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Prof. Dr. Rodrigo Rizek Schultz - CRM 80201 (SP)
Professor Titular de Neurologia e Coordenador do Setor de Neurologia Cognitiva e
do Comportamento da Universidade de Santo Amaro – UNISA.
Doutor e Mestre em Medicina pela Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP.
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P R E F Á C I O
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1. I nt ro d u ç ã o
4. I nve s ti g a ç ã o d e f u n ci o n a l i d a d e
6. Te rapia medicamentosa
7. 10 FAQ – Fre q u e n tl y As k e d Q u e st io ns
8. Bibliografia
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Introdução
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Torna-se importante mencionar que muito se comenta Sabermos se uma determinada medicação surtiu ou
e se publica a respeito dos distúrbios cognitivos das não o efeito desejado, se devemos aumentar a dose
demências. Porém, deve-se ressaltar o intenso transtorno do remédio ou substituí-lo, implica conhecermos
proporcionado pelos distúrbios de comportamento, que, muito bem o problema. Dessa forma, interrogatórios
quando em menor frequência e intensidade são, muitas ou escalas funcionais em estágios mais avançados da
vezes, negligenciados. Em fases mais avançadas da doença têm como objetivo nos auxiliar nesse sentido,
doença, como nos estágios moderado e grave, os imensos trazendo sempre um retorno mais fiel da abordagem
distúrbios funcionais tornam-se a maior dificuldade para multidisciplinar. Assim, a eficiência da intervenção
familiares e cuidadores. A questão, então, está em como do profissional da área nessa fase é menos evidente
diagnosticar e tratar desses distúrbios de uma forma com ou, às vezes, nem mesmo perceptível quando se diz
que todas as pessoas que convivam com o paciente sejam respeito à cognição, e mais facilmente observável sobre a
menos intensamente afetadas. Assim, antes de qualquer funcionalidade.
atitude, devemos saber abordar e entender o problema
da forma mais clara possível para, então, conhecermos
melhor o paciente e podermos acompanhar a sua
evolução, tratando-o de maneira farmacológica e não
farmacológica.
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Discussão de caso, avaliação
funcional e manejo clínico
História clínica Há um ano, no entanto, a filha notou que o pai
apresentava dificuldade para se vestir adequadamente,
Em setembro de 2005, o Sr. R.C.M. procurou o Setor além de escolher roupas inapropriadas a certos
de Neurologia do Comportamento da Universidade de momentos. Ela o chamava à atenção, mas ele não sabia
Santo Amaro (UNISA) acompanhado de sua filha, a como fazer e agir melhor, ou seja, ela passou a dar
informante. Estava com 76 anos e referia ter tido quatro algumas instruções sendo que, nesses momentos, o
anos de escolaridade. paciente apresentava irritabilidade e agressividade verbal,
fato que, juntamente com a necessidade de assistência
Há, aproximadamente, seis anos, iniciou com
para realizar a higiene pessoal, gerava grande sobrecarga
esquecimento para fatos recentes, como recados de
objetiva e subjetiva em seus cuidadores. Observou-
chamadas telefônicas e compromissos pessoais e
se também que ele era incapaz de ser uma pessoa
familiares. A família não deu muita atenção, acreditando
independente fora de casa, apesar de não aparentar
tratar-se da idade e do fato de sua esposa ter falecido
estar doente. Já havia perdido o interesse por diversas
um ano antes. Porém, os sintomas foram se acentuando,
atividades, como manter alguns passatempos. O jogo de
mas a família o levou a um médico apenas três
cartas havia abandonado há praticamente dois anos. Era
anos depois. Na ocasião, já haviam observado piora
incapaz de resolver problemas, com julgamento social
progressiva da memória, dificuldade em encontrar as
claramente reduzido.
palavras durante uma conversa, esquecia-se de pagar
as suas contas, tendo pagado uma delas duas vezes, Hipertenso e ex-tabagista, disse não haver história
além de ter se perdido ao tentar chegar à casa de um semelhante na família. Ao exame neurológico,
conhecido que frequentemente visitava. Havia alguns encontrava-se sem alterações.
sintomas depressivos, que permaneceram estáveis ao
longo desses primeiros anos, mesmo tendo feito uso de
antidepressivo. Na ocasião da primeira avaliação médica,
foi prescrito e iniciado tratamento com um inibidor da
acetilcolinesterase.
7
Avaliação neuropsicológica Resultado da escala de Pfeffer (Functional Activities
abreviada na ocasião da primeira Questionnaire): 1= 3; 2= 3; 3= 0; 4= 3; 5= 3; 6= 3; 7= 3;
consulta: 8= 3; 9= 3; 10= 3. Total = 27
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Teste do desenho do relógio Exames subsidiários
O Teste do Desenho do Relógio (TDR) destina- Foram realizados os seguintes exames laboratoriais:
se a avaliar habilidades visuoespaciais, habilidades hemograma, TGO, TGP, creatinina, VDRL, T4L, TSH,
construtivas e funções executivas4. O TDR apresenta cálcio, fósforo, dosagem de vitamina B12 e ácido fólico.
diversas versões, tanto em relação às instruções Todos dentro da normalidade.
para sua realização quanto às normas de avaliação.
A RM de crânio evidenciou uma atrofia cortical
Essencialmente, o que se solicita ao indivíduo é o
moderada (Figura 3).
desenho espontâneo de um mostrador de relógio com
todos os números e com os ponteiros mostrando horário
previamente estabelecido5.
Figura 2
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Tratamento Avaliação neuropsicológica
abreviada seis meses após a
Iniciou-se com a memantina, e a dose foi
associação de memantina ao
progressivamente aumentada. Inicialmente, com meio
inibidor da acetilcolinesterase:
comprimido uma vez ao dia por uma semana. Depois, a
cada semana, acrescentou-se mais meio comprimido até Clinical Dementia Rating - CDR 2,0.
chegar a dose de dois comprimidos de 10mg duas vezes
O resultado do Miniexame do Estado Mental Grave
ao dia. O inibidor da acetilcolinesterase foi mantido em
(MEEM-g) manteve-se em 26 pontos.
sua dose plena.
Resultado da escala de Katz: 5, vide Figura 4.
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Figura 5. PFEFFER – Atividades instrumentais de vida diária.
Inventário Neuropsiquiátrico – NPI
PONTUAÇÃO:
0 = Normal, ou nunca fez, mas poderia fazê-lo agora.
1 = Faz com dificuldades, ou nunca o fez e agora teria dificuldades.
O Inventário Neuropsiquiátrico (The Neuropsychiatric
2 = Necessita de ajuda. Inventory) é uma escala destinada à mensuração de 12
3 = Não é capaz.
tipos de alterações comportamentais. Também permite a
1) 2 Ele(a) manuseia seu próprio dinheiro?
identificação dos níveis de estresse do familiar cuidador
2) 1 Ele(a) é capaz de comprar roupas, comida, coisas para casa
sozinho(a)?
frente às alterações apresentadas pelo paciente. A
3) 1 Ele(a) é capaz de esquentar a água para o café e apagar o fogo? frequência e gravidade das alterações de comportamento
4) 1 Ele(a) é capaz de preparar uma comida? do paciente são pontuadas como se segue:
5) 2 Ele(a) é capaz de manter-se em dia com as atualidades, com os
acontecimentos da comunidade ou da vizinhança?
11
Os níveis de estresse do familiar cuidador variam de zero Conclusão
a cinco em cada domínio, como mostrado abaixo:
Dessa forma, pudemos observar por meio da utilização
0) ausente
de uma escala funcional, que é possível seguir
1) mínimo
acompanhando objetivamente a funcionalidade dos
2) leve pacientes com demência em fases mais avançadas da
3) moderado doença, como marcador de eficácia medicamentosa.
4) moderadamente grave Além disso, também foi possível observar reduções
dos escores obtidos no NPI, em algumas alterações
5) muito grave ou extremo
comportamentais e na sobrecarga subjetiva de
Os resultados são obtidos pela soma dos escores nos cuidadores nas duas avaliações realizadas – pré e
12 domínios. O maior escore possível é de 60 pontos, pós-tratamento – por meio da utilização da terapia
o que equivale ao maior nível de desgaste emocional combinada.
apresentado pelo familiar cuidador.
Delírio X 1 2 3 4 1 2 3 1 2 3 4 5
Alucinação X 1 2 3 4 1 2 3 1 2 3 4 5
Agitação X 1 2 3 4 1 2 3 1 2 3 4 5
Depressão/disforia X 1 2 3 4 1 2 3 1 2 3 4 5
Ansiedade X 1 2 3 4 1 2 3 1 2 3 4 5
Euforia/elação X 1 2 3 4 1 2 3 1 2 3 4 5
Apatia/indiferença 1 2 3 4 1 2 3 6 1 2 3 4 5
Desinibição X 1 2 3 4 1 2 3 1 2 3 4 5
Irritabilidade/labilidade 1 2 3 4 1 2 3 2 1 2 3 4 5
Distúrbio de sono X 1 2 3 4 1 2 3 1 2 3 4 5
Alteração do apetite X 1 2 3 4 1 2 3 1 2 3 4 5
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Doença de Alzheimer nas
fases moderada e grave
Estudos têm documentado padrões de progressão dos Estágio inicial (ou fase LEVE)
sintomas que ocorrem na maioria dos indivíduos com a
DA. Dessa forma, surgiram vários métodos de “estagiar” Perda de memória para fatos recentes; dificuldades
a doença com base nesses padrões. com cálculos; capacidade diminuída para realizar
tarefas complexas, como planejar um jantar para
Modelos de estagiamento fornecem estruturas úteis de convidados, pagar contas ou manejar finanças;
referência para o entendimento de como a doença pode memória de história pessoal reduzida; redução de
evoluir, sendo importante para planejamentos futuros. atividades sociais e mentais.
Contudo, é necessário observar que nem todas as pessoas
irão experimentar os mesmos sintomas de progressão
da mesma forma e ao mesmo tempo. Pacientes com a
DA morrem, em média, de quatro a seis anos após o Estágio intermediário (ou fase
diagnóstico, mas a duração da doença pode variar de três MODERADA)
a vinte anos9. Incapaz de dizer, durante uma entrevista médica, fatos
Sabe-se que a evolução da doença não progride importantes, como o seu endereço, número de telefone
linearmente, ocorrendo não só variabilidade entre os ou escola em que foi graduado.
indivíduos, mas também o mesmo indivíduo pode Apresenta desorientação temporal e espacial, tendo
apresentar variações de progressão ao longo do tempo. dificuldade em dizer onde se encontra, qual o dia do
Fases de platô podem ocorrer ao longo de todo o mês ou dia da semana.
processo10.
Tem dificuldade na realização de operações
matemáticas simples.
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Normalmente, retém conhecimento sobre si mesmo, Necessita de ajuda para vestir-se adequadamente. Sem
sabendo o próprio nome, nome do cônjuge e dos supervisão pode cometer erros.
filhos.
Distúrbios do ciclo sono-vigília. Necessita de auxilio
Usualmente, não necessita de auxílio para alimentar-se para a higiene pessoal.
mas, frequentemente, precisa de supervisão ou auxílio
Apresenta episódios frequentes de incontinência
para usar o banheiro.
urinária ou fecal.
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Avaliação de funcionalidade
A discussão da funcionalidade de indivíduos idosos saber sob qual ótica será feita a avaliação; a do défice
portadores de demência requer criteriosa compreensão associado ao declínio neurológico como, por exemplo,
das dimensões que a envolvem. Estudo de revisão acerca a dificuldade de planejamento, ou a outras causas não
de instrumentos de avaliação funcional em nosso meio neurológicas, como a incapacidade para executar uma
descreve estes critérios ressaltando a importância desta tarefa em função do diagnóstico de estado confusional
avaliação nas esferas biológica, psicológica e social. agudo decorrente de infecção do trato urinário – ITU –
De acordo com os autores deste trabalho, as avaliações pneumonia ou desidratação.
nos domínios sociais e cognitivos são importantes por
Vários são os modelos de instrumentos de avaliação
interagirem na funcionalidade do indivíduo. Assim,
funcional utilizados em populações de idosos. São
duas subdimensões – cognição e humor – precisam ser
escalas psicométricas para medir diferentes níveis de
valorizadas por implicarem nos possíveis achados da
dependências funcionais voltadas tanto para cognição
avaliação do estado funcional.
quanto para o humor e comportamento, bem como
Investigar a dependência funcional em portadores de as implicações que estas duas subdimensões podem
DA nas fases moderada e grave tem relevância para a trazer em prejuízo para a manutenção da independência
prática clínica dado que perdas funcionais podem estar funcional destes pacientes11.
associadas aos défices cognitivos presentes neste tipo de
A DA, em suas fases moderada e grave, confere ao seu
doença neurológica.
portador, não de forma igualitária, visto que não há
É importante que se procure avaliar a dependência padrão de evolução para todos os indivíduos acometidos
funcional seguindo critérios que atendam às diferentes por esta doença, dependências funcionais importantes,
dimensões que poderão classificar indivíduos como as quais envolvem notadamente as funções inerentes aos
independentes ou dependentes. O investigador deverá se lobos frontais, ou seja, funções ditas superiores como
perguntar qual subdimensão quer avaliar; se deficiência aquelas responsáveis pela capacidade de planejamento,
(impairment), incapacidade (disability) ou desvantagem crítica, julgamento e execução.
(handicap), conceitos propostos pela Organização
Mundial de Saúde – OMS. Além disso, é relevante
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Neste contexto, várias funções, gradualmente, vão se controle de finanças, tomada de decisões, entre outras),
comprometendo como, por exemplo: e, mais tardiamente, as atividades de vida diária –
AVDs – que são aquelas envolvidas com o autocuidado
a) Volição: que se refere à habilidade de pensar as
(banho, vestuário, alimentação, transferência, asseio e
necessidades futuras, bem como sua resolução.
continência). Pacientes em fase moderada certamente
b) Planejamento: habilidade de antecipação e divisão apresentam dependências funcionais para as AIVDs,
em quantas etapas for necessária para elaboração e lembrando que, para a realização de atividades
execução de uma dada tarefa. instrumentais, o paciente deverá apresentar capacidades
de planejamento e execução mais ou menos preservadas,
c) Objetivo: habilidade em manter a programação enquanto que, para realização de atividades básicas,
anterior ou alterá-la, se necessário, de forma mais afetadas nas fases tardias da doença, os pacientes
integrada e sistematizada com vistas ao alcance da já apresentarão graves comprometimentos de funções
meta proposta anteriormente. superiores, o que os tornarão totalmente dependentes12.
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Escalas para uma
avaliação funcional
Um trabalho recente apresentou vários instrumentos de O principal ganho advindo da aplicação destes
avaliação funcional, nos quais sete deles eram destinados instrumentos é a possibilidade de identificação das
à avaliação das AVDs; e onze, à avaliação das AIVDs. dependências funcionais atuais e as alterações de humor
Algumas limitações foram discutidas pelos autores no e comportamento apresentadas pelo paciente, assim
que se refere ao tempo gasto na aplicação das escalas e, como a realização de estudos comparativos (pré e pós-
até aquele momento, também faziam uma crítica ao fato teste), em que estas escalas funcionam como indicadores
de não haver nenhum instrumento de avaliação funcional de qualidade das intervenções realizadas por meio de
validado para uso no Brasil. Atualmente, ainda são poucos estudos experimentais.
os instrumentos para este fim que foram validados em
Neste ponto, e finalizando esta seção, é de fundamental
nosso meio, embora alguns se encontrem neste processo11.
importância que os profissionais que acompanham
Para este trabalho optou-se pela escolha de três escalas: pacientes com DA, especialmente em fase moderada,
a primeira para medir dependências para execução das encaminhem seus clientes para avaliação funcional
AIVDs, o Questionário de Atividades Instrumentais - FAQ criteriosa, tendo em mente que, por meio desta avaliação,
– Functional Activities Questionnaire – ou simplesmente estes pacientes poderão se beneficiar de manejos não
escala de Pfeffer7; a segunda para as AVDs – Índice de farmacológicos por meio de abordagens cognitivo-
Katz6; e a terceira, para atender a dimensão “humor e comportamentais que, se associadas a medicações
comportamento” o NPI- The Neuropsychiatric Inventory específicas – terapia combinada –, poderão beneficiar
ou Inventário Neuropsiquiátrico8, o qual também permite não apenas a cognição, mas a função e comportamento
que se avalie o grau de estresse subjetivo do cuidador às destas pessoas melhorando, consequentemente, sua
alterações de humor e de comportamento apresentadas qualidade de vida e a de seus cuidadores.
pelo paciente.
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Terapia medicamentosa
18
Apesar de não haver tratamento curativo para a DA,
é preciso considerar o grande avanço farmacológico
das últimas décadas, desde a primeira droga para
o tratamento da DA – a Tacrina – em 1993, até a
possibilidade de associação de fármacos como os
inibidores da acetilcolinesterase com a memantina,
promovendo a lentificação da doença com melhora
funcional, como demonstrado por meio de estudos de
eficácia. Hoje, esta possibilidade, associada à abordagem
não farmacológica por meio de ações interdisciplinares,
tem permitido observar melhoras cognitivo-funcionais
em pacientes tratados, o que sinaliza para o alcance
das metas que são lentificação da evolução da doença e
melhoria de qualidade de vida. Neste sentido, podemos
ver a DA atualmente como ela realmente é: uma doença
crônica passível de ser controlada adequadamente por
muitos anos.
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10FAQ
(Frequently Asked Questions)
1) Como caracterizar a fase executá-la pelo paciente. Os défices cognitivos são
moderada da Doença de Alzheimer mais graves e evidentes, como a memória, que aparece
do ponto de vista funcional? fragmentada, a comunicação verbal, que praticamente
inexiste, deixando bem clara a presença da tríade –
As dependências funcionais observadas na fase afasia, apraxia e agnosia. Estas alterações costumam
moderada da DA implicam, principalmente, em afetar negativamente a performance funcional destes
perda gradual de planejamento e execução de tarefas pacientes. As alterações de comportamento podem
familiares. O indivíduo torna-se apráxico para muitas aparecer menos intensas, contudo, como na fase
atividades, inclusive as consideradas básicas, como moderada, elas podem sinalizar problemas sistêmicos
aquelas relacionadas ao autocuidado. Neste ponto de que prejudicam funcionalmente o indivíduo, razão pela
evolução da doença, é preciso que o cuidador esteja qual os cuidadores precisam estar bem orientados acerca
atento a todas as atividades do paciente e as supervisione, dos “sinais” de que algo errado está ocorrendo.
sendo orientado a: estimular, orientar, supervisionar
(sutilmente), auxiliar se necessário e executar a atividade
apenas quando o paciente não for mais capaz. Além
3) É possível seguir acompanhando
disso, também é importante que o cuidador seja bem
o paciente com demência, do ponto
orientado em relação aos “sinais de alerta” para outras
de vista funcional, nos estágios
doenças sistêmicas que, se presentes, poderão interferir
moderado e grave da doença?
funcionalmente17. Certamente. Se entendermos a doença, sua progressão
e as fases que a caracterizam, podemos pensar em
2) Como caracterizar a fase grave da trabalhar preventivamente, antecipando-nos por meio
Doença de Alzheimer do ponto de de abordagens que envolvem conhecimento da fase
vista funcional? em que o paciente está inserido e identificação precoce
de comorbidades que podem prejudicar a função.
Na fase grave, as perdas funcionais são bem mais Contamos atualmente com estratégias de manejos
importantes e, se anteriormente o cuidador auxiliava cognitivo-comportamentais, que incluem paciente,
determinada atividade, agora, certamente, terá que cuidador e ambiente até as fases mais tardias. Para tal,
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precisamos saber que dispomos hoje de instrumentos importantes podem ser utilizados. Porém, ainda temos
que mensuram as dependências apresentadas por estes dificuldades quanto ao tempo necessário à aplicação
pacientes que nos auxiliam sobremaneira na tomada destas baterias, dado que a demanda de pacientes que
de decisões voltadas aos tratamentos, farmacológico diariamente chegam aos serviços especializados tem
e não farmacológico, no sentido de manter estes crescido em decorrência do aumento do número de
pacientes estabilizados por maior tempo em cada uma idosos em todo o mundo.
das fases que fazem parte do quadro clínico da doença.
É aconselhável, portanto, que as avaliações funcionais
5) Como as baterias de avaliação
ocorram em intervalos de tempo não superiores a seis
funcional ajudam no diagnóstico
meses, e que a comunicação profissional – paciente –
diferencial nas fases moderada e
cuidador seja clara e objetiva.
grave?
Estas baterias auxiliam exatamente porque conhecemos
4) E quais seriam os instrumentos
a história natural da DA, e ao obtermos, por meio
mais adequados?
da história clínica inicial de prejuízo funcional para
Como já citado anteriormente, estudos já exploraram AIVDs, informação sobre a necessidade do paciente
métodos de avaliação funcional de indivíduos com de alguma supervisão para execução destas tarefas,
demência11. Este trabalho trouxe grande contribuição poderemos pensar em um paciente em estágio leve. Se,
para a área, dado que selecionou instrumentos que sequencialmente, avaliando o mesmo paciente por meio
podem ser utilizados para avaliar funcionalmente idosos da escala Katz, verificarmos que seu desempenho para
nas dimensões biológica e psicossocial. Em nossa prática, execução das AVDs está prejudicado e que ele necessita
tomamos o cuidado de avaliar nossos pacientes, como de auxílio e/ou execução destas tarefas por um cuidador,
se segue: cognição, função e comportamento. Vale mais poderemos seguramente pensar que estamos diante de
uma vez lembrar que défices cognitivos e desordens um paciente em estágio moderado ou grave da doença.
comportamentais podem ter um papel relevante nas Neste sentido, as escalas de avaliação funcional podem
desordens funcionais. Assim, optamos por selecionar contribuir para o diagnóstico diferencial das fases
os três instrumentos ilustrados aqui – o Índice de Katz, evolutivas da doença de Alzheimer.
a Escala de Pfeffer para a identificação de dependências
básicas e instrumentais de vida diária e, adicionalmente,
6) O que devemos considerar como
o Inventário Neuropsiquiátrico. As escalas funcionais
resposta funcional ao tratamento
aqui apresentadas têm satisfeito as nossas necessidades
específico?
de conhecimento acerca das dependências funcionais de
pacientes com DA, não apenas pela rapidez de aplicação Revisão recente da Cochrane18 encontrou eficácia
pelo entrevistador, como também pela possibilidade de do uso da memantina no que diz respeito à melhora
serem autoaplicáveis. Outros instrumentos igualmente funcional de pacientes com DA. Com base neste
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trabalho, podemos considerar que melhora funcional 9) Qual a natureza das dificuldades
de pacientes em estágios moderado e grave da doença observadas durante a performance
deve estar associada não apenas a melhora, mas a em atividades da vida diária?
melhora sustentada parcial ou total nas AVDs, em que
o paciente apresenta um período de estabilização em Os estudos sugerem que uma ampla variedade de défices
sua dependência funcional, período este que possa perceptuais e cognitivos, como memória, atenção e
corresponder, no mínimo, ao tempo entre uma avaliação funções executivas, pode afetar na performance em
funcional e outra. Assim, a manutenção ou pequeno atividades da vida diária. Mais recentemente, uma série
declínio nos escores anteriores dos instrumentos de de autores enfatizou mais particularmente o impacto de
avaliação funcional utilizados podem sinalizar boa ou má défices em funções executivas, como a espontaneidade,
resposta ao tratamento específico19. planejamento e organização, realização de tarefas,
julgamento, sequenciamento e volição, nas alterações
funcionais das atividades da vida diária. Adicionalmente,
7) Qual a utilidade em se monitorar outros fatores, como os distúrbios de comportamento, o
as alterações nas atividades básicas e nível de motivação de cada indivíduo e a disponibilidade
instrumentais da vida diária? de um adequado suporte aos pacientes, também
Pesquisas identificam que essas atividades são foram descritos como podendo contribuir para essas
constituintes importantes das pedras clínicas dificuldades.
fundamentais que determinam a progressão da doença
de Alzheimer. As atividades instrumentais da vida diária 10) Qual a consequência de uma
são fundamentais em estágios iniciais da DA, enquanto perda funcional?
que as atividades básicas da vida diária são úteis em fase
intermediárias e avançadas da doença. A consequência de uma perda funcional é um
importante efeito na vida dos indivíduos com DA, bem
como dos responsáveis por seus cuidados, como família,
8) Há alguma relação entre cognição amigos e enfermeiras. Para o indivíduo que se confronta
e funcionalidade? com o problema, as dificuldades podem resultar
A relação entre o declínio cognitivo e de habilidades em várias reações comportamentais e emocionais,
funcionais tem sido documentada em diversos estudos. como frustração, ansiedade, humilhação, apatia ou
Entretanto, há certa controvérsia na literatura se essas agressividade. Tudo isso proporcionando um impacto
alterações ocorrem ou não em paralelo. Alguns autores nas atividades sociais. Com o avançar, estar sozinho em
identificaram uma clara correlação direta. Provavelmente, casa pode não ser seguro.
quando essa relação não foi observada, isso se deveu a
uma maior gravidade dos distúrbios cognitivos ou aos
instrumentos utilizados nas avaliações.
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Cód. 700.464 Julho/2009
Material científico destinado exclusivamente à Classe Médica