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Arqueologia e a Interpretação do Evangelho de João: Uma Resenha

Wilson Paroschi
Seminário Adventista Latino-Americano de Teologia
Traduzido por André Gonçalves

O Evangelho de João é ao mesmo tempo o mais influente e o mais


controvertido livro do Novo Testamento. Por um lado, sua teologia única e
profunda foi decisiva em moldar a compreensão da Igreja da pessoa de Jesus
Cristo. Por outro, mais do que qualquer outro Evangelho ele tem sido acusado
por não possuir nenhum valor na busca do Jesus histórico. No entanto, um
número de descobertas arqueológicas tem questionado esta avaliação negativa.
Apesar da arqueologia nunca poder provar a historicidade de eventos
específicos registrados neste Evangelho, muito menos estabelecer as declarações
teológicas de João sobre dados confirmáveis, algumas das suas descobertas têm
lançado considerável luz sobre o cenário histórico e cultural do Evangelho e,
como tal, levado vários eruditos a repensar a maneira pela qual a mensagem de
João deveria ser interpretada. Este é o assunto do present artigo, o qual é divido
em três partes: a primeira sintetiza como os traços distintivos de João têm sido
compreendidos nos tempos modernos; a segunda recapitula as descobertas
arqueológicas mais significativas relacionadas a este Evangelho; e a terceira
descreve a influência destas descobertas sobre a pesquisa joanina
contemporânea. Devido à natureza mais informativa deste estudo, não se deve
esperar uma bibliografia extensa, nem uma avaliação crítica de todas as
questões envolvidas. Semelhantemente, apesar da importante função que a
arqueologia exerce em relação ao Quarto Evangelho na denominada Terceira
Busca do Jesus histórico, também conhecida como Jesus Research, não se busca
aqui relacionar a discussão às questões específicas dessa busca.1

1
A Terceira Busca é o estudo do Jesus histórico que começou em torno de 1980, seguindo as antigas
e novas buscas. Tanto a Antiga Busca (1774-1906) como a Nova Busca (1953-1970) era claramente
motivadas por questões teológicas. A Terceira Busca (Jesus Research), no entanto, mudou o foco (o
e o método) completamente. Liderados por uma grande variedade de especialistas, tanto Cristãos
como Judeus, Católicos ou Protestantes, liberais ou conservadores, ele não segue uma agenda
teológica em si, mas consiste em um estudo científico de Jesus em relação ao pano de fundo de sua
vida e ministério e à luz de todos os dados relevantes. Pela primeira vez o estudo de textos, que
incluem o Evangelho de João com as suas notáveis informações históricas, arquitectônicas e
topográficas, é acompanhado de um exame sistemático de arqueologia e topografia. Para uma breve
introdução à Terceira Busca, veja Darrell L. Bock, Studying the Historical Jesus: A guide to Sources
and Methods (Grand Rapids: Baker, 2002), 141-152. Guias mais abrangentes incluem: Gerd
Theissen e Annette Merz, The Historical Jesus: A Comprehensive Guide, trans. John Bowden
(Minneapolis: Fortress, 1998); Ekkehard Stegemann e Wolfgang Segemann, The Jesus Movement: A
Social History of Its First Century, trans. O. C. Dean (Minneapolis: Fortress, 1999); Gerd Theissen e
Dagmar Winter, The Quest for the Plausible Jesus: The Question of Criteria, trans. M. Euguen Boring
(Louisville: Westminster John Knox, 2002). Uma útil discussão introdutória com informação
A Interpretação Moderna de João
Todos os Evangelhos do Novo Testamento nos contam a história de Jesus,
mas não da mesma forma. Cada evangelista apresenta um retrato diferente de
Jesus.2 Contudo, as diferenças entre os primeiros três Evangelhos, que relatam
uma quantidade considerável de tradições em comum sobre Jesus, não são tão
significativos quanto as diferenças entre eles e João. Embora compartilhe o
esboço básico do ministério de Jesus como também algumas declarações e
eventos, João coloca o ministério de Jesus geralmente na Judeia, não na Galileia,
relata pelo menos três Páscoas em Jerusalém das quais Jesus participou, em vez
de uma apenas, e omite vários episódios importantes da vida de Jesus, como o
seu nascimento, batismo, transfiguração, exorcismo de demônios e a angústia
no Getsêmani. A última ceia e o discurso profético também estão faltando.
Outra diferença é o retrato do próprio Jesus. Fortes ênfases em João, como a
plena divindade e pré-existência de Jesus, estão virtualmente ausentes dos
Sinóticos. O Jesus joanino não usa parábolas ou ensinos breves, mas
preferivelmente discursos longos e bem elaborados. Ele também está
constantemente usando palavras que raramente são usadas nos outros
Evangelhos (i.e., amor, amar, verdade, verdadeiro, conhecer, trabalhar, mundo,
permanecer, julgar, enviar, testemunhar) e gosta de falar de si mesmo
metaforicamente como o pão do céu, a vinha verdadeira, o bom pastor, a porta,
e a luz do mundo.3 Mais significante, todavia, são os milagres de Jesus que, em
João, parecem ser mais extraordinários que aqueles relatados por outros
evangelistas. 4 O erudito em Novo Testamento Ernst Käsemann está correto
naquilo que diz a respeito do Quarto Evangelho: “Julgado por meio do conceito
moderno de realidade, nosso Evangelho é mais fantástico que qualquer outro
escrito do Novo Testamento.”5
Até os meados do séc. XVIII, tais diferenças não apresentavam
dificuldades para a maioria dos intérpretes bíblicos. Por ser obra de João, o
discípulo amado e figura de destaque na Igreja Apostólica, assumia-se em geral
que seu relato de Jesus era mais pessoal e, portanto, mais autoritativo que o dos

bibliográfica detalhada e atualizada encontra-se em James H. Charlesworth, The Historical Jesus: Na


Essential Guide (Nashville: Abingdon, 2008)
2
Veja esp. Richard A. Burridge, Four Gospels, One Jesus? (Grand Rapids: Eerdmans, 1994). Para uma
discussão mais concisa veja Richard A. Burridge e Graham Gould, Jesus Now and Then (Grand Rapids:
Eerdmans, 2002), 47-68.
3
Uma lista completa do vocabulário e outras diferenças literárias pode ser encontrado em C. K. Barrett,
The Gospel according to St. John: An Introduction with Commentary and Notes on the Greek Text, 2d ed.
(Philadelphia: Westminster, 1978), 5-9
4
Para mais detalhes quanto às diferenças entre João e os Sinóticos veja D. Moody Smith, John among
the Gospels, 2d ed. (Columbia: University of South Caroline Press, 2001), 1-11.
5
Ernst Käsemann, The Testament of Jesus: A Study of the Gospel of John in the Light of Chapter 17, trans.
Gerhard Krodel (Philadelphia: Fortress, 1968), 45.
outros. Marcos e Lucas não foram testemunhas oculares dos eventos que
registram e Mateus, apesar de ser um dos doze, nunca teve a proeminência que
João teve. Usando João como ponto de partida era então possível harmonizar os
Evangelhos e assim minimizar as suas diferenças. 6 Em 1776, entretanto, J. J.
Griesbach rompeu com esta abordagem, afirmando que os quatro Evangelhos
não podem ser tratados em conjunto. Na sua sinopse dos Evangelhos ele quase
que ignorou por completo o Evangelho de João e simplesmente agrupou os
relatos paralelos de Mateus, Marcos e Lucas com o propósito de comparação.7
A separação do Evangelho de João dos outros não foi em si
hermeneuticamente equivocada, mas uma vez separado suas diferenças e
peculiaridades vieram à tona exatamente no tempo em que o Iluminismo estava
começando a impactar a interpretação bíblica. Por um lado, sentia-se que
abordagens mais novas e críticas eram necessárias, especificamente em relação
à utilização e manuseio de evidências históricas, que, no mínimo, eram
completamente distorcidas, especialmente por causa da velha teoria da
inspiração verbal e inerrância de todas as partes da Escritura. Por outro lado, a
interpretação bíblica se tornou refém de um racionalismo radical, ou seja, a
rejeição de qualquer forma do sobrenatural e o consequente abandono da
própria noção de inspiração, levando a Bíblia a ser considerada nada mais que
um documento antigo que deveria ser estudado como qualquer outro
documento antigo.8
Como resultado a autenticidade do Evangelho de João ficou sob fogo
pesado. Na visão dos eruditos racionalistas bíblicos histórias como a das bodas
de Caná e a ressurreição de Lázaro não podiam ser verdadeiras, sugerindo que
o quarto evangelista não poderia ter sido uma testemunha ocular dos eventos
que descreveu. Um dos primeiros ataques já veio em 1792 através de Edward
Evanson, que fez referência ao milagre de Caná como sendo “inacreditável” e
“indigno de crença.”9 Se o Quarto Evangelho não era história (biografia) ou um
relato histórico confiável, o quê era então? Não demorou para que as

6
Para exemplos abrangendo desde Agostinho até o tempo da Reforma, veja Martin Hengel, The Four
Gospels and the One Gospel of Jesus Christ: Na Investigation of the Collection and Origin of the Canonical
Gospels, trans. John Bowden (Harrisburg: Trinity International, 2000), 22-24
7
Esta foi a forma que o termo ‘Sinóticos’ veio a ser usada referente somente àqueles Evangelhos. Nos
estudos de Novo Testamento ele expressa a ideia de que Mateus, Marcos e Lucas podem ser arranjados
ou contemplados lado-a-lado, como em colunas paralelas, e podem ser facilmente comparados através
de uma sinopse por relatar traços gerais iguais para a história de Jesus. Veja esp. C. M. Tuckett,
“Synoptic Problem,” ABD, 6 vols. (New York: Doubleday, 1992), 6:263-270, e Robert H. Stein, Studying
the Synoptic Gospels: Origin and Interpretation, 2d ed. (Grand Rapids: Baker, 2001), 17-25.
8
O próprio Griesbach trabalhava a partir de uma perspectiva histórica, acreditando que “o Novo
Testamento precisa ser explicado como todo livro antigo é explicado” (William Baird, History of New
Testament Research, vol. 1, From Deism to Tübingen [Minneapolis: Fortress, 1992], 139. Cf. David Laird
Dungan, A History of the Synoptic Problem: The Canon, the Text, the Composition, and the Interpretation
of the Gospels, ABRL [New York: Doubleday, 1999],309-326).
9
Veja John Ashton, Understanding the Fourth Gospel (Oxford: Clarendon, 1991), 15-16
alternativas aparecessem. Em 1835, D. F. Strauss introduziu o termo “mito”
para descrever o conteúdo de João; outros termos que foram usados no séc. XIX
e no início do séc. XX incluem “ideia”, “filosofia”, “alegoria” e “teologia”.10
Independente do termo, a ideia era sempre a mesma: o Evangelho de João não
era o testemunho ocular pessoal do mais amado dentre os discípulos de Cristo e
seus relatos não deveriam ser aceitos como históricos. A mente moderna não
podia mais aceitar no nível meramente histórico o que ela sentia ser nada mais
que a expressão de uma ideia religiosa em forma concreta por um escritor
antigo.
A noção de que o Evangelho de João não era história, mas que foi escrito
para veicular uma ideia teológica, encontrou uma expressão criativa em F. C.
Baur, em meados do séc. XIX. Para Baur, João não era um documento
apostólico, mas sim uma reflexão cristã pós-paulina cujo propósito era
promover o conceito de uma Igreja unificada (Católica). Como tal, ele não
poderia ter sido escrito antes da segunda metade do segundo século e,
evidentemente, não era historicamente confiável. “O Evangelho joanino,” ele
disse, “do início ao fim ... não se preocupa com um relato puramente histórico,
mas sim com a apresentação de uma ideia que percorreu o seu curso ideal no
desenrolar dos eventos da estória do Evangelho.” 11 Apesar das posições de
Baur serem muito artificiais e exegeticamente indefensáveis, a sua influência
sobre os estudos acadêmicos joaninos subsequentes foi notável. A chamada
Escola de Tübingen, da qual ele era o fundador e a figura mais destacada,
dominou a cena por toda uma geração.12 Na virada do séc. XX só uns poucos
intérpretes conservadores ainda mantinham a visão tradicional que este
Evangelho era o testemunho de João, o filho de Zebedeu.13
Outro golpe contra a historicidade de João foi a chegada da escola
religioso-histórica no fim do séc. XIX. Ao tentar ligar o surgimento e
crescimento de todas as religiões à causas puramente naturalistas e históricas
esta escola afirmou que o Cristianismo não era nada mais do que um fenômeno
entre os muitos fenômenos religiosos do mundo helenístico. Como tal, a
teologia e os conceitos joaninos eram explicados à luz das outras religiões
contemporâneas como as religiões-de-mistério e o Gnosticismo. Usando o
mesmo tema fornecido por Baur, Otto Pfleiderer, o fundador da escola
10
Ibid., 36
11
Ferdinand C. Baur, Kritische Untersuchungen über die kanonische Evangelien: Ihr Verhältnis
zueinander, ihren Charakter und Ursprung (Tübingen: Fues, 1847), 239. Também veja Peter C. Hodgson,
The Formation of Historical Theology: A Study of Ferdinand Christian Baur (New York: Harper & Row,
1966), 212-213.
12
Mesmo até 1959, Johannes Munck ainda considerava os resultados históricos da Escola de Tübingen
como válidos (Paul and the Salvation of Mankind, trans. Frank Clarke [London:SCM, 1959], 69-70).
13
Em relação a Strauss e Baur, que havia sido o professor de Strauss em duas instituições diferentes,
veja Werner Georg Kümmel, The New Testament: The History of the Investigation of Its Problems, trans.
S. McLean Gilmour and Howard C. Kee (Nashville: Abingdon, 1972), 120-161.
religioso-histórica, afirmou que o Evangelho de João não pertencia “aos livros
históricos do Cristianismo primitivo, mas aos seus escritos doutrinários
helenísticos”. 14 O Logos joanino, o dualismo luz/trevas, o motivo da
descida/subida e o termo grego kyrios (“Senhor”) são somente alguns exemplos
de conceitos que teriam sido assimilados quando o Cristianismo mudou da
Palestina e seu ambiente judeu para o mundo helenístico mais amplo.15
Estas ideias foram desenvolvidas ainda mais por Rudolf Bultmann na
primeira metade do séc. XX. Brilhante no raciocínio e consistente na aplicação
do método histórico-crítico, a interpretação de Bultmann do Evangelho de João
foi devastadora: a linguagem de João, ao refletir categorias sobrenaturais, era
inteiramente mitológica;16 ele não deve usado como fonte de informações em
termos históricos quanto à vida e os ensinos de Jesus;17 o seu mundo conceitual
não era judaico, mas gnóstico; o Redentor que veio do céu foi inspirado pelo
mito gnóstico; o Evangelho não é original, mas uma combinação de vários
documentos anteriores; ele não foi escrito por um único autor, mas é o resultado
de um processo de redação no qual vários editores ou redatores estiveram
envolvidos; o texto que nós temos não faz sentido e por isso ele precisa ser
reorganizado; e para ser compreendido ele precisa ser desmitologizado por
meio de uma interpretação existencialista. 18 Em outras palavras, quase nada
sobrou da visão tradicional de João. A crítica radical de Bultmann foi tão
esmagadora que, por um tempo, criou-se a impressão de que o Evangelho
jamais se recuperaria.19

14
Otto Pfleiderer, Primitive Christianity: Its Writings and Teachings in Their Historical Connection, 4 vols.,
trans. W. Montgomery, (London: Williams & Norgate, 1906-1911), 4:2.
15
Para mais informações quanto a escola religioso-histórica, veja Kümmel, 206-280.
16
De acordo com Bultmann, “a cosmologia do Novo Testamento tem caráter essencialmente mítica. O
mundo é visto como uma estrutura de três andares com o mundo no centro, o céu acima e o submundo
abaixo. O céu é a morada de Deus e de seres celestiais – os anjos. O submundo é o inferno, o lugar de
tormento. Até a terra é mais do que o cenário de eventos naturais e cotidianos, das tarefas triviais e
comuns. É o cenário da atividade sobrenatural de Deus e dos Seus anjos de um lado, e de Satanás e os
seus demônios do outro. Estas forças sobrenaturais intervêm nos eventos naturais e em tudo que o ser
humano pensa, desejam e fazem” (Rudolf Bultmann, “New Testament and Mythology,” in Kerygma and
Myth: A Theological Debate, ed. Hans Werner Bartsch, trans. Reginald H. Fuller, 2 vols. [London: SPCK,
1953-1962], 1:1).
17
No seu livro Jesus and the Word (trans. L. P. Smith e E. H. Lantero [London: Scribner, 1958]), que é um
estudo crítico dos Sinóticos, Rudolf Bultmann menciona especificamente que “o Evangelho de João de
maneira alguma pode ser levado em conta como fonte para o ensino de Jesus e este livro não o usará
como referência” (17).
18
As principais obras de Rudolf Bultmann em relação ao Evangelho de João inclui “Untersuchungen zum
Johannesevangelium,” ZNW 27 (1928): 113-163; “The History of Religions Background of the Prologue to
the Gospel of John,” in The Interpretation of John, 2d ed., ed. John Ashton, SNTI (Edinburgh: T & T Clark,
1997), 27-46; and The Gospel of John: A Commentary, trans. G. R. Beasley-Murray (Philadelphia:
Westminster, 1971).
19
Robert T. Fortna chega a falar de um tipo de “moratória tácita” nos estudos da literatura joanina que
durou vários anos logo após a Segunda Guerra Mundial como resultado das teorias de Bultmann (The
Gospel of Signs: A Reconstruction of the Narrative Source Underlying the Fourth Gospel [Cambridge:
Cambridge University Press, 1970], 1, n.1).
É verdade que nem todas as ideias de Bultmann tiveram aceitação
universal, mesmo entre os estudiosos joaninos mais radicais. 20 Também é
verdade que, apesar de todos os questionamentos, vários eruditos
conservadores continuaram mantendo uma visão mais tradicional a respeito da
autoria e data de João. Mas, na primeira metade do séc. XX, havia um consenso
bastante difundido em torno de pelo menos três pontos: (1) que o quarto
evangelista não era uma testemunha ocular e que, portanto, teve que depender
de fontes; (2) que sua formação não era judaica; e (3) que o seu Evangelho não
era a respeito do Jesus histórico, mas do Cristo da fé, ou seja, uma expressão
teológica da fé da Igreja no final do segundo século e projetada retroativamente
na vida de Jesus. Mas então as coisas começaram a mudar e a arqueologia teve
uma função importante nesta mudança.

A Arqueologia e o Evangelho de João


A primeira descoberta arqueológica a impactar a interpretação do
Evangelho de João foi um pequeno fragmento de papiro conhecido como
Papiro Rylands 457 e listado entre os manuscritos do Novo Testamento como
P52, medindo somente 6,5 por 9 centímetros e contendo alguns poucos
versículos de João 18: partes dos vss. 31-33 no anverso e os vss. 37-38 no verso.
Apesar de ter sido adquirido no Egito em 1920 por Bernard P. Grenfell para a
Biblioteca John Rylands em Manchester, Inglaterra, ele foi identificado e
publicado somente em 1934 por C. H. Roberts. Usando técnicas paleográficas,
Roberts datou o fragmento da primeira metade do segundo século; a maioria
dos eruditos propõe uma data não posterior a 125 AD.21
Apesar do tamanho, o significado deste papiro para a interpretação de
João não tem como ser enfatizada demasiadamente: é uma evidência física que
este Evangelho estava circulando no Egito no início do segundo século e, assim,
contradiz aquelas teorias segundo as quais João não teria sido escrito senão na
segunda metade do segundo século. 22 Isso mostra, entre outras coisas, a

20
Veja D. Moody Smith, “Johannine Studies,” em The New Testament and Its Modern Interpreters, ed.
Eldon J. Epp and George W. MacRae (Atlanta: Scholars, 1989), 271-273.
21
Veja Jack Finegan, Encountering New Testament Manuscripts: A Working Introduction to Textual
Criticism (London: SPCK, 1974), 85-90.
22
“Especificamente por causa do Papiro de Rylands (P52) João geralmente não é datado posterior a 110
e, provavelmente, uma ou duas décadas antes” (Smith, “Johannine Studies,” 272-273). Em anos
recentes alguns eruditos têm questionado a data tradicional para P52: A. Schmidt argumenta por uma
data em torno de 170 AD, mais ou menos vinte e cinco anos (“Zwei Anmerkungen zu P. Ryl. III 457,” APF
35 [1989]: 11-12), e Brent Nongbri critica todas as tentativas de uma datação paleográfica para papiros
como P52 e sustenta que a extensão da datação para este fragmento de papiro precisa ser estendida
até o fim do segundo e até o início do terceiro século (“The Use and Abuse of P52: Papyrological Pitfalls
in the Dating of the Fourth Gospel,” HTR 98 [2005]:23-48). Todavia, a maioria dos eruditos do Novo
Testamento continuam a preferir a datação mais anterior. Para referências veja J. Ed. Komoszewski, M.
James Sawyer, e Daniel B. Wallace, Reinventing Jesus: How Contemporary Skeptics Miss the Real Jesus
and Mislead Popular Culture (Grand Rapids: Kregel, 2006), 280, n.4
inadequação da descrição de Baur do Cristianismo primitivo. De fato, não
somente João, mas todos os documentos do Novo Testamento são agora
geralmente classificados no primeiro século. 23 Portanto, não é de fato
impossível que o Quarto Evangelho tenha sido escrito por uma testemunha
ocular de Jesus. De qualquer forma ele não estaria necessariamente removido
do mundo e do ambiente que retrata.
Ainda na primeira metade do séc. XX várias outras descobertas
arqueológicas na Palestina pareciam questionar algumas das suposições aceitas
naquela época pela maioria dos especialistas joaninos. W. F. Albright chamou
atenção para este assunto numa série de publicações entre 1924 e 1956.24 Entre
outras coisas, Albright argumentou que várias referências topográficas no
Evangelho dificilmente poderiam ter sido feitas sem algum grau de
familiaridade com a situação da Palestina e, particularmente, da Judeia antes da
Primeira Revolta (66-70 AD). Na verdade o número de referências topográficas
de João é única no Novo Testamento. Há treze destas referências e se os
detalhes não mencionados nos Sinóticos são incluídos, este número aumenta
para vinte. Em uma época em que a maioria dos intérpretes acreditava que João
era fictício estas referências eram tratadas como simbólicas em vez de
reminiscências históricas.25 Entretanto, de acordo com Albright, levando-se em
conta o grau de devastação criado pelas tropas romanas na Palestina e,
especialmente, em Jerusalém e também da interrupção praticamente completa
da presença cristã nestas áreas após a guerra, qualquer dado fidedigno que
pudesse ser validado arqueológica ou topograficamente teria que haver sido
levado à Diáspora oralmente pelos refugiados cristãos. 26 De fato, a tradição
cristã posterior nos informa da fuga de alguns cristãos de Jerusalém para Pella,
na Transjordânia.27

23
Por exemplo, Martin Hengel, “Eye-witness Memory and the Writing of the Gospels: Form Criticism,
Community Tradition, and the Authority of the Authors,” em The Written Gospel, ed. Markus Bockmuehl
e Donald A. Hagner (Cambridge: Cambridge University Press, 2005), 70-96
24
W. F. Albright, “Some Observations Favoring the Palestinian Origin of the Gospel of John,” HTR 17
(1924): 189-195; idem, From the Stone Age to Christianity (Baltimore: John Hopkins Press, 1940), 292-
300; idem, The Archaeology of Palestine (Harmondsworth: Penguin, 1949), 239-248; idem, “Recent
Discoveries in Palestine and the Gospel of John,” in The Background of the New Testament and Its
Eschatology: In Honour of Charles Harold Dodd, ed. W. D. Davies and D. Daube (Cambridge: Cambridge
University Press, 1956), 153-171
25
Por exemplo Norbert Krieger, “Fiktive Orte der Johannestaufe,” ZNW 45 (1954): 121-123
26
Albright, “Recent Discoveries in Palestine,” 156. Albright usou este mesmo argumento para a
quantidade numerosa de palavras aramaicas no Evangelho. Palavras como rabbi (“meu mestre”) ou o
equivalente grego didaskalos (“teacher”), além da maioria dos nomes em João como Maryam (Maria),
Martâ (Marta), La’zar (Lázaro), Elisheba’ (Elisabete), e Shalôm (Salome), eram característicos do período
de Herodes, o Grande até A.D. 70 e se tornaram bastante comuns nos primórdios cristãos
provavelmente em função de reminiscências da tradição oral da Palestina antes da Primeira Revolta
(ibid., 157-158).
27
Eusebius, Church History 3.5.3.
No artigo de 1956, Albright discute somente três exemplos de locais que a
arqueologia considera ter identificado positivamente: o lugar onde Pilatos levou
Jesus, que era chamado Lithostroton em grego e Gabbatha em hebraico – na
verdade, em aramaico (19:13); “Enon perto de Salim,” onde João Batista efetuou
sua obra batismal, “porque havia ali muitas águas” (3:23); e o poço de Jacó, em
Sicar, “uma cidade Samaritana” (4:3-6), que ele identificou como sendo
Shechem. 28 Curiosamente as primeiras duas identificações, como também a
exata localização de Sicar, seriam negadas por descobertas arqueológicas
posteriores. Em uma pesquisa atualizada e abrangente do estado arqueológico
de todas as referências topográficas em João, Urban C. Von Wahlde afirma que
dos vintes lugares, dezesseis foram identificados com segurança. Estes são
Betsaida (1:44), Caná (2:1, 11; 4:46-54; 21:2), Cafarnaum (2:12; 4:46; 6:17, 24; o
porto, 6:24-25; a sinagoga, 6:59), o poço de Jacó (4:4-6), o Monte Gerizim (4:20), a
localização de Sicar (4:5), a Porta das Ovelhas (5:2), o(s) tanque(s) de Betesda
(5:2), Tiberíades (6:1, 23; 21:2), a fonte de Siloé (9:1-9), Betânia perto Jerusalém
(11:1-17; 12:1-11), Efraim (11:54), o Vale de Kidrom (18:1), o Pretório (18:28, 33;
19:9), o Gólgata (19:17-18, 20, 41), e a tumba de Jesus (19:41-42). Dos quatro
restantes, dois podem ser reduzidos a uma área relativamente pequena: o lugar
nas dependências do templo destinada a manter os animais (2:13-16) e o
Lithostroton (19:13); e os outros dois ainda são altamente controversos: Enon
perto de Salim (3:23) e Betânia além do Jordão (1:28; 10:40).29
Nas suas considerações finais, von Wahlde faz duas importantes
declarações. A primeira é que a arqueologia tem confirmado a exatidão
admirável das informações topográficas de João, mesmo levando-se em conta a
grande quantidade de detalhes que são fornecidas em alguns casos. Na
verdade, afirma ele, “são exatamente aqueles lugares que são descritos com
mais detalhes”, como no caso dos tanques de Betesda, o lugar da crucifixão e a
localização da tumba de Jesus, “que podem ser identificados com mais certeza”.
A segunda declaração é que não há “evidência confiável que sugira que
qualquer desses vinte lugares seja simplesmente fictício ou simbólico”. Apesar
de reconhecer a possibilidade de que alguns destes lugares tenham um
significado simbólico secundário, von Wahlde conclui que “a historicidade e
exatidão intrínsecas das referências devem estar acima de qualquer suspeita”.30
Apesar das identificações prematuras endossadas por Albright, sua principal
alegação permanece válida: as antigas referências topográficas da Palestina e

28
Albright, “Recent Discoveries in Palestine,” 158-160.
29
Urban C. Von Wahlde, “Archaeology and John’s Gospel,” em Jesus and Archaeology, ed. James H.
Charlesworth (Grand Rapids: Eerdmans, 2006), 523-586. Quanto à sua pesquisa em relação às
evidências arqueológicas dos três lugares mencionados por Albright, veja, em especial, as páginas 555-
556 (Aenon perto de Salim), 556-559 (Sicar), e 572-575 (o Lithostroton). Quanto à discussão de Betânia
além do Jordão, um sítio que continua altamente controverso, veja as páginas 528-533.
30
Ibid., 583
Judeia presentes em João devem ter derivado de cristãos da Diáspora no
mundo greco-romano, provavelmente passadas adiante por meio da tradição
oral. Isso significa que em vez de uma criação do segundo século,
completamente separada do tempo e dos lugares dos eventos descritos, o
Evangelho de João contém boas e antigas reminiscências, o que necessariamente
favorece a autenticidade do seu conteúdo.31 Paul N. Anderson declara que “a
contribuição arqueológica de Albright forçou os eruditos bíblicos a considerar
de novo aspectos significativos da historicidade joanina que haviam sido postos
de lado por por um século ou mais de pesquisas acadêmicas”.32
Os anos 40 testemunharam duas outras importantes descobertas
arqueológicas que tiveram que ver com a interpretação do Quarto Evangelho. A
primeira ocorreu no fim de 1945, quando treze códices encadernados em couro
do quarto século escritos em cóptico e contendo não menos que quarenta e nove
tratados foram descobertos em um pote debaixo de uma grande pedra em Nag
Hammadi, um sítio perto da vila egípcia de al-Qacr. Já que os códices
provavelmente refletem tradições do segundo século e combinam elementos
gnósticos e cristãos primitivos, toda a questão do impacto do Gnosticismo sobre
o Novo Testamento, em especial sobre João, foi reaberta. Foi afirmado que
agora havia provas irrefutáveis da influência gnóstica sobre o Quarto
Evangelho. 33 Investigações cuidadosas, no entanto, levaram a maioria dos
eruditos a rejeitar essa hipótese.34 Colocado de forma simples, os documentos
de Nag Hammadi não fornecem qualquer evidência de um redentor anterior ao
cristianismo, que possa ter influenciado a teologia e literatura da Igrejas
gentílicas, da qual o Evangelho de João seria o melhor exemplo, como descrito
por Bultmann e vários outros. Se esses documentos permitiram, pela primeira
vez, que os pesquisadores estudassem os gnósticos por meio de sua própria
literatura (e não somente como eles foram representados pelos heresiologistas
do início do cristianismo), eles também testemunham da grande distância que
existe entre ideias gnósticas e aquelas encontradas no Novo Testamento. Arthur
D. Nock diz que os escritos de Nag Hammadi confirmam aquilo que já está
implícito nos pais da igreja, que o Gnosticismo foi, de fato, uma “heresia cristã
com raízes no raciocínio especulativo”35 do segundo século.

31
Albright, “Recent Discoveries in Palestine”, 158
32
Paul N. Anderson, “Aspects of Historicity in the Gospel of John,” em Jesus and Archaeology, ed. James
H. Charlesworth (Grand Rapids: Eerdmans, 2006), 590.
33
Por exemplo, Gesine Robinson, “The Trimorphic Protennoia and the Prologue of the Fourth Gospel”
em Gnosticism and the Early Christian World: In Honor of James M. Robinson, ed. James E. Goehring, et
al. (Sonoma: Polebridge, 1990), 37-50.
34
Veja, em especial, Craig A. Evans, Word and Glory: On the Exegetical and Theological Background of
John’s Prologue, JSNTSup 89 (Sheffield: Sheffield Academic Press, 1993), 13-76
35
Arthur D. Nock, “Gnosticism”, em Arthur Darby Nock: Essays on Religion and the Ancient World, 2 vols,
ed. Zeph Stuart (Oxford: Clarendon, 1972), 2:956.
A próxima e última descoberta que ajudou resgatar a reputação de
Evangelho de João em relação à confiabilidade histórica foram os Rolos do Mar
Morto. Encontrados acidentalmente em 1947 perto de Khirbet Qumran, nas
proximidades das ruínas de um antigo assentamento judaico, os Rolos
consistem em um grande número de manuscritos bíblicos, a maioria
fragmentários, além de outros documentos. Visto que foram datados dentro do
período das origens cristãs (200 aC – 70 AD) com base em testes paleográficos e
carbono-14, esses documentos são de grande interesse não somente para a
pesquisa de Antigo Testamento e a história do judaísmo, mas também para a
pesquisa do Novo Testamento, particularmente em relação ao pano-de-fundo
de João. Os Rolos tornaram claro que mesmo antes da era cristã já existia um
ambiente literário no qual ideias judaicas, gregas e até pré-gnósticas eram
combinadas em uma forma que uma vez se imaginou ser única de João e do
segundo século em diante.
Nos Rolos há vários exemplos do vocabulário teológico dualístico
encontrado nos escritos joaninos e na literatura gnóstica posterior. Isso é
principalmente evidente no Manual de Disciplina, ou Regras da Comunidade.36
Nas cols. 3 e 4, por exemplo, encontram-se palavras como “mundo”, “verdade”,
“falsidade”, “luz”, “trevas”, “paz”, “alegria” e “eterno”. Tais palavras são
típicas da literatura primitiva cristã, particularmente do Evangelho de João.
Expressões como “praticar a fé”, “o Espírito da Verdade”, “Príncipe da Luz”,
“filhos da luz”, “filhos das trevas”, “a luz da vida”, “andar em trevas”, “a ira de
Deus” e “as obras de Deus” são também usadas de maneira tal que claramente
relembram João.37
São numerosos os paralelos e pontos em comum entre os Rolos de
Qumran e João e isso foi decisivo para estabelecer a base judaica fundamental
do Quarto Evangelho. Não é mais necessário, nem correto, apelar para um
ambiente helenístico e gnóstico do segundo século para explicar a característica
distintiva deste Evangelho. Apesar das diferenças conceituais e teológicas entre
João e Qumran não poderem ser ignoradas, as similaridades em termos de
vocabulário e imagens são de grande importância para determinar a natureza
da tradição joanina: agora é possível demonstrar que esta tradição está mais
próxima do próprio Cristianismo do que anteriormente imaginado.38

Recentes Pesquisas Joaninas

36
A tradução é de Geza Vermes, The Complete Dead Sea Scrolls in English (New York: Penguin, 1997),
98-117.
37
Para mais veja James H. Charlesworth, “A Critical Comparison of the Dualism in 1QS 3:13-4:26 and the
‘Dualism’ Contained in the Gospel of John”, em John and the Dead Sea Scrolls, enl. ed., ed. James H.
Charlesworth (New York: Crossroad, 1990), 76-106.
38
Stephen S. Smalley, John: Evangelist and Interpreter, 2d ed., NTP (Downers Grove: InterVarsity, 1998),
35.
Os Rolos do Mar Morto iniciaram o que se tornou conhecido como “a
nova visão a respeito do Quarto Evangelho”. Esse é exatamente o título de um
artigo publicado originalmente em 1959 por John A. T. Robinson, no qual ele
questionou cinco velhas pressuposições a respeito da confiabilidade da tradição
joanina que havia estado na própria base da pesquisa em torno do Quarto
Evangelho nos cinquenta anos anteriores. 39 As pressuposições eram tão
amplamente aceitas e o consenso tão forte que Robinson até pôde falar do que
denominou de “ortodoxia crítica”.40 Ao se referir explicitamente aos Rolos e
outras descobertas arqueológicas que vindicavam o conhecimento de João
quanto à topografia e as instituições da Palestina antes da Guerra Judaica, ele
falou do que lhe parecia ser indícios, mas que ele estava inclinado a levar a
sério, pois todos os indícios apontando para a mesma direção.41 Então, no final
do artigo, ele expressou sua convicção de que a tradição joanina não era o
resultado de um desenvolvimento posterior, mas remontava ao período inicial
do Cristianismo.42 Portanto, a pergunta se o material de João é historicamente
confiável ou teologicamente condicionado, ou seja, se o autor deveria ser
considerado uma testemunha do Jesus da história ou do Cristo da fé somente,
Robinson responde de forma clara: “Por ele [João] ser o escritor
neotestamentário que, teologicamente falando, leva a história mais sério do que
muitos outros ele tem, pelo menos, o direito de ser ouvido, em relação tanto à
história quanto à teologia.”43
Desta forma o palco estava montado para mais ações concretas em relação
à questão da história em João. Os primeiros resultados práticos, embora
imperfeitos, vieram em 1968, quando J. Louis Martyn publicou seu aclamado
pequeno livro sobre a redação do Quarto Evangelho. Os documentos de Nag
Hammadi e os Rolos do Mar Morto ajudaram a restaurar a essência judaica
deste Evangelho e, através de análise da redação, Martyn tentou localizar o
ambiente apropriado que melhor explicasse a mais evidente característica de
João, que é a grande hostilidade entre Jesus e os judeus.44 Para Martyn a razão

39
John A. T. Robinson, “The New Look on the Fourth Gospel”, in Studia Evangelica: Papers Presented to
the International Congress on “The Four Gospels in 1957” Held at Christ Church, Oxford, 1957, ed. Kurt
Aland et al., TU 73 (Berlin: Akademie, 1959), 338-350; reprinted in John A. T. Robinson, Twelve New
Testament Studies, SBT (Naperville: Allenson, 1962), 94-106.
40
Robinson, Twelve New Testament Studies, 94.
41
Ibid.
42
Ibid., 106
43
Ibid., 102. Robinson não foi o primeiro a suscitar novamente a questão da historicidade de João. Nos
Sarum Lectures, proferidas em 1954-1955 na Universidade de Oxford, C. H. Dodd já havia falado desta
nova situação, usando argumentos não muito diferentes daqueles usados por Robinson. Alguns anos
depois, as palestras de Dodd foram expandidas em um livro intitulado Historical Tradition in the Fourth
Gospel (Cambridge: Cambridge University Press, 1963).
44
O termo ioudaios ocorre 194 vezes no Novo Testamento; enquanto ele ocorre somente 16 vezes nos
Sinóticos em João ele ocorre 71 vezes, na maioria no plural. Neste seu estudo definitivo, Urban C. von
Wahlde conclui que destas 71 ocorrências 38 são utilizadas com sentido hostil (“The Johannine ‘Jews’: A
para essa hostilidade é que o evangelista e a sua comunidade estavam
envolvidos em uma disputa séria e violenta com a sinagoga local, da qual eles
haviam se separado. 45 A separação teria ocorrido perto do fim do primeiro
século quando os líderes religiosos judaicos excluíram os cristãos da adoração
pública ao adicionar uma maldição na liturgia da sinagoga contra eles, o Birkat
ha-Minim (Benção concernente aos Hereges).46
Embora bem poucos têm aceito a tese de Martyn integralmente,
virtualmente todos os intérpretes joaninos ficaram convencidos de que, apesar
de profundamente teológico, a teologia de João não está em um vácuo; não está
totalmente isolada ou não afetada pela realidade da história.47 Isso foi, de fato,
um imenso avanço em relação à pesquisas anteriores e é aqui que se encontra a
principal contribuição de Martyn aos estudos joaninos, apesar de ele
permanecer bastante cético quanto à historicidade da história do Evangelho
como um todo. É verdade que ele sugeriu que o Evangelho possui dois níveis
históricos, o de Jesus e o do evangelista, mas, alinhado com a crítica de redação
clássica que ainda estava sob a influência de uma forte visão anti-sobrenatural
da realidade ele, na prática, acreditava que as tradições acerca de Jesus haviam
sido tão completamente rearranjadas e reescritas de acordo com as
circunstâncias prevalecentes na época do evangelista que a figura histórica
daquele Galileu do início do primeiro século dificilmente pode ser vista através
das lentes joaninas.48
Após Martyn, e ainda dentro da atmosfera de empolgação criada pela
crítica de redação, um tópico relativamente novo começou a receber uma
atenção incrível e desproporcional dentro dos estudos joaninos – a comunidade
que supostamente seria responsável pela origem do Evangelho. Houve,
portanto, uma completa mudança de foco, abandonando a pessoa e identidade
do evangelista para focar na sua comunidade. As tentativas de reconstruir o
desenvolvimento histórico e teológico da comunidade, todavia, eram tão
diversificadas e especulativas que todo o empreendimento começou a ruir.
Martyn mesmo comparou a avalanche de reconstruções, incluindo a sua

Critical Survey”, New Testament Studies 28 [1982]:41 [cf. 57, ns. 68, 69]). O único livro que compete
tanto em número de ocorrências (79 vezes) e hostilidade é Atos.
45
Veja J. Louis Martyn, History and Theology in the Fourth Gospel (New York: Harper & Row, 1968).
46
Para um resumo da posição de Martyn veja Robert Kysar, The Fourth Evangelist and His Gospel: Na
Examination of Contemporary Scholarship (Minneapolis: Augsburg, 1975), 149-156, e esp. D. Moody
Smith, “The Contribution of J. Louis Martyn to the Understanding of the Gospel of John”, no The
Conversation Continues: Studies in Paul and John in Honor of J. Louis Martyn (Nashville: Abingdon, 1990),
275-294.
47
Veja D. Moody Smith, The Theology of the Gospel of John, NTT (Cambridge: Cambridge University
Press, 1995), 48-56.
48
Para uma proveitosa discussão quanto à história e o caráter da crítica de redação, veja Grant R.
Osborne, “Redaction Criticism”, em Interpreting the New Testament: Essays on Methods and Issues, ver.
ed., ed. David A. Black e David S. Dockery (Nashville: Broadman & Holman, 2001), 128-149.
própria, a um gênio que havia sido libertado da lâmpada e que estava sendo
“fora de controle”.49 Após cerca de duas décadas, a insatisfação com o valor das
abordagens histórico-críticas levou os estudos joaninos em duas direções
opostas. De um lado, vários novos métodos de interpretação foram adotados,
como a crítica sociológica e literária. A segunda, por exemplo, é essencialmente
uma metodologia pós-moderna e focada no leitor que tenta interpretar o texto
sem fazer referência a qualquer coisa que esteja fora ou além dele (e.g., seu
ambiente histórico) e assume a assumindo sua unidade mesmo em face de
todas as técnicas das críticas da fonte e da redação. 50 Isso significa que as
antigas questões da autoria e historicidade perdem completamente a relevância.
Do outro lado, e parcialmente por causa das mesmas descobertas arqueológicas
mencionadas acima, a questão da história em João foi reaberta e começou a ser
abordada de novo de uma forma muito mais direta e objetiva como nunca
dantes.
Mesmo com a crítica da redação ainda em ascendência, a “nova visão” de
Robinson já estava tendo impacto crescente em várias frentes dos estudos
acadêmicos joaninos contemporâneos. Em 1966-1970, Raymond E. Brown
publicou o seu influente comentário do Quarto Evangelho em dois volumes, no
qual ele assumiu uma abordagem relativamente conservadora em relação à
autoria e historicidade. 51 O mesmo pode ser afirmado a respeito de vários
outros importantes comentários publicados ao redor dos anos 70. Charles K.
Barrett, Rudolf Schnackenburg, e Barnabas Lindars assumiram aquilo que pode
ser descrito como uma posição intermediária entre o ceticismo largamente
difundido e a completa historicidade. Eles rejeitavam, por exemplo, a ideia de

49
Veja Thomas L. Brodie, The Quest for the Origin of John’s Gospel: A Source-Oriented Approach (New
York: Oxford University Press, 1993), 21 (para um resumo das principais reconstruções até o início dos
anos 90, veja 15-21).
50
Para uma introdução à crítica literária veja esp. Jeffrey A. D. Weima, “Literary Criticism” em
Interpreting the New Testament: Essays on Methods and Issues, rev. ed., ed. David A. Black e David S.
Dockery (Nashville: Broadman & Holman, 2001), 150-169. Uma discussão mais detalhada (com
exemplos proveitosos) deste e outros métodos recentes em relação ao Novo Testamento pode se
encontrado nas partes dois e três de Steven L. McKenzie e Stephen R. Haynes, Eds., To Each Its Own
Meaning: An Introduction to Biblical Criticisms and Their Application, rev. and exp. ed. (Louisville:
Westminster John Knox, 1999). A bibliografia mais recente de estudos joaninos, fornecendo amplas
referências aos estudos sociológicos e literários é Watson E. Mills, comp., The Gospel of John, vol. 4,
Bibliographies for Biblical Research: New Testament Series, ed. Watson E. Mills, 21 vols. (Lewiston:
Mellen, 1995).
51
Raymond E. Brown, The Gospel According to John, 2 vols. AB 29-29A (Garden City: Doubleday, 1966-
1970). Veja também as suas monografias anteriores, “Incidents That Are Units in the Synoptic Gospels
but Dispersed in St. John” CBQ 23 (1961):143-160; “The Problem of Historicity in John”, CBQ 24
(1962):1-14. No seu The Community of the Beloved Disciple: The Life, Loves, and Hates of an Individual
Church in the New Testament Times (New York: Paulist, 1979), 33-34, Brown rejeitou a sua visão anterior
de que o autor do Evangelho era João o Apóstolo, mas mesmo tarde em sua vida, no seu imenso The
Death of the Messiah (2 vols. [New York: Doubleday, 1994), ele permaneceu tão virtualmente confiante
quanto no seu comentário anterior ao encontrar elementos históricos na maioria das passagens de
João.
que o Discípulo Amado era o autor ou até mesmo a pessoa que poderia ter
fornecido informação histórica de primeira-mão, mas estavam dispostos a
aceitar que quem quer que fosse responsável por este Evangelho tinha à sua
disposição pelo menos algumas tradições confiáveis.52
Duas áreas gêmeas de pesquisa nas quais posições aceitas havia longo
tempo começaram a mudar tinham a ver com o gênero do Quarto Evangelho e
sua relação com os Sinóticos. Mesmo sendo diferente, João não é um tratado
teológico em si, mas um Evangelho, ou seja, uma narrativa do ministério de
Jesus e, por isso, deve ser colocado junto com Marcos, Mateus e Lucas. Isso é o
que ele afirma a respeito de si mesmo (20:30-31), e isso é o que ele é. À
semelhança dos Sinóticos, ele começa com o aparecimento de João Batista e
termina com o relato da Paixão, tudo em uma moldura cronológica que parece
ser muito mais completa e exata que a dos outros. Já em 1969 Käsemann se
impressionou pelo fato de que “João se sentiu sob a obrigação de compor um
Evangelho em vez de cartas ou uma coleção de declarações” e considerou que
isso era prejudicial para alguns dos argumentos de Bultmann. “Pois me
parece”, disse ele, “que se alguém não tem interesse algum no Jesus histórico,
então não escreveria um Evangelho, mas, pelo contrário, acharia a forma de
Evangelho inadequada.” 53 Além do mais, o autor de João alega ser uma
testemunha ocular direta em pelo menos alguns dos eventos que relata (21:24;
19:34-35; cf. 1:14), o que enfatiza fortemente a importância da figura histórica de
Jesus para ele. Em I João ele é ainda mais explícito quanto a isso (cf. 1:1-3; 2:18-
25; 4:1-3; 5:6-9), e a Epístola faria pouco ou nenhum sentido sem o Evangelho.
Isso levou a uma completa reavaliação do consenso tradicional de que
João dependera dos Sinóticos ou, como no caso de Bultmann, que João
dependera de uma fonte de sinais e outra fonte da Paixão.54 Já desde 1938 P.
Gardner-Smith havia argumentado que João havia sido escrito
independentemente dos Sinóticos,55 uma tese que foi mais desenvolvida por C.
H. Dodd algumas décadas mais tarde e que era compatível com o valor

52
Charles K. Barrett, 100-144; Rudolf Schnackenburg, The Gospel According to St. John, 2 vols., trans.
Kevin Smyth, et al. (New York: Herder & Herder, 1968-1982), 1:75-104; Barnabas Lindars, The Gospel of
John, NCB (London: Oliphants, 1972), 28-34. Estudos recentes que representam posições intermediárias
similares incluem George R. Beasley-Murray, John, 3 WBC (Waco: Word, 1987; 2d. ed. [Nashville:
Nelson], 1999), lxxiii-lxxv; D. Moody Smith, “Historical Issues and the Problem of John and the
Synoptics”, em From Jesus to John, ed. Martinus C. de Boer, JSNTSup 84 (Sheffield: JSOT, 1993), 252-267;
idem, John, ANTC (Nashville: Abingdon, 1999), 24-27; R. Alan Culpepper, “The AMHN, AMHN Sayings in
the Gospel of John”, em Perspectives on John: Methods and Interpretation in the Fourth Gospel, ed.
Robert B. Sloan e Mikeal C. Parson (Lewington: Mellen, 1993), 57-101; idem, John, The Son of Zebedee:
The Life of a Legend, SPNT (Minneapolis: Fortress, 2000), 56-88.
53
Ernst Käsemann, New Testament Questions for Today, trans. W. J. Montague (Philadelphia: Fortress,
1969), 41.
54
Veja Ashton, 45-50. Para mais informação a respeito da crítica das fontes em João, veja Gerard S.
Sloyan, What Are They Saying about John? (New York: Paulist, 1991), 28-49.
55
P. Gardner-Smith, Saint John and the Synoptic Gospels (Cambridge: Cambridge University Press, 1938).
histórico de João. Depois de uma análise exaustiva do Evangelho, Dodd
concluiu que era altamente provável que o quarto evangelista utilizara uma
antiga tradição (oral) independente dos outros Evangelhos e que merecia séria
consideração como uma contribuição ao conhecimento dos fatos históricos
relacionados a Jesus Cristo. 56 Independência, todavia, não é equivalente à
historicidade, assim como dependência não faz de uma composição
necessariamente uma ficção. Portanto, mesmo que possa ser demonstrado que
João conhecia e usou um (geralmente Marcos) ou mais Evangelhos,57 em vista
do acúmulo de evidência isso não mais pode comprometer o fato de que João
contém tradição genuína.
O fato é que, em anos recentes e como parte integral da Terceira Busca
pelo Jesus histórico, as pesquisas joaninas chegaram a um ponto em que o
caráter historiográfico do testemunho do Discípulo Amado é defendido tão
aberta e poderosamente como nunca. Isso tem sido feito, por exemplo, por
eruditos como Martin Hengel, James H. Charlesworth e, especialmente, Richard
Bauckham. 58 Apesar de não chegarem ao ponto de identificar o Discípulo
Amado com o apóstolo João,59 suas obras sinalizam uma tendência importante
na pesquisa contemporânea do Quarto Evangelho60: a reabilitação de João como
fonte para a busca do Jesus histórico.
Esta tendência culminou em 2002 no estabelecimento do Projeto João,
Jesus e História nos encontros anuais da Sociedade Bíblica de Literatura. Este
projeto, que agora está no seu terceiro triênio e tem atraído uma quantidade
considerável de atenção dentro das pesquisas acadêmicas de João e Jesus, tem a
intenção de examinar questões fundamentais tanto da natureza do Quarto
Evangelho quanto da sua historicidade. Um número das monografias mais

56
Dodd, 423.
57
Para uma pesquisa abrangente de posições em relação ao assunto do relacionamento de João com os
Sinóticos desde Gardner-Smith e Dodd, veja Smith, John among the Gospels, 45-194.
58
Por exemplo Martin Hengel, The Johannine Question (London: SCM, 1989), posteriormente expandida
como Die Johanneische Frage: Ein Lösungsversuch, WUNT 67 (Tübingen: Mohr, 1993); James H.
Charlesworth, The Beloved Disciple: Whose Witness Validates the Gospel of John? (Valley Forge: Trinity,
1995); Richard Bauckham, Jesus and the Eyewitnesses: The Gospels as Eyewitness Testimony (Grand
Rapids: Eerdmans, 2006); idem, The Testimony of the Beloved Disciple: Narrative, History, and Theology
in the Gospel of John (Grand Rapids: Baker, 2007).
59
Enquanto Charlesworth sustenta que o Discípulo Amado era o Apóstolo Tomás (The Beloved Disciple
225-287), tanto Hengel como Bauckham pensam que ele era o elusivo João o Ancião da famosa citação
de Papias preservada por Eusebius (Church History 3.39.4). De acordo com eles, ainda quando era um
rapaz muito jovem e através do ministério de João Batista, este João foi atraído pela atividade de Jesus e
se tornou um dos seus discípulos mais fiéis, apesar de não ser um dos Doze (Hengel, The Johannine
Question, 109-135; Bauckham, The Testimony of the Beloved Disciple, 73-91).
60
Para estudos adicionais e mais especializados em relação a passagens e questões que lidam com a
historicidade de João, veja Craig L. Blomberg, “John and Jesus”, em The Face of New Testament Studies:
A Survey of Recent Research, ed. Scot McKnight e Grant R. Osborne (Grand Rapids: Baker, 2004), 220-
224, e as várias resenhas em Richard Bauckham e Carl Mosser, eds., The Gospel of John and Christian
Theology (Grand Rapids: Eerdmans, 2008).
importantes apresentadas nas sessões por pesquisadores joaninos de destaque
foram coletados em dois volumes que de agora em diante certamente serão
ponto de referência para os interessados no assunto.61 As vozes ainda não estão
em uníssono – elas provavelmente jamais estarão – mas é possível detectar
elementos de convergência significantes em meio às várias discussões, como,
por exemplo, mais atenção ao tipo específico de memória historiográfica e à
forma com que ele entende história, um afastamento considerável da análise
crítica das fontes, um interesse contínuo em relação à questão do
relacionamento entre João e os Sinóticos, uma nova abordagem quanto ao
debate histórico-teológico, um apelo por investigações interdisciplinares como
também uma abordagem com mais nuances nos estudos sobre Jesus. Embora os
estudos ainda não forneçam muitas respostas claras, há um verdadeiro esforço
em colocar o Evangelho de João no seu devido lugar em relação à busca do
Jesus histórico.62 E esta é uma das mais significativas mudanças na pesquisa
joanina moderna, sejam quais forem os resultados a longo prazo.63
De fato, parece haver uma lógica muito forçada ao concluir que por João
ser tão diferente dos Sinóticos e por ter um tom destacadamente teológico ele
não pode ter um caráter histórico. Do ponto de vista hermenêutico a abordagem
ou um/ou outro é completamente injustificada, e se os resultados da
arqueologia não forem confinados aos meandros dos livros especializados ou à
penumbra das salas de museus, seria possível dizer que tal abordagem está, na
verdade, equivocada. É intrigante, pondera Anderson, que mesmo tendo mais
material arqueológico e topográfico que todos os três Sinóticos juntos ainda há
aqueles que consideram que João é completamente não histórico. Neste caso,
como se justifica esse material? De onde veio e por que foi incluído? Foi
somente para efeito retórico ou para dar um ar de realismo à narrativa?64 Algo
que precisa ser dito alto e bom tom é que o ato de aceitar esse material como um
sinal positivo do caráter e da origem da tradição joanina não deveria ser tão
rapidamente descartado como um mau uso de sensibilidade crítica.65

61
Paul N. Anderson, Felix Just e Tom Thatcher, eds., John, Jesus and History, vol. 1, Critical Appraisals of
Critical Views, SBLSymS 44 (Atlanta: SBL, 2007); idem, John Jesus and History, vol. 2, Aspects of
Historicity in the Fourth Gospel, SBLECL 2 (Atlanta, SBL, 2009).
62
“João voltou”, diz D. Moody Smith em seu artigo (“John: A Source for Jesus Research?” John, History
and Jesus, 1:177).
63
Um relato mais completo a respeito das tendências atuais da pesquisa acadêmica Joana pode ser
encontrado em Klaus Scholtissek, “The Johannine Gospel in Recent Research”, em The Face of New
Testament Studies: A Survey of Recent Research, ed. Scot McKnight e Grant R. Osborne (Grand Rapids:
Baker, 2004), 444-472. Veja também várias resenhas em Tom Thatcher, ed., What We Have Heard From
the Beginning: The Past, Present, and Future of Johannine Studies (Waco: Baylor, 2007).
64
Anderson, “Aspects of Historicity in the Gospel of John”, 596.
65
Não pode ser esquecido que há várias outras fontes de evidência a favor da historicidade de João.
Além das referências topográficas, Anderson lista reivindicações retóricas a conhecimento de primeira
mão, aspectos de espacialidade e incidentes topográficos, aspectos da familiaridade pessoal, referências
cronológicas e o fato de detalhes empíricos (597-613). Concluindo seu artigo ele argumenta que
Conclusão
As pesquisas joaninas têm uma dívida enorme para com a arqueologia. A
abordagem metodológica e filosófica dos eruditos pós-Iluminismo, que
raramente utilizaram análise histórica em relação ao Quarto Evangelho, foi
severamente enfraquecida por um número de descobertas topográficas e de
artefatos. Tais descobertas exigiram uma completa reavaliação da questão da
história neste Evangelho e deu origem a discussões mais objetivas em relação a
vários assuntos relacionados. Apesar de ser impossível à pá do arqueólogo
demonstrar a veracidade de declarações como “o Verbo se tornou carne e
habitou entre nós” (1:14), “Deus amou o mundo de tal maneira que deu Seu
único filho” (3:16) e “Jesus é o Cristo, o Filho de Deus” (20:31) ou episódios
como o milagre em Caná (2:1-11), a multiplicação dos pães para os cinco mil
(6:1-15) e a ressurreição de Lázaro (11:17-44), ela tem contribuído mais do que
qualquer outra oicsa para colocar o caráter judaico, a antiguidade e mesmo a
probabilidade histórica de João sobre fundamento firme.
Que este Evangelho não foi escrito depois da virada do primeiro século
dificilmente ainda pode ser contestado. Em relação ao seu pano-de-fundo
conceitual, são reconhecidamente poucos os eruditos que ainda trabalham
dentro das restrições da escola religioso-histórica, argumentando em favor do
helenismo em vez de judaísmo como fonte primária das ideias de João.66 Em
relação à autoria, é verdade que muitos intérpretes abstêm-se de identificar o
Discípulo Amado com João, o filho de Zebedeu, mas hoje em dia é reconhecido
abertamente que “há sempre a chance de que o apóstolo João poderia ter sido
de alguma forma o ‘autor’ do Evangelho que tradicionalmente denominamos
‘de João’”, como Francis J. Moloney afirma. Ele continua dizendo: “É arrogância
descartar qualquer possibilidade.” 67 Em relação à confiabilidade histórica,
apesar de praticamente todos os eruditos agora concordarem que por detrás do

“mesmo que muito de João seja teológico, alegar que tudo o seu conteúdo – o mesmo a maioria dele,
seja atribuído aos cânones de uma historicidade e elucubrações é mais do que o autêntico erudito irá
querer afirmar.” (“Aspects of Historicity in the Gospel of John”, 618).
66
Um exemplo clássico é Helmut Koester, que continua explicando as histórias de milagres e discursos
típicos de João como uma interpretação gnóstica de culto e tradição dentro da comunidade Joana (From
Jesus to the Gospels:Interpreting the New Testament in Its Context [Minneapolis: Fortress, 2007], 105-
121).
67
Francis J. Moloney, The Gospel of John, SP4 (Collegeville: Liturgical, 1998), 8. A visão tradicional de que
o Discípulo Amado era o apóstolo João ainda é mantida por um número considerável de eruditos
recentes. E.g. John A. T. Robinson, The Priority of John, ed. J. F. Coakley (London: SCM, 1985), 93-122; D.
A. Carson, The Gospel According to John (Grand Rapids: Eerdmans, 1991), 68-81; Gary M. Burge,
Interpreting the Gospel of John, GNTE (Grand Rapids: Baker, 1992), 37-52; Herman N. Ridderbos, The
Gospel of John: A Theological Commentary, trans. John Vriend (Grand Rapids: Eerdmans, 1997), 672-
683; E. Earle Ellis, The Making of the New Testament Documents (Leiden: Brill, 1999), 143-146; Craig S.
Keener, The Gospel of John: A Commentary, 2 vols. (Peabody: Hendrickson, 2003), 1:82-104; Colin G.
Kruse, John, TNTC (Grand Rapids: Baker, 2004), 6-8; Paul N. Anderson, The Fourth Gospel and the Quest
for Jesus: Modern Foundations Reconsidered (New York: T & T Clark, 2006), 8-15.
material de João existem algumas boas tradições, a maioria deles continua a
manter que a maior parte desse material é mais digno de desconfiança que de
confiança. 68 No entanto, como Craig L. Blomberg observa, isso é mais o
resultado de uma pressuposição que simplesmente rejeita qualquer forma de
sobrenatural que a conclusão de um argumento sustentado.69 E é aqui que a
discussão termina, pois no fim de tudo a reação a este Evangelho não estará
ligada tanto ao peso das evidências, mas a uma decisão individual. (cf. 12:37;
20:29).

68
No seu comentário recentemente publicado, Andrew T. Lincoln declara enfaticamente: “O Quarto
Evangelho, como muitas antigas biografias, é uma narrativa que contém um substrato de eventos-chave
da tradição com alegações substanciais quanto à confiabilidade, mas que agora é agora formatado por
uma superestrutura interpretativa que contém uma quantidade considerável de enfeites, incluindo
alguns elementos lendários ou fictícios” (The Gospel According to Saint John, BNTC [Peabody:
Hendrickson, 2005], 46-47). Para uma crítica ainda mais cética em relação à historicidade de João veja
Maurice Casey, Is o Evangelho de João verdadeiro? (London: Routledge, 1996), e os volumes duplos do
Jesus Seminar: Robert Funk, Roy W. Hoover e o Jesus Seminar, The Five Gospels: The Search for the
Authentic Words of Jesus (New York: Macmillan, 1993); Robert Funk and the Jesus Seminar, The Acts of
Jesus: The Search for the Authentic Deeds of Jesus (San Francisco: HarperSanFrancisco, 1998).
69
Craig L. Blomberg, The Historical Reliability of John’s Gospel: Issues and Commentary (Downers Grove:
InterVarsity, 2001), 283.

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