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Agrupamento de Escolas Dr.

Azevedo Neves

10º Profissional - Módulo III

História Trágico-Marítima

As terríveis aventuras de Jorge de


Albuquerque Coelho
(data do naufrágio – 1565)
História Trágico-Marítima

Compilação de relatos (“relações”) de naufrágios ocorridos nos


séculos XVI e XVII.

Narrações . Relato de testemunho


frequentemente de . Tom de verdade e sinceridade
sobreviventes . Pendor dramático
. Estilo simples e familiar

Estes relatos incluem-se na Literatura de Viagens

Género literário que consiste na narração de experiências, descobertas e reflexões


de um viajante durante o seu percurso.
Causas fundamentais da maior parte desses naufrágios:

•  ambição excessiva de lucro, ocasionando a sobrecarga da embarcação;


•  má reparação dos cascos;
•  parCda fora dos tempos aconselháveis para a navegação, com vista à
valorização concorrencial das mercadorias;
•  ataques frequentes de corsários e piratas de várias nacionalidades, que
infestavam os mares, atacando, principalmente, nas viagens de regresso.

u  Os relatos de naufrágios da época das Descobertas expressam a funesta ruína de


vidas e destruição de fazendas, inaugurando uma literatura de perda, com base na
dimensão mais negra do período áureo da História de Portugal.

u Na História trágico-marí0ma relata-se a ganância, a imprevidência, a impreparação
e outras causas dos trágicos naufrágios que enlutaram a história da expansão
ultramarina.
Contexto de produção e de circulação

Autores

Sobreviventes Outros indivíduos

Náufragos que relatavam Indivíduos com alguma cultura


os pormenores dos que ouviram o relato dos
naufrágios. acontecimentos feito por
sobreviventes.
Contexto de produção e de circulação

Funções
(objeLvos)

EmoLva Sociológica DidáLca

DramaCsmo dos Necessidade de Ensinamentos


acontecimentos saber noQcias de transmiCdos aos
narrados. familiares ou amigos. futuros marinheiros.
Contexto de produção e de circulação

Inicialmente

Modo de Publicados em folhetos avulsos


circulação e divulgados após os naufrágios.

Século XVIII

Compilados por Bernardo Gomes de


Brito, em dois volumes, publicados
em 1735 e 1736.
Acontecimentos vivenciados
nas viagens ultramarinas:
•  tempestades;
•  naufrágios;
•  ataques de corsários...
Conteúdo
temáLco
Unidades temáCcas:
(Antecedentes) – ParCda – (Tempestade) –
Naufrágio / Ataque corsário – Arribada /
Captura – Peregrinação / Impiedade dos
inimigos – Retorno

•  Se Os Lusíadas haviam sido uma epopeia de glória, a História trágico-maríCma é uma


anCepopeia dos Descobrimentos, é uma obra de morte e de pavor, apresenta o
reverso da medalha desse tempo áureo e os sacridcios pelos quais os portugueses
Cveram de passar.
“As terríveis aventuras de Jorge de Albuquerque Coelho (1565)”

1. Antecedentes • Exposição, geralmente sintéCca, dos acontecimentos que


precederam a parCda da viagem funesta

2. ParLda • Circunstâncias em que se verifica a parCda


• Condições da nau
• CaracterísCcas da carga
• Início da navegação

3. Tempestade • Descrição da tempestade em que a nau se encontra envolvida


• Descrição dos danos que daí derivam

4. Ataque corsário • Relato da parcial destruição da nau por obra de navios inimigos
(corsários franceses)

5. Captura • Sequestro da nau portuguesa


• Dificuldade de sobrevivência dos portugueses

6. Impiedade dos inimigos • Descrição das ações exercidas pelos vencedores

7. Retorno • Chegada a salvo dos sobreviventes


• Repatriamento dos mesmos
História Trágico-Marí0ma – Síntese da unidade

“As terríveis aventuras de Jorge de Albuquerque Coelho (1565)”

Atores

Individuais ColeLvos

Marinheiros portugueses
Jorge de Albuquerque Coelho

•  ACtude guerreira perante
•  Chefe militar de uma condições adversas
capitania •  Falta de preparação e de
•  Carácter nobre e ilustre recursos para a guerra
•  Abnegado, esforçado e
perseverante Corsários franceses
•  Numerosos e bem preparados
para o confronto

Análise de um pequeno excerto
p.315-316







Jorge de Albuquerque Coelho –


nomeado chefe militar da capitania:
•  Aventurou-se;
•  Esforçou-se;
•  Arriscou a vida;
•  Cumpriu os seus deveres.








[...] Protagonista
desta
narraCva
p.318-319]
Excesso de carga

Ambição,
ganância,
vontade de
enriquecer
depressa

Falta de
condições
das naus

Carácter do
protagonista:
solidariedade,
abnegação,
liderança.

Ataque dos
franceses e
incapacidade
de defesa eficaz
A nau resisCu 3 dias e foi apenas pela traição que a nau portuguesa teve que se render.
Análise de um pequeno excerto Qual é o TEMA
do excerto?
p.324-325
Às dez, escureceu por completo; parecia noite. O negro mar, em
redor, todo se cobria de espumas brancas; o estrondo era tanto, – do mar • “escureceu por
e do vento, – que uns aos outros se não ouviam. completo”
Nisto, levanta-se de lá uma vaga alQssima, toda negra por baixo, • “negro mar”
coroada de espumas; e, dando na proa com um borbotão do vento, galga • “espumas
sobre ela, a submerge, e arrasa. Estrondeando e parCndo, leva o mastro brancas”
do traquete com a sua verga e enxárcia; leva a cevadeira, o castelo de • “estrondo”
proa, as âncoras; esClhaça a ponte, o batel, o beque, arrebatando •  “vento”
pessoas, manCmentos, pipas. Tudo se quebra e lá vai no escuro. A nau, • “vaga al=ssima,
até o mastro grande, fica rasa e submersa, e mais de meia hora debaixo toda negra por
de água. baixo, coroada
Os sobreviventes, que se arrastavam pávidos, confluem a um padre de espumas”
que se acha a bordo e atropela as rezas e as confissões. • “borbotão do
Um relâmpago risca, ilumina a treva: veem-se todos de joelhos, com vento”
as mãos no ar, a pedir misericórdia e a clamar por Deus. • “Estrondeando
Jorge de Albuquerque, como de costume, falava aos outros para lhes e par0ndo”
dar coragem. Confiassem em Deus, – e ao mesmo tempo fossem dando à • “relâmpago”
bomba, esgotando a água que invadira o convés.

Tema da
TEMPESTADE
Quais são as
ideias principais
do texto?
Às dez, escureceu por completo; parecia noite. O negro mar, em
redor, todo se cobria de espumas brancas; o estrondo era tanto, – do mar
e do vento, – que uns aos outros se não ouviam.
Nisto, levanta-se de lá uma vaga alQssima, toda negra por baixo, 1.ª ideia
coroada de espumas; e, dando na proa com um borbotão do vento, galga Tempestade e danos
sobre ela, a submerge, e arrasa. Estrondeando e parCndo, leva o mastro por ela provocados
do traquete com a sua verga e enxárcia; leva a cevadeira, o castelo de
proa, as âncoras; esClhaça a ponte, o batel, o beque, arrebatando
pessoas, manCmentos, pipas. Tudo se quebra e lá vai no escuro. A nau,
2.ª ideia
até o mastro grande, fica rasa e submersa, e mais de meia hora debaixo
Reação dos
de água.
marinheiros
Os sobreviventes, que se arrastavam pávidos, confluem a um padre
(desespero, confissão
que se acha a bordo e atropela as rezas e as confissões.
pública de pecados)
Um relâmpago risca, ilumina a treva: veem-se todos de joelhos, com
vs.
as mãos no ar, a pedir misericórdia e a clamar por Deus.
Reação de Jorge de
Jorge de Albuquerque, como de costume, falava aos outros para lhes
Albuquerque Coelho
dar coragem. Confiassem em Deus, – e ao mesmo tempo fossem dando à
(calma, firmeza
bomba, esgotando a água que invadira o convés.
na liderança)

Que recursos contribuem
para conferir visualismo
à descrição da
tempestade?

Às dez, escureceu por completo; parecia noite. O negro mar, em
redor, todo se cobria de espumas brancas; o estrondo era tanto, – do mar Vocabulário sugesLvo
e do vento, – que uns aos outros se não ouviam. (sensações visuais e
Nisto, levanta-se de lá uma vaga alQssima, toda negra por baixo, audiCvas)
coroada de espumas; e, dando na proa com um borbotão do vento, galga “escureceu por
sobre ela, a submerge, e arrasa. Estrondeando e parCndo, leva o mastro completo”
do traquete com a sua verga e enxárcia; leva a cevadeira, o castelo de
proa, as âncoras; esClhaça a ponte, o batel, o beque, arrebatando “espumas brancas”
pessoas, manCmentos, pipas. Tudo se quebra e lá vai no escuro. A nau, “toda negra”
até o mastro grande, fica rasa e submersa, e mais de meia hora debaixo
de água. Presente histórico
Os sobreviventes, que se arrastavam pávidos, confluem a um padre (valor de
que se acha a bordo e atropela as rezas e as confissões. presenCficação)
Um relâmpago risca, ilumina a treva: veem-se todos de joelhos, com
Gerúndio
as mãos no ar, a pedir misericórdia e a clamar por Deus.
(valor de
Jorge de Albuquerque, como de costume, falava aos outros para lhes
conCnuidade)
dar coragem. Confiassem em Deus, – e ao mesmo tempo fossem dando à
bomba, esgotando a água que invadira o convés. Enumeração
(geralmente
História Trágico-Marí0ma, Narra0vas de Naufrágios da Época das Conquistas
(adapt. António Sérgio), Porto, Porto Editora, 2015 [p. 124]
assindéCca)

Metáfora
Qual é o UNIVERSO
DE REFERÊNCIA
Às dez, escureceu por completo; parecia noite. O negro mar, em representado
redor, todo se cobria de espumas brancas; o estrondo era tanto, – do no excerto?
mar e do vento, – que uns aos outros se não ouviam.
Nisto, levanta-se de lá uma vaga alQssima, toda negra por baixo,
coroada de espumas; e, dando na proa com um borbotão do vento, Viagem de regresso de
galga sobre ela, a submerge, e arrasa. Estrondeando e parCndo, leva o Jorge de Albuquerque
mastro do traquete com a sua verga e enxárcia; leva a cevadeira, o Coelho e restantes
castelo de proa, as âncoras; esClhaça a ponte, o batel, o beque, marinheiros a Portugal,
arrebatando pessoas, manCmentos, pipas. Tudo se quebra e lá vai no por mar, em 1565
escuro. A nau, até o mastro grande, fica rasa e submersa, e mais de meia
hora debaixo de água.
Os sobreviventes, que se arrastavam pávidos, confluem a um padre •  Acontecimento
que se acha a bordo e atropela as rezas e as confissões. verídico
Um relâmpago risca, ilumina a treva: veem-se todos de joelhos, com •  Relato com carácter
as mãos no ar, a pedir misericórdia e a clamar por Deus. dramáLco, suscekvel
Jorge de Albuquerque, como de costume, falava aos outros para de emocionar a
lhes dar coragem. Confiassem em Deus, – e ao mesmo tempo fossem opinião pública
dando à bomba, esgotando a água que invadira o convés. •  Viagem associada
às aventuras e
desventuras dos
Descobrimentos
p.327-329

Desespero dos homens

O carácter do
protagonista:
•  Apaziguador;
•  Líder.

[…]

Envelhecimento
precoce de Jorge de
Albuquerque devido
à sua história trágica.
Tópicos de análise
Integrado no capítulo V – “As terríveis aventuras de Jorge de Albuquerque
Coelho (1565)”, este texto apresenta as seguintes caracterísCcas:

• foca um acontecimento verídico, com um carácter dramáCco, susceQvel


de emocionar a opinião pública, associado às aventuras e desventuras
dos Descobrimentos (neste caso, uma tempestade em alto mar);



• os acontecimentos narrados apresentam semelhanças relaCvamente aos

acontecimentos contados noutros relatos de naufrágios (descrição da
tempestade em que a nau se encontra envolvida e dos danos que daí
derivam, apresentação de cenas de desespero e confissões públicas de
pecados);
Tópicos de análise (cont.)

• em termos esClísCcos, a descrição da tempestade é feita com base em


vários recursos, que imprimem ritmo e dramaCsmo ao relato:

-  o vocabulário expressivo, relacionado sobretudo com sensações


visuais (“Escureceu por completo”, “espumas brancas”);

-  o presente histórico, com valor de presenCficação (“levanta-se”,


“leva”, “es0lhaça”);

-  o gerúndio, com valor de conCnuidade (“dando”, “Estrondeando”,


“arrebatando”);

-  a enumeração, frequentemente assindéCca (“es0lhaça a ponte, o


batel, o beque, arrebatando pessoas, man0mentos, pipas”);

-  a metáfora (“Um relâmpago risca, ilumina a treva”).



As aventuras e desventuras dos Descobrimentos

“Em pleno reinado de D. João V, ainda sob o influxo de uma cultura tardo-
barroca, Bernardo Gomes de Brito publica em Lisboa – oficina da Congregação do
Oratório, 1735-1736 – os dois primeiros volumes (previam-se mais três) de uma
antologia de naufrágios, sucessivamente reeditada até aos nossos dias e inCtulada
História trágico-marí3ma, em que se escrevem chronologicamente os Naufragios que
0veraõ as Naos de Portugal, depois que se poz em exercicio a Navegação da India.
Recolhendo e ordenando cronologicamente uma dúzia de relatos de naufrágios
ocorridos sobretudo na longa e dincil «carreira da Índia», a obra do erudito
setecenCsta reafirmava o interesse histórico-literário, a notável popularidade e o
sucesso editorial dessas relações de viagens atribuladas e desastres maríCmos. […]
Não restam dúvidas de que a representação trágica de viagens dramaCcamente
interrompidas singularizou este Cpo de relatos de naufrágios, no contexto muito rico
da chamada literatura de viagens, potenciada pela empresa expansionista de
Portugal.
Simbolicamente, o naufrágio é metáfora recorrente da vida humana, como se
lê nas frequentes reflexões insertas nestes relatos.

[…] Ser em viagem (homo viator) pelas provações, calamidades e misérias
deste mundo, o homem deveria ter aguda consciência do pecado e da
efemeridade da existência humana (dialéCca crime/expiação); e, ao mesmo
tempo, temeroso e desenganado, […] mostrar um reverencial temor da morte […].
Em vários relatos da História trágico-marí0ma, perante a iminência da catástrofe,
todos confessavam em voz alta os seus pecados, invocando a misericórdia divina.
[…]
A matéria trágico-maríCma consCtui assim parte integrante da aventura
épica da nação portuguesa – o heroísmo e a glória são acompanhados pela
desgraça e destruição. […]
Os relatos de naufrágios que acompanharam a época das grandes
descobertas expressam a funesta ruína de vidas e destruição de fazendas,
inaugurando uma literatura de perda, centrada na dimensão mais negra e trágica
desse período áureo da História de Portugal – a da devastação e da ruína de
homens e de bens no «mar português». Já a parCr de finais de Quinhentos, a
imagem do naufrágio expressava um profundo senCmento de crise e de declínio;
e a trágica estaQsCca dos desastres da carreira da Índia, bem como alguns relatos
cronísCcos, são por si só bem eloquentes.
Nesta perspeCva, pode dizer-se que a simbólica obra de Bernardo Gomes
de Brito se mostra bem mais profunda e intemporal. Recordemos que é no seio da
epopeia camoniana que se inaugura o contraponto do heroico, um senLmento
anLépico que se aprofundará numa visão mulLssecular da decadência do Império
de Portugal no Oriente e do próprio desLno da pátria.
As dramáCcas viagens da História trágico-marí0ma adquirem assim, ao
longo dos tempos uma semânLca eminentemente disfórica, metaforizando de
modo alegórico e simbólico o lado negro ou o necessário reverso da dimensão
posiLva da epopeia.
Nas narraCvas destes sucessos, ouvem-se vozes acusadoras da ganância, da
imprevidência, da impreparação e de outras causas dos trágicos naufrágios que
enlutaram a história da expansão ultramarina. […]
Por tudo isto, não surpreende que a relação ambígua dos portugueses com o
mar – heroica, dolorosa e sacrificial – enforme o pensamento de Fernando Pessoa
na Mensagem em «Mar português», que assim sinteCza hiperbolicamente o espírito
da História trágico-marí0ma: «Ó mar salgado, quanto do teu sal / são lágrimas de
Portugal!». O domínio do mar (possessio maris) da epopeia ultramarina,
configurador do Império português, foi protagonizado por ações gloriosas e por
heróis admiráveis (espírito épico).

Porém, os louros não evitaram o epitáfio, pois a conquista do mar também
conheceu o avesso do heroico, na sua face críLca e negra do sofrimento e da
miséria humanas, na conknua manifestação da morte e do luto […].
Em suma, ao projetar-se fecundamente no imaginário português, a
História trágico-marí3ma assume uma inegável dimensão de «anLepopeia dos
Descobrimentos» […], transformando-se numa eloquente imagem disfórica da
cartografia do imaginário português.”

José Cândido de Oliveira MarCns, «História trágico-maríCma»,
in Vítor Aguiar e Silva (coord.), Dicionário de Luís de Camões,
Alfragide, Editorial Caminho, 2011, pp. 410-416

Compilação e adaptação de recursos dos Manuais Outras Expressões e Encontros (Porto Editora) e Mensagens (Texto Editora)

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