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Para José de Souza Martins, a aliança entre capital e propriedade de terra é


responsável pelo atraso econômico, social e institucional da sociedade brasileira. Esta aliança é
imprescindível para entender o não desenvolvimento social no crescimento econômico. Sendo
assim, o autor delineia e problematiza a participação de tal aliança em diferentes momentos
da historia brasileira contemporânea. No curso do trabalho, o autor destaca uma serie de
desbloqueios econômicos brasileiros – abolição da escravidão, Revolução de 1930,
desenvolvimentismo juscelinista, Constituição de 1988 –, e tenta entender que forças politicas
estavam em disputas nestes momentos.

O primeiro grande desbloqueio na historia brasileira, assinala Fernando Henrique


Cardoso, foi a abolição da escravidão. Ao entrar em contradição com o escravismo, o capital
anunciava a possibilidade de transformações sociais. Para Martins, o grande questionamento
de Cardoso foi o de saber quem poderia protagonizar as mudanças sociais potencialmente
contidas naquela situação. E conclui que os velhos senhores de escravos podiam assumir a
alternativa social que a contradição indicava. Pois o escravismo moderno se desenvolvera no
corpo do processo de expansão mundial do capital – ou melhor, a sua expansão só foi possível
através da exploração de outrem, não havendo então a contradição que intérpretes do
marxismo vulgar assumiam para esta situação.

A República foi proclamada em 1889, pouco mais de um ano após a abolição, pelos
militares com o apoio de ex-proprietários de escravos, que continuavam proprietários de terra
– ressentidos pela não indenização após a abolição -, numa espécie de golpe de estado
antecipatório contra o movimento republicano baseado nas províncias. Ou seja, os
“prejudicados” pelas ideias liberais em curso que promoveram a abolição um ano antes,
assumiriam junto a outro grupo conservador, o dos militares, a missão de propalar os ideais
radicais de uma republica moderna.

Para Martins, esse jogo politico envolvendo tendências opostas se inscreve em uma
larga tradição histórica no Brasil, onde as grandes reformas sociais, como a abolição da
escravatura e a proclamação da republica, foram propostas pelos representantes do
pensamento radical, os liberais, mas postas em pratica pelos conservadores. Destarte,
responde pelo modo contido como as reformas sociais e politicas são concretizadas no Brasil,
pois estas caem na teia da conduta conspirativa de uma burocracia pública que age
predominantemente a partir das orientações pessoais dos chefes políticos.
Para o autor, há no processo politico republicano brasileiro uma cíclica alternância no
poder entre governos descentralizados, organizados com base no poder local e regional de
chefes políticos e governadores, portanto identificados com os interesses rurais; e governos
centralizados, com predomínio ou forte controle militar, identificados com o desenvolvimento
industrial e a repressão politica.

Com a Revolução de 1930 não foi diferente. Ela pôs no poder uma aliança de militares
e oligarquias regionais marginalizadas pelo sistema oligárquico. Aliança esta de inspiração
centralizadora, desenvolvimentista e, em princípio, antioligárquica – em principio, pois, no
curso do governo se mostrará favorável a outro grupo de oligarcas -, e que seria responsável
por promover as reformas sociais e politicas no Brasil.

Portanto, o fato de Getúlio Vargas ter viabilizado a consolidação das leis do trabalho
durante o seu governo, mas não estendê-las aos trabalhadores rurais, é indicativo de uma
politica que congrega interesses contrários e que age predominantemente a partir das
orientações pessoais dos chefes políticos, e não a partir da impessoalidade pressuposta no
cumprimento formal da lei por parte do empregado público. Desta forma, as reformas ganham
no máximo o tom de concessões e asseguram os privilégios de uma classe politica
conservadora.

Para Martins, é no fim do governo Vargas que será instituído as bases de um acordo
politico que persistiria no governo constitucional que o sucedeu. O próprio Vargas promoveu
a criação dos dois principais partidos que concorreriam às eleições que se seguiram ao seu
mandato. Partidos estes de orientações distintas - o PSD, identificado com o clientelismo rural,
e o PTB, de orientação populista e sob inspiração da política trabalhista -, o que revela as
contradições de vontades durante regime estado-novista e respondem pela maneira contida
como as reformas foram implantadas, já que estavam sob julgo destas mesmas forças opostas.

A Constituição de 1946, implantada no governo democrático, reforçou esse pacto


politico tácito, consagrando a opção pela ordem como condição para o progresso. Ação
essencial para a manutenção da ordem foi o dispositivo constitucional que estabelecia como
restrição às desapropriações de terra para fins sociais a obrigatoriedade de indenização prévia
ao proprietário. O que tornava a reforma agrária economicamente inviável.

Para Martins, quando novamente pêndulo da politica brasileira oscilou da ditadura


para democracia, foi empurrado pelas esquerdas, mas puxado pelas oligarquias. Os que
pleiteavam contra o governo ditatorial de Vargas assistiram a vitória do PSD, grupo ligado ao
clientelismo rural, e que deveria assumir os anseios de reforma em voga. Sendo assim, uma
vez mais a responsabilidade pelas reformas necessárias ao desenvolvimento social seria
atribuída aos seus inimigos.

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