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V28n2a16 PDF
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Prontuário Psicológico
Orientado para o Problema:
Um Modelo em Construção
Universidade de Brasília
Experiência
Resumo: Este artigo tem como objetivo apresentar uma proposta de modelo de anotações
psicológicas em prontuário que possibilite o compartilhamento de informações relacionadas ao
paciente em um contexto hospitalar, respeitando a confidencialidade requerida do profissional
de Psicologia, tornando essas informações pertinentes e acessíveis a toda a equipe de saúde e
adaptando-as às demandas de uma equipe transdisciplinar. A confecção do modelo de anotação
psicológica em prontuários foi realizada a partir da adaptação de modelos adotados pela ciência
médica e subdividida em três etapas: realização de revisão bibliográfica, confecção do modelo
de anotações psicológicas e testagem prática dos instrumentos. A versão final do modelo de
prontuário psicológico orientado para o problema (PPOP) consiste do formulário de atendimento
inicial do PPOP e dos formulários de notas de evolução psicológica do PPOP. Esse modelo
encoraja uma abordagem lógica ao diagnóstico e ao tratamento e prioriza a ordem prática do
cuidado transdisciplinar.
Palavras- chave: Prontuário psicológico. Sistemas de registro. Psicologia da saúde. Hospital.
Abstract: The objective of this article is the presentation of a proposal for a model of psychological
documentation in patient records that makes possible the sharing of information related to the
patient in a hospital context, regarding the confidentiality that is required of the Psychology
professional, making this information accessible and pertinent to the entire health team and
adapting this information to the demands of a transdisciplinar health team. The confection of
the psychological documentation in the patient records model went through the adaptation
of the models adopted by the medical science and was subdivided in three steps: the study
of bibliographical review, the elaboration of the psychological documentation model and the
instruments’ practical trial. The final version of the proposal for the problem-oriented psychological
record model (PPOP) consists of the PPOP form for initial care and the PPOP forms of psychological
evolution documentation. This model encourages a logical approach to diagnosis and treatment,
giving priority to the transdisciplinary care practical order.
Keywords: Psychological record. Registration systems. Health Psychology. Hospital.
Por muitos anos, a oferta de serviços voltados saúde mental de indivíduos e grupos. Essa nova
para a saúde mental tem sido o principal foco configuração é, em grande parte, resultado do
da prática profissional da Psicologia no Brasil. próprio processo de crescimento da Psicologia
Contudo, nas últimas décadas do século da saúde, que inclui a inserção crescente de
XX, com a criação da Psicologia da saúde psicólogos em instituições hospitalares como
enquanto área de conhecimento da American membros de equipes de diferentes áreas de
Psychological Association e a inclusão da especialidades da Medicina, enfermagem,
Psicologia como área da saúde pelo Conselho Odontologia e outras áreas da saúde (Belar,
Nacional de Saúde do Ministério da Saúde, 1997; Costa Junior, 2005).
as demandas e as atribuições da Psicologia,
no contexto de tratamentos de saúde, A atuação da Psicologia na área da saúde surge
tornaram-se muito mais amplas que aquelas no início do século XX como proposta legítima
relacionadas à avaliação e à intervenção em de conhecimento, a partir da necessidade
de saberes mais específicos de áreas como a de uma abordagem educativa que prioriza
Psicologia clínica, a Medicina psicossomática o desenvolvimento de comportamentos
e a Psicologia social comunitária, e da voltados para a saúde de indivíduos e
proposta de integrar a Psicologia à educação grupos, destacando-se medidas de melhoria
médica formal. Dessa forma, o modelo da adesão a tratamento e de estratégias de
adotado foi o médico-biológico, segundo enfrentamento de tratamentos de saúde
uma visão cartesiana. Para tanto, a atuação e doenças físicas, agudas e crônicas. Já a
esteve mais voltada para a humanização Psicologia hospitalar, segundo Costa Junior
dos atendimentos aos pacientes e para a (2005), constitui uma vertente da Psicologia da
compreensão de padrões de personalidade saúde cuja atuação se restringe aos contextos
relacionados à saúde (Gioia-Martins & Rocha, de unidades hospitalares e inclui um conjunto
2001). de intervenções profissionais da Psicologia
com o objetivo de minimizar o sofrimento
Segundo Sebastiani (2003), os marcos de percebido, ou provocado, pela experiência
inicialização da Psicologia da saúde no Brasil de hospitalização (doença, procedimentos
datam da década de 50, e são anteriores, médicos invasivos, seqüelas e decorrências
portanto, à própria regulamentação da emocionais da internação).
profissão de psicólogo neste país, datada de
1961. Ao final da década de 70, iniciam- A atuação em psicologia
se as produções científicas e as primeiras da saúde e o registro
experiências de formação acadêmica nessa em prontuários médico-
área, e ocorrem diversos concursos públicos
hospitalares
em instituições municipais, estaduais e
federais de saúde para a contratação de
A Psicologia da A Psicologia da saúde, como área de
saúde, como área psicólogos com o objetivo de desenvolver
conhecimento, representa uma proposta
de conhecimento, atividades profissionais e pesquisa científica
representa uma teórico-metodológica que prioriza a promoção
proposta teórico-
em hospitais, ambulatórios, unidades básicas
de repertórios de comportamento voltados
metodológica de saúde, centros de saúde e programas de
que prioriza a para a saúde enquanto fenômeno social,
orientação, prevenção e educação para a
promoção de como forma de garantir a continuidade
repertórios de saúde.
comportamento do processo de desenvolvimento humano,
voltados para a individual e coletivo (Matarazzo, 1980).
saúde enquanto Nessa mesma década, Matarazzo (1980)
fenômeno social, caracteriza a Psicologia da saúde, conforme
como forma Seu objeto de estudo, o processo saúde-
de garantir a preconizado pela Divisão 38 da American
doença, entendido como um fenômeno
continuidade Psychological Association, como a área de
do processo de coletivo, num processo histórico e
desenvolvimento conhecimento e de atuação da Psicologia
multideterminado, exige uma atuação
humano, individual que se ocupa da promoção e da manutenção
e coletivo integrada com vistas à saúde, demonstrando a
(Matarazzo, 1980).
da saúde e da prevenção e tratamento de necessidade do desenvolvimento de atividades
doenças, interessando-se pela investigação interdisciplinares entre os profissionais de
de variáveis psicossocias relacionadas ao saúde. Assim, o movimento da saúde integral,
desenvolvimento e à reabilitação de processos a visão biopsicossocial, influencia uma nova
patológicos em contextos de tratamento forma de atuação e enfatiza a melhoria de
médico, odontológico e outros. Trata-se qualidade de vida no trabalho e o direito
que todo cidadão tem de receber atenção e instituição de saúde é realizada por meio do
cuidados que garantam o atendimento global prontuário do paciente ou, dentre diversos
às suas necessidades. O psicólogo da saúde se outros adjetivos, do ainda denominado
ocupa, então, da necessidade de promover prontuário médico. Seja qual for o adjetivo
e de considerar o processo saúde-doença que o acompanhe, o prontuário é um
como um fenômeno social. Além disso, os produto de diversos estudos que procuraram
crescentes custos dos serviços de saúde têm aprimorar seu formato, tais como o de Kluck
colocado em evidência a importância da e Guimarães (2002), o de Lopes (1999), o de
educação sobre práticas saudáveis e políticas Massad, Marin e Azevedo Neto (2003) e o de
de prevenção que permitam uma intervenção Nascimento, Andrade, Assed e Brasil (2006).
global, o aumento dos índices de adesão Hoje o prontuário está presente no dia a
a tratamentos e a redução do impacto da dia de todos os profissionais que atuam em
doença sobre o funcionamento global do um hospital, unidade ambulatorial, posto de
indivíduo (Gioia-Martins & Rocha, 2001). saúde, etc. Contudo, o registro do psicólogo
no prontuário ainda não é uma rotina em toda
Nesse contexto de atenção e intervenção instituição de saúde; observa-se uma carência
globais à saúde, que se faz presente no modelo
de divulgação de modelos de anotação em
biopsicossocial ao qual a Psicologia da saúde
Psicologia e, especialmente, a ausência de
vem associar-se, fazem-se necessárias formas
um modelo padronizado de anotações, o que
de atender as diversas demandas do paciente
poderia facilitar a implementação de uma
internado em uma instituição hospitalar, sem
forma eficaz de registros, organizados temporal
priorizar necessariamente as problemáticas
e funcionalmente, cujas informações dispersas
físicas e biológicas e sem perder de vista
estivessem inter-relacionadas para posterior
a intervenção multi e interdisciplinar. As
recuperação, análise e interpretação, por meio
informações colhidas pelos profissionais de
de um denominador comum: o problema de
Psicologia devem fazer parte do prontuário
saúde que motivou o tratamento. Além disso,
desses pacientes, de forma a adicionar uma
ainda se observa uma predominância de
dimensão mais funcional e humana ao “ente”
modelos médico-biológicos de atuação em
chamado de “paciente”.
saúde, que se caracterizam por uma filosofia
de ação determinada por ações médicas
No entanto, a disponibilidade de estudos
brasileiros que apontem diretrizes voltadas para os elementos prioritariamente
ou fomentem uma discussão acerca da biológicos do tratamento.
forma como essas informações devem ser
divididas entre os psicólogos da saúde e Weed (1969, cf. Lopes, 1999) propôs um
outros profissionais das equipes de saúde modelo de prontuário médico orientado por
é extremamente rara, o que tem gerado problemas (POPE). Segundo o autor, esse
grandes discrepâncias entre o modo de atuar tipo de prontuário é um modelo amplamente
das diferentes equipes de saúde até mesmo aceito para padronizar e melhorar a qualidade
dentro da mesma área de especialidade, o do conteúdo dos prontuários médicos. Tal
que dificulta a padronização de um modelo modelo frisa a necessidade de se obter todas
comum de registro. as informações, dados socio-demográficos,
dados pessoais, sintomas, sinais, testes e
Podemos afirmar que a forma mais segura exames específicos, a fim de construir uma
de registro e divisão de informação em uma hierarquia de problemas.
(2) Quando não está se sentindo bem, existe Os descritores empregatícios e de benefícios
alguém que o ajude a limpar a casa, que sociais existentes nesse protocolo são
cozinhe para você ou que até mesmo o condizentes com o tipo de atendimento
leve ao hospital e o acompanhe no mesmo? proposto por esse modelo, orientado
Quão satisfeito está com isso? (instrumental para o problema e que prevê uma equipe
– material); transdisciplinar. Tais dados, associados aos
de rede de apoio e moradia, auxiliam a
(3) Existe alguém com quem possa desabafar, identificação de necessidades de parecer
conversar e que faça você se “sentir bem”? técnico por parte de profissionais de serviço
Quão satisfeito está com isso? (emocional). social, eliminando a necessidade de uma
nova avaliação ou mesmo de uma entrevista
Local e qualidade de inicial do(a) assistente social com o paciente
residência e permitindo que o(a) mesmo(a) colete
apenas os dados de interesse exclusivo de sua
Este tópico destina-se à apresentação do profissão ou os que sejam relevantes ao caso
contexto instrumental e funcional de moradia em atendimento.
do paciente. Esses dados são relevantes para
a previsão de situações que necessitem de Lista de problemas ativos e
algum tipo de manejo durante a internação inativos
e que apresentem potencial de alteração de
status, podendo migrar de problemas inativos Na lista de problemas ativos, devem aparecer
para problemas ativos, como pacientes as questões que afligem o paciente durante
que residem fora da cidade onde ocorre o período de internação e/ou tratamento. A
o atendimento, por exemplo, e que têm lista de problemas ativos não deve descrever
familiares hospedados em hotéis e que, por problemas que, apesar de existirem, não são
motivos clínicos, são obrigados a estender a sentidos ou mencionados pelo paciente como
internação hospitalar por períodos superiores empecilhos no momento da internação, ou
ao previstos inicialmente. seja, são problemas inativos (Lopes, 2005).
Clara Cantal
Estudante de graduação em Psicologia da Universidade de Brasília
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