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O Destino Viaja de Onibus
O Destino Viaja de Onibus
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A advertência que se faz a todos
É que nossas vidas e seu fim
demonstram
Quão transitórios somos, afinal.
EVERYMAN
Para GWYN
Peço que todos dêem ouvidos
E atentem, com reverência, para esta questão,
Que como peça moral se apresenta.
CAPÍTULO I
CAPÍTULO II
CAPITULO V
CAPÍTULO VI
CAPÍTULO VII
CAPÍTULO VIII
CAPÍTULO IX
CAPÍTULO X
O rio San Isidro corta o vale de San Juan seguindo um curso irregular e
torturado, até desaguar em Black Rock Bay, sob a proteção de Bat Point.
Ovale, propriamente dito, é longo e estreito, de forma que o rio San Isidro,
chegando perto do mar, faz o possível para aproveitar ao máximo o terreno que
ainda tem pela frente, seguindo de uma encosta do vale para a outra. Passa
sob um grande rochedo, vai bater contra a montanha e depois espraia-se
sobre os bancos de areia. Durante boa porte do ano suas águas não são
visíveis e nas margens dos bancos de areia crescem os chorões, cujas raízes
aprofundam-se no solo em busca da água subterrânea.
Coelhos, gambás, raposas pequenas e coiotes fazem suas tocas entre os
chorões, nas margens dos bancos de areia, quando o rio está baixo. Na
cabeceira do vale, a noroeste, o rio subdivide-se numa série de afluentes, como
os pequenos ramos de um galho, de forma que um mapa dessa região parece
uma árvore seca no inverno. As colinas secos e pedregosas, cortadas por
brechas, precipícios e canyons, não lançam água ao rio durante todo o ano,
com exceção da época que vai do fim do inverno à primavera, quando o solo
rochoso absorve um pouco d"água e lança o restante em escuros riachos que
se transformam em torrentes e que transbordam pelas brechas e depressões, e
então as torrentes começam a juntar-se e engrossar os ribeirões maiores, que
se unem na extremidade norte do vale.
Assim, quando a primavera vai terminando e as colinas pedregosas já
absorveram toda a água que poderiam conter; uma tempestade forte pode
provocar o transbordamento do San Isidro, que em poucas horas se
transforma num rio caudaloso. Então a água amarelada e espumejante corta
fundo nas margens e grandes blocos de terra arável são levados pelo rio.
Depois aparecem vacas e carneiros mortos, boiando no meio do rio amarelo.
Ele é um rio instável e caprichoso; se é morto durante quase todo o ano, é
mortal durante alguns meses.
No meio do vale, que separa a Encruzilhada dos Rebeldes de San Juan
de La Cruz, o rio faz uma grande curva que vai de lado a lado no terreno
plano, lambendo primeiro a encosta da montanha do lado oriental e depois
cruzando as pastagens e áreas cultivadas. A estrada velha acompanhava a
curva do rio, fazendo uma grande volta para atingir a encosta do lado oposto
do vale, sem cruzar o curso do San Isidro. Mos um dia tinham chegado os
engenheiros, com aço e concreto, e as duas pontes novas haviam sido
lançados sobre o rio, encurtando de alguns quilômetros o percurso
determinado pelo curso caprichoso do San Isidro.
As duas eram pontes de madeira, sustentadas por cabos de aço e
apoiadas, nas margens e no centro do rio, por pilares de concreto. As
armações de madeira tinham sido pintadas de vermelho escuro e as partes de
ferro estavam agora negras de ferrugem. Junto às margens, os engenheiros
tinham erguido muretas, sobre as quais chorões cresciam, e que defletiam a
força da correnteza para evitar que a água minasse as cabeças de ponte.
As pontes não eram muito velhas, mas tinham sido construídas numa
época em que não somente as taxas eram baixas mas ainda freqüentemente
incoletáveis, pois as coisas andavam ruins para todo mundo. O engenheiro
municipal encarregado de construir as pontes fora compelido por um
orçamento limitado a adotar o processo mais simples de construção. Assim, a
madeira que lhe foi fornecida era mais pesada do que deveria ser, o que o
forçara a usar mais suportes de aço, mas ele tinha de respeitar os estritos
limites impostos pelo orçamento e se manteve dentro deles. Desde então, os
fazendeiros do vale observavam o rio, todos os anos, com cínica apreensão.
Sabiam que mais cedo ou mais tarde uma cheia brusca levaria as pontes.
Todos os anos eles requeriam ao Conselho Municipal a construção de pontes
mais sólidas, mas como o número de eleitores do vale era relativamente
pequeno, ninguém dava atenção às petições. As cidades grandes, que tinham
não somente eleitores como ainda valiosas propriedades sujeitos à taxação,
recebiam todos os melhoramentos requeridos. O progresso não atingira as
terras do vale. Um bom posto de serviço numa esquina de San Juan valia
muito mais que cem acres de terra fértil no vale. Mos os fazendeiros sabiam
que a queda das pontes era apenas uma questão de tempo, sabiam que
ninguém ouviria suas queixas e sabiam que o Conselho só tomaria
conhecimento da situação quando as pontes desabassem.
Quem vinha da Encruzilhada dos Rebeldes passava por um armazém de
beira de estrada, instalado num ponto que ficava a cem metros da primeira
ponte. O armazém vendia de tudo, de lotaria a pneus, artigos de necessidade,
coisas dessas que se costumo comprar nos sábados à tarde ou quando não se
tem tempo para dar um pulo a San Juan de La Cruz ou a San Isidro.
Chamava-se Armazém Geral Breed’s. Como quase todos os armazéns de beira
de estrada dessa região do país, ele tinha também duas bombas de gasolina e
uma seção de peças e acessórios de automóvel.
O Sr. e a Sra. Breed eram os guardas oficiosos da ponte e durante as
épocas de inundação o telefone do armazém chamava continuamente e eles
respondiam dezenas de chamadas de gente preocupada com o nível do rio.
Estavam habituados a isso. Seu único temor era o de que algum dia a
ponte fosse abaixo e a Municipalidade construísse a nova a meio quilometro
de distancia, rio abaixo, pois nesse caso eles teriam de transferir o armazém
para lá ou construir um novo, perto da outra ponte.
Cinqüenta por cento do movimento do armazém, no mínimo, dependia
do venda de refrescos, sanduíches, gasolina o doces aos turistas que
escolhiam aquela estrada. Até mesmo o ônibus que fazia a ligação entre a
Encruzilhada dos Rebeldes e San Juan invariàvelmente parava no armazém. O
ônibus trazia encomendas e os passageiros geralmente desciam para tomar
refrigerantes gelados.
Juan Chicoy e os Breed eram muito amigos.
E agora o rio estava cheio e não apenas cheio mas, como dissera o Sr.
Breed à sua esposa, os pilares da ponte estavam sendo minados pela água e,
se d concreto cedesse de um momento para outro, iria tudo por água abaixo,
no sentido literal. Ele já fora umas doze vezes até a ponte, naquela manhã.
Desta vez a coisa parecia séria e ele compreendia perfeitamente a gravidade da
situação. Com os lábios apertados e a barba por fazer, ele fizera sua primeira
visita à ponte às oito horas da manhã e observara a torrente de água
amarelado e espumarenta em que se transformara o rio, que já ia levando de
roldão pequenos carvalhos selvagens e algodoeiros. Vira também algumas
tábuas aparelhadas descendo na correnteza, depois um pedaço de telhado,
ainda com algumas telhas, e finalmente a grande carcaça do touro negro
Angus, dos McElroy, que se afogara e ia sendo levado para o mar. Quando a
carcaça passou sob a ponte, a água forçou-a a girar de costas e Breed viu os
olhos revirados e a língua pendurada do touro morto. Breed quase vomitou.
Todo mundo dizia que os McElroy haviam construído seu celeiro perto
demais do rio e todos sabiam que aquele touro preto custara mil e oitocentos
dólares. Os McElroy não eram tão ricos assim, para esbanjar dinheiro daquele
jeito. Ele não viu mais nenhuma cabeça de gado no rio, mas aquele touro já
era mais que o bastante. O velho Mac esperava muito do touro.
Breed então avançara mais um pouco pela ponte. A água estava agora a
menos de um metro da plataforma de madeira e ele podia sentir a pressão da
correnteza sobre toda a estrutura. Esfregando o queixo barbado com a palma
da mão, voltara para casa de cabeça baixa. Não disse nada a sua mulher
sobre o Angus negro dos McElroy.
Não adiantaria nada e ela ficaria triste e apreensivo.
Quando Juan Chicoy telefonara, logo depois da chuva, ele havia dito a
verdade. A ponte ainda estava de pé, mas só Deus sabia até quando se
agüentaria. A água continuava a subir. As colinas nuas e pedregosas estavam
ainda vertendo torrentes de água no rio e as grandes nuvens escuras
começavam a esconder o sol outra vez.
Às nove horas, os troncos carregados pela correnteza estavam passando
a menos de meio metro da ponte. Agora a pressão da água sobre a estrutura
da ponte era muito mais forte e bastaria que o rio atirasse uma ou duas
árvores desenraizadas contra ela para que fosse tudo abaixo.
Breed observava a ponte por detrás da tela de arame da porta do
armazém, tamborilando os dedos sobre a tela.
- Venha comer alguma coisa - disse sua mulher. - Até parece que você é
o dono da ponte.
- Até certo ponto, eu sou mesmo - respondeu ele. - Se ela cair, vão dizer
que foi por minha culpa. Já telefonei para o Departamento de Obras e chamei
o engenheiro municipal. Não encontrei ninguém. E se o concreto ceder, de um
momento para outro, vai tudo por água abaixo.
- É melhor comer alguma coisa. Faço uns bolinhos de trigo para você.
- Está certo. Mas faça os bolinhos com massa fina.
- Nunca fiz com massa grossa - lembrou a Sra. Breed. - Quer com um
ovo?
- Claro. Não sei se o Juan vai conseguir passar ou não. Ele só vai
aparecer daqui a uma hora, mais ou menos, e como a água está subindo,
Cristo!
- Não é razão para blasfemar, Walter.
Ele voltou-se, para encará-la.
- Pois eu diria que essa é uma ocasião em que um homem tem o direito
de encher a boca. Vou beber qualquer coisa.
- Antes do café?
- Antes de mais nada.
Ela nada sabia do touro negro, é claro. Ele foi ao telefone e chamou os
McElroy, três maniveladas rápidas no magneto e depois mais duas, e ficou
esperando, mas quem respondeu foi Pinedale, quatro quilômetros além dos
McElroy, rio acima.
- Também estive tentando falar com eles - disse Pinedale. - A linha dos
McElroy deve ter caído. Vou arrear um cavalo e descer até lá, para ver se estão
bem.
- É melhor mesmo - disse Breed. - O touro Angus deles passou aqui por
baixo da ponte, esta manhã.
A Sra. Breed ergueu para ele os olhos cheios de temor.
- Walter!
- Bem, é verdade, foi o que aconteceu. Não queria que você se
preocupasse.
- Walter! Oh, meu Deus! - gritou a Sra. Breed.
CAPÍTULO XI
CAPÍTULO XII
CAPÍTULO XIII
CAPÍTULO XIV
A estrada que dava a volta por fora da grande curva do rio, cruzando o
vale em diagonal, era uma estrada muito velha, tão velha que ninguém sabia
ao certo quando tinha sido aberta. Por ela haviam passado as diligências, bem
como homens a cavalo. Durante as épocas de seca, há muitos anos, os
vaqueiros costumavam tanger o gado por ela até o leito do rio, onde os animais
encontravam abrigo do sol na sombra dos chorões e água nas cacimbas que os
vaqueiros abriam no leito seco. Na verdade, a estrada não passava de uma
longa faixa irregular de chão batido, marcada apenas por rodas de carro e
patas de cavalos. No verão, as carroças que ainda passavam pela estrada
velha erguiam pesadas nuvens de pó e, no inverno, os cavalos só podiam
avançar a passo por sobre a lama densa e pegajosa que a recobria.
Gradualmente, a faixa da estrada fora cedendo ao peso do trânsito e em certos
trechos se tornara mais baixa que os campos que cortava, de forma que nos
épocas de chuva esses trechos se convertiam em longos lagos de água parado,
às vezes bastante profundos.
Quando os lavradores chegaram ao vale, uma das primeiras coisas que
fizeram foi abrir valetas dos dois lados da estrada, a fim de aproveitar para
irrigação a água empoçada. A essa altura, o gado passara a ter tanto valor que
os criadores, depois de transferir-se para a parte mais alta do vale, tinham
erguido grandes cercas ao longo da estrada, para manter seu gado confinado e
o gado alheio do lado de fora.
As cercas eram feitas de mourões de sequóia, cravados no chão e
unidos por grossas tábuas, pregadas quase juntas. Pela porte superior das
cercas corria um fio de arame farpado, do tipo antigo, metal torcido, eriçado,
de pontas aguçados. Batida pelo sol e a chuva, a madeira avermelhada dos
cercas acabara por apresentar uma coloração acinzentada, pálida, ou verde-
cinza. Fetos cresciam na madeira e os lados sombrios dos mourões eram
cobertos de musgo.
Pregadores borbulhantes de zelo e de mensagens aos
homens passavam pela estrada e pintavam suas advertências sobre as tábuas
das cercas: "Arrependei-vos irmãos, antes do Dia do Juízo" - "Pecador, volta ao
rebanho divino" - "É tarde..." - "Quando um homem de boa vontade..." - "Volte
para Jesus". E outros homens, usando moldes perfurados, pintavam outro
tipo de mensagens sobre as cercas: "Tonico Jay" - "Cyrus Noble, o Uísque dos
Médicos" - "Oficina de Bicicletas San Isidro". As inscrições estavam lavadas
pelas chuvas e eram quase invisíveis contra as cercas.
Quando os criadores tinham abandonado a parte baixa do vale e os
lavradores ampliado os seus campos de cultivo, limpando-os de ervas
daninhas, os rabanetes do mato, a mostarda amarela e as flores silvestres
refugiaram-se nas valetas ao longo da estrada, como se ali tivessem
encontrado um paraíso. Os pés de mostarda amarela chegavam a ter dois
metros de altura durante a" primavera e os passarinhos de asas vermelhas
faziam seus ninhos sob as grandes flores amarelas. No fundo das valetas,
crescia o agrião bravo.
Nos pontos em que as valetas eram sombreadas pelo mato mais alto
viviam as doninhas e cobras d"água de colorido brilhante e era ali que os
pássaros vinham beber, à tarde. Na primavera, as cotovias do brejo passavam
o dia sobre as velhas cercas, cantando de manhã à noite.
As rolinhas chegavam ao entardecer e pousavam sobre o arame
farpado, asa contra asa, cobrindo quilômetros de cerca, e seus arrulhos eram
ouvidos a quilômetros de distância.
Ao por do sol apareciam os pequenos gaviões que procuram suas presas
à noite, dando início à ronda diária em busca de carne e, quando já era noite
fechado, as corujas que passam o dia dormindo nos celeiros, saíam à caça de
coelhos e ratos. Quando uma vaca ficava doente, os grandes abutrês tomavam
posição sobre as cercas, aguardando pacientemente a morte.
Com o correr do tempo, a estrada tinha sido praticamente abandonada.
Agora, só era utilizada pelas famílias de alguns fazendeiros cujas propriedades
não tinham outro acesso. Nos velhos tempos, muita gente havia vivido à beira
da estrada, em casinhas construídas na frente de uma pequena lavoura, com
a janela da cozinha dando à horta. Agora, na estrada abandonada, aqui e ali,
as velhas casas e celeiros olhavam o mundo através de janelas sem vidros,
enquanto suas paredes de tábua, que há muito tempo não eram pintados,
começavam a acinzentar como as longas cercas.
Por volta do meio-dia, as nuvens pesadas desceram do sudoeste e
começaram a concentrar-se sobre o vale. Não há quem não saiba que quanto
mais as nuvens se preparam, mais longa será a chuva. Mas elas ainda não
estavam prontas. Ainda havia alguns pedaços de céu azul entre os rasgões de
nuvens e, aqui e ali, a luz do sol ainda reverberava sobre o terreno rochoso.
Uma das nuvens mais longas cortava sobre o chão longas faixas de sol, quase
em linha reta.
Juan teve de voltar um pouco pela estrada asfaltada, a fim de ganhar a
entrada da estrada velha. Mas antes de deixar o asfalto ele frenou o ônibus,
desceu e foi examinar a estrada de terra. Sob seus pés ele sentiu o barro mole
e pegajoso. Juan ficou contente. Até então estivera tentando conduzir à força
aquela carga humana ao seu destino, no qual ele não tinha o menor interesse.
Agora, em sua alegria, havia quase uma ponta de malícia. Eles é que haviam
escolhido aquela estrada, logo, deveriam estar satisfeitos. Sentia-se feliz, como
se estivesse em férias.
Eles haviam escolhido a estrada, que fizessem bom proveito dela. Só
queria saber o que fariam se o ônibus encalhasse. Antes de voltar ao seu lugar
atrás do volante, ele revolveu a mistura de cascalho e barro, com a ponta do
sapato. Gostaria de saber o que Alice estaria fazendo naquele momento. Ou
melhor, ele sabia muito bem o que ela estava fazendo. E se o ônibus
encalhasse... bem, ele podia muito bem descer, voltar as costas, ir embora e
nunca mais voltar. Sentia-se bem, como um escolar que se prepara para as
férias. Quando voltou ao ônibus, ao seu lugar atrás do volante, Juan tinha o
rosto radiante de prazer.
- Não sei se poderemos passar ou não - anunciou ele, alegremente. E os
passageiros ficaram um pouco nervosos ante sua exuberância. Os passageiros
tinham formado um grupo compacto, nos lugares da frente. Todos eles
sentiam que Juan era o único contacto de que dispunham com o mundo
exterior e se soubessem o que ia por sua cabeça teriam ficado muito
amedrontados. Juan vibrava de satisfação. Fechou a porta do ônibus e calcou
o acelerador duas vezes, fazendo o motor rugir, antes de engrenar a reduzida e
enveredar pela estrada barrento.
As nuvens estavam agora quase preparadas para dar início ao
espetáculo. Juan não se iludia. Ele via uma grande nuvem escura, a oeste,
que se transformaria em água, a qualquer momento. Aquilo seria apenas o
começo de uma outra forte tempestade que alagaria o vale. A luz tomara
novamente um tom metálico, como o que se filtra por um telescópio, e que é
uma indicação segura de chuva forte.
- A chuva está chegando - disse Van Brunt, alacremente.
- Parece - respondeu Juan, manobrando o ônibus na estrada estreito.
Ele confiava nos pneus, mas logo que entraram na estrada de terra ele sentiu
que as rodas giravam em falso sobre a superfície lamacenta, enquanto a
traseira do ônibus derrapava de lado. Contudo, sob a lama, o terreno ali era
sólido e o ônibus prosseguiu. Juan engrenou a segunda. Provavelmente teriam
de fazer todo o caminho em segunda.
O Sr. Pritchard ergueu a voz por sobre o ronco do motor:
- Quanto tempo vamos perder nesta estrada?
- Não sei - respondeu Juan. - Nunca passei por aqui. Dizem que tem
uns vinte ou vinte e cinco quilômetros, não sei bem.
Curvado sobre o volante, ele ergueu naquele momento os olhos para a
pequena imagem da Virgem de Guadalupe, instalada sobre a sua luazinha, no
topo do painel de instrumentos. Juan não era um homem profundamente
religioso. Acreditava no poder da Virgem como as crianças acreditam no poder
de seus tios. Para ele, a Virgem era uma bonequinha, uma deusa, um amuleto
e uma parenta. Sua mãe - a irlandesa - ao casar-se aceitara a Virgem da
família do marido, tal como aceitara a mãe e a avó dele. A Guadalupana
passara a ser parte de sua família e de sua devoção.
Juan havia crescido sob o olhar daquela Nossa Senhora de saias largas,
postada sobre o arco da lua nova.
Quando era pequenino, ela participara de todos os episódios de sua
vida diária - sobre sua cama, supervisionando os seus sonhos, na cozinha,
observando o preparo das refeições, no vestíbulo, observando os que entravam
ou saíam de casa, e na porta da rua, para ouvi-lo quando ele brincava com os
outros meninos na calçado. Na igreja ela tinha a sua própria capela, ricamente
ornamentada, na sala de aula ficava sobre um pequena prateleira, e como se
sua presença não se fizesse sentir, ele ainda a usava numa pequena medalha
de ouro presa por uma correntinha ao pescoço. Conseguia escapar, às vezes,
dos olhos atentos de sua mãe, de seu pai ou de seus irmãos, mas a Virgem
morena estava sempre com ele. Poderia enganar, esquecer, ignorar ou iludir
seus parentes, mas a Guadalupana não perdia seu menor gesto ou
pensamento. Costumava confessar-lhe o que fazia, mas aquilo não passava de
uma formalidade, pois ela já sabia de tudo. Era mais uma tentativa de
justificação, mais uma exposição dos motivos que o haviam levado a fazer os
coisas do que a revelação de fatos, dos quais ela já estava a par. E isso
também era inútil, pois ela já conhecia de sobra todos os motivos. A Virgem
tinha no rosto uma expressão curiosa, de sorriso contido, como se a qualquer
momento fosse dar risada achando graça no que ele dizia. Ela não somente
compreendia, mos achava até um pouco de graça nele.
Os maiores crimes da infância não pareciam perturbá-la muito, a julgar
por sua expressão.
Assim, quando menino, Juan a amara profundamente e confiara nela,
especialmente depois de seu pai ter-lhe dito que ela recebera por missão
especial velar pelos mexicanos. Quando ele avistava crianças alemãs ou
americanas na rua, sabia que sua Virgem não lhes ligava a menor
importância, porque elas não eram crianças mexicanas. Ligando-se tudo isso
ao fato de Juan não acreditar na Virgem com sua mente, mas com todos os
seus sentidos, era possível definir sua atitude em relação a Nossa Senhora de
Guadalupe.
O ônibus avançava pela estrada enlameado, deslocando-se lentamente e
deixando marcas profundas sobre o barro grosso. Juan piscou para a Virgem,
pensando: "Você sabe que eu não tenho sido feliz e que, em virtude de um
sentimento de dever que não me é natural, acabei caindo nas armadilhas que
me foram preparados. E agora estou disposto a colocar Limo decisão nos suas
mãos. Não posso arcar com a responsabilidade de abandonar minha mulher e
meu pequeno negócio. Quando era mais moço, isso seria uma coisa que eu
poderia fazer sem vacilação, mas agora estou ficando mole e encontrando
dificuldades em tomar decisões. É por isso que ponho tudo em suas mãos.
Não estou nesta estrada por minha própria vontade. Fui forçado a segui-la
pela vontade de pessoas que não emprestam a menor importância ao meu
conforto nem à minha felicidade, pessoas que só se preocupam com seus
próprios planos. Acho que elas nem mesmo me viram ainda. Sou um motor
que deve levá-las para onde querem ir. Ofereci-me a levar todos de volta. Você
me ouviu. Assim, deixo tudo em suas mãos, pois você saberá o que fazer. Se o
ônibus encalhar e for possível safá-lo, com força e jeito, prosseguirei . Se as
precauções de rotina mantiverem o ônibus rodando na estrada, eu tomarei
todas as precauções. Mas se você, em sua sabedoria, quiser dar-me um sinal
de sua vontade, encalhando o ônibus até os eixos em terreno pantanoso, ou
jogando-o numa das valetas, saberei que aprova o que eu quero fazer, pois
nada haverá a ser feito nesse caso. Se isso acontecer, eu irei embora. Essa
gente que se arranje. Vou embora, desapareço. Nunca mais voltarei para Alice.
Despirei minha velha vida como quem despe uma peça suja de roupa de baixo.
Cabe a você decidir."
Fez uma pequena mesura e sorriu para a Virgem, notando que ela
sorria de leve, como de costume. Ela sabia o que deveria acontecer, é claro,
mas ele não tinha meios de perscrutar o futuro. Não podia desaparecer sem a
devida sanção. Para isso, ele deveria ter a aprovação da Virgem. Agora, tudo
dependia diretamente dela.- Querendo que ele voltasse para Alice, ela deveria
aplainar o caminho, afastar os obstáculos e garantir a passagem do ônibus, e
se isso acontecesse ele saberia como haveria de ser sua vida, até o fim.
Juan estava excitado, respirando fundo, e seus olhos brilhavam.
Mildred podia observar seu rosto pelo espelho retrovisor. Gostaria de saber
quais seriam os pensamentos terrivelmente alegres que lhe iam pela cabeça,
os pensamentos que lhe iluminavam o rosto. É um homem, pensou ela, um
homem totalmente másculo. Era o tipo de homem que uma mulher pura
desejaria, porque um homem assim nunca seria nem mesmo ligeiramente
efeminado. Permaneceria sempre satisfeito com seu próprio sexo. Não chegaria
nem mesmo a tentar compreender as mulheres, e isso, por si só, já seria um
grande alívio. Era dos que se limitam a procurar nelas o que desejam. O
desgosto que suas próprias ações lhe haviam inspirado desaparecera e Mildred
sentia-se novamente muito bem.
Sua mãe estava ocupada, compondo mentalmente outra carta. -
"Estávamos numa estrada lamacenta, a quilômetros da vila mais próxima.
Nem mesmo o motorista conhecia a estrada. Assim, estávamos sujeitos a tudo.
Tudo. Não havia uma casa ò vista e a chuva estava começando a cair."
A chuva estava começando a cair. Não caía como a da manhã,
precedida de pancadas fortes e rajadas, mas pesadamente, tamborilando com
convicção sobre o teto do ônibus, como uma chuva séria e respeitável que cai
com a finalidade de distribuir determinado número de litros d"água numa
dada área. E não estava ventando. A chuva caía verticalmente, direta, sem
subterfúgios. Seguindo pela estrada enlameada, o ônibus avançava chiando e
patinando na água. Quando girava um pouquinho o volante, Juan sentia a
derrapagem das rodas traseiras, na direção oposta.
- Você têm correntes? - perguntou Van Brunt.
- Não - retrucou Juan, alegremente. - Não consigo arrumar correntes
desde antes da guerra.
- Pois eu acho que você não vai conseguir passar - disse o velho. - Aqui,
onde o terreno é plano, talvez possamos passar, mas logo mais encalhamos na
primeira ladeira. - Esticando o braço, Van Brunt indicou as montanhas na
direção das quais o ônibus avançava lentamente. - O rio passa do outro lado
daquela encosta - gritou o velho, para que os outros passageiros o ouvissem. -
A estrada sobe pela encosta. E eu acho que você não vai poder subir a ladeira.
Para Espinhudo, aquela tinha sido uma manhã cheia de conflitos e
tensões. Embora sua vida não fosse propriamente contemplativa, aquele dia
fora cheio de agitação desde que se levantara. Seu corpo todo ardia de
excitação. Espinhudo transpirava a seiva de concupiscência da adolescência.
Acordado ou dormindo, ele só se preocupava com uma coisa. Mas suas
reações ao mesmo estímulo variavam tanto que, se num momento ele agia
como um cãozinho libidinoso que se esfrega numa cortina, no outro era
tomado por um sentimento idealístico e profundo, para em seguida gemer,
esmagado por um profundo sentimento de culpa. Então se sentia solitário,
abandonado, sentia-se como o único dos grandes pecadores deste mundo. Sua
admiração pelo autocontrole de Juan e de outros homens que conhecia não
tinha limites.
Desde que vira Camille, seu corpo e seu cérebro trabalhavam em função
dela e sua imaginação trabalhava incessantemente, compondo quadros
lúbricos, de que ele e ela eram os protagonistas, e quadros domésticos, nos
quais os dois estavam casados e vivendo tranqüilamente numa casa
confortável. Em certo momento, ele quase chegara a reunir a coragem
necessária para pedi-ia em casamento, mas um simples olhar lançado por
Camille em sua direção era o bastante para deixá-lo constrangido e
embaraçado.
Ele tentara novamente ocupar um lugar do qual pudesse observá-la
sem ser notado e malograra novamente. De onde estava, Espinhudo só via a
nuca da loira, mas podia distinguir bem o perfil de Norma. Foi só então que
ele notou a transformação de Norma e, ao notar, ele inspirou profundamente.
Sabia que a mudança resultara apenas de pintura, pois de onde estava
distinguia perfeitamente os traços do lápis de sobrancelha e o trabalho feito
com batom, mas não era aquilo que lhe esquentava o estomago e fazia o seu
coração bater com mais forca.
Ela era outra, mudara. Agora, refletia uma feminilidade consciente que
jamais demonstrara e a seiva da juventude de Espinhudo reagia prontamente,
murmurando coisas. “Se, como sabia no fundo de seu coração, não podia ter
Camille, poderia muito bem ter Norma" . Ela não o amedrontava tanto quanto
aquela deusa, Camille. Automàticamente, começou a fazer planos para
conquistar Norma, sobrepujá-la. Uma nova pústula começava a formar-se bem
na frente de sua orelha esquerda. Sem pensar no que fazia, esfregou-a com a
unha e o sumo vermelho vivo da carne torturada desceu num pequeno filete
pelo seu rosto. Ele examinou disfarçadamente a unha que tinha feito o
servicinho, meteu a mão no bolso e limpou o dedo no forro.
Seu rosto estava sangrando. Espinhudo sacou o lenço do bolso de trás e
apertou-o contra a pústula aberta.
O Sr. Pritchard estava preocupado com o horário da chegada e com
seus compromissos. A ansiedade constante não lhe permitia descansar nem
relaxar um pouco o corpo.
Tentara, sem resultado, levar aquilo na brincadeira. Lançara mão de
todos os métodos que conhecia para afastar pensamentos desagradáveis, sem
resultado algum.
Ernest Horton tinha qualificado de chantagem o plano do Sr. Pritchard
e chegara quase a dizer claramente que Elliott Pritchard seria capaz de roubar
sua idéia das lapelas de seda para um terno escuro, se não fosse devidamente
vigiado. Inicialmente, o Sr. Pritchard sentira-se ultrajado - não era possível
que se pensasse uma coisa dessas de um homem de sua honorabilidade e
posição. Mas, depois, pensara: "Sim, tenho boa reputação e ocupo uma
posição em minha comunidade, mas aqui não tenho nada. Estou sozinho.
Esse homem pensa que eu sou desonesto. Não posso remetê-lo a Charlie
Johnson, para que ele se informe a meu respeito e verifique que está
completamente enganado." O fato de ser tomado por quem não era preocupava
profundamente o Sr. Pritchard. E Ernest não se limitara a isso. Ainda dera a
entender que o Sr. Pritchard era um desses homens que freqüentam
apartamentos de loiras. Coisa que jamais havia- feito em sua vida. Tinha de
provar a Ernest Horton que a idéia que ele fizera a seu respeito era errada.
Mas como poderia provar?
O braço do Sr. Pritchard estava estendido sobre o encosto do banco e
Ernest estava sentado sozinho, no assento de trás. O motor do ônibus,
funcionando em segunda, rugia alto e a velha carroçaria trepidava
ensurdecedoramente. Só havia um jeito - oferecer a Ernest Horton alguma
coisa, oferecer-lhe aberta e honestamente qualquer coisa, para que ele se
certificasse de que suas intenções eram das melhores. Então, uma vaga idéia
começou a formar-se em seu cérebro. Ele voltou-se no banco e olhou para
trás.
- Estou interessado no que me disse sobre a gratificação que sua
companhia paga aos funcionários que fazem sugestões úteis.
Ernest considerou-o por um momento, divertido. Ele queria alguma
coisa, na certa. Suspeitava de que o Sr. Pritchard queria lembrá-lo da
promessa das loiras, em L. A. O patrão de Ernest era assim. Vivia marcando
conferencias ò noite, depois do horário do expediente, as conferências
terminavam sempre numa casa de mulheres e ele sempre parecia
surpreendido com esse desfecho curioso.
- Em nossa empresa, todo mundo se entende bem - disse Ernest.
- Minha idéia não é grande coisa, para falar a verdade - disse o Sr.
Pritchard. - É apenas algo que me ocorreu. Poderá aproveitá-la se quiser, isto
é, se achar que poderá ter alguma utilidade para sua empresa.
Ernest ficou esperando, sem fazer qualquer comentário.
- Veja esse negócio de abotoaduras, por exemplo - disse o Sr. Pritchard.
- Eu, como muita gente, uso abotoaduras e punhos duplos, e quando as
abotoaduras estão colocadas... bem, você tem de tirá-las antes de tirar a
camisa. E se quiser erguer os punhos para lavar as mãos, você também tem
de tirar as abotoaduras. É fácil passar as abotoaduras pelas casas antes de
vestir a camisa, mas então as suas mãos não descem pelos punhos. E quando
a camisa está vestida é difícil colocá-las. Não é verdade?
- Bem, há o tipo de abotoaduras de pressão - lembrou Ernest.
- Há, mas elas não são populares. E não são porque sempre se perde
uma das peças.
O ônibus parou com as rodas girando em falso, Juan engrenou a
primeira e acelerou. O ônibus deu um grande tranco quando as rodas da
frente passaram sobre um buraco e um tranco maior ainda quando as
traseiras passaram também. Juan prosseguiu lentamente, sempre em
primeira. A chuva martelava pesadamente o teto do ônibus. O limpador de
pára-brisas gemia no vidro.
O Sr. Pritchard curvou-se sobre o encosto do banco, puxando um pouco
a manga do jaquetão para cima, a fim de exibir suas abotoaduras simples, de
ouro maciço.
- Em lugar de uma cadeiazinha ou de um pino - disse ele - as duas
peças poderiam ser unidas por uma mola. Assim, as abotoaduras poderiam
ser colocadas nos punhos antes da pessoa vestir a camisa, pois as molas
cederiam para dar passagem às mãos. Quando se quisesse lavar as mãos não
haveria problema, bastaria puxar os punhos para cima e depois puxá-los
novamente para baixo. – O Sr. Pritchard observava atentamente o rosto de
Ernest.
Ernest estava pensando, com os olhos semicerrados.
- Mas que aparência teriam as abotoaduras? Para resistir, as molas
deveriam ser de aço.
- Pensei nisso - respondeu o Sr. Pritchard ansioso por prosseguir. - Os
modelos mais baratos poderiam ter molas douradas ou prateadas. Mas as
mais caras, como as de platina ou ouro maciço - as de melhor qualidade de
dólares - teriam um tubo entre as duas peças, onde a mola ficaria alojada
enquanto a abotoadura estivesse colocada.
- É uma idéia - assentiu Ernest, solenemente. - Sim, senhor. Parece ser
uma boa idéia.
- Pois pode aproveitá-la - disse o sr. Pritchard. - É sua, pode fazer dela o
que quiser.
- Minha empresa trabalha com uma linha diferente de produtos - disse
Ernest - mas, quem sabe ... Talvez eu possa convencê-los a fabricar alguns
modelos desse tipo de abotoaduras. Os artigos mais vendidos no mundo -
artigos masculinos, é claro - são lâminas e aparelhos de barbear, canetas,
lapiseiras e jóias masculinas. Gente que não escreve cinco linhas durante um
ano não vacila em meter a mão no bolso e pagar quinze dólares por uma
caneta. E jóias, então, como abotoaduras caras? Nem é bom falar. Sim,
senhor, pode ser que de certo. Quanto quereria da minha parte da comissão,
se a idéia for aprovada e o negócio der certo?
- Não quero nada - disse o Sr. Pritchard. - Absolutamente nada. A idéia
é sua. Tenho muito prazer em ajudar um jovem que luta pela vida com
vontade. - Começava a sentir-se bem novamente. Mas, pensando bem, e se a
coisa funcionasse, se o negócio desse certo mesmo? A empresa de Ernest
poderia ganhar um milhão de dólares. E se... mas ele já tinha dito que não
queria nado e tinha de sustentar a palavra dada. Sua palavra não voltava
atrás. Se Ernest quisesse demonstrar seu agradecimento, isso era com ele. -
Não quero nada - repetiu o Sr. Pritchard.
- Bem, é muita bondade sua. - Ernest socou uma cadernetinha do bolso
interno, fez uma anotação e rasgou a página. - Está claro que uma coisa assim
merece ser examinada com calma - disse ele. - Se tiver um momento livre,
durante sua estada em Hollywood, ligue para esse número que nós poderemos
examinar a coisa com mais vagar. Talvez possamos até fazer um bom negócio.
- Ao dizer isso, Ernest piscou rapidamente, a pálpebra de seu olho esquerdo
desceu e subiu num relâmpago, enquanto indicava a Sra. Pritchard com a
cabeça. Passou a folha da cadernetinha para o Sr. Pritchard, dizendo: - Aloha
Arms, Hempstead 3255, apartamento 12 B.
O Sr. Pritchard corou ligeiramente, socou a carteira e ajeitou a folha
dobrada num dos compartimentos. Na verdade, não queria ficar com aquele
endereço. Não precisava guardá-lo. Poderia jogar fora o papel na primeira
oportunidade que tivesse, pois sua memória era muito boa. Durante anos ele
não se esqueceria daquele número de telefone. O sistema estava firmemente
implantado em sua cabeça, aquele velho sistema que sempre usara. Três e
dois são cinco, repetido duas vezes. E Hempstead. Hemp é corda. Corda
amarela, era fácil. Ele usava centenas de processos semelhantes para
memorizar o que desejava.
Corda amarela, corda loira. Seus dedos comichavam, ele estava doido
para jogar fora logo a folha dobrada. As vezes, Bernice abria sua carteira
quando precisava de dinheiro trocado. Era uma prática que ele estimulava.
Mas agora sentia uma pontada de medo no estomago - o miserável sentimento
de quem é tomado por ladrão.
Voltando-se para a esposa, perguntou:
- Então, como vai, menina?
- Bem - respondeu ela. - Acho que desta escapei. Disse a mim mesmo:
"Desta vez não vou ter nada, nada. Não vou deixar que coisa nenhuma
atrapalhe as férias do papai."
- Ótimo.
- E escute uma coisa, querido - prosseguiu ela - como é que os homens
têm idéias como essa sua?
- Ora, foi uma coisa que me ocorreu de repente - disse ele. - Aquela
camisa nova, que tem as casas de abotoaduras muito pequenas, me fez
pensar. Ainda outro dia fiquei desesperado na hora de colocar as abotoaduras
e quase tive de pedir sua ajuda.
- Acho que você é muito bonzinho - disse ela.
Então o Sr. Pritchard curvou-se, colocou a mão sobre o joelho dela e
apertou-lhe a perna, de leve. Ela deu-lhe um tapinha sobre a mão, de
brincadeira, e ele retirou-a logo.
Norma voltara a cabeça para o lado, a fim de falar bem junto da orelha
de Camille. Falava tão baixinho quanto podia, pois sabia que Espinhudo
estava tentando ouvir o que dizia. Já notara seu olhar cheio de admiração e,
de certa forma, estava satisfeita. Jamais olhara a vida com tanta confiança
quanto agora.
- Nunca tive uma família, como as famílias que as pessoas costumam
ter, - dizia ela a Camille. Estava revelando seus problemas mais íntimos a
Camille. Contava-lhe toda sua vida, com todos os pormenores. Queria que
Camille soubesse exatamente como ela tinha sido, queria que soubesse tudo
sobre ela, como era antes daquela manhã e como era agora, pois aquilo
transformaria Camille numa pessoa de sua família e uniria estreitamente à
Norma aquela criatura bela e segura de si.
- A gente faz coisas engraçadas quando se sente muito só - disse ela. -
Eu, por exemplo, costumava mentir aos outros. Vivia imaginando coisas boas
para mim. Eu até... bem, fazia coisas, como essas coisas que a gente quer que
aconteça. Sabe o que eu fazia quando estava sozinha? Fazia de conto que um
artista de cinema era... bem, meu marido.
Aquilo escapara. Ela não tivera intenção de ir tão longe. Ficou corada.
Não devia ter dito aquilo. De certa forma, era uma espécie de traição ao Sr.
Gable. Mas pensou mais no caso e acabou por concluir que não era traição. O
Sr. Gable não representava mais para ela o que representara algumas horas
antes. Aquele sentimento havia sido projetado sobre Camille. Ela sofreu um
pequeno choque ao compreende-lo. Perguntou a si mesma se não seria
inconstante.
- Isso acontece quando não se tem família nem amigos - explicou. -
Acho que a gente tem de inventar o que não se tem. Mas agora, bem, se
tivermos um apartamento nosso, acho que não precisarei mais fazer de conta.
Camille voltou o rosto para o lado, pois não queria ver a nudez crua nos olhos
de Norma, sua inermidade absoluta. Oh, meu Deus - pensou ela - em que
enrascada me meti! Agora arrumei uma filhinha. Como é que vou sair desta?
Como foi que isso aconteceu? Agora vou ter de viver a vida dela, de confortá-
la, de assisti-ia e dentro em breve estarei tão chateada que nem poderei olhar
mais para a cara dela, mas a essa altura já não haverá mais nada a fazer. Se
Loraine decidir chutar o tal publicitário, que farei dela? Como foi que isso
começou? Como me meti nesta enrascada do diabo?"
Voltando-se para Norma, ela explicou, secamente:
- Olhe aqui, querida, eu não disse que já estava tudo resolvido. Disse
que iríamos ver no que dão as coisas. Você ignora muita coisa a meu respeito.
Entre outras coisas, estou noiva e o meu noivo quer que nos casemos logo.
Assim, você entende, se marcarmos logo o casamento eu não poderei ir morar
com você.
Camille viu o desespero que surgia nos olhos de Norma, como um frio
horror, viu que suas bochechas e sua boca murchavam, viu que os músculos
de seus ombros e de seus braços cediam de repente. Camille disse a si mesma
que poderia alugar um quarto no primeira cidade por que passassem e
esconder-se, até que Norma desaparecesse. Poderia fugir dela. Poderia... Oh,
Jesus, como se deixara envolver naquilo? Estava muito cansada. Só podia
pensar num bom banho quente. Em voz alta, ela disse:
- Ora, querida, não fique desanimada. Talvez ele não queira casar-se já.
Talvez... Olhe, meu bem, talvez a coisa de certo. Quem sabe? Estou falando
sério. Vamos ver no que dão as coisas.
Norma comprimira os lábios com força e estava com os olhos fechados.
Sua cabeça era jogada para frente e para trás pela trepidação do ônibus.
Camille não queria olhar para ela. Depois de algum tempo, Norma conseguiu
controlar-se novamente.
- Talvez você tenha vergonha de mim - disse ela, baixinho - e não posso
culpá-la por isso. Sou apenas uma garçonete, mas acho que se você me
ajudasse um pouco eu também poderia ser enfermeira odontológica. Eu
estudaria à noite e trabalharia de dia como garçonete. Era o que eu faria, o
que eu pretendia fazer para que você não tivesse vergonha de mim. E se você
me ajudasse um pouco não seria tão difícil.
Camille lutou para dominar uma revulsão do estomago. "Oh, Deus
Santíssimo - pensou,. - Agora estou mesmo enrascada. Que posso dizer a ela?
Contar-lhe outra mentira? Não seria melhor contar de uma vez a ela como
ganho a vida? Ou isso só tornaria a coisa pior? Poderia chocá-la tanto que não
me quereria mais por amiga. E talvez seja mesmo o melhor. Não, creio que o
melhor mesmo é perder-me dela, no meio de uma multidão."
Norma continuava a falar.
- Gostaria de ter uma profissão respeitável, que tenha uma certa
dignidade, como a sua.
Desesperada, Camille interrompeu-a.
- Olhe, meu bem, estou terrivelmente cansada, exausta. Estou cansada
demais para pensar. Estou viajando há dias. Não consigo pensar em coisa
nenhuma. Vamos deixar essa questão de lado, pelo menos por enquanto.
Vamos ver no que dão as coisas.
- Sinto muito - respondeu Norma. - Fiquei entusiasmada e esqueci. Não
falarei mais nisso. Vamos ver no que dão as coisas, não é?
- Sim, vamos ver no que dão.
Juan frenou e o ônibus derrapou de lado antes de estacionar. Haviam
chegado ao sopé das colinas e continuava a chover tão forte que mal se
distinguia o verde da relva, lá em cima. Juan meteu a cabeça para fora, a fim
de examinar melhor o caminho. Havia um buraco na estrada, um buraco
cheio d’água, e era impossível saber que profundidade teria. Poderia ser uma
grande vala, que tragaria o ônibus. Juan lançou um rápido olhar à Virgem.
- Como é, arrisco? - perguntou ele, num sopro. As rodas fronteiras do
ônibus estavam sobre as bordas do longo buraco. Sorrindo, ele engrenou a
marcha a ré e regrediu uns dez metros na estrada.
- Vai tentar passar? - perguntou o velho Van Brunt, sobre seu ombro. -
Acho que o ônibus vai encalhar.
Os lábios de Juan formaram as palavras, sem emitir qualquer som.
- Se você soubesse, meu amiguinho, se soubesse... Se vocês
soubessem... - Engrenando a primeira, ele acelerou e o ônibus avançou sobre
o buraco inundado. Os pneus chiaram na água, projetando-a em repuxos para
todos os lados. As rodas traseiras entraram no buraco. O ônibus derrapou,
querendo sair de lado. As rodas traseiras giraram em falso, o motor rugiu alto,
os pneus roçaram no fundo e lentamente, trepidando e vibrando, o ônibus
avançou até atingir o terreno mais firme, do outro lado do buraco. Juan
engrenou a segunda e o ônibus prosseguiu lentamente seu caminho pela
estrada enlameada.
- Acho que havia um pouco de cascalho no fundo do buraco - disse
Juan, por sobre o ombro, ao velho Van Brunt.
- Bem, você vai ver o que é bom quando começarmos a subir a encosta -
respondeu o velho, num tom sinistro.
- Para uma pessoa que tem pressa em chegar a seu destino - observou
Juan - você não parece estar muito animado.
A estrada agora começava a galgar a encosta e não havia mais poças
d'água no leito. As valetas laterais mais pareciam cataratas. As rodas traseiras
giravam em falso e escorregavam sobre a superfície lisa. Subitamente, Juan
decidiu o que iria fazer se o ônibus capotasse num daqueles barrancos. Até
então ele não soubera bem o que iria fazer, caso aquilo acontecesse. Pensara
vagamente em tocar para Los Angeles e em empregar-se como motorista de
caminhão, mas agora sabia que não faria isso.
Tinha cinqüenta dólares no bolso. Sempre tinha consigo algum
dinheiro, para qualquer emergência na estrada, e os cinqüenta dólares
bastariam. Primeiro, sairia andando, mas não iria longe. Esperaria que
parasse de chover. Poderia até dormir um pouco, num lugar seco qualquer.
Levaria consigo uma das tortas, o que resolveria o seu problema de
alimentação. Depois, quando acordasse descansado, desceria até a rodovia
estadual e pediria uma carona. Se fosse preciso, iria de carona em carona,
com escalas nos postos de serviço, até San Diego, para cruzar a fronteira em
Tijuana. Era um lugar muito agradável e ele poderia passar uns dois ou três
dias na praia. Não teria dificuldades na fronteira. Do lado de cá, ele era para
todos os efeitos cidadão americano. Do lado de lá, era mexicano. Então,
quando se sentisse disposto, ele sairia da cidade, como carona num caminhão
ou simplesmente caminhando, cruzando as colinas e os regatos até atingir
Santo Tomás, onde esperaria o caminhão do correio. Compraria vários litros
de vinho em Santo Tomás e pagaria o homem do caminhão do correio para
descer com ele a península, passando por San Quintin e por Bahia de Las
Ballenas. A viagem pela região rochosa e deserta, até La Paz, duraria umas
duas semanas. ele economizaria algum dinheiro. Em Lã Paz, poderia tomar
um dos barcos que cruzam o Golfo, desembarcando em Guaymas ou em
Mazatlán, talvez até mesmo em Acapulco, pois em qualquer desses lugares ele
encontraria turistas. E onde houvesse turistas às voltas com o castelhano e os
costumes estranhos de uma terra estranha, Juan estaria à vontade.
Pouco a pouco, ele cobriria o percurso até a Cidade do México, onde há
turistas de verdade. Poderia funcionar como cicerone, conduzindo grupos de
turistas, e havia muitas outras formas de ganhar dinheiro. Ele não precisaria
de muito.
Ao pensar, Juan sorria. Por que, em nome de Deus, não pensara nisso
antes, em lugar de se enterrar naquele buraco? Era livre. Poderia fazer o que
bem entendesse.
Eles que o procurassem. Poderia até encontrar uma noticiazinha a seu
respeito num dos jornais de L. A. Seria dado por morto e eles procurariam seu
corpo. Alice faria inicialmente um barulho dos diabos. Aquilo lhe daria um
sentimento de importância. Mas no México é difícil encontrar uma mulher que
não saiba fazer feijão. E ele podia muito bem ajeitar-se com uma das
americanas que vão morar na Cidade do México para não pagar impostos
pesados. Com uns três ou quatro ternos bons, ele tinha certeza de que seria
mais que apresentável. Por que diabo não pensara nisso antes?
Ele já podia até sentir o cheiro do México. Não saberia explicar por que
já não tinha pensado nisso há muito tempo. E os passageiros? Eles que se
arranjassem. Seria muito bem feito. Juan podia dar conta de si mesmo e era o
que ia fazer. Tinha vivido uma vida idiota, preocupado com o transporte de
tortas entre uma cidade e outra. Bem, isso estava acabado.
Disfarçadamente, ergueu os olhos para a Guadalupana.
- Oh, eu manterei minha promessa - murmurou ele, baixinho. -
Conduzirei todos ao seu destino, se possível. Mas mesmo assim, não posso
garantir que voltarei para casa.
Em sua mente surgiam em sucessão, um após outro, quadros das
colinas batidas de sol da Baja Califórnia, da terra quente de Sonora, das
manhãs muito frias no planalto, quando o ar é perfumado pela fumaça de
lenha de pinho e impregnado do cheiro de pipoca que se desprende das tortilas
que começam a assar. A doce excitação do saudade envolveu-o. O gosto de
laranjas colhidas no pé, de pimenta queimando na boca. O que estava ele
fazendo, naquela terra estranha, que não era a sua? Ele não pertencia àquele
país. A cortina dos anos desenrolou-se para trás e sobre aquela estrada
barrenta e batida de chuva, sobrepos-se o México, o México que via, ouvia e
cheirava, desde a babel de vozes nas feiras ao tagarelar dos papagaios nos
jardins, dos grunhidos dos porcos nas ruas aos peixes que provara, das flores
às moças pequenas e morenas, envolvidas em seus rebozos azuis. Era
estranho ter esquecido tudo aquilo, durante tanto tempo. Agora, ele ansiava
pelo sul. Não sabia o- que o teria prendido durante tanto tempo àquela terra
que não era a sua. Subitamente, ficou impaciente e ansioso para por-se a
caminho. Por que não comprimir logo o pedal dos freios, abrir a porta e sair
andando, debaixo da chuva? Podia imaginar perfeitamente as caras estúpidas
que fariam os passageiros surpreendidos e até mesmo ouvir seus furiosos
protestos. Olhou novamente para a Virgem.
- Manterei minha palavra - murmurou. - Se for possível, nós
completaremos a viagem. - Sentiu no volante que as rodas da frente
deslizavam no barro grosso e sorriu para a Virgem de Guadalupe.
Nesse ponto o rio passava pertinho da estrada, conduzindo uma carga
de chorões arrancados por entre as colinas. Logo mais adiante a estrada fazia
uma curva quase em ângulo reto, afastando-se do rio. A chuva começava a
perder a força e pelas janelas eles podiam avistar o rio mais abaixo, com sua
superfície parda, marcada aqui e ali por ondas de espuma. A estrada subia
pela encosta da colina e bem no topo contornava um enorme rochedo amarelo.
Bem no alto do rochedo amarelo, em grandes letras desbotadas, estava escrito
ARREPENDEI-VOS. Pintar a inscrição em grossas letras negras, agora quase
invisíveis, deveria ter sido um trabalho duro e perigoso para a criatura
selvagem que desenhara os caracteres.
O rochedo era arenoso e sua parte inferior era perfurada por covas e
cavernas, abertas pelo vento e cavadas por animais. As cavernas, vistas da
estrada, pareciam os olhos negros do rochedo amarelo.
Naquele trecho, as cercas eram reforçados e nos pastos do pequeno
planalto a chuva escurecera o pêlo das vaquinhas de leite, algumas já
acompanhadas por seus bezerros da primavera. Quase todas as vacas torciam
o pescoço para observar, solenemente, a passagem do ônibus, mas uma velha
vaca idiota foi tomada de pânico e desembestou aos coices e pinotes, como se
com aquilo pudesse exorcizar o ônibus.
A estrada era agora bem melhor. O cascalho espalhado pelo leito dava
um ponto de apoio às rodas. A velha carroçaria trepidava e saltava, mas os
pneus não giravam mais em falso. Juan lançou um olhar cheio de dúvida e
suspeita à imagem da Virgem. Teria decidido enganá-lo? Teria resolvido
facilitar a viagem, para forçá-lo a tomar por conta própria sua decisão? Aquilo
seria um golpe baixo. Sem um sinal do céu, Juan não saberia o que fazer.
A estrada fazia uma curva muito aberta em torno de uma velha fazenda
e depois subia por uma ladeira, transpondo a colina.
Juan estava usando novamente a primeira e uma nuvenzinha de vapor
escapava do tampa do radiador, pairando na frente do pára-brisa. O ponto
mais alto da estrada ficava bem na frente do rochedo amarelo que dizia
ARREPENDEI-VOS. Juan acelerou, quase com raiva. As rodas lascaram
pedregulho para trás. Tinham de transpor um trecho no qual as valetas
laterais haviam transbordado e a água cobria o leito da estrada. Juan
imprimiu mais um pouco de velocidade ao velho ônibus e investiu contra a
superfície coberta de água. As rodas da frente passaram, mas as traseiras
giraram em falso, patinando no barro grosso do fundo. A traseira do ônibus
saiu de lado, as rodas giraram, lançando para trás um repuxo de lama e o
ônibus recuou, afundando pesadamente, até os eixos, na valeta lateral.
Juan sorriu, mostrando os dentes. Acelerou de novo e as rodas
traseiras afundaram mais um pouco. Girou o volante, fazendo as rodas
fronteiras girarem também, abrindo buracos maiores na lama e afundando
neles, enquanto lá atrás o diferencial afundava no barro grosso.
Juan ergueu o pé do acelerador. Pelo espelho podia ver Espinhudo, que
olhava para ele boquiaberto. Juan esquecera que Espinhudo poderia
compreender. Agora, ele estava de boca aberta. Juan sabia que tinha forçado a
mão. Ao cruzar um barreiro como aquele, ninguém acelera o motor. Juan via a
perplexidade nos olhos de Espinhudo. Por que diabo tinha feito aquilo? O
rapaz não era estúpido. Dando com os olhos de Espinhudo no espelho
retrovisor, a única coisa que ele conseguiu fazer foi piscar, discretamente. E
então viu que uma expressão de alívio substituía a de assombro no rosto do
rapaz.
Se era parte de um plano, se aquilo fora deliberado, estava tudo OK. E
se precisasse de alguma coisa, Espinhudo estava às ordens. E então um
terrível pensamento cruzou a mente de Espinhudo. E se ele tivesse feito aquilo
pensando na loira? Se Juan quisesse Camille, ele não teria a menor
possibilidade. Ele não poderia competir com Juan.
O ônibus encalhara num ângulo pronunciado. As rodas traseiras
tinham afundado na valeta lateral, enquanto as dianteiras repousavam na
lama do leito da estrada. O "Querida" parecia um inseto estropiado. E então o
reflexo do rosto de Van Brunt superpos-se ao de Espinhudo no espelho
retrovisor. Van Brunt estava vermelho, furioso, e seu dedo ossudo cortou o ar
embaixo do nariz de Juan.
- Então, você afinal conseguiu! - gritou ele. - Conseguiu deter-nos aqui.
Eu sabia que era isso que você pretendia fazer. Por Deus, eu sabia que era
isso mesmo que você estava querendo. E agora, como é que vou ao tribunal?
Como é que vamos sair daqui?
Juan afastou o dedo do velho com as costas da mão.
- Tire esse dedo de perto da minha cara - ordenou. - Você me deixa
doente. Volte para o seu lugar.
Van Brunt vacilou, sem saber que atitude tomar. Compreendeu,
subitamente, que o homem que interpelava perdera o controle. Era um homem
que não temia a Comissão Estadual de Trânsito, que não temia coisa
nenhuma deste mundo. Van Brunt recuou depressa, sentando-se num dos
bancos laterais.
Juan girou a chave de contacto e o motor morreu. A chuva rufava na
capota do ônibus. Juan comprimiu por um momento o volante entre as mãos,
depois voltou-se para encarar os passageiros.
- Pois é - anunciou. - Estamos encalhados.
Todos estavam com os olhos fitos nele, entre chocados e surpreendidos.
O Sr. Pritchard perguntou em voz baixa:
- Acha que vai ser possível safar o ônibus?
- Ainda não olhei - respondeu Juan.
- Mas parece que encalhamos de verdade.
- O que pretende fazer agora?
- Não sei - respondeu Juan.
Queria ver o rosto de Ernest Hortos, para verificar se ele percebera que
aquilo tinha sido deliberado, mas a cabeça de Norma estava na frente,
escondendo-a do rapaz. Camille parecia indiferente, seu rosto não refletia
emoção alguma Já esperara demais para impacientar-se agora.
- Fiquem firmes em seus lugares - disse Juan.
Com um esforço, ergueu-se sobre o soalho que se inclinara em ângulo
pronunciado e puxou a alavanca da porta. O trinco estalou, mas a porta
continuou fechada. Estava deslocada. Endireitando o corpo, Juan encostou
um pé na porta e abriu-a com um tranco brusco. Os passageiros ouviram o
crepitar da chuva sobre a estrada e a relva. Juan desceu e deu volta até a
traseira do ônibus. A chuva fria batia com força em sua cabeça.
Tinha feito um bom trabalho. Provavelmente seria preciso a assistência
de um auto-reboque ou talvez até mesmo de um trator para retirar o ônibus
do buraco em que o metera. Curvando-se, olhou por baixo do carroçaria, para
certificar-se de algo que já tinha dado por certo.
Os eixos e o diferencial estavam profundamente afundados no barro.
Através das janelas, os passageiros olhavam para fora, suas feições
destorcidas pelos vidros molhados. Juan endireitou-se e voltou para o ônibus.
- Bem, pessoal, acho que agora a única coisa que podemos fazer é
esperar. Sinto muito, mas não se esqueçam de que foram vocês todos que
escolheram este caminho.
- Eu, não - protestou logo Van Brunt.
Juan voltou-se rápido como um raio para ele.
- Feche essa maldita boca, não se meto! Não me provoque, porque eu já
estou quase estourando, compreendeu?
Van Brunt compreendeu logo. Baixando os olhos para as mãos
ossudas, ele começou a beliscar a pele frouxa das juntas dos dedos e depois
esfregou as costas da mão esquerda com a palma da direita.
Juan sentou-se de lado em seu lugar, atrás do volante. Seus olhos
passaram rapidamente pela Virgem. "Está bem, está bem - pensou ele - eu
ajudei um pouco a coisa, é verdade. Não muito, mas um pouco. Acho que você
agora tem o direito de complicar um pouco a minha vida." Em voz alta, ele
disse:
- Agora tenho de caminhar até o telefone mais próximo para chamar um
carro-reboque. Vou chamar também um táxi para vocês. Não vai demorar
muito.
Van Brunt tinha agora o cuidado de controlar o tom de sua voz.
- Num raio de dez quilômetros não há casa nenhuma. A fazenda do
velho Hawkins fica a uns dois quilômetros daqui, mas está abandonada desde
que o banco executou a hipoteca. Você vai ter de seguir até a estrada
municipal e ela fica bem a uns doze quilômetros.
- Bem, se tenho de ir, vou, não há remédio - retrucou Juan. - Um pouco
de chuva não me molhará mais do que já estou.
Espinhudo teve uma explosão de altruísmo.
- Pode deixar, que eu vou - sugeriu. - Você fica aqui esperando, com os
passageiros.
- Não - respondeu Juan, rindo - êste é o seu dia de folga. Trate de
aproveitá-lo bem, divirta-se, Kit. - Curvou-se sobre o painel de instrumentos,
destrancou o porta-luvas e abriu a portinhola. - Aqui há um pouco de uísque,
para qualquer emergência - disse ele.
Juan hesitou, por um momento. Não seria melhor levar consigo o
revólver - um bom Smith & Wesson, cano longo? Talvez fosse besteira deixar a
arma no ônibus. Mas por outro lado, seria também besteira levar o revólver.
Caso se metesse em qualquer encrenca e fosse preso armado, o revólver
deporia contra ele. E se ia mesmo abandonar sua mulher, podia muito bem
abandonar o revólver também.
- Se aparecer algum tigre faminto - disse ele aos passageiros, em tom de
brincadeira - aqui há uma arma carregada.
- Estou com fome - observou Camille.
Juan sorriu-lhe.
- Olhe aqui, Kit, pegue estas chaves. A menorzinha é a do bagageiro, lá
atrás. Dentro, há uma caixa de tortas. - Ainda sorriu para Espinhudo. - Não
vá comer todas, filho. Vocês podem esperar aqui dentro do ônibus, mas se não
quiserem basta tirar o encerado do bagageiro e forrar com ele o chão de uma
daquelas cavernas. Podem até fazer uma boa fogueira, se encontrarem alguma
madeira seca por ai. Assim que encontrar um telefone, mando um táxi para
recolhê-los.
- Eu gostaria de ir em seu lugar - insistiu Espinhado.
- Não, você fica aqui olhando por tudo - disse Juan, notando a
satisfação que imediatamente se refletiu no rosto de Espinhudo. Juan fechou
a jaqueta até o pescoço. - Fiquem firmes aí - disse ainda, descendo do ônibus
e metendo os pés no barro.
Mas Espinhudo soltou também e alcançou-o. Deu alguns passos ao seu
lado, até Juan parar e encará-lo.
- Sr. Chicoy - disse mansamente - que pretende fazer?
- O que pretendo?
- Pois é. Olhe, sabe como é... bem, o ônibus não encalhou por acaso.
Juan pousou a mão no ombro de Espinhudo.
- Olhe, Kit, vou lhe contar uma coisa. Mas você tem de agüentar a mão,
compreendeu?
- Ora, é claro, Sr. Chicoy. É que eu... bem, eu só queria saber.
- Eu lhe conto tudo na primeira oportunidade que tivermos de
conversar a sós - disse Juan. - Por enquanto, você agüente a mão aqui e não
deixe esses camaradas se matarem, está certo?
- Bem, está certo - disse Espinhudo. Ele falava com insegurança. -
Quanto tempo, mais ou menos, o Sr. calcula que vai levar até encontrar um
telefone e voltar para cá?
- Não sei - retrucou Juan, impaciente. - Como é que eu posso saber?
Faça o que eu lhe disse.
- Claro. Está muito bem - assegurou Espinhudo.
- E coma todas as tortas que agüentar, Kit.
- Mas vamos ter de pagar essas tortas, Sr. Chicoy.
- É lógico - respondeu Juan, voltando-lhe os costas e reiniciando sua
caminhado sob a chuva. Sabia que Espinhudo estava parado onde o deixara,
olhando para ele, e sabia que Espinhudo pressentia alguma coisa. Espinhudo
sabia que ele ia embora. Juan não se sentia mais tão bem.
Não como tinha pensado que se sentiria. Agora tinha a impressão de
que não estava tão satisfeito, nem tão feliz, nem tão livre. Parou e olhou para
trás. Espinhudo estava entrando de novo no ônibus.
A estrada passava pelo grande rochedo amarelo, com suas tocas e
cavernas. Juan deixou a estrada e abrigou-se por um momento sob a saliência
da rocha. Tanto a saliência quanto as cavernas eram muito maiores do que
pareciam do lado de fora e eram também muito secas.
Logo na entrada da maior das cavernas havia três pedras escurecidos
pelo fogo e uma lata velha amassada. Juan voltou para a estrada e seguiu
caminho.
A chuva já perdera quase toda sua força. A sua direita, colina abaixo,
estava o rio, fazendo a grande curva
que o levava de um lado ao outro do vale, por entre a vegetação rasteira e os
campos alagados. Não havia um
centímetro de terra seca em todo o vale. O ar recendia a decomposição, os
fetos em fermentação exalavam um cheiro forte. A frente dele, a estrada surgia
lavada pela chuva e erodida pelas enxurradas, mas não apresentava qualquer
marca de rodas. Fazia muito tempo que um veículo tinha passado pela última
vez por aquela estrada.
Juan curvou a cabeça para protegê-la da chuva e estugou o passo.
Afinal, não era tão bom quanto tinha pensado. Ele tentou evocar novamente
as ensolaradas tardes do México, as jovens morenas envoltas até os olhos em
seus rebozos azuis e o cheiro de feijão cozinhando, mas desta vez era Alice que
se sobrepunha a todas as suas evocações. Alice, olhando para ele através da
porta da tela do restaurante. E ele lembrou do dormitório, com suas cortinas
de fazenda estampada. Ela gostava das boas coisas. Gostava de coisas
bonitas. A colcha, por exemplo, que ela própria tricotara em dezenas de
quadrados, sem repetir uma só vez a mesma cor. Dizia que uma colcha
daquelas poderia ser vendida a qualquer momento por cem dólares.
Depois ele pensou nas grandes árvores que cercavam o restaurante e em como
era bom ficar deitado na banheira cheia de água quente, a primeira banheira
de verdade em que tinha entrado, com exceção das banheiras de hotel. E no
banheiro havia sempre um sabonete perfumado.
- É apenas um maldito hábito, um vício - disse ele com seus botões. -
Uma maldita armadilha, como outra qualquer. A gente se acostuma com uma
coisa e acaba achando que gosta dela. Vou vencer esse hábito como quem
vence um resfriado. Claro, não vai ser fácil. Vou ficar preocupado com Alice.
Vou ficar triste. Vou recriminar-me e talvez nem possa dormir direito. Mas,
com o tempo, tudo isso passa. Depois de algum tempo nem me lembrarei mais
dessas coisas. E nunca mais me meterei numa arapuca dessas. - E então a
imagem de Alice foi substituída pela do rosto de Espinhudo, confiante e
animado, esperando que ele dissesse alguma coisa, que explicasse.
- Mais tarde, depois - disse Juan. Um dia eu lhe contarei tudo, Kit
Carson. - Pouca gente tinha confiado em Juan como Espinhudo confiava.
Ele tentou pensar no grande lago, em Chapala, mas sobre suas pálidas
águas ele viu o ônibus, "Querida", afundado até os eixos na valeta da estrada.
Mais à frente, do lado esquerdo de quem descia a encosta da colina, havia
uma casa, um celeiro e um velho moinho de vento, com suas pás quebradas e
pendendo do eixo. Aquilo deveria ser a fazenda do velho Hawkins.
Era exatamente num lugar como aquele que ele pensara em descansar
um pouco. Desceria até a fazenda, talvez entrasse na casa, mas o melhor seria
ir logo para o celeiro. Um celeiro velho geralmente é muito mais limpo do que
uma casa velho. Ali ele tinha certeza de que encontraria um pouco de feno ou
de palha seca. Juan pretendia deitar sobre o que encontrasse e dormir um
bom sono. Não pensaria em nada. Dormiria até o dia seguinte, talvez, e depois
desceria até a estrada estadual e pegaria uma carona rumo ao sul. Que
diferença iria fazer aquilo para os passageiros? "Eles não vão morrer de fome" -
pensou Juan. "Uma coisa dessas lhes fará bem. E, depois, não tenho nada
com isso."
Apertou o passo, descendo a colina rumo à velha fazenda abandonada.
Eles começariam logo a procurá-lo.
Alice logo pensaria que ele tinha sido assassinado e chamaria a polícia.
Ninguém cogitaria de que ele resolvera desaparecer, simplesmente. Era isso
que tornava a coisa engraçada. Ninguém pensaria que ele seria capaz de uma
coisa dessas. Pois bem, ele mostraria a todos eles do que era capaz. Iria para
San Diego, cruzaria a fronteira, pegaria o caminhão do correio em La Paz. Alice
que movimentasse a polícia.
Ele parou e olhou para trás. Suas pegadas estavam claras na estrada,
mas ainda estava chovendo e a água
lavaria tudo. Ademais, se quisesse, ele bem poderia deixar a estrada e
despistar quem pretendesse reconstituir os seus passos. Juan voltou-se
novamente para a velha fazenda e prosseguiu pela estrada.
A velha casa começara a cair aos pedaços logo depois de ter sido
abandonada. A rapaziada da vizinhança tinha quebrado as vidraças e furtado
todos os canos de chumbo, as portas abertas haviam batido estupidamente
contra seus batentes, até desprender-se de suas dobradiças e cair. O velho
papel de parede, batido pela chuva e o vento, havia sido arrancado em muitos
lugares, revelando um forro feito de suplementos ilustrados de jornais antigos,
com historietas em quadrinhos - "Vovô Sabido", "O Pequeno Nemo",
"Vagabundo Feliz" e "Brown peitudo". Os vagabundos também tinham passado
pela velha casa, carregando o que podiam e usando a madeira das portas
como lenha na velha lareira. O cheiro azedo de abandono e umidade era forte
dentro da casa vazia. Juan parou na porta, entrou e sentiu o cheiro de casa
abandonada, saiu pela porta dos fundos e seguiu reto para o celeiro.
A cerca do curral tinha sido derrubada e não havia nem sinal da grande
porta do celeiro, mas lá dentro o ar era puro e fresco. A madeira das baias
tinha sido gasta e polida nos lugares em que os cavalos haviam esfregado o
pescoço, sobre os cochos. Nos cantos havia grandes teias de aranha. Entre as
janelas de descarga de esterco estavam ainda penduradas as velhas escovas e
as raspadeiras enferrujadas. Um velho cabresto, com rédeas e um par de
tirantes, pendia de um gancho junto à porta. O couro do cabresto estava
aberto nas costuras, por onde saía o enchimento de algodão. O celeiro não
tinha sótão. Toda a parte central tinha sido usada como depósito de feno.
Juan foi até a última baia. O celeiro era escuro, pois a luz fraca da tarde só
entrava pelos buracos do teto. O chão estava coberto de palha, escurecida pelo
tempo e que desprendia um leve cheiro de mofo. Ao lado da baia, imóvel, Juan
podia ouvir os camundongos conversando e sentir o cheiro de colônias de
ratos. De uma trave do teto, duas corujas de celeiro, cor de café com leite,
observaram o intruso e depois cerraram novamente seus olhos amarelos.
A chuva diminuíra tanto que mal se ouvia seu tamborilar sobre o teto.
Juan foi até um canto e espalhou com o pé a camada superior de palha velha.
Sentou-se, ajeitou o corpo e deitou-se de costas, com as mãos cruzadas na
nuca. No celeiro, a vida recomeçara e os animais retomavam sua conversação
secreta em cochichos, mas Juan estava muito cansado para prestar atenção.
Seus nervos estavam à flor da pele e ele se sentia mal. Se dormisse um pouco,
pensou, acordaria bem melhor.
Antes de deixar o ônibus ele vibrara de antecipação ao pensar na
liberdade, seu prazer ao vislumbrá-la tivera a intensidade de um orgasmo.
Mas agora, aquilo tinha ficado para trás. Sentia-se muito mal. Seus ombros
doíam e embora estivesse confortóvelmente estendido sobre a palha, não tinha
mais sono. "Serei feliz, algum dia?" - perguntou Juan. "Não haverá nada que
eu possa fazer?"
Tentou recordar os velhos tempos, a época em que julgava ter sido feliz,
quando sua vida era uma só alegria, e pequenos quadros vivos do passado
começaram a tomar forma em sua imaginação. Aquela manhã, por exemplo,
bem cedinho, quando o sol ainda mal surgira, o ar estava ainda muito frio e
ele ficara olhando os passarinhos que ciscavam na estrada enlameada.
Naquela manhã ele não tinha razão alguma especial para estar alegre, mas
ainda se recordava de que ficara contente.
E outro. Entardecia e um cavalo de pêlo luzidio esfregava seu pescoço
bem feito sobre um varão de cerca, uma codorniz piava por perto e do meio do
mato vinha o apelo da água de uma cascatinha, espadanando sobre laje. Só de
lembrar isso sua respiração se acelerava. E outro. Ia para algum lugar, de
carro, com uma prima. Ela era mais velha... e por mais que se esforçasse não
conseguia lembrar se era bonita ou feia. O cavalo passarinhara, assustado por
um pedaço de papel na estrada e elo caíra sobre ele, esticando o braço para
equilibrar-se e apoiando a mão em seu joelho para endireitar o corpo.
Lembrando disso, ele sentiu o sangue aquecer seu estomago e a cabeça doer
de prazer. E outro. Estava parado numa grande e sombria catedral, por volta
da meia-noite, respirando numa atmosfera impregnado do odor bárbaro de
copa]. Tinha na mão uma vela pequena e fina, circulada no meio por um
aparador de seda branca. E, como num sonho, o doce murmúrio da missa
chegou até ele vindo do altar e uma suave sonolência pesou sobre suas
pálpebras.
Os músculos de Juan relaxaram-se aos poucos e ele adormeceu sobre a
palha do celeiro abandonado. E os tímidos camundongos sentiram que ele
estava dormindo saíram da palha e reiniciaram suas brincadeiras
interrompidas, enquanto a chuva sussurrava baixinho no teto do celeiro.
CAPÍTULO XV
CAPITULO XVI
CAPÍTULO XVII
CAPÍTULO XVIII
CAPÍTULO XIX
CAPÍTULO XX
CAPITULO XXII
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