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Museu Nacional Soares dos Reis

Ciclo: AÇÕES ESTÉTICAS QUASE INSTANTÂNEAS - 2 março 2019


FILIPE ROMÃO - ESTAS PINTURAS NÃO EXISTEM E AS PINTURAS DE HENRIQUE POUSÃO

No contexto da programação Ações estéticas quase instantâneas o projeto


desenvolvido por Filipe Romão consistiu na escolha de obras, dentro da série em epígrafe, em
convívio com as pinturas na Sala de Henrique Pousão. A paisagem preside na pintura do pintor
nascido em Vila Viçosa e que o destino conduziu para uma Itália mediterrânica, ensolarada e
vibrátil – muito em particular a ilha de Capri. Ainda que por infelicidade sua, a estadia no Sul
de Itália e Capri coincidiu com a idealização reificada de um universo capaz de ser visto,
absorvido e a ser plasmado numa obra onde se reconhecem lugares [in]existentes.
Após Henrique Pousão, a pintura de paisagem em Portugal adquiriu outras
circunstâncias, qualidades e exigências. Transpôs uma singularidade lumínica que apenas uma
personalidade convicta sabe transmitir. Os seus enquadramentos, a ilusão e a verdade do
inacabado, o jogo persistente entre o desenho e a pintura realizam paragens inéditas para os
espetadores.
Na parede, os formatos dividem a nossa escala, ainda que o nosso visor sobre o
horizonte se dimensione e regule como que automaticamente. Daí ter escolhido trabalhos de
diferentes dimensões no imaginário de Filipe Romão para esta adição na Sala Pousão. O fato
de dois dos desenhos não estarem emoldurados (os maiores) e um outro estar com moldura é
componente de um jogo que alude à própria diversidade de apresentação das tábuas e
pinturas de Henrique Pousão. À parede vemos pequenas pinturas, com recantos e excertos de
vistas com molduras que as recolhem. Depois, respeitando formatos e medidas análogas,
vemos as pinturas na horizontal, sem moldura e dentro de expositores com vidro. Mas, quer
numa, quer noutra situação, a ser-lhes proporcionada, o interesse e a volúpia do olhar
persiste. Assim as olhamos deitadas, em descanso dentro das vitrinas. São pequenos formatos,
concentram uma parcela muito grande do mundo, que aparentemente lá não caberia.
Também os desenhos de Filipe Romão se simulam a si mesmos, glosando uma verdade
artística que lhes confere peculiaridade. Os seis desenhos compõem uma visão debruçada,
onde o nosso corpo se deixe seduzir pela necessidade de ver para além do que se saiba para
enxergar. Estabelecem-se entre todos os trabalhos de Filipe Romão e entre estes e as obras de
Henrique Pousão narrativas adicionadas que, de outro modo, não existiriam. Então o
confronto entre autores de épocas distando entre si permite acumular novas doses de verdade
e experiência às existências admitidas. Ou seja, residirá também em nós, enquanto público
uma razão interpretativa que é polissémica, heterogénea.
“L’image est une création pure de l’esprit. Elle ne peut naître d’une comparaison, mais du
rapprochement de deux réalités plus ou moins éloignées.’ ‘Plus les rapports des deux réalités
rapprochées seront lointains et justes, plus l’image sera forte, plus elle aura de puissance émotive et
de réalité poétique.’ ‘Deux réalités qui n’ont aucun rapport ne peuvent se rapprocher utilement. Il n’y a
pas création d’image.’ Deux réalités contraires ne se rapprochent pas, elles s’opposent.”1

Atribuir qualificativos à paisagem pintada ou desenhada, encaminha por vezes para a


sensação de domínio de quando se vêm fotografias cujos conteúdos são paisagem. O
questionamento da razão representativa passa não apenas por aquilo que de fora se
internalize e devolve em obra feita, independendo do registo, da receção e da colocação do
corpo do artista que desempenha o seu processo. Todos esses tópicos são invisíveis de forma
explícita na obra. Mas teima-se em descodificar intenções e desvelar procedimentos, pois nos
reconhecemos anda que não sendo autores nas visões e nas ideias de quem cria as obras.
Estas paisagens não existem é [também um mantra.
Questiona-se como – no contemporâneo e no atual – a paisagem poderia ser
recuperada pelo olhar, narrando a cidade, narrando o território, sem procurar a sua descrição.
“É ainda possível pintar paisagens?” perguntava Nelson Brissac-Peixoto, considerando que o
recurso de Italo Calvino, ao estilo efabulatório das histórias clássicas de aventuras, lhe servia
exatamente por isso. Assim, as suas personagens desenvolvem relatos, à semelhança dos
tempos em que as narrativas sobre as terras distantes substituíam as viagens e os viajantes as
incorporavam, tornando-se narradores e cartógrafos – “o narrador benjaminiano que é o
viajante”. Para concluir que “Neste género tão anacrónico – como o paisagismo – mas ao
mesmo tempo tão atual, a literatura encontra a pintura.”2
Dos Lugares onde nunca estive é o título da Série de obras que integram o projeto
Estas paisagens não existem. Depois de ter visto os desenhos e as pinturas, deixemos os
lugares onde nunca estivemos residirem na nossa memória. Visitemo-los a qualquer momento,
quando assim nos aprouver. Provavelmente lá encontraremos, numa dessas paisagens que
não existem, o artista - Filipe Romão.

Curadoria e Texto: Maria de Fátima Lambert

1 Pierre Reverdy, Nord-Sud, Self-Defence et autres récits sur l’Art et la Poésie (1917-1926), Paris, Flammarion,
1975, p.73
2 Cf. Nelson Brissac-Peixoto, Paisagens Urbanas, São Paulo, Senac Editora, 2003 in

https://books.google.pt/books?id=z7xG6XSmg18C&pg=PA26&lpg=PA26&dq=Nelson+Brissac-
Peixoto+olhar+do+estrangeiro&source=bl&ots=AOOj-9ng-s&sig=noEjnIagwPml41R-hsLvyQNrHTI&hl=pt-
PT&sa=X&ei=PCafVM3CLoOuUcHQgKgL&ved=0CFEQ6AEwBw#v=onepage&q=Nelson%20Brissac-
Peixoto%20olhar%20do%20estrangeiro&f=false (pdf. p.26/31)
Fichas Técnicas

Na parede
Série Dos Lugares Onde Nunca Estive
#35 – carvão sobre papel, 56 x 76 cm, 2019
#12 – carvão sobre papel, 76 x 56 cm, 2018
#31 – carvão sobre papel, 25 x 16 cm, 2018

Na vitrina
Série Dos Lugares Onde Nunca Estive
# 40 – carvão sobre papel, 29,5 x 21 cm, 2019
# 41 – carvão sobre papel, 29,5 x 21 cm, 2019
# 43 – carvão sobre papel, 21 x 29,5 cm, 2019
# 44 – carvão sobre papel, 21 x 29,5 cm, 2019
# 45 – carvão sobre papel, 21 x 29,5 cm, 2019
# 46 – carvão sobre papel, 29,5 x 21 cm, 2019

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