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3a edição
A In -miri <tl(|o viável em nossos dias? Mais que isso, nos diz
....... (ui A \k oHtrt presente, e é necessária, em todos os perío-
>ln.i <1.1 hlmórln humana: quer como força integradora, que une
0 il i loim n ti todos os elementos intelectuais, emocionais e
1>ii11<unia do ser pessoal perante o in fin ito e incondicional;
i|im» mn distorções, como fé idólatra, não voltada para o infi-
nlto, munifestando-se então como força que desintegra e des-
tról. Leia-se como o autor chega a tais conclusões partindo de
definições positivas e negativas da fé; dos símbolos adequados
piirn tratar da mesma; descrevendo vários tipos de fé, que por
«ua vez geram vários tipos de ação, atitudes e comunhões de
fó; desenvolvendo a relação e tensão entre certeza e dúvida;
ontre fé e razão, entre verdade de fé e verdades científica, his
tórica e filosófica; concluindo que uma ciência que permane
ce ciência não pode contradizer uma fé que permanece fé. Pois
a fé se justifica a si mesma e pode ser atacada só em nome de
outra fé. Este é o triu n fo da dinâmica da fé: Que toda nega
ção de fé já é expressão de fé. Tal assunto é de extrema atua
lidade.
Paul Tillich
DINAMICA DA FE
A.
33 Edi?So
1985
T ítulo d o o rig in a l in g lê s DYN AM IC S OF FAITH, H arper & Row,
P ublishers, Inc., N e w Y o rk. T raduzido com apoio na versão alemã
"W esen und W and el des G la u b e n s" (Evang. V e rla g s w e rk , S tu ttg a rt,
1970).
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IMPRESSÃO: G R Ã FIC A S IN O D A L
[JIN Ã M IC A DA FÉ
I. O QUE É A FÉ
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<ln to m o Im prescindível para a vida de um in d iv íd u o bem
<i .iiii • i Ir* IckIíi uma co m u n id a d e . Q u a n d o isto acontece, a preocupação
um I ...... c<ige dedicação to ta l p o r parte d a q u e le que aceita essa
BXkinncln Mas ao mesm o te m p o ela p ro m e te realização p e rfe ita ,
n if . m o *.f! ostras exigências passam para o se g u n d o p la n o ou mesmo
| iimc:| m iih Mir rejeitadas. Q u a n d o um p o vo fa z da vid a e do cres-
i im n ilu iJ.i nação a sua preocupação suprem a, é e x ig id o que se
lhe '..ii rific|uem todas as ou tra s coisas, com o sejam bem -estar, saúde
.■ vlcl.i, fíim d ia , valores c o g n itiv o s e estéticos, justiça e hum anidade.
A-. form as extrem as de na cio na lism o como as conhecemos em nossa
>'l .<m .i servem até de m o d e lo para v e rific a rm o s os efeitos de uma
"p reocupação suprem a" sobre todos os â m b ito s da existência hu-
iii.iiu i, até nas questões m ais triv ia is da v id a co tid ia na . Tudo deve
s e rvir ao deus único: a nação. Q u a n d o fin a lm e n te esse deus tam bém
no e vid e ncia como um d e m ô n io , ele dem o n stra claram ente a e x i
gência incondicional leva n ta d a p o r toda preocupação suprem a".
Mas a preocupação suprem a de uma pessoa não se esgota na
■.imples exigência de sujeição in c o n d ic io n a l; ela contém igualm ente
.1 prom essa de realização suprem a, que é esperada num ato de fé.
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Este m a n dam ento proclam a in e q uivo ca m e n te a natureza da fé g e
nuína e a e xigência de dedicação total à q u ilo que pe rfa z a p re o
cupação últim a . O A n tig o Testam ento está re p le to de m andam entos
que esclarecem a natureza dessa dedicação, associando-os a um
sem -núm ero de promessas e ameaças. A q u i ta m b é m as promessas
são de uma in d e fin içã o sim b ó lica , se bem que no centro se e n
contre a realização da vid a nacional e pessoal. C om o ameaça, p o ré m ,
surge a exclusão dessa realização; ela sig n ifica decadência do p o v o
ou extin ção do in d iv íd u o . Para o hom em d o A n tig o Testam ento a
fé é o estar possuído ú ltim a e in co n d icio n a lm e n te p o r Javé e p o r
tu d o a q u ilo que ele representa através de seus m andam entos, am ea
ças e promessas.
O u tro e xe m p lo , que é quase um c o n tra -e xe m p lo , se bem que
ig u a lm e n te reve la d o r, está na m aneira em que sucesso na v id a ,
"s ta tu s " social e ascensão econôm ica se tra n sfo rm a m numa p re o
cupação inco ndicio nal. Este é o "d e u s " de m uitas pessoas no m u n d o
o cid e nta l, d o m in a d o pe lo e sp írito de concorrência. Com o to d o in
teresse ú ltim o , tam bém ele re iv in d ic a o b e d iê n cia incondicional às
suas leis, mesm o que isso s ig n ifiq u e que a pessoa terá que sacrificar
relações hum anas genuínas, convicções p ró p ria s e cria tiv id a d e . Sua
ameaça é decadência social e econôm ica; sua promessa — vaga
como todas as promessas desse tip o —, a realização da p ró p ria es
sência. O colapso de sem elhante fé é um traço característico da nossa
lite ra tu ra contem porânea, a q ual justam ente p o r esta razão recebe
um s ig n ific a d o religioso. O que se m anifesta em novelas como P oint
o f no Return (1) de John P. M a rq u a rd não é um cálculo falso, mas
sim uma fé desenganada. N o m o m e n to da realização a promessa se
evidencia com o nula.
Fé é o estado em q u e se é possuído p o r a lgo que nos toca
in co ndicion alm ente . Está ce rto que o conteúdo específico da fé é
de m áxim a im portância para o crente, mas este conteúdo é irre le
vante para a d e fin içã o de fé . Este é o p rim e iro aspecto que precisa
mos reconhecer, se quiserm os c o m p re e nd e r a dinâm ica da fé.
(1) N. d o T.: Em p o rtu g u ê s este títu lo p o d e ria ser: " N ã o há que v o lta r a trá s ".
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jugadas no ato de fé. A fé , no entanto, não é apenas a soma
das funções in d iv id u a is . Ela ultrapassa cada um a das áreas da
vida hum ana ao mesm o te m p o em que se faz s e n tir em cada uma
delas.
Uma ve z que a fé é um ato da pessoa to d a , ela participa da
dinâm ica da vid a pessoal. Essa dinâm ica já fo i descrita de muitas
m aneiras, mas as publicações mais recentes no cam po da psicologia
^ a n a lític a é qu e mais se a p ro fu n d a ra m aqui. Todas elas têm em comum
o pensam ento em po la rid a d e s e a observação das tensões e conflitos
d aí resultantes. Com isso a psicologia da pessoa se torna extrem a
m ente d in â m ica , levando necessariam ente a uma te o ria dinâm ica da
fé , a q u a l, mais do que q u a lq u e r outra m anifestação v ita l do homem ,
tem sua raiz no centro da pessoa. A p o la rid a d e p rim e ira e decisiva
na p sico logia analítica está e ntre o assim cham ado inconsciente e
o consciente. Fé com o m anifestação da pessoa in te g ra l não pode ser
im agin ada sem a atuação concom itante dos elem entos inconscientes
na estrutura da pessoa. Eles sem pre estão presentes e determ inam
em a lto grau o conteúd o da fé. Por o u tro lado, po ré m , a fé é um ato
consciente, e com isso os elem entos inconscientes só participam do
s u rg im e n to da fé quan do são levados ao centro da pessoa e por ele
são im p re g n a d o s. Se isto não acontece, q u a n d o apenas as forças in
conscientes d e te rm in a m a constituição in te rio r da pessoa, então o
que surge não é fé , mas atos obsessivos de diversos tip o s que tom am
seu lug ar. Mas fé é uma questão de lib e rd a d e . Liberdade por sua
vez é nada mais d o que a p o ssib ilid a d e de a g ir a p a rtir do centro
da pessoa. Esta m aneira de v e r poderia ser m u ito ú til em freqüentes
discussões em que fé e lib e rd a d e são apresentadas com o opostos. A q u i
lib e rd a d e e fé são vistas com o uma só coisa.
A outra p o la rid a d e , assinalada p o r Freud e sua escola como ego
e super-ego, é de igual im p o rtâ n cia para a com preensão da fé. O
conceito d o super-ego é bastante am bíguo. Por um lado ele é o
fu n d a m e n to de toda vid a c u ltu ra l na m edida em que não perm ite
q ue se dê rédeas soltas à lib id o sempre insistente. Por o u tro lado
ele castra a v ita lid a d e da pessoa, gera o "m a l-e sta r da cu ltu ra ",
le vando sob certas circunstâncias à neurose. Sob esse p o n to de vista
os sím bolos da fé aparecem com o expressão d o super-ego ou, em
term os concretos, da "im a g e m do p a i", que dá ao super-ego seu
conteúdo p ro p ria m e n te d ito . é d e v id o a esta teoria inadequada do
super-ego que, com o o n a tu ra lism o , Freud rejeita normas e p rin c í
pios. Q u ando o super-ego não se ju stifica p o r norm as objetivas, ele
se tra n sfo rm a num tira n o . M as a fé real consegue vestir-se da im a
gem paterna, tra nsfo rm a n d o -a mesmo assim num p rin c íp io de ve r
dade e justiça, o qua l, se fo r o caso, precisa ser d e fe n d id o mesmo
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contra o " p a i" . Em todos os casos, fé e cu h u ra só p o d e m ser m a n
tid o s, se o super-ego encarna norm as e p rin c íp io s o b je tiv o s d o ser
(Sein).
Neste p o n to surge a se g u in te p e rg u n ta : Q u a l é a relação entre
a fé com o um ato pessoal c e n tra d o e a e stru tu ra racional d o hom em ,
q u e se m anifesta em sua lin g u a g e m lógica, sua capacidade de d is
tin g u ir o v e rd a d e iro e de fa z e r o bem , assim com o em seu senso
estético e de justiça. É tu d o isso, e não só a sua capacidade de
d is tin g u ir, ca lcular e fu n d a m e n ta r q u e faz d o hom em um ente ra
cional. Mas apesar desse co n ce ito m ais g lo b a l da razão, precisam os
re je ita r a o p in iã o de que se possa id e n tific a r a natureza p ró p ria do
hom em com a estru iu ra racional de seu e s p írito . O hom em tem a
p o ssib ilid a d e de se d e c id ir a fa v o r ou contra a razão; ele tem a
capacidade de ir além da razão em sua c ria tiv id a d e , bem com o de
d e stru ir, c o n tra ria n d o toda a razão. O que dá ao hom em essa capa
cidade é o p o d e r do seu eu (2), em cujo cerne estão co n ju ga d o s
todos os elem entos de seu ser. Fé não é, p o rta n to , um ato de forças
irracionais q u a isqu e r, assim co m o ta m b é m não é um ato d o incons
ciente; ela é, isto sim, um ato em que se transcendem ta n to os e le
m entos racionais com o não-racionais da v iv ê n c ia hum ana.
Sendo o ato g lo b a l e m ais ín tim o da pessoa, a fé é "e x tá tic a ".
Ela é mais do que os im pulsos d o subconsciente irracio n a l e ta m b é m
vai além das estruturas d o consciente racional. Ela os transcende,
mas não os de stró i. O caráter e x tá tic o da fé não exclu i a razão, se
bem que não é idêntica a ela; além disso e le ta m b é m e n g lo b a
elem entos não-racionais, sem q u e se resuma nesses. N o êxtase da
fé há uma consciência da v e rd a d e e de va lo re s éticos; am or e
ód io, brig a e conciliação, in flu ê n c ia s in d iv id u a is e co le tiva s, com o
fo ra m exp e rien ciadas no d e curso da v id a , tu d o isso está in te g ra d o na
fé. "Ê xtase" q u e r d iz e r "e sta r fo ra de si", sem d e ix a r de ser a gente
m esm o, sem sacrificar um só dos elem entos re unidos no centro
da pessoa.
Para co m p re e nd e r a fé ainda é necessário saber da tensão e ntre
a função c o g n itiv a de um la d o , e s e n tim e n to e vo n ta d e d o o utro.
N um ca p ítu lo p o ste rio r te n ta re i p ro v a r que m u ito s m a l-e n íe n d id o s
acerca da fé têm sua raiz na te n d ê n cia de re la c io n a r a fé com uma
dessas funções. Q u e ro a firm a r a q u i com toda ênfase q u e to d o ato
de fé tam bém contém um e le m e n to c o g n itiv o , mas não com o re su l
tado de um processo in d e p e n d e n te de p e nsam ento, mas com o um
e le m en to ind isp ensáve l de um ato g lo b a l de receber e d e d ic a r. Assim
tam bém é reje itad a a o p in iã o d e q u e a fé é o re su lta d o de um
ato in d e p e n d e n te do vonta d e . E cla ro que a v o n ta d e ta m b é m par-
(2) N. d o T.: O te rm o o rig in a l "S e lb s t" (in g lê s " s e lf " ) sem pre será re p ro d u z id o p o r " e u " .
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ticipa q u a n d o aceitam os a q u ilo que nos toca in co n dicio n a lm e n te ;
mas a fé não é uma o bra da v o n ta d e . N o êxtase da fé a p ro n tid ã o
para aceitar e dedicar-se é apenas um e le m e n to da fé , mas de m odo
a lg u m é a sua causa. Fé não brota de um tu rb ilh ã o de sentim entos;
não é isso qu e se q u e r d iz e r com êxtase. N ão há d ú v id a de que o
s e n tim e n to está incluso na fé , com o em toda m anifestação de vida
e s p iritu a l. Mas sen tim ento não p ro d u z fé . Esta contém conhecim ento,
com o ta m b é m é uma decisão da vo n ta d e , isto é, ela é a u n id a d e de
todos esses elem entos no eu "c e n tra d o ". N a tu ra lm e n te esta unidade
não e x c lu i a p o ssib ilid a d e de que um ou o u tro e le m e n to tenha p re
d o m in â n cia em certas fo rm a s especiais da fé ; esse e le m e n to d e term ina
então o caráter da fé , mas não a produz.
Com isso tam bém respondem os à p e rg u n ta se é possível uma
p sico lo g ia da fé. Tudo o que acontece na p e rs o n a lid a d e (personhaftes
Se:n) do hom em pod e ser o b je to da p sico lo g ia . Tam bém é im p o r
tante que ta n to o filó s o fo da re lig iã o com o o cura d'a!m as se dêem
conta de com o o ato da fé está in se rid o na to ta lid a d e dos processos
p sicológicos. Esta fo rm a le g ítim a e até necessária de uma psicologia
da fé se encontra, p o ré m , em contraposição com uma outra que
procura d e riv a r a fé de a lgo que nada tem a v e r com fé , e sim
com m e do , na m aioria dos casos. Tal p ro c e d im e n to se apóia na
suposição de q u e o m e d o ou q u a lq u e r o u tra coisa, da qual se d e riva
a fé , seja m ais o rig in a l e fu n d a m e n ta l do q u e a p ró p ria fé. Mas esta
suposição não pode ser p ro va d a . M u ito p e lo c o n trá rio , pode-se d e
m o n stra r q u e em to d o p ro c e d im e n to c ie n tífic o que leve a tais con
clusões, a fé sem pre já está atuando. A fé p recede a todas as tenta
tivas de d e rivá -la de algum a o utra coisa; pois essas tentativas já
p ressupõem a fé.
3. A Fonte da Fé
Nós descrevem os a fé e sua relação com a to ta lid a d e da pessoa.
Neste se n tid o a fé é um ato in te g ra l p ro ce d e n te do centro d o eu
pessoal, no qual percebem os o in c o n d ic io n a l, o in fin ito , e p o r ele
somos possuídos. Mas o que é a fo n te dessa preocupação que tu d o
e n g lo b a e tu d o transcende? A expressão "p re o cu p a çã o in c o n d ic io
n a l" indica dois lados de um re la cio n a m e n to : ela mostra para
aquele que p o r ela é possuído com o para a q u ilo que o possui. Daí
resulta q u e precisam os nos conscientizar da situação do hom em
com o tal p o r um lado, e d o hom em em relação com o seu m u n d o
p o r o u tro . O fa to de o hom em ter uma preocupação ú ltim a revela
a lg o de sua natureza, isto é, q u e ele tem a capacidade de trans
ce n der o flu x o contínuo de exp e riê n cia s fin ita s e passageiras. As
e xp e riên cias, os sentim entos e pensam entos d o hom em são co n d i
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cionados 61 passageiros. Isío não só q u e r d iz e r que su rg e m e desa
parecem , mas tam b ém se re fe re ao seu c o n te ú d o , a não ser q u e
sejam elevados ao nível de v a lid a d e in c o n d ic io n a l. Isto, p o ré m , p res
supõe uma fa cu ld a d e especial e a presença d o e le m e n to do in fin ito
no hom em . O hom em , num ato d ire to , pessoal e ce n tra l, é capaz
de captar o sen tid o do que é ú ltim o , in c o n d ic io n a l, a b so lu to e in f i
n ito . A penas isso faz da fé um a p o ssib ilid a d e d o hom em .
Possibilidades humanas são forças que u rg e m em se re a liza r.
O hom em é im p e lid o para a fé ao se conscientizar d o in fin ito d e que
faz pa rte , mas do qual ele não pode to m a r posse com o de um a
p ro p rie d a d e . Com isso está prosaicam ente fo rm u la d o a q u ilo que
ocorre no curso da vida com o " in q u ie tu d e do coração".
Estar possuído in co n d icio n a lm e n te — ou seja: fé — é estar to
m ado pe lo incon diciona l. A p a ixã o in fin ita , com o ta m b é m já se
cham ou a fé , é a paixão p e lo in fin ito ; ou, v o lta n d o à nossa fo r m u
lação a n te rio r, na "p reo cu p a çã o in c o n d ic io n a l" se trata d a q u ilo que
o hom em e xp e rim e n to u com o in c o n d ic io n a l, d e v a lid a d e ú ltim a .
Com isso já nos voltam os d o aspecto s u b je tiv o da fé com o um ato
central da pessoa para o seu s ig n ific a d o o b je tiv o , para a questão
d o que é e x p e rim e n ta d o no ato da fé . Nesta a ltu ra de nossa in ve s
tigação, de nada nos adia nta ria cham ar a q u ilo q u e é e x p e rim e n ta d o
no ato da fé , de "D e u s" ou "u m deus". Â.ntes p e rg u n ta m o s aqui:
Q ue é que fu n d a m e n ta a d iv in d a d e na idéia de Deus? A resposta é:
Trata-se d o ele m e n to do in c o n d ic io n a l, d o que tem v a lid a d e ú ltim a .
Isto d e te rm in a o caráter d o d iv in o . Uma vez e n te n d id o isto, co m
preende-se ta m bé m p or que quase tu d o "n o céu e na te rra " já alcançou
o caráter d o incondicional no d ecurso da história da re lig iã o . M as ta m
bém podem os co m p re e nd e r q u e na consciência re lig io sa do hom em
sem pre já esteve e ainda está a g in d o um p rin c íp io crítico, o q u a l p ro
cura separar o que é rea lm e n te in condicional d a q u ilo q u e re iv in d ic a
para si o caráter de in co n d ic io n a l, mas na re a lid a d e é apenas p ro
vis ó rio , passageiro e fin ito .
A expressão "preocupação in c o n d ic io n a l" e n g lo b a os aspectos
s u b je tiv o e o b je tiv o (3) d o ato de crer: a fid e s qua c re d itu r, isto é,
a fé pela qual se crê, e a fid e s quae c re d itu r, isto é, a fé que é crida.
A p rim e ira fó rm u la é a expressão clássica para o ato s u b je tiv o , p ro
ve n ie nte do ín tim o da pessoa, ou sua preocupação in c o n d ic io n a l. A
segunda fó rm u la é a expressão clássica para a q u ilo a q u e se d irig e
o ato, para o incondicional com o tal, expresso em sím bolos d o d i
v in o . N ão há d ú v id a de que esta d ife re n cia çã o é m u ito im p o rta n te ,
(3) N. d o T.: Na re a lid a d e , a expre ssã o p ortu g u e sa para " u n b e d in g te s A n lie g e n "
("p re o c u p a ç ã o in c o n d ic io n a l") re fle te apenas s u tilm o n te o a spe cto o b je tiv o do
ato da fé .
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mas não absoluta, pois n e n h u m dos dois lados d o ato de crer
p o d e p e rs is tir por si m esm o. Não e xiste fé sem c o n te ú d o que a
p ree ncha, pois a fé sem pre se d irig e a algo d e te rm in a d o . Por o u tro
la d o é im p ossíve l assim ilar o co n te ú d o da fé a não ser por um ato de
crer. N ão tem sentido fa la r de coisas d iv in a s se não se está tom ado
in c o n d ic io n a lm e n te p o r elas. Pois a q u ilo que está expresso no ato
de crer não pede ser alcançado senão p e lo p ró p rio ato de crer.
Em expressões com o de v a lid a d e ú lrim a , in c o n d ic io n a l, in fin ito ,
a b so luto está superada a d istin çã o e n tre s u b je tiv o e o b je tiv o . O
estar to m a d o in co n d icio n a lm e n te no ato da fé , e o in c o n d ic io n a l, que
é e x p e rim e n ta d o no aio crèr, são um a coisa só. Os m ísticos o
e xpressam sim bo lica m ente ao d ize re m q u e seu conhecim entó d e Deus
é o co n h e cim e n to que Deus tem de si m esm o. Em I Co 13, 12 Paulo
q u e r d iz e r basicam ente a mesm a coisa: “ então conhecerei com o tam
bém sou co n h e cid o ", isso é, p o r Deus. Deus nunca pod e ser o b je to sem
ser s u je ito ao mesm o tem p o . S egundo Paulo, nem mesm o um a oração
chega aos o u vid os de Deus, se- não fo r o Espírito de Deus que ora
d e n tro de nós (Rm 8). Pode-se fo rm u la r a bstratam ente a mesma
e x p e riê n c ia com o sendo a anulação da contraposição su je ito -o b je to
na e xp e riê n c ia do in co n d ic io n a l. No ato de crer, a o rig e m dessa fé
está p resente de um m o d o que transcende a separação de sujeito
e o b je to .
Essa caracterização da n .itu ro /ii da fó nos dá um c rité rio adi
cio n al para a distinção de ino>ndi< io n a11<I•1 1 1<v falsa e ve rd a d e ira . As
coisas fin ita s , que ilu so ria m e n te ro iv in d ii •un in fin itu d e para si, como
p o r e x e m p lo a "na çã o " ou "v e n c e r n i v id a ", não tom a capacidade
d e su p e ra r a separação de s u je ito e o b je to A q u i se trata sem pre de
um o b je to , ao qual o crente se d i r ic).• com o um sujeito. Ele o pode
alcançar com os m eios c o g n itiv o s com uns o com ele lid a r com os
m é todos usuais. N a tu ra lm e n te existem m uitas d ife re n ça s de g ra u no
ca m po in fin ito de valores q u e falsam ente reclam am a categoria de
in c o n d ic io n a l. A noção, p o r e x e m p lo , se a p ro xim a mais d o incon
d ic io n a l d o que o sucesso na vid a . () d e lírio nacionalista pode g e ra r
um estado em que o su je ito ó quase Ira rja d o p e lo o b je to . Mas algum
te m p o d e p o is ele ressurge sóbrio, re jo ita n d o agora com ceticism o
e crítica descom edida as ju st.r. re ivin d ica çõ e s da nação. Q u a n to mais'
a fé se tra n sfo rm a em id o la tria , menos ela consegue superar a se
paração de su je ito e o b je to . Pois esta é a d ife re n ça entre a fé v e r
d a d e ira e a falsa: Na fó v e id a d e ira a preocupação inco n dicio n a l é
o estar to m a d o pelo que é v e rd a d e ira m e n te in c o n d ic io n a l; a fé
id ó la tra , em contraste, eleva coisas passageiras e fin ita s à categoria
de in condicionais. Esta ad u lte ra çã o leva fa ta lm e n te à "fru s tra ç ã o
e x is te n c ia l", q u e solapa as bases da e xistência hum ana. A fé id ó la tra
12
é d ia lé tic a no que ela é fé e com o tal um ato central da pessoa; mas
o c e n tro do q ual ela p a rte se encontra m ais na p e rife ria , e com
isso essa fé leva à perda d o ce n tro da essência e à d e s tru iç ã o da
pessoa. O caráter e xtá tico , q u e tam bém é p ró p rio de tal crença,
só disfarça tra n s ito ria m e n te esta conseqüência.
13
d o rn u n d o a o cotidiano e das e xp e riê n cia s com uns das pessoas. Ele
está separado do â m b ito do fin ito . Por isso todos os cultos religiosos
m a n tin h a m seus lugares santos e atos sagrados isolados de todos
os outros lugares e atividades. E ntrar no Santíssim o s ig n ific a en
contro com o sagrado. A q u i o in fin ita m e n te d ista n te se m ostra p ró x im o
e presente, sem p e rd e r sua m ajestade. Por esse m o tiv o o sagrado
tam bém fo i cham ado de "c o m p le ta m e n te o u tro ", a saber, a q u ilo que
é d ife re n te d o curso o rd in á rio das coisas, ou, para re to m a r um a fo r
m ulação a n te rio r, ele é d ife re n te d o m u n d o , o q ual se caracteriza pela
separação em sujeito e o b je to . O sa g ra d o ultrapassa esse â m b ito , este
é o seu m is té rio e seu caráter inacessível. Não há p o s s ib ilid a d e de
alcançar o incondicional a p a rtir d o c o n d icio n a l, assim com o não se
pode co n se g u ir o in fin ito p o r um m e io fin ito .
14
fic a d o se tra n sfo rm a : ele é racionalm ente id e n tific a d o com o v e rd a
d e iro e o bom . T udo isso s ig n ific a que seu sentido o rig in a l p rim e iro
precisa ser redescoberto.
A q u ilo que fo i d ito a n te rio rm e n te a respeito da d in â m ica da
fé é agora c o n firm a d o pela dinâm ica d o sagrado. Nós estabelecem os
a d ife re nça entre fé v e rd a d e ira e fé id ó la tra . O sagrado, na m e d id a
em que atua dem oníaca e p o r isso d e s tru tiv a m e n te em ú ltim a ins
tância, é idên tico com o o b je to da fé id ó la tra . M esm o assim ta m b é m
a fé id ó la tra ainda é fé . O sagrado perm anece sagrado, ta m b é m em
sua fo rm a dem oníaca. A q u i se m anifesta n itid a m e n te o caráter am- .
b íg u o da re lig iã o e com isso tam bém o p e rig o da fé. O p e rig o da
fé é a id o la tria , e a a m b ig ü id a d e do sagrado resulta de sua possi
b ilid a d e dem oníaca. Nossa preocupação ú ltim a — a q u ilo q u e nos
toca in co n dic io n a lm e n te — p o d e nos d e s tru ir assim com o ta m b é m
nos pode curar. Mas sem uma preocupação ú ltim a não podem os
v iv e r.
5. Fé e D ú vida
C hegam os agora a um a descrição mais g lo b a l da fé com o ato
central da pessoa com o um tod o . Um ato de fé é realizado p o r um
ser fin ito , que está to m a d o p e lo in fin ito e para este ^e v o lta . Trata-se
d e um ato no â m b ito d o fin ito , com toda a lim itação que com o tal
lhe é p ró p ria ; mas ta m b é m é um ato d o q u a l pa rticip a o in fin ito
transcendendo os lim ite s d o fin ito . Fé é certeza na m e d id a em que
ela se baseia na e xp e riê n c ia do sagrado. Mas ao m esm o te m p o a
fé é cheia de incerteza, um a vez que o in fin ito ,' para o q u a l ela
está orientad a, é e x p e rim e n ta d o p o r um ser fin ito . Esse e le m e n to de
insegutança na fé n ã o 'p o d e ser arfulado; nós precisam os aceitá-lo.
E esta aceitação é um ato d e coragem . A fé e n g lob a a am bos: co
n hecim ento d ire to , do q ual p ro vé m a certeza, e incerteza. A c e ita r
os dois é te r coragem . Ê s u p o rta n d o corajosam ente a incerteza que
a fé dem onstra o mais fo rte m e n te o seu caráter d inâm ico.
Nós só podem os co m p re e n d e r a relação e ntre fé e coragem se
tom arm os o te rm o co rre n te d e coragem num a acepção mais am pla (5).
C oragem com o e le m e n to da fé é arriscar a afirm a r-se a si m esm o
d ia n te dos poderes d o "n ã o -s e r", pelos quais to d o ser fin ito está
ameaçado. Mas o nde há risco e coragem tam bém existe a p o ssib i
lid a de do fracasso, e essa p o s s ib ilid a d e se encontra em to d o ato
de crer. É um risco q u e precisa ser le va d o em troca. Q uem fa z de
seu p o vo a quilo que lhe toca em ú ltim a e in co n dicio n a l instância,
necessita de coragem para se m anter fie l a essa decisão. Certa é
(5) C f. a obra do a u to r " A C o ra g e m de S e r", Paz e Terra (Ed.), Série Ecum enism o e
H um anism o, V o l. 6, 1967, p p . 1 ss.
15
apenas a in con dicio n a lid a d e com o tal, a p a ixã o in fin ita como paixão
in fin ita . Esta é uma realidade que é intrínseca à natureza do eu. Ela
é tão im edia ta e fora de d ú v id a com o o eu está fo ra de d ú v id a para
o p ró p rio eu. Sim, ela é o eu, na m e d id a em q u e este se transcende
a si mesm o. Mas acerca do co n te ú d o d e nossa preocupação últim a,
seja ela a nação, o sucesso na v id a , um deus ou o Deus da Bíblia,
não há certeza desse tip o . Todos eles são coisas que não apresentam
certeza im ed iata . A ceitá-las com o o b je to de nossa preocupação ú l
tim a , in co n dicio n a l, é um risco e com o tal um ato de coragem . O
risco consiste em que o o b je to de nossa preocupação ú ltim a pode
evidenciar-se com o algo de im p o rtâ n cia p ro v is ó ria e passageira, por
e x e m p lo , a nação. O risco da fé com o dedicar-se a a lg o que me toca
in co n d icio n a lm e n te é de fa to o m a io r risco que uma pessoa pode
to m a r sobre si. Pois se a fé de urna pessoa se e vid e ncia com o ilusória,
isso pode levar a que essa pessoa perca o sentido de sua vid a . Ela
vê que se e n tregou a si mesma, a v e rd a d e e a justiça a algo que
não merecia esta dedicação. Tal pessoa desistiu do que lhe é mais
in tim a m e n te p ró p rio , sem le r q u a lq u e r esperança de recuperá-lo.
O desespero causado po r e x e m p lo p e lo desm o ro na m e n to de espe
ranças e pretensões nacionaií. p ro v a irre fu ta v e lm e n te o caráter idó
latra de seu patriotism o. Em ú ltim a análise, toda preocupação su
prem a cujo o b je to não é v e rd a d e ira m e n te in co n dicio n a l leva ao
desespero. Mas essa po ssib ilid a d e n fé r.empre precisa le va r em
troca. Ela nunca pode ser exclu íd a , q u a n d o um ser fin ito procura
a realização do seu eu. Uma preocupação suprem a e xig e risco su
p re m o e m áxim a coragem . Isso não resulta da dedicação ao incon
d icio n a l com o tal, e sim da aceilaçâo de a lgo d e te rm in a d o que teria
in c o n dicio n a lid a d e . Toda fé contém urn e le m e n to concreto; ela se
o rie n ta para um o b je to ou uma pessoa. Mas pode se to rn a r evidente
qu e esse o b je to ou essa pessoa nado tenham d e n tro de si que possua
v a lid a d e ú ltim a . Neste caso, no que d iz respeito ao seu conteúdo
concreto, a fé terá sido uma ilusão, se bem que a experiência do
in c o n d icio n a l, a qual tam bém estó presente nesse tip o de fé , nada
te m de ilusória. Um deus pode se e v id e n c ia r com o nu lo , mas o
d iv in o perm anece. A fé tom a sobre si o risco de o deus concreto em
q u e fo i colocada a fé ser uma im agem falsa. E então pode acontecer
q u e o crente seja arrasado p o r essa decepção e não tenha forças
para en con trar um novo co nteúdo para a sua ânsia pelo eterno e
com isso v iv e r novam ente a p a rtir do ce n tro de seu ser. O risco do
ato de crer, poré m , não pode ser e lim in a d o . Existe uma só atitude
q u e não encerre risco e contenha certeza im ediata: a de o homem
fic a r entre sua p ró p ria fin itu d e e a p o s s ib ilid a d e de alcançar o in fi
nito . N isto se resum em a grandeza e a d o r da existência humana.
16
Isso se expressa bem claram ente na relação e n tre fé e d ú v id a .
Se a fé é e n te n d id a com o acre d ita r em a lgum a coisa, entã o d ú v id a
e fé são irre co n ciliá ve is. C om preendendo-se a fé com o estar to m a d o
p o r a q u ilo q u e nos toca in co n d icio n a lm e n te , a d ú v id a se torna um
ele m ento necessário da fé. A d ú v id a se encontra encerrada no risco
da fé.
A d ú v id a que fa z p a rte inseparável da fé não é um a d ú v id a
em to rn o de fa tos ou certas conseqüências lógicas. N ão é a d ú v id a
que dá im p u ls o a toda pesquisa científica. Pois nem um te ó lo g o
tra dicional ha ve ria de n e g a r o d ire ito da d ú v id a m etódica na pes
quisa em pírica ou na aplicação d o m étodo d e d u tiv o . Um cientista
que afirm asse estar uma d e te rm in a d a te o ria cie n tífic a acima d e q u a l
q u er d ú v id a , se desacreditaria com o cientista. A pesar d e sua d ú v id a ,
porém , ele p o d e c o n fia r em que na prática a sua te o ria se m ostre
d igna de confiança, senão a sua aplicação técnica seria de to d o im
possível. Por isso se pode a trib u ir a esse tip o de confiança uma certa
certeza p ra g m á tica, que é ple n am e n te su ficie n te para a prática. A
d ú vida rem anescente nesses casos se re fe re à te o ria subjacente.
Existe, p o ré m , ainda o utra espécie de d ú v id a , a q ual querem os
d e no m in a r d e cética, à d ife re n ça da d ú v id a cie n tífic a , que é mais
de natureza m etódica. A d ú v id a cética é uma certa a titu d e d ia n te
de tu d o q u e o hom em considera ve rd a d e iro , desde as percepções
dos sentidos até as convicções religiosas. Ela é mais uma m aneira de
pensar do qu e uma a firm a tiv a ; pois, com o a firm a tiv a , essa d ú v id a
cética e n tra ria em contradição consigo mesma. A p ró p ria a firm a tiv a
de que para o hom em não existe ve rd a d e de v a lia un ive rsa l seria
declarada insustentável p e ra n te o juízo do p rin c íp io cético. A d ú v id a
cética genu ína não se m anifesta na fo rm a de a firm a tiv a . Ela é uma
orientação que nega toda certeza. Por isso não se p o d e re fu tá -la
com m eios lógicos. Isto p o rq u e ela não se coloca na categoria de
uma tese qu e se pudesse a v e rig u a r. A d ú v id a cética leva necessa
riam ente ao desespero ou ao cinism o ou a am bos a lte rn a d a m e n te .
E quan d o esta a lte rn a tiv a se torna in su p o rtá ve l, aparece fre q ü e n te
m ente a in d ife re n ç a e um a a titu d e que q u e r se m a n te r liv re de
q u a lqu e r co m prom isso. M as um a vez que o hom em é o ente cuja
natureza é a de se pre o cu p a r essencialm ente com o seu p ró p rio
ser ("S ein"; H e id e g g e r), ,essa fu g a no fim das contas fracassará. Este
é o p o d e r da d ú v id a cética. M esm o que ela tenha um e fe ito de
sacudir e lib e rta r, ela tam bém pod e im p e d ir o d e s e n v o lv im e n to em
direção a uma p e rson alid a d e centrada. Pois o hom em com o pessoa
não é possível sem fé. O desespero d o cético d ia n te da im p o s s ib ili
dade da v e rd a d e m ostra que a ve rd a d e ainda assim é a sua paixão
in fin ita . O s e n tim e n to cínico de su p e rio rid a d e sobre toda ve rd a d e
( 17
d e te rm in a d a dem onstra q u e o cetico ainda leva a seno a ve rd a d e
„ c ; t A disposto a p e rg u n ta r p e lo que é in co n d icio n a lm e n te v a lid o
0 c ^ flc o que é realm en te cético não v iv e sem fe , m e sm o -q u e essa fc
n ão lo n h a conte údo concreto.
A d ú v id a que está co n tid a em to d o ato d e fé não é nem a
d ú v id a m etódica nern a cética. Ela é a d ú v id a que acom panha to d o
risco Não se trata aqui nem da perm anente d u v id a do cientista nem
d l d ú v id a v o lá til d o cético; é, isto sim, a d ú v id a de um a pessoa que
está serissim am ente possuída p o r algo concreto. Em contraste com
aS fo rm a s acima descritas, poder-se-ia d e n o m in a r esse tip o de d u v id a
1 d ú v id a existencial. Ela não pe rg u n ta se um a d e te rm in a d a tese e fa l
s a ou ve rd a d e ira , nem reje ita toda verdade concreta, mas ela conhece> o
e le m e n to de incerteza p ró p rio a toda ve rd a d e existencial. A duV1^
in e re n te à fé sabe dessa incerteza e a to m a sobre si num ato de
cmacaem Fé encerra coragem . Por isso a fé consegue resistir a _pro-
o ria dúvida de si mesma. N a tu ra lm e n te fé e coragem nao sao a ^
m esm a coisa. A fé ainda encerra outros elem entos alem da coragem ,
e a coragem ainda tem outra-, funções q u e nao a de a p o iar a fé .,
i i n d a fa z parte da fé a coragem que está pronta a to m a r um risco
so b re si.
Este conceito d in â m ic o de íé parece não dar lu g a r aquela con
fia n ça crente e ao se n tim e n to de segurança que encontram os nos
d o cum e ntos de todas as g ra n d e s re lig iõ e s e n a tu ra lm e n te J a m b e m
no cristianism o. Mas este não é o caso. Pois a acepção d in â m ica da
fé resulta de uma análise te rm in o ló g ic a d o aspecto su b |e tiv o com o
ta m b é m o b je tiv o da fé . N ela não se descreveu um esta_do de es-
o írito constante. Uma análise estrutural nao é a descrição de um
c e rto estado. A confusão de análise e descrição é uma fo n te de
num erosos m al-en tendid o s e enganos em todos os campos da v id a .
Um e x e m p lo típ ico para tal confusão se apresenta na presente discus
são em to rn o da natureza d o m edo. A d e fin iç ã o d o m edo com o o
Conscientizar-se da p ró p ria fin itu d e é ocasionalm ente r e a ta d a con-
siderando-se o estado de e sp írito m édio das pessoas. M e d o , assim
se a firm a , aparece sob certas condições, mas nao e um sintom a
c o n c o m i t a n t e da fin itu d e d o hom em . É cla ro que o m edo aPari- ce
em sua fo rm a mais a flitiv a sob circunstâncias de te rm in ad a s. Ma
I a sua estrutura subjacente da vida fin ita q u e é a condição u n ive rsa l
aue p ossibilita o s u rg im e n to d o m edo sob determ inadas condiçoes.
Oa mesm a m aneira a d ú v id a não se im poe em to d o ato d e fe ; mas
ela sem pre está presente com o um traço fu n d a m e n ta l na e strutura
d , fé Esta é a d ife re n ç a e n tre íé e certeza im ediata, seja ela sen
sível ou lógica. N ão e xiste fé sem um "m esm o assim que d ela
f a ç a parte e sem a corajosa afirm ação d o p ro p n o eu na situaçao
18
de estar possuído in co n d ic io n a lm e n te . A d ú v id a como e le m e n to
essencial da fé surge d e n tro de certas circunstâncias in d iv id u a is e
sociais. Q uando a d ú v id a se fa z presente, não se d e ve ria entendê-la
com o rejeição da fé ; pois ela é um e le m e n to sem o q ual nenhum
ato de fé é concebível. D ú vid a e xiste n cial e fé são os pólos q u e
d e te rm in a m o estado in te rio r da pessoa possuída pe lo in co n dicio n a l.
O conhecim ento desta relação d e fé e d ú v id a é da m a io r im
portância prática. M uitos cristãos bem com o m u ito s adeptos de outras
re lig iõ e s, acometidos de m e d o , culpa e desespero, ficam p e rp le x o s
d ian te do que chamam d e "p e rd a da fé " . A d ú v id a séria, p o ré m ,
é uma confirm ação da fé . Ela pro va a se rie d a d e e a in c o n d ic io n a li-
dade da sua p e rp le xid a d e . Isso ta m b é m d iz re sp e ito aos cura d 'alm as
ou clé rig os principia ntes, q u e não são apenas acossados pela d ú v id a
científica acerca da fid e d ig n id a d e de certas d o u trin a s — essa d ú
vida é tão necessária e in a m o v ív e l q u a n to a p ró p ria te o lo g ia —,
mas os quais tam bém e xp e rim e n ta m a d ú v id a existencial em to rn o
da m ensagem de sua ig re ja , p o r e x e m p lo a d ú v id a se Jesus p o d e
ser cham ado de o Cristo. O c rité rio se g u n d o o qual eles d e ve ria m
julgar-se a si mesmos é a se rie d a d e e a in c o n d ic io n a lid a d e d o seu
serem a tin gidos por a q u ilo em que eles crêem e de que ao m esm o
te m p o d u vid a m .
6. Fé e Com unhão
A exposição q u e acabamos de fa ze r em to rn o da fé e d ú v id a
no que tangem as confissões religiosas nos levaram àquelas qu e s
tões que geralm ente estão em p rim e iro p la n o na discussão de p ro
blem as de fé. A q u i a fé é e n te n d id a com o o p in iã o qu a n to à d o u trin a
ou com o confissão de um certo dogm a. Seu pano de fu n d o socio
lógico é mais salientado d o que o ato pessoal em que se baseia seu
caráter o rig in a l. Os m otivo s históricos para essa m aneira de ve r são
evidentes. Os tem pos em q u e a lib e rd a d e de pensam ento no cam po
cu ltu ra l e religioso era re p rim id a em nom e de um certo d o g m a
re lig io so ficaram gravados na m e m ó ria das gerações posteriores. A
luta de vida e m orte e n tre uma auto n o m ia in su rg e n te e os poderes
de repressão religiosa d e ix o u p ro fu n d a s cicatrizes no "in co n scie n te
c o le tiv o ". Isso ainda vale até para a nossa época, que já d e ixo u bem
para trás essa repressão d o m in a n te nos fin s da Idade M é d ia e d u
rante as guerras religiosas. Por isso não parece d e sa p ro p ria d o d e
fe n d e r a concepção dinâ m ica da fé contra a acusação de que ela
levaria a novas form as de o rto d o x ia e de repressão religiosa. Mas
uma coisa é certa: q u a n d o a d ú v id a é considerada como parte in
trínseca da fé, então a lib e rd a d e d o e sp írito c ria d o r do hom em não é
de m o do algum re strin g id a . Mas p ro v a v e lm e n te surgirá a p e rg u n ta ,
se essa acepção de1 fé pod e ser coadunado com a com unhão de
fé " , que é uma realidad e decisiva em todas as re lig iõ e s. Não é
assim que a concepção d in â m ica da fé m anifesta um in d iv id u a lis m o
protestante im pre g n a d o de auto n o m ia hum anística? Será que uma
com unhão de fé, isto é, p o rta n to , uma ig re ja , p o d e ria aceitar uma
fé que encerra a d ú vid a com o parte essencial e até considera a
seriedade da d ú vid a urna expressão de fé? E m esm o se a igreja
se conform asse com tal m aneira de pensar entre os leigos de suas
com unidades, seria isto ta m b é m possível para seus te ó lo g o s e seus
órgãos diretores?
Existem muitõs respostas — algum as das quais bem sinuosas —
para estas perguntas, m uitas vezes a rd e n te m e n te lançadas. A q u i
precisamos fa zer a constatação e v id e n te , mas m u ito s ig n ific a tiv a , de
que o ato de crer necessita, com o to d o fe n ô m e n o do e s p írito hum ano,
da lingua gem e com isso ta m b é m da com unhão. Pois a lin g u a g e m
só está viva em m eio a um a com unhão de seres d o ta d o s de espírito.
Sem lin g u a g e m não existe fé nem experiência re lig io sa . Isso vale
para a ling uage m em g eral bem com o para todas as linguagens
especiais e xig id a s nos d ive rso s cam pos da vida do e s p írito hum ano.
A lingua gem religiosa, ou seja, o lin g u a g e m do sím b o lo e do m ito ,
form a-se na com unhão dos crentes e não é bem com preensível fo ra
dessa com unhão. Mas d e n tro da r e f c id a com unhão ela fa z com
que a fé em com um possa receber um conteúdo concreto. A fé e x ig e
a sua p ró p ria lin g uag em , com o la m b é m acontece com toda m a n i
festação da vid a personal (6). Sem lin g u a g e m , a fé seria cega, sem
conteúdo nem clareza sobre si mesma. A q u i se encontra a im p o rtâ n
cia p rim o rd ia l de uma com unhão de fé. É só com o m e m b ro de uma
com unhão que o hom em p ode o b te r um conteúdo para a sua p re
ocupação incondicional. Isso ta m b é m ainda vale para aquele que
está separado ou e xpulso de um g ru p o .
A go ra , porém , se lançará novam ente a p e rg u n ta já tratada, da
seguinte fo rm a : Se não há fé sem com unhão de fé , não será então
necessário fix a r o conteúdo da fé na fo rm a de confissão de fé , e x i
g in d o que essa confissão seja reconhecida por to d o m e m b ro da
confissão de fé? É verd a d e que todas as confissões de fé su rgiram
dessa m aneira; daí elas receberam o seu cunho d o g m á tic o e o b ri
g a tó rio . Mas isso ainda não exp lica o enorm e p o d e r que tais con
fissões fixa das exercem sobre g ru p o s inteiros e sobre in d iv íd u o s ,
de geração em geração. Isso tam bém não explica o fa n a tism o com
que foram reprim id as d ú vid a s e o p in iõ e s d ive rg e n te s, e isso não só
p o r m eio de violência física, mas em grau m u ito m a io r através
20
de pressão in te rn a . Esses m ecanismos eram gra va d o s sem pre de
no vo nas m entes dos crentes in d iv id u a is e se e vid e ncia ra m com o
e xtre m am e nte e ficie n te s, m esm o sem pressão exte rn a . Para co m p re
e n d e r essa situação, precisam os le va r em conta q u e a fé , sendo o
estar possuído in c o n d icio n a lm e n te , sig n ifica a e n tre g a to ta l ao o b je to
do estar possuído, e isso com o resultado da decisão da pessoa in te g ra l.
Isso q u e r d ize r, p o rta n to , q u e está em jo g o o ser ou não-ser da
pessoa com o tal. A id o la tria pode d e s tru ir o centro da pessoa. Se
agora, com o fo i o caso na ig re ja cristã, o c o n te ú d o da fé em com um
precisou ser d e fe n d id o através de séculos contra a id o la tria intrusa,
com preende-se p e rfe ita m e n te que todo d e s v io da confissão de fé
era considerado p e rig o so para a bem -aventurança. Todo desvio da
confissão era a trib u íd o a in flu ê ncia s dem oníacas. Sob essa luz, os
castigos im postos pela ig re ja aparecem com o te n ta tiva s de salvar
o a tin g id o da a u to d e stru içã o dem oníaca. Todas essas m edidas re ve
lam um sério cu id a do em to rn o da substância da fé , d o qual d e p e n
diam vida ou condenação eternas.
22
nada com a essência da com unhão, a q ual precisa oxprcssar o
conte údo concreto de sua preocupação suprem a com alcjumo fo rm a
de confissão. Das análises precedentes resulta q u e não existo so lu
ção para esse p ro b le m a , se uma confissão d e fé e x c lu ir a p o s s ib ili
d a d e de d ú v id a . O conce ito de " in fa b ilid a d e " , esteja ele associado
à decisão de um concílio , de um bispo ou de um liv ro , não p e rm ite
d ú v id a em questões de fé para aqueles q u e se sujeitaram a essas
a u toridades. Eles po d e m estar expostos a c o n flito s in te rio re s p o r
causa dessa sujeição, mas uma vez d e c id id o s , eles re p rim e m toda
d ú v id a acerca da in fa b ilid a d e das a u to rid a d e s. Com isso a fé se
to rn a estática.
23
Com isso a dinâm ica da fé , a q ual discu tim o s p rim e ira m e n te no
que d iz respeito ao in d iv íd u o , tam bém fo i colocada em relação a
vid a de toda um a com u n h ã o de fé . Não há d ú v id a que a vida
de um a com unhão de fé é um risco constante, se a pró p ria fé é
co m p re e nd id a com o risco. M as essa é a natureza de uma fé viva
e a conseqüência do p rin c íp io pro te sta n te .
II. O QUE A FÉ N Ã O É
(7) N. d o T. "F u e r-w a h r-H a lte n " (lite ra lm e n te " te r p o r v e rd a d e iro ") tam bém pode ser
re p ro d u z id o p o r " a c re d ita r" e " a c h a r" ; esse ta m b é m é o se n tid o de " c r e r " nas
frases seguintes.
24
a situação p o lítica e volu a nessa ou naquela d ireção. Em todos esses
casos a suposição se baseia em dados que g a ra n te m uma p ro b a b ili
d ade s u fic ie n te . Às vezes "crê -se " a lg o que é menos p ro v á v e l ou
p ro p ria m e n te im p ro v á v e l, se bem que não im p o ssíve l. Os m o tivo s
para esse tip o de " c re r" no cam po te ó rico ou p rá tic o são bem diversos.
Há coisas qu e "c re m o s ", p o rq u e lem os bons m o tiv o s para isso, se bem
que não suficie n te s. A in d a mais fre q ü e n te m e n te nós "c re m o s ", p o rq u e
as respectivas a firm a tiv a s fo ra m fe ita s p o r pessoas que nos parecem
d ignas d e confiança. Isto sem pre acontece, p o r e x e m p lo , q u a n d o
c o n fia m os em dados e inform ações q u e o u tro s consideram seguros,
apesar d e não os po de rm os v e rific a r pessoalm ente; esse é o caso
no que d iz respeito a todos os acontecim entos d o passado. A q u i
entra em jo g o um n o vo e le m e n to : a confiança num a a u to rid a d e , cuja
a firm a ção nos parece d ig n a de " f é " (8). Sem essa confiança nada
podem os " c re r" q u e não e xp e rim e n ta m o s pessoalm ente. Nesse caso
o m u n d o se nos to rn a ria m u ito mais re s trito do que ele de fa to
é. Por isso é sensato co n fia rm o s em a u to rid a d e s que nos a la rg u e m
os h o rizo n te s, sem nos d e ixa rm o s to m a r a lib e rd a d e do p ró p rio p e n
sam ento. Se usarm os a palavra " fé " para esse tip o de confiança,
pode-se d iz e r com razão que quase to d o o nosso co n h e cim e n to se
baseia em " fé " . Mas o uso das palavras " fé " e " c re r" (9) nesses casos
cria confusão. Nós "a c re d ita m o s " no que nos d ize m a u to rid a d e s num
certo ca m p o , nós confiam o s no seu parecer, se bem que não ce g a m e n
te; mas nós não crem os neles. Fé é m ais do q u e confiança em a u to ri
dades, apesar de a confiança sem pre ser um e le m e n to da fé. Essa
d istinção é im p o rta n te , p o rq u e a n tig a m e n te h o u ve te ó lo g o s que
tentaram c o rro b o ra r a a u to rid a d e in co n d icio n a l da B íblia sa lie n ta n d o
a fid e d ig n id a d e de seus autores. O cristão p o d e a c re d ita r no q u e
eles re la ta m , mas ele não o d e ve ria fa z e r sem reservas. Ele não crê
nos autores dos liv ro s b íblicos, sim , ele nem d e v e ria crer na B íblia.
Isso p o rq u e fé é mais d o que confiança, mais do que confiança em
a u to rid a d e s religiosas. Fé é p a rticip a çã o no q u e toca in c o n d ic io n a l
m ente — p a rticip a çã o com to d o o ser. Por isso a p a la vra " f é " não
d everia ser usada q u a n d o se trata de co n h e cim e n to te ó rico , ta n to faz
se é um co n h e cim e n to que se baseia num a certeza p ré -c ie n tífica ou
cie n tífica , ou num a confiança em au to rid a d e s.
Com esse exam e te rm in o ló g ic o nós chegam os ao p ró p rio tem a.
A fé não c o n firm a nem nega nada q u e faça p a rte d o conh e cim e n to
p ré -c ie n tífic o ou cie n tífic o d o nosso m u n d o , seja ele baseado em
e xp e riê n cia p ró p ria ou de outros. O co n h e cim e n to do nosso m u n d o
(inclusive de nós mesmos, que somos parte desse m u n d o ) nos é
25
d a d o pela nossa p ró p ria investigação ou pelas fo n te s em que con
fia m o s. Ele não é um a questão de fé. A d im e n sã o da fé não é uma
d im e nsão da ciência. A aceitação de um a h ip ó te se cie n tífica que
possui a lto grau de p ro b a b ilid a d e não é fé, mas um c ré d ito p ro v i
sório, qu e precisa ser c o m p ro v a d o c ie n tific a m e n te e le va r em conta
novos d ados. Quase to d o s os con fro n to s e ntre fé e saber têm sua
raiz na falsa concepção de fé como um a fo rm a de saber que tem
um b a ix o g ra u de certeza, mas é g a ra n tid o pela a u to rid a d e . Mas
não fo i som ente essa co n fu sã o dos dois cam pos q u e o rig in o u as
históricas lutas e n tre fé e saber, mas ta m b é m o fa to de q u e fr e
q ü e n te m e n te interesses da fé se ocultam p o r detrás de um a a fir
mação q u e se d iz p u ra m e n te científica. O n d e esse fo r o caso, e n
contra-se fé contra fe , e não fé contra o saber.
A d ife re n ça e n tre fé e conhecim ento se m ostra no tip o de
certeza q u e os dois suscitam . Há dois tip o s de co n h e cim e n to carac
terizados p e lo mais a lto g ra u de certeza. Uma é a certeza im e d ia ta
dada pela percepção dos sentidos. Q uem percebe uma cor ve rd e , vê
o v e rd e e está certo disso. Mas ele não pode te r certza, se o o b |e to
q u e lhe depara com o v e rd e realm ente tem essa cor. Ele pode se
e n ganar; mas ele não p o d e d u v id a r de que cie vê a lg o ve rd e . Certeza
suprem e tam b ém é dad a p o r leis lógicas e m atem áticas, que ta m b e m
são perssupostas co m o irre fu tá v e is , q u a n d o aparecem em fo rm u a-
ções d ife re n te s ou até c o n tra d itó ria s. N ão se p o d e d is c u tir questões
de lógica sem p re ssu p o r estruturas lógicas básicas; sem essas uma
discussão não teria se n tid o . A q u i tem os certeza absoluta; mas com
isso nós percebem os tã o pouco da re a lid a d e com o pela percepção dos
sentidos. N em p o r isso elas são fu n d a m e n ta is para o nosso conhe
cim ento. Isso p o rq u e nen h u m a verdade é possível sem o m a te ria l que
nos é fo rn e c id o pela percepção dos sentidos e sem a fo rm a que é
dada a esse m aterial pelas leis lógicas e m atem áticas, sobre as quais
se baseia a estrutura d o pensam ento. Um dos piores erros que a
te o lo g ia e a concepção co rre n te de re lig iã o p ode co m e te r, consiste
em e x te rn a r p ro p o sita d a ou in v o lu n ta ria m e n te idéias que c o n tra d i
zem a p ró p ria e stru tu ra d o pensam ento. Tais afirm ações e a a titu d e
que lhes dá o rig e m não são fé ; elas p ro v ê m d e um a confusão de
crer e acred itar.
O co n h e cim e n to da re a lid a d e concreta nunca tem o caráter de
certeza absoluta. O processo de conhecim ento nunca chega ao fim
— a não ser num co n h e cim e n to de "tu d o em tu d o ". Mas tal co n h e
cim ento excede in fin ita m e n te a todo e sp írito fin ito e som ente pode
ser a trib u íd o a Deus. T od o conhecim ento hu m a n o da re a lid a d e apenas
tem o cará ter de m a io r ou m e n o r p ro b a b ilid a d e . A certeza re fe re n te
a uma lei física, uma fa to h istó rico gu uma constatação psico ló g ica p ode
26
ser tam anha, qu e ela na prática é p le n a m e n te s u ficie n te . Mas te o ri
cam ente tal certeza sem pre tem a lgo d e im p e rfe ito , pois a q u a lq u e r
m o m e n to ela p o d e ser questionada pela crítica e p o r novos co n h e
cim entos. Bem d ife re n te é a certeza da fé. Ela ta m b é m não se baseia
em fo rm as da in tu içã o e d o pensam ento. A certeza da fé é " e x is
te n c ia l", e isso s ig n ific a que toda a e xistê n cia d o hom em dela
p a rticip a . C om o já constatam os, a certeza da fé tem duas co m p o
nentes. Uma se d irig e a a lgo d e v a lid a d e ú ltim a e in c o n d ic io n a l. A q u i
há certeza a bsoluta, fé sem risco. A o u tra co m p o n e n te encerra um
risco e e n g lo b a d ú v id a e coragem , p o rq u e a qui se trata da a firm a
ção de a lg o n ã o -ú ltim o , de a lg o que- se to rn a d e s tru tiv o se fo r to m a d o
in co n d icio n a lm e n te . Na certeza da fé não existe o p ro b le m a te ó rico
de certeza m a io r ou m enor, d o p ro v á v e l ou im p ro v á v e l. A fé gira
em to rn o de um p ro b le m a existe n cial: em to rn o da questão de ser
ou não-ser. Ela se encontra num a o u tra d im e n s ã o que to d o parecer
teórico. Fé não é dar cré d ito , nem um c o n h e c im e n to de m enor p ro
b a b ilid a d e . Certeza da fé não é a certeza co n d icio n a d a de um [uízo
teórico.
2. A D istorção da Fé como A to da V o n ta d e
27
é o in te le cto que é le v a d o p o r Deus à fé , mas a vo n ta d e m o vid a
p o r Deus com pleta a q u ilo que o intele-cto não consegue re a liza r so
zinho. Tal interpretação co rre sp o n d e à o rie n ta çã o a u to ritá ria da igreja
rom ana. Isso porque a fin a l de contas é a a u to rid a d e da ig re ja que
fix a os conteúdos da fé , a cuja aceitação o in te le cto é in cita d o pela
vo n ta d e . Excluindo-se agora a idéia d e q u e Deus m o ve a v o n ta d e ,
o ato v o litiv o se tra n s fo rm a , com o no p ra g m a tis m o , num ato a rb i
trá rio . Ele se torna uma decisão q u e sem d ú v id a é am parada por
a lguns fu ndam ento s — se bem que in s u fic ie n te s —, a q u a l, porém ,
p o d e ria com a mesma ju s tific a tiv a te r sido bem o utra. Tal ato de
"d a r c ré d ito " com base num ato da v o n ta d e não é fé .
28
Esse fa to é im p o rta n te para toda educação re lig io s a , cura d 'alm as
e pregação. N unca sed e v e ria d a r a im pressão de que a fé seria um a
e xig ê ncia , cuja rejeição re v e la ria má vontade. O h o m e m fin ito não
pode criar v o lu n ta ria m e n te o estar possuído p e lo in fin ito . Nossa v o n ta
de inconstante não consegue g e ra r a certeza q u e está p re se n te na fé.
Isso corre sp o nd e em tod o s os sentidos à q u ilo que já fo i d ito acerca
da im p o s s ib ilid a d e de ch e g a r à fé através de provas ou d e confiança
em a u torid ades. N em a razão, nem a vo n ta d e , nem a u to rid a d e s con
seguem cria r fé.
29
Mas n en h u m dos d o is lados, nem re lig iã o nem cu ltu ra , conse
g u iu ater-se fie lm e n te a essa separação das du a s áreas. A fé rnm n.
estar possuído p o r aq u ilo que to c a in c o n d ic io n ü lix ie o íe _reclama a
pessoa in te jra e não sg_ d e ixa re s trin g ir à s u b ie tiv id ada-jdo. sim ples
s e n tim e n to . TaI Te re ivin d ic a ve rd a d e para si e e x ig e entrega à q u ilo
q u e toca in co n d icio n a lm e n te . Ela não p o d e se c o n te n ta r em ser iso
lada num canto com o se n tim e n to sem co m p ro m isso . Q u a n d o a pes
soa in te ira está possuída, todas as suas forças estão tom adas. Se
é negada essa reivin d ica çã o da re lig iã o , nega-se a p ró p ria re lig iã o .
M as não apenas para a re lig iã o fo i in a c e itá v e l a lim itação da fé
à esfera do se n tim e n to . Os p ró p rio s cie n tista s, artistas e políticos
m o straram fre q ü e n te m e n te contra a sua v o n ta d e que eles tinham
um a preocupação in co n d icio n a l, se bem q u e eles m anisfestavam um
v iv o interesse em afastar a re lig iã o para o ca m p o d o sim ples senti
m e nto. E isso se expressava v is iv e lm e n te m esm o naquelas obras em
q u e eles se v o lta v a m m ais d u ra m e n te co n tra a re lig iã o . Uma análise
exata da m a io ria dos sistemas filo s ó fic o s , c ie n tífic o s e éticos" mostra
q u a n ta "p reocupa çã o in c o n d ic io n a l" eles co n tê m , mesm o quando
d e sem p enh am um papel im p o rta n te na lu ta co n tra a q u ilo que eles
e n te n d e m sob re lig iã o .
Essa exposição m ostra a d e fic iê n c ia de um a concepção que en
te n d e a fé apenas com o sentim ento. N ão há d ú v id a de que na fé como
ato da pessoa in te ira o ele m e n to d o s e n tim e n to está fo rte m e n te
re p re se nta d o . Um sentim e n to m u ito v iv o sem pre dem o n stra que a
pessoa in te ira está p a rtic ip a n d o d e um a e x p e riê n c ia ou de um a in
tu içã o d o e sp írito . Mas o se n tim e n to não é a "onte da fé . A fé
tem um a orienta çã o bem d e te rm in a d a e um c o n te ú d o concreto. Por
isso ela reclam a v e rd a d e e e ntrega. Fé está o rie n ta d a para o incon
d ic io n a l, o qu a l surge num a situação concreta q u e e xig e e ju stifica
essa entre ga.
30
S ím bolos e sinais têm uma característica essencial em com um :
eles indicam algo que se encontra fora deles. O sinal v e rm e lh o no
cruzam e n to indica a prescrição se gundo a q u a l os carros têm que
parar p o r um d e te rm in a d o p e río d o . A luz v e rm e lh a e o p a ra r dos
carros em si nada têm a v e r um com o o u tro ; mas p o r uma co n
venção ambos estão relacionados, e isso d u ra tanto q u a n to a co n
venção estive r de pé. A mesma coisa vale para letras e n úm eros, em
parte até para palavras. Esses ta m b é m in d ica m para além de si,
isto é, para sons e sig n ifica d o s. Eles receberam a sua fu n çã o esp e
cífica p o r um acordo e n tre o p o vo ou p o r convenções in le rn a c io n a is ,
p o r e x e m p lo os sinais m atem áticos. Às vezes esses sinais são cham a
dos d e sím bolos. Isso e n tre ta n to é la m e n tá v e l, p o rq u e d ific u lta a
d iferenciação entre sinal e sím b o lo . De im p o rtâ n c ia capital nesse
se n tid o é o fa to de qu e os sinais não p a rtic ip a m da re a lid a d e d a q u ilo
que eles indicam ; q u a n to aos sím bolos, no e n ta n to , esse é o caso.
Por isso os sinais podem ser su b stitu íd o s em liv re acordo p o r questões
d e conveniência; com os sím bolos não é assim.
Isso nos leva a mais uma característica d o s ím b o lo ; ele faz parte
d a q u ilo que ele indica. A b a ndeira fa z p a rte d o p o d e r e d o p re s tíg io
da nação pela qual ela flu tu a . Por isso ela não pode ser s u b stitu íd a ,
a não ser após uma derrocada h istórica q u e m o d ific o u a re a lid a d e
d o p o vo representado pela b a n d e ira . O desrespe-ito à b a n d e ira é
considerado ofensa à d ig n id a d e d o p o v o q u e a co n s titu iu com o
sím bolo. Tal ato é visto até com o sacrilégio.
A terceira característica do sím b o lo consiste em q u e ele nos
leva a níveis da re a lid a d e que, não fosse ele, nos p e rm a n ece ria m
inacessíveis. Toda arte cria sím bolos para um a d im e n sã o da re a li
dade que não nos é acessível d e o u tro m o d o . Um q u a d ro ou uma
poesia, p or e xe m p lo , re ve la m traços da re a lid a d e que não podem
ser captados cie n tifica m e n te .
A q uarta característica d o sím b o lo está em que e le a bre d i
m ensões e estruturas da nossa alm a que co rre sp o n d e m às dim ensões
e estruturas da reaPdade. Um g ra n d e 1 d ram a não nos dá apenas uma
nova intuição no m u n d o dos hom ens, mas ta m b é m re ve la p ro fu n
dezas ocultas do nosso p ró p rio ser. Com isso nos to rn a m o s capa
citados a e n te n d e r a q u ilo que a peça p ro p ria m e n te q u e r d ize r.
Existem aspectos d e n tro de nós m esm os, dos quais apenas nos p o
dem os conscientizar através de sím bolos. Assim ta m b é m m e lo d ia s e
ritm os na música podem se tra n s fo rm a r em sím bolos.
Em q u in to lugar, sím bolos não po d e m ser in ve n ta d o s a rb itra ria
m ente. Eles provêm d o inconsciente in d iv id u a l ou c o le tiv o e só tom am
vida ao se radicarem no inconsciente d o nosso p ró p rio ser.
31
O ú ltim o d is tin tiv o d o s ím b o lo é um a conseqüência d o fa to de
s z W s=r i r a
PSrab t V í r P^ er pT»d 0o p .,,^ n u m r d " , eU S , época
í S S n f . S iS . % » r r ^ ^ ^ rc S m c a T t
S ím bolos não ™ " * ” * „ ' „ So' c n c o n . „ m mais reper-
^ ................
™ f n r o “ eS
m ,P t p eac« i= o são os sim bolos religlosos.
. r r sç t s
M ã m á È s m
ju ízo d e Deus: sucesso e g r re a lid a d e p o r dem ais
32
re lig io so s, isso q u e r d ize r: Deus transcende o seu p ró p rio nom e. É
ta m b é m p o r esse m o tiv o que seu nom e é tã o abusado e p ro fa n a d o .
Seja lá com o d esignam os nossa preocupação suprem a, se a cham am os
d e Deus ou não, as nossas afirm ações se m p re têm s ig n ific a d o s im
b ó lico ; e os sím bolos entã o usados m ostram para além d e si m esm os
e têm p a rticipação n a q u ilo q u e eles d e s ig n a m . N ão há o u tra m a n e ira
ad e quad a de a fé se expressar a d e q u a d a m e n te . A lin g u a g e m da
fé é a lin g u a g e m dos sím bolos. Isso já não p o d e ría m o s d iz e r, se a
fé fosse apenas um acre d ita r, apenas v o n ta d e ou se n tim e n to . M as
a fé com o estar possuído p o r a q u ilo q u e toca in c o n d ic io n a lm e n te não
conhece o utra lin g u a g e m senão a dos sím b o lo s. D iante de sem e
lh a n te constatação eu sem pre ag u a rd o a p e rg u n ta : A p e n a s um sím
b o lo ? Q u e m indaga assim, no e n ta n to , d e m o n stra que lhe é estranha
a d ife re n ç a e ntre sinal e sím bolo. Ele nada sabe d o p o d e r da lin
g u a g e m sim bólica, a qu a l suplanta em p ro fu n d id a d e e força as
p o ssib ilid a d e s de toda lin g u a g e m n ã o -sim b ó lica . Nunca se d e v e ria
d iz e r "apen as um s ím b o lo ", mas sim: "n a d a m enos que um s ím b o lo ".
É isso q u e se d e ve m an te r em m ente na e xp o sição q u e fa re m o s em
se g uida acerca dos dive rso s tip o s de s ím b o lo s da fé.
33
5 ^ - ^ 5 S ® a £ S 3
s ^ / s s r s n í^ s y s t iz
% x s s x s t t + £ - ~ & s .« - -
se en te n d e p o r existência a go q P n e n h u m e n te d iv in o .
E E ít . M í r i S M
S a f e r * « a £ “
p ró p rio eu. Mas reconhecer Deus no sím bolo de uma im a g e m d ivm a
é uma q uestão de fé , coragem e risco. _
Deus é o sím bolo fu n d a m e n ta l da fé , mas nao e o um co. Todas
i Har)p<; nue lhe a trib u ím o s , com o poder, am or, |ustiça, p
: - mqud t dbe :,o qdu: ^ • t r g s s . t s
,o r : z s s t f s z : *
p o d e ^ p ^ ra d e^g na r s im b o lic a m e n t e o o b ie to d . - - ta r p o s s u .d o
34
re tira d o s de nossa exp e riê n cia co tid ia na , e não afirm ações sobre o
qu e Deus fez em tem pos antiquíssim os ou fa rá em fu tu ro d is ta n te .
A fé não é d a r cré d ito a sem elhantes re la to s, e sim aceitação de
s ím bolo s que e x p rim e m através da im a g e m da ação d iv in a o nosso
estar possuído incondicio n a l.
35
é a lin g u a g e m da fé /U a ^ e n -i", H " ' ° * f ™ ' P° ,c<u° ° s™ b ° ' °
d a d e eles L cd icado“ e , Z S i d ò ^ n " * 5/ ' " 8 ^ d " hum »n "
própria „ „ u r e z , do m i t o / ^ b í m
rie ncia co tid ia n a e coloca m Q
seu ™ ZfT
u im aterial da nossa exp e -
"a
S S J S i^ S falaDd
cado d e n tro de espaço e te m p o Sim
l Úe t ° -
n ^ essa^ m e n t e colo-
Sucede^d^ ° q u e a ^ T Í t í c a ^ o n í o C° ,nCre,° *
m itologia politeísta. 030 S° es9° ,a com 3 reie|Ção de uma
s .T u m r r r o S r ? - -
- - ° z -
Isso p o rq u e o m ito é a associação de sím bolos q u e e x p rim e m o que
nos toca incon diciona lm e n te .
Um m ito que é e n te n d id o com o m ito , sem ser re je ita d o ou
s u b stitu íd o , pode ser cham ado d e " m ito q u e b ra d o ". Em c o n fo rm i
d a d e com a sua essência, o c ris tia n is m o precisa re je ita r to d o m ito
n ã o -q u e b ra d o ; pois isso está baseado no p rim e iro m a n d a m e n to , no
re conh ecim e nto de Deus com o Deus e na re jeição de to d o tip o de
id o la tria . Todos os elem entos m ito ló g ic o s presentes na B íb lia , na
d o u trin a e na litu rg ia precisam ser reco n h e cid o s com o tais. M as eles
d e v e ria m ser m antidos em sua fo rm a s im b ó lic a , e não ser s u b s titu í
dos p o r fó rm u la s científicas. Pois não há s u b stitu to s para s ím b o lo s e
m itos, eles são a lin g u a g e m da fé.
A crítica radical ao m ito é um a reação ao fa to de q u e a cons
ciência m ítica p rim itiv a resiste o b s tin a d a m e n te a toda te n ta tiv a de
e n te n d e r o m ito com o m ito . Ela te m e to d o ato de d e m ito lo g iz a ç ã o
e acha que um "m ito q u e b ra d o " p e rd e a sua v e rd a d e e a sua capa
cid a de de persuasão. Q uem v iv e num m u n d o m ítico in a b a la d o , sen-
t te-se seguro e abrigado. Ele se o p õ e fa n a tic a m e n te a toda te n ta tiv a
! d e "q u e b ra do m ito ", p o rq u e essa cham a a atenção para o ca rá te r
! s im b ó lico e cria um e le m e n to d e insegurança. Essa resistência é
, fa v o re c id a po r sistemas a u to ritá rio s , sejam eles d o tip o re lig io s o ou
p o lític o . Pois está em seu interesse e m b a la r em segurança as pessoas
q u e se encontram sob a sua d o m in a ç ã o , d a n d o assim aos d o m in a
do res o p o d e r inconteste. A o p o sição à d e m itiz a ç ã o se m ostra num
ríg id o agarram ento à letra. Os sím b o lo s e m ito s são e n te n d id o s lite
ra lm e n te . Seu m aterial, e m p re s ta d o da natureza e da h is tó ria , é
in te rp re ta d o pelo que apresenta e x te rio rm e n te . A essência d c sím
b o lo , que indica além d e si para a lg o q u e se e ncontra fo ra d e le , não
é reconhecido. Entende-se en tã o a criação com o um ato m á g ico no
"Era uma v e z . . da fá b u la ; a q u e d a de A d ã o é localizada no espaço
e a trib u íd a a um hom em d e te rm in a d o ; o nascim ento v irg in a l d o
Messias recebe uma inte rp re ta çã o b io ló g ic a ; ressurreição e ascensão
se apresentam como eventos físicos, e o re to rn o de C risto é e n te n d id o
com o uma catástrofe que a tin g irá a Terra ou o cosmo. A condição
para sem elhante crença lite ra lística é a suposição de que Dsus tem
um a localização no te m po e no espaço e in flu e n c ia o curso das coisas
bem com o é p o r ele in flu e n c ia d o com o to d o o u tro ente no m u n d o .
Essa com preensão literal da B íblia d e sp o ja Deus d e sua in co n dicio n a -
lid a d e e, fa la n d o em term os re lig io s o s , ta m b é m de sua m ajestade.
Ela o rebaixa ao nível do fin ito e c o n d icio n a d o . Em tu d o isso não
estam os d ia n te de uma crítica ra cio n a l, mas sim in tra -re lig io s a . Uma
fé que e n te n d e seus sím bolos lite ra lm e n te é id o la tria . Ela cham a de
in co n dicio n a l à quilo que é m enos q u e in c o n d ic io n a l. A fé , e n tre ta n to ,
37
q u e está consciente d o caráter s im b ó lic o de seus sím bolos dá a Deus
a h onra q u e lhe cabe.
Tem os de d is tin g u ir a g ora duas faces na disto rçã o lite ra l da
c o m pre ensão dos símbolos.- a o rig in a l e a d e fe n siva . Na fase o rig in a l
o m ítico e o lite ra l não são d ife re n c ia d o s um d o o u tro . Nos p rim ó r
d io s da h istó ria nem as pessoas nem os g ru p o s conseguem d is tin
g u ir as criações im a g in a tiv a s d e sím b o lo s, de fatos q u e podem ser
d e m o n stra d o s pela observação e a e xp e riê n c ia . Essa fase tem a
sua razão de ser até o in sta n te em q u e o e sp írito in v e s tig a d o r do
hom em supera o cré d ito lite ra l aos m ito s. Q u a n d o chega esse m o
m e n to , abrem -se duas p o s s ib ilid a d e s . Uma consiste em s u b stitu ir o
m ito in c ó lu m e p e lo m ito q u e b ra d o . Esse é o ca m in h o o b je tiva m e n te
c o rre to , se bem que ele não é v iá v e l para m uitos, p o rq u e eles p re
fe re m re p rim ir seu q u e s tio n a m e n to d o q u e to m a r sobre si a incer
teza q u e surge da qu e b ra d o m ito . A ssim eles são arrastados à
se gunda fase da com preensão lite ra l dos mitos. In tim a m e n te eles
sabem da razão do q u e s tio n a m e n to , mas o re p rim e m p o r m edo da
in segurança. G eralm ente essa repressão se dá com a u x ílio de uma
a u to rid a d e sagrada, com o p o r e x e m p lo a ig re ja ou a B íblia, às quais
se d e v e ob ediê ncia in c o n d ic io n a l. Tam bém essa fase é ju s tificá v e l,
q u a n d o a consciêncie crítica é p o u co d e s e n v o lv id a e pod e ser fa c il
m e nte tra n q ü iliz a d a . No e n ta n to é im p e rd o á v e l, q u a n d o nesse es
tá g io um e sp írito m a du ro é p a rtid o em seu âm ago p o r m étodos
p o lític o s e psicológicos e p re c ip ita d o num a p ro fu n d a cisão consigo
m esm o. O in im ig o da te o lo g ia crítica não é, p o r isso, a com preensão
lite ra l in g ê n u a dos sím bolos, mas sim a quela que é fe ita consciente
m e n te, com uma agressiva supressão d o pensam ento in d e pe n d e n te .
Os sím bolos da fé não p o d e m ser su bstituídos p o r outros sím
b olos, artísticos p o r e xe m p lo , e eles ta m b é m não podem ser anulados
p ela crítica científica . Como a ciência e a arte, eles estão firm e m e n te
e n raiza dos na essência do e s p írito h u m a n o . Em seu caráter sim b ó lico
é q u e está a sua verdad e e o seu p o d e r. N ada que seja in fe rio r a
sím b o lo s e m itos pode e xp re ssa r a q u ilo que nos toca in c o n d ic io n a l
m ente.
Por ú ltim o precisa-se p e rg u n ta r se m itos são capazes de re p re
sentar to d o tip o de p re ocupação in co n d icio n a l. A lg u n s teólogos
cristãos são da o p in iã o de q u e a p a la v ra " m ito " som ente d e ve ria ser
usada com relação à natureza, isto é, q u a n d o se trata da descrição
d e processos da natureza q u e se re p e te m ritm ica m e n te (p o r e xe m
p lo , as estações do ano) e são in te rp re ta d o s em se n tid o re lig io so . Os
m esm os te ó lo g o s não aceitam q u e se cham e de m ito a evolução do
m u n d o , a q ual a fé cristã bem com o a judaica vê com o um processo
h is tó ric o q u e tem um começo, um ce n tro e um fim . S em elhante co n
38
cepção lim ita ria consid era ve lm e n te a uhl.zaçao d o te rm ° m ito . O
m ito não p o d e ria mais então ser co m p re e n d id o com o a e * P r® ^a
lin q ü ística da nossa preocupação in c o n d ic io n a l, mas apenas
um id io m a a n tiq u a d o dessa lín g u a . Mas a histó ria dem onstra que
não existem apenas m itos da natureza, mas tam bem mrtos h.stoncos
Se na Pérsia antiga o m u n d o é vis to com o o cam po de bata ha de
dois poderes d iv in o s , nós tem os d ia n te d e nos um m ito da h isto r a_
Q u a n d o o Deus da criação e lege um po vo e o leva através da h istoria
em direção a um a lvo que transcende a toda a h isto ria , entao sso
é um m ito da história. Q u a n d o o C risto, um ser transcendente, d iy .n o ,
aparece na p le n itu d e d o te m p o , v iv e , m o rre e ressuscita, isso e no
va m e n te um m ito da história. O cristia n ism o e a critica a tod a a
reT qiões que estão presas a m itos da natureza. M a s_co m o toda
o utra re lig iã o , o cristianism o fa la a lín g u a d o m ito , senao c» cristia
n ism o não seria expressão d a q u ilo que nos toca in co n dicio n a lm e n te .
IV. TIPOS DE FÉ
40
ta n te está na autocrítica e na coragem de aceitar ,1 prc‘>|>t! ■ n l-'t* •
d a d e . Daí a dinâm ica da fé se m a n ife s ta r m ais fo rlo m c -n lc im | ■»*.).
ta n tis m o d o que em q u a lq u e r o u tro lu g a r: a in a n u là v o l tnii-..iu ........
a in c o n d ic io n a lid a d e da e xig ê ncia da fé e a c o n d ic io n a ll< U In .1,.
v id a concreta de fé .
2. Os Tipos O n to ló g ic o s de Fé
41
que esta acontecendo ali em te rm o s de fé. A coisa é o utra se fo r
um catohco q ue e s tiv e r o b s e rv a n d o . Ele poderá acom panhar aquele
que ele o bse rva em seu ato de fé . Um c rité rio pelo qual se pudesse
ju lg a r a fe nao existe, q u a n d o o q u e ju lg a se encontra fo ra da fé .
Por o u tro la do o crente p o d e p e rg u n ta r a si mesm o ou ser p e rg u n ta d o
p o r o u tre m se o m e io através d o q u a l ele e x p e rim e n ta o in co n d i
cional e x p rim e o qu e é v e rd a d e ira m e n te inco n dicio n a l. Essa p e r
gunta e a força d inâ m ica na h is tó ria da re lig iã o , ela se v o lta d e c id i
d am ente contra o tip o sacram ental da fé e rom pe suas lim itações
em m uitos sentidos. A ju s tific a tiv a dessa pergunta está em que o
ini o la m b e m o fin ito m ais sa g ra d o — pode som ente in d ica r a q u ilo
que toca o hom em in c o n d ic io n a lm e n te . O hom em , p o ré m , esquece
esse lim ite e id e n tific a o o b je to sa g ra d o com o p ró p rio sagrado. O
o |e t° sacram ental é vis to com o sa g ra d o em si mesmo. Desaparece
o seu carate r de in d ica r, com o p o rta d o r do sagrado, para além de si
u ato de c re r nao se d irig e m ais p ara o incondicional com o tal, mas
para o re presenta nte do in c o n d ic io n a l: a árvore, o liv ro , o .e d ifício
a pessoa. Perde-se a tra n sp a rê n cia d o ato de fé. O p o n to de vista
p rotestante vê na d o u trin a católica da substanciação, segundo a
quai pao e v in h o são tra n s fo rm a d o s em corpo e sangue do Cristo,
essa perda da transparência d o d iv in o , uma vez que o d iv in o é
ig u alad o a um a porção lim ita d a da re a lid a d e . É ve rd a d e que a fé
e xp e rim e n ta a presença do sa g ra d o que se apresenta na im agem
do C risto, no pão e v in h o d o sacram ento. Uma distorção dogm ática
no en tanto , ^e tra ta r o p ró p rio pão e v in h o como objetos santos, que
como tais sao e fe tivo s e p o d e m ser guard a d o s num re licá rio . Nada
ex,ste de sa gra do fo ra da fé v iv a . A té os santos som ente são santos
p o rq u e a fo n te do sagrado p o r eles transparece.
42
ser co m p rim id o num sistem a racional. Fé é oxp& riôncia # x lá tica . Por
isso somente se pode fa la r d o in c o n d ic io n .il num a lin g u a g o m que
está consciente de que em si não se p o d e fa la r dole
Essa é a única m a ne ira em que a e xp e riê n cia místico consogue
se expressar. Pode-se, p o ré m , p e rg u n ta r: Existe então ali a lgum a coisa
que possa ser expressa, já que o o b je to da fé mística ultrapassa toda
p o ssibilidade de expressão? N ão se baseia a fé na e xp e riê n cia d o
sagrado como estando esse presente? C om o é possível sem elhante
experiência, se o in c o n dic io n a l é a q u ilo q u e transcende toda exp e
riência? A isso os m ísticos respondem q u e há um lu g a r em que
o incondicional está p resente no m u n d o fin ito : nas p ro fu n d e za s da
alma humana. Essas p ro fu n d e z a s são o lu g a r em que o fin ito se
toca com o in fin ito . A fim de lá chegar, o hom em precisa despojar-se
de todos os conteúdos fin ito s . Ele precisa renunciar a todas as p re o
cupações p rovisó rias em p ro l da preocupação ú ltim a . Ele ta m b é m
precisa transcender todas as coisas reais, em que a fé sacram ental
experim enta o in co n dicio n a l. Ele precisa transcender a cisão da
existência, mesm o a mais p ro fu n d a e ge ra l d e todas as cisões: aquela
entre sujeito e o b je to . O in co n dicio n a l se encontra além dessa cisão,
e o homem qu e o q u e r alcançar precisa superar essa cisão d e n tro
de si através da m editação, contem plação e êxtase. Nesse m o v i
m ento da alma, a fé se acha num estado de oscilação e n tre te r e
não te r a q u ilo que a toca in c o n d ic io n a lm e n te . A fé está num m o v i
m ento de aproxim ação g ra d a tiv a , de recaídas e de realização re p e n
tina. A fé mística não despreza nem re je ita a fé sacram ental, mas
ela a transcende em dire çã o à q u ilo que está presente em to d o ato
sacram ental, mas perm anece o cu lto sob os objetos concretos em que
se encarna. Por alg um te m p o os te ó lo g o s contrastaram fé e e x p e
riência mística. Eles achavam que a fé perm aneceria num a distância
intransponível d o in co n dic io n a l, e n q u a n to que a m ística p ro cu ra ria
a fusão do e sp írito hu m a n o com o fu n d a m e n to do ser e do sentido.
Sem elhante contraposição de fé e m ística, porém , som ente tem v a li
dade condicional. O p ró p rio m ístico sabe da in fin ita distância e n tre
o in fin ito e o fin ito e se co n fo rm a com uma vid a em que a união
extática com o in fin ito é apenas ra ram ente ou mesmo jam ais alcan
çada. E o crente só po d e te r fé na m edida em que ele é possuído
p o r aquilo qu e o toca in c o n d ic io n a lm e n te . A mística é, com o o
sacram entalism o, um tip o de fé , e não o co n trá rio de fé ; e em to d o
tip o de fé há um e le m e n to m ístico bem como um sacram ental.
A mesma coisa vale para a fo rm a hum anística da fé o n to ló g ic a ,
cuja consideração é especialm ente im p o rta n te , p o rq u e fre q ü e n te
m ente hum anism o é id e n tific a d o com fa lta de fé e é con tra p o sto à
fé. Isso, porém , só é possível se fé é d e fin id a com o a cre d ita r na
43
-x is encia de seres d iv in o s . Se, no e n ta n to , fé é e n te n d id a como
ta m b é m °SSUh ROr SqU qU8 n° S t0Ca in c o n d icio n a lm e n te , então
ta m b e m o hu m anism o encerra um e le m e n to d e fé. Sob hum anism o
nos entendem os aqui a orientação q u e faz do que é v e rd a d e ira m e n te
hum ano o cn.érlo e alvo d , vida do espfri.o, L na ,,,e e f i S i l
C o n 'n m p 13 * P° Lc\ nas rel«ÇÕ<!s sociais e na ética pessoal!
C o m o rm e a concepção hum am stica, o d iv in o se revela com o hum ano
h o m e m Vr Sa‘ " ° qU® t0Ca 0 hom em in c o n d ic io n a lm e n te é o
' l S0 56 q ü 0 r diZer 0 hom em em sua essência, o hom em
v e rd a d e iro , o hom em com o "id é ia ", não o hom em real na alien™
çao de sua natureza v e rd a d e ira . Q uan d o , sob essa pressuposição
a fe hum am stica d iz que o o b je to de sua preocupação suprem a é o
h o m e m , entao ela vê o in fin ito e in co n d icio n a l em a lgo fm fto °
nisso e,a nao se d ife re n c ia da fé sacram ental, que q u e r abarcar o
in .m ito num a porçao de fin itu d e , ou da fé m ística, que encontra nas
p ro fu n d e z a s da pessoa o lu g a r do in fin ito . P e r l t e , p o íé m uma
m anoT' tiP °? ,Sacra™en ,a l e m ísfi«> ro m p e m os lim ite s do hu-
H ' sacram ental em direção ao u n ive rso e todos os seus conteú-
ím m H o n em eça° à q u il° que transcende o hom em e seu
u n d o . O hum anista, em contraste, perm anece d e n tro do â m b ito
fana ^ ^ 3 f ® hum anística é chamada de "p ro -
r ,/ e n 9 uant° q L’e se designa os outros d o is d e "re lig io s o s ". "P ro-
ano s ig n ific a nesse co n te xto perm anecer d e n tro do q u a d ro do
b ito , « 0 T 6In? 1 aS CO' SaS' S6m u l,ra Passá- '° em direção a um âm
b ito sagrado. N o latim e nas línguas d ele d e riva d a s fala-se de oro
fa m d a d e no sentido o rig in a l da p alavra, isto é: "estar d ia n te das
po rtas do te m p lo . M uita s pessoas d ize m de si mesmas que elas
v iv e m d ia n te dos portões d o te m p lo " e que não têm fé. No entanto
? n c o n H -S r9y 36 P° dem VÍVer S6m q u e a l9um a coisa as to q u e
lr ° r ? d SSm qUe ,eVem a '9 ° 'c o n d ic io n a lm e n te a séHo
e s d e cid id a m e n te o negariam . Com isso elas testem unham que
n° estado de fe - Elas representam o tip o hum anístico de fé
q u e po d e te r cunhos diversos. O fa to de a lg u ém d iz e r de si mesmo
qu e ele esta co m p le tam en te na p ro fa n id a d e não o exclui da com u
nhã o dos crentes. Seria uma tarefa in te rm in á v e l, se quiséssemos
E l T e T V / 7 ' t,plaS f ° rmas em q ue se e x Pr ime a fé hum anística.
a a esta d ifu n d id a em vastas áreas d o m u n d o ocidental bem como
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ele pode ser c o n te m p la d o na natureza e na h istória Q uom vô o
sagrado num a flo r, em com o ela se d e se n vo lvo , no •inim ol, corno
ele se m ove, no hom em , com o ele apresenta um a in d lv ld u n lid a d o
s in g u la r, ou num d e te rm in a d o p o vo , num a cu ltu ra e s p e titil, num
sistema social específico, esse tem experiências que desem penham
um im p o rta n te papel no tip o rom ântico-conservador. Para o rom ântico,
a q u ilo que já está da d o é sagrado e é co n te ú d o de sua preocupação
ú ltim a . A analogia dessa fo rm a de fé com a fé sacram ental é ó b v ia .
A fo rm a rom ântico-conservadora da fé hum anística é fé sacram ental
secularizada: o sagrado está presente aqui e agora. O co n se rva d o ris
mo cu ltu ra l e p o lítico se d e riv a em ú ltim a análise desse tip o d e fé
secularizada. Ela é fé real, mas encobre o in co n d icio n a l que ela p re s
supõe. Sua fraqueza e p e rig o consiste em p e rd e r sua substância
religiosa o rig in a l. A h istó ria de m o n stro u isso em todas as cu ltu ra s
p u ram ente seculares, as q u a is sem pre de n o vo recaíam nos estágios
anteriores de sua re lig io s id a d e , dos quais elas h aviam p a rtid o .
3. Os Tipos M orais d e Fé
A característica com um dos tip o s m orais de fé é a idéia da lei.
Deus é so bretud o aquele q u e deu a lei — com o d á d iv a e e xigência.
Som ente aquele que segue a lei pode ch e g a r a Deus. É v e rd a d e
que tam bém a fé mística e sacram ental conhece leis; tam bém a qui
n ingué m consegue alcançar o ú ltim o e in c o n d ic io n a l, sem c u m p rir
essas leis. Existe, porém , um a d ife re n ça im p o rta n te q u a n to ao tip o
Jas leis. N o caso do tip o o n to ló g ic o , a lei im p õ e a sujeição a ordens
rituais ou a exercícios ascéticos. N o caso d o tip o m o ra l, uma lei
m oral dem anda obediência m o ra l. Está certo que a d ife re n ça não
é absoluta, pois a lei ritu a l ta m b é m contém exig ê ncia s m orais, e a lei
ética encerra elem entos o n to ló g ico s. Mas essa d ife re n ç a já é s u fi
ciente para to rn a r co m pre e nsíve l o s u rg im e n to das diversas grandes
religiões. Elas seguem a um ou ao o u tro tip o básico.
N o â m b ito do tip o m o ra l de fé podem os d is tin g u ir a form a ju rí
dica, a convencional e a ética. A p rim e ira recebeu sua expressão
mais fo rte no judaísm o ta lm ú d ic o e no islam ism o; o m e lh o r e x e m p lo
para a fo rm a convencional se encontra na C hina d e C onfúcio; a
form a ética, no entanto, é encarnada pelos p ro fe ta s judaicos. A fé
do m uçulm ano é fé na revelação através de M aom é, e essa re v e la
ção é a q u ilo que o toca in c o n d ic io n a lm e n te . A. revelação trazida p o r
M aom é consiste p rin c ip a lm e n te de leis rituais e sociais. As leis ritu a is
lem bram a fase sacram ental, da qual p ro v ê m todas as re lig iõ e s e
culturas. As leis sociais vã o mais longe d o que o e le m e n to ritu a l e
santificam " a q u ilo que d e v e ria ser". Leis desse tip o p e rm e ia m a vid a
inteira (p or e xe m p lo , no ju d a ísm o o rto d o xo ). A lei sem pre se apre-
45
h c n tíi c
‘ I V Íd d
r Poo « “ 7 r d ° x„ fd e d : e í s r y ? a ^
m ed ia n o d o islam ism o bem com o oara ‘ mT*55™0 Va f 3ra ° adePto
nessa mesma base um h u m a n iw m L i ° S qU6 desenv° ,veram
ciado pe lo pensam ento da A n tig a G ré d a a b 9/ an^ e Parfe in f,u e "-
relig io sa dos povos islâm icos " q u í T u a f é e T l m Í
isso esta em c o n flito com a fé em C ris‘ o J n rJ ri M aom e' e Por
D ecisivo no Islam ism o não é a fé em M a o m é d e ve ' se, re tru c a r:
a fe num a orde m que está co n sa a r-da p como P a le ta , mas
m a io ria das pessoas A L t l T í - qUe d e te rm i" a a vida da
M aom é; a q íe s tã o é m u l t o a X e , Q uI i T J ° U JeSUS ou
nos toca in c o n d ic io n a lm e n te ’ A ssim n r , f e x p n m e a q u ll° q ue
giões não se trata d o s c o n te ú d o s d e ' f . C° " r° ntos e " tre as reli-
De que fo rm a a preocupação in co n d icio n a l T ° ^ questão;
m ída? Decisões de fé são decisões e x is te n c ia is "e I T t e Z s * * ^ '
47
* i S » > - « S S 5 S E
4. A U n id a d e dos T ip o s de Fé
r^VS&ly&rArs
fre q ü e n te m e n te levam a rn n xlit^c ^ * • ~
T
/
* * ° * —
Se seParam e
rrs-f e
elem entos ritu ais existem
« S P -tí *
nas re lig iõ e s le q a lis J s
£ $ ssn* & X B 2 3 = ™ r* ~ ~
presente. A interpe netra çã o dos tipos d e ef f e transcende a situação
tentes de fé g lo ía is , d in V w « ? * " * eXÍS‘
s s r » = r S S F r «
48
O catolicism o caracterizou a si m esm o, m m r.t/.ín, ..................
sistema que eng lob a elem entos cu ltu ra is <: ro li<jio •.i >•. <liv<<i•.
e n tre si. Suas fonte s são: o A n tig o Testam ento, quo i*m ii |.i im in i
o tip o sacram ental e o m o ra l, as re lig iõ e s helénicas cli’ m l .I<• >>■• >
m ística, o hum anism o clássico g re g o e o m o d o de ................. . 1 1 1 1 11 . ..
da A n tig u id a d e tardia . S obretudo, p o ré m , o catolicism o I>.i .*>i .*
no N ovo Testam ento, o qual em si já e n g lo b a um a sério do t l|n »•» <
representa uma conjugação de elem entos éticos e místico:.. Ü n *n m
p io mais s ig n ific a tiv o para isso é a d o u trin a de Paulo .ic c n .i .1"
Espírito Santo. Espírito nesse se n tid o é a presença do e sp írito d lv ln u
no e sp írito hum ano, e Espírito Santo é o e s p írito d o am or, d.i jm lii.n
e da verdade. Eu não hesitaria em e n x e rg a r nessa concepção tio
e sp írito a resposta à p e rg u n ta p elo s e n tid o da dinâm ica e da hisló
ria da fé. Mas sem elhante resposta não é um pon to em quo so
pode fic a r parado. Ela sem pre precisa ser dada de uma nova rn.i
neira, a p a rtir de novas exp e riê n cia s e sob condições m u ta n te .
A penas se isso acontece, ela perm anece sendo uma resposta ro.il
e inclui a p o ssib ilid a d e de realização. N em o catolicism o nem o
fu n d a m e n ta lism o reconhecem essa e xig ê n cia . A m b o s pe rd e ram clO'
m entos que fazem p a rte do conceito o rig in a l de fé , p o r causa da
pred om in ância de um ou de o u tro lado. Esse é o p o n to em que entrou
o protesto protestante na época da R eform a. E é o p o n to em que
o protesto protestante precisa ser le v a n ta d o em todos os tem pos
em nom e da in c o n dicio n a lid a d e do in co n dicio n a l.
49
com o experiência v iv id a , essa unidade- dos d ife re n te s tip o s de fé,
p o d e rá ele m anter de pé a sua re iv in d ic a ç ã o de responder às
g randes questões resultantes da d in â m ica da fé.
V. A VERDADE D A FÉ
1. Fé e Razão
50
Ela atua na procu ra pela verdade, na e xp e riê n cia da arte e na re.i-
lização da lei de conduta; ela faz possível uma v id a com o pev.oa
e participação na com unhão. Se a fé estivesse em co n tra d içã o à
razão, ela teria que leva r à desum anização do hom em . Esse p e rig o
de fa to existe — tanto na esfera teórica com o no cam po p rá tico
em todos os sistemas a u to ritá rios, e isso ta n to na área da re lig iã o
com o na p o lítica. Uma fé que se encontra em contraposição à razão,
não se destrói apenas a si mesma, mas ta m b é m a q u ilo q u e é p ro
p ria m e n te hum ano no hom em . Isso p o rq u e som ente um ser d o ta d o
de razão pode ser possuído por a lgo in co n dicio n a l e d is tin g u ir p re o
cupações últim as das p ro visó ria s; ele p o d e assim ilar a e xigência
da lei de conduta e p erceber a presença d o sagrado. Tudo isso,
aliás, só co n fe re , qu ando não se pressupõe a p rim e ira sig n ifica çã o
d o conceito de razão, razão no sentido da razão técnica, e sim a
segunda significação, de razão com o e stru tu ra d o e s p írito e da
re a lidade , dotad a de sentido.
51
Nesse p o n to a te o lo g ia fará algum as perguntas. Ela indagará,
se a natureza da fé não está d isto rcid a sob as condições da existência
hum ana. A lé m disso ela p e rg u n ta rá , se não se p e rd e tam bém a
ve rd a d e ira natureza da razão na situação de alienação d o homem
de si mesm o. F inalm ente ela p e rg u n ta rá se a u n id a d e de fé e razão
e a natureza v e rd a d e ira de ambas não precisa ser restabelecida
através da "re v e la ç ã o ", com o o diz a re lig iã o . E se esse fo r o caso,
a razão, em seu estado obscurecido, não terá que se sujeitar à
revelação? E não será essa sujeição sob os conteúdos da revelação
o sen tido p ró p rio d o te rm o " fé " ? A resposta a essas p e rg u n ta s seria
m atéria para toda um a te o lo g ia . A q u i só podem os tra ta r desse
assunto em poucos traços fu n d a m e n ta is. In icia lm e n te precisa-se d ize r
que o hom em é hom em tam bém no estado de alienação. Razão e fé
não se pe rderam co m p le ta m en te , mas elas não p u d e ra m m anter a
sua natureza o rig in a l, sendo in e v itá v e is os c o n flito s e n tre uma ra
zão usada erro n e am e n te e uma fé d isto rcid a no s e n tid o da supersti
ção. A ve rd a d e ira natureza da fé e a ve rd a d e ira natureza da razão
transparecem apenas vag a m e n te na vid a real da fé e na utilização
prática da razão sob as condições da alienação.
52
racional pela revelação d a q u ilo que o toca in c o n d ic io n a lm e n te . E
m esm o assim: revelação é revelação ao hom em que sic e n c o n lia no
estado de alienação. A tra v c s da revelação é q u e b ra d o o p o d e r da
alienação, mas ele não é a n u la d o . A alienação pen e tra na nova e x p e
riência de revelação assim com o ela havia e n tra d o na a n tig a . Ela
faz da fé uma id o la tria e c o n fu n d e os p o rta d o re s d o in co n dicio n a l
com o p ró p rio in c o n d ic io n a l. Ela rouba o razão de seu p o d e r e xtá tico ,
de sua tendência d e se transcender a si mesma e de se v o lta r
para o in co n d icio n a l. D e v id o a essa d u p la distorção,^ ela fa ls ific a
ta m bém a relação e n tre fé e razão, tra n s fo rm a n d o a fé num a p re o
cupação p ro v is ó ria , que se in tro m e te nas preocupações p ro visó ria s
da razão e eleva a razão, apesar de sua fin itu d e natural,, à va lid a d e
in con diciona l. Daí surgem novos c o n flito s e n tre fé e razão, os quais
e xig e m uma revelação nova e su p e rio r. A h istó ria da fé é urna luta
constante com a distorção da fé , e o c o n flito e n tre razão e fé é um
dos mais nítidos sintom as dessa distorção. As batalhas decisivas nessa
luta são os grandes even to s d e revelação, e a batalha re a lm e n te v i
toriosa seria um a revelação de va lid a d e ú ltim a , em que a d istorção
e n tre fé e razão está em p rin c íp io superada. O cristia n ism o clama
de si estar fu n d a m e n ta d o em sem elhante revelação. É essa uma
re ivin dicação que precisa ser com p ro va da sem pre de n o vo no curso
da história.
2. A V e rd a d e da Fé e a V e rd a d e C ientífica
53
real, mas o e x p rim e de fo rm a in a d e q u a d a . M u ita s vezes é d ifíc il
v e rific a r se não fo i p e rc e b id o o v e rd a d e ira m e n te real ou se a q u ilo
q u e fo i reco nhe cido com o ve ro apenas fo i m al e x p rim id o , pois ambos
os tip o s d e erro se con d icio n a m m u tu a m e n te . Em todos os casos,
em cada ato c o n g n itiv o está presente v e rd a d e ou e rro , ou uma
das m ú ltip la s transições e n tre v e rd a d e e e rro . Também na fé está
a tu a n te a capacidade co g n itiv a d o hom em . Por isso precisam os p e r
g u n ta r: Q u e sig n ifica "v e rd a d e " em relação à fé , quais são seus
c rité rio s , e qu e relação existe e n tre a v e rd a d e da fé e as outras
fo rm a s da v e rd a d e com seus c rité rio s tão d ife re n te s ?
As ciências naturais descrevem e s tru tu ra s e relações do u n i
verso fís ic o , na m e did a em que elas p o d e m ser ve rifica d a s e x p e ri
m e n ta lm e n te e fo rm u la d a s m ate m a tica m e n te . A ve rd a d e de uma a fir
mação cie n tífic a d e p e n d e de quão a d e q u a d a m e n te as leis e struturais
são descritas e confirm a d as através de re p e tid a s experiências. Toda
v e rd a d e cie n tífica é p ro v is ó ria e sujeita a constante ve rifica çã o , ta n to
no qu e d iz respeito à sua com preensão da re a lid a d e com o no que
ta n g e a sua fo rm u la çã o cie n tífica . Esse e le m e n to de insegurança não
re d uz o g ra u de ve ra cid a d e de um a a firm a ç ã o cie n tífica e x p e rim e n
ta lm e n te exa m in a d a e p rovada. Mas ele im p e d e to d o d o g m a tis m o
c ie n tífic o . Por isso é um p ro c e d im e n to q u e s tio n á v e l, q u a n d o te ó lo
gos, no in te n to de d e fe n d e r a v e rd a d e da fé contra a v e rd a d e da
ciência, cham am a atenção para o caráter p ro v is ó rio de toda a firm a
ção c ie n tífic a e alegam com isso te r p ro v id o um re fú g io seguro para
a v e rd a d e da fé. Isso p o rq u e , se am anhã o progresso c ie n tífic o res
trin g ir. ain d a mais a área de co n h e cim e n to c ie n tífic o in se g uro , a fé
terá qu e se recolh er ainda mais. Esse é um p ro c e d im e n to in d ig n o
e in fru tífe ro , pois a ve rd a d e cie n tífica e a v e rd a d e da fé fazem parte
dé dim en sõe s d ife re n te s . N em a ciência tem o d ire ito ou a capaci
dade de se in tro m e te r nos interesses da fé , nem a fé tem o d ire ito
ou a capacidade de in te rfe rir na ciência.
Uma ve z c o m p re e n d id o isso, vêem -se nu m a luz bem d ife re n te
os c o n flito s acima tratados e n tre fé e ciência. Na ve rd a d e não se
trata d e um c o n flito entre fé e ciência, mas sim e ntre um a fé e
uma ciência que esqueceram am bas, a q u e dim ensão pertencem .
Q u a n d o os defensores da fé p ro curaram im p e d ir o su rg im e n to da
a strono m ia m o derna, eles não levaram em conta que os sím bolos
cristãos, apesar de re fle tire m a concepção da astronom ia aristotélico-
p to lo m a ica acerca d o m u n d o , dela não d e p e n d e m . A penas q u a n d o
sím bolos com o "D eus no cé u ", "o hom em so b re a te rro " e "d e m ô n io s
d e b a ix o da te rra " são vistos com o descrição de lugares povoados
com deuses, hom ens e dem ônios, aí a a stro n o m ia m oderna precisa
e n tra r em c o n flito com a fé cristã. Q u a n d o , p o r o utro lado, re p re
54
sentantes da física m ode rn a q u e re m a trib u ir a re a lid a d e in te iro ao
m o v im e n to m ecânico de m inúsculas m oléculas, n e g a n d o com iv .o a
re a lid ade p ró p rio da v id a , então eles m a n ife s ta m a sua U \ ta n to
su b jetiva com o o b je tiv a m e n te . S u b je tiv a m e n te a ciência o, c n t.io ,
para eles a q u ilo q u e os toca in c o n d ic io n a lm e n te e p e lo q u a l cies
estão dispostos a sa crifica r tu d o , ta m b é m a v id a , se necessário for.
O b je tiva m e n te eles criam um sím b o lo d e m o n ía co d o in c o n d ic io n a l,
a saber, um u n iv e rs o em q u e tu d o , ta m b é m a sua p a ix ã o cie n tífica ,
é d e vo ra d o p o r um m ecanism o sem sen tid o , é com razão que a fé
cristã re je ita esse sím bo lo d e fé.
A ciência só pode e n tra r em c o n flito com a ciência, e a fé apenas
com a fé . Uma ciência q u e perm anece ciência não p o d e c o n tra d iz e r
a uma fé que perm anece fé . Isso ta m b é m c o n fe re no que ta n g e
outros campos d e pesquisa cie n tífic a , p o r e x e m p lo , a b io lo g ia e a
psicologia. A conhecida d is p u ta e n tre te o ria da e vo lu çã o e te o lo g ia
.ião era um a d is p u ta e n tre ciência e fé , mas sim e n tre um a ciência,
cuja fé n ã o -e xp rim id a rouba o hom em de sua h u m a n id a d e , e um a
fé , cuja expressão te o ló g ica é cunhada p o r u m a com p re e nsã o lite ra l
da B íblia e p o rta n to é d is to rc id a , é in e g á v e l que um a te o lo g ia que
in terpreta a h istó ria bíblica da criação com o descrição fie l aos fatos
de um e ve n to um a vez su ce d ido , fo rço sa m e n te terá de c o lid ir com
a pesquisa c ie n tífica sistem ática. E um a te o ria da e vo lu çã o que e x
plica a descendência do h o m e m d e fo rm a s mais antigas da vid a
de tal m aneira q u e é a n u lad a a d ife re n ç a ce n tra l e n tre hom em e
anim al, é fé , e não ciência.
Sob o m esm o p o n to d e vista precisam os co n sid e ra r os c o n flito s
presentes e fu tu ro s entre fé e psico lo g ia c o n te m p o râ n e a . A p sico lo
gia m oderna e v ita , p o r e x e m p lo , o conceito de alm a, p o rq u e ele
parece fu n d a m e n ta r uma re a lid a d e q u e não p o d e ser in ve stig a d a com
m étodos científicos. Esse receio tem a sua razão de ser, j d o í s a
psicologia não se d e ve ria s e rv ir de q u a lq u e r te rm o q u e não seja
e labora do pela sua p ró p ria pesquisa c ie n tífic a . Ela tem a tarefa de
descrever os processos psíquicos d o hom em da m a n e ira mais ade
quada possível, e ela precisa estar sem pre p ro n ta a s u b s titu ir uma
suposição p o r o u tra . Isso v a le para os te rm o s: Ego, super-ego, eu
(Selbst), p e rso n a lid a d e , in consciente, consciente, bem com o para os
termos tra d icio n a is: alm a, e sp írito , vo n ta d e , etc. A p sico lo g ia de
pesquisa m etódica está tão sujeita à co n firm a ç ã o c ie n tífic a com o toda
outra ciência. E tod os os seus term os e d e fin iç õ e s , m esm o os m e lh o r
fu n da m e ntado s, são p ro v is ó rio s .
Q uan do, p o ré m , a fé fa la da d im e n sã o do in c o n d ic io n a l, na
qual o hom em v iv e e em q u e ele p o d e g a n h a r sua alm a ou botá-la a
55
p e rd e r, ou quando a fé fa la do sentido ú ltim o da existência, então
ela de m o d o algum co n tra d iz a rejeição c ie n tífic a d o conceito de
alm a. N em uma p sicologia que re je ite o conceito de alma pode negar
essa d im ensão, nem uma p sico lo g ia que conhece o conceito de alma
p o d e co n firm á -la . A v e rd a d e sobre o d e s tin o e te rn o d o hom em se
e ncontra num a outra dim e n sã o que a v e rd a d e d e conceitos psico
lógicos.
A p sicolog ia p ro fu n d a contem porânea em m u ito s casos e n trou
em co ntra dição com afirm ações p ré-teológicas e te o ló g ica s da fé.
N o e n ta n to não é d ifíc il d is tin g u ir, nas constatações da p sicologia p ro
fu n d a , e n tre a q uilo q u e é observação c ie n tific a m e n te fu n d a m e n ta d a
ou hipótese científica, e a q u ilo que são m anifestações de fé do psicó
lo g o , p o r e x e m p lo a sua visão d o hom em , de sua natureza e destinação.
Os e le m e n to s naturalistas tra zid o s p o r Freud d o século X IX para o sé
c u lo X X , seu p u rita n ism o co n v ic to no cam po do a m o r, seu pessim is
m o q u a n to à cultura e sua a trib u içã o da re lig iã o a desejos racionali
zados id e o lo g ica m e n te são afirm ações d e fé , e não resultados de
pesquisa científica. N ão se p ode negar a um cientista que fa la da
natureza do hom em e das condições de sua existê n cia, o d ire ito
de pensar a p a rtir d e uma fé . Se, po ré m , acontecer q u e ele, como
Freud e alguns de seus discíp u los, ataca as convicções de fé de
ou tro s em nom e da p sico lo g ia cie n tífica , e n tã o ele está m istu ra n d o
as dim ensões. Nesse caso os representantes d e um a fé d ife re n te têm
razão em se o po r a esses ataques. Nem sem pre é fá c il, num a e x p o
sição psicológica, d is tin g u ir e n tre elem entos de fé e elem entos cien
tífic o s, mas isso sem pre é possível e necessário.
A d istin çã o entre v e rd a d e de fé e v e rd a d e cie n tífic a d everia
a le rta r os teólogos contra a u tilização de descobertas científicas re
centes no in tu ito de c o n firm a r com seu a u x ílio a v e rd a d e da fé.
A física sub-atôm ica, através da teoria dos quantas e da relação de
in d e te rm in a çã o colocou em questão hipóteses a n te rio re s sobre a
e strita causalidade dos processos físicos. D iante disso autores re li
giosos quiseram a p ro v e ita r esses novos co nhecim entos para c o n fir
m ar suas idéias acerca de lib e rd a d e hum ana, capacidade d iv in a de
criação e m ilagres. Esse p ro c e d im e n to não p o d e ser ju s tific a d o nem
p e lo p o n to d e vista da física nem da re lig iã o . As te o ria s físicas não
têm nen hum a relação d ire ta com o fe n ô m e n o da lib e rd a d e humana
e a em issão de e nerg ia nos quantas não tem relação d ire ta com o
s e n tid o re lig io s o da p ala vra m ila g re . Q u a n d o a te o lo g ia u tiliz a teo
rias físicas dessa m a neira , ela está c o n fu n d in d o as dim ensões d o
saber com a dim ensão da fé. A ve rd a d e da fé não pod e ser nem
c o n firm a d a nem negada pelas mais recentes descobertas no cam po
da física, b io lo g ia ou p sico lo g ia .
56
3. A V erdade da Fé e a V e rd a d e H istórica
V erdad e histórica e v e rd a d e cie n tífica p o r n a tu re /,i se cn
contram em níveis d ife re n te s . A h istó ria relata e ve n to s únicos, e não
processos que se repe tem , os quais podem ser v e rific a d o s a q u .il
q u e r m om ento através de e xperiências. A única analogia e n tro a
pesquisa histórica e um a e xp e riê n cia no cam po da física é o exam e
e a com paração cuidadosa de docum entos. Q u a n d o docum entos in d e
pendentes um do o utro estão concordes e n tre si, entã o uma a firm a
ção histórica é considerada de m o n stra d a d e n tro dos lim ite s d o m é
to d o histórico. Mas a pesquisa histórica não apenas relata uma série
de fatos. Ela tam bém pro cu ra c o m p re e n d e r esses fa to s no q u e d iz
re speito a suas origens, suas relações e n tre si e seu sig n ific a d o . Pes
quisa histórica descreve, e xp lica e c o m p re e nd e . E com preensão
pressupõe "p a rticip a çã o ". Nisso se encontra a d ife re n ç a e n tre v e r
dade histórica e verda de cie n tífic a . Na v e rd a d e histó rica o respectivo
pesquisador está p a rtic ip a n d o e xiste n cia lm e n te , mas não na v e rd a d e
cie n tífica . Já que tam bém a v e rd a d e da fé toca o hom em e x is te n
c ia lm e nte, tentou-se fa ze r da v e rd a d e histórica o fu n d a m e n to da
v e rd a d e da fé. E in versa m e n te chegou-se a a firm a r q u e a fé p o d e ria
g a ra n tir a ve rd ade de afirm ações históricas inseguras. A m bas as
afirm ações são errôneas. O tra b a lh o h istó rico g e n u ín o _exige um
m é to d o o b je tiv o e exato, precisam ente como a observação de p ro
cessos físicos e bio lógico s. V e rd a d e histórica é p rim e ira m e n te um a
ve rd a d e baseada em fatos. Nisso ela se d ife re n c ia da ve rd a d e de
um poem a épico e da v e rd a d e m ítica da lenda. E essa d ife re n ça e
decisiva para a relação e n tre a v e rd a d e da fé e a v e rd a d e da h is tó
ria. A fé não pode c o n firm a r ou re je ita r uma v e rd a d e que está
apoiada em fatos seguros, mas ela m u ito bem p o d e e precisa in
te rp re ta r os fatos à luz de sua p ró p ria e xp e riê n c ia . Com isso ela
traz o aspecto histórico para d e n tro da d im e n sã o da fé . Mas ela
não prescreve ao h is to ria d o r a q u ilo que ele d e ve achar, nem se
baseia ela em algum re su lta d o de pesquisa histórica.
Desde que a pesquisa histórica de sco b riu o caráter lite rá rio
dos escritos bíblicos, esse p ro b le m a se to rn o u cada vez mais cons
ciente no pensam ento p o p u la r e te o ló g ic o . M ostrou-se que o A n tig o
e o N ovo Testam ento em seus trechos n a rra tivo s lig a m elem entos
históricos, lendários e m ito ló g ic o s , e que em g ra n d e parte é im p o s
sível separar esses elem entos com segurança s u fic ie n te . A pesquisa
histórica e videncio u que os relatos bíblicos acerca d o Jesus h istórico
têm em parte um baixo g ra u de p ro b a b ilid a d e . Investigações seme
lhantes sobre a fid e lid a d e histórica dos escritos e tradições religiosas
de re lig iõ e s não-cristãs alcançaram o mesm o re su lta d o . A ve rd a d e
da fé não pode ser fe ita d e p e n d e n te da v e rd a d e h istórica dos re-
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latos e das lendas em q u e essa fé se e x p rim e . Trata-se de uma
fatídica m á-com preensão d o se n tid o de fé , q u a n d o ela é igualada
a um acre dita r das histórias bíblicas. Mas isso acontece em todos os
níveis da exposição cie n tífica e p o p u la r. M uitas pessoas dizem de
si e de outros que elas não têm fé cristã p o rq u e elas não acreditam
que as histórias de m ila g re s d o M ovo Testam ento estejam fid e d ig
nam ente docum entadas. C ertam ente elas não o estão, e é necessário
a p lica r todos os meios de um m étodo de pesquisa filo ló g ic o e his
tó rico e xa to para d e te rm in a r o g ra u de p ro b a b ilid a d e ou im p ro
b a b ilid a d e de uma h istó ria b íblica. Tam bém a decisão, se a edição
a tu alm ente em uso do A lc o rã o coincide com o te x to o rig in a l, não é
uma questão de fé, se bem que to d o m aom etano crente in a b a la v e l
m ente a ela se apega. A decisão, se g ra n d e parte d o Pentateuco
contém sabedoria sacerdotal da época após o e x ílio b a bilónico ou
se o liv ro de Gênesis encerra mais m itos e lendas do que história,
não é uma questão de fé. A decisão em to rn o da questão, se a
e x p e cta tiva da catástrofe cósmica fin a l com o ela é vista nos ú ltim os
liv ro s d o A n tig o Testam ento e no N o vo Testam ento, tem sua o rig e m
na re lig iã o persa, não é um assunto da fé . A decisão em to rn o de
q u a n to m aterial le n d á rio e q u a n to de histó rico está co n tid o nas
rações do nascim ento e ressurreição do C risto, não é uma questão
de fé . A decisão em to rn o de que versão dos relatos sobre os p ri
m ó rd io s da igreja tem o m a io r grau de p ro b a b ilid a d e não e um
p o n to de fé. Todas essas p e rg u n ta s têm que ser decididas pela
pesquisa histórica, cujas afirm ações sem pre só po d e m te r um g rau
m a io r ou m enor de p ro b a b ilid a d e . Essassão p e rg u n ta s em to rn o da
v e rd a d e histórica, e não questões de fé. A fé pode d ize r que a lei
vétero-testam en tária tem v a lid a d e in co n dicio n a l para todos aqueles
que p o r ela fo re m possuídos, in d e pe n d e n te m e n te de quantas
dessas leis p oderiam ser a trib u íd a s a um personagem histórico,
ou seja, Moisés. A fé pod e d iz e r que a re a lid a d e apresentada
na im agem neotestam entária de Jesus com o o C risto encerra força
te d e n fo ra para todos os que p o r ela são possuídos, independente^
m ente de quanto se possa a firm a r com segurança acerca da pessoa
histórica de Jesus de N azaré. A fé pode g a ra n tir o seu p ró p rio
fu n d a m e n to : Moisés com o o Legislador, Jesus como o Cristo, M aom é
com o o Profeta e Buda com o o Ilu m in a d o . Mas a fé não pode a firm a r
nada acerca das circunstâncias históricas que fiz e ra m possível com
que esses hom ens se tornassem p o rtadores d o d iv in o para grandes
porções da hum anidade. A fé encerra a certeza sobre o seu p ró p rio
fu n d a m e n to , p o r e xe m p lo , acerca de um e ve n to na história que
tra n sfo rm o u a história bem com o o p ró p rio crente. Mas a fé não
pode d ize r nada acerca da m aneira em que se deu esse evento. A
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fé , p o r isso, não pode ser abalada pela pesquisa cie n tífica , m esm o
se os resultados da pesquisa põem em d ú v id a a tradição tra n s m i
tid a em to rn o do e ve n to . Essa in d e pe n d ê n cia da ve rd a d e histórica
é um a das conseqüências mais im p o rta n te s da nossa com preensão
de fé com o estar possuído p o r a q u ilo q u e nos toca in c o n d ic io n a l
m ente. Isso libe rta os crentes d e um peso que eles não podem mais
s u p o rta r d ep ois que a sua consciência fo i a le rta d a pela e xig ê ncia
de honestidade in te le ctu a l. Se essa h o n e stid a d e estivesse em con
f lito irre m e d iá ve l com a assim chamada "o b e d iê n c ia de fé " , entã o
Deus teria que ser visto com o d iv id id o em si m esm o. Ele te ria carac
terísticas demoníacas. A fé então não seria um estar possuído em
ú ltim a instância, e sim um c o n flito de preocupações fin ita s .
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Se é pressuposta essa concepção acerca da natureza da filo s o
fia , podem os d e fin ir da se g u in te m aneira a relação e n tre verdade
filo s ó fic a e verdade de fé : V e rd a d e filo s ó fic a é v e rd a d e no que
tange o ser e suas estruturas; v e rd a d e de fé é ve rd a d e no q u e d iz
respeito à q u ilo que nos toca in co n d icio n a lm e n te . A té aqui o rela
cio nam e nto se assemelha com aquele e n tre v e rd a d e de fé e v e r
d a d e cie n tífica . Uma d ife re n ç a d ig n a de nota consisle, porém , de
que no inco ndicio nal p ro c u ra d o pela filo s o fia e na preocupação
in co ndicion al em to rn o da q ual g ira a re lig iã o existe um ponto em
q u e am bos se tocam . Na filo s o fia e na re lig iã o se procura e se tes
tem unha a v e rd a d e ú ltim a ; na filo s o fia isso se dá em term os con
ceituais, na re lig iã o em te rm o s sim bólicos. V e rd a d e filo s ó fic a se
baseia em conceitos v e rd a d e iro s , que d ize m respeito à realidade
ú ltim a , a v e rd a d e da fé consiste da verdade dos sím bolos para a q u ilo
que nos toca in co n d icio n a lm e n te . A relação e n tre conceito e sím
bo lo é o p ro b le m a com que nos tem os de ocupar.
Nesse conte xto talve z se fará a p e rg u n ta : Por que é que a filo
sofia usa conceitos e a fé usa sím bolos, se am bos e x p rim e m o mesmo
in co n d icio n a l? A resposta só pod e soar: Isso é necessariam ente assim,
p o rq u e nos d ois casos a relação com o inco n dicio n a l não é a mesma.
Em p rin c íp io , a filo s o fia pro cu ra uma descrição o b je tiv a das estru tu
ras básicas em que se apresenta o in co n dicio n a l. A relação da fé
com o inco n d icio n a l é, em p rin c íp io , uma asserção existencial sobre
a q u ilo que toca o crente in co n d icio n a lm e n te . A d ife re n ç a é ó b via
e fu n d a m e n ta l. Mas, com o o d iz a expressão "e m p rin c íp io ", trata-se
de uma d ife re n ça que não é m antida na p ra xis, seja da filo s o fia ou
da fé. Isso tam b ém seria im p o ssíve l, p o rq u e o filó s o fo é um ser
hum ano para o qual existe a lgum a coisa que ele consciente ou in
conscientem ente leva a sério in co n d icio n a lm e n te . E o crente é um
ser hum ano que tem a capacidade bem com o a necessidade de e n
te n d e r em term os conceituais. Isso e n v o lv e em p ro fu n d a s conse
qüências para a vida da filo s o fia no filó s o fo e para a v id a da fé no
crente.
Uma análise de sistemas filo s ó fic o s e de obras filo só fica s de
todo tip o m ostra que a d ire çã o em que o filó s o fo p e rg u n ta e as
respostas que ele p re fe re não d e p e n d e m apenas de re fle xõ e s lógicas,
mas ta m bé m d a q u ilo que o toca in c o n dicio n a lm e n te . Os grandes
filó s o fo s não possuíam apenas g ra n d e capacidade de re fle xã o , mas
tam bém a m a ior paixão na apresentação d a q u ilo q u e os possuía in
c o n d icio nalm en te. Isso vale para os antigos filó s o fo s h in d u s e gregos
bem com o para os m odernos, de Leibniz e Spinoza até Kant e
Hegel. Tam bém a linha p o sitivista de Locke e H um e a1é o p o s iti
vism o ló g ico de hoje em si não co nstitui exceção a essa regra.
60
O cam po a que se re s trin g e m esses filó s o fo s , .1 le o n .i d o c n i i l v l
m e n to e análise da lin g u a g e m filo s ó fic o -cie n tífica , não <• filo .o fin im
se n tid o tra d icio n a l, mas é ta m b é m para eles um a q u o ila o de m .ÍK im .i
seriedade e paixão filo s ó fic a .
A filo s o fia co njuga a p a ixã o p e lo co n h e cim e n to com .1 o Iim t
vação e stritam ente o b je tiv a das fo rm a s em que o ser se ro v o lii
nos processos do u n ive rs o . A e xp e riê n cia d o in co n dicio n a l na p ro
fu n d id a d e da in ve stigaçã o filo s ó fic a é a fo n te da v e rd a d e de fó que
nela está ab rigada. A v isã o filo s ó fic a da natureza e- da situaçao
hum ana é uma junção d e fé e p e nsam ento. A filo s o fia não é apenas
o colo m aterno de o n d e p a rtira m as ciências n aturais e a pesquisa
h istórica, ela perm aneceu in s e p a ra v e lm e n te lig a d a com to d a ciência
até o dia de hoje. O sistem a de referências em q u e todos os g randes
físicos e nquadraram o to d o de suas in ve stig açõ e s é filo s ó fic o , m esm o
se a sua verdade só é d e m o n stra d a com m é to d o s cie n tífico s. Em
caso algum esse q u a d ro sistem ático é re s u lta d o de sua pesquisa,
uma descoberta c ie n tífic a , p o r assim d iz e r. S em pre é um a visão
da to ta lid a d e do ser, q u e d e te rm in a consciente ou in conscientem ente
o esquema de seu p e nsa m e n to . Uma v e z q u e isso é assim, pode-se
d iz e r que tam bém a visã o cie n tífic a d o m u n d o encerra um e le m e n to
da fé . É com razão q u e os cientistas se o p õ e m a que fé e pre ssu p o
sições filosófica s in flu e n c ie m as suas in ve stig açõ e s. Em g ra n d e parte
eles o conseguem fa ze r. M as mesm o um a e xp e riê n c ia e m p re e n d id a
com todas as precauções nesse se n tid o não é liv re de elem entos
su bje tivos. O o b se rva d o r p o d e ser tão p o u co e x clu íd o com o a in
flu ê n cia exercida pela m a n e ira de ele p e rg u n ta r a natureza sobre o
p ró p rio resultado da pesquisa. M esm o em seu tra b a lh o , o cientista
perm anece um ser h u m a n o que está possuído p o r a lg o ú ltim o e
in co ndicio nal e que p e rg u n ta p elo se g re d o d o ser; e ju sta m e n te essa
é a p e rgun ta filo só fica .
Da mesma m aneira ta m b é m o h is to ria d o r é, consciente ou in
conscientem ente, um filó s o fo . Seu tra b a lh o , na m e d id a em q u e ele
ultrapassa a sim ples pesquisa de fa to s , se baseia na a valiação de
fa tore s históricos com o a natureza d o h o m e m , sua lib e rd a d e , seu
co ndicionam ento e seu d e s e n v o lv im e n to no d e c o rre r d o te m p o . E
mesm o na localização de fa to s históricos estão presentes pressuposições
filo sóficas. Isso vale em p rim e iro lu g a r para a questão de quais fatos,
d e n tre o núm ero in fin ito d e eventos, p o d e m ser considerados com o
historicam ente im p o rta n te s. A lé m disso, o h is to ria d o r se vê fo rç a d o
a se m a nife sta r acerca d o v a lo r e da fid e d ig n id a d e de suas fo n te s —
um e m p re e n d im e n to q u e não é in d e p e n d e n te da in te rp re ta ç ã o da
natureza hum ana. As pressuposições filo s ó fic a s estão p atentes ali
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o n d e um a obra histórica dá seus v e re d ito s acerca da im portância
d e acontecim entos históricos para a e xistê n cia hum ana. Mas onde
h o u v e r filo s o fia atuando, ali se e n co n tra um e le m e n to de fé, por
m ais que esse se o culte p o r detrás da p a ix ã o d o h is to ria d o r pelos
fa to s reais.
Essas considerações m ostram que apesar d e suas diferenças
s ig n ific a tiv a s , a ve rd a d e filo s ó fic a e a v e rd a d e da fé estão conju
gadas em to d a filo s o fia e q u e essa co n ju nçã o tem conseqüências
ta n to para o tra b a lh o do cientista com o para o tra b a lh o do histo
ria d o r. Essa conjunção fo i d e n o m in a d a d e " fé filo s ó fic a " (Jaspers).
Esse te rm o é enganoso, p o rq u e aparenta m is tu ra r a v e rd a d e filo s ó
fica com a v e rd a d e da fé . A lé m disso e le parece d a r a e n te n d e r que
som ente e xiste um a fé filo s ó fic a , uma " p h ilo s o p h ia p e re n n is ", como
fo i d e n o m in a d a . Mas a p a la vra " p e re n n is " só vale para as perguntas
filo s ó fic a s , e não para as respostas filo s ó fic a s . Existe apenas um
processo constan te de in te rp re ta çã o m ú tu a e n tre elem entos filo s ó
fico s e ele m ento s da fé , mas não há a lg o com o um a fé filo só fica .
A v e rd a d e filo s ó fic a encerra v e rd a d e d e fé , e na ve rd a d e de fé
está contida v e rd a d e filo s ó fic a . Para se c o m p re e n d e r isso, é neces
sário c o m p a ra r a expressão conceituai da v e rd a d e filo s ó fic a com a
expressão sim bó lica da v e rd a d e da fé . Pode-se d iz e r que a m aioria
dos conceitos filo s ó fic o s tem raízes m ito ló g ic a s , e que a m a io r parte
dos sím bolos m ito ló g ico s contém e le m e n to s conceituais. Esses são
e la b orados assim que a consciência filo s ó fic a é d espertada. A idéia
de Deus encerra os conceitos d o ser, da v id a , d o e s p írito , da u n id a d e
e d iv e rs id a d e . No sím b o lo da criação estão co n tid o s os conceitos de
fin itu d e , m e d o , lib e rd a d e e te m p o . O s ím b o lo da "q u e d a d e A d ã o "
abarca a id éia da natureza essencial d o h o m e m , de sua contradição
c o nsigo m esm o e de sua alienação de si m esm o. S om ente po rq u e
to d o sím bolo m ito ló g ic o tem em si a p o s s ib ilid a d e d e form ação de
te rm o s filo s ó fic o s é que é possível a "te o -lo g ia ", e em cada um
desses sím bolos está a sem ente d e toda um a filo s o fia . N o entanto,
a fé não d e te rm in a o m o v im e n to d o p e n sa m e n to filo s ó fic o , tam pouco
com o a filo s o fia d e te rm in a a q u ilo que toca o hom em in co n d icio n a l
m e nte. S ím bolos de fé podem a b rir os o lh o s d o filó s o fo para d i
m ensões da re a lid a d e , as quais e le nunca teria d iv is a d o sem esses
sím bolos. M as a fé não e x ig e uma d e te rm in a d a filo s o fia , se bem
q u e igrejas e teolo g ia s tenham fe ito essa re ivin d ica çã o em todas as
épocas, e usaram Platão, A ris tó te le s, K ant ou H um e para seus fins.
As sem entes filo só fica s nos sím bolos da fé po d e m ser d e senvolvidas
d e m uitas m aneiras, mas a ve rd a d e da fé e a v e rd a d e da filo s o fia
não d e p e n d e m um a da o utra.
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5. A V erd ade da Fé e seus C rité rio s
Em que se ntido pode-se fa la r agora da ve rd a d e da fé , já que
ela não pode ser ju lg a d a p o r nenhum o u tro lip o de v e rd a d e —nem
pela cie n tífica , nem pela histórica, nem pel i lilo s ó fic a ? A resposta
procede da p ró p ria nature za da fé; ela é o e sta r possuído p o r a q u ilo
q ue nos toca in c o n d icio n a lm e n te . C om o acontece com o co n ce ito d e
"a q u ilo que nos toca in c o n d ic io n a lm e n te ", ta m b é m a resposta tem
um lado s u b je tiv o e um la d o o b je tiv o , e a verdade' da fé tem que
ser co m p reendida sob am bos os aspectos. A p a rlir d o la d o s u
deve-se d ize r o s e g u in te : Fé é "v e rd a d e ira " q u a n d o ela e x p rim e
a dequadam ente um a p re ocupação in c o n d ic io n a l. Vista d o lado o b je
tiv o , fé é "v e rd a d e ira " q u a n d o seu c o n te ú d o é re alm ente o in c o n d i
cional. A p rim e ira resposta reconhece que v e rd a d e de fé está co n
tid a em todos os sím b o lo s e tip o s g e n u ín o s d e fé. Com isso são
justificadas ao m esm o te m p o todas as re lig iõ e s históricas, e sua
h istória se torna co m p re e n s ív e l com o a h is tó ria d a q u ilo que toca
o hom em em ú ltim a e in co n d icio n a l instância, com o a h istória de
sua resposta a m anifestações do sagrado em m uitos lugares e sob
m uitas form as. A seg und a resposta indica um c rité rio in c o n d ic io n a l,
p e lo qual as re lig iõ e s históricas são ju lg a d a s, não no se n tid o de
negação, mas no servfido d e um "s im e n ão".
Fé tem v e rd a d e na m e d id a em que ela e x p rim e a d e q u a d a m e n te
uma preocupação in c o n d ic io n a l. Esse é o caso q u a n d o o p o d e r d o
in co ndicio nal nela su rg e d e tal m aneira que provoca no hom em uma
resposta, ação e co m u nhã o . S ím bolos capazes de causar sem elhantes
e fe ito s estão vivos. Mas a v id a dos sím bolos é lim ita d a ; a relação
d o hom em com o in c o n d ic io n a l está sujeita a transform ações. C on
teúdos de preocupação ú ltim a desaparecem ou são su b stitu íd o s p o r
outros. Às vezes acontece que a encarnação d o d iv in o num d e te r
m in a d o personagem a um a certa a ltu ra da história não desperta
mais aquele eco no ho m e m ; ela não é mais um sím b o lo d e v a lid a d e
u niversal e perde o p o d e r de conclam ar à ação. Há sím b o lo s que
e x p rim e m a ve rd a d e da fé p o r a lg u m te m p o num d e te rm in a d o lu g a r
para uma certa co m u n h ã o e que ho je apenas ainda le m b ra m a fé
de uma época passada. Eles p e rd e ra m a sua ve rd a d e , e é q u e s tio n á
vel se sím bolos m o rtos p o d e m ser reanim ados. P ro va ve lm e n te isso
é im possível. Se olham os desse p o n to de vista a h istó ria da fé até
o dia de hoje, evide ncia -se q u e os c rité rio s para a v e rd a d e da fé
consistem d e sua v ita lid a d e . Esse c rité rio certam ente não é exato
no sentido cie n tífico , mas ele é um a escala prática para se ju lg a r
com acerto o passado com sua p ro fu s ã o d e sím bolos e v id e n te m e n te
extinto s. Para o p resente, no e n ta n to , esse c rité rio é d ifíc il de aplicar,
p o rq u e não se p o d e d iz e r com certeza q u e um sím b o lo está d e fi-
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m tiv a m e n te m o rto e n q u a n to ele a in d a é aceito p o r alguém em
a lg u m lu g a r. P oderia ser q u e ele, p o r assim d iz e r, apenas esteja
a d o rm e cid o , e então não se pode e x c lu ir a p o s s ib ilid a d e de um
re a v iv a m e n to .
O o u tro c rité rio que d e cid e sobre a ve rd a d e de um sím bolo
de fé é a sua capacidade d e expressar em toda a sua p le n itu d e a
in c o n d ic io n a lid a d e d o in co n d icio n a l, e x c lu in d o assim tu d o d e n tro de
si que é m enos d o qu e in co n d icio n a l. O s ím b o lo não pode se to rn a r
um íd o lo . Pois esse é o p e rig o de to d o s ím b o lo da fé . C alvino des
creveu o e s p írito h um a n o com o uma fá b ric a em que constantem ente
estão sendo p ro d u z id o s ídolos. N e n h u m tip o de fé se eleva acima
desse p e rig o , e m esm o o p ro te s ta n tis m o , que está m u ito consciente
d e le , não lh e escapa. Tam bém ele é passível de distorções d e m o
níacas e precisa m edir-se a si mesm o com o m esm o c rité rio com que
ele m ede outras re lig iõ e s. Todo tip o d e fé tem a tendência de
e le v a r seus sím bolos concretos à v a lid a d e absoluta. Por isso o crité rio
para a v e rd a d e da fé está em que e le contenha em si um elem ento
de auto-crítica. O sím bo lo de fé q u e m ais se a p ro xim a da verdade
é a quele q u e e x p rim e não apenas o in c o n d ic io n a l, mas ao mesmo
te m p o a sua p ró p ria fa lta de in c o n d ic io n a lid a d e . O cristia n ism o possui
esse s ím b o lo d e m aneiro p e rfe ita na cruz d o C risto. Jesus não
p o d e ria ter-se to rn a d o o C risto, se e le com o Jesus não se tivesse
sa crificado a si m esm o com o o C risto. Toda aceitação de Jesus como
o C risto q u e não inclua ao m esm o te m p o a aceitação do Jesus cruci
fic a d o , é um a fo rm a de id o la tria . A preocupação ú ltim a do cristão
não é Jesus, e sim o C risto no Jesus cru c ific a d o . O e v e n to que criou
esse sím b o lo é co m esm o te m p o o c rité rio a p a rtir d o qual a v e r
d a d e do c ristia n ism o e a v e rd a d e d e todas as outras re lig iõ e s p re
cisa ser ju lg a d a . A única ve rd a d e in c o n d ic io n a l da fé , aquela v e r
dade na q u a l o in co n dicio n a l se re ve la a si mesm o com o in condicio
nal, é o fa to de q u e toda afirm ação da fé se encontra sob um "sim
e não".
O rie n ta d o p o r esse c rité rio , o p ro te s ta n tis m o se v o lto u contra
a ig re ja rom ana. N ão fo ra m tanto as d o u trin a s que c in d ira m as
igrejas na época da R eform a, mas sim a redescoberta d o p rin cíp io
básico de q u e n enhum a ig re ja tem o d ire ito de se colocar no lu g a r
do in co n d ic io n a l. Toda v e rd a d e d e um a ig re ja é ju lg a d a a p a rtir
do in c o n d ic io n a l, e a q u ilo q u e vale p ara a igreja tam bém vale para
a B íblia. A pesquisa prote sta n te m ostrou que e xistem m uitos estratos
d e n tro dos escritos bíblicos, e que p o r isso é im possível id e n tific a r
a B íblia com o um to d o com a v e rd a d e da fé. Tam bém sobre a
h istó ria da re lig iã o e cu ltu ra re sta n le está o "s im e n ão". Trata-se
de um " s im " , p o rq u e é aceita toda v e rd a d e da fé , seja em que
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fo rm a ela apareça na h istó ria da re lig iã o ; e é um "n ã o ", p o rq u e
nenhum a ve rd a d e de fé é reconhecida com o in co n dicio n a l, a não
ser aquela que diz que n e n hum a pessoa a pod e possuir. O fa to de
que esse c rité rio coincide com o p rin c íp io p rotestante e se to rn o u
realidade na cruz d o C risto pe rfa z a grandeza d o cristianism o p ro
testante.
VI. A V ID A DA FÉ
1. Fé e Coragem
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pode p e rd e r quase que co m p le ta m en te na v id a da fé. Mas uma vez
que n enhu m ser hum ano é capaz de v iv e r sem uma preocupação
ú ltim a , ta n to fé como d ú v id a sem pre estão p o r natureza presentes
no hom em .
Fé e d ú vid a têm sido colocados com o opostos, exaltando-se a
certeza da fé como o fim de toda d ú v id a . É v e rd a d e que existe
sem elhante serenidade m u ito além das agitadas lutas entre fé e
d ú v id a ; e alcançar esse estado é um desejo natural e justo. Mas
m esm o q u a n d o ele é a tin g id o — com o, p o r e xe m p lo , p o r santos ou
p o r pessoas que estão firm e s em sua fé —, nunca está ausente o
e le m e n to da d ú vid a . Nos santos a d ú v id a aparece, como o m ostram
as lendas em to rno dos santos, sob a fo rm a de tentação, a qual
aum enta na m edida em q u e cresce a santidade. Nas pessoas que
clam am te r uma fé ina b ala d a , o farisaísm o e o fanatism o são fr e
q ü e n te m e n te a prova in fa lív e l de que a d ú v id a p ro va ve lm e n te fo i
re p rim id a ou de fa to ainda está atuando secretam ente. A d ú v id a não
é superada pela repressão, e sim pela coragem . A coragem não nega
que a d ú v id a está aí; mas ela aceita a d ú v id a como expressão da
fin itu d e hum ana e- se confessa, apesar da d ú v id a , à q u ilo que to
in condiciona lm e nte. A coragem não precisa da segurança de uma
convicção in q u estio n á ve l. Ela e n g lob a o risco, sem o qual não é
possível q u a lq u e r vida cria tiv a . Q uando, p o r e xe m p lo , a preocupação
in co ndicio nal de uma pessoa é a convicção de que Jesus é o C risto,
então sem elhante fé não é uma questão d e certeza isenta de d ú v id a ,
e sim de coragem que se arrisca, que encerra o p e rig o do fracasso.
M esm o quan d o a confissão "Jesus é o C ris to " é e x p rim id a com a
convicção mais p ro fu n d a , ela contém risco e coragem . A p ró p ria
"c o n fissã o " indica isso (11).
Tudo isso é v á lid o para a fé viva , para a fé como uma p re o
cupação viva , e não com o a titu d e m eram ente tra d icio n a l, uma a ti
tu d e sem tensões, sem d ú v id a s e sem coragem . Sem elhante fé tra
d icio n a l, isto é, a fo rm a de fé de m uitos cristãos de igreja de hoje
e da sociedade toda, carece d o caráter d in â m ic o que é p ró p rio à fé
viv a . Poder-se-ia d ize r que essa fé co nvencional é um resquício
m o rto de antigas experiê n cia s vivas do in co n d icio n a l. Ela está m orta;
mas ela pode ser ressuscitada, pois ta m b é m a fé pe trifica d a v iv e
em sím bolos. Nesses sím bolos ainda está co n tid o o p o der da fé o ri
g in a l; p o r isso não se d e ve ria subestim ar a im portância de uma a ti
tude tra d icio n a l de fé. Ela não é fé viv a ; mas ela é fé "a d o rm e c id a ",
(11) N. d o T.: Essa afirm açã o V3le para o te rm o a lem ão "B e k e n n tn is ". O auto r não a
fa z na versão a n te rio r, ing le sa, com referência ao te rm o inglês "c o n fe s s io n ", que
está p ró x im o ao p o rtu g u ê s ; mas, no que tange o te rm o p ortu gu ê s "c o n fis s ã o ", ela
te m a mesma va lid a de .
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q u e p o d e ser despertada novam ente para a fé v iv a . Esse fa to é
especialm ente im p o rta n te para a educação. N ão é insensato fa m ilia
riz a r crianças e jovens com os sím bolos da fé , já q u e neles se
expressa a fé v iv a de gerações anteriores. M e sm o assim isso é s im u l
taneam ente p erig oso, um a vez que a fé de sta rte tra n s m itid a p o d e
fic a r presa à tradição , sem nunca a tin g ir a fé com o tal. O reconheci
m e n to desse p e rig o levo u a que alguns educadores hesitassem em
tra n s m itir a jovens q u a is q u e r sím bolos tra d ic io n a is q u e fossem , de
m o d o a p re fe rire m esperar até que surjam p o r si p e rg u n ta s p e lo
se n tid o da vida. Sem elhante orientação p o d e le v a r a um a p u ja n te
vid a de fé ; mas ela tam bém p ode fa z e r com q u e surjam o v a zio e
o cinism o, sendo que, em reação, o v a zio s u rg id o é d e p o is p re e n
ch id o p o r sím bolos concretos, mas dem oníacos.
Fé viva contém a d ú v id a a respeito de si m esm a, a coragem e
o risco de s u p o rta r essa d ú v id .i A o m esm o te m p o há em to d a fé
um e le m ento d e certeza im e d ia t.i, q u e não está sujeita à d ú v id a ,
à coragem e ao risco — a c e rte /,i d o p r6 p rio in c o n d ic io n a l. A pessoa
e xp e rim e n ta o in co ndicio n a l em pa ixã o, m e d o , desespero e êxtase;
mas ele nunca o e xp e rim e n ta do m o d o d ire to , mas sem pre no e n
co n tro com um conteúdo concreto. O in co n d icio n a l é e x p e rim e n ta d o
no, com e através do co n te ú d o concreto, e apenas o e s p írito que
in vestiga analiticam ente o p ode co m p re e n d e r te o rica m e nte . (Tal con
sideração teórica é em si o o b je tiv o desse liv ro .) Por esse ca m inho
chegam os a d e fin ir a fé com o o líotiir p ossuído p o r a q u ilo que nos
toca in con dicion alm e nte. Mas a v ld .i d,i fé está além d e sem elhante
análise. Esta, p o ré m , revela que a d ú v id a ante o co n te ú d o concreto
de uma preocupação in co n dicio n a l se d irig e contra a fé em sua
to ta lid a d e . E d ia n te disso a fé com o ato da pessoa in te ira precisa se
c o n firm a r na coragem .
(12) C f. a e xposição deta lh a da n o m eu liv ro "A C o ra g e m de S e r", loc. c it. pp. lss.
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q u a l antes p revalecem fin itu d e e separação, e com essas a fé e
a coragem de se arriscar. O risco d iz respeito ao conte ú d o concreto
de um a preocupação inco n dicio n a l. Nisso pod e acontecer que não
é o ve rd a d e ira m e n te incondicional que está c o n tid o na fé , e sim
a lg o cond icio nado , d o qual fo i fe ito um ídolo. Dessa m aneira os
p ró p rio s desejos podem d e te rm in a r o co n te ú d o da fé ; mas tam bém
p ode acontecer que os interesses d o g ru p o social a que pertencem os
nos p re ndam a tradições m ortas, le va n do a uma espécie de id o la tria .
O u ta m b ém p o d e acontecer que uma porção lim ita d a da re a lid a d e é
tra n sfo rm a d a num ídolo com o no p o lite ís m o a n tig o e novo, ou se
te n ta abusar d o in con dicio n a l para os fin s a rb itrá rio s d o crente, como,
p o r e x e m p lo nas práticas mágicas de todas as re lig iõ e s. S obretudo,
p o rém , o p o rta d o r, o in v ó lu c ro d o sagrado, é c o n fu n d id o com o pro-
p rio sagrado. Tam bém isso se dá em todos os tip o s d e fé , consistin
d o esse desde o início um p e rig o especial para o cristianism o. Um
pro te sto contra sem elhante confusão encontram os na exclam ação de
Jesus no e va n g e lh o de João: "Q u e m crê em m im , crê, não em m im ,
mas naquele que me e n v io u ." Mas d o g m a , litu rg ia e devoção p o p u
lar não perm aneceram isentos dessa confusão. O cristão sabe da
p o s sib ilid a d e e quase in e v ita b ilid a d e da disto rçã o id ó la tra . Mas ele
ta m bém sabe que na im agem d o p ró p rio C risto está dado o juízo
sobre tu d o q u e é id ó la tra - na cruz. Da cruz tam bém p ro v é m a
m ensagem d irig id a ao hom em , a qual p e rfa z o âm ago d o cristia n is
m o e antes de tu d o p ossib ilita a coragem de crer no Cristo: a m en
sagem de que a separação entre Deus e hom em fo i superada pelo
p ró p rio Deus a d e sp eito de todos os p oderes separadores da des
tru ição. Sem elhante pod e r da separação é a d ú v id a , a qual procura
im p e d ir a coragem de aceitar a fé . Mas m esm o então a fé p o d e ser
arriscada, uma vez que perm anece a certeza de que até uma fé
q u e fracassa não pode separar o hom em d o in co n dicio n a l. Essa é a
única certeza absoluta da fé , a qu a l corresponde ao único conteúdo
a b soluto da fé : em nossa relação com o in co n dicio n a l nós sem pre
só podem os receber, e nunca dar. Nós nunca seremos capazes de
tra n s p o r a distância in fin ita e ntre o in fin ito e o fin ito a p a rtir de
nós mesmos, a p a rtir d o fin ito . A risco d o fracasso, d o e rro e da
id o la trização, p o ré m , pode ser suportado, p o rq u e tam bém o fracasso
não nos pode separar d a q u ilo que nos toca in co n dicio n a lm e n te .
2. A Fé e a Integração da Pessoa
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em p resta a todos os ou tro s interesses a sua p ro fu n d id a d e , d ire ç ã o e
u n id a d e , fu n d a m e n ta d o assim o hom em com o pessoa. Uma v id a de
ca rá ter realm en te personal é in te g ra l e u n id a em si; o p o d e r que
cria essa in te g rid a d e da pessoa é a fé . S em elhante a firm a çã o seria
a b surda , se fé fosse o d a r cré d ito a coisas que não se po d e m d e m o n s
tra r. Mas essa afirm ação não é a bsurda, e sim e v id e n te m e n te v e r
d a d e ira , se fé é o ser a tin g id o p o r a q u ilo q u e nos toca in c o n d ic io
n a lm e n te .
Uma preocupação inco n dicio n a l se m a n ife sta em todas as áreas
da re a lid a d e e em todas as expressões de vid a da pessoa. Isso p o rq u e
o in co n d icio n a l não é um o b je to e ntre o u tro s , e sim a base e o rig e m
d e to d o ser, e com o ta l, o centro u n ific a d o r da v id a com o pessoa.
Estar sem uma preocupação in co n d icio n a l s ig n ific a estar sem um
ce n tro. Desse estado o hom em só p o d e se a p ro x im a r, mas nunca
lhe estará com p leta m ente e n tre g u e ; pois um ser h u m a n o sem ce n tro
a lg u m d e ix a ria de ser h um ano. Por esse m o tiv o não se p o d e co n
ceber q u e haja alguém sem uma p re ocupação in c o n d ic io n a l e p o r
ta n to sem fé.
O centro da pessoa u n e todos os e le m e n to s da v id a da p e r
so n a lid a d e : as forças corp o ra is, inconscientes, conscientes e in te le c
tuais. Do ato de fé p a rtic ip a to d o n e rv o d o corpo h u m a n o , toda
aspiração da alm a, to d o im p u ls o d o e s p írito hum ano. M as co rp o ,
alm a e e s p írito não são três partes isoladas d o hom em . Elas são
d im ensões d o ser pessoa e sem pre estão e ntrelaçadas; p o is o hom em
é um a u n id ad e , e não um com posto de dive rsa s partes. Fé, p o r isso,
não ta n g e som ente o e s p írito ou apenas a alm a ou e x c lu s iv a m e n te
a v ita lid a d e , e sim ela é a o rientação da pessoa in te ira em d ire çã o
ao in co n dicio n a l.
Fé é um ato de p a ixã o in fin ita , e p a ix ã o não é possível sem
ligação ao corpo, m esm o se se trata d e p a ix ã o in te le c tu a l. Tam bém
o co rp o pa rticip a de to d o ato de fé g e n u ín a . Isso p o d e acontecer
de m ú ltip la s form as, ta n to em êxtase v ita l, co m o pela ascese que
leva à êxtase e sp iritu a l. Mas seja em re alização de v ita lid a d e ou na
a utonegação, o corpo sem pre fa z p a rte da v id a da fé . O m esm o
va le para as aspirações inconscientes da alm a. Elas é q u e d e te rm i
nam a escolha dos sím bolos re lig io so s e dos tip o s de fé . Por isso
toda com un hão de fé procura in flu e n c ia r o inconsciente de seus
crentes, especialm ente e n tre a geração jo ve m .
Q u a n d o a fé d e um a pessoa se e x p rim e em sím bolos q u e cor
re spo ndem a seus im pulsos inconscientes, esses im p u lso s d e ix a m
de ser caóticos. Eles não precisam m ais ser re p rim id o s , um a vez
que eles e x p e rim e n ta ra m uma "s u b lim a ç ã o " le g ítim a e estão u nidos
69
.io a g ir consciente da pessoa. A fé tam bém d irig e a vid a consciente
d o hom em na m e d id a em q u e ela lhe dá a preocupação m ais íntim a
no âm ago do seu ser. Um dos grandes problem as de toda vid a do
p e rso n a lid a d e é a d iv e rg ê n c ia dos conteúdos do consciente. Q u ando
fa lta um ce ntro u n ific a d o r, a m u ltifo rm id a d e in fin ita d o m u n d o ao
re d o r e dos processos e s p iritu a is in te rio re s pode le va r à cisão ou
mesm o d e sinteg ra çã o to ta l da perso n a lid a d e . Nada há q u e possa
p ro te g e r contra essa constante ameaça senão a força u n ific a n te do
estar possuído in co n d ic io n a l. Isso p ode acontecer de d ive rsa s ma
neiras. Uma p o s s ib ilid a d e é a d is c ip lin a com que uma pessoa dispõe
a sua vid a de m o d o o rd e n a d o ; o utra é a m editação. Tam bém a
busca de um a lvo d e te rm in a d o e a dedicação a uma o u tra pessoa
são cam inhos pelos q uais se p o d e re a liza r o estar possuído in c o n d i
cio nalm e nte . Todos esses cam inhos pressupõem fé ; n e n h u m deles
p o d e leva r à meta sem fé . A vid a in te le ctu a l do h o m e m , as obras
de um artista, a pesquisa c ie n tífic a , a atuação ética ou p o lítica são
expressões conscientes ou inconscientes de uma preocupação ú ltim a .
S om ente assim elas são p re e n ch id a s de paixão e de eros criativos,
com isso recebendo u n id a d e e p ro fu n d id a d e .
70
não se d e ve ria u tiliz a r a p a la vra " f é " , e esses processos não d e v e
riam ser tom ados com o uma p ro va p ara a capacidade te ra p ê u tica
de um estar possuído in c o n d ic io n a l.
A fo rça in te g ra d o ra da fé num a situação concreta d e p e n d e das
condições subjetivas e o b je tiv a s Q u a n to ao aspecto s u b je tiv o tu d o
d e p e n d e do grau de a b e rtu ra d e um a pessoa para o p o d e r da fé
e da fo rça e paixão de sua p re o cu p a çã o suprem a. Essa a b e rtu ra é
uma d á d iv a e não pod e ser p ro v o c a d a in te n c io n a lm e n te , ela é o
que a re lig iã o chama de graç>. O la d o o b je tiv o é o g rau em que
a fé superou em si o p e rig o da id o la tria e está d irig id a para o que
é v e rd a d e ira m e n te in co n d icio n a l. A id o la tria não tem c o n tin u id a d e .
Ela pod e estar carregada de p a ixã o e e xe rc e r p o d e r in te g ra d o r. Ela
p ode cu ra r e levar a p e rs o n a lid a d e a u n id a d e . Os deuses d o p o li
teísm o possuíam poderes de cura, não apenas no sentido m ágico,
mas ta m b é m como transm issores de re n o va çã o g e nuína. Tam bém os
objetos da id o la tria secularizad.i m o d e rn a , com o a "n a ç ã o " ou " v e n
cer na v id a " tem capacidade te ra p ê u tic a , não apenas pela fascinação
m ágica de um " líd e r" , de um slogan ou d e uma prom essa, mas
tam bém pelo fa to de criarem tarefas e um a v id a p ro v id a de se n tid o
para im pu lso s que de o u tro m o d o não p o d e ria m realizar-se. M as a
base dessa integração é m u ito estreita. A fé id ó la tra desm orona mais
cedo ou mais tarde, e a m iséria se to rn a p io r d o que antes. A q u e la
área lim ita d a da rea lid ad e que se e le v a ra à categoria de in c o n d ic io
nal é atacada em nom e d e outras preocupações fin ita s . A consciência
se fe n d e no m om ento e xa to em que se dá um alto v a lo r a cada um a
das preocupações em c o n flito . A re alização dos im pulsos inconscien
tes não d u ra ; eles são re p rim id o s o u irro m p e m d e se n fre a d a m e n te .
Desaparece o po d e r o rie n ta d o r d o e s p írito p o rq u e o o b je to a que
ele se d irig ia perdeu seu p o d e r de c o n ve n ce r. A a tiv id a d e e s p iritu a l
criadora se torna cada vez mais s u p e rfic ia l; ela fica vazia, já que
não há nenhum sentido in fin ito q u e lh e e m p re ste p ro fu n d id a d e . A
p a ixão da fé se transform a num s u p o rta r d e d ú v id a s não superadas
e em desespero, sendo q u e em m u ito s casos o ú ltim o recurso é a
fuga para a neurose ou a psicose. A fé id ó la tra d e sin te g ra e d e stró i
mais do que a in d ife re n ça , e x a ta m e n te p o rq u e ela é fé e p o d e p ro
vocar um a integração passageira.
A fé é dotada de p o d e r de cura; p o r isso precisam os p e rg u n ta r
agora em que relação ela se e ncontra com outras forças terapêuticas.
A p o ssib ilid a d e de in flu ê n c ia de pessoa para pessoa nós já m e n
cionam os, mas ainda não tratam os da a rte m édica e de sua aplicação
bem com o de suas pressuposições c ie n tífic a s e técnicas. Existe um
gran de n ú m ero de m étodos de cura, dos q u a is n enhum p ode re i
v in d ic a r ser o único v á lid o . Mas é p o ssível fix a r m etodicam ente cada
71
um deles a uma d e te rm in a d a ta re fa . Talvez se p o d e ria d iz e r que a
ca pacida de curadora da fé se estende à pessoa in te ira , in d e p e n
d e n te m e n te de q u a is q u e r d is tú rb io s específicos d o co rp o ou do
e sp írito , e que ela atua em cada m o m e n to de nossa v id a , seja em
se n tid o p o s itiv o ou n e g a tiv o . Ela precede todas as outras p o s s ib ili
dades d e cura, as a co m p a n h a , transcende e lhes segue. Mas ela
sozinha não é s u fic ie n te para o d e s e n v o lv im e n to d o hom em como
"p e sso a "; isso p o rq u e o h o m e m , em conseqüência de sua fin itu d e e
alienação, não é um to d o , e sim está fe n d id o em d ive rso s campos.
Cada um desses cam pos p o d e d e ca ir in d e p e n d e n te m e n te dos outros.
Ó rgãos isolados d o c o rp o p o d e m adoecer sem que surja algum a
doença m e n ta l; e doenças m entais são possíveis sem que haja
pro b le m a s visíveis no co rp o . Em algum as fo rm a s de e n fe rm id a d e
psíquica, especialm en te na neurose, e em quase todas as doenças
do co rp o , a vid a in te le c tu a l p o d e perm anecer c o m p le ta m e n te sadia
e até g a n h a r força e in te n s id a d e . A arte m édica precisa in te rv ir
sem pre qu e um aspecto p a rcia l de toda a p e rso n a lid a d e adoece por
m o tivo s externos ou in te rn o s . Isso vale ta n to para a psicoterapia
com o para a m ed icina em g e ra l. Não existem c o n flito s e n tre seus
m étodos e a cura que p o d e ser alcançada pela fé; fà m b é m está claro
que ne nhum a in te rve n çã o m édica — tam bém não a p sicoterapia —
p ode le v a r à in tegraçã o da pessoa com o um to d o . Isso só a fé con
segue fa ze r. As tensões e n tre as duas fo rm a s de te ra p ia desapare
ceriam se elas reconhecessem suas tarefas específicas e seus lim ites
d e te rm in ad o s. Elas e n tã o ta m b é m não mais se d e ix a ria m p e rtu rb a r
pe lo te rce iro m é todo de cura, ou seja, a concentração m ágica. Elas
aceitariam sua ajuda, se bem q u e acentuando as p o ss ib ilid a d e s lim i
tadas desta.
Existem tantos tip o s d e pe rso n a lid a d e s in te g ra d a s com o há
tip os de fé . A lé m disso, p o ré m , há ainda um tip o que re úne em si
m u itos traços dos o u tro s tip o s d e integração pessoal. Trata-se do
tip o de pe rso n a lid a d e cria d a p e lo cristia n ism o p rim itiv o q u e sem pre
de n o vo su rg iu e se p e rd e u no curso da histó ria da ig re ja . Sua
natureza não pode ser d e scrita apenas a p a rtir da fé ; isso p o rq u e ela
ainda reúne d e n tro d e si ou tra s características. Para com preendê-la,
é necessário re sp o n d e r p rim e iro a questão do re la cio n a m e n to entre
fé e am or e da relação e n tre ’ fé e ação.
3. Fé, A m o r e A ção
72
se a fé é entendida com o um acreditar ou com o o estar possuído p o r
a q u ilo que nos toca inco n d icio n a lm e n te . N o p rim e iro caso é contes
ta d o que am or e ação d e p e n d a m d ire ta m e n te da fé; no segundo
caso am or e ação estão co n tid o s na fé e d ela não podem ser separados.
A p e sa r de todos os enganos e mal e n te n d id o s na in te rp re ta çã o da
fé , a últim a é a d o u trin a clássica da ig re ja , a q u a l m uitas vezes fo i
bastante mal expressa.
Só se é possuído in c o n d ic io n a lm e n te p o r a q u ilo a q u e se p e r
tence pela p ró p ria essência, m esm o q u a n d o se está d e le separado
existencialm ente. Com o vim os, fé não é a mesm a coisa q u e a visão
p e rfe ita de Deus. Essa não acontece d e n tro d o te m p o . Mas existe
um a aspiração in fin ita de alcançar sem elhante visão, em q u e é con
seguida a re-união do que está separado. E o im p u ls o para a re
união do separado é o am or. A preocupação da fé co in cid e com o
a lv o d o amor: ambos procuram .1 reconciliação com a q u ilo a que
se pertence e de que se está alienado. N o "g ra n d e m a n d a m e n to "
do A n tig o Testam ento, o qual fo i c o n firm a d o p o r Jesus, Deus é
am bas as coisas: o o b je to d a q u ilo que nos toca in co n d ic io n a lm e n te
e o objeto de am or irre s trito . Desse am or se d e d u z o a m o r q u e se
d irig e à q u ilo que é "d e Deus", isto é: o p ró x im o e a p ró p ria pessoa.
Por isso o "te rn o r a D eus" e o "a m o r de C ris to " é que d e te rm in a m o
c o m porta m ento em relação às outras pessoas em toda a lite ra tu ra
bíblica. No h in duísm o e no b u dism o é a fé no "U n o ", d o q ual p ro
vém tu d o que é e ao qu a l vo lta tu d o que é, que d e te rm in a a p a r
ticipação no p ró x im o . O conhecim ento da id e n tid a d e ú ltim a no
" U n o " torna possível e necessária a u n iã o com tu d o que é. Mas
isso não é a mesma coisa que o conceito b íb lic o d o am or. A m o r
p a rticipa, mas não se fu n d e com o o b je to do am or. A m b a s as
concepções de fé têm em com um que elas não apresentam a m or e
ação como a lgo que se encontrasse fo ra da fé (o q u e acontece em
toda fé que é menos d o que o estar possuído in co n d icio n a l), mas
sim amor e ação são elem entos da p ró p ria fé. A separação d e fé
e am or sem pre é conseqüência de um a degeneração da re lig iã o .
Q u ando a fé judaica se to rn o u um sistema de prescrições rituais,
qu a n d o as religiõ es dos h indus se d e g e n e ra ra m num sacram entalism o
m ágico, e qua ndo o cristianism o incorreu em ambos os enganos e
lhes acrescentou ainda um a ríg id a d o g m á tica , a relação e n tre fé e
am or se torno j um sério p ro b le m a para numerosas pessoas d e n tro
e fo ra de cada uma dessas re lig iõ e s, m o tiv a n d o que m uitos se v o l
tassem para uma ética não-religiosa.
Elas tentaram escapar aos descam inhos da fé d e ix a n d o de lado
a p ró p ria fé. Mas a questão é: Existe a lg o com o am or sem fé ? Certa
m ente que há am or sem a aceitação de certas d o u trin a s. Sim , a histó
73
ria dem onstra que os mais te rrív e is crim es contra o am or fo ra m co
m etidos em nom e de dogm as fa n a tic a m e n te d e fe n d id o s . Fé como
um a série d e d o u trin a s a p a ixon a d a m e n te d e fe n d id a s não gera amor.
Mas fé com o a q u ilo que nos toca in co n d icio n a lm e n te inclui o amor,
isto é, o desejo e a aspiração pela re-união do separado, seja entre
Deus e H om em , seja entre duas pessoas.
Mas a p e rg u n ta persiste: É possível o am or sem fé ? Uma pessoa
q u e não tenha fé é capaz de am ar? Essa é p ro p ria m e n te a form a
adequada para a p e rg u n ta , e a resposta é: Não há ser hum ano sem
um a preocupação incondicio n a l e p o rta n to sem fé e sem amor. O
a m or está a tu a n d o em todo ser h u m ano, m esm o q u e p ro fu n d a m e n te
o cu lto , pois to d o ser hum ano aspira a união com o fu n d a m e n to
ú ltim o do ser.
Nós d iscu tim os as interpretações errôneas do sentido de " fé " .
Ig u a lm e n te necessário seria agora — o que não é possível neste
presente co n te xto — m ostrar as más interpretações sofridas pelo
se n tido d o am or. Mas uma das m aneiras mais fre q ü e n te s de se en
te n d e r mal o am or ainda precisa ser m encionada. Trata-se da
lim itação do am o r ao sentim ento. Assim com o a fé encerra o senti
m ento, assim tam bém o am or; mas dessa m aneira o am or como tal
ainda não se torna sentim ento. A m o r é o p o der no fu n d a m e n to
ú ltim o de to d o o ser, o p o d e r que im p u lsio n a o ente para além de
si em d ireção à re-união com a outra pessoa e, em ú ltim a análise,
com o p ró p rio fu n d a m e n to d o ser, d o qual se encontra separado.
Costuma-se d is tin g u ir d iversos tipos de am or, co n tra p o n d o o eros
g re g o à ágape cristã. D efiniu-se eros com o a aspiração pela auto-
realização através de outros seres, e ágape como a disposição a
se e n tre g a r ao o u tro em p ro l d o o u tro com o tal. Mas essa a lte rn a tiva
não existe. Esses assim cham ados "tip o s de a m or" são na realidade
"q u a lid a d e s d o a m o r", características q u e aparecem reunidas e só
e n tram em c o n flito em sua fo rm a d e g e n e ra d a . N enhum am or é real
m e n te am or sem a un id a d e de eros e ágape. Á g a p e sem eros é
sujeição a um a lei m o ral; ela é d e stitu íd a d e calor, de aspiração e de
reconciliação. Eros sem ágape é desejo dese n fre a d o , que não respeita
o d ire ito do o u tro de ser reconhecido com o alguém que ama e vale
a pena ser am ado. A m o r como u n id a d e de eros e ágape é um
traço característico da fé. Q u a n to mais am or h o u ve r na fé , tanto
m ais estarão superadas as suas p o ssib ilid a d e s dem oníaco-idólatras.
Uma fé , em que um a preocupação p ro v is ó ria alcança va lid a d e ú ltim a ,
está em c o n flito e em contradição com todas as outras preocupações
p ro visó ria s; isso de stró i a p o ssib ilid a d e d o am or e ntre os portadores
de sem elhantes fo rm a s de fé. O fa n á tic o não pode amar a q u ilo
contra que se d irig e seu fanatism o; e fé idólatra é necessariamente
74
fa n ática . Isso p o rq u e ela precisa re p rim ir d e n tro de si to d íi■; as dú
vidas que se levantam secretam ente contra a elevação de a lgo p ro
v is ó rio à categoria de in co n dicio n a l.
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d o hom em com Deus gera mais personalidades independentes do
que a fé católica, que ensina a fu n çã o m ediadora da ig re ja entre
Deus e hom em . Por mais d ive rso s, p o ré m , que sejam os 1ipos de
fé , fé com o estar possuído p o r a q u ilo q u e nos toca in co n d icio n a l
m ente inclui o am or e d e te rm in a a ação. Fé é o p o der que baseia
ta n to o am or com o a ação.
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seja vida na com unhão; isso tam bém vale para o isolam ento e s o li
tude do místico e n q u a n to ele ainda fala a lin g u a g e m da c o m u n h ã o
de fé. E mais: não existe sim plesm ente com unhão algum a q u e não
fosse com unhão de fé. N a tu ra lm e n te existem g ru p o s quo so unem
d e v id o a interesses em com um e que perm anecem em u n iã o e n
q u a n to d u re o interesse. E há g ru p o s que com o fa m ília 1, e <I.i ■. têm
uma o rig e m natural e desaparecem algum dia p o r m o rle n a tu ra l
q u an d o se e xtin g u e m as suas condições de v id a . N enhum desses
dois tipos de associação é com o tal uma com unhão de té. ta n to faz
se um g ru p o surge de m aneira natural ou se ele se associa p o r
causa de um interesse: ele não deixa de ser um a ligação passageira.
A ligação se in te rro m p e q u a n d o desaparecem as bases m a te ria is ou
as condições b io lógica s de sua existência. Para uma com unhão de
fé essas condições não são decisivas; e xclu siva m e n te a forço v iv n
de sua fé é o fu n d a m e n to e c rité rio para sua duração. A q u ilo que
se baseia numa preocupação incondicional não está am eaçado p o r
nenhum a destruição através de preocupações provisórias ou p o r
fa lta de sucesso. A p ro va m ais a d m irá ve l para essa afirm ação ó .1
história dos judeus. Eles são na história da hum anidade .1 p ro v a
para o caráter ú ltim o e in co n dicio n a l da fé.
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só p od e acontecer num a com u n h ã o de fé sob a constante influência
d e seus sím bolos m íticos e cúlticos.
78
5. O Encontro e n tre C om unhões de Fé
(13) N. d o T.: "E n d e rw a rtu n g ": que espero a realizaçã o p le n a no fim dos te m p o s.
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Surge ig o ra a p e rg u n ta : O e n co n tro e n tre duas fo rm a s de fé
precisa le va r necessariam ente ou à to le râ n cia acrítica ou à in to le
rância sem a u to crítica ? Se fé é c o m p re e n d id a com o estar possuído
in c o n d ic io n a lm e n te , essa a lte rn a tiv a estará superada. O c rité rio de
toda fé é sua capacida d e de expressar a in c o n d ic io n a lid a d e d o in
co n d icio n a l. A a u tocrítica de to d a fo rm a de fé é uma conseqüência
d o re co nhecim en to da v a lid a d e lim ita d a dos sím bolos concretos em
q u e transparece essa fé .
80
aspiração e esperança da h u m a n id a d e em todos os tem oos e em
todos os lugares. Existe, p o ré m , som ente um a p o s s ib ilid a d e de a tin
g ir essa u n id ad e : a fé precisa ser d ife re n c ia d a das form as de e xp re s
são em que ela aparece. O cam inho para um a única fé que e n g lo b e
toda a terra é o cam inho dos profetas, que re je ita ra m a id o la tria e
p roclam aram o Deus que é realm ente Deus. Pode ser que nenhum a
fé conseguirá se expressar em um s ím b o lo u n ive rsa lm e n te v á lid o —
se bem que ta m b é m seja a esperança de toda g ra n d e re lig iã o criar
esse sím bolo g lo b a l, em q u e se pode expressar a fé da h u m a n id a d e .
Mas essa esperança só é ju stifica d a se um a re lig iã o está cônscia do
caráter cond icio n a d o de seus p ró p rio s sím bolos. Na "cru z d o C risto ''
o cristianism o tem um s ím b o lo que expressa o estar consciente de
sua p ró p ria c o n d icio n a lid a d e e que perm anece v á lid o m esm o se as
igrejas cristãs esquecerem o sentido desse s ím b o lo e a trib u íre m in-
c o n d icio n a lid a d e a form as específicas de fé . Dado a sua autocrítica
radical o cristianism o , d e n tre todas as re lig iõ e s , é a que apresenta
m a ior vocação para a u n iv e rs a lid a d e — isso e n q u a n to ele p e rm itir
que essa autocrítica prossiga atuando em sua p ró p ria vid a .
CO N CLU SÃO
81
p a ra ve lm e n te ligada com a natureza d o hom em , sendo p o r isso
necessária e u n iversal. Ela é o estar possuído in co n dicio n a lm e n te ,
e p o r isso ela não pode ser refutada nem pela ciência nem pela filo
sofia. Ela é possível, sim , até necessária em nosso te m p o . Ela tam bém
não pod e ser desva loriza d a pela distorção supersticiosa ou auto ritá ria
de seu se n tid o d e n tro ou fo ra das ig re ja s, das seitas ou de m o vi
m entos ide ológ icos. A fé se justifica a si mesma e d e fe n d e seu d i
re ito contra todos que a atacarem, p o rq u e ela só pode ser atacada
em nom e de uma outra fé. Este é o tr iu n fo da dinâm ica da fé: que
toda negação da fé já é expressão de fé.
EPÍLOGO *
(*) N. d o T.: Este e p ílo g o fo i tra d u z id o d e "D y n a m ic s o f F a ilh ", versão inglesa do
prese n te liv ro .
83
O u tro o b je tiv o dessa Série é te n ta r su p e ra r uma das p rin cip a is
doenças da h u m a n id a d e , ou seja, os e fe ito s da atom ização d o conhe
c im e n to p ro d u z id a p e lo esm agador acréscim o de fatos o rig in a d o s
pela ciência; esclarecer e s in te tiza r idéias através da fe rtiliz a ç ã o em
p ro fu n d id a d e das m entes; m ostrar a p a rtir d e d iversos e im portantes
p o n to s d e vista a correlação de id é ia s, fa to s e valores que estão
em constante interação; d e m o n s tra r o caráter, a fin id a d e , lógica e
o p e ra ção d e to d o o o rg a n is m o da re a lid a d e , m ostrando ao mesmo
te m p o o in te rre la c io n a m e n to dos processos da m ente humana e nos
in te rstício s do conh ecim e n to ; re v e la r a síntese in te rio r e a u n id ad e
o rg â n ica da p ró p ria vid a .
84
m e n to podem ser postos em conexão — a lg u ns já estão em con e xã o , —
com o uma g ra n d e rede, u m a g ra n d e rede d e pessoas, lig a n d o idéias
e sistem as de co n h e cim e n to , um a espécie de estrutura ra c io n a liz a d a ,
que é a cu ltu ra hum ana e a sociedade hum ana.
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ser sim ple sm ente expressões va ria d a s d e um processo fo rm a tiv o
u n ive rsa l. D estarte P erspectivas d o M u n d o espera m o stra r que, apesar
das tensões excepcionais d o presente p e río d o apo ca líp tico , tam bém
está em ação um m o v im e n to e xce p cion a l em d ireção a uma u n id a d e
com pensadora que não p ode o b lite ra r a fo rça m o ra l ú ltim a que
p e rv a d e o un iverso, aquela força mesm a d e que to d o esforço hu
m a no fin a lm e n te d epen de . Dessa m aneira nós podem os v ir a co m p re
e n d e r que existe um a in d e p e n d ê n cia d o crescim ento e s p iritu a l e
m e n tal q u e , mesm o c o n d ic io n a d o p o r circunstâncias, nunca é d e te r
m in a d o pelas circunstâncias. A ssim a g ra n d e p le to ra de conhecim en
to hum ano pode ser corre la cio n a d a com um a in tu içã o na natureza
da natureza hum ana, ao ser sin to n izad a com a am pla e p ro fu n d a
gam a d o pensam ento h u m a n o e da e x p e riê n c ia hum ana. Porque o
q u e fa lta não é o co nhe cim e n to da e s tru tu ra d o u n ive rso , mas uma
consciência da q u a lita tiv a s in g u la rid a d e da v id a hum ana.
3. A fonte da fé ...................................... ]q
4. Fé e dinâm ica ch> ungindo ..................................... 1 3
5. Fé e d ú v id a ...................................... 1 5
V. A V erdade da Fé ................ 5 q
1. Fé e razão ............................................................. 5 q
2. A verdade da fé e a v c rd a d n (.Innlfflcn ............... 5 3
Conclusão ............................................................... g]
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