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Estef - Pessoal - 18 - 04 - 2006 - 17 - 51 - 34 - Monografia Da Filosofia
Estef - Pessoal - 18 - 04 - 2006 - 17 - 51 - 34 - Monografia Da Filosofia
SUMÁRIO............................................................................................................................2
INTRODUÇÃO....................................................................................................................3
Referências bibliográficas....................................................................................................58
INTRODUÇÃO
1
Sigla e numeração referentes ao Tractatus Logico-Philosophicus. São Paulo: Edusp, 1994.
2
Sigla e numeração referentes às Investigações Filosóficas. In: Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural,
1975.
3
corrente analítica seria caracterizada pela valorização da linguagem ordinária, prática –
familiar às Investigações.
No entanto, qualquer definição ou distinção filosófica deve ser prudente ao
pretender utilizar-se de terminologias e definições absolutas. Neste trabalho, tal prudência
deve acompanhar a leitura de cada definição ou conceituação, como por exemplo: quando
são apresentadas possíveis definições de Filosofia Analítica, a divisão de tal movimento
em duas correntes não são interpretações absolutas.
No segundo capítulo, são trabalhadas as duas teorias tomadas como centrais na
estruturação da primeira obra wittgensteiniana. Por primeiro, a teoria da figuração,
segundo a qual a linguagem figura o mundo numa espécie de adequação entre o pensar, o
falar e o real. Tal adequação é regida pela estrutura lógica que iguala a estrutura do falar
com a estrutura do falado. Existe uma relação de configuração entre o mundo, o pensar e o
falar (T. 2.161). A segunda teoria dos Tractatus é a teoria da verdade, segundo a qual a
linguagem é uma simples descrição do mundo. Tal descrição é feita a partir de frases
complexas que são compostas de frases elementares. As frases complexas (a descrição do
mundo) são verdadeiras quando são verdadeiras as frases elementares que as compõem. A
proposição é verdadeira se exprime um estado de coisas como realmente ele é.
No terceiro capítulo é desenvolvida uma interpretação da teoria wittgensteiniana
das Investigações. Teoria marcada pela ruptura e superação do Tractatus e da tradição
lingüística ocidental. Tal ruptura e superação são marcadas pela crítica às teorias objetivista
e espiritual da significação lingüística e pela superação do dualismo tradicional e da
parcialidade da concepção instrumentalista da linguagem. Tal superação resulta numa
original e interessante re-proposta desenvolvida a partir dos jogos de linguagem que são
regidos por regras gramaticais, caracterizados pela semelhança de família e alojados nas
formas de vida. Aqui a linguagem abandona sua pretensão de exatidão absoluta, buscada
pela proposta de constituição de uma linguagem ideal que servisse como referência para
todas as linguagens, e passa a valorizar a linguagem prática aplicada e vivenciada em cada
contexto.
A pretensão desta pesquisa não é encontrar soluções precisas para os problemas
filosóficos, nem apresentar descobertas geniais ou o melhor dos trabalhos acadêmicos
referentes à Filosofia da Linguagem. Se esta fosse a pretensão, se estaria sendo tão ou mais
prepotente que o Primeiro Wittgenstein, estar-se-ia pretendendo filosofar contra os
4
princípios básicos de uma Filosofia equilibrada e madura e, pior que isso, se estaria
negando toda a concepção de Filosofia da Linguagem desenvolvida pelo Segundo
Wittgenstein. De acordo com a concepção filosófica do Wittgenstein das Investigações,
objetiva-se, nas páginas que seguem, compor um jogo de linguagem, no qual, se possa
compreender o contexto em que Wittgenstein depara-se com o problema da significação da
linguagem e quais as possíveis respostas que ele apresenta para tal problema. A partir do
problema da significação buscar-se-á a resposta apresentada pelo Primeiro e pelo Segundo
Wittgenstein. Daí o título deste trabalho ser: “Wittgenstein: Um problema, duas respostas”.
5
I – A PROBLEMÁTICA FILOSÓFICA
CONTEMPORÂNEA A WITTGENSTEIN
3
HALLER. Wittgenstein e a Filosofia Austríaca: Questões, p. 17.
4
MARCONDES. Filosofia Analítica, p. 38.
O que se percebe é que a cada maneira de conceber Filosofia o autor apresenta uma
resposta, também diversa, para a questão do significado. Conforme o comentário de
Marcondes, isso não significa mudança de problema, mas sim diferentes interpretações e
respostas ao mesmo problema. O problema da Filosofia da Linguagem torna-se o centro
das discussões filosóficas a partir do final do século XIX e início do século seguinte. Esse
problema será aqui abordado à luz das duas formas metodológicas que marcam a Filosofia
wittgensteiniana. As duas formas de respostas a tal problema serão distinguidas como as
respostas do Primeiro Wittgenstein e as do Segundo Wittgenstein. Antes de entrar
propriamente na resposta do Primeiro Wittgenstein, que é condição para se chegar ao
Segundo, o qual interessa mais propriamente a este trabalho, será desenvolvida, como
primeiro capítulo, uma contextualização básica do movimento filosófico em que
Wittgenstein está radicado, a saber, o Movimento Analítico. Dentro desse movimento será
focalizada a existência de duas escolas analíticas diversas e o caminho que Wittgenstein
toma em tal diversidade.
5
[...] muitos sistemas filosóficos atuais apresentam pontos comuns com questões que encontramos também
em Descartes e Leibniz ou, muito antes, em Platão e Aristóteles. Mas, tal aspecto, se fosse considerado
absoluto, forneceria uma imagem errônea da Filosofia atual. Também na vida filosófica, de maneira
semelhante ao que se verifica nas ciências técnicas, ocorrem mudanças que caracterizam a Filosofia de hoje
com o selo da unicidade, e isto não apenas por causa do caráter de moderno e, em parte, por causa da
radicalidade das opiniões defendidas, que não encontram iguais no passado, mas também por causa das
mudanças fundamentais nas problemáticas. (STEGMÜLLER. A Filosofia Contemporânea. Vol. I, p. 2).
6
Cf. ARISTÓTELES. Metafísica. Vol. II, p. 11.
7
SALLES. O Caminho Para a Ruína.
7
revolucionário marxista, a Psicologia8, temas que são pressupostos como “a priori” à
pesquisa aqui desenvolvida, mas que não serão conteúdo do problema que este trabalho
pretende abordar. O que se constata é que daqui se originam correntes filosóficas como o
neokantismo, o existencialismo e a fenomenologia, formando o cenário filosófico em que
nasce Wittgenstein9. Cenário este do qual, segundo Kurt Wuchterl, os intelectuais mais
cultos se haviam afastado devido à insatisfação com a Filosofia de Hegel, Marx,
Kierkegaard e Nietzsche. Tal fato fez com que se passasse a valorizar o pensamento das
ciências naturais, desafiando a Filosofia a entrar na área científica caso quisesse ter vez e
voz10. O que conduziu ao surgimento da Filosofia Analítica, que centraliza sua discussão na
Filosofia da Linguagem, da qual Wittgenstein é um dos principais defensores. A primeira
obra que marca a ação de Wittgenstein no campo da Filosofia Analítica é o Tractatus,
publicado em 1921.
O nome Filosofia Analítica, mesmo que Tugendhat afirme que em nenhum lugar
está escrito o que seja11, é atribuído a uma certa maneira de fazer Filosofia que pretende dar
um passo além da Filosofia anterior. Pretende tornar as reflexões filosóficas mais claras e
precisas no intuito de evitar mal-entendidos.
O rigor metodológico que caracteriza a Filosofia Analítica serve para nos prevenir de
cometermos erros ao raciocinar com palavras ou conceitos abstratos. A Filosofia Analítica
resulta, pois, do fato de que a maioria dos filósofos contemporâneos, cientes do quanto as
palavras podem nos confundir e do quanto elas efetivamente confundiram os filósofos no
passado, concebe os problemas filosóficos primeiramente como problemas de
esclarecimento do sentido de nossas expressões, de modo a assegurar que a investigação
não se perca, logo no início, em confusões conceituais, originadas de uma compreensão
inadequada da maneira como a nossa linguagem funciona. 12
13
Cf. COSTA. Filosofia Analítica, p. 11.
14
Cf. D’AGOSTINI. Analíticos e Continentais, p. 278.
15
Em termos gerais, a Filosofia Analítica pode ser caracterizada por ter como idéia básica a concepção de que
a filosofia deve realizar-se pela análise da linguagem. Sua questão central seria então, pelo menos em um
primeiro momento, ‘Como uma proposição tem significado?’. É nesse sentido que, nessa concepção de
filosofia, o problema da linguagem ocupa um lugar central. (MARCONDES. Filosofia Analítica, p. 12.
9
Filosofia da Linguagem seria a característica distintiva da Filosofia Analítica. Na mesma
linha surge Milton Munitz que afirma ser o interesse por questões de caráter lógico-
lingüístico que caracteriza a Filosofia Analítica, em oposição às questões epistemológicas
da Filosofia moderna. Thomas Baldwin discorda de Dummett e enfatiza a análise lógica e
epistemológica desenvolvida por Moore e Russell como ponto fundacional de tal
movimento. No entanto, parece não haver uma incompatibilidade entre as teses de
Dummett e Baldwin, uma vez que o primeiro se embasa em Frege e o segundo em Russell
e a preocupação de Frege pela linguagem estaria estreitamente conectada com a
preocupação de Russell. Da proposta de ambos teriam surgido dois aspectos próprios do
Movimento Analítico: o estilo disciplinado e a tentativa de unificar as discussões
filosóficas16.
Segundo Franca D’Agostini, precisar a data em que se inicia a Filosofia Analítica
dependeria de qual aspecto do programa analítico seria considerado determinante. Se
considerada como “ciência”, teria seu início entre os séculos XIX e XX com Brentano. Se
considerada como “análise” teria seu início em Frege, nos fins do século XIX. Se
considerada Filosofia “pura”, é possível remeter sua origem a Aristóteles, Descartes e
Kant, que, de forma não-consciente, a teriam desenvolvido como análise lingüística. Por
outro lado, se pensada a Filosofia Analítica como exercício sobre a linguagem, não
contaminada por implicações epistemológicas, se está definindo como analítica somente a
Filosofia surgida na Inglaterra via as novas pesquisas do Segundo Wittgenstein e ao
trabalho de Austin17.
Para ter presente todos esses aspectos, de acordo com D’Agostini, poder-se-ia
admitir que os precursores do Movimento Analítico tenham sido Frege, alguns discípulos
de Brentano, os primeiros lógicos polacos, Russel, Moore e o Primeiro Wittgenstein, que
formula sua primeira resposta filosófica na qual se reflete o auge e o desfecho deste
primeiro período do Movimento Analítico. No entanto, D’Agostini afirma que o verdadeiro
Movimento Analítico teria surgido mais tarde com o afirmar-se autoconsciente de uma
Filosofia lingüística, primeiro pensada como Filosofia lógica, depois como análise da
linguagem, por volta dos anos de 1930, com a publicação da revista oficial do
neopositivismo vienense. Ainda seria de relevância a ascensão de Hitler ao poder (1933),
fazendo com que muitos intelectuais alemães, austríacos e polacos fossem obrigados a
16
Cf. MUGUERZA e CEREZO, La Filosofia hoy, p.11.
17
Cf. D’AGOSTINI. Analíticos e Continentais, p. 289.
10
migrar. Os principais neopositivistas teriam se refugiado na América ou na Inglaterra 18.
Isso tem relação com o autor aqui trabalhado, porque, em 1929, Wittgenstein retorna à
Inglaterra, onde já se desenvolvia a tradição de análise filosófica. Essa tradição e forma de
filosofar compõem o cenário onde Wittgenstein protagoniza toda a reviravolta lingüística
oferecendo sua segunda e original resposta à problemática vigente.
Confirmando e aprofundando o que é mencionado acima, Costa diz que, para
diferenciar o Movimento Analítico da Filosofia tradicional, não é necessário negar sua
caracterização pela investigação das coisas (idéias, conceitos) mais fundamentais, gerais e
abstratos, que buscam entender a maneira como se relacionam as coisas entre si. Platão
buscava entender a relação hierárquica das idéias. Aristóteles perguntou sobre as diferentes
maneiras pelas quais o ser se diz. Descartes buscou a existência de um fundamento seguro
para o conhecimento. Kant perguntou pela possibilidade o conhecimento 19. Essas questões
continuam vigentes na Filosofia Analítica. Tal diferença expressar-se-ia na maneira como a
Filosofia Analítica trataria tais problemas. O que a Filosofia Analítica tem de novo é seu
paradigma de clareza e de rigor metodológico capaz de evitar certos erros por vezes
cometidos pela Filosofia tradicional.
Muitas das questões referentes às coisas ou idéias mais gerais e abstratas começavam
com expressões do tipo “O que é?”. Eis alguns exemplos de perguntas desse tipo, feitas
pelos filósofos de todas as épocas: O que é o conhecimento? O que é opinião? O que é
uma pessoa? O que é o ser? O que é a existência? O que é uma categoria? O que é um
objeto? O que é uma idéia? O que é um pensamento? O que é a verdade? O que é a
possibilidade? O que é liberdade? O que é o bem? O que é o belo? O que é ação? O que é
o tempo?. 20
18
Cf. Ibid., p. 290.
19
Cf. COSTA. Filosofia Analítica, p. 13.
20
Ibid., p.12.
11
Em vez de se perguntar, por exemplo, o que é o conhecimento, a verdade, a existência, a
liberdade, o bem, o filósofo analítico prefere começar perguntando o que significam ou de
que modo são usadas tais palavras. 21
Duas grandes vertentes podem, contudo, ser identificadas. A primeira, que constitui o que
podemos chamar de semântica clássica, se desenvolve a partir de Frege, Russell e
Wittgenstein (com o Tractatus lógico-philosophicus, 1921), caracterizando estes dois
últimos, juntamente com Moore, a chamada Escola Analítica de Cambridge. Podemos
incluir ainda nessa tradição o positivismo lógico do Círculo de Viena, que foi de início
fortemente influenciado por Wittgenstein. A segunda grande vertente parte também da
21
Ibid., p. 14.
22
Ibid., p. 15.
12
influência de Moore, de Gilbert Ryle, do “segundo” Wittgenstein e de John Langshaw
Austin, incluindo a Escola de Oxford, também conhecida como “Filosofia da Linguagem
ordinária”, caracterizando assim a chamada “virada lingüística”. 23
13
XX. Esta vertente foi desenvolvida pelo Segundo Wittgenstein a partir da década de 1930
e, em seguida, pelos filósofos da Escola de Oxford. Será essa a linha pela qual este
trabalho mais se estenderá, uma vez que o principal objeto a ser atingido por esta pesquisa
é a significação da linguagem do Segundo Wittgenstein, onde se encontra a segunda e
definitiva resposta do autor à problemática de sua época. Os filósofos da linguagem
ordinária, na sua maioria, defendiam a não modificação pela Filosofia do uso natural ou
ordinário das expressões, bem como a não-adesão a pressupostos metafísicos sugeridos
pela lógica matemática25. Para Wittgenstein, a Filosofia deve reconduzir as palavras de sua
aplicação metafísica para sua aplicação cotidiana26. O filósofo deve simplesmente
esclarecer o uso dos significados concretos das expressões da linguagem ordinária.
D’Agostini centraliza a origem dos dois movimentos na Filosofia de Frege.
Além disso, o trabalho de Frege pode ser pensado como base única do dois movimentos.
Frege foi o ponto de referência tanto de Russell quanto dos neopositivistas austríacos,
alemães, polacos; de outra parte, como acenamos e como sustentou rapidamente
Dummett, Frege antecipou a ‘virada lingüística’ em todas suas variantes, inclusive o
interesse pela linguagem ordinária e pelos aspectos executivos, pragmáticos da
linguagem. 27
25
Cf. Ibid., p. 29.
26
Cf. WITTGENSTEIN. Investigações Filosóficas, § 116.
27
D’AGOSTINI. Analíticos e Continentais, p. 288.
14
1. 3 – O caminho empreendido por Wittgenstein
Wittgenstein nasceu no mesmo ano que Heidegger e Gabriel Marcel, 188928. Inicia
sua produção filosófica no período imediatamente anterior à Primeira Guerra Mundial. A
paisagem filosófica de então era determinada pelo Neokantismo, pela Filosofia da vida e
pela fenomenologia de Husserl. Como foi visto, Wuchterl diz que essa era uma época em
que as massas de pessoas cultas estavam, como hoje, afastadas da Filosofia devido à
insatisfação com a Filosofia de Hegel, Marx, Kierkegaard e Nietzsche. Aí se passou a
valorizar o pensamento das ciências naturais29. Isso teria desafiado a Filosofia a entrar na
área científica. Tal fato seria o principal responsável pelo surgimento da Filosofia
Analítica, da qual Wittgenstein é um dos principais defensores. A obra que introduz a ação
de Wittgenstein no campo da Filosofia Analítica é o Tractatus, publicado em 192130,
durante a Primeira Guerra Mundial, da qual Wittgenstein participou servindo o exército
austríaco.
Na primeira obra de Wittgenstein, o Tractatus, é apresentada uma Filosofia da
‘linguagem ideal”31. Ela tem um estilo próprio da primeira corrente da Filosofia Analítica,
que, como foi visto, primava pela lógica e pela Matemática como meios de purificação da
ambigüidade e imprecisão da linguagem. Contém a concepção que Wittgenstein defende e
eleva ao auge, acreditando ser ela a resolução de todos os problemas filosóficos 32. Ao
findar essa obra, ele afirma ter definitivamente solucionado tais problemas e não mais ser
28
Ludwig Josef Johann Wittgenstein nasceu em Viena, em 26 de abril de 1889, o caçula numa família de oito
filhos. Seu pai era industrial e um dos homens mais ricos da Áustria; a casa de Wittgenstein era um centro de
vida social e cultural vienense. [...]. Seu avô paterno era um abastado mercador de lã judeu de Hesse que se
convertera ao cristianismo protestante [...]. Seu pai Karl [...] estudou engenharia. Em algumas décadas
acrescentou uma fortuna à sua herança por meio de um bem-sucedido envolvimento com a indústria do ferro
e do aço, estabelecendo-se com um dos mais eminentes industriais do império austro-húngaro. [...] Era a mãe
de Wittgenstein, Leopoldine, quem mais se dedicava a encorajar as atividades culturais e musicais da família.
[...] O próprio Wittgenstein era dotado de uma fina sensibilidade musical. [...]. Leopoldine Wittgenstein era
católica romana e Wittgenstein foi criado nessa crença. A religião permaneceu um tema poderoso por toda a
sua vida (GRAYLING. Wittgenstein, 13; 14).
29
Cf. WUCHTERL. Ludwig Wittgenstein. Análise lingüística e terapia. In: FLEISCHER (Org.). História da
Filosofia. Filósofos do século XX, p. 62.
30
O Tractatus Logico-Philosophicus foi publicado pela primeira vez, em 1921, no periódico alemão Annalen
der Naturphilosophie, sob o título Logisch-Philosophische Abhandlung. A edição era precária, com muitos
erros. A primeira edição revista pelo autor foi a inglesa de 1922, com o texto alemão e a tradução inglesa face
a face, assinada por C.K. Ogden, que expressamente divide a autoria com P.F. Ramsey (WITTGENSTEIN.
Tractatus Logico-Philosophicus, p. 9).
31
Sua primeira grande obra, o Tractatus Logio-Philosophicus, contém uma espécie de Filosofia da
Linguagem ideal, tendo sido escrito enquanto ele serviu como voluntário, durante a Primeira Guerra Mundial
(COSTA. Filosofia Analítica, p. 52).
32
O livro trata dos problemas filosóficos e mostra – creio eu – que a formulação desses problemas repousa
sobre o mau entendimento da lógica de nossa linguagem (WITTGENSTEIN. Tractatus Logico-
Philosophicus, p. 131).
15
possível falar deles: “Por outro lado, a verdade dos pensamentos aqui comunicados parece-
me intocável e definitiva. Portanto, é minha opinião que, no essencial, resolvi de vez os
problemas”33. Esta afirmação será melhor estudada no próximo capítulo deste trabalho.
Mas, no final da década de 1920 e início da década seguinte, estimulado por uma
diferente concepção de fazer Filosofia, Wittgenstein retorna ao cenário filosófico e, em
contraposição ao antigo modo de pensar, desenvolve uma espécie de Filosofia da
Linguagem ordinária.
Ciente disso e estimulado por uma diferente concepção da maneira como a investigação
filosófica poderia ser exercida, Wittgenstein retornou a Cabridge, onde, nos 21 anos
seguintes, desenvolveu o que poderíamos classificar como uma espécie de Filosofia da
Linguagem ordinária. Embora tenha, nesse período, escrito intensamente, ele não
publicou praticamente nada, além do Tractatus. A obra mais importante dessa segunda
fase de sua Filosofia leva o título de Investigações Filosóficas.34
33
Ibid., p. 133.
34
COSTA. Filosofia Analítica, p. 52.
35
“A figuração é um modelo da realidade” (T. 2.12).
36
“A figuração concorda ou não com a realidade; é correta ou incorreta, verdadeira ou falsa” (T. 2.21). “Na
concordância ou discordância de seu sentido com a realidade consiste sua verdade ou falsidade” (T. 2.222).
“A totalidade dos pensamentos verdadeiros são uma figuração do mundo” (T. 3.01).
16
predominantes traços da Filosofia da Linguagem ordinária, que prima pelo uso e
contextualização da linguagem37.
Nas Investigações, é onde surge a grande novidade da Filosofia moderna da
Linguagem. Wittgenstein dá novo ar ao Movimento Analítico ao inserir e desenvolver, no
seio de tal movimento, as duas teorias básicas que protagonizam a Reviravolta Pragmática
e Metodológica da Filosofia da Linguagem, a saber, a teoria dos Jogos de Linguagem e a
teoria das Formas de Vida.
É possível dizer que Wittgenstein se mantém dentro da Filosofia Analítica devido à
sua característica, comum aos analistas, de centralizar a Filosofia sobre o tema da
linguagem e o que realmente ela diz e significa. Vale lembrar que a unidade da
problemática wittgensteiniana, que se manteve em torno da linguagem e seu significado,
foi o que possibilitou a Wittgenstein oferecer duas respostas a partir do contexto de um
único movimento filosófico. Sem ignorar que, talvez, a própria flexibilidade do
Movimento Analítico tenha possibilitado Wittgenstein sempre se identificar com uma das
correntes do mesmo movimento.
O empreendimento wittgensteiniano, iniciado no primeiro capítulo desse trabalho,
que apresenta de maneira sucinta a necessidade da contextualização do problema aqui
trabalhado, bem como, a contextualização do autor que trabalha tal problema, passando
pela menção das duas concepções do autor, será agora seguido em ordem cronológica. Por
isso, esse trabalho passa agora, em seu segundo capítulo, a estudar as principais teorias do
Wittgenstein do Tractatus, nas quais o autor elabora a primeira resposta, para depois, em
oposição a essa, elaborar a segunda resposta38.
37
“A significação de uma palavra é seu uso na linguagem” (I.F. § 43). “Uma palavra só tem significação no
contexto da proposição” (I.F. § 49).
38
“Há quatro anos, porém, tive a oportunidade de reler meu primeiro livro (o Tractatus Lógico-
Philosophicus) e de esclarecer seus pensamentos. De súbito, pareceu-me dever publicar juntos aqueles velhos
pensamentos e os novos, pois estes apenas poderiam ser verdadeiramente compreendidos por sua oposição ao
meu velho modo de pensar, tendo-o como pano de fundo” (WITTGENSTEIN. Investigações Filosóficas, p.
12).
II – A RESPOSTA DO PRIMEIRO
WITTGENSTEIN
39
C.f. TUGENDHAT. Lições Introdutórias à Filosofia Analítica da Linguagem, p. 11.
primeira resposta wittgensteiniana para, então, chegar à segunda resposta do autor, situada
nos jogos de linguagem e nas formas de vida do Segundo Wittgenstein. Para tanto, está-se
percorrendo o caminho aberto pelo autor, levantando a problemática de sua época,
passando pela sua primeira resposta a tal problemática, no intuito de acompanhar e
compreender o desenvolvimento de suas respostas.
Para refazer tal percurso, inicialmente, serão vistos alguns dados que influenciaram
o modo de pensar do autor, para depois passar às principais afirmações contidas no
decorrer da obra investigada. Feito isso, o estudo centralizar-se-á nas duas principais
teorias do Tractatus, a saber, a teoria da figuração e a teoria da verdade que são as colunas
da primeira resposta do autor. A teoria da figuração gira em torno da relação existente entre
o mundo, o pensar e o falar40. Tal figuração ocorre em dois momentos. Primeiro o mundo é
transformado em pensamento e depois em expressão lingüística. Aqui mundo e linguagem
possuem a mesma estrutura interna e externa. A teoria da verdade, como não poderia ser
muito diferente, preocupa-se com a verdade ou falsidade das proposições. Aqui existem
proposições complexas e proposições elementares. As complexas são verdadeiras quando
são verdadeiras as proposições elementares que as compõem 41 e, as elementares são
verdadeiras quando representam com autenticidade um estado de coisas que existe42.
A obra que introduz a ação de Wittgenstein no campo da Filosofia Analítica é o
Tractatus, publicado em 1921, durante a Primeira Guerra Mundial, da qual Wittgenstein
participou servindo o exército austríaco. No subitem que segue, serão estudados alguns
traços característicos da obra e o problema que implica diretamente a busca empreendida
por esta monografia, a saber, o problema do sentido da linguagem. Tal problema será visto
a partir da teoria da figuração (2.2.1) e da teoria da verdade (2.2.2). A primeira é
dependente da relação entre nome e objeto, a segunda depende da verdade das proposições
elementares.
40
“Na figuração e no afigurado deve haver algo de idêntico, a fim de que um possa ser, de modo geral, uma
figuração do outro” (T. 2.161).
41
“A proposição é uma função de verdade das proposições elementares” (T. 5). “A proposição é a expressão
da concordância e discordância com as possibilidades de verdades das proposições elementares” (T. 4.4).
42
“É verdadeira a proposição elementar, então o estado de coisas existe; é falsa a proposição elementar, então
o estado de coisas não existe” (T. 4.25). “As possibilidades de verdade das proposições elementares
significam as possibilidades de existência e inexistência dos estados de coisas” (T. 4.3).
19
2.2 – Sua primeira obra: Tractatus
O livro trata dos problemas filosóficos e mostra – como creio – que a formulação desses
problemas repousa sobre o mau entendimento da lógica de nossa linguagem. Poder-se-ia,
talvez apanhar todo o sentido do livro com estas palavras: o que se pode dizer, pode-se
dizer claramente; e sobre aquilo de que não se pode falar, deve-se calar. O livro pretende,
pois, traçar um limite para pensar, ou melhor – não para o pensar, mas para a expressão
dos pensamentos.45
Nessa passagem, o autor resume a proposta de sua obra. A partir dessa concepção,
ele defende, até o final do Tractatus, a teoria de que só pode ser dito algo sobre aquilo do
qual se pode sentenciar claramente. Fiel a essa afirmação, no final do mesmo prefácio, com
teor de quem atingiu o resultado, Wittgenstein diz ter resolvido todos os problemas: “A
verdade dos pensamentos aqui comunicados parece-me intocável e definitiva. Portanto, é
minha opinião que, no essencial, resolvi de vez os problemas”. 46 Essa afirmação é a
expressão máxima de quem seguiu uma proposta e obteve, de maneira satisfatória, o
resultado buscado. Quem continua a leitura depara-se com um Tractatus, que não tem
notas de rodapé e quase não cita pensadores clássicos, o que pode gerar interpretações de
um Wittgenstein claramente arrogante e prepotente. A verdade é que detalhes desta última
afirmação serão assuntos deixados para outras pesquisas; não são tema deste trabalho.
O que é bastante clara, embora não seja o objeto principal deste trabalho, é a
sistematicidade e rigorosidade na numeração que acompanha a forma caricatural desta
obra. As frases que são as proposições lapidares 47, em número de sete, recebem
numerações próprias. Essas frases, com suas devidas numerações, serão aqui apresentadas
com os comentários de Condé, que tenta esmiuçar a idéia central de cada frase ou de cada
conjunto delas. Esta interpretação pode até ser um tanto unilateral, mas não foi encontrado
43
Cf. CONDÉ. Wittgenstein Linguagem e Mundo, p. 42.
44
Cf. WUCHTERL. Ludwig Wittgenstein. Análise lingüística e terapia. In: FLEISCHER (Org.). História da
Filosofia. Filósofos do século XX, p. 63.
45
WITTGENSTEIN. Tractatus Logico-Philosophicus, p. 131.
46
Ibid., p. 133.
47
Proposições lapidares, porque em torno destas idéias principais, expressas por estas sete frases, é
desenvolvida toda a primeira teoria Wittgensteiniana. Elas são numeradas por numerais inteiros e
desmembradas em sub-numerais que explicitam a idéia principal.
20
outro autor que apresentasse uma análise com semelhante sistematicidade, através da qual
fosse possível confrontar as argumentações, que assim se apresentam:
1 – O mundo é tudo que é o caso.
2 – O que é o caso, o fato, é a existência de estados de coisas.
Estas duas proposições tratam da concepção ontológica do Tractatus, na qual o
mundo não é concebido como a totalidade das coisas, mas sim, dos fatos, sendo um fato a
subsistência de estados de coisas.
3 – A figuração lógica dos fatos é o pensamento.
A terceira proposição versa sobre a teoria do conhecimento, na qual o pensamento é
concebido como uma figuração lógica dos fatos.
4 – O pensamento é a proposição com sentido.
5 – A proposição é uma função de verdade das proposições elementares.
6 – A forma geral da função de verdade é...(a redução de todos os processos da
lógica à negação).
Da quarta à sexta proposição é abordada a estrutura da linguagem, mesmo que ela
venha em primeiro plano para Wittgenstein. No Tractatus, a linguagem é colocada em
termos de uma figuração ou imagem do mundo. Mesmo que a preocupação central do
Tractatus seja a linguagem, a obra inicia abordando a questão ontológica, ou seja, a
concepção de mundo.
7 – Sobre aquilo que não se pode falar, deve-se calar.
A sétima proposição carrega uma perspectiva transcendental de inspiração
kantiana48. Da mesma forma que em Kant, a tentativa é estabelecer um limite ao
conhecimento no sentido de definir o que posso conhecer. Em Wittgenstein tal tentativa
visa estabelecer um limite ao pensamento e à linguagem. Ambos partem de um objeto de
análise e procuram estabelecer suas condições de possibilidade. Em Kant o objeto de
análise são os juízos sintéticos a priori, em Wittgenstein a proposição. O Tractatus
pergunta e tenta responder “como é possível a proposição?” No entanto, Wittgenstein,
contrariamente a Kant, rejeita qualquer possibilidade de proposições sintéticas a priori49.
Boa parte da obra destina-se a levar adiante os trabalhos sobre lógica e Matemática
fundamental de Frege e Russell. Este trabalho investigará a primeira resposta
wittgensteiniana, da qual é composto o Tractatus, a partir da divisão comum na análise de
48
Cf. CONDÉ. Wittgenstein Linguagem e Mundo, p. 44.
49
Ibid., p. 47.
21
tal obra, segundo a qual a obra é composta de duas grandes e principais teorias: a teoria da
figuração e a teoria da verdade.
Frege e Russell tentam fortalecer a Matemática para que ela se torne o fundamento
de todas as coisas, mas caem em contradições internas, que não serão abordadas aqui.
Wittgenstein, por sua vez, busca uma solução para a questão dos fundamentos da Filosofia,
por meio de suas descobertas lógicas e gnosiológicas. Mas o importante é que ele colocou
a linguagem no centro de suas investigações. Essa é uma das características da Filosofia
Analítica50. Mas aqui, Wittgenstein não trata apenas de linguagens matemáticas, lógicas e
científicas, como Frege ou Russell. Ele pergunta pelas condições de possibilidade da
linguagem. Para isso desenvolve a teoria da figuração. As explicações indicativas apontam
para elementos da realidade.
Antes de descrever a teoria da figuração é válido relembrar que a questão
fundamental de toda a Filosofia wittgensteiniana é a linguagem e o pensamento e este
trabalho busca entender a linguagem e a significação em Wittgenstein. No Tractatus, como
foi visto, sua intenção fundamental é estabelecer com clareza a distinção entre aquilo que
realmente pode ser dito e aquilo do qual logicamente nada se pode dizer. Aqui, segundo
Oliveira, a linguagem continua exercendo uma função ocidental51. Função designativo-
instrumentalista-comunicativa, segundo a qual a linguagem é reduzida à condição de
instrumento que se equipara ao mundo para poder, a partir da isomorfia 52 existente entre
ambos, dizer do mundo. Aqui a linguagem continua sendo um simples instrumento de
comunicação.
Para Wittgenstein, a linguagem figura o mundo e, o mundo, segundo o Tractatus, é
a totalidade dos fatos, não das coisas. Os fatos seriam as estruturas complexas, enquanto as
coisas seriam simples. Para Wittgenstein, nomes desconexos, fragmentados, tornar-se-iam
coisas e não teriam denotação. Só no contexto de uma proposição os nomes possuiriam
denotação. É possível relacionar a proposição como fato e os nomes como coisas, para
ilustrar que é a totalidade dos fatos (proposições) que interessam para Wittgenstein e não
50
Cf. WUCHTERL. Ludwig Wittgenstein. Análise lingüística e terapia. In: FLEISCHER (Org.). História da
Filosofia. Filósofos do século XX, p. 64.
51
Cf. OLIVEIRA. Reviravolta Lingüístico-Pragmática, p. 95.
52
Significa mesma forma.
22
das coisas (nomes). Qualquer palavra, só possui denotação quando expressa como parte de
uma frase.
Assim sendo, o sentido de uma frase não é conferido pela associação de sentido
contido nas palavras que a formam. Nome e palavra aqui são a mesma coisa, nomes
formam proposições, palavras formam frases. Os nomes (palavras) não possuem sentidos,
eles só possuem denotação. Por isso, o sentido das palavras é conferido na frase na qual
estão incluídas. “Só a proposição tem sentido; é só no contexto da proposição que um
nome tem significado” (T. 3.3). Aqui, a novidade, em relação à tradição, é que se passa a
priorizar a frase (proposição) ao invés das palavras (nomes) independentes. Agora a
perspectiva da relação está em primeiro plano. O que não significa que para as proposições
terem sentido não seja necessário que os nomes possuam, antes, a possibilidade de
denotarem objetos. “O nome substitui, na proposição, o objeto” (T. 3.22). Aqui entra o
atomismo de Wittgenstein. Uma proposição só tem sentido se os nomes contidos nela
puderem, em princípio, estabelecer com os objetos do mundo uma relação. Quando isso
não acontece, as proposições resultam em falsidade.
Conforme Oliveira, é importante ter claro que Wittgenstein traduz o “mundo” como
“fato”.53 Por isso, distingue a categoria “fato” da categoria “estado de coisas”. Em tal
distinção, é possível dizer que o “fato” seria um estado de coisas existente, enquanto
“estado de coisas” seria meramente possível.
“A estrutura do fato consiste nas estruturas dos estados de coisas” (T. 2.034). A
estrutura não é um objeto, mas um tipo de configuração de objetos que só existem num
estado de coisas existente, num fato. O mundo, como é conhecido, assim é constituído,
porque os objetos assim se relacionam no interior dos estados de coisas. Assim sendo,
parece possível afirmar que se os mesmos objetos se relacionassem de formas diferentes,
diferentes estados de coisas, fatos e conseqüentemente mundos seriam possíveis.
A partir da teoria da figuração percebe-se que o problema fundamental de
Wittgenstein é a relação existente entre o mundo e o pensar. Ele compreende essa relação
como figuração. Seria uma adequação entre o pensar e o real. Mas, dessa adequação,
podem surgir questões como: em que sentido e até quando o real corresponde ao pensar? É
possível pensar uma correspondência entre dois campos diversos? A teoria da figuração
pretende ser uma resposta a tais questões.
53
Cf. OLIVEIRA. Reviravolta Lingüístico-Pragmática, p. 97.
23
Conforme Oliveira, para Wittgenstein, tal figuração do mundo é feita em dois
momentos. Em primeiro lugar, o mundo é transformado em pensamento e depois em
expressão lingüística, mesmo que tais momentos estejam intimamente associados. Porque
não se deve entender o mundo, a expressão ou imagem como uma reprodução sensível do
pensamento54.
Isso tornar-se-ia possível porque, de acordo Wuchterl, nas configurações
lingüísticas encontra-se uma estrutura lógica que corresponde àquela que se encontra nos
fatos55: estruturas isomórficas56. “O mundo dos fatos, o mundo dos pensamentos sobre os
fatos e o mundo da linguagem encontram-se numa relação de configuração (ou
reprodução), que não é reprodução fotográfica, porém no sentido de configurações
(representações) matemáticas de estruturas. Exemplo: um disco é reprodução de uma
partitura. Numa linguagem, também, a gente capta os fatos. Mas isso não ocorre por meio
de uma linguagem cotidiana. Mas somente no âmbito de uma linguagem lógica artificial,
que está na base das linguagens cotidianas como uma espécie de gramática profunda”. O
falar é significativo quando configura fatos.
Para Wittgenstein, a correspondência entre mundo e pensamento só é possível
quando ambos têm algo em comum (T. 2.161; 2.17). Tal identidade que permite a
correspondência, seria a da forma lógica que Wittgenstein denomina de forma da realidade
(T. 2.18). Esta identidade, que deve ser estrutural, possibilita a figuração. Os objetos
podem pertencer a mundos diversos, mas sua configuração é a mesma. Quando “A”
reproduz adequadamente a estrutura de “B”, “A” deixa de ser uma coisa e passa a ser uma
configuração de coisas, um fato. No Tractatus, “B” seria o mundo real, “A” seria o mundo
dos pensamentos certos a respeito da realidade. A figuração verdadeira deve possuir uma
correspondência isomórfica, isto é, deve haver uma identidade de estrutura interna e
externa. Na figuração dos fatos, seus elementos correspondem aos objetos (T. 2.13). “Os
elementos da figuração substituem nela os objetos” (T. 2.131).
Para Wittgenstein, o problema da verdade está relacionado à justa identidade
estrutural entre o mundo dos fatos e o mundo do pensamento. A verdade existe quando a
estrutura do pensamento corresponde à estrutura do mundo. A dificuldade de tal teoria
54
Cf. Ibid., p. 101.
55
Cf. WUCHTERL. Ludwig Wittgenstein. Análise lingüística e terapia. In: FLEISCHER (Org.). História da
Filosofia. Filósofos do século XX, p. 65.
56
Significa estruturas que possuem a mesma forma. Neste caso, a mesma forma, tanto externa quanto interna.
(Cf. Apud. OLIVEIRA. Reviravolta Lingüístico-Pragmática, p. 104).
24
estaria na impossibilidade de comparar conteúdos intelectuais com coisas reais. Contudo,
para o autor, não há problema, pois as relações do mundo real não são relações objetais,
mas de ordem lógica, tanto quanto as relações do pensamento (T. 2.032). Assim sendo, a
verdade nada mais é do que a identidade das estruturas das coisas (mundo real) e do
pensamento.
Tal forma de identidade, Wittgenstein chama de “forma lógica”. O pensamento
significativo está intimamente relacionado à lógica, como será possível ver neste próximo
item. Uma vez vista a teoria da figuração, passar-se-á agora à forma lógica que aparece de
maneira bastante próxima à teoria da verdade. Lembrando que a intenção é fazer destas
passagens um caminho que possibilite um contraponto para a profunda mudança
metodológica que será apresentada no terceiro capítulo.
Como foi visto, a figuração da realidade pressupõe algo comum entre a figuração e
o figurado que Wittgenstein denominou “forma lógica”. É possível dizer que a forma
lógica é aquilo que possibilita qualquer figuração, mas, ela mesma, não pode ser figurada.
“A figuração pode afigurar toda a realidade cuja forma ela tenha” (T. 2.171). “Sua forma
de afiguração, porém, a figuração não pode afigurar; ela exibe” (T. 2.172). A identidade de
estruturas é a condição de possibilidade da afiguração. Porém, para Wittgenstein, a forma
lógica não pode se tornar conteúdo de uma figuração. “O lógico é pressuposição e,
portanto, não figurável”57. A forma lógica é aquela que rege a formulação e confere
significado para qualquer proposição que tenha sentido.
A proposição pode representar toda a realidade, mas não pode representar o que deve ter
em comum com a realidade para poder representá-la – a forma lógica. Para podermos
representar a forma lógica, deveríamos poder-nos instalar, com a proposição, fora da
lógica, quer dizer, fora do mundo.58
Para Wittgenstein, tudo o que se pode dizer do mundo é objeto das ciências
naturais, as quais podem formular claramente seus conhecimentos. Da lógica não se pode
dizer nada, porque para dizer dela é necessário que se esteja fora dela e todo o dizer, que
diz, diz de dentro de uma forma lógica.
57
OLIVEIRA. Reviravolta Lingüístico-Pragmática, p. 109.
58
T. 4.12.
25
Para Wittgenstein, uma frase complexa é verdadeira quando são verdadeiros seus
componentes, que são as frases elementares. É possível dizer que, para Wittgenstein, a
linguagem é apenas uma descrição do mundo: “A realidade total é o mundo” (T. 2.063). A
proposição figura a realidade. “A proposição é um modelo da realidade tal como pensamos
que seja” (T. 4.01). A proposição ou é verdadeira ou é falsa: “Na concordância ou
discordância de seu sentido com a realidade consiste sua verdade ou falsidade” (T. 2.222).
É verdadeira, se exprime um estado de coisas como realmente ele é. “Entender uma
proposição significa saber o que é o caso se ela for verdadeira” (T. 4.024). Ela é
verdadeira, quando exprime um estado de coisas que objetivamente existe. Uma
proposição tem sentido quando comporta a possibilidade de ser reconhecida como
verdadeira ou falsa. Ela tem sentido quando apresenta condições de ser verificada.
A proposição que tem sentido é essencialmente descritiva: é a articulação de uma
constatação. A linguagem é a tematização de constatações. Por meio dela descreve-se os
eventos que acontecem no mundo; o mundo mesmo é indizível. Da forma da linguagem
não se pode falar. Para falar da forma da linguagem seria necessária uma metalinguagem e
para o Wittgenstein do Tractatus ela não é possível. Neste ponto, Wittgenstein, como
afirma no prefácio, está convencido de que os problemas filosóficos estariam, de vez,
resolvidos. E que “Sobre aquilo de que não se pode falar, deve-se calar” (T. 7). Cala-se e só
retorna a falar quando expressa, nas Investigações Filosóficas, sua nova concepção de
Filosofia.
Este parágrafo e os próximos dois marcam, no presente trabalho, os passos iniciais
rumo à virada lingüística protagonizada pelo autor aqui estudado. Passagem que implica a
divisão metodológica da Filosofia do autor em Primeiro e Segundo Wittgenstein. Divisão e
conceituação, aqui trabalhadas de maneira bastante resumida e ciente da distância
implicada entre a capacidade de apresentação feita por este trabalho e a amplitude da obra
wittgensteiniana, em sua grande maioria desconhecida por grande parte dos estudantes de
Filosofia59. A análise empreendida por este trabalho é regida pelo problema da significação
da linguagem que vem da tradição e perpassa o Primeiro e o Segundo Wittgenstein. Tal
59
Sabe-se que a única obra filosófica publicada por Wittgenstein foi o Tractatus, em 1921. Todas as outras
publicações, que abrangem umas trinta mil páginas até hoje não foram integralmente publicadas (Cf.
WUCHTERL. Ludwig Wittgenstein. Análise lingüística e terapia. In: FLEISCHER (Org.). História da
Filosofia. Filósofos do século XX, p. 62). Wittgenstein escreveu, entre 1932 e 1934, um grade manuscrito que
só foi publicado, em inglês, em 1974 e em português em 2002. Esta obra, intitulada Gramática Filosófica
seria de suma importância para este trabalho, uma vez que um de seus temas aborda diretamente o sentido da
proposição” (Cf. GRAYLING. Wittgenstein, p. 87).
26
análise objetiva trazer para o meio acadêmico a discussão acerca da importância da
compreensão do significado lingüístico, que perpassa as correntes filosóficas mais
recentes.
Até agora foi possível apresentar, de maneira bastante resumida e simples, o
contexto de onde Wittgenstein toma forças para apresentar sua primeira resposta a
problemática de sua época. Contexto filosófico no qual a Filosofia havia perdido seu
crédito para as ciências naturais, despertando assim o surgimento da Filosofia Analítica que
se desenvolve a partir da aproximação com o campo científico. Este movimento filosófico
toma o ambiente de crises do qual ele é fruto e, em tal ambiente, protagoniza inúmeras e
variadas re-propostas, que são marcadas pelo rigor científico acerca do problema da
Filosofia da Linguagem60.
Dentre as propostas analíticas, surge a Filosofia da Linguagem wittgensteiniana
marcada pelas duas fases mencionadas, a do Tractatus e a das Investigações. Até aqui foi
vista a primeira fase, a partir das duas teorias predominantes na Filosofia do jovem
Wittgenstein, a saber, a teoria da figuração e a teoria da verdade. Nesta fase, Wittgenstein
responde à problemática do significado da linguagem, afirmando que tal significado é
conferido à linguagem na relação entre nome e objeto. No próximo capítulo, será
apresentada a segunda resposta do autor à mesma problemática. A segunda resposta será
vista a partir das Investigações Filosóficas, obra marcada pela teoria dos jogos de
linguagem e das formas de vida.
60
C.f. D’AGOSTINI. Analíticos e Continentais, p. 289.
27
III – A RESPOSTA DO SEGUNDO
WITTGENSTEIN
Após apresentar as linhas gerais das duas correntes analíticas em que estão
radicadas as duas respostas filosóficas de Wittgenstein: a corrente da linguagem ideal e a
corrente da linguagem ordinária, partiu-se da corrente da linguagem ideal para apresentar a
primeira resposta wittgensteiniana, a qual é composta pela teoria da figuração e pela teoria
da verdade, que remetem a linguagem ao objeto a fim de conferir-lhe a significação. Neste
capítulo, partir-se-á do Wittgenstein situado na corrente da Filosofia ordinária, segundo a
qual, no interior do próprio jogo de linguagem, alojado numa forma de vida, a linguagem
adquire seu significado. Nesta altura da pesquisa, o objetivo deste Trabalho de Conclusão
de Curso, é decifrar parâmetros que possibilitem a apresentação da segunda resposta
wittgensteiniana à problemática da significação da linguagem.
Como foi visto no capítulo anterior, Wittgenstein encerra o Tractatus afirmando que
sobre aquilo de que não se pode falar, deve-se calar. E assim o fez. Desde 1921, ano em
que sua primeira obra foi publicada, até o final daquela década, Wittgenstein silencia.
Durante este período e depois, o autor revê, retoma, corrige e refaz o que tinha pensado e
afirmado. A respeito disso, Stegmüller afirma que Wittgenstein “passo a passo, constitui
uma nova Filosofia. Não a ergueu sobre as ruínas de sua Filosofia anterior, mas buscou
novo terreno e novos elementos”.61
Esse mesmo comentador, a exemplo de vários outros, menciona a existência de
duas filosofias wittgensteinianas, o que é difícil dizer que não seja verdade. Pois como se
percebe, e já foi visto, a problemática fundamental continua a mesma. No entanto, tal
problemática é agora, na segunda fase do pensamento wittgensteiniano, abordada de forma
radicalmente diversa da primeira. De tal modo que se torna explícita a diferença entre
61
STEGMÜLLER. A Filosofia Contemporânea, p. 430.
ambas as concepções de abordagem da mesma problemática, que resultam em respostas
também diferentes. Tal percurso e conclusões resultam na publicação intitulada
Investigações Filosóficas, cuja obra é, a partir de agora, o cenário de pesquisa do trabalho
que aqui se apresenta. O Wittgenstein desta segunda fase critica radicalmente a tradição
filosófica ocidental da linguagem sintetizada no Tractatus.
O itinerário filosófico da segunda fase desse autor será aqui trabalhado a partir das
que são julgadas como que principais colunas de sustentação de sua nova imagem
lingüística, a saber: a ruptura com a tradição e com Tractatus e a superação de ambos. Isso
resulta nos Jogos de Linguagem, por meio dos quais é apresentada uma nova imagem da
linguagem, agora examinada enquanto situada em determinado contexto. A tais contextos
Wittgenstein chama de formas de vida, que seriam uma espécie de contexto dado onde
acontecem os jogos de linguagem.
29
Nas Investigações Filosóficas, como diz Oliveira, parece ser feita uma espécie de
reflexão em voz alta. Aqui é difícil encontrar um fio condutor. Mais parece uma
apresentação desordenada de idéias. O que dificulta a inteligibilidade e interpretação da
mesma. Deixando a impressão de ser uma reação à primeira fase, aqui o pensamento de
Wittgenstein é exposto de maneira bem anti-sistemática. Isso faz com que a interpretação
do Segundo Wittgenstein, além de não ser fácil, necessite ser conduzida de acordo com
uma linha cuidadosa, para que possibilite responder, pelos menos em parte, às finalidades
de cada pesquisa. Conforme Oliveira, interpretar essa fase de Wittgenstein é ir contra ele
mesmo, uma vez que é necessário sistematizar o pensamento que por ele não foi
sistematizado e até deixa transparecer uma antipatia com uma possível sistematização. Este
trabalho incorrerá na necessidade de andar, de certa forma, na “contra-mão” de
Wittgenstein. Pois se trata aqui de tentar explicitar, de maneira inteligível, a superação do
antigo modo de conceber a linguagem e, principalmente, o novo significado de linguagem
para Wittgenstein.
Isso desafia o próprio trabalho a não perder de vista a problemática que o mesmo
aborda, sob risco de incorrer na mesma falta de sistematização e clareza da apresentação
do pensamento do Segundo Wittgenstein. Tal forma de conduta exige uma sólida
delimitação do problema, o que pode fazer com que a pesquisa pareça limitada por uma
“camisa de força”. Por isso, será aqui dada continuidade à descrição da teoria da
linguagem, que é o problema central de toda esta pesquisa. A pesquisa centrar-se-á agora
no problema lingüístico visto a partir de sua concepção objetivista e espiritual. Tal teoria
será abordada contrapondo a antiga com a nova concepção de linguagem.
30
3. 1. 1. 1 – Concepção objetivista
A concepção instrumentalista da linguagem reduz a mesma à mera função
designativa. Conforme Oliveira, desde o Crátilo, de Platão, a linguagem é considerada
como instrumento secundário do conhecimento humano63. A relação existente entre o
mundo e a linguagem seria uma relação de caráter designativo. O significado das palavras
seria relativo à capacidade que as palavras teriam em designar objetos. Esta concepção
tradicional, segundo a qual, para saber a significação de uma palavra qualquer seria
necessário saber o que por ela era designado; Wittgenstein chama de “concepção
agostiniana”64. Nesta concepção, a linguagem é vista como uma mediação necessária. A
linguagem exerce aqui a função de comunicar o que já é conhecido sem a linguagem. Ela
simplesmente possibilitaria comunicar o resultado do conhecimento humano. E nunca, nem
na tradição, nem no Tractatus, era condição que possibilitasse o conhecimento humano.
Conforme Oliveira, mesmo que no Tractatus tente-se negar, implicitamente Wittgenstein
teria, naquela obra, também aceitado a tese tradicional do caráter secundário designativo da
linguagem humana.
O que não significa que a partir daqui Wittgenstein negue o caráter designativo da
linguagem. Como ele já fazia no Tractatus, ele repudia o exagero da tradição que concebe
a designação como principal e até como única função da linguagem. Para o Segundo
Wittgenstein essa concepção de linguagem, como designação, faz parte da linguagem.
Contudo, não é a linguagem. A linguagem é também isso, mas é mais que isso. Segundo o
Tractatus (Teoria da Figuração), a linguagem esgotar-se-ia, atingiria seu ponto máximo,
ideal, no momento que ela conseguisse reproduzir com absoluta exatidão a estrutura
ontológica do mundo. Tal linguagem buscaria nada mais que atingir a precisão absoluta do
caráter designativo das palavras. Mas para isso vai além da dimensão corporal sensível.
Busca uma fundamentação transcendental. Apresenta o humano como alguém composto de
um corpo que articula a fala e um espírito que confere significado a tal fala, o que resulta
no dualismo epistemológico e antropológico que será abordado num dos itens seguintes
deste trabalho.
63
OLIVEIRA. Reviravolta Lingüístico-Pragmática, p. 119.
64
Cf. I.F. § 4.
31
3. 1. 1. 2 – Concepção espiritual
O problema aqui é mais enraizado do que se possa, num primeiro contato, imaginar.
Conforme Oliveira, a concepção tradicional da linguagem carrega a herança das
concepções antropológicas tradicionais. A tradição antropológica sempre se preocupou em
estabelecer no mundo os lugares e as características de cada ente segundo a sua essência.
Para tal tradição, definir o homem significa distingui-lo dos outros entes, bem como definir
sua linguagem significa distingui-la de outras linguagens; da dos animais, por exemplo.
Como os animais, bem como outros entes, também produzem sons, o que tornaria a
linguagem humana propriamente humana não poderia estar no plano do puramente físico.
O que transformaria o puro som em linguagem humana seria o fato de o pensamento
humano ser um ato do espírito. O pensar seria uma atividade espiritual, tanto quanto o falar
é uma atividade corporal. Esta atividade espiritual, que só o ser humano possui, seria o que
conferiria significação ao ato do falar humano.
É possível dizer que, conforme Wittgenstein, a linguagem humana tradicional se
diferenciaria da linguagem de outros animais por ser composta de duas dimensões:
a) atos corpóreos de produção de sons;
b) atos corpóreos acompanhados por atos espirituais que lhe conferem significação.
Esses atos espirituais seriam privados e só seu produtor teria acesso a eles. Tais atos
possibilitariam a linguagem humana, enquanto humana, sendo eles objeto de vivências
individuais, sujeitos à vontade dos indivíduos que os produziriam65.
O ato de dar significado, bastante falado nas Investigações Filosóficas, teria como
principal função, a concessão de sentido ao falar. Com isso, fazer com que o fenômeno
físico ultrapasse o plano físico e atinja o plano da significação. E, para a teoria tradicional
da linguagem, a significação das palavras provém de um ato subjetivo e interior ao espírito.
Aqui, depara-se com o problema da possibilidade da comunicação interpessoal. Para que
haja realmente comunicação entre dois indivíduos é necessário que haja uma convenção
entre os interlocutores para que o receptor consiga compreender o significado daquilo que
o emissor está tentando significar. Compreender é apropriar-se da essência de algo. É o
evento espiritual de posse de determinado sentido. Uma vez captado o sentido, o indivíduo
se põe em condições de provar se está empregando as palavras de modo justo, se elas se
adaptam às diversas circunstâncias em questão (I.F. § 140). É a compreensão que
possibilita utilizar de maneira correta as palavras.
65
Cf. OLIVEIRA. Reviravolta Lingüístico-Pragmática, p. 122.
Esta capacidade espiritual (o ter-em-mente) que possibilita falar com significado
também possibilita antecipar o futuro, pois quando se dá ordem ou previsão torna-se
presente o que deve ser feito depois.
Mesmo que meu desejo não determine o que irá ocorrer, ele determina, por assim dizer, o
tema de um fato; quer este realize o desejo ou não. Não nos admiramos – por assim dizer
– de que alguém conheça o futuro, mas sim de que, de modo geral, possa profetizar
(corretamente ou falsamente). Como se a mera profecia, não importa se correta ou
falsamente, já antecipasse uma sombra do futuro; enquanto que ela nada sabe sobre o
futuro e não pode saber menos que nada (I.F. § 461).
Tanto a ordem como a previsão que se tem em mente são atos que se dirigem a seus
objetivos independentes de sua existência ou não. São atos intencionais que produzem seus
próprios objetos. “O desejo parece já saber o que o satisfaz ou satisfaria; a frase, o
pensamento parecem saber o que os torna verdadeiros, mesmo quando isso não se faz
presente! Se alguém pudesse ver a expectativa, o processo espiritual, deveria ver o que é
esperado” (I.F. §§ 437,452). A mesma coisa acontece em referência às recordações. “Mas
você não pode negar que, por exemplo, ao recordar, ocorre um processo interior. Quando
se diz ‘ocorre aí um processo interior’, - quer-se acrescentar: ‘você o vê’. E é pois a este
processo interior que nos referimos com a palavra ‘recordar-se’” (I.F. § 305). Aqui a
recordação presentifica o passado e é responsável no processo de comunicação
intersubjetiva.
Só que estas recordações, ordens e previsões, por serem frutos do ter em mente, são
frutos de um ato privado e, portanto, como diz Apel, incorrem em um solipsismo
epistemológico66. A filosofia tradicional da linguagem abstrai de sua sociabilidade o caráter
constitutivo dessa sociabilidade. A comunidade concreta não exerce nenhuma função na
constituição desta linguagem, apenas no seu uso. Por isso que para o Segundo
Wittgenstein, a tradição tem uma concepção subjetiva e individualista da linguagem,
porque considera as convenções e regras lingüísticas como dados imediatos da intuição do
sujeito falante e não como uma construção socializada.
Nesta segunda fase, Wittgenstein repudia a concepção individualista do
conhecimento e da linguagem e o dualismo epistemológico e antropológico. Ao lado de
Heidegger, torna-se um dos grandes críticos da Filosofia da subjetividade. Como pano de
fundo do pensamento de Wittgenstein estão os pressupostos que fundamentam a sua
66
Cf. Apud. Ibid., p. 124.
33
concepção de Filosofia que deve tratar as questões filosóficas como se trata uma doença
(I.F. § 255). A causa principal das doenças filosóficas é a atitude de alimentar o
pensamento apenas com uma espécie de exemplos (I.F. § 593). Enquanto a Filosofia deve
resolver os problemas por meio da combinação do que já é conhecido, sem desenvolver
nenhuma espécie de teoria. Não deve haver nada de hipotético nas considerações. Toda a
explicação deve desaparecer e ser substituída apenas por descrição (I.F. § 109). Aqui a
intenção não é criar regras nem complementar nada. A intenção é fazer com que os
problemas filosóficos desapareçam completamente (I.F. § 133). E isso não se faz por meio
da elaboração de teorias e hipóteses (I.F. § 10). Mas simplesmente mostrando o verdadeiro
emprego das palavras. A Filosofia apenas constata o que ocorre (I.F. § 126). Aqui o que
importa é ver, não demonstrar, fundamentar. A Filosofia deixa tudo como está (I.F. § 124).
“A Filosofia não deve, de modo algum, tocar no uso efetivo da linguagem” (I.F. § 124). “A
Filosofia simplesmente coloca as coisas, não elucida nada e não conclui nada” uma vez
que o que interessa não está oculto, encontra-se à vista (I.F. § 126). A Filosofia é uma
recordação do uso das palavras, “uma consideração gramatical” (I.F. § 90). O método da
explicação é substituído por um método por meio de exemplos (I.F. § 133). Assim sendo, a
Filosofia não é a tematização do a priori, mas um método a posteriori.
Wittgenstein situa o homem e seu conhecimento no processo de interação social. A
relação entre conhecimento e ação, linguagem e práxis é considerada a constituidora do
conhecimento e da linguagem humana.
34
tentativa de superação de um dualismo tradicional, segundo o qual a linguagem seria
composta de duas realidades, a saber, de atos corpóreos e de atos espirituais. Retornará,
neste item que será visto, a questão dualista composta pelo ato de falar e pelo ato de
conferir significado ao falado.
35
Conforme Apel, citado por Oliveira, aqui a linguagem não é mais um simples
instrumento de comunicação de um conhecimento já realizado. Ela é, antes, a condição de
possibilidade para a constituição do próprio conhecimento enquanto tal 67. Segundo
Oliveira, com isso se afirmaria, contra a Filosofia moderna, que não há consciência sem
linguagem e a pergunta, de caráter transcendental, pelas condições de possibilidade do
conhecimento humano não seria respondida sem uma consideração da linguagem humana.
Contrário ao que se pensava na Filosofia tradicional objetivista, segundo a qual as
significações seriam frutos da relação entre palavra e realidade 68. Lá, a linguagem teria um
caráter transcendental que possibilitaria a mediação para que as coisas fossem conhecidas.
Aqui é combatida a teoria da figuração do Tractatus, segundo o qual existiria uma
isomorfia entre linguagem e realidade para possibilitar a designação de um objeto.
Para tal teoria seria necessário que a significação das expressões lingüísticas fossem
o próprio objeto designado ou sua essência. Para o Segundo Wittgenstein, o primeiro
problema, da tradição e do Tractatus, reside no fato de que a significação de um nome é
confundida com o portador de tal nome. Quando o Sr. Apolônio Morre, morre o portador
do nome Apolônio e não sua significação (I.F. § 40). Tal problema se evidencia no
momento que se percebe a possibilidade de formar frases com sentido, utilizando os
nomes, mesmo que seus portadores já hajam desaparecido. Poder-se-ia agora dizer que o
nome teria uma essência que o possibilitaria continuar existindo independentemente do seu
portador. Mas, para o Wittgenstein das Investigações Filosóficas, não há essência comum
entre as coisas:
Em vez de indicar algo que é comum a tudo aquilo que chamamos de linguagem, digo
que não há uma coisa comum a esses fenômenos, em virtude da qual empregamos para
todos a mesma palavra, - mas sim que estão aparentados uns com os outros de muitos
modos diferentes. E por causa desse parentesco ou desses parentescos, chamamo-los
todos de “linguagens” (I.F. § 65).
67
Cf. Ibid., p. 128.
68
Ibid., p. 128.
36
objeto sua referência de significação. O Segundo Wittgenstein apresenta as semelhanças de
família como superação do essencialismo.
Nesta sua segunda resposta, Wittgenstein tenta provar que a afirmação tradicional
de que há algo comum não passa de uma idéia que não resiste a um exame dos fatos. Na
realidade, há semelhanças e parentescos entre os diversos tipos de jogos. Eles não possuem
uma propriedade, mas elementos que se interpenetram. Por isso, o uso das palavras não
têm fronteiras definitivas. Como foi visto, para a tradição ocidental, a definição de algo
significa o seu lugar e o seu fim no mundo real, suas fronteiras e seus limites, e isso era
definitivo. Aqui a significação dos conceitos universais não é unitária. Não permanece
necessariamente onde está hoje. É possível ser aplicada em novos e diferentes casos. A
significação da palavra não mais está estabelecida de modo definitivo:
Quando se diz: ‘Moisés não existiu’, isto pode significar diferentes coisas. Pode
significar: os israelitas não tiveram nenhum chefe quando deixaram o Egito – ou: não
existiu nenhum homem que tivesse realizado tudo o que a Bíblia narra de Moisés – ou
etc., etc. – Segundo Russell, podemos dizer: o nome ‘Moisés’ pode ser definido por meio
de diferentes descrições. Por exemplo, como: ‘o homem que guiou os israelitas através do
deserto’, ‘o homem que viveu naquele tempo e naquele lugar e que naquela época foi
chamado Moisés’, ou ‘o homem que em criança foi retirado do Nilo pela filha do Faraó’,
etc. E, dependendo da definição que consideremos, a frase ‘Moisés existiu’ recebe um
sentido diferente, e do mesmo modo qualquer outra frase que se refira a Moisés (I.F. §
79).
37
Na construção de tal superação, a primeira atitude wittgensteiniana é a de
abandonar o ideal de exatidão da linguagem. Tal ideal não passaria de um mito filosófico.
Seria um ideal de exatidão completamente desligado das situações concretas do uso da
linguagem. Tal ideal careceria de qualquer sentido (I.F. § 88). Aqui, é impossível
determinar a significação das palavras sem uma consideração do contexto socioprático em
que são usadas.
É o uso no contexto que mostra se as palavras estão ou não significando. No
entanto, esta linguagem, de certo modo, é ambígua por não possuir uma significação
definitiva. Sem aplicá-la a um determinado uso não se detecta qual é o sentido dela. Mas,
conforme Oliveira, pretender abandonar esta ambigüidade em busca de uma exatidão
absoluta, como fazia o Tractatus, seria abandonar a própria linguagem real na busca de
uma ilusão metafísica. Para evitar qualquer ambigüidade seria necessário estabelecer
conceitos embasados em significações estabelecidas de modo definitivo. O que se pode é
diminuir a vaguidade dos conceitos. Agora, eliminá-los seria cair numa determinação a
priorística, que estabeleceria regras para todos os casos 69. Aqui a proposta visa o contrário:
os conceitos são essencialmente abertos e admitem a possibilidade de aplicação a casos
não previstos.
Conforme Oliveira, aqui nas Investigações, o ideal do Tractatus de uma linguagem
perfeita torna-se absurdo. Torna-se a razão da reviravolta metodológica de Wittgenstein. O
Segundo Wittgenstein não ignora o sentido de uma linguagem exata, construída
artificialmente. Ela continua como instrumento importante para a ciência natural. O que
não se pode aqui é continuar considerando-a como paradigma lingüístico. Agora, a função
designativa da linguagem torna-se apenas uma das tantas possíveis funções da mesma. É a
partir da própria linguagem que se descobre como ela, de fato, é usada. O centro das
investigações deixa de ser a linguagem ideal e passa a ser a situação na qual o humano usa
a sua linguagem. Para saber o que é linguagem deve-se ver seus diferentes usos.
Ao alojar a linguagem dentro da situação em que ela ocorre, Wittgenstein percebe
que cada forma de linguagem vai fazendo parte da totalidade da vida humana. Ela se torna
parte da atividade humana. A isso, como será melhor analisado na seqüência, ele chama de
forma de vida: “O termo jogo de linguagem deve aqui salientar que o falar da linguagem é
uma parte de uma atividade ou de uma forma de vida” (I.F. § 23). Por isso, a significação
das palavras só pode ser esclarecida por meio do exame das formas de vida, ou seja, dos
69
Cf. Ibid., p. 131.
38
contextos em que estas palavras ocorrem. É o uso que decide a significação das expressões
lingüísticas. “Todo o signo sozinho parece morto. [...] No uso, ele vive” (I.F. § 432). “[...] a
significação de uma palavra é seu uso na linguagem” (I.F. § 43). Só se pode entender a
linguagem humana a partir do contexto em que os humanos se comunicam entre si.
Aprender uma linguagem significa um certo ajustamento, uma capacitação de domínio de
uma técnica (I.F. § 30). Cada situação exige um ajustamento específico.
Cada prática lingüística exige uma adaptação. Toda a prática lingüística tem um
sentido em si mesma. Em si ela é perfeita. Ela tem o sentido em si mesma e não necessita
buscar tal sentido em algo transcendental (linguagem ideal). Ao invés de apelar para uma
linguagem ideal, para conhecer a linguagem basta observar o funcionamento da linguagem
concreta dos humanos. O papel da Filosofia é descrever os diferentes usos da linguagem,
sem tentativas de justificação ou explicação. Ela deve apenas ver e deixar tudo como é. “A
Filosofia não deve, de modo algum, tocar no uso efetivo da linguagem; em último caso,
pode apenas descrevê-lo. Pois também não pode fundamentá-lo. A Filosofia deixa tudo
como está” (I.F. § 124). Os problemas filosóficos surgem quando os filósofos resolvem dar
explicações e abusam da linguagem. Por isso, que a Filosofia não deve ir além de
descrever o que acontece. Sua função deve ser terapêutica.
Não devemos construir nenhuma espécie de teoria. Não deve haver nada de hipotético nas
nossas considerações. Toda explicação deve desaparecer e ser substituída apenas por
descrição. E esta descrição recebe sua luz, isto é, sua finalidade, dos problemas
filosóficos. Estes problemas não são empíricos, mas são resolvidos por meio de um
exame do trabalho de nossa linguagem e de tal modo que este seja reconhecido: contra o
impulso de mal compreendê-lo. Os problemas são resolvidos não pelo acúmulo de novas
experiências, mas pela combinação do que é já há muito tempo conhecido. A Filosofia é
uma luta contra o enfeitiçamento do nosso entendimento pelos meios da nossa linguagem
(I.F. § 109).
39
3. 1. 2. 2 – Superação do dualismo tradicional
Como foi visto, Wittgenstein detecta na teoria tradicional da linguagem um
dualismo epistemológico que levaria a um dualismo antropológico. Tal dualismo implica
uma dupla dimensão da concepção de linguagem. A linguagem seria composta de uma
realidade física, produzida por atos corpóreos e uma realidade espiritual interna (dualismo
corpo-espírito). Os atos espirituais (internos) seriam os responsáveis pela conferência de
significado às palavras. Existiria, então, de forma dualista: a realidade que produz o som e
a realidade que confere sentido ao som. Todo o som traria consigo um mecanismo interior,
espiritual. As clássicas dificuldades antropológicas causadas pelo dualismo corpo-espírito
se manifestam aqui também. De um lado tem-se o falar ou ler, do outro o ter-em-mente 70,
compreender, pensar.
Nesta teoria quem confere significação às palavras são os atos intencionais, internos
e espirituais, contrariamente ao Segundo Wittgenstein para o qual o significado das
palavras é conferido pelo próprio uso das palavras nos diversos contextos lingüísticos e
extralingüísticos, nos quais as palavras são empregadas. Wittgenstein demonstra não ter a
intenção de negar a existência de tais atos, mas nega a eles a instância doadora da
significação às palavras lingüísticas. Pois ninguém pode arbitrariamente decidir significar
com uma palavra algo, sem que jamais esta palavra tenha sido utilizada para isso. O que
decide o sentido de uma palavra é seu uso real. Não há atos autônomos, desvinculados dos
contextos de sentido.
É pela práxis contextualizada que a linguagem é compreendida e significada. Na
obra wittgensteiniana compreender e significar praticamente se auto-implicam. Para
descrever o ato de compreender, Wittgenstein segue o mesmo esquema de trabalho
utilizado para ilustrar o ato de significar, já visto neste trabalho. O compreender não
designa um ato intencional, a vivência interior de um sentido, mas sim, um saber como se
faz, um dominar uma técnica. Compreender é ajustar-se a determinada práxis, é inserir-se
em determinada forma de vida. Alguém compreende uma palavra quando consegue
70
O termo ter-em-mente, como pode ser visto na análise de Spaniol, é carregado de um sentido e uma
significação de relevada importância e implicação no entendimento, principalmente, do Segundo
Wittgenstein. Só este tema seria de suficiente importância para o desenvolvimento de um trabalho como este
que se está apresentando. A consciência de tal importância implica na consciência de que a abordagem deste
termo carecerá aqui de maior aprofundamento. O que, infelizmente, deixará a desejar na qualidade deste
trabalho, mas por hora, não se tem fôlego para abordar este item à altura que ele merece (Cf SPANIOL.
Filosofia e Método no Segundo Wittgenstein, p. 54).
40
empregá-la corretamente. O problema que aqui paira é o da relação entre linguagem e
vivências interiores.
Os intérpretes de Wittgenstein afirmam sua rejeição radical à linguagem privada.
Tal linguagem só seria entendida pelo sujeito que a tem. Ela seria expressão das vivências
interiores, às quais somente o próprio sujeito teria acesso. Para Wittgenstein, se palavras
como “ter dor” denominam algo puramente privado, tais palavras só teriam sentido para o
seu sujeito, o que impediria falar da dor de outras pessoas. E, mesmo se fosse possível falar
da dor de outros, tal aplicação não teria o valor intersubjetivo, porque não é possível
comparar as intersubjetividades de uma pessoa com as de outra pessoa para saber se para
uma e para outra a expressão dor tem o mesmo significado, uma vez que elas fossem
afecções privadas.
Para que fosse possível a existência de uma linguagem privada seria necessário que
ela fosse sustentada por regras privadas. Mas, se assim fosse, estas regras não passariam de
ficções. Regras privadas seriam o mesmo que impressões de regras. A impressão de seguir
uma regra não garante que a regra esteja sendo seguida.
Imaginemos uma tabela que exista apenas em nossa imaginação; algo como um
dicionário. Por meio de um dicionário podemos justificar a tradução da palavra X para a
palavra Y. Mas devemos chamar isto também de justificação, se esta tabela é consultada
apenas na imaginação? – “Ora, trata-se então de uma justificação subjetiva”.– Mas a
justificação consiste em que se apela a uma instância independente. – “Mas posso
também apelar para uma recordação partindo de outra. Não sei (por exemplo) se guardei
corretamente o horário da partida do trem e, para o controle, evoco a imagem da página
do livro de horários. Não temos aqui o mesmo caso?” – Não, pois esse processo deve
verdadeiramente provocar a recordação correta. Se não precisasse comprovar a exatidão
da imagem mental do livro de horários, como poderia esta comprovar a exatidão da
primeira recordação? (Como se alguém comprasse vários exemplares do jornal do dia,
para certificar-se de que ele escreve a verdade.) Consultar uma tabela na imaginação é tão
pouco o consultar uma tabela, quanto a representação do resultado de um experimento
imaginado é o resultado de um experimento (I.F. § 265).
41
é proposto pela concepção de linguagem privada, que se contenta com a justificação
puramente subjetiva, a qual não passa de uma impressão71.
De acordo com esta concepção de Stegmüller, no parágrafo das Investigações
citado, é dito com as palavras do autor o que é tentado, por este trabalho, simplificar nas
frases que antecedem a nota. Percebe-se que a argumentação de Wittgenstein está
claramente acercada de sua nova concepção de linguagem. Esta perspectiva é constituída a
partir do conceito jogo de linguagem, que além de constituir o cerne da nova perspectiva, é
regido não mais por regras privadas, subjetivas, mas sim por regras a partir da atividade
intersubjetiva.
Quando os filósofos usam uma palavra – “saber”, “ser”, “objeto”, “eu”, “proposição”,
“nome” – e procuram apreender a essência da coisa, deve-se sempre perguntar: essa
palavra é usada de fato desse modo na língua em que existe? – Nós reconduzimos as
palavras do seu emprego metafísico para seu emprego cotidiano (I.F. § 116).
O uso cotidiano das expressões, nas diferentes situações e contextos em que elas
acontecem, conduz Wittgenstein a formular a noção de jogos de linguagem. Conforme
Condé, as Investigações abandonam a concepção de linguagem como cálculo para
adotarem a concepção de linguagem como um jogo, abrangendo, com isso, o aspecto
pragmático presente na linguagem. A noção de jogo de linguagem envolve o todo das
atividades que estão ligadas às expressões. “Chamarei também de ‘jogos de linguagem’ o
conjunto da linguagem e das atividades com as quais está ligada” (I.F. § 7). Os jogos de
linguagem são múltiplos e variados. Só possuem em comum certas semelhanças de família.
Eles estão aparentados entre eles de diversas e diferentes formas e é este parentesco que os
possibilita serem denominados jogos de linguagem (I.F. § 65-67).
No entanto, o autor não perde de vista sua problemática básica. Sua reviravolta não
atinge a pergunta pelo significado das expressões. O problema que o inquieta e para o qual
71
Cf. STEGMÜLLER. A Filosofia Contemporânea. Vol. II, p. 492.
42
ele oferece uma primeira resposta lógica e uma segunda resposta prática, segue o mesmo
do início ao fim de sua Filosofia. O que muda nas Investigações é a metodologia da
pergunta, mas o objeto de sua preocupação é o mesmo. Wittgenstein critica agora a teoria
objetivista da linguagem na qual inclui-se o Tractatus. Combate, também, a função
afigurativa da linguagem, para a qual a mesma seria uma cópia fiel dos fatos no mundo.
Lá, a Filosofia enquanto análise da linguagem tinha uma íntima relação com a essência do
mundo, embora não pudesse exprimi-la em frases.
Aqui é possível afirmar que Wittgenstein nega-se a formular, pelo menos
sistematicamente, teorias. Teorias filosóficas passariam a ser frutos de desconhecimentos
do funcionamento da linguagem. O que se deve fazer agora não é especular sobre a
linguagem para buscar sua estrutura ou essência. Deve-se agora observar como a
linguagem funciona, como usamos as palavras. Por isso, agora não se fala de nova teoria
da linguagem, mas de nova imagem.
A linguagem agora é uma atividade humana como andar, passear, colher... Aqui o
conceito de linguagem está muito próximo do conceito de ação. A linguagem chega a ser
considerada uma ação. Não mais é separada a consideração da linguagem da consideração
do agir humano ou a consideração do agir não mais ignora a linguagem. A linguagem é
sempre realizada em contextos de ação bem diversos e só pode ser compreendida a partir
do horizonte contextual em que está inserida. A função de tal linguagem, que passa a ser
um jogo, depende sempre de cada determinada forma de vida em que acontecem tais jogos.
A categoria jogos de linguagem é o centro da nova imagem de linguagem
wittgensteiniana. Só que ele não define o que é um jogo de linguagem. Mais que isso,
segundo sua nova maneira de pensar, tal definição torna-se impossível. No segundo
parágrafo das Investigações o autor chega, no máximo, a apresentar um exemplo do que
pode ser um jogo de linguagem.
43
Tal jogo de linguagem seria composto de três elementos:
a) aquilo de que se fala: cubo, coluna, chapa, trave;
b) os sujeitos da fala: A e B;
c) o contexto: uma construção em que alguém pede os elementos da construção a
um auxiliar.
A linguagem serve de compreensão entre o construtor e seu auxiliar. Linguagem
para Wittgenstein seria essa unidade entre elementos lingüísticos e seus modos de
comportamento, conforme cada situação. Nesse simples exemplo estariam contidos todos
os elementos que constituem a linguagem72.
A partir da análise de situações como esta, Wittgenstein supera a concepção
tradicional da linguagem e mostra sua parcialidade. A linguagem não mais trata apenas de
designar objetos por meio de palavras. As palavras estão inseridas numa situação global
que regra seu uso; neste caso, são regidas pela relação dos objetos da construção. E a
relação a tais objetos é resultado da situação de tal construção. Aqui não se pode fazer
análise da significação de nenhuma palavra sem levar em consideração o contexto global
de vida em que elas estão. A busca da solução do problema central da tradição, do Primeiro
e do Segundo Wittgenstein, a saber, o problema da significação, deve levar em
consideração os diversos contextos de uso das palavras.
Aqui, com os jogos de linguagem, Wittgenstein acentua a afirmação de que cada
contexto implica novas regras e novas determinações de sentido para as expressões
lingüísticas. Assim sendo, o estudo do sentido das palavras e frases implica o estudo do
contexto pragmático de cada uma delas. A consideração lingüística que não atingir o
contexto pragmático é abstrata. Neste caso, saber usar corretamente as palavras, ou jogar
corretamente, significa saber comportar-se corretamente. Este comportamento é regido por
regras gramaticais.
72
Cf. OLIVEIRA. Reviravolta Lingüístico-Pragmática, p. 138.
44
significaria não compreender toda a dimensão da gramática 73 da linguagem. Wittgenstein
distinguiu dois tipos de gramática.
45
Não pode ser que apenas uma pessoa tenha, uma única vez, seguido uma regra. Não é
possível que apenas uma única vez tenha sido feita uma comunicação, dada ou
compreendida uma ordem, etc. – Seguir uma regra, fazer uma comunicação, dar uma
ordem, jogar uma partida de xadrez são hábitos (costumes, instituições) (I.F. § 199).
76
Acredita-se que o aprendizado da linguagem consiste no fato de que se dá nomes aos objetos: homens,
formas, cores, dores, estados de espírito, números, etc. Como foi dito, - o denominar é algo análogo a pregar
uma etiqueta numa coisa. Pode-se chamar isso de preparação para o uso de uma palavra (I.F, § 26).
77
Cf. OLIVEIRA. Reviravolta Lingüístico-Pragmática, p. 142.
78
Cf. Ibid., p. 141.
46
Tal rejeição significa a consideração dos diferentes usos das palavras e a descoberta
de características semelhantes e parentescos. O que Wittgenstein chama de semelhanças de
família.
47
Aqui a linguagem significa a inserção no processo de interação social. Tal inserção
implica uma capacitação que é algo historicamente adquirido. Mesmo que a linguagem
seja natural para o humano, o poder de usá-la é uma capacidade adquirida por meio de um
aprendizado das normas e dos papéis implicados nesses atos. O que comprova que
Wittgenstein não separa a linguagem da práxis social; o que não significa cair num
behaviorismo que também relaciona linguagem com práxis. Pois, enquanto o behaviorismo
pensa a linguagem como um fenômeno natural (estímulo-resposta), Wittgenstein a pensa
como um fenômeno histórico, que é fruto da liberdade criativa do humano. No jogo de
linguagem, Wittgenstein salva a liberdade humana desde que o indivíduo aja de acordo
com regras e normas que ele juntamente com outros indivíduos estabeleceram. Cada um
segue o que foi comunitariamente estabelecido com a participação das próprias iniciativas.
O interessante é que mesmo seguindo as mesmas regras, ninguém joga do mesmo
modo. O reconhecer as regras não significa aceitá-las e aplicá-las de modo mecânico. Tais
regras são flexíveis e resguardam a possibilidade de reflexão e decisão no assumir
concretamente seu uso comum. O aprendizado de uma regra não se confunde com um
condicionamento causal como o behaviorismo pensa. A linguagem é ação comunicativa
entre sujeitos livres, diferente dos processos mecânicos naturais.
É um jogo que não tem fronteiras definidas. É jogando que se aprende as regras.
Cada jogo tem suas regras específicas:
[...] não deveria ser deste modo, mas sim deste: cada interpretação, juntamente com o
interpretado, paira no ar; ela pode servir de apoio a este. As interpretações não
determinam sozinhas as significações (I.F § 198).
48
idéias principais, de tal concepção, essa pesquisa monográfica apresenta no item que
segue.
3. 3 – Formas de vida
Nas Investigações, os jogos de linguagem estão diretamente relacionados com as
formas de vida. O uso que Wittgenstein faz do termo forma de vida enfatiza o
entrelaçamento entre cultura, visão de mundo e linguagem 79. Os jogos de linguagem são
sustentados pelo contexto da vida80. A forma de vida seria como que a totalidade das
atividades comunitárias em que estão imersos os jogos de vida. A linguagem emerge de
uma forma de vida. “[...] representar uma linguagem significa representar-se uma forma de
vida” (I.F. § 19). Para Wittgenstein, todo o contexto que envolve uma atividade lingüística
é de suma importância para a compreensão de tal atividade.
49
de vida. A cada forma de vida existente ou a cada contexto prático lingüístico, corresponde
um jogo de linguagem. Como há inúmeros jogos de linguagem, há também incontáveis
formas de vida.
De acordo com as citações, acima apresentadas, é possível afirmar que o termo
forma de vida, embora intrinsecamente ligado ao termo jogo de linguagem, seria de caráter
mais geral e elementar que o termo jogo de linguagem. Seria como que algo relacionado ou
parte da história natural. História natural aqui contemplaria dois aspectos. O primeiro deles
ressaltaria a dimensão biológica e cultural presente nas formas de vida. O segundo
ressaltaria o problema da fundamentação82, que não é abordado por este trabalho. Foi visto
que a noção de jogos de linguagem nega qualquer forma de essência ou fundamento
último. A forma de vida seria a encarregada de constituir ou oferecer o lugar onde a
linguagem se assentaria. A forma de vida seria o abrigo da linguagem. “[...] o falar da
linguagem é uma parte de uma atividade ou de uma forma de vida” (I.F. § 23), tanto quanto
o andar, comer, beber, jogar (I.F. § 25).
A forma de vida é a base última da linguagem. O que pode implicar a pergunta
sobre possibilidade ou necessidade de existir ou não um fundamento último também para
garantir a forma de vida. No entanto, para Wittgenstein a forma de vida é algo dado 83 de
onde tudo se origina e se fundamenta e que não cabe à linguagem buscar explicações além
do descrever o que acontece.
Em síntese, é possível afirmar que Wittgenstein apresenta, nessa segunda obra,
Investigações, uma filosofia reacionária a sua primeira obra, Tractatus. No entanto, esse
grande filósofo do século XX84, vai muito além da mera atitude de “ser contra”. Ele
propõe, de maneira original e louvável, uma reviravolta metodológica que dificilmente será
apagada da história da Filosofia ocidental. No Tractatus é possível ler um monólogo
filosófico, marcado pelo atomismo lógico, por meio do qual o sujeito subjetivo, regido pela
forma lógica, conferia o significado aos nomes, relacionando-os aos objetos do mundo. Já
nas Investigações é possível ler uma espécie de diálogo filosófico, marcado pelo uso
prático, por meio do qual a comunidade intersubjetiva, regida pela forma de vida, confere
significado à linguagem na atividade dos próprios jogos de linguagem. Percebe-se um
Primeiro Wittgenstein, que apresenta como resposta para o problema da significação a
82
Cf. CONDÉ. Wittgenstein Linguagem e Mundo, p. 104.
83
Cf. WITTGENSTEIN, Ludwing. Investigações Filosóficas, 222.
84
“Por muitos considerado o mais importante filósofo do século XX” (COSTA. Filosofia Analítica, p. 51).
50
relação entre nome-objeto. E um Segundo Wittgenstein, que apresenta como resposta para
o mesmo problema, a atividade lingüística realizada no próprio jogo de linguagem.
51
CONCLUSÃO
Chegar a determinado objeto ou conclusão que possa ser tomado como resolução
dos problemas filosóficos foi o objetivo que regeu a vida de muitos pensadores. Alguns
deles, como o Wittgenstein do Tractatus, até pensou ter certeza de que havia atingido tal
objetivo. Pretensão que está longe do que foi possível desenvolver no trabalho que, por
ora, é possível apresentar. Esse ainda não ultrapassa o patamar de uma exposição, bastante
inicial, acerca da inquietude diante do exercício de uma das mais nobres formas do
humano ser, a saber, como comunicativo. Aristóteles já dizia que o humano se diferencia
dos outros animais pela sua capacidade de duvidar, de admirar, de memorizar, mas acima
de tudo, de ensinar85. O ensinar, visto aqui, como um ato lingüístico por excelência. Ato
que implica, diretamente, a capacidade de compreender, de significar, de expressar.
Implicações que compõem a problemática central da Filosofia Analítica e das duas
respostas wittgensteinianas.
Essa pesquisa, que foi inicialmente motivada pela necessidade de apresentar um
tema como Trabalho de Conclusão de Curso, aos poucos, transformou-se numa prazerosa
empreitada. Empreitada que, a cada passo, desperta aquela curiosidade de ir além na
constante busca do desvendamento do mistério implicado na problemática aqui estudada.
O problema perseguido por este trabalho foi o da significação da linguagem na tradição
filosófica ocidental, no Tractatus e nas Investigações Filosóficas de Wittgenstein. Toda a
problemática foi abordada de maneira bem resumida e limitada. Sabe-se da dificuldade em
abarcar a grande empreitada filosófica apresentada pelo autor trabalhado, uma vez que a
grande maioria de sua obra não esteve ao alcance desta pesquisa. Por isso, o que foi aqui
trabalhado se resume à interpretação de idéias contidas nas duas obras citadas. O que não
significa uma limitação frustrante, uma vez que o objetivo deste trabalho é trazer para o
85
Cf. ARISTÓTELES. Metafísica. Vol. II, p. 11.
meio acadêmico a discussão acerca do problema da Filosofia da Linguagem e sua
significação. Este problema é visto aqui, como a principal questão da Filosofia do século
XX. Mais que isso, se está apresentando o maior dos filósofos que trabalha este tema.
Wittgenstein, a partir do seio do Movimento Analítico, em seis décadas de vida, apresenta
duas das mais geniais e originais respostas para o problema filosófico de sua época. A
primeira mantém-se de acordo com a tradição, elevando-a ao extremo. A segunda
protagonizando a maior reviravolta pragmática e lingüística da história.
Mesmo parecendo ser contrário à pretensão de exaltar o autor, apresentada no
parágrafo anterior, uma constatação importante que este trabalho despertou foi a
possibilidade de entender que um escrito, ou uma análise, a respeito de um autor, não deixa
de ser “uma análise” e situa-se muito longe da pretensão de ser “a análise”. Ajudou a
entender que é muita pretensão afirmar que se “trabalha um autor”. Não se faz mais que
fazer um “trabalho num autor” focalizando alguns dos tantos aspectos possíveis. O que é
bem diferente da pretensão de trabalhá-lo como um todo. Foi possível sentir, bem de perto,
a afirmação de Paulo Freire, segundo a qual “todo o ponto de vista é a vista de um ponto”.
Isso fez com se tornasse um tanto consolador o fato de sentir a necessidade em deixar de
lado tantos aspectos wittgensteinianos importantes, para optar por alguns que só vão
expressar uma parcela do pensamento do autor do tema aqui estudado. Longe de apresentar
aqui uma lamentação ou justificação de mediocridades, mas sim a necessidade de
expressar a percepção de que foi feito um trabalho “em Wittgenstein” e não trabalhado “o
Wittgenstein”. Aqui foi trabalhada uma página, das inúmeras que seriam possíveis em tal
autor.
Neste texto, que é fruto da empreitada que este trabalho conseguiu atingir até o
momento, é possível, como é feito no primeiro capítulo, acenar para a Filosofia Analítica,
vendo-a como um movimento filosófico muito amplo. Movimento que abriga diversas
áreas do conhecimento, mas que se caracteriza pela abordagem da Filosofia da Linguagem.
O Movimento Analítico busca, principalmente num primeiro momento, a aproximação da
Filosofia com os campos científicos. As ciências naturais, na passagem do século XIX para
o XX, desfrutavam de boa credibilidade. Por isso, aproximar-se das áreas científicas
somava créditos para a Filosofia da Linguagem, que almejava um patamar de objetividade
e exatidão lingüística.
53
No segundo capítulo é trabalhada a primeira resposta de Wittgenstein à
problemática de sua época. Essa resposta eleva ao extremo a concepção objetivista da
linguagem, que se resume em descrever objetos. Essa descrição é regida pelo atomismo
lógico e Wittgenstein a desenvolve baseada na teoria da figuração e na teoria da verdade.
Segundo essa concepção, o significado da linguagem depende de sua referência ao objeto.
O primeiro Wittgenstein, do Tractatus, acredita que a possibilidade de referência dos
nomes simples – dos quais não dá nenhum exemplo – aos objetos é o que permite enunciar
proposições com sentido, que podem ser verdadeiras ou falsas, ou seja, todo enunciado tem
de poder, em princípio, fazer referência ao mundo, por meio dos nomes simples, para ter
sentido. Proposições mais complexas devem poder ser reduzidas, ou traduzidas, a
proposições elementares, que contêm apenas nomes simples. Deve sempre haver uma
correlação entre nomes simples – que formam proposições elementares – e objetos simples
– que se combinam e formam estados de coisas – para que a linguagem fale do mundo,
descreva o mundo, e, portanto, faça sentido, transmita informações sobre este mundo. Toda
essa atividade é regida pela forma lógica que expressa, justamente, as formas que as
combinações entre os objetos podem assumir nos estados de coisas. Combinação que,
portanto, também assumem os nomes nas proposições.
No terceiro capítulo é trabalhada a segunda resposta de Wittgenstein ao mesmo
problema que é trabalhado na primeira resposta. Nas Investigações, Wittgenstein abre o
leque de possibilidades da linguagem. Nessa obra a referência ao objeto não é o mais
importante para o sentido. O sentido dá-se no jogo de linguagem, sem que seja necessário
determinar a referência das palavras aos objetos. Aqui o significado da linguagem se dá na
atividade do jogo de linguagem, que é alojado e determinado conforme cada tipo de jogo e,
principalmente, conforme o contexto no qual o jogo se desenvolve. Esse contexto, no qual
acontece a prática da linguagem, é o que Wittgenstein chama de formas de vida. Enquanto
o Tractatus era sustentado pela teoria de figuração e pela teoria de verdade, as
Investigações é sustentada pela teoria dos jogos de linguagem e pela teoria das formas de
vida. Nessa segunda obra, é condenada qualquer conceituação ostensiva. Isso faz com que
Wittgenstein não diga, com clareza, o que é um jogo de linguagem. Ele chega a dizer o que
ele vai chamar de jogos de linguagem; o que não parece ser a conceituação do que
realmente seria o jogo de linguagem: “Podemos também imaginar que todo o processo do
uso das palavras em (2) é um daqueles jogos por meio dos quais as crianças aprendem sua
54
língua materna. Chamarei esses jogos de ‘jogos de linguagem’, e falarei muitas vezes de
uma linguagem primitiva como de um jogo de linguagem”. [...]. “Chamarei também de
‘jogos de linguagem’ o conjunto da linguagem e das atividades com as quais está
interligada” (I.F. § 7).
A Filosofia dessa segunda fase de Wittgenstein é acusada de cair num relativismo
desregrado, segundo o qual a linguagem sem referência ou essência perderia sua
credibilidade. Tal linguagem é acusada de negar a ética, a moral, o espiritual; enfim,
relativisaria tudo. Mesmo que tal problema seja assunto para outro trabalho, igual ou
maior que esse, é bom lembrar que existem jogos de linguagem sobre a moral, sobre regras
morais, que são usados diariamente. É um entre muitos jogos. Não é necessário que
tenhamos um só jogo para ter regras morais. Tal acusação parte do princípio de que tudo se
tornaria válido. Mas nem tudo é válido, porque nas Investigações é possível elaborar
intersubjetivamente muitos jogos de linguagem. Saber jogar um jogo é saber seguir regras
que são estipuladas durante o próprio jogo. Jogos têm finalidades práticas. Um jogo que
não tem nenhuma finalidade, nenhuma utilidade, nem que seja uma utilidade estética ou
lúdica, não é jogado. Sabe-se que esta questão é muito complicada; por isso, fica aqui
aberta a discussão que desperta, neste trabalho, muito interesse de continuidade, mas que
devido às limitações presentes, tal continuidade, será adiada.
E assim é marcado o limite deste primeiro degrau empreendido na construção da
grande, e quem sabe infinita, escadaria que é exigida para quem deseja chegar ao topo do
problema que envolve a Filosofia da Linguagem e sua significação. Ao mesmo tempo em
que este trabalho gera satisfação pelo gosto de ter dado início à base de uma complicada
empreitada – é difícil que alguém ouse dizer que trabalhar Filosofia Analítica é fácil, no
entanto é gostoso – fica o vazio e o clamor para ir à busca de tantos temas e conceitos que
ficaram fora, ou foram tratados superficialmente, e que em muito enriqueceriam este
trabalho. Não foram tratados conceitos como gramática, regras, ter-em-mente,
compreensão. Poder-se-ia ter enfatizado a concepção wittgensteiniana da função
terapêutica da Filosofia (I.F. § 133). A concepção de Filosofia como aquela que mostra à
mosca a saída do vidro (I.F. § 309), dentre tantos outros conceitos que limitam um melhor
desenvolvimento das idéias aqui expressas. Fica aqui uma página preenchida. Página que
além de exigir o preenchimento das que a seguem é sujeita à retificação daquilo que nela
está escrito.
55
Este Trabalho de Conclusão de Curso deixou uma clara preferência pela segunda
obra, alvo original desta pesquisa, mas que no decorrer de seu desenvolvimento, passou a
perceber o enriquecimento que poderia advir de um enfoque em que situasse Wittgenstein
como o autor que ofereceu duas respostas a uma mesma problemática. No entanto, aqui a
primeira resposta não deixou de ser vista como base para a segunda e mais simpatizada
resposta, mas que parece necessitar ser entendida como oposição e superação da primeira.
O próprio autor afirma, no prefácio das Investigações, que “Há quatro anos, porém, tive
oportunidade de reler meu primeiro livro e de esclarecer seus pensamentos. De súbito,
pareceu-me dever publicar juntos aqueles velhos pensamentos e os novos, pois estes
apenas poderiam ser verdadeiramente compreendidos por sua oposição ao meu velho modo
de pensar, tendo-o como pano de fundo”86. Apesar de não ter um espaço tão privilegiado
como as Investigações, o Tractatus não pode ser considerado, por este trabalho, como uma
obra de segunda categoria, uma vez que a resposta apresentada pela primeira obra está
imbricada na resposta apresentada pela segunda.
86
WITTGENSTEIN. Investigações Filosóficas, Prefácio, p. 12.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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