se que esses têm como finalidade exer-
cer a fisiologia dos exercícios utilizados nas aulas de citar os diferentes músculos das pregas vocais.
canto, para que se possa amparar da melhor forma Quanto à técnica da cobertura, esta foi conside-
possível os professores que trabalham nessa área. rada pelos professores de canto lírico como um re-
Mesmo sem embasamento teórico da fisiologia, as curso na busca de qualidade vocal. Os ajustes do
justificativas para os exercícios propostos pareceram trato vocal permitem que o som produzido na fonte
coerentes. sonora seja modificado minimizando o esforço, por
A arte do canto tem sido desvendada com os parte do cantor, na equalização dos registros. No
avanços tecnológicos e os estudos científicos da voz entanto, os professores de canto popular não fazem
cantada, o que gera a necessidade, por parte do es- uso da cobertura na medida em que cantores popula-
pecialista em voz, de se ter o conhecimento do canto res têm maior liberdade estilística na voz cantada do
a partir do enfoque da arte. Observou-se, com as en- que os cantores líricos.
trevistas, que não é necessário que se saiba cantar, Muitos dos recursos e explicações referidas pe-
mas é fundamental que se tenha percepção auditiva, los professores, não foram acompanhados de expli-
bem como que se conheçam aspectos mais gerais cações fisiológicas e/ou anatômicas, mas demons-
de música e características pedagógicas que envol- traram a existência de um conhecimento nessa área.
ABSTRACT
Purpose: to investigate the way that singing teachers explain concepts of voice register and coverage
and the extent to which they are based on scientific models. Methods: research of singing and
laryngology literature and non-structured interviews with 12 singing teachers (8 specialized in classical
singing and 4 specialized in popular singing). Results: seven interviewees utilized the term resonance
when describing the register; two mentioned timbre and vocal quality; three referred to the vocal
musculature; all defined coverage as a way to adapt the emission of high notes in the region of the
passage of registers; two mentioned adjustments of vocal tract; four classical singing teachers spoke
about motor and facial adjustments; three mentioned resonance and four emphasized the need for
training Conclusion: singing teachers refer to vocal register and covering by utilizing references that at
first appear to be based only on practice and on sensations produced by singing. When we analyze the
interviews as a whole, we find that they have knowledge of scientific studies related to vocal production,
and they believe that this information is important for better singing teaching.