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A Operação Limpeza

Professor: Marcus Pierre de Carvalho Baptista

TERESINA/PI, 2018
 As universidades se tornam alvos prioritários após a vitória em
64 – Acreditava-se que era um espaço de produção de propostas
revolucionárias e de recrutamento para as esquerdas.

 Desde os anos 1950 as universidades tornaram-se espaços


propícios para as ideias da esquerda, principalmente em função
do contexto internacional e nacional.

 O período que marca dos anos 1940 até 1960 as


universidades brasileiras sofrem profundas transformações. Não
apenas nas ideias propagadas, mas também a necessidade de
reformas em suas instituições. Se em 1945 havia 30 mil alunos
matriculados, em 1964 havia 142 mil.
 Dessa forma, os estudantes tornam-se um grupo social mais
visível e mas atuante na sociedade, principalmente nos centros
urbanos.

 Nesse contexto a UNE representa a principal entidade


estudantil com significativa influência no debate político durante
o governo de João Goulart, ao ponto de vários egressos do
movimento estudantil terem sido incorporados pelo governo,
além de algumas pautas defendidas pelos estudantes.

 Com algumas exceções, os estudantes e o movimento


estudantil encontrava-se fortemente ligado as ideias de
esquerda, com boa parte da liderança falando em revolução e
socialismo.
 E os professores? Quanto aos professores a situação era um
pouco diferente. As ideias de esquerda não encontravam tanta
receptividade e na academia o conservadorismo era forte,
chegando ao ponto de alguns docentes se identificarem com a
extrema direita. As faculdades de direito e medicina eram os
principais baluartes do conservadorismo.

 Existia docentes que compartilhavam dos ideais da esquerda,


alguns ligados ao PCB e também um pequeno grupo de
professores mais novos com 20 a 30 anos que se identificavam
com o movimento estudantil, muitos deles egressos deste.

 O grande ponto era: Antes de 1964 os docentes que se


identificavam com a esquerda eram uma minoria nos quadros
universitários. Esse quadro só iria mudar após o golpe.
 Considerando essa situação das universidades, principalmente
do perfil dos estudantes, não é de se estranhar o motivo destes
espaços terem sido tão visados pela repressão, ao ponto que
muitos militantes já estavam sob vigilância antes mesmo do
golpe.

 “Operação Limpeza” – Operation Clean-Up foi o nome utilizado


pelos agentes do Estado para afastar ou eliminar os inimigos que
acabavam de ser derrotados.

 Dados imprecisos em função de uma ausência de coordenação


nacional – 20 a 30 mil pessoas presas no momento do golpe –
Impossível precisar quantos eram professores e universitários.
Para o autor o número de estudantes deveria ser expressivo,
considerando a resistência em algumas faculdades (USP e
URGS), além da morte de dois estudantes secundaristas.
 Como a derrota ficou evidente abandonou-se qualquer
tentativa de resistência neste primeiro momento. Muitos
buscaram o asilo em embaixadas, outros fugiram pra casa de
parentes e amigos, enquanto tentavam se livrar de qualquer
coisa que os identificasse com o “comunismo”, a exemplo de
livros considerados subversivos.

 Segundo o autor houve um expurgo de livros nesse momento


inicial do golpe, afetando até mesmo as instituições públicas,
estoques de livrarias e editoras – Contradição com a proposta do
movimento (“revolucionários liberais”)

 Além da contradição presente no interior do próprio aparelho


estatal, outros setores sociais contribuíram para tentar moderar a
repressão, a exemplo do poder judiciário que conseguiu libertar
vários presos detidos de forma arbitrária.
 A violência contra intelectuais, estudantes, artistas e livros
gerou inúmeras denúncias em jornais como o Correio da Manhã
e Última Hora que logo retiraram seu apoio ao golpe e
perceberam o caráter autoritário do novo governo.

 Voltando a questão das prisões os registros não dão conta de


todos que foram presos, dando destaque apenas aos mais
conhecidos. Em São Paulo Florestan Fernandes, no Recife Paulo
Freire.

 As prisões normalmente eram delegacias, penitenciárias ou os


quartéis, mas em função do grande número de presos até
mesmo navios foram utilizados como prisões temporárias.

 Com a relação as prisões em 1964 a violência física foi


limitada, sendo mais intensa a violência psicológica.
 No decorrer de 1964 a maioria dos professores presos foram
liberados, respondendo a inquéritos em andamento. Poucos
permaneceram por mais tempo na cadeia, indo de 2 a 3 meses e
há apenas o registro de um professor que permaneceu até o
natal.

 Com relação aos estudantes a violência deflagrada pelo golpe


foi mais intensa, principalmente considerando a relação destes e
do movimento estudantil com as ideias da esquerda.

 O número de estudantes presos foi bem maior do que os


professores, sofreram intervenção direta em suas entidades, a
exemplo do incêndio no prédio da UNE e a dissolução de vários
diretórios estudantis. Vários estudantes foram expulsos das
universidades, outros abandonaram os estudos tentando fugir a
repressão e outros foram se dedicar a atividade política.
 Casos de expurgo que ficaram marcados foram os da
Faculdade Nacional de Filosofia da UB e do ITA.

 Além das prisões e dos alunos expulsos o novo regime também


invadiu os espaços universitários no momento do golpe,
interromperam aulas, rasgaram documentos, dentre outras
coisas. Caso marcante foi o ocorrido na UnB, ocupada pela
polícia militar e pelo Exército – Lembrando que o tratamento
dado a UnB foi em função a sua imagem pelos conservadores.

 As aulas também foram suspensas na maioria das


universidades ao longo do país e só após duas semanas foram
retomadas, já sob a tutela dos militares, em alguns casos com a
manutenção de soldados nas portas das faculdades.
 O retorno as aulas e a “normalização” não significava dizer que
o expurgo tinha acabado. Os novos ministros da Educação
nomeados pelos militares deixavam claro em seus discursos a
necessidade de limpar o comunismo deste setor, assim como
alguns reitores, como o da USP.

 Esta situação remete a outro ponto que também tornou-se um


fator comum no momento: o apoio de alguns setores acadêmicos
ao expurgo realizado.

 Ao mesmo tempo que a esquerda se frustrou com o golpe,


outros setores acadêmicos vão recebê-lo com entusiasmo e até
mesmo alívio. As disputas político-ideológicas eram intensas nos
meios acadêmicos. A exemplo de Recife com Gilberto Freyre
apoiando o golpe e se colocando contrário aos esquerdistas.
 Recife não foi a única e em outros centros universitários houve
quem apoiasse o golpe. O apoio ao golpe em certos espaços
acadêmicos foi tão eloquente que os colegiados aprovaram
moções de apoio a este.

 É preciso destacar que entre os que apoiaram o golpe muitos


não desejavam uma ditadura, apenas o afastamento ou fim de
um governo considerado muito esquerdista. Assim como muitos
eram a favor das reformas sociais propostas. Muitos dos mais
moderados que apoiaram o golpe vão retirar o apoio na medida
que o regime for se estendendo, embora existisse membros
universitários pertencentes a “extrema-direita” que manterão
este apoio.

 Muitas denúncias contra universitários de esquerda foram


feitas pelos próprios colegas, alunos ou professores.
 Nos arquivos puderam ser encontradas cartas assinadas por
membros diversos dos colegiados apontando aqueles
considerados comunistas ou subversivos.

 Em alguns casos o apoio foi ainda pior, visto que os


denunciantes chegaram a depor contra aqueles acusados. Essa
conjuntura marcou os espaços universitários nos anos iniciais do
regime militar, gerando um ambiente desconfortável e de
desconfiança.

 Deve-se lembrar que, embora o apoio ao novo governo fosse


derivado de motivação política e ideológica, há o caso de alguns
que viram ali uma oportunidade de fazer carreira e aproveitaram
a situação para adentrar nos espaços de poder. Professores que
antes do golpe dialogavam com a esquerda e após este
tornaram-se radicais de direita.
 As Intervenções nas reitorias

 Com relação as reitorias o afastamento de reitores e diretores


foi importante para a Operação Limpeza, considerando que
alguns se opuseram e colocaram obstáculos a esta. Afastá-los
facilitaria o processo de expurgo e limpeza das universidades.

 Seis casos de reitores afastados diretamente pelo regime


militar: UnB, UFPB, URGS, URRJ, Ufes, UFG. Também foram
afastados diretores de escolas e de faculdades. Houve casos
também de reitores que renunciaram em função da pressão
exercida, a exemplo do reitor da Universidade do Recife.

 O afastamento de reitores atingiu uma porcentagem


minoritária das universidades, considerando que existiam em
torno de 25 universidades públicas na época.
 Isto pode confirmar que o golpe foi bem recebido e que muitos
dos reitores eram confiáveis. Mas também demonstra a
preocupação dos militares mais moderados em legitimar seus
atos, preferindo negociar a criar um clima de violência excessiva.

 Mesmo nas universidades que os reitores e diretores foram


afastados tentou-se legitimar esse processo a partir dos meios
legais, recorrendo a LDB e ao Conselho Federal de Educação.

 Com os reitores afastados a ideia era de convocar os conselhos


universitários, definir possíveis nomes e levá-los ao presidente
para que este escolhesse os novos reitores.

 No entanto, é preciso lembrar que a repressão e sua


intensidade dependia também das conjunturas locais, do
prestígio e atitudes dos dirigentes locais e da atuação militar.
 O caso da UMG, por exemplo, e sua defesa pelos valores
liberais levou a derrocada da intervenção militar direta.

 A UnB, por sua vez, foi um dos casos mais singulares de


intervenção. Além de sua imagem como um perigoso foco de
subversão , Brasília neste momento ainda não tinha forças
sociais ou instituições tradicionais que pudessem frear a ação
militar. Tudo era vigiado, até mesmo o programa musical da
universidade.

 A partir de então, a UnB, assim como outras universidades e


seus reitores, mesmo aqueles empossados pelo regime, viverão
um dilema: Como administrar as instituições de modo a seguir a
nova linha de segurança nacional sem entrar em conflito com os
estudantes e sem alienar o corpo docente? Embora muitos
tenham apoiado a derrubada de Goulart, não significava dizer o
apoio a repressão no espaço universitário.
 A situação de tensão na UnB nos anos que se seguiram
levaram ao descortinar de um ato final: demissão em massa. Em
outubro de 1965 80% do corpo docente pediu demissão,
totalizando 223 professores.

 A URGS, a UPB, a URRJ, a UFG sofreram situações parecidas,


com intervenções diretas e amplos registros dos episódios.

 Voltando ao caso da UMG aqui a intervenção militar foi


frustrada. Houve algumas tentativas de intervenção, todas
frustradas, sendo que a mais marcante se deu em julho de 1964
quando diversos professores e estudantes foram afastados por
suspeita de serem subversivos. O reitor mobilizou o apoio de
diversos setores sociais para reverter a situação, colocando
notas em jornais, além de telegramas a autoridades. A defesa da
autonomia universitária a partir da defesa dos valores da
“revolução” garantiu a suspensão da intervenção dois dias após.
 O caso da UMG demonstra a complexidade e ambiguidades do
novo sistema de poder, às vezes colocando-se sensível a
propostas moderadoras e argumentos liberais. Além disso,
evitou-se colocar militares nos cargos universitários, dando
preferência a professores simpáticos ao regime ou docentes que
tivessem carreira militar.

 Não houve uma tentativa de militarizar as universidades e de


início tentou-se atribuir as próprias universidades o papel de
inquisição e produção dos expurgos.
 Procedimentos Inquisitoriais e Expurgo

 Inquéritos Policial-Militares (IPMs) tratava-se de um


procedimento da Justiça Militar utilizado nas instituições
militares. A partir de 1964 generaliza-se esse procedimento
também para a sociedade civil, investigando crimes políticos e
militares. Apenas em 1964 foram estabelecidos 760 IPMs.

 Criou-se a Comissão Geral de Investigações que serviu para


reunir os inquéritos de todas as regiões, visto que era impossível
investigar todos.

 Os IPMs serviam para fazer investigações e levá-las ao


judiciário, mas terminaram sendo utilizados por militares que
queriam radicalizar a repressão. Na prática não detinham de
poder legal para demitir ou condenar, mas podiam prender.
 A maioria dos IPMs não geraram consequências legais, ou seja,
condenações. Terminavam sendo mais um aborrecimento aos
investigados e causador de medo pela incerteza do que poderia
acontecer.

 Dezenas dos IPMs foram dedicados a professores e


estudantes, sendo que alguns foram dedicados integralmente a
instituições de ensino, como a UnB.

 No fim de 1964 a maioria teria sido encerrado e novos


processos só seriam abertos nos anos seguintes, principalmente
depois de 1968.

 Além dos IPMs, alunos e professores também foram


investigados pelas comissões de inquérito ou sindicância feitos
pelas instituições universitárias.
 Isto torna-se interessante por dois motivos: a impossibilidade
do aparato repressivo de dar conta desse trabalho em uma
escala nacional e também atribuir responsabilidade as chefias
intermediárias.

 Abria-se inquéritos investigativos não mais apenas por questão


de faltas cometidas ou por qualquer outro motivo, mas de
processos contra subversivos e corruptos. O próprio ministro da
educação ainda em abril baixou uma portaria sugerindo a
instauração desses inquéritos nas universidades. Lembrando que
cada instituição organizou os inquéritos a sua maneira. As
universidades reagiram de maneira heterogênea com relação a
essa demanda.

 O caso da USP: Reitor entusiasta do golpe. Perseguiram


comunistas e não comunistas gerando polêmicas no exterior.
 Ainda na USP o caso das demissões na Faculdade de Medicina
revelam que a perseguição não era apenas ideológica, mas
também político e social, segundo alguns dos perseguidos.

 Deve-se ressaltar que muitos foram absolvidos na justiça


militar e civil visto que, até então, professar ideias comunistas
não era crime e nem gerava condenação. O crime era se envolver
com militância revolucionária, ou seja, participar ativamente em
organizações que incentivavam a luta de classes.

 No caso dos inquéritos das instituições, no entanto, mesmo


após a absolvição judicial, muitas pessoas foram demitidas. Os
processos de expurgo no serviço público não possibilitavam a
defesa dos acusados já afastados ou demitidos sob a suspeita
de subversão.
 O caso da URGS foi similar a USP. O final do inquérito que não
levou em consideração a defesa resultou em: 10 aposentados e
4 demitidos.

 O caso da UMG, por sua vez, foi bastante diferenciado. O reitor,


assim como outros dirigentes universitários, assumiram uma
postura de resistência. Nomearam uma comissão que não tinha
uma real vontade de encontrar culpados. O relatório final não
apontou culpados.

 Outras universidades que vivenciaram essa conjuntura e que


tiveram professores demitidos ou aposentados foram:
Universidade do Recife, Universidade do Ceará, Universidade da
Paraíba, Universidade da Bahia, Universidade do Pará,
Universidade de Goiás, Universidade do Paraná e a Universidade
do Brasil.
 Deve-se lembrar que além do expurgo direto houve também o
indireto, ou seja, manter pressão para que o docente
abandonasse o emprego e assim fosse demitido. Ao mesmo
tempo que essa estratégia foi adotada pelos agentes do Estado,
os professores adotaram tática para tentar coibir a prática, a
exemplo da assinatura dos que viviam clandestinamente em atas
de reunião do colegiado provado a presença do docente.

 Em um balanço final é possível apontar um número


aproximado de 100 professores punidos, considerando os
demitidos e aposentados. Não foram contabilizados os que
abandonaram o emprego e, obviamente, muitos mais foram
investigados, mas conseguiram escapar a esse primeiro expurgo,
retornando, assim, as suas atividades.
 A “normalização” e o desafio estudantil

 Ao final de 1964 a sensação era de que a Operação Limpeza


chegava a seu fim. Os inquéritos reduziram e a maioria terminava
sendo arquivados. A única coisa que ainda permanecia era a
vigilância do paradeiro de algumas pessoas.

 Com a mudança do clima político alguns professores retornam


do exterior, outros construíram carreira no exílio e outros apenas
mudaram de cidade.

 Os anos que seguiram até 1968 aparentavam um futuro


menos sombrio com o governo de Costa e Silva prometendo o
diálogo e uma maior tolerância.
 Jovens vinculados a esquerda voltaram a assumir o comando
das principais entidades estudantis e a partir de 1965 começam
a fazer protestos e passeatas, intensificando-se em 1966.

 A UNE foi declarada ilegal ainda em 1964 e criou-se o Diretório


Nacional dos Estudantes que na prática serviria para despolitizar
os estudantes, visto que o DNE não permitia ações de caráter
político-partidário ou mesmo paralisações. O DNE fracassou e o
próprio governo que o criara terminou por dissolvê-lo em 1967
com uma nova lei, mantendo-se apenas os diretórios centrais de
estudantes e os diretórios acadêmicos como entidades
reconhecidas por lei.

 O governo militar não conseguiu impedir a influência dos


grupos radicais nos movimentos estudantis, muito menos de
garantir as lideranças que apoiava e que apoiaria o regime.
 Os estudantes foram um dos principais problemas do governo
militar, principalmente porque acreditavam que eram os docentes
que levavam os estudantes a radicalização, sendo que de acordo
com as fontes consultadas a esquerdização dos estudantes
ocorria independentemente da opinião docente e muitas vezes o
movimento era o inverso, ou seja, os estudantes levavam os
professores a defender ideias mais radicais.

 Dessa forma pode-se dizer que os estudantes universitários


passaram por uma significativa politização nos anos 1960,
tornando-se mais perceptível durante a repressão que acabou
fomentando a radicalização.

 Por fim, o que marca esse momento é justamente a dicotomia


presente entre a ação repressiva e as tentativas moderadoras,
fruto da cultura política brasileira.
 Essas tentativas conciliatórias provocavam medidas para
suavizar a repressão, além da integração de novos agentes
sociais que estivessem situados fora da zona de poder. Dessa
forma, o projeto de modernização das universidades também
terá como interesse acomodar os descontentes com a nova
conjuntura. Essa vai ser a forma encontrada pelo regime para
lidar com o desafio estudantil e também com parte da
intelectualidade.
REFERÊNCIA

MOTTA, Rodrigo Patto Sá. As universidades e o regime


militar: cultura política brasileira e modernização autoritária. Rio
de Janeiro: Zahar, 2014.
Muito Obrigado!

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