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ESTADIAMENTO CLÍNICO NO
TRANSTORNO BIPOLAR: UMA
PERSPECTIVA HISTÓRICA
Robert M. Post
INTRODUÇÃO
Kraepelin (1921) esteve entre os primeiros a colocar implicitamente em está-
gios o desenvolvimento e a evolução do transtorno bipolar, e o fez de diversas
maneiras. Com base em representações gráficas minuciosas do curso longitu-
dinal do transtorno bipolar, ele observou que a recorrência de episódios apre-
sentava a tendência a acelerar com o decorrer do tempo, e a qualificou como
uma função da duração progressivamente menor dos intervalos de eutimia en-
tre episódios sucessivos. Essa tabulação forneceu a base para considerar a pro-
gressão dos episódios (o que denominamos sensitização por episódio), bem
como a identificação posterior de recorrências mais rápidas, como ciclagem
rápida e ultrarrápida. Na mesma época, com base em suas observações clíni-
cas minuciosas, Kraepelin identificou que os episódios iniciais costumavam ser
precipitados por estressores psicossociais, mas, no caso de ocorrências múlti-
plas, eles também podiam acontecer apenas com a expectativa de estressores,
ou sem qualquer estressor, o que rendeu a ideia de um estágio posterior mais
autônomo da doença.
Kraepelin também identificou que alguns subtipos de mania e depressão,
como mania disfórica (caracterizada por níveis elevados de ansiedade e irritabi-
lidade), tinham um curso mais difícil e exigiam mais hospitalizações, especial-
mente em mulheres. Portanto, diferenças nos aspectos qualitativos da apresen-
tação clínica também poderiam ter relevância prognóstica.
Todas essas três observações sobre recorrência mais rápida de episódios,
sobre a transição de ocorrências precipitadas para ocorrências mais espontâneas
16 Kapczinski, Vieta, Magalhães & Berk (Orgs.)
MANIA DISFÓRICA
As observações iniciais de Kraepelin sobre o prognóstico desfavorável de ma-
nia disfórica foram confirmadas, e uma dissecção farmacológica mais moderna
sugere que o lítio costuma ser eficaz com maior frequência em mania eufórica
clássica, enquanto o valproato pode apresentar um pouco de vantagem no sub-
tipo disfórico (Post e Leverich, 2008).
CONVULSÃO 5
ESTÁGIO 3
ESTIMULAÇÃO
DIÁRIA DA
AMÍGDALA
DURANTE 1 Inicial Intermediário Final
SEGUNDO
TRATAMENTOS
CEC ++ ++
VALPROATO ++ ++
LEVETIRACETAM ++ ++
DIAZEPAM ++ ++ 0
FENITOÍNA 0 ± ++
CARBAMAZEPINA 0 ++
LAMOTRIGINA 0 ++
MK 801* ++ 0
CLONIDINA ++ 0
(agonista de NE alfa 2)
ATROPINA (++) 0
(antagonista de acelcolina)
Mania
Gravidade Depressão
Estressor: Autônomo
Medicamentos*
ADs, ISRSs, IMAOs +++ ++ ± ±
Lío ++ +++ ++ +
Lamotrigina ++ +++ ++ + +
Carbamazepina ++ +++ ++ + +
Valproato ++ +++ ++ + +
Anpsicócos apicos ++ +++ ++ + +
Bloqueadores do canal de cálcio ± +
Eficácia: +++ = muito bom; ++ = bom; + = moderado; ;± = duvidoso (Observe que todas as pontuações são altamente preliminares e temporárias)
FIGURA 1.2 A farmacologia do transtorno bipolar varia como função de fase da evolução
da doença?
Eficácia: +++ = muito bom; ++ = bom; + = moderado; ± = duvidoso. (Observe que todas as pontuações são altamente
preliminares e temporárias.)
20 Kapczinski, Vieta, Magalhães & Berk (Orgs.)
Sensização
por episódio
A EVOLUÇÃO DE MODELOS DE
ESTADIAMENTO MAIS FORMAIS
Com base nesse tipo de evidências, Berk e colaboradores (2011) e Kapczinski e
colaboradores (2009) propuseram uma classificação de vários estágios de pro-
gressão do transtorno bipolar. A divisão mais simples do curso da doença entre
fases iniciais e tardias já parece ter implicações no prognóstico e no tratamento.
Além disso, vários marcadores neurobiológicos diferem como função dessa dis-
tinção entre estágio inicial e tardio (Kauer-Sant’Anna et al., 2009).
Este autor propôs um conceito de estadiamento semelhante, porém mais
detalhado, que permite a consideração dos efeitos adicionais de comorbidade
com abuso de substância e de álcool, estressores, perda de apoio social, várias
recorrências e outras complicações da doença que podem contribuir ainda mais
para o prognóstico (Post, 2010; Post et al., 2012).
A partir dessa estrutura, sugerimos oito estágios, cada um com a possi
bilidade de múltiplas subcategorias e classificações: estágio I, vulnerabilidade;
II, intervalo de eutimia; III, pródromo; IV, síndrome; V, recorrência; VI, pro-
gressão; VII, resistência ao tratamento; e VIII, deterioração ou estágio tardio
(Fig. 1.4). O estágio I incluiria o grau de predisposição (a) genética ou (b) am-
biental, enquanto outros fatores de predisposição seriam classificados em II
(intervalo de eutimia) no caso de uma variedade de adversidades na infância,
incluindo tipos diferentes de abuso, negligência, perda dos pais, etc. Os está-
22 Kapczinski, Vieta, Magalhães & Berk (Orgs.)
TDAH
Alta 3
Ansiedade Álcool e
moderada
TC abuso de
Moderada 2 TOD substância
Leve 1
Nenhuma 0
Episódios autônomos
Gené cos & Ambientais Estressores
Perda de: apoios sociais;
Cárcere
Fatores de risco emprego/renda;
Falta de moradia
acesso à assistência de saúde
TABELA 1.1
Estadiamento da doença bipolar
Primeiros estágios
Estágio I II III IV
(Continua)
24 Kapczinski, Vieta, Magalhães & Berk (Orgs.)
TABELA 1.1
Estadiamento da doença bipolar (continuação)
Primeiros estágios
Estágio I II III IV
VULNERABILIDADE INTERVALO DE PRÓDROMO INÍCIO DA
EUTIMIA SÍNDROME
D. Marcadores D. BSCE (renda D. Depressão
periféricos familiar) (seguida por
1. Homocisteína 1. Abaixo da linha da mania)
2. Anticorpos pobreza Na idade
2. Marginal/quase Duração
inadequada
E. Neuropsicologia
1. Reconhecimen-
to de emoções fa-
ciais pobre
F. Êxito acadêmico
1. Somente notas
máximas no ensi-
no médio
G. Marcadores
sanguíneos
H. Marcadores
cerebrais
1. RM
2. RMf
3. PET
Estágios posteriores
V VI VII VIII
RECORRÊNCIA PROGRESSÃO RESISTÊNCIA AO ESTÁGIO
TRATAMENTO TARDIO
A. Manias A. Episódios (mania, A. Mania aguda A.
1. Quantidade depressão, misto) Ausência de resposta a: Funcionalmente
2. Ciclagem rápida 1. Mais rápidos 1. Lítio incapaz
(CR) 2. Aumento da 2. Anticonvulsivantes
3. Ciclagem ultrarrá- gravidade 3. Antipsicóticos atípicos
pida 3. Aumento da 4. Outros
4. Ciclagem ultradia- cronicidade 5. ECT
na 4. Contínuos
5. Psicose
6. Parâmetros iniciais
distímicos ou
hipertímicos
persistem
(Continua)
Neuroprogressão e estadiamento no transtorno bipolar 25
TABELA 1.1
Estadiamento da doença bipolar (continuação)
Estágios posteriores
V VI VII VIII
RECORRÊNCIA PROGRESSÃO RESISTÊNCIA AO ESTÁGIO
TRATAMENTO TARDIO
B. Depressões B. Estressores B. Depressão B. Incapaz
1. Quantidade 1. Separação Ausência de resposta a:
2. Até 4 2. Divórcio 1 a 5 anteriores
3. Perda do emprego 6. Antidepressivos
4. Perda de moradia 7. EMTr
5. Perda de seguro 8. Adjuntos: folato, D3,
6. Jurídicos T3, Li, NAC
7. Prisão
C. Estado misto C. Comorbidades C. Profilaxia C. Sem-teto
1. Quantidade Novo início/ Ausência de resposta a:
2. 2 a 4 progressão 1a 8 anteriores D. Casa de
1. Uso de substância passagem
D. D-M-I a. Álcool D. Agentes duais
b. Maconha Ausência de resposta a: E. Hospitalização
E. M-D-I c. Estimulantes crônica ou
d. Opiatos E. Combinação complexa cárcere
e. Alucinógenos de medicamentos
f. Outros F. Incapacidade
2. Transtorno de an- médica
siedade a-h (ver
estágio III)
3. Disfunção cognitiva
4. Síndrome médica
G. Demência
H. Morte
prematura por:
1. Suicídio
2. Doença médica
3. Acidente
4. Outro
CACNA1C, subunidade alfa da di-hidropiridina do canal de cálcio; Idade de início ______ (preencher com a idade).
Duração ______ (preencher com a duração do episódio); E/EA = esquizofrenia/esquizoafetivo; PCR = proteína C-reativa;
TOD = transtorno de oposição desafiante; TDDH = transtorno disfórico de desregulação do humor; TB = transtorno
bipolar; UP = unipolar; BCSE = baixa condição socioeconômica; TB-I = transtorno bipolar tipo I; TB-II = transtorno
bipolar tipo II; TB SOE = transtorno bipolar sem outra especificação; TAG = transtorno de ansiedade generalizada.
26 Kapczinski, Vieta, Magalhães & Berk (Orgs.)
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