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UNIVERSDADE FEDERAL FLUMINENSE

PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO
FACULDADE DE DIREITO

CECILIA ROXO BRUNO

LEI MARIA DA PENHA:


UM ESTUDO SOBRE OS MECANISMOS DE PROTEÇÃO À MULHER EM SITUAÇÃO
DE VIOLÊNCIA

Niterói
2016
UNIVERSDADE FEDERAL FLUMINENSE
PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO
FACULDADE DE DIREITO

CECILIA ROXO BRUNO

LEI MARIA DA PENHA:


UM ESTUDO SOBRE OS MECANISMOS DE PROTEÇÃO À MULHER EM SITUAÇÃO
DE VIOLÊNCIA

Monografia apresentada ao Curso de Direito da


Universidade Federal Fluminense como requisito à
aprovação da disciplina TCC II

Orientadora: Profa Dra. Cristiana Vianna Veras

Niterói
2016
Universidade Federal Fluminense
Superintendência de Documentação
Biblioteca da Faculdade de Direito

B898 Bruno, Cecilia Roxo.


Lei Maria da Penha: um estudo sobre os mecanismos de proteção à
mulher em situação de violência / Cecilia Roxo Bruno. – Niterói, 2016.
56 f.

Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) –


Universidade Federal Fluminense, 2016.

1. Violência doméstica. 2. Violência contra a mulher. 3.


Discriminação sexual. 4. Relações familiares. 5. Direitos da
mulher. I. Universidade Federal Fluminense. Faculdade de
Direito. II. Título.

CDD 341.5
CECILIA ROXO BRUNO

LEI MARIA DA PENHA:


UM ESTUDO SOBRE OS MECANISMOS DE PROTEÇÃO À MULHER EM SITUAÇÃO
DE VIOLÊNCIA

Monografia apresentada ao Curso de


Direito da Universidade Federal
Fluminense como requisito à aprovação da
disciplina TCC II

Aprovada em ____ de __________ de 2016.

BANCA EXAMINADORA

Profa. Cristiana Vianna Veras – Orientador

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

Profa. Tatiana Carvalho

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

Prof. Joaquim L. de R. Alvim

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE


Aos meus amados pais e à minha doce irmã, Raquel.
AGRADECIMENTOS

Inicialmente, gostaria de agradecer a Deus, Senhor da minha vida, que, por toda a minha
trajetória acadêmica, abriu portas, guiou meus caminhos e me capacitou mesmo quando eu
não me considerava capaz. Tenho certeza de que se hoje estou completando esta etapa, isso
se deve à maravilhosa graça e à misericórdia divina;

Agradeço à minha super mãe Maria do Rosário, mulher sensível e dedicada, que sempre
me encorajou a superar meus limites e medos. Por sempre acreditar na minha capacidade
de romper barreiras e, com muito amor, ter me ajudado a realizar este trabalho. Minha mãe
é um exemplo de mulher empoderada, em quem me espelho para alcançar meus sonhos;

Ao meu amado pai Sebastião Bruno, melhor amigo, incansavelmente dedicado às filhas e
amostra viva do amor de Deus como pai. Guardarei eternamente em meu coração todos os
seus ensinamentos e lições de sabedoria. Agradeço por ser sempre meu porto seguro e por
se fazer presente em todos os aspectos da minha vida desde a infância;

À minha linda irmã Raquel, companheira de aventuras, verdadeira amiga com quem tenho
o privilégio de conviver. Por ser um exemplo de maturidade, autenticidade e pureza. Por
tantas vezes me acolher com o espírito cuidadoso e protetor em momentos difíceis, como
se fosse a mais velha entre nós. Minha doce "sá", você me inspira a viver!

Aos meus adoráveis amigos, sempre bem humorados, amorosos e fiéis. À Mayara, Larissa,
Alexia, Anna Gabi e Paulla, por compartilharem comigo as alegrias e momentos de tristeza
em todos esses anos de graduação. Ao Edesio, Gabriella, Sharon, Susane e Wisrah por me
apoiarem, ouvirem e acreditarem na minha competência, com todo o carinho e lealdade;

Ao NUDEM - Rio de Janeiro, pela concessão da entrevista que tornou possível a


realização desta pesquisa;

Por fim, agradeço à minha orientadora Profa. Dra. Cristiana Veras, por me auxiliar neste
trabalho, me incentivando a realizar a pesquisa de campo e, por conseguinte, ensinando-me
a fazê-la corretamente, de modo a enriquecer este estudo.
"Há pessoas que nos roubam...
Há pessoas que nos devolvem."

Padre Fábio de Melo


RESUMO

O princípio da igualdade é um dos pressupostos essenciais à realização do estado


democrático de direito, sem o qual não é possível desenvolver uma sociedade plenamente
fundada nos direitos humanos. Diante disso, propomos este trabalho com o objetivo de
demonstrar a aplicabilidade dos mecanismos de proteção à mulher em situação de
violência, introduzidos pela Lei Maria da Penha, problematizando a igualdade de gênero
no Brasil. O foco deste estudo está na constitucionalidade e eficiência da Lei 11.340/2006,
bem como na necessidade de desconstrução da mentalidade patriarcal. Neste sentido, como
metodologia de pesquisa, efetuamos uma entrevista no Núcleo de Defesa dos Direitos da
Mulher Vítima de Violência (NUDEM), órgão pertencente à Defensoria Pública do Rio de
Janeiro, onde analisamos a eficácia do sistema de proteção à mulher, incorporado pela Lei
Maria da Penha, segundo o ponto de vista da coordenadora do núcleo, Arlanza Maria
Rodrigues Rebello. Os resultados do estudo revelam a necessidade de empoderamento
feminino, da desconstrução do imaginário machista e da multidisciplinaridade no
atendimento a mulher.

Palavras-chave: Lei Maria da Penha. Violência Doméstica. Igualdade de Gênero.


Empoderamento. Mecanismos de Proteção.
ABSTRACT

The principle of equality is one of the essential assumptions to the realization of the
democratic rule of law, without which it is not possible to develop a fully established
society on human rights. Therefore, we propose this work in order to demonstrate the
applicability of the protection mechanisms for women in situations of violence, introduced
by Maria da Penha Law, problematising gender equality in Brazil. The focus of this study
is on the constitutionality and efficiency of the 11.340/2006 Law, as well as the need to
deconstruct the patriarchal mentality. In this sense, as a research methodology, we have
made an interview in the "Núcleo de Defesa dos Direitos da Mulher Vítima de Violência
(NUDEM)", an agency that belongs to the Public Defender's Office of Rio de Janeiro,
where we analyzed the effectiveness of the women's protection system, built by Maria da
Penha Law, from the point of view of the core coordinator, Arlanza Maria Rodrigues
Rebello. The study results reveal the need for women's empowerment, the deconstruction
of sexist imagery and multidisciplinary care in women.

Palavras-chave: Maria da Penha Law. Domestic violence. Gender equality.


Empowerment. Protection mechanisms.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

1. GARANTIA DA IGUALDADE DE “GÊNERO”

1.1 A questão de "gênero": perspectiva histórico-social


1.2 Igualdade material e igualdade formal
1.3 Lei Maria da Penha como instrumento de igualdade

2. LEI MARIA DA PENHA

2.1 Surgimento da Lei 11.340 de 2006

2.2 Inovações da Lei Maria da Penha


2.2.1 Afastamento da Lei 9.099/95
2.2.2 Introdução da expressão "situação de violência"
2.2.3 Tutela específica para as mulheres e conceituação da "violência de
gênero"
2.2.4 Proteção nas relações homoafetivas
2.2.5 As Medidas Protetivas de Urgência
2.2.6 Criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar com
competência híbrida

2.3 O tratamento do homem na Lei Maria da Penha

3. APLICABILIDADE DA LEI MARIA DA PENHA: A EXPERIÊNCIA DO


NUDEM NO RIO DE JANEIRO

3.1 Aplicação do protocolo entrevista

3.2 Análise da entrevista


3.2.1 Sobre os crimes mais recorrentes
3.2.2 Dos crimes no âmbito da internet
3.2.3 Sobre o comportamento da mulher vítima
3.2.4 Mudanças produzidas pela Lei Maria da Penha
3.2.5 Sobre a efetividade das Medidas Protetivas
3.2.6 Sobre as dificuldades encontradas pelo NUDEM
3.2.7 Sobre a inexistência de um perfil da mulher em situação de violência

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

REFERÊNCIAS
9

INTRODUÇÃO

Esta pesquisa tem por objetivo analisar os institutos legais introduzidos pela Lei Maria
da Penha, bem como sua aplicabilidade e eficácia. Para tanto, utilizaremos referenciais
teóricos, realizando, ao fim, como metodologia desse trabalho, uma entrevista no Núcleo de
Defesa dos Direitos da Mulher Vítima de Violência (NUDEM) da Defensoria Pública do Rio
de Janeiro.
A Lei Maria da Penha surge em 2006 como instrumento legal apropriado para o
enfrentamento da violência doméstica, diante de uma demanda social urgente. Vivemos em
uma sociedade marcada pela cultura patriarcal de "objetificação", pela qual subsiste o ideário
de que a mulher está subjugada ao homem, excluindo sua condição de sujeito de direitos. Esta
construção machista tem como um de seus piores desdobramentos a violência de gênero, que
atinge mulheres dos mais diversos grupos sociais, seja fisicamente, psicologicamente,
sexualmente, patrimonialmente ou moralmente.
Neste sentido, ainda que a Constituição da República preveja a igualdade como um de
seus princípios fundamentais, reconhecemos a importância da elaboração de normas
específicas e políticas públicas voltadas à redução das desigualdades de fato, de modo a
alcançar uma sociedade mais justa e equilibrada.
Perante o panorama destacado, este estudo justifica-se pela necessidade contínua de
informações que possam demonstrar não só o teor dos mecanismos de proteção da lei, como
também a execução e efetividade destas inovações normativas, que compõem o sistema de
atendimento à mulher vítima.
Para isso, partiremos do pressuposto de constitucionalidade da Lei Maria da Penha, à
luz dos princípios da igualdade material, isonomia e dignidade da pessoa humana, pelos quais
o estatuto pode ser considerado como ação afirmativa de proteção específica das mulheres e
instrumento capaz de contribuir para a superação da desigualdade de gênero.
Desse modo, esperamos colaborar para a desconstrução do senso comum de
naturalização das práticas de violência e para o desenvolvimento de uma perspectiva solidária
em relação à mulher vítima, assimilando a complexidade desta forma de violação. Além
disso, esperamos encorajar o sentimento de empoderamento feminino, o diálogo e as
discussões acerca da violência doméstica, de maneira a promover a não aceitação e a
identificação de relações abusivas.
10

Sob tais fundamentos, como metodologia deste trabalho, realizamos uma pesquisa de
campo, entrevistando a defensora pública Arlanza Maria Rodrigues Rebello, coordenadora do
Núcleo de Defesa dos Direitos da Mulher Vítima de Violência (NUDEM), situado na cidade
do Rio de Janeiro. O órgão é responsável pelo atendimento jurídico às mulheres
hipossuficientes em situação de violência, bem como pela difusão de iniciativas voltadas ao
tema. A intenção é compreender como a Lei Maria da Penha vem sendo aplicada na prática e
a efetividade de seus mecanismos. Assim, levamos em conta os relatos e a experiência da
entrevistada, considerando a relevância do ponto de vista de quem atua na esfera jurídica se
utilizando da Lei Maria da Penha em defesa das mulheres vítimas.
Esperamos com esta pesquisa, abrir caminhos para futuros estudos engajados no
aprimoramento das práticas de enfrentamento da violência doméstica e superação da
desigualdade de gênero, sempre através do diálogo e da informação, para nos tornarmos
agentes capazes de promover a construção de uma sociedade livre desta problemática.
Para tanto, o presente estudo segue em quatro capítulos numerados de um a quatro.
No capítulo um, damos destaque ao conceito de gênero, para, a partir de então,
introduzir o panorama histórico no qual se desenvolveram as lutas feministas e o processo de
constitucionalização no Brasil. Também demonstramos a constitucionalidade da Lei Maria da
Penha, diante do princípio da igualdade material, observando que a lei procura transformar
um contexto social de real desproporção em relação às mulheres.
No capítulo dois, apresentamos o caso concreto de Maria da Penha Fernandes, bem
como o desencadeamento do processo de elaboração da Lei 11.340 de 2006, ressaltando a
importância do movimento feminista. Além disso, tratamos das inovações e mecanismos de
proteção introduzidos pela Lei Maria da Penha no ordenamento jurídico brasileiro,
analisando, outrossim, o tratamento dado ao homem pelo estatuto.
Finalmente, no capítulo três, trazemos o resultado da entrevista realizada no NUDEM,
descrevendo as observações detectadas em nossa conversa, de modo a enriquecer o presente
trabalho através de uma perspectiva prática sobre os institutos legais fornecidos pela Lei
Maria da Penha.
11

1. GARANTIA DA IGUALDADE DE "GÊNERO"

Neste capítulo, trataremos do conceito de gênero, considerando a igualdade entre


homens e mulheres estabelecida na Constituição da República e o processo histórico no qual
as lutas pelo reconhecimento das mulheres como “sujeitos de direito” se desenvolveram. Será
demonstrada a distinção entre igualdade formal e material, tendo em vista a necessidade de
implementação de políticas públicas que promovam a igualdade de gênero, além de uma
maior participação feminina na política e no judiciário brasileiros.

1.1 A QUESTÃO DE "GÊNERO": PERSPECTIVA HISTÓRICO-SOCIAL

O direito à igualdade de gênero é estabelecido na Constituição da República


Federativa do Brasil de 1988, com fulcro no princípio da isonomia entre homens e mulheres
no que se refere a direitos e obrigações, conforme dispõe o art. 5º, inciso I. Em 2002, o Brasil
aderiu à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a
Mulher (CEDAW), adotada em 1979, além de outros instrumentos legais que tinham por base
a Carta das Nações Unidas1. A Convenção tratou de vedar qualquer tipo de distinção,
exclusão ou restrição baseada no sexo, determinando a elaboração de políticas públicas de
inclusão, com o objetivo de se obter uma maior participação feminina nas esferas política,
econômica e social, como se nota no trecho destacado de Pimentel (s/d, p. 20):

Artigo 1º - Para fins da presente Convenção, a expressão "discriminação contra a


mulher" significará toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que
tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou
exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na
igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais
nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo.

1
“O Protocolo Facultativo da CEDAW foi adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1999. Até
fevereiro de 2002, 73 países já o haviam assinado – dentre eles o Brasil – e 31 países já o haviam ratificado. O
Governo brasileiro assinou o Protocolo Facultativo à CEDAW em março de 2001 e, em 2002, ratificou-o”. In:
PIMENTEL, Silvia. Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher.
Cedaw 1979, pp. 17-18. Disponível em: http://compromissoeatitude.org.br/wp-
content/uploads/2012/08/SPM2006_CEDAW_portugues.pdf.
12

Artigo 2º - Os Estados-partes condenam a discriminação contra a mulher em todas


as suas formas, concordam em seguir, por todos os meios apropriados e sem
dilações, uma política destinada a eliminar a discriminação contra a mulher, e com
tal objetivo se comprometem a:

a) consagrar, se ainda não o tiverem feito, em suas Constituições nacionais ou em


outra legislação apropriada, o princípio da igualdade do homem e da mulher e
assegurar por lei outros meios apropriados à realização prática desse princípio;

b) adotar medidas adequadas, legislativas e de outro caráter, com as sanções cabíveis


e que proíbam toda discriminação contra a mulher;

c) estabelecer a proteção jurídica dos direitos da mulher em uma base de igualdade


com os do homem e garantir, por meio dos tribunais nacionais competentes e de
outras instituições públicas, a proteção efetiva da mulher contra todo ato de
discriminação;

d) abster-se de incorrer em todo ato ou prática de discriminação contra a mulher e


zelar para que as autoridades e instituições públicas atuem em conformidade com
esta obrigação;

e) tomar as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher


praticada por qualquer pessoa, organização ou empresa;

f) adotar todas as medidas adequadas, inclusive de caráter legislativo, para modificar


ou derrogar leis, regulamentos, usos e práticas que constituam discriminação contra
a mulher;

g) derrogar todas as disposições penais nacionais que constituam discriminação


contra a mulher.

O crescente movimento pela valorização dos direitos humanos restituiu a discussão


acerca do direito à igualdade de tratamento entre homens e mulheres, fazendo com que
voltássemos à problematização do conceito de gênero. Neste sentido é necessário esclarecer
que "gênero" diz respeito à ótica do indivíduo sobre si mesmo, para além do sexo, do corpo e
da orientação sexual (HEILBORN, 1997). O estudo do gênero visa, portanto, compreender a
naturalização de aspectos sociais e comportamentais que são atribuídos culturalmente ao
homem ou à mulher.
Ao tratar da questão do gênero, pretende-se demonstrar, especificamente, a existência
de atribuições femininas e masculinas que são fruto de uma construção social, sendo certo que
estas atribuições são absorvidas pelo corpo e pelo psicológico humano de modo tão arraigado
culturalmente que são consideradas como produto da própria essência do sexo ou da natureza
do corpo (HEILBORN, op. cit.). Sobre o tema, Heilborn afirma que:

A Antropologia tem chamado a atenção de que estas realidades são apenas


aparentes. Trata-se de uma ilusão de que compartilhamos com os outros seres
humanos uma mesma condição fundada na existência do corpo, do sexo, no sentido
13

de existirem machos e fêmeas, e da sexualidade. Na verdade, isso passa sempre e


necessariamente por uma simbolização, por uma construção cultural e social
específica. (HEILBORN, 1997, p. 01)

Sob esta perspectiva de gênero, entende-se que a desigualdade de direitos entre


homens e mulheres se desenvolveu com base em uma construção social de que algumas áreas
de atuação, características e comportamentos são "femininos", enquanto as demais esferas são
de domínio "masculino" e, portanto, inacessíveis às mulheres. Esta distinção que por tanto
tempo suprimiu os direitos das mulheres tornou-se alvo de lutas e movimentos sociais que
reivindicavam a igualdade de gênero, notadamente o movimento feminista.
O movimento feminista foi fundamental na luta pela igualdade de gênero, sendo
registrado historicamente através de duas grandes ondas (MEYER, 2004). A primeira é
marcada, principalmente, pelo movimento em prol do sufrágio universal, o qual teve início no
Brasil com a Proclamação de República em 1890, sendo conquistado pelas mulheres em 1934.
A segunda onda de movimentos feministas, por sua vez, se insere no cenário político de pós
2ª Guerra Mundial, caracterizando-se por uma maior produção intelectual, e pelos crescentes
movimentos de contestação que percorreram a Europa e a América no século XX, culminando
em maio de 19682 na França.
No Brasil, a segunda onda de lutas feministas por direitos sociais e políticos se
associava aos movimentos estudantis de oposição à ditadura militar e, posteriormente, ao
processo de redemocratização na década de 80 (MEYER, 2004).
A conjuntura política da segunda metade do século XX trouxe uma atmosfera de
questionamento e favoreceu a discussão acerca dos direitos das mulheres. Com o fim da 2ª
Guerra Mundial e a decadência dos regimes totalitários, a Europa passou por um longo
período de constitucionalização, marcado pela filosofia pós-positivista e pela instauração do
Estado Democrático de Direito, através da aproximação das ideias de constitucionalismo e
democracia (BARROSO, 2011).
A constitucionalização brasileira ocorre após o período autoritário de ditadura militar,
no âmbito da redemocratização, consolidando-se com a Constituição de 1988 que previa
formalmente a igualdade entre homens e mulheres perante a lei, além de mecanismos e

2
V. Mario Schmidt, Nova História Crítica, 2008, p. 673: "Acontece que 1968 incorporou uma nova visão
política. Até então a esquerda privilegiava a luta econômica contra a exploração capitalista e restringia o objetivo
político ao combate para destruir o Estado burguês. Pois 1968 mostrou que a opressão capitalista também
acontecia em outros pontos, esmagando as individualidades e provocando angústia. Temas como ecologia, os
direitos da mulher, dos velhos e dos homossexuais, a loucura, as necessidades existenciais e a realização do ser
humano passaram a ser enfocados com toda a atenção e sob perspectivas libertárias".
14

diretrizes para promover os direitos das mulheres. Sobre o marco da Constituição de 1988,
Barroso indica que:

Sob a Constituição de 1988, o direito constitucional no Brasil passou da


desimportância ao apogeu em menos de uma geração. Uma Constituição não é só
técnica. Tem de haver, por trás dela, a capacidade de simbolizar conquistas e de
mobilizar o imaginário das pessoas para novos avanços. O surgimento de um
sentimento constitucional no país é algo que merece ser celebrado. Trata-se de um
sentimento ainda tímido, mas real e sincero, e de maior respeito pela Lei Maior, a
despeito da volubilidade de seu texto. É um grande progresso. Superamos a crônica
indiferença que, historicamente, se mantinha em relação à Constituição. E para os
que sabem, é a indiferença, não o ódio, o contrário do amor. (BARROSO, 2011, p.
268)

Segundo Barroso (op. cit.), o neoconstitucionalismo consagrou valores morais


compartilhados pela sociedade que se configuram no texto constitucional na forma de
princípios. Dentre os diversos princípios incorporados pela Constituição brasileira, o princípio
da dignidade humana e o princípio da isonomia consolidaram-se como referências essenciais
na busca pela igualdade de gênero e no reconhecimento da figura feminina como sujeito de
direitos.
O princípio da dignidade se deslocou do campo ético e religioso, passando a figurar
em diversos documentos internacionais após a 2ª Guerra Mundial. Por ele temos a máxima de
respeito ao próximo (BARROSO, 2011), determinando, mais precisamente, que todas as
pessoas possuem direito a tratamento digno. A dignidade humana traz a reafirmação do
imperativo categórico Kantiano, pelo qual cada indivíduo é um fim em si mesmo, excluindo
proposições utilitaristas. Nas palavras de Barroso (op. cit., p. 274), "ele representa a superação
da intolerância, da discriminação, da exclusão social, da violência, da incapacidade de aceitar
o outro, o diferente, na plenitude de sua liberdade de ser, pensar e criar".
Para o estudo da igualdade de gênero, a incorporação do princípio da dignidade
humana no ordenamento jurídico brasileiro significou o reconhecimento da mulher como
detentora de direitos. A Constituição de 1988 contemplou cerca de 80% das propostas
feministas à época, o que modificou substancialmente o status jurídico das mulheres no Brasil
(CARNEIRO, 2003). Daí a substancialidade e força do movimento feminista no Brasil, que
foi capaz de proporcionar a inserção de direitos e prerrogativas das mulheres no instrumento
legal de maior importância do nosso ordenamento jurídico.
O feminismo brasileiro foi responsável, juntamente a outros movimentos
progressistas, pela redemocratização e incorporação constitucional de pautas que garantiam
15

direitos às minorias sociais, o que permitiu a discussão e elaboração de políticas públicas de


proteção à mulher. Sobre as inovações no campo das políticas públicas em favor das
mulheres, Carneiro destaca o seguinte:

Destaca-se, nesse cenário, a criação dos Conselhos da Condição Feminina – órgãos


voltados para o desenho de políticas públicas de promoção da igualdade de gênero e
combate à discriminação contra as mulheres. A luta contra a violência doméstica e
sexual estabeleceu uma mudança de paradigma em relação às questões de público e
privado. A violência doméstica tida como algo da dimensão do privado alcança a
esfera pública e torna-se objeto de políticas específicas. Esse deslocamento faz com
que a administração pública introduza novos organismos, como: as Delegacias
Especializadas no Atendimento à Mulher (Deams), os abrigos institucionais para a
proteção de mulheres em situação de violência; e outras necessidades para a
efetivação de políticas públicas voltadas para as mulheres, a exemplo do treinamento
de profissionais da segurança pública no que diz respeito às situações de violência
contra a mulher, entre outras iniciativas. (CARNEIRO, 2003, p. 01)

A nova Constituição ganhou força normativa, superando-se o paradigma pelo qual a


Carta Magna seria um documento apenas de caráter político e atribuindo ao Poder Judiciário o
papel de protetor do conteúdo constitucional (BARROSO, 2011). Com tal característica, o
princípio da dignidade humana e as proposições de igualdade de gênero recepcionadas na
Constituição revelam-se imperativas e de cumprimento obrigatório, possibilitando a criação
de mecanismos de coação e realização do texto constitucional.
Ainda existem diversas dificuldades para que se alcance a igualdade de gênero de
forma plena, tendo em vista que a mulher continua a ser objeto de pretensão de igualdade,
enquanto o homem é paradigma deste sistema (PEREIRA, 1999). Entretanto é inegável que a
Constituição de 1988 reforçou o status da mulher como sujeito de direitos. Além disso, a
Constituição trouxe a possibilidade de reclamação desses direitos e fomentação de políticas
públicas que tornem a igualdade de gênero uma realidade.
Assim, para maior compreensão de nosso estudo, trataremos no item seguinte sobre a
distinção entre igualdade formal e igualdade material, para que possamos reconhecer o
fundamento de constitucionalidade da Lei Maria da Penha e, à vista disso, investigar seus
institutos.
16

1.2 IGUALDADE MATERIAL E IGUALDADE FORMAL

O princípio da igualdade é um dos alicerces do estado constitucional de direito e foi


consagrado por meio dos artigos 5º, inciso I e 7º da Constituição Brasileira, sendo vedada
qualquer possibilidade de discriminação entre homens e mulheres. Mais do que isso, o
princípio da igualdade foi lapidado pela concepção de isonomia, segundo a qual devemos
tratar, igualmente, os iguais e desigualmente os desiguais, abarcando ainda o princípio da
especialidade (DINIZ, 2010). À luz destes princípios, podemos compreender porque a Lei
Maria da Penha foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro como instrumento legal de
igualdade, bem como sustentar sua constitucionalidade. Para tanto, cabe inicialmente discernir
os conceitos de igualdade formal e igualdade material.
Tem-se a igualdade formal mediante a máxima de que todos são iguais perante à lei,
preceito este acolhido pelo modelo jurídico ocidental após a Revolução Francesa. Por sua vez,
a igualdade material diz respeito à postulação de um tratamento uniforme de todas as pessoas
perante os bens da vida (BASTOS, 1994), o que exige a elaboração de normas e políticas
protetivas na tentativa de obter equilíbrio e de se assegurar o direito à igualdade de fato
(DIAS, 1997).
Na tentativa de promover a igualdade material, a Constituição concedeu tratamento
diferenciado entre homens e mulheres em decorrência de uma realidade cultural na qual a
mulher se encontra em situação de desproporção (DIAS, op. cit.). À título exemplificativo, a
Carta Magna outorgou medidas de proteção à mulher no mercado de trabalho (artigo 7º,
inciso XX da Constituição), além de assegurar aposentadoria aos 60 anos para a mulher,
enquanto que para os homens a idade mínima é de 65 anos (artigo 202 da Constituição).
Neste sentido, garantias constitucionais e infraconstitucionais análogas não
proporcionam incompatibilidade, mas são normas de discriminação positiva elaboradas na
tentativa de corrigir distorções sociais e promover direitos (DIAS, op. cit.), como afirma
Emerique:

Os legisladores constituintes deram maior ênfase à igualdade formal, porém o


entendimento não se circunscreve apenas a igualdade perante a lei, mas também a
igualdade na lei. A simples referência ao princípio da isonomia, no aspecto formal,
nos textos normativos não alcançou o propósito de produzir uma sociedade mais
igualitária, daí a necessidade de desenvolver mecanismos que também observassem
a igualdade no aspecto material, com o propósito de minimizar as diferenças sociais,
mesmo que na prática sua aferição fosse complexa. A introdução de normas
programáticas nos textos constitucionais foi um passo importante para a consecução
deste objetivo. (EMERIQUE, 2005, p. 04)
17

Veja-se que não só a Lei Maria da Penha como outras normas de discriminação
positiva possuem fundamento no conceito de igualdade material, já que buscam a redução das
desigualdades de fato, aproximando o texto constitucional da realidade social. O caráter
programático da Constituição brasileira não exclui a eficácia dos dispositivos constitucionais,
mas pressupõe a elaboração de projetos e normas que reduzam essas lacunas de desigualdade,
o que também afasta a ideia de utopia do conteúdo constitucional.
Apesar disso, são tímidas as ações positivas no sentido de promover a igualdade de
gênero, uma vez que subsiste o receio de se ferir o princípio da igualdade formal. Este
raciocínio faz com que se perpetue um status de disparidade que já é naturalmente acentuado
em nossa sociedade (DIAS, 1997). Ademais, a incorporação de dispositivos legais que
promovem a proteção da mulher possui respaldo nos tratados e convenções internacionais que
consagram as ações afirmativas de gênero como não discriminatórias, posto que essas ações
possuem a finalidade de sanar situações de desigualdade.
Ainda que aos poucos, as iniciativas de promoção de igualdade de gênero e de direitos
das mulheres vêm se tornando mais frequentes no universo político e social, muito em virtude
do amparo legal conferido pela Constituição ao estabelecer direitos subjetivos às mulheres,
perante os quais não é admissível comportamento antagônico.
O Brasil teve participação na Plataforma de Ações aprovada na IV Conferência
Mundial sobre a Mulher, em Pequim, no ano de 1995, onde foi legitimado o compromisso de
promover ações estratégicas e políticas públicas concretas de redução de desigualdade entre
homens e mulheres, com foco e incentivo ao empoderamento feminino.
Outrossim, o governo brasileiro vem lançando desde 2003 o Plano Nacional de
Políticas para as Mulheres, realizado pela Secretaria de Políticas para as Mulheres, que traça
planejamentos e metas específicas para a redução das desigualdades de gênero nas mais
diversas áreas, tendo como fundamento o princípio da transversalidade, conforme destacado:

Sabemos que as práticas patriarcais seculares enraizadas nas relações sociais e nas
diversas institucionalidades do Estado devem ser combatidas no cotidiano de
maneira permanente. A busca pela igualdade e o enfrentamento das desigualdades
de gênero fazem parte da história social brasileira, história esta construída em
diferentes espaços e lugares com a participação de diferentes mulheres, com maior e
menor visibilidade e presença política. Há muito as mulheres vêm questionando nos
espaços públicos e privados a rígida divisão sexual do trabalho; com isto, vêm
contribuindo para mudar as relações de poder historicamente desiguais entre
mulheres e homens. Nesse sentido, gerações de mulheres têm se comprometido em
construir um mundo igual e justo, buscando igualdade entre mulheres e homens,
18

com respeito às diferentes orientações sexuais, além da igualdade racial e étnica.


Afinal, tais diferenças são apenas mais uma expressão da rica diversidade humana e
é preciso garantir igualdade de oportunidades para todas as pessoas. Para a
transformação dos espaços cristalizados de opressão e invisibilidade das mulheres
dentro do aparato estatal, faz-se necessário um novo jeito de fazer política pública: a
transversalidade. A transversalidade das políticas de gênero é, ao mesmo tempo, um
construto teórico e um conjunto de ações e de práticas políticas e governamentais.
Enquanto construto teórico orientador, a transversalidade das políticas de gênero
consiste em ressignificar os conceitos-chave que possibilitam um entendimento mais
amplo e adequado das estruturas e dinâmicas sociais que se mobilizam – na
produção de desigualdades de gênero, raciais, geracionais, de classe, entre outras. Já
enquanto conjunto de ações e de práticas, a transversalidade das políticas de gênero
constitui uma nova estratégia para o desenvolvimento democrático como processo
estruturado em função da inclusão sociopolítica das diferenças tanto no âmbito
privado quanto no público; sendo também, e sobretudo, necessária nos espaços de
relação de poder e de construção da cidadania. (Plano Nacional de Políticas para as
Mulheres. Brasília: Secretaria de Políticas para as Mulheres, 2013, p. 10)

Baseado nos princípios da isonomia e transversalidade, o Plano Nacional de Políticas


para as Mulheres define estratégias concretas de proteção à mulher, com ênfase nos seguintes
objetivos: igualdade no trabalho e autonomia econômica; educação para igualdade e
cidadania; saúde, principalmente no que tange aos direitos sexuais e reprodutivos;
enfrentamento da violência contra mulher; fortalecimento da participação feminina nos
espaços públicos; desenvolvimento sustentável com igualdade econômica e social; direito à
terra com igualdade no campo para as mulheres; cultura, esporte, comunicação e mídia;
enfrentamento do racismo, sexismo e lesbofobia; igualdade para as mulheres jovens, idosas e
mulheres com deficiência.
É indispensável a realização de ações afirmativas em todas as esferas de governo,
observando-se a necessidade de proteger a mulher em situação de opressão, e de proporcionar
maior participação feminina no campo político, transformando a cidadania "formal" em
cidadania "real" através de uma dupla intervenção: nas estruturas da própria sociedade e nas
formas jurídico-políticas de atuação (TREVISO, 2008).
Sob esta perspectiva, a obediência ao princípio da isonomia formal não pode coibir a
elaboração de normas e programas de proteção à mulher, sob pena de se aprofundarem os
contextos e as relações de desigualdade já existentes e construídos socialmente. Sobre este
aspecto, Ferraz esclarece que:

Entre ambas, há uma enorme diferença. JOAQUIM B. BARBOSA GOMES


observa que o conceito de igualdade material ou substancial recomenda que se
levem na devida conta as desigualdades concretas existentes na sociedade, devendo
as situações ser tratadas de maneira dessemelhante, evitando-se assim o
aprofundamento e a perpetuação de desigualdades engendradas pela própria
19

sociedade. Produto do Estado Social de Direito, a igualdade substancial ou material


propugna redobrada atenção por parte dos aplicadores da norma jurídica à variedade
das situações individuais, de modo a impedir que o dogma liberal da igualdade
formal impeça ou dificulte a proteção e a defesa dos interesses das pessoas
socialmente fragilizadas ou desfavorecidas. (FERRAZ, 2005, p. 1199)

Cabe ressaltar que o contexto de desigualdade no qual a mulher está inserida, não é
universal ou homogêneo, porém dinâmico e heterogêneo, variando de acordo com o
enquadramento que diferentes grupos de mulheres possuem na sociedade (TREVISO, 2008).
Sendo assim, mesmo que a desigualdade afete os mais diversos coletivos de mulheres em
áreas distintas, a intensidade da opressão que recai sobre cada mulher aumenta conforme sua
condição de adquirir bens materiais e imateriais para obter uma vida digna. Ou seja, a
desigualdade se intensifica à medida que a mulher se encontra em situação mais pobre e
desfavorecida (TREVISO, op. cit.).
A distinção entre igualdade formal e igualdade material tem como função precípua
demonstrar que a discriminação positiva, no que concerne à realização de políticas públicas
de gênero e à elaboração de normas protetivas, não infringe o princípio da isonomia, mas
possui caráter compensatório em face de uma demanda socialmente autêntica. Sobre o
princípio da igualdade, Dias afirma que:

O que se deve atentar não é à igualdade perante a lei, mas o direito à igualdade
mediante a eliminação das desigualdades, o que impõe que se estabeleçam
diferenciações específicas como única forma de dar efetividade ao preceito
isonômico consagrado na Constituição. (DIAS, 1997, p. 04)

As ações afirmativas e a elaboração de normas de discriminação positiva, tais como a


Lei Maria da Penha, são artifícios necessários para que possamos alcançar uma sociedade
mais justa e equilibrada, reduzindo os espaços de desigualdade. Junto às ações afirmativas, há
ainda a necessidade de se reconhecer culturalmente a mulher como “sujeito de direitos”, bem
como promover sua maior participação e representatividade na esfera política, de modo que o
respeito e a igualdade de gênero sejam características de uma realidade tangível.
20

1.3 LEI MARIA DA PENHA COMO INSTRUMENTO DE IGUALDADE

Conforme demonstrado no início deste capítulo, a Constituição de 1988 transcende a


perspectiva da igualdade formal, pela qual, tradicionalmente, todos são iguais perante a lei,
para introduzir a igualdade material, exigindo-se uma postura positiva do estado na
construção de uma sociedade igualitária (PIOVESAN; PIMENTEL, 2007).
Sob este fundamento constitucional, a Lei Maria da Penha (Lei 11.340 de 2006) surge
como instrumento legal para combater a violência doméstica contra a mulher, buscando tornar
mais efetiva a superação do paradigma da desigualdade de gênero. A lei trata da criação de
mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher e representa uma
resposta aos movimentos internacionais em defesa dos direitos femininos, tendo em vista uma
realidade cultural e histórica de desigualdade de gênero. Nas palavras de Piovesan e Pimentel,
considera-se a Lei Maria da Penha como instrumento de igualdade material, que confere
efetividade aos preceitos constitucionais:

A "Lei Maria da Penha", ao enfrentar a violência que, de forma desproporcional,


acomete tantas mulheres, é instrumento de concretização da igualdade material entre
homens e mulheres, conferindo efetividade à vontade constitucional, inspirada em
princípios éticos compensatórios. (PIOVESAN; PIMENTEL, 2007, p. 01 )

A Lei Maria da Penha se destaca como ação afirmativa, uma vez que traz novos
mecanismos para a erradicação da cultura de violência contra a mulher, o que era – e ainda é –
uma demanda urgente.
O contexto social brasileiro é marcado por uma cultura secular de dominação machista
que tem a violência doméstica como um de seus efeitos. Reconhecer a existência de uma
sociedade desigual justifica a realização de políticas públicas, dentre elas a própria criação da
Lei Maria da Penha, no sentido de promover os direitos fundamentais femininos para que a
dignidade humana atinja o mesmo patamar entre homens e mulheres (ÁVILA, 2007).
Além disso, a própria Constituição em seu artigo 226, parágrafo 8º, estabelece que o
Estado deve assegurar a assistência à família, coibindo a violência no âmbito de suas relações.
Este dispositivo não possui caráter meramente abstrato, mas é efetivo e vincula a norma infra-
constitucional (ÁVILA, op. cit.), sendo certo que o ordenamento jurídico deve ser
interpretado de modo que os direitos fundamentais de todos os cidadãos sejam ampliados.
21

A partir da consciência de que a violência doméstica caracteriza-se por ser um


problema histórico de desigualdade de gênero, podemos compreender a Lei Maria da Penha
como instrumento benéfico e direcionado à superação de tais práticas, sinalizando a alteração
de paradigma quanto à não-aceitação da violência contra a mulher (ÁVILA, 2007). Neste
sentido, Ávila alega que:

O novo regramento legal parte do reconhecimento de que há todo um conjunto de


poder simbólico, interiorizado por homens e mulheres desde a infância, que coloca a
mulher em uma postura de dependência e acaba por fragilizá-la na relação de
gênero, especialmente no âmbito doméstico, potencializando sua vitimização e
criando óbices à alteração deste status, pela dificuldade psicológica de sua denúncia
e pela tendência de minimização da gravidade da violência pelas instâncias formais
e informais de controle social. Infelizmente, não é raro ouvir-se a expressão que
"agressão de marido contra mulher não é ''violência contra a mulher'' mas violência
contra a sua mulher", argumento estapafúrdio fundado numa perspectiva coisificante
da mulher e utilizada para justificar a desnecessidade de interferência do Estado para
quebrar este ciclo de violência que se repete diariamente em milhares de lares.
(ÁVILA, 2007, p. 02)

A Lei 11.340 de 2006 institui categoricamente as modalidades de violência doméstica


e familiar que, além de física, pode ser psicológica, sexual, patrimonial e moral (artigo 7º da
Lei 11.340 de 2006). Mais ainda, a lei fornece uma série de medidas de proteção e assistência
à mulher (artigos 12, 18, 19, 22 e 24 da Lei 11.340 de 2006) que inovaram o conceito de
medida protetiva já existente no ordenamento jurídico brasileiro. As medidas protetivas na Lei
Maria da Penha obrigam diretamente o agressor e não somente a vítima, como acontece, por
exemplo, no Estatuto da Criança e do Adolescente (artigo 101 da Lei 8.069 de 1990) e no
Estatuto do Idoso (artigo 45 da Lei 10.741 de 2003), onde tais medidas são direcionadas
apenas às pessoa em situação de hipossuficiência, quais sejam, os menores e os idosos.
Estudaremos no capítulo seguinte as peculiaridades da Lei Maria da Penha,
considerando seu papel no desenvolvimento de uma sociedade menos desigual e na superação
do paradigma da violência de gênero. Veremos que a lei criou um sistema de proteção e
atendimento à mulher, introduzindo medidas protetivas de urgência e mecanismos próprios
para coibir a violência. A Lei Maria da Penha retirou da esfera privada o problema da
violação à dignidade da mulher, proporcionando maior amparo legal e institucional às
mulheres em situação de violência.
22

2. LEI MARIA DA PENHA

Este capítulo abordará o contexto de elaboração da Lei 11.340 de 2006, considerando


a influência dos movimentos feministas e de direitos humanos, bem como o caso concreto de
Maria da Penha Fernandes e sua apreciação pela Comissão Interamericana de Direitos
Humanos. Estes foram os principais fatores que provocaram o Estado brasileiro a elaborar
políticas públicas eficientes de enfrentamento à problemática da violência doméstica.
Em seguida, serão analisadas as inovações trazidas pela Lei Maria da Penha e o
tratamento conferido ao homem em situação de violência, demonstrando que a lei não possui
cunho discriminatório.

2.1 SURGIMENTO DA LEI 11.340 DE 2006

A Lei 11.340 de 2006 surge em um contexto político de forte intervenção da


comunidade internacional, em prol dos direitos humanos e dos direitos das mulheres
(SANTOS, 2008). A Conferência dos Direitos Humanos, promovida pela ONU em 1993,
trouxe reconhecimento à nível internacional da violência contra a mulher como uma violação
aos direitos humanos, proporcionando, naquele mesmo ano, a aprovação pela Assembléia
Geral da ONU da Declaração sobre a Eliminação da Violência Contra as Mulheres. O
documento visava reforçar o processo de superação da violência contra a mulher,
reconhecendo a desigualdade histórica das relações de poder entre homens e mulheres e
determinando o posicionamento preventivo e punitivo dos Estados no sentido de eliminar a
violência, independente de costumes, tradições e fundamentos religiosos (artigo 4º da
Declaração sobre a Eliminação da Violência Contra as Mulheres).
Em 1994, a OEA aprovou igualmente a Convenção para Eliminação, Prevenção,
Punição e Erradicação da Violência contra a Mulher - conhecida como Convenção de Belém
do Pará - que também definiu a violência contra a mulher como violação aos direitos
humanos, orientando os Estados Partes a adotarem meios de prevenção e punição dos atos de
violência (artigo 7º da Convenção de Belém do Pará).
Esta movimentação internacional que culminou na elaboração de tais documentos,
ocorreu especialmente em razão das mobilizações de grupos feministas transnacionais e
23

acabou surtindo efeitos nos discursos locais. No Brasil, especialmente, ele foi incorporado à
luta contra a impunidade nos casos de assassinato contra mulheres, assim como na busca por
leis de proteção aos direitos humanos da mulher, movimento este que foi impulsionado e
liderado por organizações não governamentais (SANTOS, 2008).
Como já mencionado no capítulo anterior, o Brasil foi signatário de tratados
internacionais que ratificavam o compromisso de erradicar a violência contra a mulher e
promover internamente os direitos humanos. Assim, cabe destacar os seguintes documentos
que foram incorporados ao sistema jurídico nacional: a Convenção Interamericana para
Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, ratificada pelo Brasil em 1995; a
Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial sobre as Mulheres, promovida pela ONU em
1995 e assinada pelo Brasil no mesmo ano; o Protocolo Facultativo à Convenção sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, adotado pela ONU em
1999, assinado pelo governo brasileiro em 2001 e ratificado pelo Congresso Nacional em
2002; a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as
Mulheres (CEDAW), adotada pela ONU em 1979 e assinada com reservas pelo Brasil em
1983. Em 1984, a CEDAW foi ratificada pelo Congresso Nacional, mantendo-se as reservas
do poder executivo. Apenas em 1994, o governo brasileiro retirou as reservas e ratificou
integralmente a Convenção (FREIRE, 2006). Em 1992, o Brasil ratificou, ainda, a Convenção
Americana dos Direitos Humanos, que trouxe maior possibilidade de denúncia em âmbito
nacional nos casos de violação aos direitos humanos (SANTOS, op. cit.).
A inserção de tais tratados e convenções no ordenamento jurídico brasileiro trouxe
nova perspectiva de mobilização às organizações feministas e em prol dos direitos humanos,
que agora poderiam recorrer às instâncias internacionais diante da inércia do governo
brasileiro. Além disso, a discussão sobre violência de gênero no plano internacional e a
produção de documentos que reforçavam o objetivo de combater a violência contra a mulher,
foram o ponta pé inicial na mudança de uma mentalidade culturalmente enraizada segundo a
qual a mulher deve ocupar uma posição de subordinação em relação ao homem.
O fundamento legal dos tratados e convenções internacionais de proteção à mulher,
fortaleceu os movimentos feministas que reivindicavam uma resposta mais afetiva do governo
brasileiro no que diz respeito ao combate da violência contra a mulher. Sobre a maior
movimentação das organizações feministas não-governamentais após a incorporação dos
referidos instrumentos legais, Santos reforça que:
24

O recurso das feministas a instâncias supra-nacionais de proteção dos direitos


humanos, como a OEA e a ONU, também foi um fator importante, (...) sobretudo
por mostrar, internacionalmente, que o governo brasileiro não estava cumprindo as
suas obrigações de defesa dos direitos humanos. (SANTOS, 2008, p. 23)

Esta abertura para a discussão acerca da violência contra a mulher, fez com que na
segunda metade da década de 1990 fossem enviados dois casos brasileiros à Comissão
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH): o caso Maria Lepoldi, que foi assassinada por
seu ex-namorado (1996), e o caso Maria da Penha, que sofreu dupla tentativa de homicídio
por parte de seu marido (1998).
Em ambos os casos foi verificada a falta de compromisso do Estado brasileiro no
combate à violência doméstica. Ademais, a repercussão internacional expôs as fraquezas e
necessidade de transformação radical do sistema criminal brasileiro, que era marcado pela
falta de seriedade e morosidade em relação aos processos que envolviam situações de
violência contra a mulher (SANTOS, 2008).
O caso de Maria da Penha ganhou maior destaque no cenário nacional e foi vinculado
à Lei 11.340 de 2006, merecendo ser relatado. Maria da Penha Maia Fernandes foi vítima de
duas tentativas de homicídio realizadas por seu marido, Marco Antônio Heridia Viveros, em
maio e junho de 1983. A primeira tentativa ocorreu quando Viveiros atirou contra Maria da
Penha enquanto ela dormia. Por consequência desta agressão, a vítima precisou se submeter a
diversos procedimentos cirúrgicos, sofrendo, ao final, paraplegia irreversível, além dos
traumas físicos e psicológicos. A segunda tentativa de assassinato ocorreu duas semanas após
Maria da Penha ter retornado do hospital, quando seu marido tentou eletrocutá-la enquanto se
banhava. Antônio Viveros, possuía um histórico de agressões contra suas filhas e esposa, que,
por sua vez, temia se separar por conta de seu comportamento violento. Finalmente a segunda
agressão homicida motivou Maria da Penha a se separar judicialmente.
Os atentados contra a vida de Maria da Penha foram premeditados por seu marido que
semanas antes teria tentado convencê-la a assinar um seguro de vida em favor dele, bem como
realizar a venda de um carro de propriedade da vítima sem que constasse no contrato o nome
do comprador (Corte Interamericana de Direitos Humanos, Relatório n. 54/01, Caso n.
12.051). Cecília Macdowell Santos descreve como se desenrolou o caso no judiciário
brasileiro:

No primeiro julgamento, ocorrido nove anos depois do crime, Viveros foi


condenado a uma pena de 15 anos de reclusão, reduzida a 10 anos por se tratar de
25

réu primário. Em 1996, a decisão do júri foi anulada e o réu, sendo submetido a
novo julgamento, foi condenado a 10 anos e 6 meses de reclusão. Recorrendo da
sentença diversas vezes e valendo-se, inclusive, de práticas de corrupção, Viveros
permaneceu em liberdade por dezenove anos, sendo preso em outubro de 2002,
pouco antes de o crime prescrever. Pode-se afirmar que a conclusão do processo
judicial e a prisão do réu só ocorreram graças às pressões da Comissão
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que recebera o caso em 1998.
(SANTOS, 2008, p. 24)

Mesmo após o encaminhamento da petição à CIDH o processo criminal ainda não


havia sido decidido e embora existissem provas concretas da autoria do fato, a morosidade da
justiça brasileira por pouco não ocasionou a prescrição do caso. O processo foi levado à
CIDH pelas organizações Comitê Latino-Americano e do Caribe pela Defesa dos Direitos da
Mulher – CLADEM-Brasil e Centro pela Justiça e o Direito Internacional – CEJIL, além da
vítima Maria da Penha, com base na "Convenção de Belém do Pará" e na Convenção
Americana de Direitos Humanos. O relatório final da CIDH responsabilizou o Estado
brasileiro pelas violações sofridas por Maria da Penha, em razão da ineficiência e lentidão da
justiça local que impediu a vítima de ser amparada pelo devido processo legal. A CIDH
concluiu que as agressões sofridas por Maria da Penha resultaram do descaso e inércia do
Brasil no que diz respeito à não aceitação da violência doméstica.
As recomendações da CIDH ao Estado brasileiro incluíam: a condução de uma
investigação séria, imparcial e exaustiva com vistas ao estabelecimento da responsabilidade
do agressor pela tentativa de assassinato sofrida por Maria da Penha; identificação das
práticas dos agentes do Estado que teriam impedido o andamento célere e eficiente da ação
judicial contra o agressor; que o Estado providenciasse de imediato a devida reparação
pecuniária à vítima; que adotasse medidas no âmbito nacional visando a eliminação da
tolerância dos agentes do Estado face à violência contra as mulheres (Corte Interamericana de
Direitos Humanos, Relatório n. 54/01, Caso n. 12.051).
O caso Maria da Penha se tornou emblemático, considerando que pela primeira vez
um organismo internacional havia aplicado a "Convenção de Belém do Pará" e condenado um
Estado soberano pelas violações de direitos humanos sofridas por um particular. Além disso,
foi confirmado o atraso e negligência do Brasil quanto à erradicação da violência contra a
mulher, o que explicitou a urgência em formular novos instrumentos normativos e políticas
públicas de prevenção e proteção das mulheres (SANTOS, 2008).
Apesar disso, em um primeiro momento, as autoridades brasileiras ignoraram as
recomendações da CIDH, mesmo após o Estado ter sido condenado pelo relatório de mérito.
26

Somente 3 anos depois da publicação do relatório, em 2004, o governo iniciou o cumprimento


das recomendações, elaborando um projeto de lei que introduzia mecanismos de combate e
prevenção à violência doméstica contra mulheres (Decreto 5.030, de 31 de março de 2004).
Assim, em 07 de agosto de 2006 nasceu a Lei 11.340, denominada intencionalmente
de "Lei Maria da Penha" com o objetivo de reparar de forma simbólica Maria da Penha
Fernandes pelas agressões sofridas por seu ex-marido e pela inércia do judiciário brasileiro
(SANTOS, op. cit.).
O processo de criação da Lei 11.340 de 2006 foi resultado da articulação entre o
governo e os movimentos feministas que, no que lhes concerne, tiveram praticamente a
totalidade de suas propostas absorvidas pelo novo instrumento legal. Porém é imperioso
reconhecer que especialmente o caso Maria da Penha e toda a pressão internacional que
sucedeu sua apreciação pela CIDH foram essenciais para que o Estado brasileiro se
movimentasse de maneira precisa, buscando a prevenção e erradicação da violência contra a
mulher (SANTOS, op. cit.).
A exposição internacional do Brasil, após a apreciação do caso de Maria da Penha pela
CIDH, trouxe à tona o descaso do judiciário e do governo brasileiro em relação à elaboração
de medidas eficientes de superação da violência contra a mulher, mesmo perante a
participação do Brasil em tratados internacionais que garantiam, em tese, este compromisso.
A condenação do Estado brasileiro diante dos olhares de reprovação da comunidade
internacional fez com que o governo enfrentasse com mais seriedade a violência doméstica,
acolhendo grande parte das proposições feministas no instrumento legal que transformaria o
paradigma de impunidade da justiça brasileira no que diz respeito à violência de gênero. A
elaboração da Lei Maria da Penha marcou a luta pela igualdade de gênero e modificou
profundamente a forma como os casos de violência contra a mulher eram contemplados pelo
judiciário. Mais ainda, a repercussão e popularidade da lei proporcionaram uma atmosfera
social de discussão e questionamento sobre o tema da violência doméstica, tornando pública
uma realidade que se escondia nas relações privadas.
Adiante, estudaremos as mudanças introduzidas pela Lei Maria da Penha e suas
especificidades, analisando os reflexos do novo instrumento legal no ordenamento jurídico
brasileiro.
27

2.2 INOVAÇÕES DA LEI MARIA DA PENHA

A Lei 11.340 de 2006 deu aplicabilidade ao princípio da dignidade humana e à


igualdade de gênero que, apesar de previstos na Constituição, precisavam ser transportados
para um diploma legal específico e detalhado, comunicando à sociedade o novo paradigma de
não aceitação da violência doméstica (ÁVILA, 2007). A lei reafirma o artigo 226, parágrafo
8º, da Constituição, através de seu artigo 3º, parágrafo 2º, pelo qual é dever da família, do
Estado e da sociedade criar condições necessárias para o efetivo direito à vida digna e à
convivência familiar da mulher.
A projeção na lei do artigo 226 da Constituição o tornou tangível, produzindo
igualdade material entre homens e mulheres ao propor o enfrentamento da violência
doméstica e reforçar: a proteção dos direitos fundamentais; a incorporação dos tratados
internacionais de direitos humanos; e o propósito da legislação de contribuir para a igualdade
nas relações de gênero no âmbito familiar (CAMPOS e CARVALHO, 2011).
A Lei Maria da Penha cria um sistema jurídico autônomo e multifacetado, com regras
e procedimentos específicos, que desvinculam a violência de gênero do campo
exclusivamente penal (CAMPOS e CARVALHO, op. cit.), ampliando o amparo da mulher
em situação de violência. Assim, destacamos as principais inovações instituídas pelo diploma
legal.

2.2.1 Afastamento da Lei 9.099/95

Antes da Lei Maria da Penha, os casos de violência doméstica eram encaminhados aos
Juizados Especiais Criminais e julgados nos termos da Lei 9.099/95 como crimes de menor
potencial ofensivo, o que possibilitava a aplicação de medidas despenalizadoras tais como a
composição civil, a transação penal e a suspensão condicional do processo (artigos 72, 74, 76,
88 e 89 da Lei 9.099/95). Aqui reconhecemos a relevância das medidas despenalizadoras na
esfera penal, uma vez que afastam a aplicação da pena privativa de liberdade e a
estigmatização que é inerente ao processo penal. Entretanto, a lei se orienta por critérios de
simplicidade e celeridade que não comportavam a complexidade dos casos de violência de
gênero e familiar. Os crimes cometidos no âmbito da violência doméstica quase nunca eram
28

solucionados pelo procedimento previsto na Lei 9.099/95 que se conduzia pela lógica binária
de "autor" e "vítima", inerente ao sistema penal.
A situação de violência doméstica exigia um olhar cuidadoso e multidisciplinar do
judiciário que não era contemplado pelos Juizados Especiais Criminais, gerando na vítima um
sentimento de impunidade e insegurança quanto à ocorrência de uma nova agressão:

A Lei Maria da Penha proibiu expressamente a incidência da Lei 9.099/95 nos casos
de violência doméstica, sobretudo em face da crítica feminista à universalização da
aplicação de prestações comunitárias (contribuições financeiras a entidades
filantrópicas, conhecidas vulgarmente como “penas de cestas básicas”) como
resposta judicial às violências praticadas contra mulheres. Situação que foi projetada
igualmente para as modalidades de sanção previstas na Lei. (CAMPOS e
CARVALHO, 2011, p. 147)

Ao afastar a incidência total da Lei 9.099/95, através de seu artigo 41, a Lei Maria da
Penha introduziu no ordenamento jurídico brasileiro novo procedimento para a efetiva
proteção da mulher em situação de violência, excluindo a possibilidade de aplicação das
medidas despenalizadoras. Neste sentido, foi alterada a pena máxima prevista no artigo 129, §
9º do Código Penal para três anos de detenção, o que impede que o crime de lesão corporal se
configure como de menor potencial ofensivo. Além disso, houve a limitação da possibilidade
de renúncia à representação por meio do artigo 16 da lei, que previa a necessidade de
audiência especialmente designada para tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e
ouvido o Ministério Público. Mais tarde, o STF consolidou o entendimento de que a natureza
da ação penal em caso de crime de lesão, praticado contra a mulher no ambiente doméstico é
de ação penal incondicionada, pouco importando a extensão da lesão (AdIn. n. 4.424 de
9/02/2012).
Em semelhante perspectiva, a descaracterização da violência doméstica como infração
de menor potencial ofensivo transformou a interpretação sobre este tipo de agressão, que
passou a ser compreendida como penalmente relevante.

2.2.2 Introdução da expressão "situação de violência"

Outra inovação da Lei Maria da Penha que merece ser discutida foi a intencional
utilização da expressão "mulher em situação de violência" em oposição ao termo "vítima", em
razão da carga estigmatizante contida nesta intitulação. Não se trata portanto de mero detalhe
linguístico, mas sim da necessidade de se deslocar a violência doméstica do plano da
29

dicotomia penal (autor e réu; sujeito ativo e passivo), expressando a verdadeira complexidade
deste tipo de agressão (CAMPOS e CARVALHO, 2011).
O próprio movimento feminista reconheceu que o termo "vítima" não era adequado e
atribuía à mulher a condição de objeto da violência ou de não-sujeito de direitos, excluindo
sua autonomia. Já a crítica à expressão "situação de violência" apontava que o termo se
aproximava de "menor em situação irregular", o que colocaria a mulher em um patamar de
incapacidade jurídica (CAMPOS e CARVALHO, op. cit.). Isto não foi suficiente para que a
nova expressão não fosse fortemente aceita, transmitindo a ideia de transitoriedade e
recuperando o status de sujeito de direitos da mulher.

2.2.3 Tutela específica para as mulheres e conceituação da "violência de gênero"

A Lei Maria da Penha criou mecanismos para coibir a violência contra a mulher e
promover igualdade material mesmo que isso implique em aparente desigualdade formal,
como foi demonstrado no capítulo anterior. Neste sentido, a lei é direcionada especificamente
às mulheres e não aos homens, de modo que se possa corrigir uma realidade social marcada
pela desigualdade de gênero, pela qual a mulher é objetificada. Lenio Luiz Streck acrescenta
que:

A feitura de uma lei – que garante um agir rápido do Estado em face da violência
doméstica – é uma exigência constitucional. Trata-se da garantia da proteção da
integridade física e moral da mulher. Não esqueçamos que, na contemporaneidade,
além do princípio da proibição de excesso (Übermassverbot), que serve para proibir
o Estado de punir com exageros, há também o princípio da proibição de proteção
insuficiente (Untermassverbot), que obriga o Estado (legislador, judiciário,
Ministério Publico) a proteger os direitos fundamentais. Há hipóteses em que o
Estado, ao não proteger o bem jurídico (inclusive via direito penal), estará agindo
(por omissão) de forma inconstitucional. (STRECK, s/d, p. 100)

Ainda assim, a Lei Maria da Penha foi benéfica aos homens em situação de violência,
uma vez que aumentou a pena máxima do artigo 129, § 9º, do Código Penal de um ano para
três anos, sendo certo que ainda é aplicável aos homens o artigo 69, parágrafo único, da Lei
9.099/95 que possibilita o afastamento do agressor (a) do lar como medida cautelar. A questão
da proteção do sexo masculino será esclarecida adiante neste trabalho.
Sobre a conceituação de "violência de gênero", a Lei Maria da Penha introduziu
normativamente esta categoria de violência, em consonância com a "Convenção de Belém do
30

Pará", seguindo as diretrizes normativas da comunidade internacional. A importância da


utilização do termo se assenta no fato de que a violência doméstica, por ser violência de
gênero, se configura como violação aos direitos humanos da mulher (artigos 5º e 6º da Lei
11.340/2006), rompendo com o modelo jurídico tradicional, que incorporava a violência de
gênero nos tipos penais genéricos (CAMPOS e CARVALHO, 2011).
A lei dispôs sobre as espécies de violência em seu artigo 7º – física, psicológica,
sexual, patrimonial e moral – sem criar novos tipos penais, mas elucidando inúmeras
situações que caracterizam a violência doméstica e estabelecendo a condição deste tipo de
violência como circunstância agravante ou qualificadora das penas nos crimes já existentes.

2.2.4 Proteção nas relações homoafetivas

O artigo 5º da Lei 11.340/2006 conceitua a violência doméstica e determina em seu


parágrafo único que "as relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação
sexual", permitindo o processamento da mulher agressora. Pode-se dizer que a pretensão da
lei está na proteção da mulher em situação de violência, sendo irrelevante o sexo ou
orientação sexual de quem a tenha agredido. Segundo Campos e Carvalho:

O estatuto incorpora as constatações alcançadas pelos estudos feministas de que as


relações homossexuais entre mulheres igualmente podem ser violentas e que esta
situação de violência, mesmo entre mulheres, reproduz a mesma lógica dessa
violência de gênero, circunstância que legitima a intervenção protetiva. (CAMPOS e
CARVALHO, 2011, p. 148)

O dispositivo não apenas protege as relações homoafetivas entre mulheres como


também as relações de convivência e afinidade, ainda que não exista coabitação ou vínculo
familiar. Sob este entendimento as relações entre irmãs, amigas ou mãe e filha, por exemplo,
também são abrangidas pela Lei Maria da Penha, bastando que subsista a associação
"doméstica", que é marcada pela afetividade.

2.2.5 As Medidas Protetivas de Urgência

As medidas protetivas, um dos pontos mais importantes deste trabalho, são


amplamente reconhecidas pela doutrina como um grande acerto da Lei Maria da Penha. Isto
porque tais medidas atuam nos casos de risco eminente e são capazes de resguardar a
31

integridade da mulher desde seu primeiro contato junto à delegacia. Os artigos 18 a 21 da lei
determinam o procedimento que deverá ser utilizado pelo juiz na aplicação das medidas
protetivas, observando-se que cabe ao magistrado se atentar aos critérios de celeridade e
simplicidade, tendo em vista que o texto legal não estabelece rito específico de
processamento.
As medidas protetivas podem ser concedidas pelo juiz, mediante pedido da ofendida
ou a requerimento do Ministério Público (artigo 19, caput, da Lei 11.340/2006). Por serem de
caráter provisório, poderão ser revogadas a qualquer tempo, bem como substituídas por outras
de maior eficácia, de modo proporcional à efetiva proteção da ofendida, podendo culminar na
prisão preventiva (artigo 20 da Lei 11.340/2006).

Ressalte-se que Lei Maria da Penha afasta a lógica prisional do sistema penal, pela
qual a prisão provisória atua como medida cautelar por excelência. Não que a prisão
preventiva ou temporária não possa ser aplicada, mas foram introduzidas novas formas de
proteção para além da prisão cautelar, que, como sabemos, é caracterizada pela carga
estigmatizadora da privação de liberdade. Acerca disso, Ávila esclarece que:

Estas medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor são, na realidade,


novas alternativas à tradicional bipolaridade do sistema cautelar penal brasileiro, que
conhecia apenas dois extremos: a prisão cautelar ou a liberdade provisória. A lei cria
novas medidas cautelares intermediárias, que permitem uma resposta mais efetiva e
menos violenta do Estado, para situações que, a princípio, não seriam hipótese de
decretação da prisão preventiva. (ÁVILA, 2007, p. 06)

Portanto, a prisão preventiva será aplicada apenas excepcionalmente, nos termos dos
artigos 312 e 313 do Código de Processo Penal e nas hipóteses onde não há alternativa senão
o encarceramento, para que se assegure a integridade pessoal da mulher. Lavigne e
Perlingeiro acrescentam:

Assim, por exemplo, quando se verifica a não-colaboração do indivíduo com


a medida restritiva de direito imposta através de medida protetiva,
sucessivamente descumprida, forma-se situação complexa na qual se
configuram, por um lado, a necessidade de devida diligência estatal na
proteção dos direitos da mulher (integridade pessoal e vida) e, por outro, a
observância à mínima intervenção penal (liberdade). Nesta ponderação, não
se pode desprezar a severidade da interferência estatal na privação de
liberdade cautelar de alguém, mas tampouco se pode mitigar a gravidade do
ato e seu potencial lesivo face aos direitos humanos de outra pessoa
(mulher). Neste caso, justifica-se a privação de liberdade cautelar do sujeito
pelo fato de representar ameaça ou perigo de dano a bem jurídico tutelado,
32

quando observada a excepcionalidade autorizadora dessa medida.


(LAVIGNE e PERLINGEIRO, 2011, p. 300)

A doutrina ainda não definiu a natureza jurídica das medidas protetivas, que podem ser
cíveis, criminais, ou híbridas. Porém, prevalece o entendimento de que tais medidas devem
ser interpretadas de modo que se amplie e se obtenha a máxima proteção dos direitos
fundamentais das mulheres (ÁVILA, 2007).
A lei classificou as medidas protetivas em medidas que obrigam o agressor e medidas
que obrigam à ofendida. O artigo 22 prevê as medidas que obrigam o agressor, quais sejam: a
suspensão da posse ou restrição do porte de armas; afastamento do lar ou do local de
convivência; proibição de contato com a ofendida ou seus familiares; restrição ou suspensão
da visitação aos menores; e prestação de alimentos provisionais ou provisórios. Sobre as
medidas que obrigam o agressor, Juliana Belloque explica que:

O elenco das medidas que obrigam o agressor foi elaborado pelo legislador a
partir do conhecimento das atitudes comumente empregadas pelo autor da
violência doméstica e familiar que paralisam a vítima ou dificultam em
demasia a sua ação diante do cenário que se apresenta nesta forma de
violência. Como a violência doméstica e familiar contra a mulher ocorre
principalmente no interior do lar onde residem autor, vítima e demais
integrantes da família, em especial crianças, é muito comum que o agressor
se aproveite deste contexto de convivência e dos laços familiares para
atemorizar a mulher, impedindo-a de noticiar a violência sofrida às
autoridades. Este quadro contribui sobremaneira para a reiteração e a
naturalização da violência, sentindo-se a mulher sem meios para interromper
esta relação, aceitando muitas vezes o papel de vítima de violência
doméstica para manter seu lar e seus filhos. (BELLOQUE, 2011, p. 308)

Por sua vez, o artigo 23 estabelece as medidas protetivas voltadas à mulher, tais como:
encaminhamento da ofendida e seus familiares a programa de proteção; recondução ao
domicílio após o afastamento do agressor; afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo de
seus direitos relativos aos bens, guarda de filhos e alimentos; e separação de corpos.
Por fim, vale destacar que o rol de medidas protetivas é exemplificativo, o que permite
que o julgador se utilize de outras medidas, não previstas em lei, conforme a necessidade de
proteção da ofendida, de seus familiares, ou de seu patrimônio. Sob o mesmo fundamento de
proteção da integridade física, sexual, psíquica e patrimonial da mulher, o juiz também poderá
aplicar as medidas protetivas cumulativamente, tudo de maneira proporcional, observando-se
as peculiaridades do caso concreto e a resposta do agressor à ordem judicial.
33

2.2.6 Criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar com competência híbrida

Outra grande inovação da Lei 11.340/2006 foi a criação dos Juizados de Violência
Doméstica e Familiar contra a mulher, com competência cível e criminal, responsáveis pelos
julgamentos de todas as causas oriundas da violência doméstica. O movimento feminista
entendeu que não seria coerente cindir a prestação jurisdicional, tendo em vista que a
fragmentação da demanda tornava o processo burocrático e exaustivo. Antes da Lei Maria da
Penha, a mulher em situação de violência precisava enfrentar uma demanda em âmbito penal,
o que envolvia a notícia crime na delegacia e o processo no Juizado Especial Criminal, além
das demandas nas Varas de Família (alimentos, divórcio e guarda de menores, basicamente).
Este percurso em duas esferas distintas, que poderia envolver dois ou mais processos,
caracterizava-se por ser extremamente desgastante, além de não proporcionar à mulher em
situação de violência o cuidado e suporte necessários para enfrentamento de uma conjuntura
tão complexa como é da violência de gênero. Dando continuidade, Campos e Carvalho
comentam:

Com a Lei Maria da Penha, a violência contra mulheres passa a ser tratada como um
problema complexo, originado em uma relação afetiva marcada pela desigualdade
de gênero, cuja complexidade o direito deve responder de forma minimamente
satisfatória. Desde o ponto de vista do movimento de mulheres, era injustificável
cindir artificialmente a situação, como se as questões de família e criminais fossem
instâncias distintas da relação afetiva que as originou. (CAMPOS e CARVALHO,
2011, p. 149)

Certamente, o caráter híbrido dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar foi


duramente criticado por parte dos pensadores jurídicos que não admitiam o enfrentamento da
questão da violência contra a mulher em uma única jurisdição autônoma, sendo inconcebível
a aproximação das esferas civil e criminal (CAMPOS e CARVALHO, 2011).
Entretanto, o posicionamento do movimento feminista a respeito da unicidade do
processo de violência doméstica se assenta no fato de que, por mais que as ações cíveis,
criminais e de família possuam natureza distintas, todas elas são motivadas pelo mesmo fato
gerador, o que exige enfrentamento específico e estruturado.
Em relação ao dever de correspondência entre a lei e a realidade das mulheres,
Campos e Carvalho novamente observam que:
34

Contrariamente à tradição do pensamento jurídico, a partir da reforma legal, é o


sistema jurídico que necessita se adequar à realidade e não o contrário.
Especificamente em relação à violência contra mulheres, a possibilidade de que, na
mesma esfera jurisdicional, de forma concentrada e com economia de atos, possam
ser resolvidas questões penais e de família representa importante inovação e, em
termos pragmáticos, significa efetividade dos direitos. (CAMPOS e CARVALHO,
2011, p. 149)

Por fim, cabe salientar que a regra de concentração das questões civis e criminais nos
Juizados de Violência Doméstica e Familiar não alcança os crimes dolosos contra a vida, os
quais são julgados perante o Tribunal do Júri, por força de previsão constitucional (artigo 5º,
XXXVIII, alínea d, da Constituição).
No entanto, a fase de instrução do Tribunal do Júri (primeira fase), que culmina ou não
no pronunciamento do réu, poderá correr nos Juizados De Violência Doméstica e Familiar, de
acordo com as normas de organização judiciária de cada ente federativo, conforme decidiu o
STJ:

Ressalvada a competência do Júri para julgamento do crime doloso contra a vida,


seu processamento, até a fase de pronúncia, poderá ser pelo Juizado de Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher, em atenção à Lei 11.340/06. (STJ, HC
73161/SC, Rel. JANE SILVA, 29/08/2007)

De todo o modo, a Lei Maria da Penha deverá ser integralmente observada pelo
julgador, principalmente no que tange às medidas protetivas de urgência, ainda que o processo
seja de competência do Tribunal do Júri, uma vez que a natureza da violência e a qualidade da
vítima são sempre preponderantes.

2.3 O TRATAMENTO DO HOMEM NA LEI MARIA DA PENHA

Muito se discute, ainda hoje, sobre a constitucionalidade da Lei Maria da Penha. O


estatuto foi alvo de diversas críticas, sob o fundamento de que seu conteúdo violaria o
princípio da igualdade, sendo discriminatório em relação ao homem em situação de violência.
Esta concepção propõe o entendimento de que, pela Lei Maria da Penha, o homem estaria em
condição de "domínio", "subjugo" e desprotegido da violência doméstica. Por sua vez, Fausto
Rodrigues de Lima verifica a incoerência deste posicionamento:
35

Ambos os argumentos são falhos, mas não apenas por desconsiderar as questões
histórico-culturais que justificam uma norma específica para lidar com a
discriminação de gênero – com atenção especial à sua vítima predileta (a mulher) –,
ou por desprezar a teoria das ações afirmativas (discriminações positivas) que há
mais de quatro décadas orienta o Estado a tratar “desigualmente os desiguais na
medida da sua desigualdade”, sob pena de não tornar realidade a igualdade formal
preconizada nas Constituições modernas. As criticas pecam na base principalmente
porque a LMP não criou um sistema para punir homens e nem os desprotegeu
quando acossados pela violência familiar. (LIMA, 2011, p. 269)

Vemos, portanto, que a Lei Maria da Penha não criou novos tipos penais
incriminatórios ou mesmo suprimiu algum direito dos homens, mas tão somente introduziu
um sistema de atendimento e proteção às mulheres, uma vez que a violência doméstica atinge
muito mais a mulher do que o homem.
Além disso, a mulher também se submete à Lei Maria da Penha quando agride outra
mulher no âmbito da violência doméstica, o que demonstra que a lei é essencialmente
direcionada à proteção da vítima, independente de quem seja o agressor, ou agressora. Neste
sentido, não é do interesse da Lei Maria da Penha punir homens, mas apenas proteger a
mulher, não importando o gênero de quem lhe tenha agredido (LIMA, 2011).
Mais ainda, pode-se dizer que a Lei Maria da Penha foi benéfica aos homens em
situação de violência ao aumentar a pena prevista para o crime de lesão corporal para três
anos de detenção (artigo 129, § 9º, do Código Penal), sem fazer qualquer distinção de gênero.
Por conseguinte, o crime de lesão corporal deixou de ser um crime de menor potencial
ofensivo, de modo que não há o emprego das medidas despenalizadoras, mesmo que a
agressão seja praticada em face de pessoa do gênero masculino. Vale destacar a elucidação de
Lima:

Além disso, a Lei Maria da Penha não excluiu o homem do sistema de proteção dos
direitos humanos, nem retirou sua dignidade humana. O homem continua protegido
na esfera penal. A lei não criou crimes para tutelar unicamente a mulher como
sujeito passivo, nem estabeleceu penas maiores para os crimes cometidos contra as
mulheres. Os tipos penais que protegem a mulher são os mesmos que protegem o
homem; a pena prevista para os crimes praticados contra elas é igual à prevista
quando a vítima for um homem. (LIMA, 2011, p. 269)

É perfeitamente possível afirmar que o homem possui proteção jurídica quando está
em situação de violência doméstica, ressaltando-se que, em termos práticos, nem mesmo a lei
9.099/95 se provou ineficaz em sua proteção (LIMA, 2011). Deste modo, o homem que for
vítima de um crime de menor potencial ofensivo no âmbito doméstico terá como recorrer ao
artigo 69, parágrafo único, da Lei 9.099/95, que permite o afastamento do agressor, ou
agressora, do lar, sem prejuízo da incidência das medidas despenalizadoras.
36

Caso a agressão sofrida pelo homem seja de maior potencial ofensivo, o procedimento
será o mesmo previsto para a mulher, com exceção de que o processo não correrá no Juizado
de Violência Doméstica e Familiar. No que concerne às medidas cautelares, o afastamento do
lar (artigo 69, parágrafo único, da Lei 9.099/95) poderá ser requerido mesmo nos crimes de
competência das Varas Criminais, além das cautelares de família que poderão ser requeridas
em seu respectivo juízo.
Vemos que a Lei Maria da Penha não criou qualquer instituto de desproteção ou de
revogação dos direitos do homem, o qual foi inclusive beneficiado, quando vítima, pelo
aumento de pena nos crimes de lesão corporal. Assim, a Lei Maria da Penha não poderá ser
interpretada extensivamente para a proteção de pessoas do sexo masculino, sob pena de
nulidade, tendo em vista que o referido instrumento legal foi especialmente formulado para o
enfrentamento da violência contra a mulher. Além dessas questões, Lima igualmente nos traz
a seguinte teorização:

Apesar da LMP não estabelecer diferenças penais entre os gêneros, ainda que possa
fazê-lo em nome da teoria das ações afirmativas, ela buscou inovar no
enfrentamento da violência contra a mulher notadamente nas regras processuais –
procedimentais e cautelares –, situações em que elas eram sabidamente
desfavorecidas. As normas foram criadas apenas para as mulheres vítimas porque
jamais se julgou necessário aprimorá-las para a vítima homem. Se necessário fosse,
já se teria buscado alterar o sistema, inclusive pelos mesmos grupos de juristas e
instituições que alardeiam, só agora, a inconstitucionalidade da LMP. Se nunca
reclamaram da atuação do sistema na proteção do homem, porque querem agora
fulminar do mundo a Lei Maria da Penha sob alegação de que não protege esse
mesmo homem? (LIMA, 2011, p. 272)

Logo, percebe-se que os mecanismos de proteção introduzidos pela Lei Maria da


Penha são direcionados exclusivamente à mulher, o que é plenamente justificável se
observarmos o contexto histórico e cultural de violência, perante o qual as mulheres são
submetidas.
Nunca é demais salientar que a lei propôs a coibição de uma situação fatídica que não
vinha sendo efetivamente erradicada pelo modelo jurídico anterior, fornecendo um sistema de
proteção à mulher que pela primeira vez considerou a dimensão e a complexidade deste tipo
de violência. Certo é que inconstitucional seria a omissão do Estado brasileiro diante desta
realidade.
37

3. APLICABILIDADE DA LEI MARIA DA PENHA: A EXPERIÊNCIA DO NUDEM


NO RIO DE JANEIRO

Para a melhor fundamentação do presente trabalho, percebeu-se a necessidade de se


observar empiricamente como a Lei Maria da Penha vem sendo aplicada e quais são os
desafios das instituições que trabalham na defesa dos direitos da mulher. Sendo esta pesquisa
focada no estudo acerca da lei, com destaque às medidas protetivas como instrumento eficaz
para a proteção da vítima, nada mais coerente do que realizar uma aproximação entre as
teorias aqui expostas e a prática de enfrentamento da violência, analisando se há efetividade
nos institutos introduzidos pela Lei Maria da Penha.
Para tanto, foi realizada uma visita ao Núcleo de Defesa dos Direitos da Mulher
Vítima de Violência (NUDEM), órgão da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, onde
entrevistei a defensora Arlanza Maria Rodrigues Rebello, coordenadora do núcleo. O
NUDEM é o órgão da Defensoria Pública especializado no atendimento às mulheres em
situação de violência desde 1997, sendo responsável pela elaboração de políticas
institucionais e pela difusão de iniciativas voltadas ao tema. O trabalho do NUDEM é
realizado mediante a atuação de uma equipe técnica multidisciplinar, que conta com
defensores públicos, psicólogos, assistentes sociais e estagiários.
Além da assistência jurídica, o órgão também promove eventos e debates sobre
questões ligadas à violência de gênero, integrando a rede de atendimento à mulher vítima, que
é vinculada à Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM).

3.1 APLICAÇÃO DO PROTOCOLO ENTREVISTA

No dia 26/01/2016, compareci ao NUDEM, situado à Rua da Carioca, nº 72 no Centro


da cidade do Rio de Janeiro, onde participei de uma entrevista junto à defensora Arlanza
Maria Rodrigues Rebello, coordenadora do núcleo. Antes de realizar este trabalho, tive a
oportunidade de participar de um debate sobre violência doméstica organizado na UFF pelos
estagiários do NUDEM e posteriormente, em novembro de 2015, estive presente no seminário
de comemoração dos 18 anos do núcleo, o que fomentou meu interesse em executar a
38

pesquisa de campo. Fui introduzida ao órgão por um colega, ex estagiário, que gentilmente
agendou a entrevista em uma terça-feira à tarde.
Cheguei ao NUDEM por volta das 13 horas e pude observar alguns atendimentos.
Destaque-se que uma das funcionárias do núcleo era uma mulher transexual que, segundo os
estagiários, vinha trabalhando no NUDEM a partir de um projeto de inclusão social da
Defensoria Pública. Quando cheguei ao núcleo a defensora Arlanza já estava sendo
entrevistada por um grupo de alunas do curso de direito da UFRJ e, portanto, acabei me
juntando às estudantes para realizar minha pesquisa, de modo a não tomar o tempo da
defensora para um segundo encontro. A entrevista conjunta durou cerca de quarenta minutos,
não havendo interrupção nas respostas.
A pesquisa de campo foi especialmente relevante para a construção deste trabalho,
trazendo uma perspectiva prática sobre a Lei Maria da Penha e a efetividade de seus
institutos. Foi possível desenvolver um olhar ainda mais sensível em relação à mulher em
situação de violência, haja vista a complexidade deste tipo de violação.
Assim, neste capítulo trataremos da aplicabilidade da Lei Maria da Penha, de acordo
com a experiência do NUDEM e sob o ponto de vista da defensora entrevistada, observando a
eficácia da lei e de seus mecanismos no enfrentamento da violência doméstica e na proteção
da mulher.

3.2 ANÁLISE DA ENTREVISTA

3.2.1 Sobre os crimes mais recorrentes

Segundo Arlanza, coordenadora do NUDEM, a maioria dos casos de violência


doméstica envolvem crimes de lesão corporal, crimes contra a honra (injúria e difamação) e a
ameaça. Por mais assustador que seja se deparar com uma mulher vítima de lesão corporal,
contendo marcas físicas da agressão sofrida, o núcleo possui uma preocupação especial com a
mulher que vem sendo ameaçada, tendo em vista que a ameaça significa um homicídio em
potencial.
Decerto, em momento algum, foi contestada a gravidade do crime de lesão corporal ou
a importância de seu enfrentamento, mas ressaltou-se na entrevista que o crime de ameaça
nem sempre será mera articulação de palavras em um momento de raiva do agressor, podendo
39

culminar na morte da mulher em situação de violência. Foi dito que os crimes de ameaça são
negligenciados nas delegacias e tratados como crimes de pouca urgência por alguns
operadores do sistema de proteção e atendimento à mulher. Um exemplo lamentável é
relatado pela defensora: "houve uma vez em que o próprio delegado disse ao pai da vítima
que a ameaça em 99% dos casos não se materializava e o pai precisou voltar à delegacia para
dizer que a filha dele fazia parte do 1%".

Análise:

Como se vê, ainda existem profissionais que, por mais que lidem diretamente com o
sistema introduzido pela Lei Maria da Penha e sejam responsáveis pelo atendimento de
mulheres fragilizadas, não consideram, em sua tarefa, a complexidade da violência de gênero
e a importância do acolhimento à vítima, reproduzindo um comportamento um tanto quanto
hostil, sobretudo quando admitimos que o movimento da vítima de ir até a delegacia é
marcado pelo sentimento de medo, ao mesmo tempo que uma atitude de muita coragem. Há
um senso comum que tende a acreditar que o crime de ameaça é "pouco" para que se recorra à
tutela jurisdicional, o que faz com que a vítima permaneça silenciada perante a iminência de
uma possível agressão fatal.

3.2.2 Dos crimes no âmbito da internet

Outra questão relevante levantada pela defensora foi o aumento dos crimes contra a
honra no âmbito da internet e das redes sociais. Com muita frequência o NUDEM atende
mulheres que sofrem injúrias e difamações cometidas por seus ex-companheiros na internet,
com finalidade de envergonhá-las e impedir relacionamentos futuros. Em diversos casos, o
agressor, insatisfeito com o fim do relacionamento ou no intuito de se vingar, utiliza a internet
como meio para denegrir a imagem da mulher. Não são raros os casos de exposição de fotos
da ex-companheira nas redes ou de difamação e injúria no sentido de que a mulher pratica
prostituição, sendo estes apenas alguns exemplos mencionados no núcleo.

Análise:
40

A internet se tornou um espaço para novas modalidades de violência, especialmente


através das redes sociais que são plataformas de grande alcance de pessoas e possibilitam
rapidamente a propagação de tais crimes. Eu, pessoalmente, acompanhei um caso de
difamação na internet que tomou grandes proporções, no qual a mulher vinha sendo acusada
de racismo pela comunidade virtual. Seu ex-companheiro havia publicado nas redes sociais
uma imagem forjada (mais precisamente um Print Screen3) onde supostamente a mulher
estaria cometendo injúria racial. Rapidamente a imagem se propagou nas redes e a mulher se
tornou alvo de críticas e boicotes, sendo hostilizada e perseguida pelos internautas. Diante de
todo o alvoroço, a vítima precisou publicar uma nota de esclarecimento, expondo sua situação
pessoal, na qual o ex-companheiro a perseguia. Certamente o episódio foi suficiente para
desequilibrá-la e prejudicá-la.
De todo o modo, não foi a natureza da violência que mudou, mas os mecanismos
utilizados, uma vez que a tecnologia trouxe novos artifícios para que o agressor possa cometer
determinados crimes já previstos em nosso Código Penal.

3.2.3 Sobre o comportamento da mulher vítima

Em que pese a recorrência dos crimes supracitados (lesão corporal, crimes contra a
honra e ameaça), a entrevista demonstrou que o comportamento da mulher, por sua vez, vem
se modificando e que hoje já existe um grupo de mulheres que busca a tutela jurisdicional
desde o primeiro ato de violência por ela identificado, o que representa uma tremenda
mudança de postura.
Segundo a experiência da defensora Arlanza, por muito tempo quase a totalidade dos
casos de violência doméstica eram formados por ciclos de agressão que duravam, em média,
de dez a quinze anos. Os ciclos eram marcados pela agressão, pelo perdão da vítima seguido
de um momento de paz, até que a violência voltasse a acontecer. A mulher permanecia presa
na situação de violência por anos, porquanto se sentia responsável pela formação e bem estar
de sua família, além da possibilidade de dependência emocional ou econômica.
Embora a maioria dos casos de violência doméstica ainda seja de ciclos longos, a
defensora observa que este intervalo de tempo, até que a mulher procure o atendimento
jurisdicional, vem se modificando, sendo considerável o número de mulheres que se impõem
3
O Print Screen – Prt Sc é um comando disponível nos teclados dos computadores, que possibilita a captura da
imagem da tela.
41

desde o primeiro ato praticado pelo agressor; desde o primeiro sopro de consciência da
violência que sofreram.
Em muitos casos, a ofendida sequer deseja o afastamento da convivência junto ao
agressor, mas tão somente censurar sua atitude, mostrando que aquela agressão não pode e
não vai acontecer de novo. Esta mulher não está interessada essencialmente na penalidade, ou
em separar-se de seu companheiro, porém deseja mostrar que é capaz de puni-lo e que uma
segunda agressão não será tolerada. De acordo com a entrevistada, isso demonstra um perfil
de empoderamento feminino, autoestima e confiança que muito raramente são encontrados
em uma mulher que viveu longos ciclos de agressão.
Com tal característica, a defensora afirma que a mudança de postura da vítima
significa um avanço por asseverar que a Lei Maria da Penha trouxe respaldo legal e segurança
à mulher em situação de violência. A lei lhe proporcionou um sistema pelo qual a mulher
pode buscar proteção, bem como inibir a agressão, ainda que em um primeiro momento não
seja de seu interesse cortar relações com o agressor.

Análise:

Cumpre ressaltar que, em determinados casos, apenas a ida à delegacia, ao NUDEM,


ou qualquer órgão especializado, já é capaz de intimidar o agressor e fazer cessar a violência.
A própria existência da Lei Maria da Penha como instrumento legal de proteção, que informa
a possibilidade de o agressor ser seriamente processado e até mesmo privado de sua liberdade,
em alguns casos, inibe uma ação de violência que outrora seria realizada.
Afinal, a Lei Maria da Penha trouxe inúmeras facilidades e inovações como foi
exposto nos tópicos anteriores. Antes, a falta de amparo legal apropriado dificultava o
trabalho das defensorias e submetia a mulher em situação de violência ao tratamento
infrutífero4 da Lei 9.099/95. Considere-se que o próprio comparecimento à delegacia para
noticiar o crime é por si só um movimento da mulher de muita força e coragem, que lhe gera
um sentimento de culpa e muitas vezes simboliza o fracasso de sua estrutura familiar. Mais
ainda, em regra, não é desejo da mulher ver seu companheiro; pai dos seus filhos preso.

4
V. Fauzi Hassan Choukr, Lei Maria da Penha comentada em uma perspectiva jurídico-feminista, 2011, pp.
367-377.
42

3.2.4 Mudanças produzidas pela Lei Maria da Penha

A entrevistada ressalta que, com a Lei 9.099/95, a mulher realizava o movimento de ir


até a delegacia para finalmente chegar na fase judicial e se deparar com a composição civil,
ou a transação penal, além de agentes públicos despreparados para lidar com a violência de
gênero.
No que diz respeito aos crimes de menor potencial ofensivo, pode-se dizer que a Lei
9.099/95 foi benéfica ao introduzir as medidas despenalizadoras, afastando a criminalização e
as penas prisionais. Entretanto, no que concerne à violência doméstica, a defensora considera
que a lei promovia tão somente sua banalização. Conforme relatado, a transação penal
oferecida pela Lei 9.099/95 consistia, efetivamente, no pagamento de cestas básicas, o que
muitas vezes se voltava contra a mulher por se tratar de uma pena "fútil". Uma vez que o mal
causado pelo agressor não era devidamente recriminado ou limitado, a mulher sofria punições
em consequência. Assim, por conta do pagamento de cestas básicas, o agressor não fornecia
alimentos para o lar, por exemplo, ou aumentava a frequência das agressões.
Outra mudança proporcionada pela Lei Maria da Penha foi a concentração de todas as
ações provenientes da situação de violência nos Juizados de Violência Doméstica e Familiar,
de modo que as questões desencadeadas pela violência sejam trabalhadas em conjunto. A
defensora destaca que esta mudança evitou o processo de "fragmentação da pessoa". No
entanto, os tribunais superiores não vêm acatando integralmente o comando legal, decidindo
que as demandas de família devem correr nas Varas de Família, enquanto os JVDF devem se
ocupar precipuamente das questões criminais.das agressões.
Explica a defensora que, com a Lei Maria da Penha, os crimes realizados no âmbito da
violência doméstica passaram a ser "valorizados" e combatidos com seriedade. A lei inovou
ao introduzir um sistema de proteção à mulher que não permite a aplicação de medidas
despenalizadoras, além de fornecer um rol extenso de medidas protetivas de urgência, que
podem obrigar tanto a vítima quanto o agressor.
A entrevistada salienta que as medidas protetivas afastam de imediato a mulher do
contexto da violência, protegendo-a desde seu primeiro contato na delegacia. Tais medidas
devem ser utilizadas independentemente do resultado final do processo, uma vez que visam
garantir e resguardar o bem estar físico, psicológico e até mesmo patrimonial da vítima,
considerando-se ainda que o rol de medidas protetivas seja exemplificativo, devendo o juiz
adotar as espécies de medidas que entender necessárias para proteger a mulher.
43

Sobre a efetividade das medidas protetivas, a entrevistada afirma que algumas medidas
menos gravosas são suficientes para conter alguns agressores, enquanto para outros não
restará alternativa senão a prisão preventiva. Foi relatado um caso de uma assistida do
NUDEM cujo agressor já havia cumprido pena de prisão durante quatro meses, justamente
por descumprimento de medidas protetivas. Ao deixar o encarceramento, o agressor passou a
perseguir sua ex-companheira, porém sempre respeitando o limite de aproximação fixado pela
medida protetiva de distanciamento. Ou seja, se a mulher estava de um lado da rua, ele a
observava do outro lado; se a mulher estava no trabalho, ele a acompanhava pela janela do
prédio à frente; e assim por diante. O agressor cumpria a medida protetiva, de modo que,
mesmo assim, a mulher não possuía liberdade.
Esta mulher foi instruída pela Defensoria Pública a deixar a cidade e fugir do alcance
de seu agressor, mudando totalmente de vida, para que pudesse de fato desfrutar de sua
liberdade. Ressaltou-se na entrevista que, mesmo nos casos onde não há possibilidade de
qualquer proteção jurídica, a mulher possui poder de decisão e de mudança sobre sua própria
vida, ainda que, para se livrar da situação de violência, precise depreender grandes esforços.

Análise:

Sobre o poder de decisão da ofendida, outro ponto extremamente importante foi


levantado pela defensora: a mulher é co-responsável pelas relações que estabelece e, por
conseguinte, por retirar-se de tais relações. De modo algum, afirmou-se que a mulher é
culpada pela situação de violência, mas que a responsabilidade pelo movimento de libertação
também recai sobre a mulher. O empoderamento feminino gera a consciência de que a mulher
é dona de sua própria vida; de que possui poder para se livrar da situação de violência e do
agressor que lhe perturbar. Por certo, a mulher precisará do apoio de sua família, do judiciário
ou de outras instituições, todavia, em qualquer hipótese, o fim da situação de violência
depende da predisposição da vítima em fazer com que a aquela violação aos seus direitos
chegue ao fim.
Durante a entrevista, a defensora reforçou a magnitude do empoderamento, sendo este
necessário e imprescindível à continuidade do enfrentamento da violência doméstica, uma vez
que o processo judicial é marcado pela burocracia e pela formalidade de seus atos, o que faz
com que demande longo período de tempo. Neste sentido, muitas inconveniências do agressor
podem ser interrompidas pela mulher mediante atitudes simples e instantâneas, através de seu
próprio poder de decisão e independentemente de ordem judicial.
44

Por exemplo, se estamos diante de um agressor que, ao tentar se reaproximar da


vítima, lhe envia mensagens de texto pelo celular e a importuna com ligações, a mulher,
perante esta situação, deve ter consciência de que tem poder para simplesmente bloquear o
contato do agressor ou, se necessário, trocar de número telefônico. Estas pequenas atitudes de
empoderamento permitem que a vítima se liberte da relação abusiva, percebendo a força que
possui sobre si mesma.

3.2.5 Sobre a efetividade das medidas protetivas

Igualmente, o empoderamento se mostra essencial no curso do processo para que a


vítima se encoraje a movimentá-lo até as últimas instâncias. Conforme apontado pela
entrevistada, o deferimento da medida protetiva implica organicamente na intimação do
agressor para ciência da ordem judicial. Caso o comando seja descumprido, a mulher deve
comunicar o fato ao judiciário, para que uma medida mais eficaz seja deferida.
Logo, a mulher em situação de violência precisa se manter firme em todo o caminho a
ser percorrido, considerando que o deferimento da medida protetiva constitui apenas um dos
primeiros momentos processuais.

Análise:

Note-se que a mulher fragilizada e sem apoio dificilmente será capaz de cortar as
investidas de seu agressor e de movimentar o processo judicial até o fim, tendo em vista que a
situação de violência em regra compromete sua autoestima. Por estes motivos o diálogo, o
trabalho conjunto e o empoderamento são tão importantes.
Sob esta perspectiva, a multidisciplinaridade no acompanhamento da mulher em
situação de violência, também produz o empoderamento. A defensora explica que os grupos
de discussão e o contato com outras mulheres em situação semelhante fazem com que a
vítima não se sinta sozinha, dando-lhe forças para persistir. É importante que a vítima perceba
que existem outras mulheres em situação de violência igual ou pior, e que a violência de
gênero é um mal que atinge a sociedade como um todo.
Assim, ainda que em condição de vítima, a mulher não pode cair em um estado de
"vitimização" e apatia, dado que sua autoestima é essencial para o fim da situação de
violência por completo. Ao mesmo tempo, segundo o relato da defensora, a medida protetiva
45

sem o acompanhamento por uma rede de serviços que proporcione o diálogo é ineficaz. A
multidisciplinaridade faz com que a vítima entenda o processo judicial e o contexto de
violência que está enfrentando.

3.2.6 Sobre as dificuldades encontradas pelo NUDEM

De acordo com o relato da defensora, a maior dificuldade encontrada pelo NUDEM no


enfrentamento da violência doméstica está na superação do pensamento patriarcal. O agressor
acredita seguramente que pode e possui o direito de agredir "sua" mulher.
A experiência no núcleo lhe demonstrou que frases como "mas ela é minha mulher";
"mas ela me irritou"; "mas ela me traiu"; ou "ela provocou" são comuns entre os homens que
realizam os atos de violência, o que evidencia a subsistência do pensamento machista de que a
mulher pertence ao homem. Permanece arraigada no imaginário masculino a construção
social de que a mulher, tal qual uma criança, precisa ser corrigida por seu marido,
companheiro ou por quem a "detenha".

Análise:

Diante disso, voltamos à necessidade de superação do pensamento machista nas


famílias e instituições sociais. O machismo se materializa em padrões de comportamento que
são reproduzidos culturalmente e que culminam na violência de gênero. Assim, é de extrema
relevância que os órgãos especializados na defesa dos direitos das mulheres e no combate à
violência atuem de maneira conjunta e em constante diálogo com a população e com os
movimentos feministas, de maneira que a sociedade tome conhecimento da disponibilidade de
órgãos como o NUDEM, ao passo que tais órgãos estejam em sincronia com as demandas
coletivas atuais.
Devemos salientar que a participação do movimento feminista foi essencial na
elaboração da Lei Maria da Penha e tem contribuído em sua aplicação ao problematizar as
diversas formas de violência de gênero. A 3ª onda de movimentos feministas5 trouxe novas

5
A 1ª onda de movimentos feministas consolidou a luta por direitos políticos, principalmente no que diz respeito
ao sufrágio universal. Já a 2ª onda de movimentos feministas deu continuidade à primeira na busca por uma real
igualdade entre os sexos, caracterizando-se por uma atmosfera de maior produção intelectual e questionamento,
46

ferramentas de conscientização do machismo, utilizando-se das redes sociais para articular


campanhas que promovem o respeito e a igualdade. Em 2015, iniciativas feministas como o
"meu amigo secreto" e o "meu primeiro assédio"6 repercutiram na internet, fazendo com que a
comunidade virtual se questionasse acerca de inúmeros comportamentos machistas que são
constantemente naturalizados.
Tanto a violência no âmbito doméstico quanto as demais formas de assédio e
discriminação de gênero são reflexo do machismo e consistem em violência, mesmo que em
proporções menores, muitas vezes culturalmente normalizadas. O ponto comum entre as
diversas formas de violência de gênero está na objetificação da mulher, ainda que por um
momento, circunstância, ou ainda que de maneira inconsciente. Certo é que a movimentação
da juventude feminista vem transformando o olhar sobre a mulher como sujeito de direitos, o
que ecoa positivamente no enfrentamento da violência doméstica.

3.2.7 Sobre a inexistência de um perfil da mulher em situação de violência

Imperioso destacar que não é possível estabelecer um perfil de mulheres vítimas de


violência doméstica. A entrevistada relata que seu trabalho realizado na Defensoria Pública,
atendendo especialmente o público hipossuficiente, permitiu que colegas, mulheres, de
diversas classes e grupos sociais a procurassem em busca de auxílio. Estas mulheres eram
médicas, juízas, promotoras, professoras universitárias, entre outras, que precisavam
"desabafar" e que não se sentiam confortáveis ou encorajadas a ir à delegacia.
Frisou-se na entrevista que o tema da violência doméstica não era amplamente
discutido no judiciário, tampouco na Defensoria Pública. Pelo contrário, era um assunto
silenciado e evitado pelos próprios profissionais do direito, o que dificultava o enfrentamento
e inibia as vítimas. Com o aumento dos debates sobre o tema, campanhas e políticas públicas,
houve mais espaço para denunciar as agressões e, por conseguinte, demonstrar que a violência
doméstica não recai apenas sobre uma ou outra mulher, mas trata-se de um problema social
que atinge a coletividade.

com o objetivo de identificar as estruturas sociais e culturais que colocavam a mulher em condição de
subordinação. Essa informação encontra-se no capítulo 2, p. 14.
6
As campanhas “Meu amigo secreto” e “Meu primeiro assédio” se desenvolveram espontaneamente para
denunciar o machismo nas redes sociais em 2015. Na primeira, as mulheres traziam relatos sobre
comportamentos e experiências machistas que vivenciaram; enquanto, na segunda, narraram publicamente suas
experiências de primeiro assédio moral ou abuso sexual sofrido.
47

Análise:

Concluímos, portanto, que não existe um perfil determinado de mulheres vítimas de


violência doméstica, visto que todas nós podemos ocasionalmente iniciar uma relação
abusiva, não importando o contexto social no qual nos inserimos.
Além disso, através da entrevista, compreendemos que a situação de violência possui
estruturas complexas e que limitar os motivos da continuidade de uma relação abusiva à mera
dependência econômica ou dependência emocional, seria um tanto quanto reducionista.
A defensora explica que, mesmo a mulher financeiramente emancipada, possui
dificuldades para se libertar da relação de violência, uma vez que existe uma construção social
de que a violência é provocada pela própria mulher. Esta construção culturalmente aceita faz
com que a mulher se sinta culpada pela agressão sofrida, a ponto de reproduzir o discurso
machista, que coloca a violência como resultado de seu fracasso. Foi relatado na entrevista
que é comum que algumas mulheres justifiquem a violência sofrida com os mesmos
argumentos utilizados por seus agressores: "ele só fez isso porque a minha comida é ruim";
"ele só fez isso porque sentiu ciúmes"; "ele só fez isso porque eu fiz aquilo". Isso mostra o
quão consolidado é o paradigma de culpabilização da vítima em nossa sociedade.
Segundo o ponto de vista da defensora, a mulher se sente responsável, não só pela
agressão sofrida, como também pela felicidade de seu companheiro e de sua família, sendo
certo que desistir e abandonar a relação abusiva, em um primeiro momento, significa falhar
como mulher.
À vista disso, não é simplesmente a questão financeira que mantém a mulher no ciclo
de violência, tampouco o apego emocional no que diz respeito ao amor Eros, mas sim o
sentimento de que a mulher é responsável pelo bem estar de seu lar e daqueles que ama.
A defensora elucida que a vítima passa a sentir pena de seu agressor, receio de afastar
os filhos do pai e de desconstituir sua família, aprisionando-se na concepção idealista de que
"por traz de um grande homem existe uma grande mulher".
Vemos que a estrutura da situação de violência é complexa e marcada por construções
sociais de culpabilização da vítima. Neste sentido, reforça-se a necessidade de um trabalho
sério e multidisciplinar voltado ao enfrentamento da violência doméstica e à superação do
pensamento patriarcal.
48

Acreditamos que o empoderamento feminino e o olhar sobre a mulher como sujeito de


direitos se efetivam através do diálogo, dos esforços conjuntos de diversas instituições, e
inclusive das famílias, de modo que se alcance a igualdade de gênero.
49

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O principal objetivo deste trabalho foi analisar a Lei Maria da Penha, informando suas
inovações para, a partir de então, realizar a pesquisa de campo no NUDEM no Rio de Janeiro
e observar a aplicabilidade dos mecanismos de proteção à mulher oferecidos pela lei. Assim
fazendo, acreditamos estar contribuindo efetivamente com práticas transformadoras voltadas
para o empoderamento feminino e a busca pela igualdade material entre os sexos.
Para isso, o presente trabalho embasou-se em diversos artigos acadêmicos sobre
violência doméstica e desigualdade de gênero, na obra do constitucionalista Luís Roberto
Barroso (2011), além dos dispositivos legais pertinentes ao tema. Tais estudos consideram
fundamental a elaboração de ações afirmativas no sentido de promover a isonomia e, por
conseguinte, enfrentar o problema da violência contra a mulher. Diante disso, percebe-se a
necessidade de desconstruir socialmente a mentalidade machista, além de fomentar o
empoderamento feminino e a maior participação das mulheres na política e no judiciário.
Assim, seguimos o nosso estudo e organizamos este trabalho de conclusão de curso
em quatro capítulos numerados de um a quatro.
Na introdução deste trabalho, apresentamos o objetivo principal desta pesquisa, que
foi esclarecer diversos questionamentos comuns no que diz respeito às possibilidades de
aplicação da Lei Maria da Penha, suas inovações e sua eficácia. Tal objetivo está ligado ao
fundamento constitucional de validade da lei, que se apóia no princípio da igualdade material.
No capítulo um, justificamos inicialmente a necessidade de problematização do
conceito de gênero, enfatizando que determinados aspectos sociais são atribuídas
culturalmente aos homens e mulheres. A partir desse enquadramento, realizamos um breve
panorama histórico sobre a evolução dos movimentos feministas, bem como o processo de
constitucionalização e valorização dos direitos humanos da mulher. Além disso, nesse
capítulo, explicamos os princípios da igualdade formal e da igualdade material, demonstrando
a constitucionalidade da Lei Maria da Penha, à medida que o estatuto promove a redução das
desigualdades de fato e anuncia a não aceitação da violência doméstica no contexto social
brasileiro.
No capítulo dois, descrevemos o processo de elaboração da lei 11.340 de 2006, que se
deu sob influência e participação do movimento feminista. Além disso, relatamos o caso
50

concreto de Maria da Penha Fernandes, ressaltando a importância de sua apreciação pela


CIDH, que pressionou o Estado brasileiro a realizar políticas públicas de enfrentamento à
violência de gênero. Tratamos, ainda, dos institutos jurídicos introduzidos pela Lei Maria da
Penha, a saber: o afastamento da Lei 9.099/95; a utilização da expressão "situação de
violência"; a tutela específica para as mulheres; a conceituação da "violência de gênero"; a
proteção nas relações homoafetivas; as medidas protetivas de urgência; e a criação dos
Juizados de Violência Doméstica e Familiar. Por último, analisamos brevemente o tratamento
conferido ao homem em situação de violência.
No capítulo três, apresentamos uma análise das questões abordadas na pesquisa de
campo realizada no Núcleo de Defesa dos Direitos da Mulher Vítima de Violência
(NUDEM), onde foi entrevistada a defensora pública Arlanza Maria Rodrigues Rebello,
coordenadora do núcleo. O NUDEM é órgão pertencente à Defensoria Pública e especializado
na assistência jurídica às mulheres em situação de violência. Assim, transcrevemos o
conteúdo da entrevista, tecendo observações a respeito do relato da entrevistada, com o
objetivo de analisar a real aplicabilidade da Lei Maria da Penha e apontar informações que
possam viabilizar e contribuir efetivamente para a superação da desigualdade de gênero.
Ressaltamos as práticas que consideramos essenciais para ultrapassar este paradigma, quais
sejam: o empoderamento feminino; a multidisciplinaridade e sensibilidade no atendimento à
mulher em situação de violência; e a desconstrução social do pensamento patriarcal que se
fundamenta na "objetificação" da mulher.
Assim sendo, por meio do nosso estudo, acreditamos ter sido possível obter os devidos
esclarecimentos acerca das inovações da Lei Maria da Penha, desmistificando informações
sobre seu sistema de proteção e reforçando sua constitucionalidade. Com base no trabalho de
campo, conseguimos apontar certas dificuldades enfrentadas pelos agentes que atuam na
defesa da mulher vítima de violência, tal como diversas percepções em relação à eficácia da
lei, principalmente no que tange às medidas protetivas, a fim de colaborar com a
conscientização e o enfrentamento da violência de gênero.
A pesquisa oferece ainda material que pode enriquecer futuros estudos jurídicos sobre
a violência doméstica, com enfoque na criminologia feminista e na articulação de políticas
públicas e programas voltados à busca pela igualdade de gênero.
Dessa forma, acreditamos que o presente trabalho traz contribuições para uma
verdadeira percepção acerca da complexidade da violência doméstica e da necessidade de
51

constante desconstrução do imaginário machista que naturaliza a violência e enxerga a mulher


como objeto.
Afinal, quando compreendemos a realidade e as estruturas da violência de gênero,
estamos de fato desenvolvendo um olhar sensível e solidário em relação à mulher que vive um
relacionamento abusivo, independentemente do patamar de violação à sua subjetividade.
Acreditamos contribuir para a construção de uma sociedade mais justa e acolhedora,
que não tolera qualquer situação de opressão. Isso porque, através do diálogo, do
conhecimento e das discussões, podemos pouco a pouco transformar as estruturas sociais que
admitem as inúmeras formas de violência, muitas vezes sutis, mas que roubam a posição de
sujeito de direitos das mulheres.
52

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instrumentos de proteção às mulheres. Projeto BuscaLegis 2007. Disponível em:
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53

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da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher;
dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera
o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras
providências.
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