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Jean-Claude Passeron

o RACIOCÍNIO
SOCIOLÓGICO
o espaço não-popperiano do raciocínio natural

Tradução de Beatriz Sidou

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\OZES

Petrópolis
1995

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Prólogo
J) A (. 11 I! , '() csqu clct do tempo, 205
. ) J (OIl1I1Il ulu s mundus, 211
~) A :\n. lise d:ls estruturas longitudinais: pnl.lv l ,l ~1 ( 111111 11 11 I 1.11 ('/ :IS, 220
I) . A ilusão rom anesca - Descrirão
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em -orafia
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'l'hR. EIRA PARTE'. A pesqUIsa . e a IOterp/'


. ' l:1 . 1 1l ,.~ \
Ciência ou não? Se sim, como as outras, ou não? E se dependesse
10. O t' nUI1 jado histó . 1,(; - . til' li ma outra forma de uso do espírito científico diferente da que as
fICO - 1'!J0rmaçao, conheml/('lIlo, i/fll'l(l!ihilidade, 255
I i(\ncias da natureza ilustram, será que a sociologia estaria sozinha, única

II . () s ' ntido e a dominação - Diferenças na diferell (I, 27'1 l' l lI seu gênero, sentada em seu banco db exceção? Este logo se tornaria

I .. () fra uso das imagens - 1nvest'tgaçoes


- so bre a receJl(rlo d(l pil/tura, 286
111 11 banco de inramia, onde a ela viriam juntar-se todas as ciências -+
II Ist6ricas que não devem produzir suas generalidades a não ser naquilo ~ ves\(5e.,.s
I) Por que uma sociologia da recepção das obras?, 291 q Il ~' melhor chamaríamos de raciocínio sociológico. E se, com o exame ~ I \ J
) Por que uma sociologia da recepção das imagens?, 298 clo andamento de uma análise sociológica, devêssemos admitir diferen- i U~~~\I.

'}) s. " pactos" de recepção icônica, 304 ("IS '111 relação às ciências estabelecidas, de quais formas do raciocínio

(. observação científicas diferem a observação e raciocínio sociológicos,


Q UAUTA PARTE: Sociologia e praxiologia, 323 11 ,1 llI uito identificadas pelos epistemologistas? Das operações que ca-
1.lC'lnizam as ciências formais ou das praticadas pelas ciências experi-
I ~, I:igur:l ' e contestações da cultura - Legitimidade e relativismo cultural, 325
1I11'lllnis? De ambas, ao mesmo tempo? Ou o método sociológico
J) s fi ns da ação cultural, 327 111.11116111 uma relação mais íntima com o método experimental? Será
2) s meios da ação cultural, 335 (:-.1.1 l:in íntima quanto afirmava Durkheim, quando quis fundar a-
\) s atores da ação cultural, 345 ~c II jologia como uma "ciência experimental dos fatos sociais"? Será pelo
~) ' ultura e culturas, 350 dl \ t.1I1 iamcnto da narrativa histórica que se mede o valor comproba-
Ic li lO do sistema sociológico? Será que a comparação histórica, consti-
I I. ( po li morfi smo cultural da leitura - Sobre analfabetismo, 374 ° 1II II Hlo o eixo do raciocínio sociológico e da construção dos conceitos
II" ( )s I r'\s saberes sobre o saber - Sociologia e ciências da educação, 386 IIp!)l, gi os mais inteligíveis e mais explicativos em todas as ciências
c I( I.IIS , torna-se u ma quase experimentação?
( ,( )NCLUSÃo: Proposições, escólios e definições, 395
' (hela "discussão acerca da contribuição de uma nova pesquisa ou
I(,. () 1.1 i( fn io so iológico, 397
11111 ,111I1V:\ 's )Ia impõe essas questões -para falar a verdade, semjamais
.111 11. 11 (010 ':'Í -las simplesm ente, literalmente, o que seria esquecer as
1'11 IJlIlI> i ' )'s r' "pitulativas, 397
1"1',,111.1' p 'ss()"is ou disciplinares, as eufemizações ou as majorações
1.1111 ,I ,IS o( .lsiC> 's p"ra a ertar as con tas em cara ou coroa invertida. Em
I

1"llIltllll l \lI~.II, ,IS c.hs lIssóes atraem aos que satisfazem com ela gostos
I III 11 1,11 1,1 , 1\ p:1I til do 1l1n1111.' I)lO 'Ill que sc discu te fi cientificidade

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q \1(' • t \IS \'l' SI ti Lidos p 1 tt'llt l' li I ao \I lliv ' I SO p Ipp ' I ianü
( 1111' ,II II 'I',.H II i.1
d,l' I I III I ,I~ . h. ll l dh l' III OS .
S:\O, . I' ',l'III .St ..
I"' II () ,I I ,1'1 11 1
"falsd I ~Vl.'is", allt 's de passar à expo 'içã de seus traba-
Oll.llt:, (II! III,ds OS eS
do/'! tliM UISOS
111 1 11,1 ( I(-II' S, I, OS
Itq1lldat. Il )S m i os Iisoni'J adores , por Uln Iad o "q \l(' I(' S
lh os : S v 'I. 's intere ' antes, às vezes não, m as de qualquer maneira
qllt'. IIII ,('{lp:ld:lJlI('IJ
" t's,b'm oq uesãoas"ve rdade'Iras"'h ClenCIas
' e o que
r 'pousam sobre pr posições que evidentemente não preenchem ne-
d"lt·( 1I111 " as I"ln las
. .1:1d ' não ~são " e de outro , os sen h ores que d etem os h

Ilhuma das condições lógicas que permitem satisfazer a um teste


I Ill los d.1 c.I ·(i 'sa e t1 us traçao" da seriedade científica de sua profissão
"f.'llsificador" no sentido de Popper (1978), Passado o solene momento
(I I 'I\.mdo, egueira u à fa lta de sinceridade se preciso Dor A '1 "
, '" I" , , , ' ' ana Ise <ln proclamação da pertença à casta dos pesquisadores exigentes, não se
l ..p~~ 1 1l1~) ogtc~, q ue 100c,Ialmente é descrição ponderada dos atos e
'S uta m ais falar deles: a "classe dos falsificadores virtuais" permanece
I ,II H~ ln I S ~eaIs da pesqUIsa, não deixa sua voz ser escutada, À distância
tã desesperadamente vazia quanto entre seus colegas mais tradicionais
111>: 11 ,tz,schl anos ou anar~uistas que maldizem o discurs0l. ~ra que~ 'm matéria de m etodologia, Em poucas palavras: a hermenêutica ins-
qll,lllllt:r f:ase sobre a SOCIedade o u o destino das civilizaçQes vale u~~
(lUlr:I, MaIS ou m enos por todo canto, Q S quase e erimentalistas 2., ~e.'r~-e
pirada e a miopia cientista constituem os dois ólos da legitimidade

~
discursiva no que se imJ2!ovisa cotidianamen te em epistemolo 'a sobre
SI'lI,tl11do-se muito seguros em sustentar doutamente _ qu e se 1"ImItam a' ~' , s ciências sociais, Como sempre, o pi~r diz respeito à mescla de ambos:
.Ip h car o método experimental, mesmo quando cada palavra com que I ~Isf'«'.!::l ao mesmo tempo, profetismo e cienti~mo - a "inteligência artificial" dá
I ,'I:tt.a m seus resultados já é uma interpretação teórica, Podemos nos ~\SC~()5
S('l lor tentados a dizer que tudo isto não tem lá grandes consequencIas' .. (Ofl~C~
I h '
asas à imaginação do futuro,
os I quase fi lósofos e os quase assistentes esfalfam - se em r -
exp lCaçoes que ' Por muito escutar amplificar pelas fanfarronices metodológicas
( \l1':\n~ apenas? tempo de uma publicação semanal - a caravana da ou hipérboles teóricas o que significa falar em sociologia, a inveja vos
)ll'sq I lIIsa' complIcada segue seu caminho "Sim mas estudantes e pesqm- ' faz baixar o tom, Contudo, por muito escutar diminuir o valor cientí-
S:H ()I" 's Jovens ou de mais idade lêem os periódicos e sobra sem fico ou mesmo o simples pertencer ao registro' do discurso científico,
,llgllllla coisa, na semana seguinte ' O mais grave e' qu e os d Iscursos ' pre
ue S resultados registrados pelas ciências sociais - masoquistamente entre

J>odl'n~ ser d Itos são preliminarmente inscritos el'I!J2osi ões discinlina- uns, agressivamente em outros, mas precipitadamente em uns e outros
I t'S , , 'vldent~men,t e peIa b oa causa - o mais experiente no que sigrtifica 4-- - _ evidentemente é o desejo inverso que de vós se assenhoreia: o desejo
I:lbr 'm socIOlogta confessará que seus resultados não são "refutáveis" de pleitear a plena pertença das ciências sociais ao universo dos saberes
I ' snb a~ mesmo tempo que teria de comparecer ao tribunal dos 'mpírico-racionais, pois a causa é defensável.
Jlrl'con eItos por causa da sinonímia entre cientificidade e "refutab T N enhuma forma do trabalho científico detém o monopólio do
(bdc"?
I E
' lá estão todos condenados ao dilema de ter d' e ad mltlr ' ,I I-a
'spírito científico, pois isto seria admitir, antes de verificar-se, uma
( l's<) \Iahficação,da interpretação nas ciências históricas ou ter de recorrer "essência" pela qual seriam desempatados os pretendentes empíricos a
I '1l~)mcnologt~ e à intuição das essências apenas em nome do direito ste rótulo , O estatuto de ciência reconhecida como plena ou soberana
/ ,I(Isofi , O maIS garantido ainda continua sendo envolver-se na rígida
não é decidido apenas na história científica dos aradiWªi - o estatuto
(0)',.1 d. referência popperiana,
so ial de um paradigtna dominante tende a difundir e a impor gradual-
es í
A pe~q u~sa ,em ciências sociais hoje está sobrecarregada deste mentc suas formas específicas de paradigtnatização, A noção de " 12 -
('X I 'sso de 1ndlgmdade e honra simultaneamente vertido em sua cabeça rito científico" , que Bachelard (1949) utilizava para descrever o
. {:,:I:t un~ fala ,~e sua profissão comum, como se fosse outro, OJq.to pr >grama mental em funcionamento nas ciências físicas ou químicas,
l/1M l/Io/6glCo ongmal que está no princípio deste livro é o fato d - 1- o(i r ce uma tarefa menos epistemocêntrica à descrição epistemológica,
'b' l'd d
IlIlpOSSl I I a e de distinguir entre a~história e a socioJo ia, Deve-se
a ea porq\l lllai panorâmica: identificar, nas diferentes formas de conhe-
.'111111:11' um outro fato, este social: é muito OIllIIlJl S' 'S utar em lI,.l 'nto, a 'xistência ou inexistência desses programas, capazes de

NC'llIl lI. l ios llse. le r em pr' f:óI:t:'1 S como tantos SO( ;1I 111/"IIN r ivil1dicam :1\1I1W ill a () conhc imcnto do mundo por seus princípios teóricos de
\

Lt"I\)\l I)
II
, I ()
//
reconstrução empírica ou formal. Na gama completa dos regimes de
logistas profissiónais tenham usado más definições - o que também
cientificidade e no sistema de suas diferenças, deve-se encontrar o locus
pode acontecer" (Milner 1989: 10). Os conceitos descritivos da epist '-
funcional da sociologia em que está interessado o sociólogo, não para
mologia jamais são forcas caudinas, sob as quais devessem humilhar-s
calcular sua classificação hierárquica em um Gradus ad Parnassum essa
os atos da pesquisa.
tarefa epistemológica vale muito bem uma hora de esforço.
Se a moda da análise popperiana darefutabilidade entre os soció-
Já se terá podido compreender que as análises que seguem não
logos explica que se tenha colocado uma certa insistência nas Proposições)
levam a concluir que seria inviável uma sociologia científica e, com ela,
escôlios e difini{ões da conclusão para desmontar a ilusão nomológica nas
todo trabalho científico nas ciências sociais. Em nossa conclusão , for-
ciências sociais, é dupla a clarificação que visa esta insistência. Ousemos
mulamos - mas para recusá-Io - um dilema bastante próximo ao de
desdobrar uma metáfora para expressá-Io sem as cautelas supérfluas dn
Ç) \'~ ean-Claude Milner (1989: 12), no momento em que, a propósito da
linguagem: certamente desejou-se estimular a reflexão epistemológi :I
~ situação atual da lingüística, este retoma a questão da caracterização de

·\~I
não se encerrar na pastoral idílica do quase experimentalismo ond
e
t)\ \ uma ciência: "Impõe-se a opção incontornável: ou as ciências humanas
inúmeros carneiros popperianos são apascentados, semjamais ousarem
ão ciências e, então, o são no mesmo sentido em que o são as ciências

t(~\\~e~
~e{t(\()
levantar os olhos por sobre a cerca de seu doce pasto - mas certament
\':Ida natureza e dependendo da mesma epistemologia (de modo que o
não para instigar o sociólogo emancipado a uivar com os lobos Ia
C J\. qualificativo 'humanas' não recubra nenhuma outra especificidade
hermenêutica selvagem, prontos sempre a enfiar os dentes em t da
além da material); ou elas são efetivamente humanas (ou sociais, ou
cientificidade um pouco frágil, principalmente se jovenzinha.
outra coisa) e, então, não são ciências e não têm nenhuma epistemolo-
gia. Esta alternativa se propõe a todas ...". Diabos! Existiria a epistemo- Retomemos pé sobre. o chão rústico da descrição epistemológi ..
logia anteriormente aos atos da concepção científica da maneira como Não se trata de descrever o raciocínio sociolá.. ico co2E?_~m "interm ,-
estes funcionam, adaptando-se às exigências do material empírico e, diário' usto" entre o método e?g2erimental e a inteq2retação filosófica -
portanto, aqui de um modo e ali de outro? Ou a epistemologia se teria
deixado anexar antes pelas ciências da natureza? Os três aspectos "ma-
f pode-se aliás conceber algum "justo intermediário" entre um carneiri-
nho que acreditasse na infinita bondade da experimentação e um
tematização do empírico", "constituição de uma relação com a técnica" malvado lobão metafísico? Primeiro pensou-se em intitular esta cole-
e "refutabilidade" no sentido popperiano" pelos quais Milner definiu tânea como ''A sociologia, nem mais nem menos" - entendendo-se c l1J
"uma ciência" (portanto, qualquer ciência) caem do céu ou serão tirados isso que a descrição de seus atos científicos não ganha nada mais por
das únicas ciências experimentais antes mesmo que a descrição episte- s 'r confundida com a das operações da física de Galilei ou de Ein t .in,
mológica mal tenha começado ~\fa tarefa, que é inspecionar todas as ou ainda com a gramática de um sistema formal, do que ganharia
construções teóricas que produzem um conhecimento empírico ou .onfundida com os discursos improvisados do jornalismo ou do ensaio,
formal? Estariam também as ciências ló 'co-formais fora da cientifici- Contudo, esta aceitação do princípio de realidade não equivalia abso-
dade? Como diz o autor mais ponderadamente logo em seguida, lutamcntc à confissão de uma cientificidade maior ou menor. Pcr t'
preferimos examinar se "idéias feitas" a respeito das ciências da natureza ltc li-S' a tempo que o contexto intelectual teria feito com que 'st .•
"como as de refutação, de programa de pesquisas, de tema, de experi- fOI11I 11 Ia fosse entendida ao contrário, pois tratando-se de um p .rsorm-
mentação, de teste etc., são aplicáveis de maneira razoavelmente plau- p,t'llIlk cspírit icntífico e diferente do personagem que as iên ias d,.
sível" (Milner 1989: 23-24) à sociologia. Sobretudo, preferimos Il.It111 t'za ou as iências D rmais identificam com icntista, t'St,1I,í
concluir, em relação à sociologia da mesma forma como ele faz em IlIlldt'll.Iclo a lOI11:lro lugar que lhe será ant cipadamcnte I 'sigll"d,)
relação à lingüística, "que seria possível que essas idéias dev ssem s 'r II'Iu. IH'SOS (,' 111 lidas de um :tmpo cpistcm I gi o já hicrarquizad«
redefinidas, seja porque a lingüística o requer, seja porque os cpisr '1lIO- 1'1'11 .11H'ltlllasléxirns. A lillAlIagcl11qunutitativn st'lupn' Sllpl'H' a PIlN
sihd itlatl ' ti ' lI1ll:.l lassi fi cação média, mediana ou baixa. É exatamentc Jamais é o inverso: no casamento entre língua natural e língua artificial,
isto que entcndem os que utilizam uma classificação das ciências que sempre se ~eve designar um dono da casa, se nos impusermos uma
II parece provir de Borges ou Dali, mais que de Comte ou Cournot, tarefa precisa de descrição.
\ 1 el'(\\~quan d o, no auge d e uma d lscussao,
t'lr 00 ' - d lstmguem
' . entre as ".~ . d uras"
ClenClas A decisão de reunir num volume alguns textos antigos, resultando
"fI\\:\&~~ as "ciências moles". Sem a menor dúvida, se nos ativermos a falar por na dispersão temática de capítulos egressos de conjunturas diversas,
' " , ~ imagens, existem as metodologias que se pode chamar de "moles" e fez-me retomar seu fio nas Proposições recapitulativas, que aqui apa-
CI~fI\t\~ ~t.)outras mais "duras" - em função do aumento das restrições formais do
recem à guisa de conclusão. Sua insistência ou simplicidade afirmativa
' 'I '
J
e raciocínio. Em todo caso, isto não define a "dureza" ou a "maciez" do não deve esconder que muitas delas, como se pode ver nos escólios mais
t\~N\M,) onhecimento que elas produzem; ser:ia talvez supor, como Bergson, 'desenvolvidos, exigem opções de argumentação que estão longe de ser
uma relação mágica de simpatia ou atr,ação entre um método e seu normalmente admitidas - ou serem admitidas da boca para fora, sem
objeto. Deveríamos nos espantar que esta metáfora volte como um maiores conseqüências. Ou que não se pratique, como vítima d.
estribilho nos objetivos daqueles que aspiram à "dureza" da argumen- história, quando se prefere a sombra da impecabilidade metodológic:t.
tação científica - depois de decididos a identificar formalismo e "dure- Ou ainda, que se pratique muito naturalmente, mas exigindo-se um:!
za", mais que outros, deveriam sentir-se presos à exigência formalista outra metodologia diferente daquela em que implicam os raciocínios
do banimento das metáforas. de que se é capaz. Especialmente a epistemologia popperiana, a que aliás
Como será utilizada com freqüência a idéia de "mescla" para só se recorre como simbólica; entre os que ignoram sua existência, vê-sl'
caracterizar o raciocínio sociológico - vaivém argumentativo entre o qualquer outro símbolo 00 rigor metodológico ou da virtuosida I .
raciocínio estatístico e a contextualização histórica - talvez fosse bom estatística funcionar da mesma forma. A tese das Proposi{ões é peremp
precisar desde agora que uma ciência a meio caminho entre duas etapas tória; a sociologia e, através dela, as ciências sociais enunciam suas
científicas não é uma ciência a meio caminho da ciência. Não se deseja proposições sobre o mundo num espaço afirmativo não-popperial1o;
descrever nem um "mais" em relação ao nada, nem, um "menos em nem fingimento, nem hipérboles, nem deslocamentos teóricos 0\1
relação a uma excelência científica, mas o locus real onde se atêm os metodológicos em nada a modificarão. Isto não impede que, ao descrl'
raciocínios sociológicos naquilo que têm de demonstrativos. Para dizer ver o locus epistemológico do raciocínio sociológico - ou seja, o sentido
o que faz um pesquisador, muitas vezes se é levado a descrever o gue que toma qualquer afirmação, desde que diga respeito ao mundo
ele não pode fazer a partir daquilo que não faz. E isto pelo menos exclui histórico - e de ual uer metodolo .a de ue el'!...,se sirva, continua-sl'
o insignificante objetivo de designar novas tarefas ou vocações novas falando de uma ciênciª,; o raciocínio natural não condena ao senso
para a sociologia. Trata-se, po1'tfI,lto, de identificar um locus epistemo- comum. A palavra "ciência" não tem a menor importância; ai rU ll s
lógico sem deslocar suas coord~nadas, redesenhando uma topografia preferirão "saber" - contudo, o sentido de um termo é sempre difen'Jl
realista com traços bastante rudimentares. A conclusã9 é simples: o cial e inevitavelmente se destacará de "ciência" - em relação ao qual tl'l.
lugar e~ que o raciocínio sociológico constrói suas pressuposições é conferida uma excelência epistemológica intrínseca, ainda que contr:,
diferente do espaço lógico do raciocínio experimental ou do formalis- ditória nos termos - a não ser, é claro, para uma filosofia da ciên ia , C]\ll'
mo, especialmente no raciocínio natural, desde que esta se submeta a fará o que bem entender. M antiveram-se, portanto, no di curso, os
formas específicas de controle metodológico. São as formas do raciocí- term s "ciência" e "cientificidade" - de que somente, mas de 111a ll ,i i:,
nio natural, indissociável de uma semântica natural, esta inerente a irrecusável, t 'st m unham a existên ia a forma mpfri o-ra ioml dON
qualquer descrição do mundo histórico, que definem o uso - não ( ll h l.' im 'ntns :tdquiridos na h ist . ia d. s di:; iplinas . tipo dl' ci ' 1111
minúsculo nem subalterno - que se pode fazer do raciocínio experi- lcidadl' dl' <IU l' trat.II1IO~ (: () das i ' l1 ci.IS l.·mpílie:\s da ill tnpll' t.II".1I1.
mental, como do significado de seu controle formal ou formalizado. I .\ 1.\ .\ qu.II .\ fOI III .' do (tIl. o dOIlIl Il H\n IJII.: t tll \('0 I1 l1p I!' t l lll.' lillf'.ttagl·\I1

'1\
\
tlpologlC:.l ) mas os métodos de observação e de tratamento da informa.- Quando uma doença é crônica, como em todas as ciências sociais q \l t'
~ão em mca ró rios das ciências sociais, o distin uem de suas irf!lãs se reviram em seu leito de desconforto epistemológico desde o sécu lo
hermenêuticas próximas demais e evidentemente abusivas. Não se diz XIX, certamente existem vírus ou micróbios a identificar - mas tam béll1
que esta posição seja fácil, mas que ela existe. se pode supor nesses organismos muito vulneráveis uma ausência d '
anticorpos.
Le métier de sociologue (Bourdieu et aI. 1972) já tinha de tratar da
dificuldade que a sociologia tem para ser uma "ciência como as outras". Talvez pareça que os textos aqui reunidos pudessem balizar esta
Diante do teoricismo é do metodologismo que se combatiam naquela pista, por ocasião de alguns objetos de pesquisa ou de discussões. N a
época, a jntenção pedagógica da obra foi acentuada por ter de impedir releitura, pensou-se que o encabrestamento temático de uma coletâne:\
o mais apressado - marcar a ligação ao espírito científico dos princípios como essa e os acavalamentos da argumentação que dele decorrell J
do conhecimento do social, mesmo se estes não se deixam unificar em ganhassem algo, se postos em aberto - daí o sentido das Proposições finais
uma teoria geral das sociedades. As razões dadas no Prefácio da segunda que, do papel que desempenha a linguagem de descrição do mundo l: 11 1
edição do Métier para justificar elipticamente a renúncia à teoria socio- qualquer ciência da realidade, leva ao estatuto da vulnerabilidade em
lógica prevista no volume deviam ser completadas. Lembramos da tese pírica nas ciências sociais. A finalidade dessas análises, sem dúvid.1
que se pode jocosamente resumir assim: ''A sociologia é uma ciência alguma e peIa generalidade dos mecanismos que elas designam, é f; 'I, ' I
çomo as outras; tem apenas maior dificuldade do que as outras em s~ ver que convém a todas as ciências sociais o esclarecimento. As cx.p('(
uma ciência como as outr~s." O funcionamento do espírito científico tativas da tese que afirma a indiscernibilidade epistemológica da história l" d,1
não encontraria nisso nenhuma dificulda,de de princípio, mas apenas sociologia permitem mostrar que ela se aplica em graus diversos a tod, l:>
dificuldades sociais ligadas às más comunicaçõe.s dos sociólogos, e, mais as ciências sociais, identificando-as como ciências histórica~. A crftJ( .\
amplamente, à situação do campo intelectual em que eles trabalham. oratória que Popper (1956) fazia do "historicismo" quando misturav,1
Tendo como armas da "vigilância epistemológica" a crític~da ilu~ão_de - para disso fazer um espantalho - utopismos proféticos, evoluciol1 l ~
transparência, as técnicas de ruptura com o senso comum e a exigência mos cientistas, naturalismo das leis da história e outros transbordam 'II
da reconstrução teórica de seus objetos.., a sociologia da sociologia tos metafísicos, com a atenção aos contextos própria da histól'l,1
deveria, ao descrever a origem do mal, bastar para a cura dos espíritos historiadora, em qualquer sociólogo consciente do que fala, pede, St'
e dos estilos de trabalho. Isto seria expor-se, com este diagnóstico não uma resposta, pelo menos um instante de reflexão. Ver-se-á, 0 111
otimista, ao risco de outorgar o título de bacharel a uma epistemologia freqüência, pelo caminho, que as flechas polêmicas da argume\1taçflo
naturalista das ciências históricas .A sociologia da sociologr.{ facilmente não visam o autor de A lógica da descoberta cientifua, mas o do panO 'til
esboça uma política de pesquis~: ::reforçar a autonomia l' comunidade que amalgamava as mais diferentes formas da pesquisa históri ca, sob ,I
erudita e intensificar o controle edtrecruzado dos trabalh os na discipli- principal acusação de "historicismo" - como se para melhor liquido !.I S
na e na interdisciplina. Muito bém, mas 120r gue isto não acon~ce ou de uma só vez. A polêmica continua atualizada contra os so iól ()~',()N
acontece com tanta dificuldade? Ou acontece com maior dificuldade popperófilos que maquinalmente, em suas profissões de fé epislt' JI )()
do que em outros cantos? E se a dificuldade metodológica e argumen- lógicas e limitados por liminares, à "falsificabilidade" - como oul! os ~t'
tativa se ativesse também a uma conformação epistemológica que as benzem , para sentirem-se quites, de uma vez por todas, nJll Illll ,l
ciências do curso do mundo histórico não conseguem superar? Para religião à qual se remetem magicamente com sua saudação,
que a mundanidade, a utopia, a filosofia clandestina, o ensaísmo - ou,
ao contrário, a fuga para a frente no m etodologismo - e o mimetism o Podemos im:tginar uma lt'oria sn(')nlógi a da rnmda, do Sl- ll do
tk A\ II~\I s t \) (l I) el,1 ' Il'( ('l'il :1 Illt l'l lJ:\( IO ll a l, 0\1 tt'o l ias (O lH O ,I d,l "l't III lO
naturalista e o formalismo produzam tanto estrago nas frases do soció-
logo, é preciso que algo do temperamento afirmativo se preslt: a is to.
1111 .1 1I III IIdu", .1 d .IS " p .I'o t lll.\I'o do IlIr ll ll", ,I do "Ll t ll :-iI\( l.tI (oLtI ", ,I d,1
- F.?
\]\fI
fr,
" , \)t llll ~. I Ç.I O do 'arisma" formuladas em termos que as tornassem efeitos constituem (por que esquecê-lo?) o essencial do)que é nosso
lalsifi ávc is por um "enunciado existencial singular" (até estatísti- conhecimento do mundo histórico:fõ resto do cometa é plan~ Desde
co)? Ou duas teorias concorrentes, que apresentassem esta forma agora, ' tanto faz analisar em que consistem realmente esses efeit s
lógica, que pudessem ser contraditórias entre si como o são duas cognitivos - não suspirar atrás de outros, tão deleitáveis quanto eles -
teorias físicas? Resta saber que conclusão se tira da diferenç~ ou idealizá-los em panegíricos mentirosos.
entre a teoria nomológica e a teoria interpretativa, construída sobre a base_
da comparação histórica. Do ponto de vista do conhecimento cien- Marselha, outubro de 1991
tífico, é absurdo excluir as teorias tipológicas do universo das teorias
empíricas. É preciso examinar duas vezes, pois são as únicas que
provocam uma intelecção das generalidades ou das constâncias nas
ciências históricas. Não é mais simples pensar que, com a identifi-
cação exclusiva da cientificidade empírica em relação ~'falsificabili­
dade", nós nos proporcionamos uma teoria inutilmen~ limitadora
da estrutura lógica de qualquer teoria empírica? Há outras formas da
vulnerabilidade empírica, onde ainda se organiza a cientificidade de
um discurso sobre o mundo em suas diversas realizações . Por isso
acreditou-se que seria bom fazer um esboço infine de uma descrição
lógica da teoria interpretativa, como a fazem os cientistas sociais,
recorrendo ao critério das exemplifuações empiricamente multiplicadas e
semanticamente unidas.
A identificação do espaço acertórico do raciocínio sociológico,
como espaço não-popperiano, não é senão uma outra maneira de falar
de sua especificidade e de sua diferença em relação ao espaço lógico
onde se define a "refutabilidade" das proposições teóricas próprias das
ciências nomológicas. Evidentemente, não se trata de apresentar o
espaço popperiano, já que a argumentação utilizada pelas ciências
sociais contém momentos de raciocínio que podem muito bem inscre-
ver as conclusões parciais de s~~ tratamento dos dados num espaço
V
Q
popperiano da prova. Entretanto, quando as afirmações "refutáveis"
trazem o reforço de suas expectativas para o raciocínio sociológico, o
espaço lógico em que se decide a veracidade das asserções pertinentes
para a descrição e a explicação do mundo histórico volta a ser o de um
raciocínio natural. Sustentamos apenas que as restrições desse espaço
afirmativo são ainda restrições lógicas, capazes de definir seu uso
científico, pois puderam ser transformadas em metodologias eficazes.
A descrição epistemológica não pode senão assumir sua eficácia nos
efeitos de conhecimento e de inteligibilidade que engendraram. Esses

IH II
1
NOMESECAMPOSDEABRANGÊNC~

Para começar, que nome usar? "Ciências humanas", como era ()


costume chamá-las na França dos anos 50, quando esta menção um
tanto ambígua juntava-se ao nome das faculdades de letras no frontfio
dos edifícios universitários? .. Qu "ciências sociais", segundo o hábito
I,
que prevaleceu nos anos 60, quando a conotação "humanista" de UIJI
adjetivo que ostensivamente remetia aos ideais éticos e estéticos d . l ~
"humanidades" clássicas por muito tempo incomodou os ouvidos clm
pesquisadores apaixonados por metodologias sutis e ciosos de ser ' II)
considerados social scientists, no sentido anglo-saxônico da expressão?
Incontestavelmente, o adjetivo "humano", que parecia caracterizar ao
mesmo tempo um objeto de pesquisa e uma disposição humanista qllt'
se pressupunha necessariamente acompanhar a prática ou as COIls ' -
qüências desse estudo, lembrava demais a discussão metafísica que na
Alemanha terminou engolindo as pesquisas sobre a cultura ou a hist )-
"
ria, em nome da oposição absoluta entre as ciências da natureza e as
/
ciências do espírito de aue Dilthey foi o teórico (Naturwissenchqjil'1I I'
Geisteswissenschciften). Entretanto, o adjetivo "social" poderia muit b 'lll
proporcionar semelhantes inconvenientes, lisonjeando um outro 'stt'
reótipo - este, ortopédico - o de ciências que, dados os objetos a qu ' SI'
aplicam, teriam também necessariamente resultados de utilidade sueLI!
pu salubridade pública.

st ' é o in o nv'l1 i ntc das Hnguas em que, a partir do gt' llitivtI


latino, o adjl't ivo J"t't {m () p< d 'r d ' obri r ta ll to () s "ntidn (lI jl't IVO
q\l:lIlt O o slI hll'tivo M.I S, p .II .1 q\l ' o I\1.1I lC!t' Jl I'lb l l( o l' \lJl J.l !';l' II ' dr
pl' sqtlls.Hl o l rs t(' II I\(' 1I1 (' l\( .1I1l1 ~. H l.lI llr ll t(' (' I I I (1lIlIp"' (' l l tI (' 1 1111 t!n l \

rI '
pelo menos, em paradigmas da mesma família que irrigassem a todas
O desenvolvimento de nossos conhecimentos sobre o homem ' ;1
- nada menos que a salvação, individual ou coletiva, para a qual religiões história evidente de obras tão diversificadas como as que em plelJO
e utopias não proporcionavam senão um instrumento gasto. As ciências século XIX passaram a limpo o método histórico, sistematizando ,I
do homem dificilmente resignam-se a esta função profética que por crítica dos textos e das fontes, e mais tarde, no século:xx, o enrique '.
complacência lhe foi outorgada pelo cientismo e pela tradição letrada, ram com métodos provenientes de disciplinas vizinhas, ou que, do final
unidos pela vez primeira naquele início do século xx. do século XIX a meados do século:xx, fizeram desabrochar simulta
Hoje os pesquisadores preferem falar em "ciências....de-hômem e neamente sínteses ou doutrinas explicativas (de tipo psicológico, histó'
da sociedade" e esta denominação menos equívoca entra nos organo- rico ou sociológico) e multiplicarem- se disciplinas autôno m as
gramas institucionais. Étiemble, que durante muito tempo lutou contra fortemente construídas em torno de seu método (etnologia, psican. li
todas as formas do franglês, prezaria muito o recuo deste adjetivo se) ou unificadas - e especializadas - pelo tratamento de dados honlO
anglo-maníaco. Não obstante, no fundo, o problema continua inteiro: gêneos (economia, lingüística, demografia), muitas vezes voltando :1
deixa certa dúvida a unidade epistemológica de um campo de pesquisas fundir-se novamente em relação a uma tradição erudita ou filos6lil;l
cujo nome deve se servir de dois identificadores tomados emprestados Sem contar haver sempre em funcionamento um outro princípio dt'
da linguagem comum. Podemos duvidar tratar-se aqui de uma estru- diversificaçao, que fez surgirem lugares de colaboração multidis ipll
tura de objetos que se impõe ao espírito o bastante para tornar solidários nar, particularizados por sua especialização numa área de civiliza<,.1I 1
paradigmas teóricos e métodos de investigação a ponto de fazer sentir, (sinologia, indianismo, arabismo, por exemplo) ou por seu en«)qlh'
de um extremo a outro do campo, os efeitos indivisos de "revoluções num campo concreto da vida social (as ciências da religião, da edu :1<,,11 I ,
científicas" ou do funcionamento de uma "ciência normal" (no sentido do político etc.).
de Kuhn, 1976), como os que se pode observar na história das ciências Hoje, uma enorme gama de inteligibilidades parciais, indissOl 1.1
experimentais ou das ciências formais (lógico-matemáticas). veis de um dispositivo multidimensional e retalhado de campos dt,
pesquisa, representa o conjunto de nossos conhecimentos sobr(' o
homem, seu futuro histórico e suas produções materiais ou simbólH .1. I
Por que não, simplesmente, uma ciência do homem? individuais ou coletivas. Poderíamos enumerá-Ias - ainda que fmsl
trabalhoso e que nenhum manual se arrisca a tanto. Pode-se argum ' 111.11
S (~e},~ ~ Não esqueçamos que este foi o ideal primeiro do racionalismo
..gue as ciências do homem de endem lenamente do saber empfric(\
~~, Q., )í\~t~~entí~co, qua,n~o o dese~v~lv;~~ento conjugado dos mét,odos experi- racional, desde que se admitam outras formas de inteligibilidade it' ll
~ mentaIs e da fislCa mate~atlca ~espertou ~a Europa, do seculo XVI ao tífica que não a expressada por "leis universais". Devemos sublinh;1t .\
) 1\ . . 1 I<XVIII, uma filosofia ul1lversahsta, culmmando no Aujklarung. Kant
t S\L'b. ~~~\Çl) fecunda interdependência da multiplicidade de pequenas tribos t:l'udi
~ propôs o termo antropologia para dar nome, no sentido etimológico,
tas, manifestada nas incessantes migrações de conceitos, m Gtoclos l '
. \l " ao lugar ainda vazio de uma ciência do homem que, tomando por objeto modelos dentro desta confederação. Con tudo, não devemos con rumH I
~\\\)\\(k'í\j~\ todas as manifestações empíricas da existência humana, proporcionaria a indiscutível vitalidade de uma rede móvel dinâmi a d' P ' S q\ll I\. I ~,
"Para ela uma inteligibilidade tão unificada em seus conceitos quanto a
sempre dispostas :1 partir para nOV:1S conquistas c comp 'ti loras ' 1111 t' SI
dos fenômenos físicos.
ou para illtt:l'lllit 'tlt ' S, às vez '$ ,mm
'r 5, rellil/al.I' da longa c llIlillhacLI
Contudo, forçoso é constatar-se neste final do século XX que a talvl' ~ lorl\lt' l\losa d ' UIll ill\p ~ ri() cielltffi o ' lll g 'S t:1 ç:IO n.1 dlll'~. 1(1
ciência do homem não existLnQ...singular. O volume das pesquisas da Il' llIllflC'ac;.Hl til- s uas illll' IJln' I : I~(\t'S,

aumentou bastante, sem que se tenham fundido num paradigrna li ,


I~ i i <05.1=7 li'(\1e.'r.... dOf\'JJ ~(j 'IS. I J
/ e- et~()~J~\()~\~ .
reconquistaria umj vasto território de pesqUlsa graças ao SurgI-
;~\.l Pode-se pelo menos identificar e classificar as disciplinas
mento de novos estilos de análise , com as escolas "interacionis-
antropológicas? tas" ou "etno-metodológicas" e ao desenvolvimento da sociologia
--~

Uma classificação onde cada disciplina se conciliasse com todas empírica que, por necessidades de investigação, viu- se ligada ao
as outras em seus respectivos lugares no mínimo implicaria em um refinamento dos m étodos quantitativos da cole ta e do tratamento
acordo a respeito da distribuição de tarefas. Ora, este consenso episte- dos dados (Lazarsfeld e Merton 1950) e, sob esta forma, influen -
mológico mínimo está longe de ser obtido: o dispositivo das pesquisas ciando os protocolos de trabalho da maioria das disciplinas vi zi-
não deixou de variar em sua geometria de uma época a outra ou de um nhas pelo mundo afora. Ao final desta contradança intercon-
país a outro. tinental, nem a generalidade da proposição, nem o objeto de
estudo, nem em geral a metodologia permitem distinguir um
Enquanto na França a palavra antropologia, para começar, viu sociólogo de um etnólogo e até de um historiador das mentalida -
1\ restringir-se o seu sentido kantiano até não designar, a partir do século des , a não ser remetendo-se à maneira como cada um deles s'
S~t('~Í\~~ ~XIX, mais do que a antropologia física "dos homens' fósseis e atuais" (é FR
autodenomina.
t r~~) o sentido de Quatrefages de Bréau - cf 1861), a expressão conservou e
e..\ ~ nos países anglo-saxônicos um sentido mais ambicioso, pois ali a Eu 1\ O panorama seria ainda mais diverso na Alemanha, onde a etno-
'Í ~\-o~(\~'t. antropologia r~úne, ~lém da antropologia física, a antropologia cultural ~ logia foi precocemente marcada pelo projeto de investigação das cultu-
\l e a antropologta socIal, e normalmente é definida como a "ciência dos ~tfa\.
1
e ras populares tradicionais (UJlkskunde), enquanto a sociologia desen-
/; \~ \ '\ '" agrupamentos humanos, de sua cultura e de sua história, inde- volveu-se ali principalmente como sociologia histórica e como sociolo~;a
6CJt lJ \'-\<y\ À. .
econômica, ligadas nas controvérsias com a corrente marxista, uma t:
~ pendentemente do grau de desenvolvImento desses grupos" (Kroeber
1948). Na França, é a expressão sociologia que, certamente devido ao outra partes de uma grande discussão epistemológica a respeito do
legado de Auguste Comte e ao prestígio da base durkheimiana, a levou estatuto das ciências sociais (Methodenstreit) . As fronteiras entre discipli-
a dar nome ao projeto de integração comparativa das pesquisas sobre as nas antropológicas na verdade devem seu traçado menos à necessidad .
sociedades humanas. A sociologia pôde assim aparecer nos países an- lógica do que à forma das discussões inscritas num campo intelectual,
S()C\()\~~-I)... glo-saxônicos como uma subdivisão da antropologia social especializa- com as devidas continuidades de filiação e confronto. As características
da no estudo de nossas sociedades complexas, enquanto na França, ao sociais do recrutamento e do exercício da profissão acadêmica, com suas
1'1\"'- y=- contrário, a etnologia está voltada para as sociedades chamadas "primi- instituições, seus modelos de texto, seus circuitos de troca e publicação,
l \~~t\\) _~ tivas", tendo surgido como p ~rte especializada da sociologia - esta em geral aumentaram o emaranhado de nomes e domínios, m antendo
\ explicitamente concebida por 'Durkheim, Simiand ou Mauss como o as diferenças de dependência que haviam perdido sua pertinência d .
X Y: J coroamento de todas as ciências sociais. objeto o~ de método.

A situação complica-se ainda mais a partir dos anos 50. Na França, Uma fronteira há muito balizada - a que separa a etnologia da
a renovação teórica proveniente das escolas "culturalistas" ou "funcio- sociologia - sobreviveu assim a suas condições iniciais. Em sua fOI 1ll:1
l\J~ ~ \"1>.nalista~" anglo~saxô~ica~, contras~an~o entre as .duas guerras com a rígida, era solidária com a visão "etnocêntrica" que a Europa tivera (lo
'f'1~ exaustao da soclOlogta pos-durkhelmlana que oscIlava entre a explosão resto do mundo por ocasião de sua expansão exploradora c colonj~,1
~()_ \~~<..\~onográfica e a regressão filosófica, induziu Claude Lévi-Strauss
I ' . ~l "\(1958) a retomar a palavra antropologia para designar a forma superior
(\
- ~V \ -J\"1J-~\a e smtese
' a que pod '
e aspirar a comparaçao - soclOcultural
' quando
1. s,)\) o Slf\II0 tio !\lI l1." II I ~ll lllllll( lon.I" ~ I .I, n II ltlVlt ll~ II I11, 0 11 11 1111" Nr I· 110 III !' III " " N~I 11111 XIX
quer permanecer solidária ao questionamento etnológico e às grades I II 1' 11 1.11111 r V'1I 1 A. ,lIllI ( I HOII I tiO I)) • ,II I'IIIIIIUd ll .lI lp.11I ~ IHIIIII. " 1111111 \' 111\11 1.11 dl~ IIII'IIII', • 1111 1

etnográficas . Ao mesmo tempo, a sociologia nos Estados U nidos II 1I ,IIIt I ~ II .Ir , ItIhk'il lldr 1"11 f" lklllll ~ ( 111-111)

'.7
\ •
lo"a . Mais tarde, os conceitos de "primitivo" ou de "sociedades sem I Apressado e redutor, o recurso ao modelo biológico fascinou ()
história" perderam sua justificação teórica. O "evolucionismo social" ~ \\)" ti ~ pensamento antropológico do século XIX. Atravessando vivazmente ()
cedia lugar ao "relativismo cultural" despertado pela própria etnologia; 1 ~o que separa o tempo da história humana do tempo da evolução
o paralelismo entre a mentalidade infantil e a "mentalidade primitiva,,2 \t\0Il1.. biológica, ou a sistematicidade do organismo da de um sistema social,
via suas aproximações dissolvendo-se diante da precisão dos conheci- o evolucionismo~sociológico ou organicismo por muito tempo imobilizou :t
mentos adquiridos com apsicologiagenética deJean Piaget e a amplitude tipologia e descrição históricas nos quadros de uma analogia fixada a
da documentação das mitologias comparadas de Georges Dumézil. 3 priori." Uma lembrança ainda pior está associada ao uso ideológico d:l
Além disso, o desenvolvimento da civilização urbana pelo mundo afora fiança biológica: as "escolas", cujos fantasmas raciais se disfarçavam d '
deixava rarefeitos os terrenos clássicos da etnografia- como já observava alegações científicas, que a antropologia física e a genética não cessaram
Bronislaw Malinowski (1963: 52): "".no momento em que a etnologia de desmentir.
se apossa de seus instrumentos, 6 material de seu estudo desaparece
Por mais precioso que seja o conhecimento biológico do homem
com uma rapidez desesperante". Mas nada impediria voltar-se a con-
que o restitui à linhagem animal ou às relações de um organismo e dt'
verter em novos "terrenos" um método de trabalho que, por imersão
um meio, ela não poderia propor uma teoria adequada para as ciên i. s
da ~ocieda~e cuj.o objeto irredutível não pode ser ~~t:o senão o home" I \ V
pessoal e demorada do pesquisador no seio de uma população pouco
volumosa, autorizasse a restituição dos "imponderáveis da vida imedia-
SOCIal, na dIverSIdade de suas obras de cultura e CIVIlIzação. Vemos, pOI \
ta" (Malinowski 1963: 75) para as estruturas de um sistema cultural.
Daí em diante, vemos trabalhando em cima dos mesmos terrenos
exemplo, a inteligibilidade obtida pelas seqüenciações de André LerOl I II
Gourhan (1964-1965, I e II), que restitui os instrumentos técni cos l
subúrbios de grandes cidades ou zonas rurais - tanto os "etnólogos do
mentais, a arte e o simbolismo do Homo sapiens a uma lógica ordCn3tl.I
espaço francês" como os sociólogos de campo, muitas vezes diferindo
dos avanços da espécie humana. Entretanto, como enfatiza esse autOJ ,
menos pelas atividades de pesquisa do que pelo apego emblemático a
a ordem evolutiva não permite julgar antecipadamente uma ord 'II I
uma tradição.
histórica, sem encadeamento ou difusões concretas e menos ainda
formular "leis da história".
As ciências do homem entre as ciências da vida e as ciências Por isso mesmo, a unidade que se impõe a qualquer análise
históricas epistemológica dessas ciências é a que se atém à especificação espaço-
temporal de suas asserções mais gerais - os fenômenos lhes são sempre
Esta dupla articulação é natural, mas a afirmação, tão cara aos
dados no futuro do mundo histórico, que não oferece nem repeti ão
manuais, de que "o homem é u\h animal social" só resolve o problema nas
dissertações. Na história da peiiquisa, a inteligibilidade biológica e a inte- espontânea, nem possibilidade de isolar variáveis em laboratório. M 'S
ligibilidade histórica até aqui se desenvolveram de modo conflitante. mo meticulosamente organizadas, aqui a comparação e a análise l1an
fornecem mais que um substituto aproximativo do método experimen/(//, j.
que seus resultados permanecem indexados em um período um IlIg.l\ .
As interações u as interdependências mais abstratas jamais s50 atl'sta
2. Vê-se aparecer simultaneamente a força deste paralelismo, durante todo um período da história das a não S 'r '01 situações singubrcs, impossíveis de S 're111 dt'COlllpO/l
das ciências do homem, em correntes e escolas independentes . A série das obras de Lucien tas' ins\lbstitufv 'is s/rie/II S(' /I.W, qu ' são tantas oll tr3s "i lldivic.ll1:t1ld,Hl t'N
Lévy-Bruhl (v. bibl. de 1910 e 1938) é contemporânea das obras de Freud que tocavam na
etnologia ou na história (v. bibl. 1913 e 1939).
histt)J'i :IS" (Wd1l'l" 1<)65: 152-2 1 ). Hill OUU':tS pahVl':ls, as ;\Il!t'l\ti :I\(H'~.
( '\ 11) Sl' lllplt' 11111 "colltexlo" qlle poel, S(' I t!I'\(I!IIIIr/O , lJ1a s IUO /'.~I!()illllo )lOI
3. Uma das principais idéias do evolucionismo social é a de uma sucessão lógica e histórica, que
vai da magia à religião, questiona tanto a Georges Dumézil (1940, 1949, 1968-1973) quanto a 11111 .1 .111.111 :.1' /1I11!.1 d . , ~ V. II I.ÍV('I~ til\( ' \I 'OIl~IIII\('t11 r q\lr (1(' 11111111 1,111\
MirceaEliade (1949, 1978). pellult 1.11 " ICld . l ~ .1'. (tll ... \ il',II .II·, 111\1 nllll .1 VI /' . P ~. t.1 (1111101111 .11 ,ln

"H
F=--_-----,....--------------------- ~~ - -------Ir--""'='---------~---------------""""'==::!!!!II

epistemológica, que regularmente frustrou o esforço de imitação das subsistema do funcionamento social: comunú:ação} p'opulação} troca d(' /wI/ '
ciências da natureza, dá a unidade da tarefa que se impõe a todas as raros. O meio empregado é produtivo, mas tem sua compensa iio
ciências históricas. Ao aprofundá-las é que estas conseguiram forjar como em seu objeto há mais do que elas retêm pela sua construçno d, •
seus instrumentos específicos de inteligibilidade - tipologias, periodi- ______ objetivo, vemos, por exemplo, a demogrcifiã ou a economia, ciosas cII
zações, modelos, metodologias comparativas e interpretativas ou con- reduzir a distância de seus modelos da realidade histórica, tomal l' lll
ceitos descritivos, como os de "estrutura", "função", "cultura" e assim emprestado das disciplinas sintéticas o conhecimento de mecanisll J( )
por diante. externos ou de propriedades contextuais para restituir a seu objeto tod.I'
as variações que ali observam: "variáveis exógenas" da demografia, papeI
Nada comparável à posição das ciências da natureza que, tão logo
da sociologia, da antropologia e da história econômica. Da m 'S II 1.1
postas diante de uma tarefa de tipo "histórico" para explicar uma
forma, a lingüístú:a e sua forma generalizada, a semiologia, que em m adc)
configuração ou acontecimento singular (por exemplo, um evento
do século XX difundiram bastante o eco de seus caminhos "estrutu t.I
astronômico ou um acidente ferroviário), podem apoiar sua reconsti-
listas" e o modelo de seu rigor lógico, até parecer um momento a forn 1:1
tuição do encadeamento de estados sucessivos em cima de um corpus
epônima de qualquer inteligibilidade antropológica, viam esgotar-sI' :I
~ \ ~1j~0 constituído de leis físico-químicas válidas, independentemente das
sua virtude analógica em relação à medida em que nos distanciamos d '
coordenadas espaço-temporais da consecução singular a explicar. As
t«,~~ \\1 ~S ~iências da sociedade Ror muito temRo sentir'illlllQ.SíalgiaJ le.s.s..e...saher um sistema tão autonomizável quanto o das línguas naturais ou o dt'
um sistema de signos - as sociedades não são de um lado a 0\ !tI ()
,1. t;egulador,_um saber.:'nomológico" ".gue seria de melhor guilate do g~
sistemas de comunicação.
~\~'<,:~d o iml2roy~ado pelos primeiros teóri91? da sociedade ou da evoluçãQ.
~ &~ N o final do século XIX, elas tiveram a esperança de encontrar este apoio Modo histórico e modo sociológico (ou antropológico, S' (01
!\\\) ~c>\ ~~ ~', nas leis da psú:ologia exl2.erimental. às vezes nas da demografia, ou, com preferível a expressão) permanecem eixos epistemológicos do comph'
,~ maior freqüência, nas da economia,. cuja combinação com um esquema xo dispositivo das ciências da sociedade, porque elas têm a ver COIll ()
\i\\~, ~~~ evo1UClOnISta" - trans d"
Ccez a atraçao 1SCl12l'mar do maoosmo.
. Por sua vez, a "fato social total" cuja teoria Marcel Mauss propõe no Ensaio sobre o rlom
. \:., II, psú:análise não deixou de despertar o desejo de unificação dos princípios (1950:274-276), não segundo se compreende rapidamente, com arll
~ \\''1I-.~'N \~~que dormita em todo ideal do Eu científico mas, apesar da explosão das mação direta de que tudo está ligado a tudo e que tudo está em tudo,
(C)) ~\I(}s obras antropológicas de Freud e de uma influência difusa, mais impor- mas como convida a pesquisar numa sociedade o (ou os) simbolizado/(I'I)
. \\ . k tante que as tentativas de enxerto direto - por exemplo, em antropologia nodais que se distribuem diferentemente nas diferentes culturas. N ,Ul
~r\\j Q.,~ cultural, na teoria da "per~onalidade de base" (Kardiner 1939; K. e excluindo, por princípio, nenhum relacionamento entre os fenôl1lcllc •.
~ ~Q~'f'!\ Linton 1945; cf., naFranç~: Dufrenne 1953) - este saber clínico não desde o momento em que são dados em uma diacronia ou u ma sincroll III ,
conseguiu impor seu absolutismo do significado. num futuro ou num funcionamento social, elas compensam o :II.I!C I
sempre recomeçado de suas interpretações e da forma "intcrOlill. w l"
Muitas vezes se diz que as ciências sociais particulares (lingüística,
das suas inteligibilidades "confusas" (para falar como Freud) rol' St II
demografia, economia), graças à precisão de seu objeto, ainda conse-
conteúdo cm fenomcnalidade histórica e cultural.
guem construir modelos explicativos e até formular leis melhores do
que as disciplinas de ambição sintética, como a história ou a sociologia. A~s im, cm época m uito parecida com a da escola durkhril/l lrlll/l , .1
Na verdade, a "particularidade" dessas disciplinas especializadas não se so i lo ia pódc ol1stituir o pon to de relançam ' 11 m ' o IIlf','" d I
compara à de um ramo especializado da física, que realmente pode 1'<.: omposiçRo int ' ..discip li\1 nr I , q ll:lS ' tod:ls as j'\n ins d:. SOl il'CI,UIt
isolar e manipular experimentalmente suas hipóteses teóricas. Seria Mais reI" ' II I ' II H' lltl" a h i s \(~ 1 ia q tl t , 0111 a ('.\'col(/ dos A ,III(/!t·\·, :Imp holl II
melhor chamar as ciências sociais particulares de "autonomizantes", p l"OW ! t) h Ii' ! Cl I I('t) (' U I I Cld .ls ,IS S 1f . I ~ di II W II SCI('S .11 1I1ClIH )h~l",H .IS, t lll ll1l'I ',\1I ti
preferindo isolar apenas pela abstração um nível de fenômenos ou um c 1111 .11 "III ( lI " .I dll VI, ~ ! (", l n .. do p .l'1 ,Idn I nd . l ~ .1. III !ClII.I :-' c' p t' ( l.d i1.1

II
das. A posição articuladora, aliás, não deixa de ter inconvenientes. O
ponto forte e o ponto fraco da sociologia foi ter sido, conforme o
J
momento, tanto um grande lugar beneficamente assombrado por todas
as ciências da sociedade, quanto uma encruzilhada das correntes de ar
onde vêm borboletear modas e fogos fátuos. As más línguas preferirão
dizer que vivemos um desses tempos mortos; contudo, certamente a /
sociologia é bastante diversa para que seus exploradores não tenham
ainda visitado as mesmas províncias. É o destino paradoxal da história,
cujo propósito ambicioso doravante torna epistemologicamente impossível
distingui-la da sociologia e da antropologia, em vez de renovar-se toman-
do emprestado de todas, sem realmente receber pagamento das outras
Primeira Parte
ciências da sociedade que, fascinadas por comparações ao alcance da
mão, muito geralmente subestimam a dimensão histórica de seus
objetos. Como há pouco notava Fernand Braudel (1985), "a história
abriu-se em grande parte para as diversas ciências do homem, mas o
problema evidente é que o refluxo vai mal na direção das ciências do
homem".
o RACIOCÍNIO
SOCIOLÓGIC():
UM RACIOCÍNI()
DO ENTREMEIO

>.
t. /
2
/ . AS PALAVRAS DA SOCIOLOGIA

Um léxico inviável*

Jamais diswto o nome,


desde que me advirtam
do sentido que lhe for dado ...

Pascal, Provinciales, I

I, H~~ tk C~~~)~S"
O gentleman's aggreement sugerido por Pascal escamoteia com pr 's-
teza as idas e voltas que a tarefa de disciplinar semanticam ent' as
palavras impõe a qualquer ciência. Se a definição dos termos funda -
mentais jamais passa sem problemas ou precedentes axiomáti os
(Bourbaki 1974: 9-:93) nas ciências lógico-matemáticas e, nas ciên ias
da realidade, sem construções aproximadas, sujeitas a freqüentes "reti-
ficações" ou a revisões revolucionárias (Bachelard 1963: 1-18 e 135-
175), a sociologia não pode sequer reivindicar haver alguma vez
atingido esses equilíbrios precários e penosos que definem o estado d '
uma "ciência normal" quando um "paradigma" nela se fi rma (Kuhn
1972: 39-51,115-135; e no posfácio de 1969: 206-245), Todo emprecn-
dimento de definição coordenada dos conceitos bás icos choca- c ar,
mais prontamente do que em outros pontos, com dificuldades inextri-
cáveis que nenhuma revolução teórica conseguiu reduzir e que a m uito
evidente constatação da instabilidade e do atravancamento do v "bu
Iário sociológico não basta para explicar.1 Mais do que ao passado in l'l,,',

* Il JiI 1'111 \1(' 11 .1 f~l llll a d s tc (cx (n a p lll C( l' lI l' lII p.ls~(' rn l\ 19110.

I. () I ~ HII d r h~ II C, pll~ pd llN d il ~ IC'\IIla cllI "plll 11I11I 11\l IClII' ", u. o clrs II ll1c111 l m ll lll.1 CH 11I10K' u
II p~p ~ 1 I 1t' IC' 11I1II 1 I) IH' , pCII r "1111' 111 , ii 1"011" ' 11 1111 .1 1111 II I d r Jll r ll d 1111 c 1I 1 ,1 ~ 1111 1111'
11 1I1 11 1h • • hl)lIl .III .HI r Apr III d ~ Il .lqll' ~ ,,,,II . II'I'" 111IIr ll lllll r, 1I IlIlId ,III"'III .I\IIi'~ I"'1I 1 11
de uma língua científica ou pré-científica (legado que pode sempre ser
Apenas obscurecemos a forma específica que em tal situaçfio
abatido da terminologia, se não se tratasse de esquecer antigos abusos
revelam as relações entre informação e cotueitualização 2 quando se prete n-
ou longas perambulações), a dificuldade aqui se atém a relações não-
estabilizadas e (tentaremos demonstrá-lo) não-estabilizáveis entre a
de à força colocar a sociologia na posição inutilmente lisonjeadora d. ~ l
ciência "quase experimental". Identificando a uma quase-experimentação
linguagem conceituaI da teoria e as exigências da observação quando
a variação controlada das observações) que emprega todos os meios par:l I
esta diz respeito a uma realidade histórica.
a veracidade na sociologia, sem grandes questionamentos a respeito dos
As restrições a que devem se curvar as definições lógico-expe- limites desta aproximação, estamos nos dispensando de construi r :l
rimentais, únicas definições que podem ser organizadas em Qm epistemologia que usamos. Logo somos levados a conceber os relacio-
sistema unificado de questionamento teórico dos fenômenos, reve- namentos entre as constatações (ou medidas) das disciplinas históri :1S
laram-se de uso incompatível com o projeto próprio da sociologia e, c suas formulações teóricas com referência a um modelo de defini fio
de maneira mais geral, com as ciências sociais consideradas como dos conceitos 012eratórios que, com todo rigor, unicamente a pI ' ]) ;1
1\ e.)~!;;\~\~\ ciências históricas: a ,s~ciolo~ia, : antropolo~ia a história. ~a verda- situação experimental das ciências nomológicas pode legitimar. Som ' 11-
\ \ ~i. de, estas submetem a lllvestlgaçao uma realldade sem12re dIf~ren~e- t<.: onde a multiplicação das variáveis está limitada pelos princípios do t,
Ij"~ ~ ~\Smente configurada, ou seja, dI'fierenCla . d I -, ~
as em re açao as CIen.claS "paradigma" de que se deduzem é que as constatações empíricas pos-
~ c\~\\\t\~sociais "particulares", conjuntos de co-ocorrências históricas impos- suem uma generalidade que pode ser controlada pela reiteração 0 0
. . 4- síveis de serem decompostos que, minúsculos ou panorâmicos, 1 umulação dos resultados, já que a condição "sendo tudo igual 'l1l
. \ S \ t::\ \~~. .. ~ .
J
_ fi-
. apresentam-se à observaçao como sequenClas ou con Igyraçoes re- )utros pontos" envolve então outras operaçõesl.:;entais que não ,I
fratárias à decomposição experimental. Por isto, esses objetos podem )missão ou a complacência. 3 tu~ ~ ~,~ \ I
ser indefinidamente analisados em variações insubstituíveis, da mes-
Sem dúvida, a situação própria às ciências da observação simplt
ma maneira que não podem ser descritos, a não ser por variáveis
fi ada e setorizada (por exemplo, a economia, a demografia, a iingüísti ,I
sempre à disposição de novas conceitualizações. Sujeitas a perder seu
ou as histórias especializadas nesses mesmos campos) autoriza Ullla
objeto, as ciências sintéticas da observação histórica efetivamente
(()rma debilitada de definição lógico-experimental dos conceitos, :10
propõem-se a buscar uma reconstrução interpretativa da realidade.
,,,'cço de uma aproximação epistemológica ainda tolerável. Contud(),
Por isso mesmo, elas não podem dar-se o direito de praticar outras
l'st' privilégio relativo se atémprecisamente ao fato de que as ciênCÍ;ls
autonomizações que não as provisórias e breves de um momento da
descrição ou de uma etapa...da constru~ão do objeto.
t, ~~

2, Voja :Ibnixo, apftlll o X ("O enullciado histórico"), para ;1 distillç:io entrc "in fi)I'IlIll~. o" "
.j, olllu:cinlCl1lo" .
tidoras do século XIX, as de Marx, Durkheim, Weber e Pareto, praticamente não tomaram
emprestado conceitos umas às outras, antes evitando o contato, a não ser no caso do marxismo,
\, II Alh,·, I dt's ' <:VC' II () "~Iibi ilill,il.ldu" hu scad o pelo ostllntc de ra ioclIlar ((' fl"ú pllli/IJ/ \ 1(11 ,111.1 11
11I11,lllllNc'V,IÇ; (l, 1I1t!(l IIn <:n OJltro da hipót·s · 'xpli ;Itiva , pode ser illl(llllada. :IÇ, () d r V,II i, V"I
tanto ostentatória quanto implicitamente. O destino dado pelos pesqUisadores a uma tentlva
"X lIII ' lI.IS (jl'" 'SI,I hip6 1l' SI' 1H'lltrnli\': n, SIlj1ollcl n-as ('ollSlallt es pUf St: lI j1I'ÓIU"o "lllllll 1,111 11
tardia de unificação conceituai, como a de Talcott Parsons (1937), abandonada em seu Isola-
mento acadêmico, serve muito bem como testemunha de que o ecumenismo não leva ao
" M IIII ,' II'I ,ltlllll~ III1I ,~" III '/llpU 't !J (1 ~(j5 ' 4()('· 434 ), : c'N te ".I,h," Ill r lOdtll 6g' l"Il q\J(' llIllI lI ll hl
paradigma. Os traços lingüísticos que deixaran1 nas formulações recentes ~as línguas t:ón cas loI r ll.II 'II" II " 1111 I I II ' I,', IlIw 1111 ,1., (j1l.Il1d .. S(" lIl l· litll" .1 " ~'I\IIIIi, .Id ll (" (lI MI" II" " '1\111I 01,1
rivais do século XIX permanecem mutuamente exclUSivas: a proporçao das cltaçoes ou '1"" I' " 1" ' ''"1' IIt ,I\, II ,II " I.II·X I"" 1I11C·lIt .I~ .lI ', M n' "IIIJ),'~ 1 1 ~ 11I I.IHSI \( l.tI (jIIC', C' p' 111" 11 ' 11 111,11 11

empréstimos feitos pelos sociólogos atuais ao cânon marxista ou ao v 'alado de socioloJ:ia J:cral de 11I1I001~II' dI' 1' "lltu llll l Il hJl~ 1'11 ~ IrI HIN dI! 1'",I~,111 " III',hll r lll ,11 (11 .1 PIIIII"I\I" 111 1111, I" I"
I ~"I IIi'III) , 1" ld l' ''" IS I II I I· IV.II II 11IIII' J/.~"" I ii ,II III JI II dIIIl SN. II HIlIIl " II "Voi lid lll l" ' 111'"1 111 " dll~
Pareto busca ainda hoje um indicador sensível à divcrsidad . dos climas icn tfli cos, se~uIlJ() as
" Idl.Jd " 1 "1" 11111" 11111 IIltlld .. " 1111 ,11 11 11 .11 1'11111 1111 111 ,1 11 Iii 1011111 1,, "1 11" 111 , VI' I,' I " lI l.l h l l"
correntes inte lectuais, os países, os grup 5 c as disci pltll.I\ 1 11<1.11111 ( 1'1',') I'. I,.)
.
t eona de tiorma c1"aSSlCa numa SItuação
. L
e Istemoló~uJ!l hIstoria
sociais particulares ou as histórias especializadas se fundamentam numa
discip-linar mostra que exclui o 12aradig!!!a:_as palavras se juntam às
autonomização semântica, mantida constante, de variáveis deflf!.Índo._
palavras, por impossibilidade de se organizarem em um sistema de
um sistema arcial da realidade históric , etapa essa cuja recusa ou
palavras capazes de expressar com durabilidade outros resultados qu
ultrapassagem definem particularmente o projeto das ciências integral-
não esses, sempre limitados a uma opção ou uma escola de pesquisa
mente históricas. Essa ultrapassagem não está desligada de uma ambição
que revelam o tempo de uma descoberta (na melhor das hipóteses) ) \1
arbitrária ou desmesurada; a ela recorrem as mesmas questões que as
de uma moda (na pior), a ilusão de haver enfim atualizado os princípi l N
ciências sociais particulares deixam em suspenso em seu movimento
teóricos de uma ciência "como as outras".
explicativo. Não se diga que a sociologia, a antropologia ou a história a
diminuem, pois as ciências sociais particulares estão sempre recorrendo 2. Entretanto, apesar e dentro do quadro desta anomia conceitual
a essas disciplinas do contexto para enriquecer de variáveis suplemen- generalizada, a sociologia existe, naquele sentido em que a esguisa
tares seus modelos curtos demais. sociológica está sempre produzindo séries de conhecimentos empíri os
e de interpretações conceituais cujas formu~2es - se juntamos Ull1:lS
Voltemos à sociologia porque, na generalidade das afirmações
às outras, ultrapassando as pretensões monopolísticas de seus autores
comparativas próprias a todas as ciências históricas, trata-se sempre do
estão s.emp-re acrescentando um ca ital descontínuo de inteligibilidad{ s
raciocínio sociológico. Para quem se atém à descrição lógica dos racio-
arCIaIS. Sem jamais juntar ou prolongarem-se, essas inteligibilidadl's
cínios reais da sociologia, sem deixar-se apanhar pelo encanto progra-
também jamais são completamente estranhas umas às outras; esta é UI) 1:1
mático de suas alegadas "vocações" ou sem deixar-se embalar por suas
forma paradoxal, mas muito real, de conhecimento científico para a
esperanças sempre renascentes em amanhãs teóricos mais sorridentes,
qual importa menos com'p utar filosoficamente os direitos a figu rar 11:1
em outras palavras, para quem se obriga a definir a sociologia pela
fileira das ciências de exercício pleno do que isolar o sentido teórico, s '
pesquisa sociológica em ação e esta por seus produtos acabados, iden-
desejamos organizar de maneira realista o trabalho comparativo q\l(
tificados como tais pela existência de um controle cruzado da produção
pode ser inscrito no máximo em um tal espaço assertórico.
sociológica e de um interconheâmento, mesmo que moderado, entre
sociólogos, dois fatos hoje caracterizam o estado observável do trabalho A não ser que desminta a si mesmo, o sociólogo só pode colo :11
científico na disciplina: a questão do status epistemológico da sociologia aceitando os fi tos
intelectuais que a descrição da observação do funcionamento da so io
1. O estado caótico da língua sociológica r~12resenta .2llleio
1 gia impõe. O conhecimento sociológico aparece-Ih~rimeiro com Se
[\ . "natural" _ entenda-se: insuperável, hoje - dos enunciados conceituais
qüencial·.-t a_soma do~ efeitos de inteligibilidade historicameult'
\,,\ ~'Z'l~\')" neste sentido em que ni6 há enunciado sociológico que escape às
pr duzidos e como tal reconhecidos por grupos de especialista, que
n :\- limitações de sentido e de 'público que o estado conflitante e arreben-
'- t.~\\. \\YtIa tado do campo teórico lhe determma. . Por maIS' d'Istante que o cara'ter t 'm cm comum certos princípios identificáveis do racionalismo i 'lI
I(flco. A observação permite verificar-se que os termos desta SOl1l:l
~'(,"r~'2.~olátil das categorizações sociológicas pudesse ser mantido em relação
<lU ' n50 se efetiva cm parte alguma, cqucr numa nota cicntfei a Ollll.l :-;
a um obstáculo provisório que fosse superado por uma obstinação
s(nt's 's ll1:\is exaustiva - ão enunciados c interpretados d' 111:Il1l'il,\
maior esta inconsistência teórica testemunha claramente uma dificul-
dade ~onstitutiva da conceitualização. O atravancamento da língua
,h 'r 'nt ' por 3d p 'ssoa. Do m 'SmO modo, aJorm{/ do radodll;o ÇOciCl
sociológica é a demonstração de uma situação teórica específica, pois
/c.C!irn s6 pock S 'r i 1 Iltifi a b na divcrsic.1ad ' dos Jl1 'lodos d, Olllp:ll ,l
~ , \n a (\11 ' I'l' Ort't'lll :IS Iwsqllis:ls passa bs l' :\tlmis. A postura 'piSft 'IlH)
historicamente não é outra coisa senão o resultado acumulado dos
Inf',u ,I, <t"<' (It· fllllll t olno SOl mlngit 0\1111 h;lh,tlho suha' d,ldos II11, toll
esforços de clarificação dos sociólogos t~imosos, sucessiva ou simulta-
IIIN, IIl.11l1f(·Nt.\ HI.I 11 111(1.,, 1(, ,lt l .IV('H dI' HIlI ,1 :III1Jl I'I ,',. \111,1 de' 11 .111110.
neamente, para dotar sua disciplina de uma nova coerência conceituai.
1I11'11Id01"1\1I I) , II.dulid,ll lt ~ Irl 1\11 I
Ou seja, os esfor os dos sociólogos esm rando-se cm construir uma
A sociologia é ao mesmo tempo, este conjunto seqüencial de do a suas construções unilaterais. Portanto, está condenada a u m uso
conhecimentos e este couj.un1.o..J:e1alhado-".e....raciocínios - em outras móvel e alternativo dos conceitos ditados por seu projeto de elaboraI
palavras: ao mesmo tempo, um conjunto de construções teóricas ba- perfis comparados de relações e sistemas de relações, necessariamenl '
E>\? \\ t,'I\}\~ seadas na observação que, no entanto, não se deixam coordenar sem tão variados quanto os princípios de descrição, de categorização e d '
\ ,,~,~ alguma teoria geral dos sistemas sociais, e também um conjunto de comparação que ela se pode sucessivamente proporcionar. Se o léxi o
'I) \j ~ \ D opções epistemológicas da mesma família que nenhuma pesquisa ex- básico serve neste caso mais dificilmente do que em outros lugares,
"'I:) ~1Jt\ pressa de maneira idêntica. Como totalidade, a sociologia não se deixa senão de qualquer modo, as exigências teóricas da formulação das
~\~ (j'l\. -s~ (J tOJ;llizar em_l1enhum discurso atual; mas é também fato que ela impõe generalidades científicas, pelo menos, pode-se precisar o rela~ionamen ­
~ \ sua existência como princípio regulador dos métodos e dos enunciados to entre teoria e observação no qual, ao preço de uma particularização
C\)~ U~t ropriamente sociológicos, já que ela propõe a todos o~12esquisadores de vigilância semântica, é possível usar as palavras de forma a que elas
SfJ ~ ~\~~~{) um con'unto virtual, jamais utilizável integr.al ou sis~mati~amente, de não prestem um mau serviço nem à comunicação dos resultados, nem
~ princípios de cOlJb~cim5aUQS..j~._ÇrWlo-s~intcligibjlid~a...&e Tomar a à construção dos objetos da investigação e, sobretudo, nem ao pleno
\I \ medida das particularidades do enunciado e do raciocínio ligados a esta uso do método comparativo e tip-ológico qt,te constitui o valot científico
\\~i0\~ Ç) situação pode, no mínimo, dispensar esforços vãos e onerosos para do projeto das ciências históricas.
*~%~~ imitar verbalmente no raciocínio sociológico uma lógica de enunciado
Podemos apreender algo da situação de fato lógica das palavras dn
~~~' _pertinente apenas em condições muito diferentes da observação e da
~ \l." '" c ategorização, localizando-se o princípio da dificuldade teórica fora de língua da sociologia pela análise dos obstáculos que, IQgo de saída,
'ncontra a tentativa de tratá-los como conceitos constitutivos de UI1l
~ DI0\\ ~'Uma hipotética 'juventude" da ciência sociológica - circunstância ate-
sistema de categorias que levam a um questionamento articulado ,h
nuante defendida há muito tempo para ser ainda convincente. 4
I 'alidade social. Na verdade, basta submeter essas palavras a uma prov.l

Como o modelo hi~oté~ico dedutivo que fundamenta a possibi- t uma a que fundamenta pela "definição genética" o sentido dos coo

lidade das definições lógico-experimentais não poderia explicar a argu- I (, itos funcionais, não apenas nas ciências da natureza, mas até mesmo

mentação sociológica sem caricaturar o verdadeiro papel que aí II .IS iências sociais particulares, para perceber-se que as noções-chave
desempenham os conceitos, nem orientar seu andamento sem desgar- (I.I sociologia não estão ligadas de maneira constante e unívoca ;1
rá-lo, mas leva-o a perseguir a miragem de uma teoria geral, que I 'pt' rn ç cs formais, organizando um corpo de observações que pode S!: I
supostamente poderia obter-lhe dedutivamente seus protocolos de 1\(' 11 'ralizado pelos m eios de indução ou resumido em u m protocolo

experiência, é pela observaçã.o e à medida que se desenvolvem empiri- tipo, 'uj o enunciado esgotaria o conhecimento útil das condições da
camente, que cabe definir 6$ serviços que estes poderiam exigir de um (,11 ' \' 1 vnção.
campo teórico tão rico em recursos quanto em descontinuidades, em
( ualquer docente que tenha procurado constituir um I ~X l( ()
função de suas necessidades semânticas. Na verdade, a...pesq isa so i -
I I( Inl(lgi 'o pnra us de seus alu nos sem outra ambição qu :\ dI'
ló 'ca, na medida em ue conse e roduzir in't <:Jigj~ilidade s , pJ'g cede
1111 111\( 1.11' sua I ·itllrn das obras, pr porciona nd o-Ihcs um rep 'rt(uio do
or veredas teóricas ue sem re~começ~m , porql}e jamais são comple-
I 1I 111 ") S (' IIl ~ llt lt() 0111 os termos mais (n.:qüe ntcs o u m:lis ,fi a:tt'S d.1
tamente separáveis da literalidade dos enunciados que conferem senti-
1111\11.1 da p('s<]lI isa, guarda a lt m bran a da d 'si lusiio d 'st:l intern lin () vd
I III / ,1 (' , ~(l l II (' t lIdo, dI I :11 li io didfltlco 'lu • () es«)rço de illlObili:t,1I Iw l.l
di /111 1 .10 d.l:' IHH, IWS q ll \' ~ l' llIp ll' d l'V('1I1 slI as CO II SCq íi C: 1l ias de IIIII' I!
1' "III III."k ,ln (II I/!/',' !O p.III H td:1I d .1 Ill SqI Il S:1 <iI I( ()J/'.. IIII Zm:l ll J (OlH e I
III 11111 11111 I (I I I '111\ ' ('II:;('~ (1III t!' tn~ d lVrl lo rfll ,Id\l/> .H\ lItflllltll SI'I',lIlld"
4. A defesa, convidando os impacientes a esperar no amanhã a saída do túnel teórico. fo i il1lci;tda
desde Augusto Comte; M erton (s/d : 9-24) ainda hoj e defende o argumCl1 lO. I 111111 1 ( 1( ', III( Itld ll llll',lI , I ~, III ,' (tdttll .II . , (". I tl l.l dI' 11I'11 i'! ,lIlH ' lltt, nll

II
ciclos de renovação manifestem grande coisa sobre a "acumulativida- dade dos empregos descritivos que marcaram a história dos 111 .11 1'\
de",s que, mais ou menos nas revoluções científicas, aliás, testemunha eficazes ou mais gerais entre eles . A heterogeneidade teórica que di sso
a existência e ação reguladoras de "paradigmas". resulta pode muito bem ser reduzida ou dissimulada nos léxicos Il'
manuais que, imitando as "definições de palavras" próprias dos di io
Nas ciências sociais opõem-se dois obstáculos, à primeira ~ta
nários de língua, limitam-se a assegurar a legibilidade literal dos textos
inversos,-para a_criaçã.p e articula ão daLd_efinições. Por um lado, ~
onde constam. Ela está sempre ressurgindo nas opções de raciocínio,
esguemas mais . erais da desi . a ão dos ob' etos ou das reJaç.õ_e.s...snciQ-
método ou formulação que o pesquisador usa recorrendo a um con 'i
~wesentam-se como ue indissociáveis de seu passado funcio-

~
to, cujo domínio teórico só mantém se for capaz de deixar disponfw l
. ~ '\ ~ue, por mais diverso ou contraditório que tenha sido, constitui
atrás da palavra o cor~unto de potencialidades semânticas que defincll l
~ \ e.'J ~ ~'-entretanto seu verdadeiro campo semântico: os conceitos sociológicos
e definiram suas pertinências funcionais ou argumentativas em toda SII .I
,,\'lI... ~e.~~~t\nais gerais não podem ser desindexados da série completa dos efeitos
f\\1).. ~ ~\~\~ tle conhecimento e inteligibilidade que virtualmente totalizam. Por outro
amplitude. Também não há reflexão geral que possa economiz<lr ,I
redefinição por que um projeto particular de pesquisa a submett·,
:bc:, r[\ \,;.
f.pdo, para os termos mais precisos, ou seja, para os mais estreitamente
através do balanço puramente teórico de um conceito que con entl .1
indexados sobre as relações de fato que resumem, nos deparamos com
® a ausência de articulação teórica em relação a outros conceitos do
numa definição todos os traços que lhe são pertinentes .
\ L \ _ mesmo nível ou de nível superior. Poucos termos da sociolo _.a escaI2.am Pensemos nos conceitos sociológicos mais controvertid s, '1 11 1'
~\\ \~ ao dilema de serem teóricos demais (ou seja, pouco unívocos demais são também os mais inevitáveis, como os da série "classe", "intert'ssl''',
~~ t,~~\\~por terem servido para questionamentos ao mesmo tempo insubstituí- "conflito", "dominação", que, com essas palavras ou outras, impõem M'
& veis e análogos, sem que nenhum tenha conseguido tornar os outros para enunciar hipóteses e resultados sobre as relações de força l: lIh I
®\j\\~ ~~obsoletos)-º-u muito l2ouco teóricos (ou seja, particulares demais para grupos. Pensemos na série "integração", "anomia", "regulamen ta .10",
~\l ~ dispor de um poder utilizável de generalização ou de analogia, uma vez "dissidência", que categoriza, por mais implicitamente que sej a, qual
~
~\J ',\~ '"
~''"' ·abstraídos do material limitado cuias:J
relações limitam-se a es. tenogra- quer questionamento sobre a mais simples das relações sociais. ) \1 ,
far). Os çonçeitos sociológicos sªo polimo os ou estenogr4flCos~a~.!il2olo- .Iinda, na série que logicamente paira sobre qualquer formul ação ( PI(
gias históricas se constroem com um material co~ceitual que justa diga respeito ao funcionamento social e mais estreitamente do qlH'
bstra ão o muito e o muito ouco. qualquer outra associada aos únicos métodos e aplicações capazcs d I'
di stinguir esses algoritmos conceituais dos eixos retóricos com o Il H'S
IIlO nome: "estrutura", "sistema", "instituição" ou "função". Em sitlJ,1
1. OS CONCEITOS POLIMORFOS:
_
'~CUMULA-
,",O de pesquisa, qualquer tentativa para encerrar esses conccitos 11 0s
t.~

ÇAO" E "PARADIGMAS" Il1nite dc uma dcfinição genérica que entesourasse para quai. qUl'1 fill s
O primeiro obstáculo que se opõe a uma delimitação rigorosa do IIt l· is seu vai r operacional, os reduz imediatamcnte a pálidos r 's! IIIW,
campo semântico dos conceitos sociológicos diz respeito à multiplici- I·M·olan.:s, onccntrados inoperantes de ass ciaçõe vcrbais cm Íll 1(·x.1
1 ,10 ou vi gor. l 's s6 r"11 ontram sua força hcurística na d 'S ri fio Oll

11,1 '1II(lIis .. quando os J"sultados que p ' 1'I1Iilir:lInoll c ' jtHa1i:t,nr, COIIII'
II N h':II :\llWlltos ti ' dadoS :1 <1" · lcvilr:llll S' ! 'sdobralll pOkn i:lblll ' llll
di.\lIil' do pt's(JllÍ sadOl p ,ll"a s lI g t I Í1 - lhl' opç )('s tIL· oll s llll n o lI ll di
5. Se. como aconselha Merton, bastasse multiplicar as etapas de "derivação" e "codificação" para
1'\("l lIdol ll/', I,1 <t I II' ,.lIl1ais S: IO ll.lb.dll.ld.IS pi ·hlllJII .lIl1lt' lll t' .111.IVI·S di
gerar proposições que generalizam o alcance das observações de base ou que por dedução
formulam novos protocolos experimentais, não se vê por que essas operações indutivas ou 11111 .1 " !l0. 1 ddllll c., II' ''. lI\(" ~ III() M· l.ld . 1 Jm l 11111 ,111' 1111 .1,.1 (1 IIIIpI OV, ll l.l , p O I
dedutivas dão errado com certa regularidade, ou só se realizam nas aproximações verbais da I . 1I IIIIpI IlV.II.,IH" d eve lll 1 111JlI(' ',1 1 1l1l"Í II N.
exposição didática ou da síntese crítica (Merton s/d: 27-44) .

I' 1\
Séries operatórias ções realizadas por uma sociologia de tipoweberiano entre condiçou,
sócio-econômicas e predisposições culturais como a uma forma d,
Para evocar apenas algumas das fecundas potencialidades que
religiosidade. Pode também mobilizar mais uma vez para novos ti S, I!,
mantêm um conceito pesado como o de "classe social", o de ser
o questionamento da noção saussuriana de "massa falante" p!lI
somente subentendidos, propícios unicamente aos raciocínios pelas
descrições como as da sócio-lingüística de Bernstein ou de Labov. ()
conotações ou pelas afiliações momentâneas, imaginaremos as enor-
questionamento heurístico só se torna preciso quando é capaz d('
mes e trabalhosas seqüências de análises de porções que é preciso
colocar emjogo os métodos e os balanços de investigações d e d ica d : ~ s
mobilizar para realmente nos apropriarmos de algo de seu poder
à variação social das práticas da educação ou da moral, da alimenta :lO
teórico, ou seja, de sua capacidade conceituaI de recorrer a cadeias
ou da estética. As pesquisas que geram suas hipóteses em cimo d.1
ou redes inteligíveis de relações. Evidentemente, não é num tratado
diferenciação e reprodução sociais, tomando como princípio ap ' 11 .1:-
de "materialismo histórico" e muito menos num manual de classifi-
os acessórios sócio-econômicos, devem também suas propried:HIl':-
cação quase zoológica que se esmerasse em especificar o gênero
e suas conseqüências às relações de força que as distinguem nUIII .I
"grupo social" por n diferenças especificas que se encontrará o modo de
estrutura de p--º-Sições e oposições. A série operatória repousa soh.,
(J 1'1'1\~ tr\\t'iIlZ.I' prego pr,onto a gerar por dedução as hipóteses de uma observação
I, 6 as pesquisas consagradas à "estratificação social" que, identific:\ Il< 11I
~ 0~\' \~ empírica . E na coexistência, arranjada pelo passado sociológico, das através de um jogo variável de critérios empíricos os estratos s6 II I
Xj~~\ ~~rI jlS
séries teóricas, ao mesmo tempo autônomas e análogas, que reside o
equivalente operatório de uma definição integrada ou polida, impos-
econômicos como objetos a descrever, monográfica ou difcn:ll ( 1.11
mente, assumem as categorias sociais como categorizadores faC (II.II ·,
sível ou inútil. A alavra para "classe" nem por isso é um simples
do recenseamento dos dados. Na verdade, ..q.u.aJ..quer pesqui sa qIH
jo o de Qalavras em cima de conceitos diferentes: refere-se mais a
uma realidade teóriSl~ um lugar no campo socioLQgicQ onde o pes.-
deve obter o conhecimento de novas re~ões
em p!:incípios rc ft,!'t· I I· I
tes à..hip-ót<de mínima de que_certªs cg.tegorizações empíricas ex pll .
quisador deve se colocar mentalmente para proporcionar-se todas as
cam melhor que outras a variação das práticas e das oportunid a d ('~
oportunidades de municiar de perguntas descritivas e hipóteses
sociais, contribui mais (por "pior definidos" que estejam os CO Il eiII l~
analógicas um trabalho metódico de interpretação da diferenciação
finais) para enriquecer a definição da "classe social" do qu e todos ()~ \
ou desigualdade sociais.
csfo.r.ç_QS_de_e.s..chr..ecÜ:nen1-o p-LeJi!ninar (ou puramente teórico) qUl'
Enquanto conceito de pesquisa, o conceito de "classe social" se sem..,Rre conduzem apenas ao aperfeiçoamento gramatical das f0 1'l1111 1\,
apresenta inicialmente como uma encruzilhada de séries operatórias que só laçQes, no mQmento em que são cortados dos atos da pesqu is, .
pode ser sintetizada por um~ fórmula canônica, mas onde podemos nos
Do mesmo modo, um repertório que classifique 10gicarn l.'lltl' ()~
colocar para questionar, ~fu função de um projeto de observação, as
diversos sentidos do conceito de "estrutura" não permite absolul <1 1l 1(' 11
análises históricas (marxistas, schumpeterianas ou outras) que asso-
te mais do que m emori zar sinoticamente algumas regras «) IIl I. II ~,
ciam os relacionamentos sociais aos econômicos ou aos confrontos
l'spccífi cas ou c mUl1S aos diferentes usos da palavra - regras C11 1l' S. II'
políticos. Este questionamento da mesma forma se dirige às associa-
II t' 'ssa riam cnte m ais útcis quando defin em operações dcpenel ' 111" 1> d,
I it: lI i:\s l~() ol0 ' to G, cm si, uma ' l1tidade Fc rl11 al o m o C III 16gi'.I I 11I
7
,' II! l\l at '1115ti :1. O COII d to so jo!ôgico d<.:" 's tl'\llurn" n::1"l1 clIl ,· lI ,tI '

6. Para as definições "zoológicas" em sociologia, veja abaixo, no capítulo VI, "Os controles
ilusórios", onde as conceitualizações de conceitualizações são analisadas mais det.1lhadamentc
a respeito da definição gurvitchiana da "classe social",
I . 1'.11 ., 11111 11'1" '1""11 '1'" ,. 11111 '"111' ,I'"I~' II' ' 1111 11 1111 , 11'11111" ' • 1'1'1' 11.1 111 1, (1'11. ')
revela sua aptidão para gerar métodos sistemáticos de tratamento de resume sua estrutura, separando dos enunciados indexados o plan dl'
dados, a não ser quando nos referimos concretamente a análises estrutu- sua enunciação, deixa escapar o essencial da inteligibilidade conquista la
rais. O ato semântico que descreve o conceito de "estrutura" não se por um tratamento de dados cujos resultados só se expressam de modn
r-
~x. .1 esgota numa "descrição definida", pois uma parte de seu sentido supõe
9
integral na língua natural •
a "designação" de análises empíricas que existem sempre, quando
tC\f\\.C"Ç,\to Um teste positivo da pertinência metodológica de um pro edi-
produzem a inteligibilidade de uma realidade histórica mais e algo mento formalizado é o mesmo que registrar semelhante perda de sentido
~ diferente da aplicação de um modelo formal a um material qualquer. quando da passagem dos enunciados empiricamente indexados para ()
~~\'y~QJ: Nos documentos comparativos de Dumézil ou de Lévi-Strauss, nas
8 enunciado formalizado de sua lógica de enunciação. O teste se rev-b
reconstruções de campos semânticos como as Trier e Benveniste e, devastador quando, feito no sentido inverso, revela a ausência dl'
mais geralmente, em qualquer análise estrutural diante de seus métodos qualquer ganho semântico na passagem de uma formulação estrutural
de construção - específicos a cada momento, pelo fato de aplicarem-se para a descrição do material estruturado segundo as regras formais.
mais a um campo de atividades do que a outro, mais ao espaço do que Verifica-se isto em muitas ~' análises automáticas do discurso", tão ri :1:-1
à língua, por exemplo (ou ainda, no caso da língua, ao nível retórico cm analisadores e operações de análise exaustiva quanto incapaz 'S ctt
mais do que ao nível lexicológico ou metafórico) - é que se desdobram prever - ou, mais simplesmente, de "caracterizar" - qualquer proprit'
as séries operatórias, as únicas a dar suporte à fecundidade antropológica dade que seja nos dados submetidos ao tratamento computadorizado,
ou lingüística do conceito de "estrutura" e que sempre existem antes graças à estruturação que o programa produz (cE Gardin 1974: 7-W) ,
dos planos, resumindo logo depois e muitas vezes para fins autonomi- Em outras palavras, a definição operatória do termo "estrutura" ou, se-
zados de escrita lógica, o esquema reescreve uma etapa do conhecimen- preferimos, a matri z 5emântica de suas inúmeras definições reslClr
to empírico. l1urrruoma de séries análogas cuja invariante fQ!mal , no máxim ) IIttl
Nos caminhos criativos de uma análise estrutural, não são jamais para o controle lógico da coerência (em geral hiperatrofiada pela au to
as virtudes pré-fabricadas de um automatismo lógico, mas as exigências Ilomização de um projeto logicista),jamais permitiria que reencontro s
indissociáveis da observação do material, da singularidade das coleções semos dedutivamente e menos ainda que inventássemos "aplicaçõ 's",
e dos "casos" (como hipóteses indexadas em seu sentido), que orientam s' ignorássemos a lógica prática do material a que se "aplica". Nas
a construção de analogias capazes de explicá-la, ou seja, de produzir um ' ( i ~ ncias históricas o conhecimento dos fenômenos se evapora à medld,l
efeito próprio de conhecimento histórico. Na comunicação dos resul- que a formula ão se enriq,!lece. Formalizando-a, estamos sempre nos
tados notar-se-á, simetricamente, que o sentido (sociológico, etnológi- .II-riscando a produzir a ilusão de que seja a "aplicação" de prin (pios
co ou lingüístico) das conêllIsões obtidas por uma análise estrutural não Immais de que na realidade ela constitui o princípio de intel igibi lidatk'.
se transmite utilmente e ' não se mantém mais intato do que nos por mais que a inteligibilidade que contivesse fosse capaz de s br 'viv "
· 10
enunciados que formalmente dizem respeito ao material analisado. O .1 es te proce d lmento . 1\
enunciado formal do modelo lógico que permitiu organizá-los e que
(~ \ II

( \) I'í\

8. Para os poucos nomes próprios que aparecem aqui como exemplo, verifica-se logo que uma I} Illtl r I 111 , vrl,I ,lI h.llll r , II .I ~ " I'II IPIl I ~ r ", () r NI (\1111 4 d ~ p lOp \. 1 I
defmição que visasse dispensar o conhecimento das obras citadas através de um resumo formal
não poderia substituir as referências: para Georges Dumézil (pelo menos 1949: 15-46 ou 1952: ln \1I1"r II 11'1111 , 1I11 111 11111 ., I '" I J1I1l I ~ d ll II U 1" 'NIPO J, 'I" .1 1'.' 1111"111 dll "pi . III II" .111 "1111111.,1 "
5-39); para Lévi-Strauss (pelo menos 1964, I) ; para Trier (1 966: 90-94) ; para Benvcn iste (1 969) 1'"l1 hw, VI', I 111111 11 11"11 ( 1'11 1'.'1 17'lr 00 ' 11 ), I'.lhlll "11 1 1' '1 11'" 1>1 dllli·KIII • • III.U.
)\'101 111 11'111. , dll 1\.,111 11 111. VI ,•• (:lIl1 ly (1'11'1)
etc.

II
Vt-se perfeitamente a objeção que semelhante descrição do status pode descuidar sem renunciar a descrever as condições reais do l XI' I
dos conceitos sociológicos faz ao lógico: não será simples acidente ou, ício mental das ocupações da sociologia, da história e da antropoll11',1.1
no caso, descuido terminológico, se a mesma palavra abrange conceitos
Não se quer dizer que o pesquisador jamais se sinta j usti(I('.lIlll
diferentes, podendo cada um ter uma definição distinta num sistema
para utilizar livremente os conceitos-encruzilhada em seus enul) l:Id, 1
teórico (autor, escola ou esfera de influência)? Um verdadeiro léxico
ou para deleitar- se literariamente com os efeitos de arco-íris au t()l'i ~,ad, 1
não teria por tarefa precisamente isolar esses conceitos sob sucessivas
pelo nevoeiro semântico. Muito pelo contrário, para a COns ll ll ~. 1I 1
rubricas? Esta questão supõe que se empreste o mesmostatus semântico
tipológica e para a formulação das hipóteses importa escolher ' 's L1 11l
a todos os conceitos científicos. No fato de cada termo gerar então um
lizar em cada caso uma combinação específica de componentes d~'M II
repertório tão amplo quanto o consagrado por Kroeber (1952) aos
tivos como quadro regulador da enunciação das genera lid .lcll
sentidos antropológicos e sociológicos do termo "cultura" j á encontra-
Contudo, precisamente essa tarefa de particularização e reorga lJ i1..H•.I' I
mos um indício da particularidade do campo conceituai próprio às
sl:mânticas está sempre condicionada à mobilização prelim inar d '1'1(-1H'/-I
ciências sociais. Útil como recapitulação, o recorte próprio desse tipo
ç nceituais que obtêm do pesquisador um conhecimento ta nto 111.11',
de repertório deixa escapar precisamente a função de que a analogia dos
preciso de suas probabilidades de renovar a observação quanto l11ai ~ d . l ~
sentidos se desonera como indutora de hipóteses, reconstrutora da
diversificam o campo de seu questionamento. Em outras palavras, .1
observação e geradora de métodos, acentuando o isolamento conceituai
analogia entre os sentidos dos conceitos-encruzilhada obriga a 1111 1.1
dos empregos possíveis.~ressão "analogia teórica" não visa sugerir
fê.mn a (ou uma etapa) do trabalho de enunciação das hipóteses ( lIjll
aqui uma propriedade como a que caracteriza os imbricamentos, im-
desconhecimento, que de qualquer modo altera a causa da dcs 11 ~, 1C I
possíveis de analisar completamente, que constituem o campo s~mân­
realista do trabalho sociológico, só pode levar a minimizar as per:\ç\ Il'~
tico de uma palavra no funcionamento da língua comum - campo
II C essariamente implícitas pelo estado do campo teórico.
rebelde, sabemos, para o perfeito isolamento das "unidades semânticas
mínimas". Deseja-se apenas descrever um tipo móvel de funcionamen::... N ão é para satisfazer a nostalgia erudita dos amantes de h is It'1I 1.1
to semântico, indissociável dos andamentos flue- todo raciocínio socio- lh teoria~ mas para existir enquanto tais (ou melhor, enquantl OI.<!11/1Í
lQg!co efe tiv",ª-men~ PI~tiçª: a proximidade conceituai de uma série de adores teóricos da pesquisa) flu~ os conce itoLsociol ó~cos exigc1I1 11111
sentidos descritivos incapazes de organizarem-se num sistema unifica- ( ollhccim ento de ..s..e u passado. A memória teórica de u ma ciên í:I HI I ~ I ·
do ou em sistemas suficientemente alternativos para gerar proposições I()rna redundante quando a -ação de "paradigmas" se manifesta 1111
universais capazes de recorrer a um "protocolo falsificador" no sentido <;~' I Hi do em que Kuhn os vê im pondo-se sucessivamente na histÓ I1.1 d .l ~
de Popper!!, em compens~ção obtém para o pesquisador um espaço de I 1t: 1l i"s da natureza. N as ciências históricas, em que nenhuma I' VIl!1I

interpretação propício à c'c)!nstrução de novos conceitos, evidentemente ". U ) tt.:6rica j amais fcz tábula rasa do passado, a exigência dc 11 111.1

dentro do princípio de um alongamento contínuo das séries conceituais I Ill'1ll6ri:l conceituai não tem mcdida com um com o alijallH': 111 0 dll
utilizáveis (e, portanto, da inflação terminológica), mas de que não se p.lSsado tcóri () da disciplina que au toriza o domínio do sentido dll'.
(ll1HT IlnS uas dis iplinas ' spe ializadas - tant na c 0!1011 li:1 (OIlHl 11 .1
d l -lIH1gl a(la , 11 .1 !tI l ' i\ísti ';\ 0 111 0 na ps icologia cxp 'rilll 'nta l, .1 IIpI,. I"
c Il1l n ·iltla) 'strt Sill lplilicada peh l'Sp' ia lil':aç:'o r '!:lliv;l dos )1 11l 1',I.I III;t ·.
Iil- p ("~ qtll sa . N l'~lt' C:ISO, os OIl';lll il': adol"l's l '()ricos do call1po ti ' IX.11 11 c

11. Encontraremos nas conclusões, grau 3 das "Proposições", uma análise mais detalhada das I( 111111 l' llI 11111 IItJlllrtO pl' q\l l' II 0 d(' s flll 'Sl':' q ll t' , 11('1.\ SOIlI.I , tIl! ,~ 1111l
razões que impedem que as ciências históricas se prevaleçam da "refutabi lidade" como ,,".l lI do PC ' I 111.1111'( (' II I ( Illll 1111( 1111 S, PI( II t 11.11Il \111 1.1 I ri (li 11 1\ ti ,II, .111 I ( (I
logicam ente definida por K. Popper em sua obra clássica_ O conjunto das "Propos ições"
determina as razões que inscrevem as proposições históricas das ciênc ias so c i ~is Illl m pspnío 1IIIIltÍI ,I d .1 1t 1 ~ 1 1I1 1.1 d ,1 11"1111 .1 (ti" . llll l ~'.(l', (llI d l( I IIIH -III Il, .11 1'1111111 111
afirmativo não-popperiatlO_ )llll II! 111111,'.1,1•. 111 1111111.11111. \ 11IIpll·... I VI I tl llI llI .1 LilI I, 1111\"1'. 11 III L,

I)
probabilidade igual de fecundidade heurística de que dispõem vastas Na verdade, há poucos conceitos forjados desde esta épo a, 110
séries de planos descritivos e interpretativos que, na ausência de para- quadro dos contructos egressos da observação ou medida comparat l v , I~,
digmas unificados, não poderiam ser adequadamente restituídos por que não estejam ainda hoje presentes e utilizáveis no campo dI l~ I
um reduzido quinhão de operadores, se pelo menos se pretende dis- questionamentos descritivos onde se orienta o sociólogo contempol.l
tinguir as reformulações operatórias do encaixe descontrolado dos neo - ele tem, portanto, um permanente interesse em reapropri:lI />1
significados como compromissos sintáxicos entre formulações, das condições originais de sua pertinência operatória para reativ:\I ,I
força heurística, que em geral encontra na evolução dos métodos ' 11.1
renovação das observações um aumento de potência~ As construçr)(·~
conceituais mais_ antigas certamente devem certos de seus senliclo~,
Um voto piedoso de Merton
anexos e de suas o ões de alavras ou mesmo rincí ios a e ectativ,ll.
É o papel heurístico do passado teórico, presente direta ou alusi- filosóficas de é oca; isto não deveria excluí-las do cam o da pesquisa.
vamente nas partes mais vivas do léxico sociológico, que torna inope- para utilizar este argumento purista é preciso ter os olhos da fé positl
1\ - ante a distin ão mertoniana entre "teoria soci ' giç.<La..tualmeD..te- , vista que ingenuamente se impede perceber vínculos análogos II .I!'.
[\ \~~~~ v~lida" e "história das teorias": a clássica incita ão pela qual Me t ill.,_ teorias contemporâneas; ou a segurança dos filósofos da pós-m d ', III
~~ C,,~~\~~ parafraseando Whitehead, onvidava a_p-esguisa socioló . ' ca a afirmar dade que se destacam em persuadir, com um franzir de sobran ·Ib:tl-o.
~I N\~Y;C'l~ sua cientificidade no "olvido de seus fundadore.s" apare~e ,depressa para que as filosofias do século XIX detinham o monopólio maléfic'o ti l
o lexicólogo que pretendesse realmente fazer para seu leXlco um reper- desviar as ciências do homem, por sua conivência com um racionnll1i lllll
tório "útil", ou seja, "utilizável hoje", como um desses slogans cuja científico hoje ultrapassado,
virtude se esgota na batida exortatória (Merton s/d: 1-3), Sem dúvida,
a pesquisa (retomando o exemplo muito bem escolhido por Merton)
pode isentar-se de arrastar atrás de si a sociologia de Spencer ou a lei .1s meadas conceituais
dos três estados de Auguste Comte, Contudo," é precisamente porque
essas sínteses programáticas absolutamente não criavam, através de suas Falar em "história das teorias" para designar a extensão virtual do
categorizações ou seus princípios, a exigência de observação ou de I .\lUpO teórico hoje utilizável simplifica ainda mais sua diversidade, A
I ollsiderá-Io em toda sua extensão útil, o campo das teorias sociol ')gjr.l~
tratamentos empíricos que teriam sido impensáveis no quadro da
.+. reflexão histórica ou filosófica já constituída, Em compensação, pelo II .HI se constitui apenas de um passado linear de obras e trabalhos. Eh

t\) \e.~"\~ final do século XIX, atrl;lvés de investigações e conceitualizações da I' M'gme nta em tantos setores quanto as áreas culturais e afi l i;\~m'~
~c \-(~\\:.1>..t ~ sociologia histórica alerrii, da escola sociológica francesa ou das antro- I , I ~ t 'Iltes onde se realizou uma pesquisa histórica metodi :lI1l t'Jl II

\I f~t.ld a. Por sua vez, cada um de ses subcampos é rico, não cI' 11111
~i ~ pologias anglo-saxônicas, quando se desenham os esboços de uma nova
&~ tu\.) ~ postura científica que se expressa em conceitualizações indissociá~eis 1'.1 ',Ido singular onde se realizaria u ma históri a tcóri a ind 'P '1ltklllt
1~~ ~~~' dos métodos de tratamento de ~a~os em que estas ganham sent1~o, (1" II .llIsGn ia d' uma acumul ação s 'torL I d' r 's ultados), mas tIL, tod ,1

\le\) ~I:'l~
I
\ <, () ,> instalam-se os quadros metodologIcos de todas as etapas da pesqmsa
'
como é hoje praticada, Se o aperfelçoamento e a d'lverSl'filCaçao
- dos
11111.1 :,(- ti ' d ' 'mpr {stil11oS 'd' inO li ~ \1 ias. SS:lS tro as se L' II 1r '('\ 11/',1
A

11111 M IIlj :l\\l a i s se L'stnl iiizar, ti 'slo :\J\ lo St' II S Ou os seg\llldo as d011l1

~1l_~~ ~ instrumentos da argumentação sociológica não deixaram de consoli- II . II'H'~ IlIl t· 1'{ tll.lis (EWllp:1 \l O 111 ('jll do S(-( 1I1o, t'l \1 sq~ lIid , 1 Alll r lll .I) .
~e.~~'OO ,~

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deixou de recomeçar, no final das contas e o conjunto os meiOS
'- -
\\)~. dar-se desde então e se a conceitualização das bases a escnçao Jamals
d
intelectuais assim justapostos que se impõe, em sua totalidade tateante
-
, ti I' 11-p,llllIlI t l,\(ks t 1(' 111 fl c:ls (1.11110.1 , 111 ~ It St IIISIIl II( .1, q" ,lJlt o ,I .1 1I ,tI .\I'
ljlllll tlt.III V.I, SI' 1I1 1.11.11 d,1 1> 1111111 ,1 III S d ,1 11' 11' 11 II( 1.1 1'1110101',11,1), d ,1
111111 1I!.\lI'I .. III II'IIIV,IV(' I.,I· IIIII' I III 11' 11 11', 1('(IIU ,I" ( . IlIrI, Mu 1\('10., 1',111
tatus atual do campo sociológico, til 1111 ,11111111'1 tl'l) (' 11\ , \lI Il IIl . I ~ 1',11 1111111 .11 II 1',.u llI'" 111 .11 .. /tI '1/11'1111
[
mente por benefício de inventário (Marx leitor de Morgan, Weber ou aqui ou ali impor sua lei, mais do que as virtudes negativas do dO/'.1Jl.1
Mannheim leitores de Marx; Merton leitor de Weber e Durkheim, tismo ou do academicismo. A descrição realista que leva a recolJlwl , I
Parsons ou Gurvitch leitores universais). a mobilidade perpétua (outros dirão agitação anárquica) dos liJ1liks d.1
pesquisa, ao mesmo tempo designa esta corifiguração paradoxa.! CI li 110 \
Contrariamente a um lugar comum, talvez mesmo entre os so-
estado real do campo teórico da sociologia, fora do qual toda pr 'tCII S. IP
ciólogos, a Europa também não tem neste campo o privilégio da
a uma afirmação sobre a realidade social é pura e simplesmente filos, )(1,1
balcanização. Uma língua sociológica como a que se emprega hoje do
ou literatura. Por isso mesmo se coloca o único guestionamento pr:'Í li, , )
outro lado do Atlântico apresenta apenas um aspecto superficial de
que im120rta a0 esguisador: como utilizar com algum rigor lógico III>
,\ homogeneidade lingüística. Conhece-se sua propensão para recobrir os
C\nl\~ recursos teóricos u..t:~sse campo a resenta ~<:.~tado disperso? C OI " "
'- sinais exteriores da cientificidade - "acumulatividade" imitada pelo
evitar ser vítima das ambigüidades que a polissemia dos conceitos t'S !.1
~<:, C,S. estilo das referências e notas, ostentação da fixidez do vocabulário,
sempre reintroduzindo na formulação das hipóteses e dos re!lu ltadol,
~~~-s).x..~retórica do abstrato, calcada sobre a do "plano da experiência", produção
Evidentemente, só há uma resposta: os meios que permitem :1 1111101
"0, de manuais ou de trend-reports imperturbavelmente construídos em
determinada pesquisa avaliar pelos critérios de suas próprias l1e ~'ss ill..
cima da ficção didática de um campo de pesquisa unificado. Não
des o valor operatório dos esquemas, fossem eles os mais "anti gos" I III
obstante, uma vez despido este uniforme de parada científica, a subs-
os menos "puros", são os mesmos que garantem a estabilidade 1'1 Clvi
tância conceituaI da sociologia americana está tão misturada quanto as
sória de seu sentido e de suas funções lógicas num trabalho pal'tu I d.u
outras. Em todos os sentidos e segundo as ponderações variáveis, ela
de pesquisa. Só O conhecimento da diversidade dos papéis qu ' elt'S( III
cruza os antecedentes meadianos e as preocupações sociais do primeiro
penharam conceitos e métodos nos procedimentos de invenç50 (lIl di
pensamento sociológico norte-americano com fortes contingentes de
argumentação permite ao mesmo tempo que o pesquisador 111:1llt(' IIII .1
esque1TIas conceituais importados em datas diversas da Alemanha ao
aberto o campo de abrigo teórico onde, na ausência de uma te(II 1,1
mesmo tempo que as o.bras de Tónnies, Weber e Simmel ou às vezes
constituída, ele deve alimentar suas necessidades de constrl.lçiío " ,II
do próprio autor (Lewii1 ou Mannheim) . Erp doses menores, Marx e
controlar a coerência semântica da interpretação que constrói , trah.1
Durkheim, Cassirer e Scheler, Adorno e Moreno, e todos os tipos de
IIl ando conceitualmente o seu material de observação. H ist6ri:l d,
emigrações físicas ou simbólicas também alimentam este melting pot
tt-orias, história de métodos, história de investigações são :ltI' JÍ II,
onde, como em outras paróquias, a aspiração vivamente ressentida pela
Illstrumentos da vigilância semântica.
unificação substitui a unidade. Os se tores da sociologia norte-america-
na que foram recentemente os mais inventivos, como o do interacio- Os pressupostos implícitos, as conotações desapercebidas (lI I .•
nismo, a sócio-lingüí~hca ou a etnometodologia, revelam à análise dl' no tações múltiplas de um conceito não poderiam rcvdnr-sl' 11,1
linguagens particularmente compósitas, por si mesmo reveladores de ''., \Ibstrução de um espaço de atributos" (property spacc) tanto ,' (1111)
cruzamentos conceituais e metodológicos, diferentemente estabiliza- 1111 ('Olltc ll tamos em interrogar as dimensões s<.:l11:lnti as d~' 11111 «(III
dos em cada autor ou nas diferentes fases do pensamento de um mesmo I I Ito ÇOI1l referência aos úni o. dados reun idos '111 11111 ;\ nu 111,11,

autor. III "'1 1lisas 12, /\ :lIl()lise 'OU ·itual in disp 'n sá~ -[ par:l () o lHrok I(lf',i, I) d,I
t 11 11'111 111;:\0 ti, ológic:l :lfin n ou :linda md hOJ" :I l1l1 ivo ida k da illt t' l PI(
Anotar essas hibridações que ao mesmo tempo constituem idio-
mas da língua científica e estados sempre instáveis do trabalho teórico
não poderia de modo algum levar à recomendação da necessidade de
uma padronização léxica. Numa disciplina em que a his tória não
sancionou com durabilidade a eficácia substitutiva de nenhuma síntese 1111111 IIIIIIIIII ~ 1IIII',III1 IM.,dl Il lI hlll t H I IIII ~I. II IlII Ml dl· IoIlI , ' I IiIIIIl "llIlhllllll .. ,l l1d, 1I1I11' I IlII,., d,
conceituaI, o purismo teórico jamais manifestou, quando ons 'guio l " I I " 'I II"",V ",lI il lli ' II ( I 'it, ~, 11,1( 110)

,
r"
( (
tação que ela se produz dentro de uma compara§ão comeitual generalizada desculpa de outro sinal de cientificidade que o olvido de qualqu 'r
fazendo intervir mais que suas dimensões potenciais, na especialização passado teórico, reencontrando na mais completa ingenuidade (porqu '
semântica de um conceito, ou seja, uma série mais completa de séries aí entram andando para trás) as problemáticas e os constructos an tig s
operatórias tendo já indexado o sentido desse conceito sobre construc- que desdenhavam com soberba por serem "arquidurkheimismo" ou
tos de dados. Uma linguagem conceituai, uma categorização da obser- "paleomarxismo" e do qual, sem o saber, só se desfazem pelo empobn.:-
vação ou um questionamento empírico têm oportunidades tanto cimento semântico.
maiores de fazer trabalhar com plena clareza os esquemas de investiga-
ção ou técnicas de medida quanto mais conservam a lembrança dos
métodos que seus rigores sucessivos ou alternativos impuseram,
2. OS CONCEITOS ESTENOGRÁFICOS: ATOMIZA-
apoiando-se num domínio histórico do campo teórico. O rigor teórico çÃO E SINCRETISMO
(\ não se definiu em sociologia nem pela proximidade verbal dos princí- Depois dos conceitos muito polimorficamente teóricos, o segun-
~ 'r\~') pios em relação aos formulários canônicos da definição, nem pela do conjunto de conceitos que se oferece na língua sociológica opõe UJll
~ 1\.C~~~ fidelidade lexicológica em relação a uma teoria de referência. Ele. só obstáculo inverso à unificação do léxico. O obstáculo diz respeito agora
. \ / \" encontra seu campo de aplicação nas o eraç§es de com ara ão semân- .à incessante multiplicação de termos ad hoc durante as pesquisas, q \l .
.s()C\\\'()~"· . I ., '
~ tica e recQnstrução conceltua_" eXlgtvels para manter-se os esq~emas devem sua uÍlivocidade semântica apenas à singularidade do mat 'ria l
disponíveis de análise e observação em marcha, qualquer que seja sua ou do contexto de onde tiram seu sentido. Todas as ciências conh 'CC I)I
origem ou sua disparidade. Quer dizer que o campo de aplicação desse a existência desses conceitos que, a título de "definições de coi sa",
trabalho teórico não poderia sem arbitrariedade ser reduzido à "atuali- permitem identificar e designar configurações singulares pela seI 'çao l"
dade" e nem a uma outra tradição teórica qualquer, por mais dominante enumeração das relações de fato que especificamente as constituelll
que fosse momentaneamente. Contudo, é característico que de tais definições (por exemplo, :1 11 1.1
Numa ciência se podem esquecer palavras, protocolos e resulta- diação do "corpo negro" ou o efeito Dõppler-Fizeau em física) perllla
dos dos predecessores (e até seus nomes, para dar boa impressão) necem neste caso exteriores à teoria científica, intervindo apenas para
quando a totalidade do poder de inteligibilidade que estes detivessem facilitar outra ligação a uma linguagem teórica de objetos ou situa ões
se encontra reatualizada em um novo dispositivo teórico autorizando ;a que esta pode aplicar seu poder de análise. Em sociologia, ao contrário

tantos, e na maior parte do tempo até mais, conhecimentos ou questões são esses termos - os mais fáceis de definir na medida em que esp' ia
quanto as formulações autorizadas pelos "paradigmas" antigos. Se Mer- li zam uma palavra ou uma expressão num emprego cujo referencia l dl'
ton é capaz de suscita~falguma convicção quando sustenta, contra lato pode ser comodamente enunciado - que constituem o essen ia l da
qualquer evidência, que este é hoje o caso da sociologia, sem dúvida é Ifllgua abstrata da disciplina, porque inscrevem nas palavras os resulta
porque ele lisonjeia em todo sociólogo ao mesmo tempo o desejo de dos de cada uma das rupturas com a evidência perceptiva e das di s t~J1 c i.l s
reconhecimento e a necessidade de segurança que esta economia de I " locadas pelo trabalho de desconstrução e reconstrução dos ,hdm

memória satisfaria. Em poucas palavras, a partilha descontada entre I IIlre o objeto científico e o objeto pré-constru ído .

"teoria atualmente válida" e "história das teorias" substitui em sociolo-


D evemos, em primeiro lu gar, distinguir da língua o\1strt1fd:t th'
gia a autopersuasão, sem que se possa mesmo esperar razoavelmente
qtl(' I~ lal11os e que " apaz d<.: '1111l1ciar suas <.:tapas d' atl'go/'b-:a ~ () , 1111 1
apressar seu advento pelas virtudes da self-fuifilling prophecy (Merton s/d:
• I 1111' 111 lO, também bastant· 'x l 'oso, de pabvl'as qu ' s ' pode I i;1 di ~l'
1-3). Decretada por ilusão ou por comodidade, jamais vai sem prejuízo
111' 1 t , ' II l ' Jl t es aovo a)ll 1 II..IlI' O " ;\( 1Ill IlIl
.. Stl :111VO
. " (.1I S()('IOI()!'.Ia . hsla
' 1 111',11 .1
semântico, como se vê em muitos trabalhos sociológicos que, reprodu -
.., IIl ,lI ll s t l .lli v a , .tI,.I'. .1IIl ats h l.)( l. l, 1)(llIH 1.1, Sl' llllllltl .1 P l (' ()( "p.H.,H) 'III{
zindo a fórmula de Merton à sua medida, não alegam mais uma
, ,I.- !I,,,., 1/'. " .1 lo:. 1'1" 1111 1 11 11111 ' - ,0, 11 )(" Ido, 11/, olll,'tll d, 1 H'.~ qlll .1 t.1I
cümü identificáveis antes de qualquer trabalho. de análise e medida.
Palavras cümü "lazer", "dümicíliü", "cidade", "campü", "adülescência",
"velhice", "crise", "mudança" etc. , quando. são. tümadas cümü cüm-
plementüs de nüme do. termo. "süciülügia", autürizam a apresentar
1/1 ularidades teóricas
Sümente as "definições de cüisas" cünstruídas pür u m traba lh o
L
Ill l.! tódicü de recünstruçãü düs dadüs , feita em ruptura cüm a 50 'io
esta disciplina cümü umajustapüsiçãü de campüs de pesquisa capazes
logia espüntânea, pertencem propriamente ao. dümíniü da cünceitua
de sümar-se sem prüblemas aüs ürganügramas üu aüs índices düs
h;r.açãü süciülógica. O trabalho. do. relaciünamentü pela m ed ida CHI
manuais. Vê-se que, na melhor das hipóteses, elas não. nümeiam mais
01 servaçãü de práticas de que se produz O. sentido., neste relacion .1
do. que üs bancüs de dadüs üu dümíniüs de atividades que a lingua-
III ' I')tü e pür meio. dele - na verdade obriga a recusar a Cl.!rt ';r..I
gem cümum üu a übrigaçãü sücial prüpõem ao. süciólügü cümü
c' istente da trans arência sicüló 'ca üu sücial d ~ fenôm\: lWs
terreno. de investigação., sem que este cadastramentü (que übedece
~ o iais, princí iü cujO. a el de übstác.Elü ~istemülógicü em so io
apenas às leis da intercümpreensãü cütidiana) übrigue a fürmular
lugia füi descrito. em üutrü texto' (Büurdieu et aI. 1972: 37-49). "loel :I
princípiüs de definição. üu a indicar um andamento. de recünstruçãü
.1 que stão. (que é simplesmente O. sentido. específico. das teürias l' lll
explicativa. Cümü tüdas as palavras que satisfazem eficazmente uma
~Il iolügia) é saber por que a maioria dessas cünceitualizações, lillll
função. sücial enquanto' permanecem limitadas a este usO., não. se
CHiaS em seu alcance mas capazes de enfrentar a prüva de "des ri~, 11I
püde dizer que essas sejam cünceitualmente "büas" üu "ruins", püis
de finid a" e' do. cüntrüle empírico., jamais cünseguiram ürgani;r.:1I s,.
não. pertencem propriamente à süciülügia, mas ao. vücabuláriü das
C' IU sistem as teóricüs suficientemente püderüsüs para cünferir~ " It',
cümunicações süciais do. süciólügü. Entretanto., dispensadas pür este
III li papel funciünal que pür isso. mesmo. as cünstituiria em cüne t' l llI
serviço. de cünfessarem-se "pré-nüções" e intrüduzidas numa disci-
k/)I'i üs de pleno. exercício.. Esta enfermidade teórica nüs fa:.c UIII
plina que não. püde üpür suas pretensões rasteiras à categürizaçãü
III c'l' nder pür que üs cünCeitüs estenügráficüs passíveis d e dcfi ll l~ , 1 1I
teórica O. cüntrapüder cünceitual de uma teüria de cünjuntü, elas
1:1" Il (- ri ca Ü U üperatória não. püdem articular-se entre si n as c Il1 p:II .1
acabam incentivando. O. utilizador a ultrapassar seus limites cüncei-
I I)('s, fund am entando. uma tipülügia süciülógica, a n ão. ser qU3udo :'C'
tuais, fazendo. entrar num cünstructü aparent~'mente teórico. üS títl!-
cI' ''' ClIl ciam das exigências da "descrição. definida" para türnarelll M '
lüs de um catálügü. d~übje!9 s _p ré-çQnstr_uídos. Os termüs dentre III.II S idl.!al- típ icas à m edida em qu e se türnam m ais teóricüs .
esses que melhür dissimulem sua incünsistência cünceitual cüm a
lantejüula terminülógica - pür exemplo., "marginalidade" üu "escüla Co nceitüs (citadüs ao. acaso.) cüm ü üs de "crim inalidade de 01.1
paralela", ((mass-media JJ üu "audiüvisual", "cüntestaçãü", "manipula- IllIho bran o", "difusão em dois tempos", "previsão criadora", "crisl.l
ção." üu "inüvaçãü" - S~? também üS que mais arriscam intrüduzir h',II,.I n ou d 'scristalização do status", "grupo de referência", "rel ) "1ll' 'l J
cümü tapa-buraco. em fürmulações explicativas um püder de categü- di 111111 adcira", "mortalidade escolar di fe rencial", por eXl.! m plo, sao
rizaçãü que jamais tiveram de cünquistar, püis O. devem ao. fato. de \I ,ti 1II('II1 l' 011 ei tos sociológicos, poi definem a unidad' OIlS(rll d,1

terem um sentido. evidente, aquém de qualquer análise, nüs recürtes di 1111 1 Ullbjl: to" (situação o u process ) através de u m mi ro~Sj S l l" I I .I,
mudüs da percepção. üu da açãü cütidiana. Sem a menür dúvida, ~ 1111 IlIdo logl ':11 11 'n tc d 'scri tÍv 'I, de n.: !ações entre dados. EiL-s I"l'SJ1ClI l
termüs também re me te~~'definiç-º-e2 d~ cüisas", m-ªs JiãQ. estas I III .IP ( 111(- 1 io m ínil\1 o q tl ' ddi nc:1 ientifi idad ' d ' ullla d(,SC II ~.1I1
~esmas gue ür anizam as ré-cünstru ões da süciülü ia es üntânea I IIlp llll.1 d.I I' -i1 lid ad ', 11 0 q U ' :t 'Iahornçfio de sua Jingll:lgl..' l1J tiL- ch .. , II

cu'a p'ertenç~é t!aída pelo. usO. maquinal de tais cünceitüs, d e que I III I' d 11> 111IV,11l' do n 'c t'11Sl'ól llI l'lllo las P :ll l' l' lI as O" las (,o llt igi'lIC I, H!t-,
não. de~ nde muito. m ais do. que de uma definição. deix ica - uma 111,11 ' .Ir-. '111 ,11 1' .1 jlCI ('l' P\,;I0 (0 1111111) fi II 1C 1:1I11 l" 1H.1 S\I :IS aprn' II SCH'r-. di

~minaçãü ue su õe a designação. pelo. dedo. üu pelo. ü lhar "de algo. ,,1'11 I II', 11 11 I I\I I ~ I ~I IIII. I ., .
~e t.94ü mundo. cham~ assim".
t ) 11 ,1111 111" I'X P " ' ''',, \{) "I IlI lI ill ,t1 l1l.lI lc· dr (1l1,1I1 1t1 10 IlI .lI 11 II " ('1" 1 .III
1111 . 11 11111 1111 "111 NII III I 111 11I 111 '1111 1111 di d,lI l'l ( 1111111\1 11 111 ',1\1 \lI llIf t, 1I1l

--------~~--~~~~~----~------~----------~_ _L __ __ _ _ _ _ _~_ _ _ _ _ _~_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _~~ /


para reconstruí-los numa descrição inteligível) recoloca em questão a 11\ 1 onfigurações que batizam de maneira dispersa. Tanto quanlo I)
s,l( , estatística oficial das criminalidades segundo os grupos sociais, ela po limo rfismo, a estenografia impede a "acumulação" dos conhecÍllll' ll
C\'\ I'\'\\~~\ roduz um conhecimento: não apenas revela uma criminalidade que a IIIHSI,; a distinguimos da simples acumulação de seus resultados. , 'os
~ ~i's\~t} estatística administrativa da instituição judiciária . d.e~~va esc~par, ~as I IHlcei tos estenográficos conseguem isolar formas ou correlações 111
\,~ ainda, pela pertinência teórica da questão sobre a vlSlblhdade diferencial ' I . I ,~, reformulando por medida ou comparação metódicas as aparGil h s
t'r1)t~,S,~ das criminalidades próprias dos diversos grupos, constrói um sistema 11.\ vida social e recusando a compreensão imediata que elas sug T ' III
mais completo de relações entre a pertença social, as práticas delinqüen- j 11 111 insistência, também isolam uns dos outros os conhecimencos

tes e as instituições de recenseamento dessas práticas. Buscando um I' 11 11 conquistados porque os constituem, por causa mesmo da pr ' i
quadro mais exato dos fenômenos e sugerindo sua explicação através III ti ' sua indexação empírica, em ilhotas de inteligibilidade sem:l1J 1i
das funções sociais do quadro enganador que a aplicação de um proce- I .1111 t' n te auto-suficientes -vê-se isto pela facilidade com a q ual p d ' I I I
dimento complicado corndados naturalmente categorizados produzia, I 111 IIh r de uma teoria à outra, incorporando-se sem esforço, ma ,
o sistema de relações assim descrito imobiliza em uma palavra um ato (, 111111 ' 111 sem lucro a não ser episódico ou anedótico, a análises diVt,!,
característico do trabalho sociológico, o que une ruptura e reconstru- 1\I'ot ('S uj o alcance não estendem mais do que não se generalizam p()I
ção: se a ruptura com a primeira evidência dos números conduz à I '1 1.1 lIl igração desprovida de princípios .
reconstrução de uma comparação mais ampla entre dados, é porque se
baseia na crítica metódica dos critérios que fundamentavam unidade e
significado enganadores da pré-construção. Da mesma forma, cons- I :'(II (~~rafia e 5ociografia
troem-se conceitos sociológicos quando se recorre a designações, ex-
( S o n ceitos estenográficos que asseguram o b alizamento ((lll
pressivas ou arbitrárias, para manifestar a unidade das análises que
II 1I IIlI I mais legível p o ssível dos resultados da pesquisa so io I61',JI ,1
permite.m ver como a forma hierárquica dos relacionamentos sociais
111 111" 1)1 sem p re a fazer esquecer a inaptidão das inteligibilida(k'"
informa um fenômeno banal de fluxo e redifusão da informação
1',111 t' l.l t l:t S q u e p rocuram articul ar co m o sistemas. Isto a Olltl'('I',
(iwo-stepflow communicatíon), que remetem a su~s condições sociais os
11111 ', d(' m ais nad a, p o rque su a univocidade de scritiva aparece 01110
processos à primeira vista paradoxais que permitem uma estimativa
I llJll ~, 1 llu m campo se mp re ameaçad o pela teorização esp ecu lntiv íl "
falsa da realidade de transformar esta realidade até se tornar verdadeira
I IIdl Ill it :l 11l l,;nte d esarticulad o p e lo confro nto d e sínteses te6rí( .IS
(self:fuljillíngprophecy), ou que, descrevendo a importância das variações
11 1111 1t ll l'O ,
de práticas ligadas ao caráter mais ou menos convergente das diversas
dimensões do ."status soci~l", sugerem testar como variável explicativa I )t'Stl' ponto d vista, estim uland o um paralelismo eng:1o :l(lol , t)
esta variável de segundo giau: Essas nominações estenográficas consti- I I I lIpl l) tI:1 ' n o l gia crtamente contribui para reforçar a OO{l:IlIÇ:1
tuem muitas definições conceituais, p-ois confiam a uma-I2alavra eS12e- '1111 1IlIII IWroS so i61)gos atri b u em às virtudes estabilizadoras (k 1111);1
cializada a tarefa de resumir uma análise socioló ica cap-az <k I 111',11.1 I 0 11< "i i 11:11 de r ' d l1zi d:l arnbi iío. B as taria assim, segundo a 11I1I11! )
imediatamente mobilizar.os daci9s - estatísticas, etnográficas ou histó- III1 II11'1 II I.1 pi o po Sl'~ l M I,;rton , aCt..:r- ~' :I~ ~ " tonas
çan (t..: . ' I'III n
d' a i al1 ce 11Il'(
ricas - gue a tornaram p-ossíyeL_ I' ti I I ti ,l p .1I : Il' )ll ;\ fio t'S p l' u lativa , A fel:! fio ' l1 tr' t(;oria l' l'IllPU 1.\
11111" 111 ,1 1 ()J II j) 1:11 1l:\ 1" 10 tI:! tt' tl l ia ? A mod és tia !lsst..:rtiva (alv ')I; 't;)il IUII
Seria fácil multiplicar os exemplos: a sociologia está cheia desses
nomes estenográfu:os, cuja precisão empírica é compensada pela incapaci- 1111 11111 I III II, lll as t' b Ilada lll ll da 110 sta LIIS ela :\ss(.'r<:;lo lias ti 'lltJ:l N
"'111 1>.- ,'11 II'V('1 lI ll ('x pli(':ll P:II r1I IJ(l ll ios:llIl l'Il (.(' cOll tinU,1sl'lldll dI',
dade de se organizar em um sistema conceituaI que os religaria e
I I I 11111 ( Xp!J' ,ll 1111\1 n~ (1l11I ' I, j l ll/{ slll'io!(,gie os. A ill lo!Ji lidad l' (I.I ,~, I
subordinaria uns aos outros ou a princípios teóricos articulados entre
si, a fim de explicar co m uma generalidade crescente as regularidades "111111.11 .11'111 11( 1.1 dl , ill llV,1 dll lltllll /IIIM,lo l 'IIII(~/l fl/ll, '1111 , 1'11 /1 1.11101
III di I 11111.1"1',11 .1111111[11 ,1.1111.11' Id i I 1111 .1 1(, I.III V, 11I1I'1l11 1I11 1dl' l( 111 1

II)
aos nivelamentos teóricos cUJo curso ele regula, parece ilustrar as ti(013 -que a repetição do trabalho etnográfico refinou a um grauj al1lai.,
varitagens de um nível específico da categorização capaz de procurar atingido pela observação sociológica sempre exposta por esta carG n 1.1
uma linguagem comum para toda uma disciplina. A sociologia sofreria à recaída na descrição improvisada - estas não poderiam jamais conSl1
por não dispor de uma base sociográfica análoga à base etnográfica que tuir-se em uma etnografia sociológica concebida como réplica da clll O
dá credibilidade ao ofício etnológico? Seria preciso primeiro aplacar a grafia etnológica. A não ser que as hipóteses implícitas da imobilidad.'
impressão de "acumulatividade" etnográfica que é sempre mais eviden- da linguagem, se deixassem mandar por uma categorização administ 1.1
te para os sociólogos que para os etnólogos. Disso testemunham muitos tiva, cada pesquisa sociológica deve criar a partir de suas p rópl i.1 ~
avatares históricos de categorias etnográficas como as que juntavam questões uma sociografia à sua medida, que não poderia transmitir Ld
"fatos" de "totemismo", de "casamento preferencial", de "magia", de e qual a uma outra pesquisa a pertinência de seus recortes cOnceil\l.II ~,
"religião" ou de "difusão". Não obstante, a etnografia realmente define
grosso modo os quadros lingüísticos e as técnicas de um trabalho relati-
vamente autónomo: o "calupo" tem seus manuais e eles falam a mesma
A majora{ão teórica
linguagem. Os conceitos estenográficos são inúmeros, precisos, portac!oll·."
Entretanto, as condições que tornam possível essa divisão do de conhecimentos empíricos, instrumentos de comunicação. N .II)
trabalho científico dissuadem a busca de seu equivalente na sociologia. constituem os elementos de um paradigma, mesmo em gestação. CO II
O tipo de objeto histórico, que em uma época fez a especialidade (udo, não devemos subestimar nem o papel dos conceitos estenogdf I
profissional dos etnólogos, propõe tarefas (como a descrição do sistema ('os na ordenação dos resultados empíricos, nem a ilusão teórica q l H'
de parentesco, do sistema de nomes, do sistema mítico-ritual) e, sobre- l'ks estimulam pela sua própria semi-abstração. Forjados pelos 50 i6
tudo, um traço (como a dimensão local das comunidades descritas) que, logos para estabilizar o significado de seus resultados mais bem e t:1 lw
realizando sob a forma do grupo étnico em isolamento social ou cultural h'cidos e solidários com um tratamento de dados capaz de Ihl'S
uma forma aproximada do isolamento experimental, tornam possível proporcionar uma definição (senão genérica, pelo m enos indicativa) ,
e utilizável um inventário preliminar cujas grades se estabilizaram sob ""scs conceitos simbolizam com maior insistência a língua abstrat. cI.1
uma forma bastante durável. É esta constância ligada a um objeto ,lIll ologia do que a generalidade de seu uso induz a esqueccr SII.l
particular que permite a autonomização dos princípios e repertórios do ILlo-realização teórica, emprestando-lhe a generalidade conceituai 'I I\(
trabalho de campo, além da padronização das técnicas e da linguagem I 1.1 li ão tem.

deste trabalho. Vê-se ime.~iatamente que o deslocamento contínuo de Ao aceitar a diversidade das dialéticas teóricas na medida cm '!t ll
suas pertinências descrid.Jas e o caráter aberto de suas questões teóricas , 1., Il.io torna válida n em inválida n enhuma e, por este fato, trans(o l
impõem à sociologia (no sentido em que ela progressivamente engloba 111.111.1 ' 111 bem comum da m aioria dos sociólogos, a língua abstl.ll.l
a etnologia, à medida que esta vê desaparecerem seus objetos tradicio- , ' lIl ~ t 1(lI rda pela agrcgaç::ío m ecânica dos conceitos es tcll ográli os pll'S
nais) renovar continuamente, na própria tarefa de recolhimento dos II ' I' til 'ilmen te à m aj or:1ção de sua com pree nsão te6ri a pc la 11111 \.11)
dados (quantitativos e qualitativos), suas grades descritivas. O projeto
inesgotavelmente comparativo da sociologia, que não exclui de seu
espaço de argumentação nenhuma hipótese de interdependência, por
isso mesmo exclui o desenvolvimento autónomo de uma sociografia
II I ii " " .lIl1d., l' t.II N I " t't XlIllI l d l1~ .,I I1~ I' d o ~ II INU \l11I 1' III O~ d., OilNI' 1V;J~ .It) ' I',\,.,d" q UI' (1 A1'lIIl/ill 011'
que se apresentaria como uma reserva acumulada de conhecimentos "1111\",1/'" di' M I'" 1'1M.III ,vr l.1 M.II'.,'I ( 1'11,.1), '" ld,' r ,'III ,"1 11.11 11 dl'l.IIll>ld.1 .1" 1111' III" 1"11 11 "1
factuais, disponíveis a todas as pesquisas ou elaborações posteriores. e II" '" I I " " ~ I " 1.1 " 111 111' 1"111,,1"1'01,1 d" 11 .,11.11"" ti" 1." 111 "', '"111 I'." IIIIIIII' II, I.II" Io' M' '" _

é proveitoso inspirar-se em sociologia nas té IIi as do i/ww tário siste/'llá- , ,,(, 11111 d, . III ,,'. I ~'" 1', I' ,I" ,.
1.11 111" I II .1 111\"".1" 1(111' 111 11 " I' 1111.1 " " "I/'I'IIItlII" .1 1'"1111,, 111 .
I ii ", Id,llI ' 1I1I111 .llItllI II" " .111' I ~. 'I
I t
prática de comunicação que preenche. Ela realmente autoriza aqueles que ainda se realiza em matéria de "controle cruzado" numa comuut
que a falam e a escutam a pensarem-se como uma comunidade cientí- cação, ao mesmo tempo atenuada e superestimada. Ainda que a cornu
fica de dir~ito comum. Sabemos do valor de que se reveste nas situações nidade sociológica não seja muito mais do que uma "comunidade d
de confusão lingüística a existência de uma koiné ou um sabir* que, ao aspiração" que se equivoca (ou compreende bem demais) a respeito d:
preço da renúncia, permite comunicar certos recortes do significado e, ambigüidade teórica de suas trocas, o jogo convencionado do inter-re-
por um acordo tácito na aceitação de mal-entendidos, um mínimo de conhecimento profissional busca, no mínimo, uma difusa intimidade
comunicação entre parceiros desejosos de trocar seus produtos. Na com os critérios da regulação metodológica que constitui o único
comunicação social entre sociólogos, é uma função desse tipo que mecanismo social capaz de defender um mínimo de exigências cientí-
resolve muito bem uma língua que só é teórica por aspiração. Por ~cas contra as p.reten'sões multiformes ~os discursos cp~uns ou ~iterá-
palavras ou expressões, ela fundamenta na ausência de gramática uma nos sobre a SOCIedade.Armados de quaisquer outro;!melOs de difusão
intercompreensão aproximativa através do léxico. Basta que se analise, e imposição, os discursos alternativos estão apenas-prestes a transformar
nos diálogos trocados, as transições verbais de trend-reports, as influên- o reconhecimento que a sociologia tem das, dificuldades que encontra
I

cias de escola ou as críticas das explicações, o sentido parcial com que em ser uma/ciência como outras" em um reconhecimento de inexis-
se satisfaz a suspeita de acumulatividade ou o pretexto para a polêmica tência científica. Assim passa qualquer tentativa de ~issimuiação em sua
para, ab mesmo tempo, nos convencermos da frágil intensidade da apresentação - por não consentirmos o enunciadé do que se é (e que
comunicação científica na sociologia e da afetação de quase todos em não é o que se diz), ficamos encurralados e obrigados a sustentar
defensivamente o que deveria estar evidente: em matéria de cientifici-
ignorá-Ia ou eufemizá-Ia.
dade, as ciências sociais são pouco mais do que nada.
Nã~deveríamos nos espantar: ali, como em qualquer outra parte,
o grupo profissional"vai atrás de seus interesses imediatos. Na ausência
de uma comunicação' científic~ no sentido clássico, que presumiria a
posse compartilhada de uma língua teórica, e pela nãb-identificação das
restrições que definem o espaço assertivo do raciocínio sociológico, um
silêncio cúmplice sobre o "ruído" que para cada um representa o
essencial da palavra do outro participa da defesa do corpo. A ficção da
comunicação, ostentada na exuberância dos colóquios ou a seriedade
meio convicta das explicações, satisfaz ao mesmo tempo a troca de
reconhecimentos privados e ~';~eivindicação de todos ao reconhecimen-
to científico da comunidade profissional pelas instâncias de fora. Mais
uma vez, constatar não resulta em excluir a sociologia do campo dos
trabalhos científicos: é apenas um convite a melhor definir-se o tipo de
cientificidade de que ela participa. Não se trata sequer de descuidar do

• Koiné: língua vulgar [e p, da Gré ia, nas ép cas helenística e r mana]; sabir; l!nH~'QlIliSI:1 ti
.1.lh ,(nlll s, espanh I • italiano, falnda na Áfri a do N fi no Lcvant (rs(1hlr de IhlflllU

ÍlJIH.1 ((Inlrl üll),

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