Você está na página 1de 7

Cientistas estabeleceram valores para processos ambientais


básicos que, se ultrapassados, podem arneacar a sustentabilidade
da Terra. Lamentavelmente, tres deles já foram excedidos
POR JONATHAN FOLEY

LIMI;TES PARA UM ;

PLANETA SUSTENTAVEL
D
urante quase 10 mil anos - desde os primór-
dios da civilizacáo e do Holoceno -, nosso
mundo foi inimaginavelmente grande. Vas-
tidóes de terras e oceanos ofereciam recursos infi-
a
nitos. Os humanos podiam poluir vontade e evi-
tavam repercussóes locais simplesmente ao se mu-
dar para outro lugar. POyOSconstruíram impérios
e sistemas económicos alicercados em sua capaci-
dade de explorar o que presumiam ser riquezas ine-
xauríveis. E jamais se deram conta de que esse pri- Oq
vilégio teria fimo evitá-Ias?
CONCEITOS-CHAVE
Entretanto, gra\=as aos avances na saúde públi- chefiada
• Embora a mudan~ dimáti- a a
ca, Revolucáo Industrial e, mais tarde, Revolu- liéncia de
ca seja foco de grande cáo Verde, a populacáo mundial saltou de cerca de Europa,dos
aten~o, a perda de biodi-
1 bilháo de pessoas, em 1800, para quase 7 bilhóes trália - procurl

versidade e a polui~o por


hojeo SÓ nos últimos 50 anos, nosso número mais meio de urna Q1
nitrogenio excedem os
que dobrou. Alimentada pela riqueza, a utilizacáo abrangente:
limites seguros em graus
mais acentuados. Outros de recursos também atingiu níveis assustadores. Em críticos" planetários,
processos ambientais ru- 50 anos, o consumo global de alimentos e água te global em um
mam para niveis perigosos. doce mais que triplicoue o de combustíveis fósseis de tudo o que já Coi Wito
quadruplicou. Agora, cooptamos entre 30% e 50% Após examinar llIIlIIt10SC
• Adotar imediatamente
de toda a fotossíntese no planeta. nares de sistemas fíSicos e -~c-
fontes de energia de baixa
emissáo de carbono, res- Esse crescimento arbitrário fez com que a polui- que nove proeessos ambieocüs amiopllmcial de ar-
tringir o desmatamento e \=aopassasse de um problema local para um ataque ruinar a capacidade do planeta de susrmrnr vida hu-
revolucionar as práticas global. A reducáo do ozónio estratosférico e as con- mana. Em seguida, estipulamos limites para eJes -
agrícolas sáo medidas de- centracóes dos gases de efeito estufa sáo complica- urna faixa dentro da qual a bnmanidade pode operar
cisivas para tomar a vida cóes óbvias, porém muitos outros efeitos nefastos em seguranca, Sete processos apresenram um limite
humana na Terra mais estáo se manifestando. preciso (ver ilustraflio no pág. 29), definido científi-
sustentável. A súbita aceleracáo do crescimento populacional, camente por um úniro número (que obviamente con-
- Os editores o consumo de recursos e os danos ambientais mu- tém certa margem de incerteza). Tris deles - a mu-
daram a face da Terra. Passamos a viver em um pla- danca climática, a acidificacáo oceánica e a reducáo

28 SCIENTlFIC AMERICAN BRASil Junho 2010


E/':&'~
-&.~~${ij
,~fii"~ A...•

#s.¡l !;f
~fIJ "'~

us
vj
rlJ~i2

ea
éJ¡.~~C'&I)¡'_
• '"1.
'#,
.
.
-'lo. "F'q, •.
~Ú>,.. :s'Fe,& f.qQ 0'& "1. "1.
4~
'"'>'<!'S &!hó, .céJ~_

"~~~éJ/

~, ~. ~S.
. l}éJ

, v: Concentraciio
{unidades DObs
on}
.
'VAl.!)¡ PRt-tNOI.JS11/IAL: 2SÓ

ATUAL: 283

-••
~ 'fiI,¡".e .. -..-.
LIMITE: 276

,.~a)(a de e)(tinqáO
lrni\\"IOes de espécies por ano)
\I~ p!\É-INoUSTf\\p.!..: 0,'\ *'\,0
~1\lp.!..: .,,\00
I.It<1~.'\O

~. sE
~ <i:r

• E
::;J~
-~ 11IC
c: c:
Ca¡
o""1!!~1:!
~ 8.a.~~
l 80
. CI

~E
•.... § ~~
=..:;c(:J
do ozónio estratosférico -constituem pontos críticos; mais urgentes nos fomece indícios de como solucioná- PROCESSOS AMBIENTAIS VITAIS devem
outros quatro apontam o início de urna degradacáo los. Em dois casos - mudanca climática e acidificacáo permanecer dentro de certos
irreversível. Os dois processos restantes - a poluicáo oceánica - o responsável é mais que conhecido: a limites. Caso contrário, o espaco
atmosférica por aerossóis e a poluicáo química global utilízacáo de combustíveis fósseis, que lancam dióxi- operacional seguro, no qual a
- nao passaram por estudos táo extensivos e seus limi- do de carbono (C02) na atmosfera. humanidade pode existir, será
tes ainda nao foram definidos. Mudanfa dimátial- Embora nosso planeta já te- ameacado, A colora~áo indica o
avance de um processo desde os
Nossa análise mostra que tres processos já ex- nha passado por urn significativo aquecimento indu-
níveis pré-industriais até ou além
cederam seus patamares: a perda de biodiversida- zido pelo homem, e certamente experimentará novas
de certo limiar. A biodiversidade,
de, a poluicáo de nitrogénio e a mudanca clirnáti- elevacóes de temperatura, cientistas e formuladores
o fluxo de nitrogenio e a mudan-
ea. Todos os outros estáo se encaminhando aos de políticas buscam meios para evitar as consequén- ~a climática já excederam esses
seus limiares. Os limites individuais podem estar cias mais devastadoras - inclusive a perda das plata- valores. (Os fluxos de nitrogenio
perfeitamente ajustados e outros poderáo ser formas de gelo polares, o colapso dos estoques de e fósforo foram combinados
acrescidos no futuro, mas o conjunto constitui urn água doce e o desequilibrio de sistemas climáticos re- porque tendem a ocorrer juntos.)
surnário de "primeira ordem" das condicóes am- gionais. A concentracáo de C02 já está em 387 ppm
bientais mais perigosas do mundo e propóe urna (a medida usual, por volurne), e o debate sobre os ní-
estrutura básica para pensar sobre como gerenciar veis de ernissáo de gases de efeito estufa capazes de
essas ameacas, provocar mudancas drásticas prossegue. Os valores
A compreensáo das causas de nossos problemas aceitáveis sugeridos variam entre 350 e 550 ppm de

www.sciam.com.br SCIENTIFIC AMERICAN BRASil 29


C02. Em nossa análise propomos uma meta conser- motivo contundente para que nacóes rumem para
vadora, em longo prazo, de 350 ppm, para manter o um futuro energético mais pobre em carbono.
planeta bem distante de pontos críticos climáticos.
Mas, para atingir essa meta, o mundo precisa agir A hnplical¡a.o da Prodw;a.o de Alimentos
imediatamente para estabilizar as emissóes e, nas A humanidade já sequestra 35% da superficie terres-
próximas décadas, reduzi-las substancialmente . tre para cultivar alimentos e pastos, e a expansáo agrí-
Acidificafiio oce!inica - Esse o primo menos co-
é cola a principal motivacáo para abrir novas áreas
é

nhecido da mudanca climática. A medida que as de plantio e, com isso, destruir ecossistemas naturais.
concentracóes atmosféricas de C02 aumentam, a Vários limites planetários correm risco de ser trans-
quantidade de dióxido de carbono que se dissolve na postos por práticas de utilizacáo da terra.
água em forma de ácido carbónico cresce, deixando Jonathan Foley é diretor do Perda de biodiversidade - A expansáo territorial
a superficie oceánica mais ácida. Os oceanos sáo na- Instituto do Meio Ambiente, da é responsável por uma das maiores ondas de extin-
turalmente neutros, com um pH de aproximada- University of Minnesota. Com cóes da história do planeta. Estamos perdendo espé-
formacáo em ciencias atmosféricas,
mente 8,2, mas os dados mostram que esse valor já cies de cem a mil vezes mais rápido que as taxas na-
ele trabalha principalmente com o
caiu para quase 8 e continua baixando. A mensura- vfnculo entre o uso turais passadas, observadas no registro geológico.
<;:iloque utilizamos para quantificar essa mudanca é
da terra, a agricultura e o meio Esse índice constatado em ecossistemas tanto terres-
é

o nível decrescente de aragonita (uma forma de car- ambiente global. tres como marinhos e pode minar processos ecológi-
bonato de cálcio), que se forma na água superficial. cos em escala regional e global. Os esforcos para con-
Muitas criaturas - de corais a uma infinidade de fi- servar a biodiversidade, particularmente nas sensíveis
toplánctons, que constituem a base da cadeia alimen- florestas tropicais, necessitam de muito mais atencáo,
tar oceánica - dependem da aragonita para construir Poluifiío por nitrogenio e fósforo - A amplamen-
seus esqueletos, conchas e carapacas. A acidez eres- te difundida utilizacáo de fertilizantes industriais de-
cente pode enfraquecer severamente os ecossistemas sestabilizou a química do planeta. A aplicacáo de
oceánicos e as teias alimentares, constituindo outro adubos sintéticos mais que dobrou os fluxos de nitro-
a
genio e fósforo no meio ambiente, razáo de 133 rni-
lhóes de toneladas de nitrogénio e 10 milhóes de
EM BUSCA DE SAíDAS toneladas de fósforo por ano. As duas substancias
Pennitir que processosambientais excedam certos limites pode ter graves implica~6es. mas algumas causam intensa poluicáo da água, degradam nume-
a~Oesdecisivas conseguem mante-Ios dentro de esferas seguras.(Para saber mais, ver "Solu{Oes para rosos lagos e rios e afetam áreas oceánicas litoráneas
amea{as ambientais", a partir da página 58). ao criar extensas "zonas monas" hipóxicas. Sáo ne-
cessárias novas práticas agrícolas, que aumentem a
PROCESSOS CONSEQUENCIAS DA SOLUC;ÓES
producáo de alimentos e sustentem o meio ambiente.
AMBIENTAIS TRANSPOSIC;ÁO posslvElS
Esgotamento de (antes de água doce - Ao redor
~ Ecossistemas terrestres e Reduzir o desmatamento e o desenvolvi- do globo, retiramos anualmente assombrosos 2.600
OOw'ft@dtm
,ur:u~·
r:.l ••. oceánkos colapsam mento de terras; pagar por servi~os de
krn-' de água de rios, lagos e aquíferos para a irriga-
ecossistemas
cáo (70%), a indústria (20%) e o uso doméstico
Reduzir a utiliza~o de fertilizantes; proces-
sar dejetos animais; adatar veículos híbridos
(10%). Em consequéncia, muitos rios caudalosos ti-
veram seu fluxo reduzido; outros estáo secando por
Reduzír a utiliza~o de fertilizantes; pro-
completo. Exemplos incluem o rio Colorado, que
cessar dejetos animais; processar melhor
refugos humanos nao deságua mais no oceano, e o mar de Aral, na
Asia Central, agora em grande parte desertificado. A
Adotar energia e combustíveis de
baixo teor de carbono; taxar emissOes demanda futura pode ser fenomenal. Melhoras drás-
de carbono ticas na eficiencia global do consumo de água, parti-
Limitar a expansác urbana; melhorar a cularmente para a irrigacáo, ajudariam a evitar per-
eficiencia agrícola; pagar por servkos de das mais sérias ainda.
ecossistemas
Adotar energia e combustíveis de baixo Fiquem Bem Longa
teor de carbono; reduzir escoamento su- A publicacáo inicial de nosso estudo na revista Natu-
perficial de fertilizantes re, há vários meses, suscitou um saudáve\ debate cien-
~
g
Melhorar eficiencia da irriga~o; instalar tífico. De modo geral, o trabalho foi bem recebido e
dispositivos de baixo fluxo de água :5
visto como o que pretendeu ser: um experimento
complexo para tentar definir perigosas linhas "in- ~
Eliminar os hidroclorofluorcarbonos
(HCFCs);testar efeitos de novas
transponíveis" para o mundo. Entretanto, fomos
abertamente criticados por alguns cientistas pelo sim-
"
ex
-c
¡¡j
substancias químicas
ples fato de termos tentado fixar limites; outros nao
"'
8

30 SCIENTlFIC AMERICAN BRASil Junho 2010


concordam com os números que estipulamos. Talvez
o comentário mais importante seja que, ao determi-
nar limites, podemos estar encorajando as pessoas a
pensar que a destruicáo ambiental é aceitável, desde
que ela se mantenha dentro dessas delimitacóes, Para
que fique bem claro, isso nao é o que propomos! A
sociedade nao deve permitir que o mundo se enea-
minhe para um limite antes de agir. Um avance de
30% a 60% rumo a qualquer fronteira de seguran-
ea também causará danos severos. Instamos as pes-
soas a serem suficientemente espertas e altruístas
(em relacáo a geracóes futuras) e ficarem o mais lon-
ge possível dos limites, porque todos eles represen-
tam uma crise ambiental.
A maioria das críticas tem sido razoável, e previ-
mos muitas delas. Sabíamos que a nocáo de limites
exigiría mais estudos - particularmente para aprimo-
rar os números. Mas sentimos que o conceito era po- GIGANTESCAS FLOREScENCIAS DE eficiencia energética e uma subsequente oferta
deroso e ajudaria a estruturar um pensamento coleti- algas no mar Negro (redemoinhos proporcional de fontes alternativas de energia
vo sobre limites ambientais para a existencia humana. verdes na parte inferior) sáo de baixo carbono.
E esperávamos que os resultados estimulassem dis- alimentadas por escoamentos • Refrear drasticamente o desmatamento, sobre-
cuss6es na comunidade científica. Parece que esse de- agrícolas levados pelo rio tudo nos trópicos, e a degradacáo das terras.
sejo se concretizou. Danúbio (embaixo), matando a Muitos limites planetários, particularmente a
vida aquática - um exemplo da
perda de biodiversidade, estáo comprometidos
natureza interligada de
Ponto de Partida em raza o da incessante expansáo de assenta-
processos ambientais vitais,
A medida que o mundo se empenha em atender as
como o uso da terra e da
mentos humanos.
exigencias económicas, sociais e ambientais para a • Investir em práticas agrícolas revolucionárias.
biodiversidade.
sustentabilidade global, é preciso respeitar um amplo Vários limites, inclusive os ligados a poluicáo de
conjunto de limites planetários. A sociedade já come- nitrogénio e ao consumo de água, sáo afetados
cou a enfrentar alguns desafios, mas apenas de um por nossos sistemas agrícolas industrializados.
modo incipiente e parcial, tomando cada limite isola- Abordagens inovadoras sáo possíveis, entre elas
damente. Entretanto, as delimitacóes estáo intima- o desenvolvimento de novas variedades de
mente interligadas. Quando um limiar é transposto, plantas e técnicas de agricultura de precisa o,
ele exerce pressáo sobre outros, aumentando o risco além da utilizacáo muito mais eficiente de água
de excede-los. Por exemplo, ultrapassar a barreira da e fertilizantes.
seguranca climática pode impulsionar os índices de
extincáo. Similarmente, a poluicáo por nitrogénio e • PARA A medida que implantarmos solucóes, devemos
fósforo tem o potencial de minar a capacidade de re- CONHECER MAlS reconhecer que nao existe um simples manual de
cuperacáo de ecossistemas aquáticos, acelerando regras para alcancar um futuro mais sustentável.
~ A safe operating space for
:¡ acentuadamente a perda de biodiversidade. Indepen- humanity. Johan Rockstrórn et al., Ao avancarrnos, desenvolveremos novos princí-
~
o dentemente de quanto as nossas solucóes térn sido em Nature, vol. 461, págs. 472-475, pios operacionais para nossos sistemas económi-
..'"
ex
z
bem-intencionadas, a tentativa de resolver um fator 24 de setembro de 2009. cos, instituicóes políticas e acóes sociais, manten-
~
~ de cada vez fracassará com grande probabilidade. do-nos rigorosamente atentos a nossa limitada
~
o: Nesse momento crítico, nao basta que os cientis-
Commentaries: planetary
compreensáo dos processos humanos e ambien-
'2" boundaries. Nature Reports
tas apenas definam os problemas e cruzem os bracos, Climate Change, vol. 3, págs. tais. Quaisquer padr6es de referencia ou práticas
~ É necessário comecar a propor solucóes. Eis algumas 112-119, outubro de 2009. inovadoras devem nos permitir reagir a alteracóes
~ http://blogs.nature.com/
-c ideias iniciais: nos indicadores da saúde ambiental e necessidades
'"oo climatefeedback/2009/09/ sociais. Isso nos ajudaria simultaneamente a me-
'~ " planetary-boundaries.html
-c
z • Fazer a transicáo para um sistema energético !horar a resiliéncia de sistemas naturais e humanos,
..:
ti:: eficiente, de baixo teor de carbono. As premen- Planetary boundaries: exploring para que eles se tornem mais robustos e menos vul-
~ tes questóes da mudanca climática e acidifica- the safe operating space for neráveis a choques inesperados com muita proba-
c;ao oceánica exigem que estabilizemos as con- humanity, Johan Rockstrórn et al., bilidade de ocorrer. Para maximizar essa capaci-
~ em Ec%gy and Society, vol. 14, dade rápida de recuperacáo, teremos de fazer o
..
o
o
centracóes atmosféricas de C02 o quanto antes
e preferivelmente abaixo de 350 ppm. Essa mu-
nº 2, artigo 32, 2009.
www.stockholmresilience.org/
melhor possível para viver dentro dos limites de
~ danca implicará grandes aprimoramentos da um planeta que está enco!hendo. _
8 planetary-boundaries

www.sciam.com.br SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL 31


COMOENFRENTARAMEACAS I

Especialistas revelam El ScIENllFIC AMERICAN quais acóes rnsnteráo os processos sob controle

o PERDA DE BIODIVERSIDADE .......................... _ _ .


• CICLO DO NITROGENIO
Gretchen C. Daily, professora de ciencia ambiental, Stanford University Robert Howarth, professor de ecologia e biologia ambiental,
Come" University

A atividade humana alterou acentuada- míneas, em vez de milho, pois as perdas


mente o fluxo de nitrogenio ao redor do de nitrogenio sáo muito inferiores.
globo. O maior contribuinte isolado pa- A polukáo por nitroqénio resultante
ra isso é a aplica~o de fertilizantes. En- da chamada Operacáo Concentrada de
tretanto, a queima de combustiveis fós- Alimenta~oAnimal (Cafo, na sigla em
seis domina o problema em algumas ingles) constitui um problema enorme.
regióes, como no nordeste dos Estados Há relativamente pouco tempo, nos
Unidos. Nesse caso, a solucáo é conser- anos 70, a maioria dos animais era ali-
var energia e utilizá-Ia com mais eficien- mentada com plantas cultivadas local-
cia. Veículos híbridos constituem uma mente e os dejetos retomavam as lavou-
excelente opcáo: as emissóes de nitroge- ras como adubo. Hoje, porém, eles sáo
nio sáo significativamente inferiores as tratados com produtos cultivados a cen-
É hora de enfrentar a dura realidade de cenica. A China está investindo US$ 100 de modelos tradicionais, porque os mo- tenas de quilómetros de distancia, tor-
que as abordagens tradicionais de con- bilhóes em "ecocorroensacáo", que tores desligam enquanto o veículo está nando o retomo do esterco ao campo
serva~ao de espécies específicas estáo inclui políticas inovadoras e mecanismos estacionário. (As emissóes de veículos "antieconómico". A solu~o? Exigir que
condenadas ao fracasso. As reservas financeiros para recompensar a conser- tradicionais na realidade aurnentam os praticantes da Cafo processem os
naturais existentes sáo pequenas ~o e a restaura~o. Além disso, o país quando o motor funciona em marcha refugos animais, exatamente como os
demais, pouco numerosas, muito isola- está criando" áreas de conservacáo com lenta.) As emissóes de usinas elétricas municípios sáo obrigados a fazer com a
das e excessivamente sujeitas a mudan- fun~o ecossistérnica", que compóem dos Estados Unidos também poderiam matéria residual humana. Além disso, se
~s para poderem sustentar mais que 18% de sua área terrestre. A Colómbia e ser muito reduzidas se as instala~óes consumíssemos menos came, haveria
apenas uma diminuta fra~o da biodi- a África do Sul também adotaram que transgridem a Lei do Ar Puro e suas menos dejetos e menos fertilizantes sin-
versidade da Terra. O desafio é tomar a drásticas mudancas de políticas. emendas fossem obrigadas a respeitá- téticos seriam necessários para cultivar
conservacáo atraente - sob perspectivas Tres medidas de vanguarda ajuda- las. Proporcionalmente, essas usinas po- alimentos para as cria~óes. O ideal seria
económicas e culturais. Nao podemos riam o resto do mundo a ampliar esses luem muito mais que a quantidade de comer came procedente de animais cria-
continuar tratando a Natureza como um modelos de sucesso. Primeiro: novas eletricidade que produzem. dos em pastos de gramíneas perenes.
bufe de consumo ilimitado. ciencias e ferramentas para valorizar e Na agricultura, muitos fazendeiros A explosiva expansáo da produ~o
Dependemos dela para a nossa contabilizar o capital natural em termos poderiam utilizar menos fertilizantes e, de etanol como biocombustível tam-
seguran~ alimentar, água limpa, estabi- . biofísicos, económicos e outros. Por ainda assim, as quedas de produtivida- bém agrava seriamente a poluicáo por
lidade dirnática, peixes e frutos do mar, exemplo, o Projeto Capital Natural criou de seriam mínimas ou inexistentes. O nltroqénio, Vários estudos sugeriram
madeira e outros servkos biológicos e o software InVEST.que integra a valori- escoamento superficial de lavouras de que, se as metas de etanol estipuladas
físicos. Para manter esses benefícios, nao za~o de servkos ecosslstémicos e milho em particular é evitável porque pelos Estados Unidos forem akarcadas,
necessitamos apenas de reservas remo- trocas, que govemos e corporacóes suas raízes penetram apenas alguns a quantidade de nitroqénio que descerá
tas, mas de muitas áreas protegidas e podem empregar no planejamento da centímetros no solo e assimilam o rio Mississippi para alimentar as zonas
amplamente espalhadas - como" esta- utiliza~o de terras e recursos, e no nutrientes só durante dois meses do mortas no Golfo do México poderá
~óes de servi~os de ecossistemas" . desevolvimento de infraestrutura. ano. Além disso, as perdas de nitrogenio aumentar de 30% a 4O%.A melhor
Alguns pioneiros estao integrando a Segundo: dernonstracóes convincentes podem ser reduzidas em 30% ou mais altemativa seria abrir máo da produ~ao
conserva~o e o desenvolvimento dessas ferramentas em políticas de se os agricultores plantarem lavouras de etanol de milho. Se o país quer
humano. O govemo da Costa Rica recursos.Terceiro: cooperacáo entre de cobertura no invemo, como centeio depender de biocombustíveis, seria
remunera proprietários de terras pelos govemos, organiza~óes de desenvolvi- ou trigo, que ajudam o solo a reter nitro- melhor cultivar gramíneas e árvores
servi~osdos ecossistemas de florestas mento, corporacóes e comunidades para genio. Essasculturas também favore- para queimá-Ias e gerar calor e eletrici-
tropicais, inclusive a compensa~o de ajudar na~óes a construír economias cem a reten~ao de carbono, mitigando dade. A polukáo de nitroqénio e as
carbono, prod~ de energia hidrelétrica, mais duráveis, conservando simultanea- mudencas dimáticas, Melhor ainda emissóes de gases de efeíto estufa
con~o de biodiversidade e beleza mente servi~os ecossistémicos vitais. seria cultivar plantas perenes, como gra- seriam muito inferiores.

32 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL Junho 2010


AMBIENTAIS

o.... CICLO ..m"


DO FÓSFORO ~..~U!»~9.~t~~!~J]~USODATERRA
David A Vaccari. diretorde Adele C.Monis, diretora de políticas' Eric F. Lambin. professor de.Jistemas terrestres, Stanford University e
Engenharia Civil,Ambiental'e Oceanica, do Projetode Ciencia Econ6mica Climá- Universidadede Louvain
Stevens/nstitute ofTechnology tica e Energética, Brookings Institution
A demanda de fósforo está cr~endo Embota aparentementeseja {ma ded- Para controlar o impacto causado pelo adagio de práticas agrícolas mais
mais rápido que a populacáo gra~ a sao dentfflCa, detenninar uma concen- uso da terra, precisamos focalizar a dis- eficientes, particularmente nos países
melhoria das condi~óes de vida. De acor- tra<;aoatrnosférica",queestabilize os gases tribuigio global das lavouras. Uma agri- em desenvolvimento. A necessidade de
do com os índices de consumo atuais, as de efeito estufa."eXigeuma avaliagio de cultura intensiva deveria se concentrar terras cultiváveis também pode ser
reservas prontamente disponíveis dura- wstos e beneficios para alcan~r metas em terras que tem o melhor potencial de reduzida se diminuirmos o desperdício ao
ráo menos de um século. Portanto, nos- diferentes e estipular quem pagará. gerar lavouras de alta produtividade. longo da cadeia de distribuigio alimentar,
50S dois objetívos sáo conservar o fósfo- Diante da dificuldade disso, deveriarnos Mas uma fra<;aosignificativa desse solo encorajarmos um cresdmento populacio-
ro como um recurso e reduzir seu escoa- adatar políticas que minimizem os custos de excelente qualidade está sendo per- nal mais comedido, garantirmos uma
mento das lavouras, o que danifica ecos- e preservem a dedsáo consensual de dida. Estamos nos arriscando a atingir distribuigía mais justa de alimentos no
sistemas costeiros. agía por muitos anos. um ponto em que qualquer aumento de mundo e Iimitarmos significativamente o
O fluxo de fósforo mais sustentável O primeiro passo é nao acabar com produgio de alimentos (sem mencionar consumo de came em países ricos.
no meio ambiente seria o natural: 7 esse incipiente consenso com ambi~óes os biocombustiveis) acarretaria um ace- Também se podem poupar mais terras
milhóes de toneladas por ano. Para atin- de curto prazo, porque eleitores indigna- lerado desmatamento de florestas tropi- para a Natureza ao converter em leis ri-
gir esse marco e ainda assim atender a dos exigirao a derrubada de um progra- cais e outros ecossistemas, bem como gorosas políticasde "reserva·, corno fez a
nossa demanda, de 22 milhóes de tone- ma que. em sua opiniao.é oneroso dernais. uma expansao das lavouras para tenras Uniao Europeia (UE).Alguns países em
ladas/ano, teriarnos de reciclar ou reuti- Políticas climáticas baseadas em pre- marginais, com produtividade menor. desenvoIvimento (China,VlE!lna,Costa
lizar 72% do produto, e um aumento do ~os podem evitar limites económicos e É possível evitar a perda das melho- Rica)conseguiram fazer a transigía do
consumo implicaria uma reciclagem políticos desse genero.lntemamente, res terras agrícolas ao controlar sua desmatamento para o reflorestamento.
mais ihtensiva. uma opgio é uma crescente, porém degradagio, o depauperamento de 1550 ocorreu g~ a um melhorgerencia-
É possível reduzir o fluxo com tecno- razoável, taxa para gás de efeito estufa água doce e a expansao urbana. Essa mento ambiental e a uma forte deter-
logias existentes. Técnicas agricolas de aplicada a toda a economia. Outra medida exigirá um zoneamento e a minagio para modernizar o uso da terra.
conservagio, como plantio direto e ter- possibilidade é o sistema" cap-and-
raceamento, poderiarn limitar a quanti- trade" (o comércio de cotas de emis5ÓeS
dade de fósforo que entra nos ríos, a ra- de gases), em que as permissóes de
záo de 7,2 milhóes de toneladas por ano. emissóes sáo comercializadas a preces
A maior parte está contida em dejetos que aumentem com o tempo. Uma
de animais de fazendas que ainda nao faixa de preco regulamentada manteria
sao reciclados - cerca de 5,5 milhóes de o custo das emissóes suficientemente
toneladas/ano acabam nos mares - e alto para obter redu~óes ambiciosas,
poderia ser eliminada no transporte do mas limitaria os riscos a economia se o
estrume até áreas agricolas para ser teto se mostrasse rigoroso dérnels,
1 aplicado como adubo. No caso dos Acordos intemacionais tambérn de-
~ resíduos humanos, as tecnologias veriam permitir comprometimentos ba-
i existentes podem aumentar a recupera- seados em preces como uma alternati-
~ gía entre 50% e 85%, economizando 1 va para rígidos limites de emissóes que
8 milhao de toneladas/ano. pos-sam se mostrar inviáveis. Um
~ Com base no que é praticável, em tratado climático poderia permitir que
s
vez do que é necessário para evitar ce- as na~óes aceitem uma taxa para
1:;¡ nários perigosos, essas a~óes sáo per- emissóes acima de determinado nível.
z
!!
feitamente viáveis. E reduziriam o des- Essa flexibilidade abrandaria as
t;; perdício em vias aquáticas de 22 para preocuparóes de países em desenvol-
5 8,25 milhóes de toneladas/ano - nao vimento de que esse teto refreie a
~ muito acima do fluxo natural. redu~ao da pobreza.

www.~ciam.com.br SCIENTIFIC AMERICAN BRASil 33


• ACIDIFICACAO
OCEANICA .
~~!I~~~~~º
..
~.~
...
~~.~~~º~~
Peter H. Gleick, presidente do Pacific Institute
• DEGRADACAO DO
OZONIO .
Scott C.Doney, cientista senior, David W.Fahey, físico,Administra~o
Instituto Oceanográfico Woods Hole Nacional Qceanica eAtmosférica

Os oceanos esta o ficando mais ácidos No decorrer de duas décadas, o Protoco-


por causa das ernissóes mundiais de lo de Montreal, nos termos da
dióxido de carbono, porém existem Conven~ao de Viena para a Prot~ao da
solucóes globais, regionais e locais Camada de Ozónio, reduziu em 95% a
viáveis. Em termos globais, precisamos utiliza~ao de substancias que
parar de lan~r C02 na atmosfera e, empobrecem o ozónio - especialmente
talvez, em algum momento, fazer os clorofluorcarbonos (CFCs)e os halons.
retroceder sua concemracáo a níveis A partir de 1Q de janeiro, sua produ~o
pré-industriais. As principais táticas foi suspensa nas 195 nacóes signatárias
sáo melhorar a eficiencia energética, do protocolo. Como resultado disso, a
adotar energia renovável e nuclear, degrada~o do ozónio estratosférico
proteger florestas e explorar tecnolo- reverterá, em grande parte, até 21 OO.
gias para o sequestro de carbono. Essaconquista dependeu, em parte, de
Regionalmente, o escoamento de substitutos intermediários, notadamente
nutrientes para águas costeiras nao os hidroclorofluorcarbonos (HCFCs) e a
apenas cria zonas mortas, mas amplifi- Poucos observadores racionais negam a quantificar precisamente esse ponto, já crescente utiliza~o de compostos que
ca a acidifica~o. O excesso de nutrien- necessidade de se estabelecerem limites excedemos claramente o pico ecológico nao provoca m degrada~ao, como os
tes estimula o crescimento do fitoplánc- para o consumo de água doce. Mais con- da água em muitas bacias ao redor do hidrofluorcarbonos (HFCs).
ton e, a medida que este morre, o CO2 troverso é defini-Ios ou determinar que mundo, onde ocorreram danos imensos, O atual sucesso depende de
oriundo de sua decornposkáo acidifica medidas deveráo ser tomadas para que como no mar de Aral, nos Everglades, vários passos:
a água. Precisamos ser mais inteligen- nos restrinjamos a eles. no vale Sarrarnento-Sáo Joaquim e em • Continuar observando a camada
tes sobre como adubamos lavouras e Outra maneira de desaever essa res- muitas bacias fluviais na China. de ozónio, para detectar imedia-
gramados, e como tratamos o estrume tri~o é o conceito de "pico d'água" A boa noticia é que o potencial para tamente quaisquer mudencas
de animais e nossos próprios sistemas (quando o índice de demanda é maior economizar, sem prejudicar a saúde hu- inesperadas. Garantir que as na-
de esgoto. Outra medida é reduzir a que o do reahastecimento do suprimen- mana ou a produtividade económica é ~6es de fato siga m os regulamen-
chuva ácida, causada principalmente to). Tres ideias diferentes silo úteis. Iimi- vasto. É possível promover melhorias na tos; por exemplo, a elimina~ao
por ernlssóes de usinas elétricas e tes de "picos renováveis" constituem o eficiencia do consumo de água em mui- paulatina dos HCFCs,que só será
industriais. A chuva nao para ao atingir total de fluxo renovável de um desagua- tos setores. Podem-se cultivar mais completada em 2030.
a linha costeira. douro, ou bacia hidrográfica. Muitos dos alimentos com menos água (e menor • Manter o Painel deAvalia~ao Cien-
Localmente, a água acídica poderia principais rios da Terra já se aproximam contamina~o desta) ao passar da tífica sob o protocolo. Ele atribui
ser protegida com calcário ou bases quí- desse limite - quando a eveporacáo e o irriga~o convencional por aspersáo, causas as mudancas na camada
micas produzidas eletroquimicamente a consumo ultrapassam o reabastecimen- para sistemas de gotejamento e de ozónio e avalia novas substan-
partir de água e rachas marinhas. Mais to natural por meio da predpitacáo ou sprinklersde predsáo, juntamente com o cias químicas quanto ao seu po-
prático, porém, provavelmente é prote- de outras fontes. Limites de pico" nao monitoramento e o gerenciamento mais tencial de destruí-la e contribuir
ger vivedouros específicos' para crustá- reno-váveis" se aplicam onde o consu- acurado da umidade do solo. Usinas para a rnudanca climática. I
:;;
ceos e indústrias pesqueiras de aquicul- mo de água por humanos excede em elétricas convencionais podem passar • Mantero Painel deAvalia~aoTec- «
z
:;:
tura. Moluscos larvais, como mexilh6es, muito os índices de reahastecimento do resfríamento a água para um resfría- nológica e Económica. Ele
mariscos e ostras, parecem ser mais natural, como nas hacias fósseis de mento a seco, e mais energia pode ser fomece íntormacóes sobre ~
suscetiveis a acidifica~o que adultos, e águas sebterráneas das grandes planí- gerada porfontes que utilizam nenhu- tecnologias e compostos substi- ~
z
reciclar conchas velhas no lodo pode cies.LJbia, India, norte da China e partes ma ou extremamente pouca água, tutos que aju-dam as nacóes a o
2j
ajudar a proteger o pH e proporcionar do vale central da Califómia. Nessas como células fotovoltaicas e energia determinar como a demanda de
'"
-c
um substrato melhor para a fixa~o bacias, um aumento de extra~ao é eólica. Nas residencias, milhoes de dispositivos para refrigera~ao, ar- 8j
larval.As incubadoras de crustáceos seguido por um equilíbrio e depois uma pessoas podem substituir dispositivos condicionado e materiais "'8
podem controlar a química da água e
produzir espécies mais robustas.
redu~o, a medida que os custos e os
esforcos necessários para conseguir
ineficientes por outros mais funcionais,
particularmente máquinas de lavar,
isolantes de espu-ma pode ser
atendida, protegendo simultane- 1
.p
Espera-se que a queda do pH oceá- aumentar novamente o recurso min- instala~oes sanitárias e chuveiros. amente a camada de ozónio,
nico acelere nas próximas décadas; por- guante se elevam - um conceito similar Os dois painéis também teráo de ~
'e
tanto, os ecossistemas marinhos teráo de ao do pico de produ~o de petróleo. avaliar, em conjunto, as f
rnudancas climáticas e a ~
se adaptar. Podemos aumentar suas
chances de sucesso ao restringirmos ou-
Água de "pico ecológico" é a ideia
de que retiradas crescentes de um siste- recuperacáo da s
11
tras agress6es, como a polui~o da água ma hídrico acsbaráo atingindo um pon- camada de ozónio,
e a sobrepesca, tomando-os mais
capazes de resistir a certa acidifica~o,
to em que qualquer beneficio económico
extra para extrair a água é suplantado
BURACO DE
1
z
~
enquanto nos afastamos de uma econo- pela destrui~o ecológica adicional OZÓNIO ~
~
mia baseada em combustiveis fósseis. causada por isso. Embora seja difícil (azul) ~

34 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL Junho 2010

Você também pode gostar