Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Peça Teatral Edipo-Rei PDF
Peça Teatral Edipo-Rei PDF
17
Entre a Razão e o Daímon
39
Édipo Rei
163
Mosaico Hermenêutico
183
Cronologia
37
Máscaras Teatrais
113
Máscara Dionisica de Bronze ÉDIPO REI:
161
UMA PECA DE TEATRO .
ÉJi[JO Rei na Cena Moderna Alemã
187
Cena de Édi/JO Rei no Teatro
Nacional Grl:gll
Quando se fala em tragédia grega, três peças ocorrem de pronto ao
espírito: Édipo Rei, Antígone e As Bacantes. Não que oUlTas obras deste
repertório clássico sejam menos relevantes. Mas, independentemente do que
se perdeu para sempre nos desastres das transmissões históricas deste acervo,
e foi a quase totalidade de uma vasta produção da qual sobraram apenas
trinta e um textos, o fato é que, mesmo as foi1tes antigas e os docum nt s
arqueológicos do teatro helênico apontam para a eminência destas p a"
inclusive em seu contexto original. E, mais especificamente, para lugar
privilegiado que a tragédia escrita por Sófocles gozava nos anfiteatros gr g s,
helenísticos e romanos.
A pergunta que ocorre imediatamente, pondo-se de lado as consi I ra
sobre os significados filosóficos, poéticos, sócio-políticos, antr I I ')glw, ,
psicanalíticos, relígiosos e históricos de Édipo Rei, os quais têm si I ohJ('1\I
do debate crítico e da hermenêutica literária especializada a longo d " 1\'
últimos dois milênios e meio, é o que torna esta dramatizaçã de U!ll 1111111
de circuns!:'incias e fatores realmente operantes e significativos. Mas, não em ato, é, aqui, no Brasil, considerá-Io sobretudo em português, quer dizer,
obstante isso, e ainda que sejam de enorme ou mesmo de vital importância em uma tradução e no que ela se mostra capaz não só de restituir, como de
para a compreensão e avaliação da obra-prima sofocliana, não se deveria vivificar, quando colocada nos lábios de um ator que se exprime nesta
omitir um elemento que, no caso, em se tratando de uma arte do drama e língua e que deve fazer falar o seu gesto, a sua linguagem representativa
de uma arte da cena, é integrante essencial da funcão dramática , mesmo neste mesmo idioma, sem perder a relação com a fala de origem, no caso
,
que por vezes permaneça ocultado na sua modéstia de simples articulador o grego.
operacional. E tal é justamente uma das preocupações fundamentais de Trajano
A referência é sem dúvida ao elemento que a moderna análise crítica Vieira na sua, pode-se afirmar com legitimidade, "transcriação" da peça de
Sófocles. À primeira vista verifica-se que um dos principais intentos de seu
designa por teatralidade. Sem ela, cabe pensar que nenhuma obra que
projeto tradutório e estético é grecizar concretamente, com todos os recursos
pretenda ser de teatro pode pisar por longo tempo o tablado. E, de fato, se
de uma poética moderna, a rearticulação vernacular de Édipo Rei. Mas não
se tomar sob este ângulo o ÉdijJO Rei, ver-se-á que uma de suas principais
somente isto, como dar pelo léxico utilizado às metáforas e a todos os
virtudes, não apenas enquanto lido como texto na intimidade de um leitor ,
provedores Iingüísticos e estilísticos do desempenho interpretante, a força
mas quando visto como espetáculo na comunhão de uma platéia, é a sua
imagística, mitica e dramática, que fazem deste verbo trágico uma
extrema eficácia cênica, a despeito da singeleza ou, às vezes, até de sua
representação de ação e uma ação representada. Os demais elementos,
carência de recursos mais elaborados na sua construção teatral. E a questâo
naturalmente, correm por conta do imaginário projetado e da interpretação
não se restringe à força ou ao brilho de seu verbo na exposição dialógica de
que o diretor e os atores, em conjunto com os demais criadores cênicos,
seu sujet, na figuração caracterizadora de suas personagens, na urdição
darão às matrizes que ai serão colhidas para definir o espetáculo. Mas é
dramatológica de seu enredo e na dialetizacão
, enunciadora de sua reflexão , certo que estas matrizes aqui se apresentam numa versão na qual não
embora estes fatores sejam necessariamente intrínsecos à sua qualidade apenas a gente sente como vê materializadas, por suas palavras, as fúrías e
teatral. Isto, ainda que muito pouco seja consumado efetivamente no palco,
a arte da tragédia grega.
,.
pois todos os atos de relevância decisiva cUJ'a realizacão tranca a rede fatídica ,
'onvertendo o sujeito da ação em seu objeto, são apresentados em forma
ele relatos. Mas a sucessão ininterrupta pela qual são vencidos os espaços
t mporais nos fatos narrados que motivam a atuação do protagonista, o
qual, na verdade, com exceção de um único momento, não sai de cena no
LI' urs de toda a ação, intensificando-a a cada novo acréscimo aos dados
ti· lia investigação até o desenlace final - esta sucessão constitui um
11m' 'dim nto que prende os olhos do espectador, não menos do que o
H'II l' I Irir , ao que o ator lhe narra com a sua interpretacão.' isto é , na
I1l1HIlllr11 I tlramática que um e outro fazem do texto, na cumplicidade
11 II \ dl\ \'lldHl1 ' da recepção no teatro.
ENTRE A RAZÃO E O DAÍMON
o oráculo
em De/fos
não fala
nem cala
assigna
uma potência divina em seu destino. De um lado, existe a tendência de parricídio nem o incesto - cometidos antes do início do drama -, milS 11
chegada do mensageiro coríntio. Enviado para comunicar a Édipo a morte Com vossa ajuda encerrarei meu périplo:
de Políbio, será o responsável pelo esclarecimento da identidade do rei onde se localiza °
paço de Édipo?
Eu vos indago se ele esL.'Ípor perto.
de Tebas. Podemos considerar esse personagem um emissário de Apoio.
Observe-se que ele entra em cena logo depois de Jocasta recolher-se no Aperto o passo atrás Jo rei. Sabeis
como é que eu faço até chegar ao paço?
sanruário apolíneo, onde roga pela lucidez do marido, atirude de certo
Acaso alguém dirá onde eu o acho?
modo contrária a manifestações anteriores da rainha, até então cética quanto
à ciência oracular. Pois bem, esse mensageiro, cujo aspecto cômico, até A passos largos venho atrás do rei.
Acaso alguém me diz como é que eu faço
onde chega meu conhecimento, só recentemente foi apontado?, assim se
para chegar ao paço? Onde eu o ach~?
expressa, recém-chegado a Tebas (924-6):
ouk oid'; ho dous ("não sei; quem deu"), profere o núncio, num. XI I' I (I
6. Loc. cit. em que o nome de Édipo volta a ecoar (oid'ho dous /Oidi/Jolts). R ,:1,ti' li
7. '~lntrigante, falastrão, opomll1ista, grosseiramente mentiroso desde que possa tirar que essa fórmula poderia ainda ser entendida diferentem nt : !to clOIlS CiO
algum proveito ... É antes um personagem da comédia que da tragédia, um rrickster...", de
:I ordo com Franco Maiullari, L'interpretazione anamorfica dell'Edipo Re, lstituti Editoriali e
PoliWIIAci!nrernazionali, Pisa-Roma, 1999, 24.
que deu"), pronunciado numa única sílaba, significa "caminhos" (/wdous).
Como fizera anteriormente, ao chegar a Tebas, o mensageiro reafirma nas
o "demon(aco" n;\o fornece explanação moral ou teológica do sofrimento ou da
crueldade das circunstâncias. Ele significa, como Reinhardt diz, a inclusão em si mes-
entrelinhas (ou entreletras) os descaminhos que desgovernam a vida de mo de algo estranho a si mesmo, um fudo interno que é personal.izado e em ce~to grau
Édipo: ouk oid'hodous ("não sei os caminhos")9. externalizado. É o darmon que dirige um homem em seu curso Ignorante, POI~ só os
deuses têm conhecimento da alétheia. O "demoníaco" é o modo de Sófoc.les deixar na
Para Knox, não há intervenção direta dos deuses na peça, estando
penumbra um elemento da experiência humana; a ca,tásrr?fe ~escende mesperada e
sua presença restrita ao âmbito da previsão oracular. Desse modo, ao inevitavelmente de algum lugar. Mas aparentemente nao ha razao moral para s~a ~e~-
cumprir o que fora previsto em Delfos, a frase de Protágoras, com a qual cida nem a natureza divina nem a humana é o agente deliberado. Seria pedante mSlstlr
o helenista caracteriza o perfil de Édipo - "o homem é a medida de todas na busca de precisão num reino que Sófocles deixa vago; "demonlaco" não representa
r [.
nenhum conceito filosófico ordenado no pensamento SOrOclano 12
.
as coisas" -, ganha sentido platônico no desfecho da peça: "a medida de
todas as coisas é deus"'o. Essa opinião poderia ser adotada sem restrição,
Esse comentário preserva o caráter enigmático da intervenção do
não fossem recorrentes no drama palavras como daímon, cuja conotação
daímon. Trata-se de um agente responsável pelo surgimento do inesperado
religiosa dificilmente pode ser apagada. O termo indica o controle limitado
no destino. Talvez se possa apenas acentuar sua natureza divina. Mesmo
de Édipo sobre o seu próprio destino, graças ao caráter enigmático da
que não se aceite de maneira absoluta o tom categórico da afirmação
ação divina, humanamente imprevisível. Um levantamento do uso de
segundo a qual "Daímon é a interpretação religiosa de Tykhe"IJ, deve~se
daímon na obra de Sófoc1es mostra sua importüncia no Édi/)o. O autor
ter em mente as numerosas vezes em que as duas palavras são relaClo-
emprega-a 5 vezes no Ájax, 3 na Anrígonc, 5 na Elcerra, 14 em Édipo em
nadas'4.
Colono, 12 no Édipo Rei, 7 no Filoeteres, 3 nas Traquínias.
No verso 816, Sófoc1es usa o composto ekhrhrodaímon, um hapax
legomenon: Édipo considera a hipótese de ter sido ele o assassino de Laio;
nesse caso, "que homem seria mais odiado pelos deuses" (ckhrhrodaímon)?
Pouco depois, repete a mesma idéia, atribuindo seu destino a um Ó~OH
daímonos ris, "um daímon cruel" (828), sobre cuja identidade os comentán
Não é fácil definir o sentido exato de daímon nessas tragédias. Se, por
costumam convergir: "O homem é reduzido a um receptáculo da lou ura
um lado, a palavra significa" divino", por outro, parece sugerir algo como
divina"'5; "Édipo, então, atribui a um poder sobre-humano cruel e ho til
"marca individual", particularmente depois de Heráclito _ com cujo
destino, que será muito pior do que aqUI'1o que e Ie Ja
" sa be "16 .
pensamento Sófocles tem tantas relações - ter escrito em seu conhecido
Cabe ainda citar, no que concerne à palavra daímon, uma I -111
aforismo: erhos anrhropo daímon, "caráter é para o homem daímon".
passagem, em que o coro apresenta Édipo, o seu daímon, como par:1diglllll
Kirkwood associa daímon à moira ("t1do") e à rykhe ("acaso"), registrando
a ocorrência de "uma qualidade pessoal no sentido de daímon; ela é
(parádeigma) humano (1189-95). Esse episódio - como quase tud nn p -~1\
concebida como um força ativa, condutora"!':
12. Idem, 285. I
13. Pierro Pucci, Oedipus and lhe Fabricalian af lhe Falher, Balrirnor' . I 1111 11 I
9. Cf. Simon Goldhill, neading Greek Tragcciy, Cambridgc, 1986. 218. 1992,146. II )
10. Of>. cito 184. 14. Ver E. R. DodJs, The Greeks and lhe /rrational, Berk -lcy, 19 I, SH (I ,
11. G. M. Kirkwood, A S(wly of SOI)/lOclcall /)rmlla, Ilh;Ica c Londres, 1996/, 204. lS. Jcan Rollack, L'Oecii/,e Roi de Saphoc!e, Lille, 1990, vol. 2, 511.
16. Winninuton-lnuram, So/)hoc!es - Ali intcr/nc(lIlioll, :lIllbl'idJ: -, 1\ BO, 1711.
- 1"111 sido ohjeto de diferentes coment<Írios, inclusive da parte de Martin destino, mas da "aparência", a qual niio se confunde com o falso, mas se
1I idegger, que o analisa na Introdução à Metafísica: apresenta como um modo de ser em cujo horizonte o homem vive a
precariedade do júbilo. Embora Reinhardt considere o movimento
Estirpe humana, temporal, uma vez que o "declinar" da aparência se confunde com o
o cômputo do teu viver é nulo. momento da revelação trágica, o fundamental em sua análise é apresentar
Alguém já recebeu de um demo um bem o daímon como elemento desencadeado r da tragédia, o agente que faz da
não limitado a aparecer (dokeín)
felicidade humana um acontecimento aparente. Não será difícil notar -
e a declinar (apoklinai)
depois de aparecer (dóksanr')? registro de passagem - o motivo pelo qual essa análise iria influenciar
És paradigma, Heidegger que, na Introdução à Metafísica, observa que o movimento entre
o teu demônio (daímolla) é paradigma, Édipo: "aparecer" e "declinar" confunde-se com a dinâmica do próprio Ser, que
mortais não participam do divino.
se oculta ao se tornar visível no ente e se revela no declinar da aparência19•
Chamo a atenção do leitor para outras duas passagens em que Sófocles
Jean Bollack assinala a importância do verbo apoklinai ("declinar"),
emprega o termo daímon. São versos que se destacam pela densidade formal,
que, relacionado freqüentemente ao movimento dos astros, indicaria aqui pela originalidade da imagem e pelo que esclarecem da própria noção de
o caráter cíclico da felicidade humana ou sua instabilidade. Acrescenta daímon. No primeiro trecho (1297-1303), o coro dirige-se a Édipo, pouco
ainda não haver conotação de ilusão subjetiva em dokein ("parecer"). A depois de ele cegar-se. Nas duas questões formuladas, empregam-se verbos
questão fundamental seria a do tempo, cuja fugacidade revelar-se-ia na de movimento: prosbaíno ("colocar o pé contra", "apoiar o pé em", "avançar
in ontornável dinâmica do "aparecer/declinar" da experiência de ple- para", "recair sobre", "come upon" naversão recente de Hugh Uoyd-Jones20)
nitude. A estabilidade desta, segundo Pindaro, só os deuses conheceriam. e pedáo ("saltar", "arrojar-se", "spring upon", segundo Lloyd-Jones, que
parecer, colocado em balança com o desaparecer, não faz tanto ver o traduz a preposição prós do grego pelo upon inglês, "sobre", sentido adotado
'il autêntico' sobre um fundo de ser quanto apresenta seu êxito e prestígio por editores da peça). O coro indaga sobre o responsável pelo cegúmento:
s bre um fundo de nada"!? Ao empregar o termo "inautêntico", Bollack "qual mania ("loucura") avançou sobre ti!", e reformula a questão a seguir,
:1lude criticamente à anúlise que Reinhardt e, a partir dele, Heidegger restringindo o campo de mania, cujo sentido v~ria, dependendo do deus por
fizeram da mesma passagem. Entretanto, não creio que o helenista francês ela responsável: "que daímon lançou-se sobre tua moira ("destino")
ti o devido peso à função de daímon no episódio, traduzindo-o por um dusdaímoni!" Esta última palavra é um adjetivo formado a partir de daímon,
in Ipreciso" destino", que de certo modo enfraquece sua função ativa. com o prefixo de valor negativo dus, que os tradutores, sem levar em conta
Na leitura de Reinhardt, daímon ocupa lugar centraP8. O fílólogo o belo jogo de palavras daímon/dusdaímoni, vertem por "miserável" (Lloyd-
:11 'mão observa que, no âmbito da experiência humana, "ser" e "aparência" Jones) ou "desafortunado" ("infortune", segundo Bollack21). Registro
( 1.1 cheia e doxa) são mesclados, "numa união que não é exterior nem
~ rmal, porém solicitada pelo daímon". Édipo não seria uma tragédia do
19. Ver Martin Heidegger, Introdução à Mera[ísica (trad. bras.), Rio de Janeiro, 1978,
133 s.
17. Op. cit., vaI. 3, 782. 20. Hugh L1oyd-Jones, Sophocles, Ajax-Electra.Oediplls Tyrannlls, Laeb, 1994.
18. Karl Reinhardt, So[ocle (trad. ir.), Genova, 1989, 111 s. 21. Op. cir. vaI. I, 283.
também a ocorrência nesse verso de outra expressão not<'Í.velpor seu caráter Apoio o fez, amigos, Apoio
me assina a sina má: pena apenas.
enfático, em que um superlativo é relacionado ao comparativo de supe-
rioridade de mégas ("grande''); meidzona makíston, "que daímon", retomo o
Cito a continuação da fala de Édipo 0331-35), que revela aspectos
verso literalmente, "saltou mais do que o máximo sobre teu destino (moiTa)
importantes da noção de daímon:
desafortunado (dusdaímoni)", ou, de acordo com a tradução que proponho:
Ninguém golpeou-me,
Que delírio, infeliz, te atropelou?
além de minhas mãos.
Que deus-demônio, de um só salto,
Ver - por quê? -,
transpassa uma distància máxima,
se só avisto amarga vista?
impondo os pés sobre ma moita demoníaca?
SACERDOTE:
Acorre ao teu altar, senhor de Tebas,
um grupo, cada qual com sua idade:
uns ímaturos para o vôo solo;
outros, arcados, são os sacerdotes
- como eu - de Zeus, além dos homens-moços. Com tua mão segura, apruma a urbe!
A multidão se prostra junto ao duplo Já nos trouxeste o bom pendor da sorte,
templo de Palas, ramo à testa, na ágora, nos augurando um bom agouro. Volta!
em torno às cinzas do apolíneo augúrio. Se te incumbe reinar, algo inconteste,
Naufraga a pólis - podes conferi-lo -j melhor reger a pólis que o deserto.
a cabeça, já é incapaz de erguê-Ia A torre sem ninguém é nada, a nave
por sobre o rubro vórtice salino: também é nada se há o vazio humano.
morre no solo - cálices de frutas;
morre no gado, morre na agonia ÉDIPO:
do aborto. O deus-que-porta-o-fogo esfola Meninos, ciente e não insciente estou
a pólis - praga amarga -, despovoando do afã que movimenta este cortejo.
as moradas cadméias. O Hades negro Eu reconheço o pan-sofrerj contudo,
se enriquece de lágrima e lamento. nenhum sofrente tem meu sofrimento:
Édipo igual a um deus? Nem eu nem os a cada um tão-somente a dor remonta,
meninos incorremos nesse equivocoj a ele e a mais ninguém. Meu peito aperta
um ás te reputamos nas questões pela pólis, por mim, por ti também.
da vida e no comércio com os deuses. Não me encontrais gozando a paz de Hipnos.
Recé)11-chegado a Tebas, nos poupaste Sabei que muita lágrima chorei,
do ônus que impôs a ríspida cantora, nas muitas vias do pensamento eu me
a Esfinge, mesmo à mingua de outros dados perdi, e um só remédio me ocorreu:
de nossa parte. Um nume - é voz unânime - a Delfos eu enviei Creon Menécioj
acompanhou-te ao nos furtar da morte. partiu o meu cunhado com o fito
Senhor supremo, ajuda agora, Édipo, de perguntar: a paz, como a devolvo
pois todos clamam, todos te suplicam a Tebas, com palavras ou com atos?
uma saída: acaso um deus, um homem Medir o dia de hoje com o metro
não disse como nos mantermos vivos? do tempo dói: a ausência de Creon
As deliberações de alguém vivido supera o combinado e o razoável.
resultam em ações mais efetivas. Com ele aqui, serei um homem vil,
Melhor entre os melhores, reergue a pólis! se me furtar a quanto o deus prescreva.
Melhor entre os melhores, lembra: sóter,
assim te chamam, nosso salvaJor. SACERDOTE:
Não fique do teu reino esta memória: Palavras oportunas, justo quando
para tombar de novo nos erguemos. assinalam que o enviado está de volta.
ÉDIPO: ÉDIPO:
Tykhe-Sóter, o acaso salvador Como nos depurarmos? Qual desgraça?
nos traga, Ó Apoio, Creon olhiesplendente!
CREON:
SACERDOTE: Caçar o réu, pagar com morte o morto:
Policoroa de louros e de frutas que escarcéu faz na pólis este sangue!
à fronte sinaliza boas notícias.
ÉDIPO:
ÉDIPO:
Quem teve o azar da sorte, o deus o indica?
De onde ele está, sua voz já é mensurável.
Filho de Meneceu, senhor, cunhado,
CREON:
qual dito numinoso a Tebas trazes?
Em tempos idos, Laio mandava aqui,
antes de começar o teu reinado.
CREON:
Um dito bom: se a adversidade acaso
ÉDIPO:
corrige o passo, em bem resulta o acaso.
Sei por ouvir dizer; jamais o vi.
ÉDIPO:
Atém-te ao tema, pois o teu dizer CREON:
nem tranqüiliza nem atemoriza. Assassinado. O deus profere claro:
punir - não importa quem! - os matadores.
CREON:
Posso falar na frente dessa gente ÉDIPO:
u, se preferes, no interior do paço. Oriundos de onde? Onde buscaremos
pegadas foscas de um delito antigo?
'; IPO:
(n ~ rma a todos! Sofro mais por eles
CREON:
do lU' I 01' minha própria vida! Fala!
Aqui, falou. Só se acha o que se caça;
o que negligenciamos nos escapa.
I' 111 li': li !'al qual ouvi do deus.
11'11\ (Ir 'unl uio, Foibos, pleniluz, ÉDIPO:
11\111 Ii li-nos 'xpulsar o miasma. Aqui No palácio, no campo, no estrangeiro,
i 11 11('\1, • 1\1\ d' r s r, se não ceifado. em que local eliminaram Laio?
44 Édipo Rei de Sáfocles I Édipo Rei 45
CREON: CREON:
Indagaria - nos disse - o deus em Dclfos A Esfinge, canto-enigma: o que estiver 130
e desde que partiu não retomou. 115 aos pés, olhar; deixar velado o opaco.
ÉDIPO: ÉDIPO:
Ninguém viu nada, núncio algum, factótum, Desato o nó de novo desde a origem.
que nos tivesse alguma utilidade? Louvo o apuro de Apoio e o teu apuro,
tomando a peito o caso pelo morto.
Também entro em combate por justiça, 135
I
CREON:
Morreram, menos um: fugiu de medo. vingando a um só tempo o deus e Tebas.
De certo nada disse, exceto um fato. Não ajo em nome de um remoto amigo,
mas por mim mesmo eu mesmo afasto a mácula:
quem pôs as mãos em Laio logo pode
I
ÉDIPO:
querer de mim vingar-se com seu golpe. 140
Diz qual fato! O um ser:í matriz do 111liltipl(), 12()
se tiver algo de Élpis, a Esperança. Socorro L-lio, colho bendícios.
Sem mais delonga, abandonai, meninos,
os altares, nas mãos os ramos súplices.
CREON:
I
Alguém reúna aqui o povo cádmio.
Agiu de assalto o bando marginal: 145
Neste afazer me empenho. Atue o nume
não uma só, mas muitas mãos o matam.
e recolhamos júbilo ou catástrofe.
ÉDIPO:
•
I
SACERDOTE:
E esse ladrão, se não o corrompessem
Meninos, já podemos retirarmo-nos,
com a prata, teria tamanha audácia? 125
pois nos moveu o apalavrar do rei.
ApoIo nos enviou a profecia:
CREON:
Também pensamos; mas, depois que Laio
I retorna, Sóter, e nos salva e cura! 150
I
ÉDIPO: o que nos vem de Delfos, toda-ouro,
Derruído o rei, que mal, travando o pé, à bela Tebas?
impede assim a solução do caso? Coração transido, o pavor
46 tJipa Hei J~ S,jfoclcs Édi!w l~d 47
sem dar à luz, esposas gritam dores. os dardos protetores. Com eles
mo aves, belas-asas, mais 175 cheguem as tachas flâmeas de Ártemis -
ágeis que o fogo indômito,
I
I consígo a deusa as leva aos montes lídos.
rodos, um a um, lançam-se às encostas Senhor da mitra áurea,
do deus crepuscular: epônimo de Tebas, 210
eu chamo Baco em chamas,
IIH'onl·:\veis. A pólis morre. rosto-vinho,
I!ort ndol'cs-de-Tânatos, tristíssimos, 180 Evoé quando evocado,
\111 IIIOI'IOS proliferam pelas ruas. ministro das Mênades,
Ali pl\ do IIlmr acorrem mães senis, com tacha ardente, contra
""1111111111, çl10rnm súpliccs 185 o deus que os deuses desestimam! 215
Édipo Rei 49
48 Édipo Rei de Sófocles
ÉDIPO: ÉDIPO:
Concordo. Mas humano algum consegue 280 Quem não treme na ação, palavras teme?
impor aos deuses o que não desejem.
CORO: CORO:
Pois faço uma segunda sugestão. Mas há quem o convença. Aqui já trazem
o divino profeta. Nele só
ÉDIPO:
se infunde o Desocultamento: Aléthcja.
E uma terceira. Não omitas nada!
CORO:
ÉDIPO:
A um magno o magno Foibos aguçou 300
Tirésias, pan-senhor tclúrio-urânico
a vista: obtém resposta mais certeira 285
do que se diz e cala no silêncio,
quem examina os fatos com Tirésias.
a pólis - cego embora, o tens na mente -
ÉDIPO: está doente. Mais ninguém, senhor,
Não descurei nem mesmo desse ponto: escudo, sóter, nos garante a sorte.
Apoio - não te disse o mensageiro? - 305
instado por Creon, enviei dois homens
ao seu encontro. O grande atraso intriga. aos núncios anunciou haver apenas
uma saída ao mal que nos aflige:
ORO: matar os homens que mataram Laio,
Rumor antigo surdo repercute. 290 ou acuá-Ios - que cortam para o exílio!
O que o pássaro augura não ocultes, 310
É IPO:
nem os auspícios de uma outra via.
u:11rumor? Examino toda hipótese.
A urbe e a ti depura, a mim depura,
depura-nos dos miasmas do cadáver.
O desdobrar-se ao máximo por outrem,
compensa com beleza o empenho humano. 315
1':1 II
)'Ivl diz·1'. uem presenciou, sumiu.
TIRÉSIAS:
Terrível o saber se ao sabedor
li o de pavor, é ineficaz. Embora ciente disso,
, n. abrá. 295 me descuidei: jamais teria vindo.
52 Éclipo Rei de Só/oeles Édipo I~ei 53
O que ocorreu? Por que chegas sem ;'\nimo? assim empedernido, irn;dutívcl?
TIRÉSIAS: TIRÉSIAS:
Deixa que eu volte. Cada qual sopese 320 O meu temperamento recriminas
o próprio fardo. Crê: ser;í melhor. por ignorares o que habita em ti.
ÉDIPO: ÉDIPO:
Renegas normas; desamor revelas Como posso manter-me calmo, se ouço
pelo país natal, com fala estéril. palavras que à cidade só desonram? 340
TIRÉ~IAS: TIRÉSIAS:
s sons que emites são inoportunos; Mesmo que eu silencie, os fatos falam.
não quero padecer da mesma sorte. 325
ÉDIPO:
ÉDIPO:
Sc algo sabes, não partas, pelos deuses!
I Um bom motivo para não calares.
I
ÉDIPO: a fúria: arquitetaste o assassinato,
~rá que entendo bem? Sabendo, calas? 330 melhor, o cometeste, embora com
Planejas nos trair, destruir a pólis? as mãos de um outro. Se pudesses ver,
diria ser obra de um autor somente.
TIRÉSIAS:
meu sofrer não quero, nem o teu.
Inúril prolongar teu qucstionürio. I TIRÉSIAS:
Verdade? Pois então assume os tcrmos
do tcu comunicado: dc hoje em diante,
350
f:I)IPO:
Seu miserável mor! Não falarás? I não fales mais comigo nem com outrem,
pois com teu miasma contaminas Tebas!
ÉOIPO: TIRÉSIAS:
despudor motiva tua arenga; Te uniu aos teus, inadvertidamente,
acaso crês fugir das conseqüências? _ direi - um elo torpe. O mal não vês.
TIRÉSIAS: ÉDIPO:
Sim, pois me nutre o vero, a própria Alétheia. Insistes nisso? Crês na impunidade?
TIRÉSIAS:
ÉOIPO:
Se houver no vero um mínimo de força.
E quem te instruiu, inepto para o augúrio?
ÉDIPO:
TIRÉSIAS:
E tem para os demais, a ti não tem,
Tu mesmo, ao pressionar a minha fala.
pois que és cego na mente, ouvido e vista.
';1 IPO:
TIRÉSIAS:
ual fala? Fala! Assim eu me e\ucido.
Triste; descarregar em outro injúrias
que o mundo em breve vai te proferir.
TIR.ESIAS:
N, compreendeste ou queres me testar? ÉOIPO:
Te nutre Nyks - a noite. És incapaz
CI IP de fazer mal a quem com luz convive.
Mint se digo ter certeza. Aclara!
TIRÉSIAS:
"IRÉ IAS: Não cabe à minha Moira sobre ti
A i rn ) que és o matador buscado. cair. Do fato Apoio cuida. E basta.
Úl II ÉDIPO:
I 1111.' V'Z S me insultaste. Pagas caro! Creon armou o ardil ou é obra tua?
TIRÉSIAS:
Teu mal provém de ti, não de Creon.
TIRÉSIAS: ÉDIPO:
És rei, mas nós nos igualamos nisto: Não poderia prever as tuas sandices;
nossas palavras pesam igualmente. por isso me apressei em te chamar.
TIRÉSIAS:
teu cenho nada pode contra mim:
Somos quem somos: te pareço tolo,
aquele cujo paradeiro indagas,
mas a teus pais alguém bem ponderado.
pela morte de Laia, aos quatro cantos
vociferando, bem aqui se encontra;
ÉDIPO:
tido e havido como homem forasteiro,
Quem? Espera! Quem são meus genitores?
irá se revelar tebano autêntico,
TIRÉSIAS: um triste fato. Cego -' embora ele hoje
O dia de hoje te expõe à luz e anula. veja -, mendigo (ex·rico), incerto em seu
cetro, em terra estrangeira adentrará.
ÉDIPO: E então nós o veremos pai e irmão
Falas de modo obscuro e por enigmas. dos próprios filhos; no que toca :1 m:ic,
dela será o marido; e quanto ao pai,
TIRÉSIAS: sócio no leito, além de seu algoz.
Não és o mestre das decifrações? No paço, pensa. A tIIa concllls:lo,
se for que eu minto, diz: falso lJ7'ofcw!
ÉDIPO:
Verás o meu valor no que me insultas. CORO:
A pedra délfica - profética -
TIRÉSIAS: increpa a quem de perpetrar
Provém tua perdição dessa ventura. com mãos de sangue
o indizível do indizivel? Urge
É IPO: que ele ponha os pés em fuga,
I ( LI me importa, se eu salvei a pólis. com mais vigor
do que os eqüinos turbinosos.
'111 E IAS:
Hoplita do relâmpago e do fogo,
PlI rn· r tiro. Vem me guiar, menino.
Apoio, filho de Zeus,
avança contra ele.
1':1)1 P :
No encalço vêm, terríveis,
III 'Ihol', p is, aos meus pés, me estorvas. as Fú rias im placáveis.
P'I 1(' II(WI' ) a paz com tlla ausência.
Desponta a voz e já lampeja
na neve do Parnaso: sigam
todos o rastro do homem ignoto,
Édipo nei 61
I
MJ I~clil)o nei de Só[ocles
,
que traz no pé a desgraça! CREON:
Quer se esquivar (inútil) Informam-me, senhores, de que o rei
do oráculo - ônfalo da Terra: 480 com termos duros me promove a réu.
'ste pervive circum-voando. Indigna-me esse fato: se ele pensa 515
que no difícil quadro do presente
s;lbio vate me desmonta, causei-lhe dano em ato ou em palavras,
lerrível. Aceitá-Io ou refutá-Io? não quero mais gozar a vida longa,
I\poria: dizer o quê? 485 opresso por rumores. Meu malogro
Nas asas da esperança, não vislumbro será tremendo a persistir o boato. 520
prcsente nem pretérito. Ouvir de quem é caro vi!!, ouvir
Ignoro o pomo da discórdia entre da pólis vi!!, me faz um mal enorme.
\) {i1ho de Polibio e os Labdácidas. 490
prol dos últimos, na questão
I
1~1l1 CORO:
d;\ .morte obscura, O insulto é fruto da explosãO de fúria,
l'U nada sei - agora ou no passado - antes que de um projeto arquitetado.
lJUC clesabone a fama de Édipo. 495
•
CREON:
I
nidos pelo tino, Apoio e Zeus Não dizem que o profeta se deixou 525
:onhecem o afazer humano. levar pelos meus planos e mentiu?
Enlre os mortais,
I
UITl vate conta mais do que eu? CORO:
I~ um juizo descabido. 500 Disseram; mas com qual intuito? Ignoro.
Pode em saber um superar o outro.
I
M;lS em acusador eu não me arvoro, CREON:
vnquanto tudo for mera suspeita. Mas havia retidão no olhar, no espírito
505
lILrOra a virgem- de quem Iançou o agravo contra mim.
. ?
-de-asas, a Esfinge, lançou-se
IIherTamente contra ele; CORO:
Não reparo na ação dos poderosos. 530
: ele foi sábio - todos vimos -
, a pólis o aprovou: era benquisto. 510 J Já vem do paço Édipo, em pessoa.
I~I IP ; CREON:
N: ) I osso acreditar! Personificas Concordo com tua justa afirmação;
11 I r pria afronta vindo ao meu palácio, mas podes me explicar que mal te fiz?
m:lnifesto urdidor de minh:l morte,
usurpador visivel do meu cetro! ÉDIPO:
I 'Ios deuses! Covarde ou insensato Me persuadiste - sim ou não? - da urgência
, . p:lreci, para que assim tramasses? de aqui trazer o vate S:lcross:lnto?
A 'havns que eu não notarin o dolo
. I ando ou, ciente, que eu não reagiria? CREON:
N:l é uma insensatez o teu ataque, Meu parecer, agora o ratifico.
s 'm o apoio da massa e dos amigos?
I':ssa tarefa exige prata e povo. ÉDIPO:
Pois bem; e Laio, há quanto tempo é que ...
JtE N:
. I osso sugerir, escuta a réplica CREON:
'lI! ' (a o ao teu discurso. Então, me julga! Que Laio fez o quê? Não te compreendo.
I~Ili ÉDIPO:
I~s h m de prosa, mas sou mau de ouvido: Que esvaneceu, golpeado mortalmente.
I' r 'v Inste um desafeto amargo.
CREON:
Só usando a macromedição de Cronos.
ÉDIPO:
O áugure praticava então o ofício?
CREON:
N: E, como agora, sábio e reputado.
s 'lU' a aud:\cia destituida de
) (" 1111\ 1 'm, incorres em equívoco. ÉDIPO:
Naquele tempo, mencionou meu nome?
li' ),
I 1111(', nJ(il d mal ontra um parente, CREON:
I I I, II \11 1'111 \ " II )tI' 's m equívoco. Nunca aludiu a ti na minha frente.
ÉDIPO: CREON:
A pólis não investigou o crime? Entre os dois, no reinado, há isonomia?
REON: ÉDIPO:
Nos empenhamos todos, sem sucesso. O que ela quis, jamais lhe foi negado.
ÉDIPO: CREON:
E como o sábio nada proferiu? Como terceiro, eu não me igualo aos dois?
REON: ÉDIPO:
Não sei. Me calo quando faltam dados. Eis onde te mostraste um mau amigo.
ÉDIPO:
I que te afeta, sabes. Leal, dirús? Não, se aceitas, como eu, raciocinar.
Examina primeiramente: quem
:REON: preferirá o comando e os seus temores
N;io me nego a informar-te do que sei. à paz do sono, se o poder é o mesmo?
Não sou do tipo que ambiciona o reino,
I~IIro:
quando me é dado igual a um rei viver.
'111 contigo tramar, o teu parceiro
Discordará de mim quem for sensato?
n;i me teria acusado de assassino.
De ti eu recebo tudo e nada temo;
chefe, teria de agir conforme os outros.
REON:
Ser dono do poder não é mais doce
" foi o que ele disse, tu o sabes.
do que o mando indolor e o seu prestígio.
ambém tenho direito de indagar.
Não me acho suficientemente louco
1:1 Iro: para abrir mão do belo e vantajoso.
Il'rgunta: não farás de mim um réu. Agrado a todos, todos me saúdam.
A mim recorrem, se de ti precisam,
I CON: pois tenho a chave do sucesso deles.
1\ is bem; tens como esposa minha irmã? Sonhar com outras regalias? Por quê?
Em má não se transmuda a mente lúcida.
1':1111'0: N:io SOll alllante desse pl'ns:\I11CnW,
N; o me é possível responder com não. nem agiria ao lado de um golpista.
66 tdipo Rei de Só{ocles Édipo Rei 67
CORO:
Sensato, não escorregou na fala;
pensar às pressas, rei, nos leva à queda.
I. CREON:
E se erras totalmente?
ÉDIPO:
ÉDIPO: I Terei o aval do trono.
Quando ágil um conspirador serpeia,
I
devemos decidir com rapidez. CREON:
Se me acomodo à calmaria, os planos 620 Não para o mau governo.
dele dão fruto e os meus tão-só me frustram. - ÉDIPO:
REON:
.. Pólis! Pólis!
CORO:
ÉDIPO:
Empenha o coração e a mente; e cede! Deixa-o partir, mesmo que eu me aniquile,
que prove, envilecido, à força o exílio.
ÉDIPO:
Da fala dele eu não me apiedo, mas
Em que devo ceder?
da tua. Onde ele vá, meu ódio o siga!
CORO:
Respeita um homem que jamais foi néscio; CREON:
Cedes e regurgitas ódio estígio.
seu juramento agora o engrandece.
A ira passa, virá o pesar. Quem tem EOIPO:
o teu perfil conhece o pior; é justo! Eis no que deu tuas nobres intenções!
Não olhaste por mim, me entorpeceste.
ÉDIPO:
Não vais partir? Deixar-me só? CORO:
Conforme eu disse, rei, mais de uma vez,
seria um desatino (e eu um sem tino)
CREON:
se abandonasse a quem de novo trouxe
Partirei.
à pátria, imersa em dor, a boa brisa.
Me ignoras, outros têm-me por igual.
Rei, mostra-nos de novo a via alvíssara!
ORO: JOCASTA:
Senhora, hesitas em levar Creon? Pelos deuses, explica-me, senhor:
qual fato provocoU em ti essa cólera?
JOCASTA:
Antes quero saber do caso. ÉDIPO:
Direi - ninguém merece tanto apreço -
o que planeja contra mim Creon.
equívoco da suspeição surgiu
das palavras. Também o injusto morde. JOCASTA:
Serás bem claro ao denunciar-me a rixa?
J ASTA:
Equívoco dos dois? ÉDIPO:
Creon afirma: eliminei a Laio.
]OCASTA:
Concluiu por si ou foi por outro instruído?
I
72 ÉJipo Rei de Sófocles
ÉDIPO: ÉDIPO:
Pergunta-me depois! Fala de Laio: 740
Cinese do pensar, errância psíquica:
tua voz ecoa em mim, subitamente. Qual seu aspecto físico? Que idade?
}OCASTA:
}OCASTA:
De porte grande, já com fios grisalhos,
Que afã te desgoverna enquanto falas?
os traços dele aos teus se assemelhavam .
.
ÉDIPO: ÉDIPO:
,
Tive a impressão de ouvir de ti que Laio Contra mim mesmo - creio - a maldição
;
tombou na tripla interseção de estradas. 730 ,. 74 "
acabo de lançar, sem o saber!
}OCASTA:
}OCASTA:
Essa é a versão que desde então perdura. I Como, senhor? Mirar-te o rosto assombra.
ÉDIPO: ÉDIPO:
o arúspice viu certo? - indago exânime. Como trazê-Ia aqui de volta, logo?
Confirmarias, clareando um ponto apenas.
]OCASTA:
]OCASTA: Não é difícil; mas com qual intuito?
Me abala o medo, mas direi, se o saiba.
ÉDIPO:
ÉDIPO: O meu temor, mulher, é ter falado
Viajava com escolta reduzida, em demasia. Por isso eu quero vê-Ia.
ou com a tropa, como cabe ao rei?
]OCASTA:
]OCASTA: Ele virá, senhor. Nem mesmo a mim
No total eram cinco, o núncio incluído; é dado conhecer o que te aflige?
o único carro transportava Laia.
ÉDIPO:
Nada te ocultarei, chegado ao ápice
ÉDIPO:
da expectativa. Ao deparar-me com
Dor! Dor! Tudo se faz diáfano! Esposa,
o azar da sorte, quem melhor me escuta?
quem vos passou a informação? Quem foi?
Políbio, nleu pai, era de Corinto; ,
minha mãe, Mérope, era dória. Máximo
]OCASTA:
na pólis - viam-me assim -, até que o Acaso
servo que sozinho se salvou.
impôs-me um caso digno de estupor,
mas, para mim, indigno de desvelo.
ÉDIPO:
Um homem ébrio, já muito alto, num
A asa ele se encontra agora em casa?
festim, chamou-me filho putativo.
ASTA: Muito abalado, a duras penas, eu
h mem, ab retornar a Tebas, quando me contive esse dia. Alvoreceu.
viu llle reinavas em lugar do morto, Interroguei meus pais. Sentindo o ultraje,
tO :ln 10 as minhas mãos, veio rogar-me: reagiram contra quem o pronunciara.
I 'i xass '-o ir ao pasto atrás do gado. Deixaram-me feliz, mas logo aquilo
n 'IH I ng dos demais, queria estar. voltou-me a atormentar, e sempre mais.
1:ll1h( r:1 s !'avo, não lhe negaria Fui em sigilo a Delfos, de onde - flâmeo -
111 I :I :11' ll1ai r. Dei meu sim. Partiu. Foibos, sem dar-me o prêmio da resposta,
illl' lil'spediu, mas, num lampejo, disse-me Manchei a tálamo do morto com
u que previa: miséria, dur, desastre. as mãos que o assassinaram. Vil, nasci?
Faria sexo com minha própria mãe, Sou todo-nódoa! O exilio se me impôs
gerando prolc horrivel de se ver; e, me exilando, os meus não mais rever,
seri:1 o algoz do meu progenitor. não mais pisar Corinto, sob o risco
de unir-me à minha mãe, matar meu pai,
uvi, fugi da pátria; mensurava
de quem nasci, com quem eu aprendi.
pelo estelário o quanto ela distava.
Erra quem julgue que um demônio cru
lIcria achar um canto onde não visse
sobre o meu ombro fez pesar o azar!
L1ll1prir-se a infâmia desse mau oráculo.
Não, magnitude imácula dos numes,
Em meu perambular, cheguei ao ponto
que eu não veja esse dia! Alheio ao mundo
'[1 que morreu, segundo afirmas, Laia.
prefiro estar, alguém já não-visivel,
crci veraz, mulher: quando eu estava
antes que sobre mim caia essa mácula.
p rto de onde os caminhos se trifurcam ,
'rllzei com um arauto; sobre o coche, CORO:
s 'neado, um homem qual o já citado. Nos angustiamos, rei, Mas a esperança
Vindo de encontro a mim, o auriga e o velho mantém, até que a testemunha chegue.
11)' 'mpurraram: devia dar passagem.
,01 'rico, esmurrei meu agressor ÉDIPO:
(\ auriga -, e o velho, vendo-me ladear Aguardar o pastor, somente e só;
() arro, à espreita, com chicotes duplos, é o que me resta de Élpis - a Esperança.
I' 'riu-me bem no meio da cabeça.
I :11:01lpreço maior: no mesmo instante, JOCASTA:
r' 'be um golpe do meu cetro. Rola Tão logo chegue, qual tua expectativa!
do carro, ao chão, decúbito dorsa!.
I~x '(utei o grupo. E, sc o estrangeiro ÉDIPO:
Explicarei: se com o teu relato
tiv r com Laio laços consangüíneos?
o dele coincidir, já não me aflijo.
I\lgll"m será mais infeliz do que eu,
:1 quem os Sempiternos mais execram!
JOCASTA:
I I' lil ido ao cidadão e ao forasteiro
O que eu falei de tão particular?
filial' amigo ou receber-mc em casa.
I~ dara a ordem: devem me expulsar! ÉDlPO:
1l1tra mim mesmo impus a maldição. Ladrões mataram Laio, ele afirmou,
tu o disseste. Se confirmar o número Delas o pai é o Olimpo, e só o Olimpo!
plural, concluo não ser o matndor, Nem as criou () homem perecível,
pois o um não pode ser igual a muitos. nem Lete - o oblivio - as aJormece.
Se mencionar um só viajante - um único -, Nelas, um megadeus nunca envelhece.
então a culpa incide sobre mim.
A desmedida gera a tirania.
]OCASTA: A desmedida -
JOCASTA: )O CASTA:
Ocorreu-me, senhores, acorrer Revela a nova! Vens de que cidade?
ao templo dos celestes, transportando
'a dádiva dos ramos, dos incensos. MENSAGEIRO:
Múltiplas dores hiperentorpecem Corinto. Ouvindo quanto eu comunico,
o ânimo do rei. Já não vê no novo terás prazer por certo e dor, talvez.
sinais do antigo, como um homem lúcido.
Cede a quem fala, se a fala é de horror. )OCASTA:
Por não frutificarem meus conselhos, O que é? Tem senso duplo o teu dizer.
rogo-te, Apoio, deus circunvizinho,
com dons votivos, trago minha súplica: MENSAGEIRO:
a solução sagrada propicia-nos! Segundo corre, os ístmios já se aprontam
Transtorno aterra a pólis toda quando para fazer do teu marido rei.
ao leme vê um piloto acabrunhado.
)OCASTA:
MENSAGEIRO:
O ancião Políbio não governa mais?
Ando no encalço de Édipo. Sabeis
dizer-me onde se encontra seu palácio?
MENSAGEIRO:
Indicai-me, estrangeiros, onde o acho!
Tânatos vela a sepultura dele.
CORO:
Ali se encontra o rei, em sua morada. )OCASTA:
. Sua esposa é aquela, a mãe dos filhos dele. E"stás dizendo que morreu Políbio?
82 Édipu Rei de Sófoeles
Édil>:' Rei 83
MENSAGEIRO:
MENSAGEIRO:
Que me atinja um raio, se propago o falso!
Um sopro fraco abate um corpo idoso.
]OCASTA:
ÉDIPO:
Fâmula, por que tardas a informar 945 Enfermidade então levou o velho.
o senhor? Profecias dos numes, como
ficais agora? Há muito o rei fugiu,
I-
MENSAGEIRO:
para evitar assassinar Políbio; Além da macromediçào de Cronos.
e hoje levou-o o fado c não seu golpe.
ÉDIPO:
I
ÉDIPO: Mulher, qual o sentido de observar
Minha cara ]ocasta, esposa amada, 950 o recinto profético de Píton, 965
por que trazer-me aqui fora do paço? as aves, como ulul'am céu acima?
Não me cabia matar meu próprio pai?
I
]OCASTA:
Agora sob a terra jaz; sequer
Ouve este mensageiro e considera
toquei em minha espada. A causa mortis
aonde o esplendor do oráculo nos leva. foi minha ausência? Então serei culpado. 970
Políbio tais oráculos consigo
I
ÉDIPO:
levou ao Hades, letra morta, nad'a.
Do que se trata, o que nos vem dizer?
]OCASTA:
]OCASTA:
Oriundo de Corinto, nos informa 955
I Não era o que eu há muito predizia?
EDIPO:
. Mas à mercê do medo eu me encontrava .
JOCASTA:
matou, moléstia ou foi compló? 960 r Fará sentido O padecer humano,
se u Acaso impera e a previsão é incerta! ÉDIPO:
Melhor viver ao léu, tal qual se pode. É lícito. Meu fado - Apoio dísse -
Não te amedronte o enlace com tua mãe , seria fazer amor com minha mãe,
pois muitos já dormiram com a mãe das mãos vertendo o sangue de meu pai.
em sonhos. Quem um fato assim iguala Eis o motivo pelo qual Corinto
a nada, faz sua vida bem mais fácil. virou lugar longínquo. Tive o bem
do acaso, mas rever meus pais, quem dera!
ÉDIPO:
MENSAGEIRO:
Nenhum reparo ao teu discurso, esposa,
O exílio decorreu desse pavor?
se a mãe que me gerou não mais vivesse.
Tua fala bela não me anula o medo.
ÉDIPO:
Quis evitar também matar meu pai.
]OCASTA:
A tumba do pai, olho enorme a guiar-te.
MENSAGEIRO:
Por que não pus um fim no teu temor,
ÉDIPO: se aqui cheguei com intenções honestas?
Enorme, eu sei. Mas ela vive e eu tcmu.
ÉDIPO:
MENSAGEIRO: De mim receberás um prêmio digno.
Mas qual mulher vos amedronta tanto!
MENSAGEIRO:
ÉDIPO: Pois vim principalmente para obter,
Mérope, velho, a esposa de Políbio. quando ao lar rctornares, uma dádiva.
(
MENSAGEIRO: ÉDIPO:
E o que ela tcm que vos atcmoriza! A mim jamais VCnlS no lar patcrno.
ÉDIPO: MENSAGEIRO:
Do deus provém um duro vaticínio. É claro, filho: ignoras quanto fazes.
MENSAGEIRO: ÉDIPO:
Como, ancião? Pelos numcs, dá-me um norte!
. É público ou dizê-lo não é lícito?
t,lilJO Rei 117
86 É.Ii{1iJ l\ei de Sú["c/es
MENSAGEIRO: ÉDIPO:
Se esse casal é a causa de tua fuga ... 1010 Por que Políbio me dizia: meu (i1ho?
ÉDIPO: MENSAGEIRO:
Eu temo a flâmea lucidez de Foibos. De mim - direi! - te recebeu: um dom. ! I
MENSAGEIRO: ÉDIPO:
Temes contrair o mias ma de teus pais. Por que tão grande amor se eu vim de um outro?
ÉDIPO: MENSAGEIRO:
Exatamente: é a sina que me assombra. Falta de um filho explica-lhe o querer.
MENSAGEIRO: ÉDIPO:
Fui dom comprado ou fui um dom do acaso? 1025
Pois não tcm fundamento o teu pavor.
ÉDIPO: MENSAGEIRO:
Mas como, se eles são meus genitores? 1015 Te achei no estreito escuro do Citero.
MENSAGEIRO: ÉDIPO:
Não tinhas parentesco com Políbio. Com qual escopo andavas por ali?
" IP : MENSAGEIRO:
, mo? Políbio não me deu a vida? Do rebanho montês me encarregava.
I'~III MENSAGEIRO:
Teu salvador - diria - àquela altura. 1030
oncluir: ninguém me fez?
ÉDIPO:
I h'llI vi, I' g I'( LI, ncm eu gerei. 1020 Quando me ergueste, eu tinha alguma dor?
MENSAGEIRO: ÉDIPO:
Teus pés dão, por si sos, um testemunho. Do rei que outrora governava Tebas?
ÉDIPO:
Por que recordas esse mal remoto?
ÉDIPO:
MENSAGEIRO:
Ele ainda vive? A minha idéia é vê-lo.
Livrei teus pés, furados nos extremos.
MENSAGEIRO:
ÉDIPO: Devem sabê-lo os homens da cidade.
Infâmia que me avilta desde o berço.
ÉDIPO:
MENSAGEIRO: Alguém presente pode me dizer
Fortuna assina no teu nome a sina. quem é o pastor por ele mencionado?
Ninguém o viu no campo ou na cidade?
ÉDIPO: Esta é a ocasião de esclarecermos tudo!
E quem me deu o nome? Pelos numes!
CORO:
MENSAGEIRO: Ouso opinar que esse homem e o pastor
Quem me fez a doação talvez o saiba. buscado são idêntica pessoa.
Melhor do que ninguém dirá Jocasta.
ÉDIPO:
A um outro coube o acaso de encontrar-me? ÉDIPO:
Esposa, quem há pouco procurávamos
é o mesmo que ele agora nos menciona?
MENSAGEIRO:
Te recebi das mãos de outro pastor.
JOCASTA:
Que te importa saber de quem se fala?
ÉDIPO: Esquece! É vão rememorar palavras.
Quem é? Tu podes identific;í-[o?
ÉDIPO:
MENSAGEIRO: Impossivel, com base em tais indicios,
Segundo consta, um servidor de Laio. deixar de elucidar a minha origem.
]OCASTA: em sua partida. Qual motivo? Eu temo
Pelos deuses! Se tem valor tua vida, que do silêncio dela irrom pa um mal.
imploro, pára! Basta o meu sofrer.
ÉDIPO:
ÉDIPO: Irrompa o que ela queira! A mim me obceca
Tem brio! Mesmo se eu for escravo ao triplo saber da minha origem, mesmo baixa.
- de mãe da mãe da mãe -, o mal é meu. Talvez o orgulho - um traço feminino -
explique o seu desprezo por meu berço.
]OCASTA: Filho dc Tykhe, assim me dcnomino!
Mas eu, contudo, insisto: encerra a busca! Me deste o bem, não ficarei sem honra,
Acaso-Tykhe-Mãc. Me demarcaram
ÉDIPO: os meses de nasccnça: grande c mínimo.
Só encerro quando tudo esclarecer. Nascido assim, não posso ser diverso,
deixando inexplorada a minha gênese.
]OCASTA:
Desejo-te o melhor, quando te falo. CORO:
Pelo Olimpo!
ÉDIPO: Se sou clarividente,
Há muito esse melhor só me angustia. alguém dotado de intuição certeira,
Citero,
J ASTA: ao plenilúnio de amanhã,
PlIdesses ignorar tua identidade! não mais serás espaço sem limites:
te exaltam - mãe, nutriz, a pátria de Édipo!
I~I Ir : Dançaremos em tua honra -
A1l(1I m me traz aqui o pastor ou não? de ti provém o júbilo do rei.
li' 'Ia s gabe de sua rica estirpe! Apoio,
senhor do grito lenitivo,
que te agrade a festa!
t rmo que melhor
II III 1(0 I\HI\, ngora e no porvir. Quem te gerou, menino?
Que ninfa sempreviva
acolheu Pã,
em trânsito nos píncaros?
;
.'! Édipo Rei 93
"
Que ninfa foi atrás do oblíquo Lóxias, SERVO:
a quem apraz o plaina das pastagens? Cresci no paço, um servo, não comprado.
A Hermes, senhor Cilênio, ou
ao deus do frenesi bacante, 1105 .\
ÉDIPO:
cuja morada é o pico das montanhas, I'" Qual afazer te garantia a vida?
uma das ninfas do Hélicon - seu par
no prazer - te ofertou, recém-achado? SERVO:
1125
Toquei por quase toda vida o gado.
CORO:
SERVO:
Tenho total certeza de que l; ele. , ocupava I'
Se l e quc. 7 Dc quem tu falas?
Pastor, mais que ninguém foi fiel a Laio.
ÉOIPO:
11 O
Daquele ali. Alguma vez o viste?
Corintio, eu quero ouvir primeiro a ti:
a ele te referias? SERVO:
Não me recordo assim abruptamente.
MENSAGEIRO:
MENSAGEIRO:
Aquele é quem tu vês. 1120
,",
Não me surpreendo, rei. Mas vou lembrá-Ia
ft do que afirma ignorar, pois é impossível
ÉDIPO: ,i ter apagado da memória os tempos
11 l',
Olhos nos olhos, velho, a quanto indague, do Citero. Eu tocava um só rebanho,
responde: pertenceste outrora a Laia? e ele, dois. Três períodos de convívio,
;1
J
da primav:era até surgir Areturo. ÉDIPO:
No inverno, eu recolhia a grei ao estábulo, Por bem não falas? F<llarás chorando!
enquanto ele abrigava os bois de Laia.
Confere ou não confere com os fatos? SERVO:
Invoco os numes: poupa um homem velho!
SERVO:
Muito passou, mas não alteras nada. ÉDIPO:
Por que a demora em lhe amarrar as mãos?
MENSAGEIRO:
Recordas que um menino então me deste, SERVO:
para eu dele cuidar, qual fora um filho? Tristeza! A que vem isso? Qual tua dúvida?
SERVO: ÉDIPO:
O que pretendes com toda essa história? O garoto em questão, a ele o entregaste?
MENSAGEIRO: SERVO:
Este senhor, meu caro, é aquela criança. Sim. Por que eu não morri naquela data?
SERVO: ÉDIPO:
Vai para o inferno! Cala tua matraca! Pois morrerás, calando o que não deves.
É IPO: SERVO:
Nil o censures, velho! Tua linguagem E se eu falar, há de vir pior morte.
111 r ce mais censura do que a dele.
ÉDIPO:
O velho, ao que parece, ganha tempo.
SERVO:
1':1 11
De modo algum. Não disse que eu o dei?
ti 11) I s b re a criança mencionada.
dli V : ÉDIPO:
l-I· IP)OIIl () IlI' diz, perde seu tempo. E qual a procedência do menino?
. ,
Édipo Rei 97
SERVO: ÉDIPO:
Não era meu; de alguém o recebi. Com que finalidade?
ÉDIPO: SERVO:
De alguém da pólis? Onde ele reside? Para dar cabo dele.
SERVO: ÉDIPO:
Pára de investigar, suplico, mestre! 1165 A própria mãe? Incrivel!
ÉDIPO: SERVO:
1175
És homem morto, se de novo indago. Temia um mau oráculo.
SERVO: ÉDIPO:
Pois bem; de alguém do círculo de Laio. Qual?
ÉDIPO: SERVO:
Nasceu escravo; é filho do palácio? Seria o matador dos pais - diziam.
SERVO: ÉDIPO:
Estou a ponto de falar o horror. Por que motivo então o deste ao velho?
ÉDIPO:
SERVO:
E eu de ouvi-Ia; mas é preciso ouvir. 1170 Me condoí. Pensei: ao seu país
de origem levará o menino. Para
SERVO: 1180
um mal maior, salvou-o. Se és quem ele
Filho do rei, diziam. Lá dentro está
diz, crê: nasceste para a desventura.
quem pode dar detalhes: tua mulher.
ÉDIPO: ÉDIPO:
Tristeza! Tudo agora transparece!
Foi ela quem te deu a criança?
Recebe, luz, meu derradeiro olhar!
De quem, com quem, a quem - sou triplo equívoco:
11 H
ao nascer, d esposar-me, .
assaSSlOar. I
CORO: Como o campo semeado pelo pai,
Estirpe humana, silenrc, tc acolhcu por t;lI1to tl'mpo?
o cômputo do teu viver é nulo.
Alguém já recebeu do demo um bem Malgrado teu,
não limitado a aparecer a pan-visão de Cronos te descobre:
e a declinar faz muito julga núpcias anti-núpcias -
depois de aparecer? o gcrar c () gcrado.
És paradigma, Filho dc Laio,
o teu demônio é paradigma, Édipo: jamais quisera ver-te!
mortais não participam do divino. Lamento sem limite:
d;l hoca S<ll'Il\-Il\C nêni;ls.
Com a hipérbolc do arco, Serei veraz: me deste alento,
lograste o plenifausto na escuridão mcus olhos adormeço.
do bom-demônio.
Por Zcus!
ARAUTO:
Tu abateste a Esfinge,
Magnos senhores! Cidadãos eméritos!
- a virgem de unhas curvas! -,
Sofre a visão, o ouvido sofre, sofre
om seu canto-vaticínio.
o coração de quem ainda mantém
Em prol da p;ítria cntão sc ergucu
com os Labdácidas sinceros laços.
uma torre contra Tânatos.
Purificar o paço do que oculta?
E houve o clamor (também clamei):
Nem o Danúbio - penso -, nem o Fásis.
Basileu!
Males virão à luz em breve, males
T' cou be a distinção extrema:
voluntários e não-involuntários.
r 'in:u em Tebas, a magnifica!
As piores dores são as auto-impostas.
I
ÉDIPO: que minhas mãos verteram. Recordais?
Não venhas com um tom profcssoral Os crimes cometidos junto a vós,
, cu os multipliqi:lci, chegando a Tebas.
diz~r-me o que é melhor, me dar conselhos. 1370
Com que olhos poderia encarar meu pai, Geraste-me, conúbio, e germinaste,
\1\(\',
além de minha mãe, descendo ao Hades? 1 semeando o mesmo sêmen. Revelaste
pais, irmãos, filhos - tribo homossangüinea -, ÉDIPO:
f, meas, mulheres-mães, o quanto houver Alívio! Não se cumpre o que eu previa -
de mais abominável entre os homens. ao pior dos homens o melhor acode.
que não é belo de dizer, não é belo Ouve-me; falarei em teu favor.
de fazer. Pelos deuses, me ocultai
alhures, logo. Me arrojai à cripta CREON:
talássea, onde jamais alguém me aviste. Por que todo esse empenho? O que pretendes?
Apavora-vos pôr as mãos num pária?
Temor improcedente: o mal é meu; ÉDIPO:
além de mim, não há quem o suporte. Manda-me embora logo desta terra,
aonde ninguém a mim dirija a voz.
ORO:
reon chegou e corres ponderá CREON:
Teria sido esse o meu procedimento,
ao teu anseio em atos e em conselhos:
não se devesse ouvir o deus primeiro.
nosso único guardião, em teu lugar.
ÉDIPO:
ÉDIPO:
Mas seu pronunciamento foi clarissimo:
Difícil encontrar o tom correto.
eliminar o parricida, o impuro.
ue lhe dizer, para legitimar-me,
s' outrora fui com ele atroz em tudo?
CREON:
Assim o disse, mas a situação
REON: é tal que dele espero a diretriz.
Nfi venho com intuito zombeteiro,
n m para reprovar-te o mal de outrora.
ÉDIPO:
s homens não merecem mais respeito, Por que sondá-Ia por um miserável?
:I (I li s-501, pan-nutridor, honrai
- s 'nhor-da-flama -, e não deixai a mácula CREON:
Ilssim xposta. A Terra-Gaia e mais Uma ocasião de crer no deus terias.
11 h\lva sacra e a luz recusam Édipo.
.nl ' 1 vá-I à sua morada rápido. ÉDIPO:
\lvl r v r o mal de alguém restringe-se E a ti ordeno e a ti exortarei:
(\ I·j Iivina - aos membros da família. enterra a que no paço jaz, cumprindo
tu mesmo, pelos teus, o que é devido. ÉDIPO:
E quanto a mim, enquanto eu viva, a pólis Te ajude o Acaso e o nume em teu caminho
pátria jamais me julgue digno dela. coloque o bem do acaso que eu não tive.
Que eu parta para o monte cujo nome Aproximai-vos, filhas - onde estais? -,
se liga a mim: Citero - meu sepulcro! -, tocai as mãos irmãs, as minhas mãos,
como meu pai e minha mãe queriam. que vos fizeram ver assim os olhos
O que em vida buscaram, tenham mortos! antes radiosos de quem vos gerou.
Sem nada perceber ou suspeitar,
Mas direi: nem me arruinará doenca,
onde eu fora semeado fiz-me pai.
nem outra causa. Antes, quase morto,
Choro por vós, pois não vos posso olhar,
se eu me salvei, foi para um mal terrivel.
pensando no amargor da vida que
Que a Moira me encaminhe ao meu destino!
o convívio com outros vos reserva.
Minha linhagem masculina não
A qual encontro ou festa não ireis
requer cuidados; homens, saberão
na pólis, sem voltar à casa aos prantos,
escapar à penúria, onde estiverem.
excluídas dos prazeres do espetáculo?
Já minhas filhas tão amesquinhadas,
E quando vier a época das núpcias,
que à minha mesa sempre se sentavam
quem se apresentará, quem correrá
perto de mim, comigo degustando
o risco de também sofrer injúria,
tudo o que me servissem no repasto,
desastre de meus pais, de minhas filhas?
precisam de atenção. Deixa eu tocá-Ias,
Falta algum mal? Ao pai o pai das duas
deixa com ambas lamentar a dor.
assassinou, semeou o campo em que
Senhor! Atende-me, fora ele mesmo fecundado. De onde
nobre nato! Se minhas ll1:ios as tocam, ele próprio nasceu, gerou as filhas.
será como antes, quando ao lado as via. Acumulam-se injúrias. Quem vos quer?
Deliro? Ninguém se comprometerá. Espera-vos
Escuto as duas se desmanchando em lágrimas? um declinar estéril, sem noivado.
Creon condoeu-se e conduziu aqui Creon Menécio, a paternidade de ambas
meu bem de mais valor, as minhas filhas? cabe somente a ti: o par que as pôs
Será possível? no mundo é morto. Impede que sobrinhas
andem ao léu, à míngua, sem marido.
CREON: Não as rebaixes ao meu nível mau.
Tomei a providência eu mesmo, certo Tem pena! Vê: na flor da idade e falta-
de propiciar a ti o prazer antigo. lhes tudo, salvo o que de ti provier.
Vai! PonJo a mão em mim, senhor, diz sim. ÉDIPO:
Maduras no pensar, escutaríeis Consentes?
mil conselhos. Rogai, por mim, aos deuses!
Vívei, seja qual for a circunstância. CREON:
Colhei de Bios o que eu não conheci. Não falo em vão o que eu não penso.
CREON: ÉDIPO:
Põe fim ao teu lamento e volta ao paço! Leva-me embora já!
ÉDIPO: CREON:
Se não tenho outra escolha, volto. Vai, mas tuas filhas ficam.
CREON: ÉDIPO:
Tudo no tempo certo é belo. Privar-me delas? Não!
ÉDIPO: CREON:
Mas, sabe, condiciono a volta. Não queiras podet tudo!
Do poder não ficou rastro em tua vida.
CREON:
CORO:
Saberei, se o disseres.
Olhai O grão-senhor, tebanos, Édipo,
decifrador do enigma insigne. Teve
ÉDIPO:
o bem do Acaso - Tykhe -, e o olhar de inveja
Me expulsa do país.
de todos. Sofre à vaga do desastre.
Atento ao dia final, homem nenhum
REON:
afirme: eu sou feliz!, até transpor
r 'd s um dom divino. - sem nunca ter sofrido - o umbral da morte.
"',Q ,ÉKVa, Kábl-l0u -roO nóÀm vÉcx ,po<p~,
,(vcxe; noS' ~ópcxe; ,áobE 1101 SOÓl.;HE
lKTIJP(OIe; KÀábolOIV tÇW'EI-lI-lÉVOI;
n6Àle; b' 0lloÜ !-lEV SU[.llcx!-lá'Ú>v YÉI-lEI.
01-l00 bE. nmóvú>v ,E Kcxl o,EvcxYlló,ú>v·.
áyw blKmwv Il~ ncxp' Ó:YYÉÀÚ>V,,ÉKva,
áÀÀ<iJV áKOÚEIV cxu,àe; é:)o' nTjÀUscx,
o nâOl KÀEIVàe; Olõ(nouç KcxÀoúflevoÇ.
áÀÀ', Q yepmE., <ppóç, tnEi npÉnú>v g<Puç
npà ,wvoe <pÚ>VElV,,[VI ,póm~ KCXSÉO'rCX,E,
~ o-rÉpf,CXV1"Ee;;we; SÉÀOV1"Oe;â:v
ÓElOCXV1"E<;,
EI-l00 npoocxpKElV nâv' óuoáÀ Y1l1"Oe;yàp â:v
ElllV 1"OlÓVÓEIl~ Ka-rOIK,(Pú>V ~opCXV.