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METODOLOGIA

JURÍDICA
METODOLOGIA JURÍDICA
Êenfro Universitário Bíifer dos Reis
BIBUOTESÂ
N° de Registro:.

Data de Entrada: J.S). J»âüS«íÉ™.


FRIEDRICH KARL VON SAVIGNY

Metodologia Jurídica

Tradução
HEBE A . M . CALETTI MARENCO
Copyright by Friedrich Karl von Savigny

Tradução para o português


Hebe A. M. Caletu Matenco

Adequação lingüística
Regina Célia de Carvalho Paschoal Lima

Projeto Editorial
Katia Verginia Pansani SUMÁRIO

Copiclesaue e Capa
Ana Teresa Murgel de Castro Santos

Catalogação na fonte do Departamento Nacional do Livro PREFÁCIO ix


INTRODUÇÃO .-. xv
S267m

Savigny, Friedrich Karl von, 1779-1861.


Metodologia jurídica / Friedrich Karl von Savigny;
tradução do alemão para o espanhol J. J. Santa-Pinter,
tradução para o português Hebe A- M. Caletti Marenco; Primeira Parte
adequação lingüística Regina Célia de Carvalho Paschoal APRESENTAÇÃO DAS NORMAS DE ELABORAÇÃO
Lima. - Campinas, SP : Edicamp, 2001. ABSOLUTA DA CIÊNCIA DO DIREITO

112 pp.; 11,5x21 cm.

ISBN 85-88513-06-4 Elaboração filológica da jurisprudência 8


Conceito e tarefa da interpretação 8
1. Direito - Metodologia. 2. Pesquisa jurídica -
Princípios fundamentais p a r a a interpretação
Metodologia. I. Título.
e m geral 15
CDD 340.1 História da interpretação 22
Glosadores 22
Comentadores . 22
Humanistas franceses 23
[2004] . Holandeses 24
Todos os direitos desta tradução reservados à
Escola alemã 25
edicamp - Editora e Distribuidora Campinas
Rua Presidente Wenceslau, 141 - J d . Flamboyant Elaboração histórica da jurisprudência .... 28
13090-510 - Campinas - São Paulo - Brasil ,
Vinculação histórica 29
Tcls.: 19 3295.1229 / 3254.7384 Fax: 19 3252.7699
www.edicamp.com.br Separação histórica 30
editora@edicamp.com.br Erro dospenalistas 31
Erro dos civilistas 31
A jurisprudência como ciência auxiliar para O estudo da jurisprudência segundo o estado
outras ciências 33 atual das universidades 89
A política 33 Os meios auxiliares 90
A história '.. 33 Estudo dasfontes : 90
Utilização imediata das dissertações acadêmicas.... 91
Elaboração sistemática da jurisprudência.... 34
Críticas dos intentos realizados até o presen-
te v 34
Primeiro caso — desenvolvimento dos concei-
tos 37
Segundo caso — ordenamento dos princípios do
direito 39
Da interpretatio extensiva e restritiva 40
Aplicação desta crítica geral da interpretação ex-
tensiva e restritiva à crítica de escritos pe-
nais particulares 51
Influência da filosofia na jurisprudência 53

Segunda Parte
METODOLOGIA DO ESTUDO LITERÁRIO
DA JURISPRUDÊNCIA

Observações preliminares a respeito da leitura


crítica e histórica 57
Aplicação das regras indicadas em partes espe- .
ciais do estudo jurídico 60
Indicação detalhada de uma biblioteca jurí-
dica 64
Direito civil 65
Direito penal 78

Terceira Parte
METODOLOGIA DO ESTUDO
ACADÊMICO DO JURÍDICO

Plano do curso jurídico acadêmico 88


PREFÁCIO

A hermenêutica é tida, nos dias atuais,


como técnica da interpretação. Ao intérprete cria-
tivo, não basta a abstração normativa, todavia fa^-se
necessária a fecundidade hermenêutica, que conduzirá
invevitavelmente à concretização prática do Direito (Pau-
lo Lopo Saraiva). I
Aristóteles ensinava que as palavras são
sinais das afeições da alma, que são as mesmas para
todos e constituem as imagens dos objetos que são idênti-
cos para todof.
Boécio compreendia como interpretação
qualquer iermo que significa alguma coisa por si mesmo.
Por muito tempo, pensou-se que o pro-
cesso interpretativo emanava da alma ou da men-
te. Peirce, apesar do ranço da antiga doutrina,
conseguiu perceber que esse processo não era
fruto, puro e simples, da mente humana, mas
um hábito de ação: é a resposta que o intérpre-
te; habitualmente, oferece ao signo {teoria da
semiótica de Morris).
Friedãch Karl von Savigny (1779-1861),
na Alemanha, notava que a lei, antes de ser uma
criação arbitrária do legislador, resultado de sua
ix
razão, deveria refletir o desenvolvimento histó- servir o homem e não para escravizá-lo (Tomás
rico do povo, porque, na medida em que as con- de Aquino in Rodrigo Andreotti Musetti).
dições da vida social se alteram, deve a lei se Não se deve resumir, a interpretação, à
adaptar às novas condições. Esclarecia, ainda, que expressão perversa utilizada até os nossos dias:
se quiséssemos saber qual o sujeito por quem e "Encontrai alguma brecha" ou "Feita a lei, cui-
para quem era elaborado o direito posto, perce- dada a malícia", pois que a norma não é perfeita
beríamos que era o povo (Giorgio Balladore e sempre permitirá alguma interpretação funes-
Pallieri e José Tavares in http://www.dji.com.br/ ta, a fim de privilegiar alguns poucos e esquecer
dicionário/escola_ historica_do_direito.htm. de outros tantos, isto enquanto existir a pré-dis-
Pelos idos de 1814, Savigny preocupa- posição ao egoísmo.
va-se com o significado literal da lei: interpretar Cabe à: pessoa humana, que possui o
era determinar o sentido expresso na norma. É poder de dizer'o conteúdo legal ao caso concre-
assim que, em MetodologiaJurídica, fruto de- aula to, dar manutenção do bem repudiado e não
ministrada cujo objetivo foi o simples registro conceder a satisfação de grupos ou de interes-
de suas palavras, Savigny firma quatro técnicas ses individuais de alguns tantos descompromis-
de interpretação ainda hoje respeitadas: sados com o sentido de justiça ou mesmo com
I o sentido do bem comum.
a) a.gramatical; Já é velho o discurso de que boa é a lei,
b) a lógica; quando executada com retidão. Isto é: boa será, em ha-
c) a sistemática; e, vendo no executor a virtude, que no legislador não ha-
d) a histórica. via. Porque só a moderação, a inteireza e a eqüidade, no
aplicar das más leis, as poderiam, em certa medida
Vinte e cinco anos depois, Savigny, ro- escoimar de impureza, dureza e maldade, que encerra-
manista, civilista, afirmava ser puramente histó- ram (Rui Barbosa).
rica a função da hermenêutica jurídica e acabou Porém, mais do qüe responsabilizar o
ignorando a significativa necessidade do liame magistrado, pela aplicação da norma, faz-se ne-
entre passado e presente, como escreve Rodrigo cessária uma conscientização de que o Direito
Andreotti Musetti in http://www.direito.adv.br/ não é uma arma de manipulação social, política
artigos/Herm.Jur.Ambiental.htm. ou econômica, mas uma fonte de harmonização
Para que a justiça seja possível, é neces- da convivência humana. Sem esta diretriz, con-
sário mais que a técnica simples do ato de inter- tinuará nosso judiciário sendo conduzido ao caos
pretar, mas a consciência de que interpretar é , e a descrença do poder será inevitável, como já
um ato de serviço, pois a lei deve existir para vem se acentuando desde as fortes críticas nos
X . , , • xi
idos que antecederam a revolução de 1964 até Shylock, de uma libra de carne que do seu cor-
os nossos dias. po será cortada onde, à época, escolher o malé-
Não há como suportar uma justiça atra- fico credor.
sada, é preciso trabalhar por uma justiça preven- O infeliz Antônio é coberto por tristes
tiva e isso é um processo que deve ser implanta- acontecimentos, posto que suas embarcações
do, administrado e efetivado por anos incansá- naufragaram e toda sua riqueza estava ali depo-
veis. Utopia ou não, é só desta maneira, a meu sitada, perdida, então, nas profundezas dos ocea-
ver, que nos aproximaremos da verdadeira de- nos. Pobre Antônio! Tornou-se a presa perfeita
mocracia e justiça social. de Shylock, pois que, apesar dos inúmeros pe-
Nesse sentido não poderia existir melhor didos, do próprio devedor e de outras persona-
caminho à reflexão senão uma das mais absor- gens importantes da política romana, não pode
ventes tragicomédias do século XVII: 0 Merca- ser resgatada a letra impertinente que ululava nas
dor de Veneza, mãos do judeu pronta para ser cumprida à ris-
Além da intrigante capacidade de captar ca. Nada o impedia da sua vingança nem tam-
as mais diversas manifestações da psique huma- pouco o montante da dívida multiplicado. Que-
na, Shakespeare faz uma crítica à lei e os mean- ria o pedaço de carne prometido e haveria de
dros que ela permite pela sua própria natureza obtê-lo, em nome da justiça!
imperfeita. Shylock reclamava, ao doge, a aplicação
Uma trama em que Shylock e Antônio da lei, a pena justa cominada na letra vencida.
travam uma disputa de dignidade e vida. Shylock, Muitos amigos pleiteavam à favor da
o rico judeu, de natureza avara e rancorosa, verdadeira justiça, suplicavam para que a lei, uma
espelha a imbecilidade, e desenha a trajetória a única vez, ao menos, fosse torcida em seu senti-
que estes sentimentos podem conduzir o ho- do pelo doge. Afinal, conceder-se-ia uma injus-
mem; fechados os olhos à dignidade, usufruin- tiça pequena em troca de uma grande justiça.
do da lei e de tudo o que está à mãó, de forma á (Como se a justiça-assim pudesse ser medida!)
satisfazer seus próprios desejos. Nada poderia impedir aquele absurdo,
Antônio é o bom mercador, enlaçado, e haja vista que realizar tal concessão significaria
ameaçado legalmente de morte, embora num ato a completa desordem social. Um precedente des-
de profunda üegitimidade. ta natureza serviria para estabelecer a mais pro-
Num acordo imprudente, Antônio assu- funda insegurança no próprio sistema.
me por meio de uma letra, uma dívida em que Diante de tanta aflição, o doge conce-
declara que, em determinado dia e lugar, se a deu o cumprimento da lei: que fosse retirado do
•importância não for paga, ele dará direito, a mercador "uma libra de carne", apenas, e ne-
xii xiii
nhuma gota de sangue sequer! Conforme dis-
punha o texto constante da letra e que aquela
Corte fazia cumprir. ' • • '
Mas como cortar a carne sem verter o .
sangue? Como cortá-la na justa medida de uma
libra?
INTRODUÇÃO
Sem pretensão de uma análise literária
ou filosófica, clamamos somente pela simplici-
dade. Não há razão para dificultar palavras ou
sentidos; há, sim, apenas o bom senso e o an-
seio de que se cumpra o que se propôs a fazer:
a justiça.
Uma vez que o êxito dos trabalhos eru-
A lei não pretende ser perfeita, ela espe-
ditos não depende somente do talento, isto é,
ra apenas ser cumprida por homens imperfei-
do grau da força espiritual do indivíduo, nem
tos, mas dispostos a realizar o justo, à favor da boa
da aplicação, ou seja, de certo uso dessa força,
convivência, hoje e amanhã, em sociedade. E, •
deve existir também um terceiro fator do qual
como já se afirmou, melhor que esperar uma
dependa .em grande medida o método, a dire-
justa interpretação é prevenir a doença da
ção de. tal força. Cada um tem um método, mas
incompreensão e da intolerância.
em poucos tem-se tornado uma consciência e
As leis não criam um clima. O Direito efetivo
um sistema. Porém, o método é elevado a siste-
ê uma resultante concreta da moral (José Itigenieros
ma pelo fato de que uma ciência é estruturada
in 0 Homem Medíocre).
em coriformidade com as leis inerentes à sua
natureza ou em conformidade com um ideal
desta. Só a contemplação dela nos conduzirá a
Campinas (SP), 13.11.2001
um método correto. Como podemos, então, atin-
A Editora
gir o ideal de uma ciência? Um meio auxiliar ge-
ral é a história da literatura, pois dela surge o
estudo literário, e com isso, um método geral e
um juízo sobre o indivíduo particular. Se consi-
derarmos, por exemplo, a carreira científica de
um jurista, conheceremos o seu método e, por
conseguinte, provavelmente um método possí-
XV
vel. Se compararmos este com a ciência, pode- Como deve, então, ser elaborada a ciên-
remos julgar também o método dele. A história cia do Direito? Pode-se pensar em:
da literatura sempre nos leva, então, a um méto-
do e seu julgamento. • uma elaboração absoluta não volta-
Porém, também podemos e devemos da ao eventual meio auxiliar da lite-
pensar em escolas e períodos de cada ciência. • • ratura, um sistema puro como fun-
Disto resultará um método geral de todos os damento; e
eruditos de uma determinada época. Devemos • • voltada a ditos meios auxiliares.
elaborar esses períodos também do ponto de
vista da história da literatura. Por meio de mui- As normas de uma elaboração científica
tas comparações, poderá ser estabelecido o ca- absoluta devem ser procuradas em outro méto-
ráter dos métodos de então. Toda a história da do. Por isto, começaremos por este método ab-
literatura nada mais é que a história do método, soluto. Mas nele devem se estabelecer normas
cada uma depende da outra, e uma deve ser acla- para relacionar os eventuais meios auxiliares com
rada pela outra. a elaboração -absoluta. Então, é proposto o se-
O objetivo destas aülás consiste em guinte problema: de que maneira devem ser uti-
pesquisar o estudo da nossa ciência, para poder lizados os escritos elaborados no marco de nos-
aproveitar as caraterísticas dos eruditos particu- sa ciência, e como aproveitar a leitura com res-
lares. peito às normas absolutas? Finalmente deverá
O que é melhor? Ter em conta os juris- ser estabelecido como fazer uso de um novo
tas antigos ou os modernos? Cada um deles meio auxiliar, o estudo acadêmico, com relação
apresenta uma vantagem. Não se encontra mais ao estudo absoluto da jurisprudência.
a erudição fundamental geral na elaboração da Assim sendo, a metodologia jurídica .
jurisprudência que existia anteriormente, pois, compreende três partes:
mesmo que em todo método exista, além do as-
pecto individual, algo da época, também assim, • metodologia absoluta;
na jurisprudência, muito se deve à época e vice-, • metodologia do estudo literário da
versa. Se tomarmos em consideração os erudi-. jurisprudência;
tos modernos, poderemos observar melhor e • metodologia do estudo acadêmico.
mais diretamente algumas coisas. Por esta razão,
nestas aulas, tomaremos mais em consideração As caraterísticas literárias devem ser in-
aqueles que cultivam nossa ciência, sem excluir corporadas à primeira parte Elas nos mostram
.completamente os antigos. as normas da elaboração perene da jurisprudên-
XVI xvii
cia, seja positiva ou negativa: positiva, se seguiu
um método correto; negativa, se elaborou a ciên-
cia de modo incorreto ou inverso. Primeira Parte

APRESENTAÇÃO DAS NORMAS DE ELABORAÇÃO


ABSOLUTA DA CIÊNCIA DO DIREITO

Se considerarmos, historicamente, o Es-


tado como um ser que age, poderemos imagi-
nar, em separado, certas categorias dé ditas situa-
ções, a legislação entre elas, isto é, poderemos
pensar o Estado como legislador. O objetivo da
ciência jurídica é, por conseguinte, apresentar
historicamente as funções legislativas de um Es-
tado. Porém encontramos que a legislação real é
dupla, porque:

• estabelece os direitos que o Estado


quer garantir para os cidadãos par-
ticulares: o direito privado ou civil;
• refere-se às disposições que ele es-
tabelece para proteger as leis: o di-
. reito penal.
Assim, existem duas partes principais da
jurisprudência: a ciência do direito privado e a
do direito penal. Mas o direito público - a apre-
sentação sistemática da constituição do Estado
xríii
2 FRIEDRICH K A R L VON SAVIGNY METODOLOGIA JURÍDICA 3

- não pode ser enquadrado no conceito da ju- dente da arbitrariedade do outro, e um terceiro
risprudência, pois o direito público supõe o Es- deveria decidir até onde poderia chegar a limi-
tado só existente, enquanto a ciência legislativa tação. Porém, desde que haja um grande espaço
o concebe como autuante. Ambos entrelaçam- para a arbitrariedade do terceiro, melhor seria
se, mas não podem ser compreendidos sob o mes- que existisse algo totalmente objetivo, algo to-
mo conceito. Porém, não é com isto que se nega talmente independente e afastado de toda con-
o grande interesse no estudo do direito público. vicção individual: a lei. Ela deveria, então, ser
Agora grande parte do direito público.deve ser completamente objetiva conforme a sua finali-
tratada de maneira similar ao direito privado. Por dade original, ou seja, tão perfeita que quem a
exemplo, uma propriedade tem jurisdição, do aplicasse não teria que adicionar nada de si pró-
mesmo modo que qualquer outro direito priva- prio. Denomina-se saber histórico, todo saber
do, porque em todos os Estados modernos exis- de algo objetivamente dado. Por conseguinte, to-
te uma relação que é mais antiga que nosso di- do o caráter da ciência legislativa deve ser histó-
reito público: a constituição feudal. O direito pú- rico, isto novamente implica que deve ser:
blico dos tempos antigos era mais puro. a) histórico no próprio sentido, e
Por conseguinte, a função legislativa é b).- filológico.
dupla: legislação de direito privado e legislação
de direito penal. Porém, as normas da elabora- A respeito de a — por enquanto, deve-
ção devem ser deduzidas daquilo que é comum mos adiar a discussão.
às duas: os princípios fundamentais. Eles são: A respeito de b — novamente, este prin-
cípio deve ser inferido da natureza da coisa. A
• a ciência legislativa é histórica; existência livre e a independência do indivíduo
• a ciência legislativa é filosófica; com respeito à vontade de outros devem ser de-
• a ciência legislativa.é histórica e fi- fendidas necessariamente em todo Estado.
losófica. Existe a seguinte alternativa: ou é desig-
A ciência legislativa é uma ciência histórica. A nado um árbitro para os prováveis litígios entre
necessidade do próprio Estado; radica em que os indivíduos, ou, melhor, existe algo totalmen-
deve existir algo entre os indivíduos que limite te exterior, que não depende de arbitrariedade
o domínio da arbitrariedade de uns contra os ou- alguma: a lei. Isto é, a lei civil, no que tange à
tros. O Estado faz isso por si mesmo, por.ser determinação da ação do indivíduo, ou a lei pe-
um fenômeno entre os indivíduos, porém isso é nal, no que se refere à garantia de dita ação. Desta
• feito diretamente pela função legislativa. O grau forma, não é a arbitrariedade do juiz a que toma
*de limitação do indivíduo deveria ser indepen- a decisão, mas a própria lei. O juiz apenas reco-
nhece as normas e as aplica no caso particular. impera, especialmente no direito penal, a apli-
Estas normas estão estabelecidas pela ciência do cação literal da lei, e onde nunca se chegou a
direito. Por isso, o juiz, além'da função em co- uma interpretação lógica correta. Faz tempo
mum com o jurista, tem mais outra. Uma vez ' 1 que lá foi estabelecido o jurado que pesquisa o
que a lei foi estabelecida para excluir toda arbi- fato.
trariedade, a única ação e a única tarefa do juiz é Por meio destes casos, bem como pelas
uma interpretação puramente lógica. novas instituições, na França, comprova-se que
Isto está incluso na expressão: a jurispru- nosso princípio é fatível.
dência é uma ciência puramente filológica. A. ciência legislativa é filosófica. Bem cedo
Será que, desde o início, este princípio encontramos ensaios de uma elaboração siste-
foi reconhecido como certo? mática da jurisprudência. Nos tempos moder-
Na nova ciência legislativa, além da teo- nos, eles são freqüentes. Tal tratamento teria um
ria legal, encontramos um sistema de prática, valor muito pequeno se só oferecesse uma ca-
que freqüentemente se opõe a ela e, por conse- talogação, um conjunto de matérias comoda-
guinte, origina duas classes de juristas: os teóri- mente adicionadas, pois seria um simples auxí-
cos e os práticos. A causa desta cisão foi a indi- lio para a memória. Pelo contrário, se o objeti-
ferença que manifestou o poder legislativo a res- vo for ter verdadeiro mérito, a sua coerência
mínima deve ter unidade. Para isso, ele deve ter
peito da legislação, na maioria dos Estados mo- i
um conteúdo geral - tarefa geral da ciência do
dernos. Os juizes consideravam que tinham jus-
direito —, e toda a legislação, um conteúdo que
tificativas para mudar a antiga legislação porque
não esteja sujeito ao acaso. O conceito da legis^S
muitas situações novas não concordavam com
lação civil e penal foi uma tarefa geral desta na-\
aquela, e porque o poder legislativo não exer-
tureza, de forma que é possível uma elaboração |
cia suas faculdades. Isto é muito significativo na
sistemática da jurisprudência. Porém se tal ela-
Alemanha, especialmente no direito penal, país
boração existe, a jurisprudência limita direta-
no qual, em períodos anteriores, foi permitido
mente com a filosofia, a qual, mediante uma
que a prática existisse tranqüilamente junto à teo-
completa dedução, deve indicar todo o conteú-
ria, e só nestes últimos tempos foi muito ataca-
do da tarefa geral. Portanto, a jurisprudência é
da. JThibault, Breit %ur Kritik der Feuerbachschen
uma ciência filosófica.
Theorie des peinlichen Kechtes (Contribuições à crí-
tica da teoria feuerbachiana do direito penal), A ciência legislativa ê histórica e filosófica.
p. 98]. Mesmo os dois princípios anteriores sendo dife- "
Em outros Estados, desconhecem-se rentes, ambos são verdadeiros, e, por esse moti-
estas disputas, especialmente na Inglaterra, onde vo,-devem estar relacionados entre si: o caráter
6 FRIEDRICH KARL VON SAVIGNY
METODOLOGIA JURÍDICA 7

perfeito da jurisprudência reside nesta relação. reito que, por sua vez, está relacionada exata-
O particular, que é conhecido como particular mente com a história dos Estados e dos povos,
na elaboração filosófica, ao mesmo tempo deve já que a legislação é uma ação do Estado. Po-
ser considerado como um todo na elaboração rém, o conceito usual da história do direito é li-
sistemática e, novamente, deve ser possível de- mitado demais. Ela era considerada como uma
compor, em seus elementos, o aspecto sistemá- parte da história do Estado e somente eram enu-
tico da jurisprudência. O tratamento da jurispru- meradas as mudanças introduzidas (história ex-
dência deve, então, conter em si a condição de terior do direito). Este fato, mesmo sendo útil,
uma elaboração interpretativa e filosófica. Mas, não era suficiente. O sistema deve ser concebi-
primeiramente, exegese e sistema devem ser ela- do como em progresso constante, e estar relacio-
borados em separado, e não serem elaborados nado com o todo (história interior do direito),
juntou e depois separados, caso contrário, a ela- mas não deve elaborar somente questões isola-
boração fracassará necessariamente. Um traba- das do direito.
lho mal sucedido se encontra emjurid. Archiv (de Esta elaboração histórica da jurispru-
Gmelin, Tasslinger e Danz), 4, t.. 1, Tübingen,. dência pressupõe outras elaborações, deve-se
1801, onde os elementos particulares estão ex- partir da exegese e relacionar o sistema com ela.
postos grosseiramente um ao lado do outro. , (Pelo contrário, se também considerarmos a ati-
, Toda a apresentação que segue tem o vidade espiritual, a elaboração histórica se asse-
objetivo de demonstrar: melha à filológica e se coordena com ela. Ambas
serão designadas como elaboração histórica e
• como deve ser realizada uma elabo- estarão colocadas frente à sistemática). Disto
ração puramente exegética da juris- surge, então, a elaboração histórica. A legislação
prudência; deve, primeiramente, estar separada em seus ele-
i • como deve ser realizada uma elabo- mentos particulares, e depois ser apresentada na
ração sistemática da mesma; relação verdadeira segundo seu espírito, e só en-
j • como, em conseqüência, a relação en- tão, o sistema, assim descoberto, poderá ser co-
tre ambas resulta espontaneamente. locado nos períodos particulares determinados,
segundo uma ordem histórica.
A legislação deve ser concebida em um Há de se pensar, portanto, em uma
determinado período. Com isto retornaremos à metodologia completa e absoluta:
elaboração verdadeiramente histórica da juris-
prudência, que já mencionamos (v. supra). Isto • como é possível uma interpretação
•nos conduz ao conceito de uma' história do di- da jurisprudência? (parte filológica);
8 FRIEDRICH KARL VON SAVIGNY
METODOLOGIA J URÍDICA 9

• a história (parte histórica); Devemos considerar todas as versões como


• sistema (parte sistemático-filosófica). algo que nos é diretamente dado. A crítica di-
plomática concede-nos o grau de sua autentici-
dade e só então é possível uma interpretação.
Elaboração filológica da jurisprudência Como isto é possível?
Toda lei deve expressar um pensamen-
Conceito e tarefa da interpretação
to de maneira tal que seja válido como norma.
Como é possível uma interpretação? Então, quem interpretar uma lei deve analisar o
pensamento contido na lei, deve pesquisar o con-
Ela deve poder ser elaborada histórica e
teúdo da lei. Primeiro é a interpretação: recons-
sistematicamente.' trução do conteúdo da lei. O intérprete deve se
Prescindimos da usual divisão da inter- localizar no ponto de vista do legislador e, as-
pretação em authentica, docírinalis e usualis, par- sim^ produzir artificialmente seu pensamento.
tindo a primeira do poder legislativo e, as ou- Esta interpretação só é possível através de uma
tras duas, dos estudiosos. Só é possível falar em composição tripla da tarefa. A interpretação, por-
uma interpretação doctrinalis, e não de uma tanto, deve ter uma constituição tríplice: lógica,
authentica, porque quando o legislador aclara gramática e histórica. As duas primeiras são con-
uma lei, surge uma nova lei cuja origem é a pri- sideradas como classes de interpretação, porém
meira, de forma que não é possível falar em incorretamente, porque devem estar concebidas
uma interpretação daquela. Se não a esclarecer de modo a que cada uma tenha: \
como tal, a interpreta doctrinaliter, ou seja, a in-
terpretação é a mesma que faria um juiz. Tam-
a) uma parte lógica que consiste na
bém não pode -haver uma interpretação usualis.
apresentação do conteúdo da lei na
Não há dúvida de que existe uma interpretação
sua origem, o que apresenta a rela-
declarativa, porém o erro de dividir esta em ex-
ção das partes e n t r e si. Também é a
tensiva e restritiva, só ficará preciso mais adian-
apresentação genética do pensamen-
te, mas ambas contradizem totalmente o cará-
to na lei. Mas o pensamento devi ser
ter de nossa ciência. Na interpretação sempre
expresso, razão pela qual é preciso
está pressuposto algo diretamente dado: um
que existam normas da linguagem,
texto. O descobrimento desse algo dado - a
de onde surgem; j
crítica diplomática - deve preceder toda inter-
pretação, e torna-se especialmente necessária b) uma parte gramatical, uma condição
quando o diretamente dado deve ser pesquisado necessária da lógica. Também está
em diversas fontes, por exemplo, manuscritos. relacionada com a lógica;
10 FRIEDRICH KARL VON SAVIGNY METODOLOGIA JURÍDICA 11

c) uma parte histórica. A lei é dada num conceito geral da interpretação, e o conceito de
momento determinado, para um po- uma lei obscura sempre é muito vacilante. A ta-
vo determinado. Então, é preciso refa suprema da interpretação é a crítica supe-
conhecer as condições históricas pa- ) rior, isto é, a restituição de sentido a um texto
ra captar o pensamento da lei. Só é corrompido. Tudo aquilo que é dado, só é dado
possível a apresentação da lei atra- indiretamente, e, neste meio, neste ser dado, pode
vés da apresentação do momento acontecer uma falsificação. Se o dado indireta-
em que existe a lei. mente diferir do texto fundamental, este deve
ser restabelecido. A crítica superior deve contar
Porém, a lei deve ser objetiva, ou seja, com os mesmos elementos de toda interpreta-
deve se expressar diretamente. Por este motivo, ção, ou seja, com elementos lógicos, gramaticais
todas as premissas da interpretação devem se j e históricos. Também neste caso, o intérprete
encontrar na própria lei ou em conhecimentos [ deve fazer surgir de modo artificial o conteúdo
gerais (por exemplo, conhecimento da linguagem da lei, mas há de se supor que as partes extravia-
da época). A interpretação torna-se fácil se o in- - das do texto original devem ser encontradas.
térprete se coloca no ponto de vista da lei, mas Todas as partes estão em relação com um todo
apenas se for possível conhecer esse ponto de orgânico, querendo ser um todo, nada pode fal-
vista por meio da própria lei. Fala-se, geralmen- tar. Se algumas partes forem autênticas e certas,
s

te, que, na interpretação, tudo depende da in- { elas servirão de base para concluir como seriam
tenção do legislador. Mas isso é meia verdade, as incorretas. Existem duas possibilidades:
porque depende da intenção do legislador des- • que o próprio texto faça diretamen-
de que apareça na lei. te com que a crítica seja necessária
Agora podemos determinar completa- j (por exemplo, quando existem dife-
mente o conceito. Interpretação é reconstrução j rentes maneiras de leitura);
do pensamento (claro ou obscuro, é o mesmo) • , \ • • a necessidade da crítica não resulta
expresso na lei, enquanto seja possível conhece- j diretamente evidente, mas sua ne-
lo na lei. •. . cessidade é revelada pela interpre-
O conceito usual de interpretação (es- | tação.
clarecimento de uma lei obscura) é completa- j
mente inútil. Realmente, entende-se por inter- , No primeiro caso, a crítica deve respon-
pretação uma aclaração artificial da lei, de for- der exclusivamente a uma certa pergunta, en-
ma que o conceito está correto, massempre se quanto que no segundo, deve-se formular a per-
encontra de modo grosseiro subordinado a um } gunta e procurar a resposta.
12 FRIEDRICH KARL VOM SAVIGNY
METODOLOGIA JURÍDICA 13

Toda crítica, do mesmo modo que toda pondente para tal tarefa, mas é a prova diplo-
interpretação, deve trabalhar com a certeza. Mes- mática do acertado da crítica. Então, ela atingiu
mo não sendo sempre possível, esta idéia deve, tudo o que pode ser conseguido.
pelo menos, nortear todo o labor. Na crítica, a O que acabamos de afirmar pode ser
expressão "audácia" é completamente imprópria, comprovado em dois exemplos:
porque toda crítica prescinde da arbitrariedade
e pressupõe uma necessidade. • Aclaração da lei 8, § 1, de acquir. rer.
Esta crítica superior recebe o nome de dom. (D. 41,1): Sed et sim confinio lápis
crítica de conjectura. Devido ao fato de ter, como nascatur, et sunt pro indiviso communia
ponto de partida, a nossa ciência, este é o lugar praedia, tunc erit lápis indiviso communis,
a que pertence, visto que a crítica diplomática si terra exemptus stt.
deve precedê-la. Porém, o nome de crítica de
conjectura não é muito adequado para nossa teo- É completamente contraditório o fato de
ria, porque esta procura a certeza. De outro lado, que nesta lei, à norma "a posse comum de uma
existe uma crítica de conjectura totalmente pe- pedra achada surge do fato de que ela jaz no li-
culiar, que é diferente da crítica superior, e na mite entre dois fundos" seja adicionado "se os
qual formulam-se simples suposições engenho- fundos forem comuns pro indiviso". Aqui só uma
sas. Este não é o seu lugar. das condições é suficiente, pois ambas excluem-
Toda necessidade, toda certeza obtida se mutuamente.
através da crítica, resulta do fato de que o con- Como há de se corrigir o texto? I
ceito é tomado de um todo orgânico. Porém, há Ambas as condições deveriam se sepa-
sempre uma. certa insegurança na aplicação des- rar de modo tal que a norma estivesse limitada
tes princípios críticos-Tudo aquilo que se nos por cada uma delas. No final, só seria necessá- \
apresentar como algo dado difere naturalmente rio adicionar um si e diria assim: et si sunt pro in-
daquilo que encontramos através da crítica. En- diviso. Agora fica inteligível: uma pedra é comum
tão, não se dará mais atenção para o dado, mes-
nestes dois casos. Como o texto incorreto sur-
mo que este seja um fato histórico inegável: Ppr
giu do correto? Resta ainda uma dificuldade de j
esse motivo, sempre fica uma sensação de inse-
caráter gramatical nesta passagem, no que se re- *
gurança. Para se atingir a segurança completa,
fere a que a segunda frase está no indicativo, de
deve ser esclarecido como se originaram as de-
forma que, no lugar de sunt, devemos ler sint, \
formações devidas a erros de transcrição ou ou-
segundo aparece em algumas edições, como, por
tras causas, tomando como referência o texto
exemplo, a de Haloander. Assim torna-se fácil a
considerado correto. Este não é o lugar corres-
aclaração: achamos que, se várias letras aparece-
14 FRIEDRICH KARL VON SAVIGNY METODOLOGIA JURÍDICA 15

rem duplas, uma depois da outra, serão escritas respeito dos §§ 17 e 18. O texto correto, então,
somente uma vez, de modo tal que ao invés de é: poenae causa vel incertae personae. A palavra certae
et si sint, escreve-se aqui et sint. Esta classe de deve ser eliminada. Mas, de que maneira che-
emenda chama-se geminação. gou este certae na versão inexata? Vel sempre se
refere a uma oposição, e ela existe também aqui,
• Ulpiano, tít. 25, § 13. Poenae causa cer- mas deve ser reconhecida com relação aos §§
tae vel incertae personae ne quidem fidei- 17 e 18. Porém o copista não sabia disto e tal-
commissa daripossunt. vez tenha querido aclarar o vel pela simples opo-
sição lógica certae vel incertae.
Um kg. poenae causa não era válido, tam- Para o exercício do talento crítico, seria
pouco um fideicomisso. A sentença seria inteli- interessante que fossem fornecidas edições de-
gível se não aparecesse o adendo certae vel incertae feituosas do Corpusjúris, com as indicações dos
personae. Esta divisão está correta, mas não tem erros, porque, mediante a comparação com as
objetivo. É inverossímil, e, em Ulpiano, impos- edições corretas, a crítica poderia ser compro-
sível, e o texto original não pode ter sido assim. vada. Para este fim, são convenientes as edições
Por este motivo, faz-se necessária uma emenda. holandesas de van Leeuwen, a edição de fólio e
Se considerarmos toda a doutrina no seu a pars secunda, especialmente.
conteúdo, toda a dificuldade surge em Ulpiano,
títs. 24 e 25. Os conceitos jurídicos do legado e Princípios fundamentais para a interpretação em geral
do fideicomisso eram bastante semelhantes, di-
ferenciavam-se só na forma. O legado é legal e Toda interpretação adequada a seu fim
o fideicomisso é uma modificação, pela qual no deve unir os diferentes.
segundo só as modificações deveriam ser indi- Ao mesmo tempo, deve ser individual
cadas. No tít. 24, §§ 17 e 18, existem duas nor- e universal.
mas (§ 17: poenae causa legari non potest, e § 18:
incertae personae legari non potest), em virtude das Individual. Todo texto de uma lei deve
quais, um kg. poenae causa e um legado em favor expressar uma parte do todo, de tal maneira que
de uma pessoa incerta não eram válidos. Facil- não esteja contida em nenhuma outra parte.
mente poderia se supor que estas normas não Quanto mais individual for, quanto mais tentar
vigoravam para o fideicomisso, que freqüente- encontrar uma frase especial, e quanto menos
mente era divergente. Para evitar esta suposição, particularizar texto em geral, mais rica será a sua
Ulpiano diz que elas vigoram também para o contribuição à totalidade da legislação. O intér-
. fideicomisso, mas se manifesta brevemente a prete deve possuir a difícil arte de descobrir o
16 FRIEDRICH KARL VON SAVIGNY M E T O D O L O G ; <V j L IÚDICA 17

particular de cada texto, que só pode ser extraí- Ex. 2: Ulpiano, tít. 5, § 1; tít. 19, § 7.
do do mesmo. O melhor meio é a prática. Um
meio auxiliar importante para o dito propósito Na primeira passagem é dito: inpotestate
é descobrir a singularidade de expressões técni- sunt liberi parentum exjusto matrimônio nati. O se-
cas, das quais o direito romano está repleto. Elas gundo reza: traditio proprie est alienatio rerum, nec
devem ser consideradas tão individualmente manápi rerum dominia ipsa traditione deprehendimus,
quanto for possível. Alguns exemplos tornarão scilicet, si exjusta causa traditae sunt nobis. A relação
este ponto mais claro: seria: a propriedade podia ser transferida para
outra pessoa interprivatos, de maneira dupla. Se
Ex. 1: Prooem. J. de actionibus — Actio est jus a coisa era res manápi, podia ser feito por "manci-
persequendi injudicio quod sibi debetur. 'pação", e se era res nec manápi, podia ser feito por
tradição, mas deyia estar especialmente prepa-
Considerado em geral, esta passagem
rada: devia se basear em umajusta causa. Qual é
tem o seguinte significado: actio é o direito de
o sentido disto? Poder-se-ia pegar a passagem
exigir perante o tribunal aquilo que é a mim de-
em geral, mas não é assim. Justus refere-se sem-
vido. O sentido original, porém, não é esse. Ori-
pre a jus ávile, e este a uma lex, justa causa, por-
ginariamente, existiam apenas dois meios jurí-
tanto, refere-se a jus ávile, enquanto que a causa
dicos: a ação e a vindicação. Toda vindicação era
traditionis é uma relação do direito das obriga-
dirigida pelo pretor, enquanto a forma da actio
ções. O sentido, por conseguinte, das palavras
apoiava-se sobre o fato de que o pretor dava um
sálicet, si ex justa causa traditae sunt nobis é o seguinte:
judex. O direito real corresponde à vindicação, e
supondo que preceda uma relação de direito das
o direito das obrigações, à ação. Nesta definição
obrigações baseada nojus ávile. A obligatio rívilis faz
é indicada a característica de que actio concerne
surgir uma ação, a naturalis, mas não da forma
só às obrigações, situação da qual, em nossa pas-
que reza no início: "supondo que a tradição es-
sagem, encontramos dois indícios:
tá baseada em uma relação, certamente em uma
• in judicio, ou seja, em um processo relação que faz surgir uma ação". Esta frase vigo-
que é conduzido perante um juiz; ra também no'mais moderno direito romano.
• quod debetur. Debere refere-se sempre O mesmo acontece com a primeira pas-
ao direito das obrigações, mas nun- sagem: justum matrimonium é o matrimônio reco-
ca ao direito real. Actio é, pois, ori- ' nhecido pelo direito civil, ou seja, um matrimô-
ginalmente, o direito de exigir peran- nio no qual os pais tiveram connubium.
te umjudexpedaneus aquilo que a ou- A aplicação deste princípio da individua-
tra parte deve emprestar ex obligatione. lidade da interpretação depende muito da quali-
18 FRIEDMCII K A R L VON SAVIGNY METODOLOGIA JURÍDICA 19

dade da legislação que se pretende interpretar. maior'— por exemplo, um fragmento dos escri-
Quanto mais formalmente perfeita for a legisla- tos dos antigos juristas. Ou não era - por exem-
ção, tanto mais aplicável será o princípio. Neste plo, a modificação de um único ponto.
aspecto, a mais culta legislação que conhecemos O primeiro caso encontra-se no direito
é a antiga legislação romana até 200 após o nas- justiniano, nas Instituições, Pandectas, e em gran-
cimento de Jesus Cristo. Nas épocas posteriores, de parte do Código. As constituições propria-
o seu valor deteriorou-se bastante. Encontra-se mente como tais são pouco freqüentes nas pri-
um visível contraste entre os dois trechos seguin- meiras épocas, os reéscritos eram, porém, fre-
tes. Se alguém reconheceu bonor(um)poss(essionem), qüentes. O imperador comporta-se como um
obteve um interdito: L I , quor. bom. (D. 43, 2).
a
jurista em um reponso. Cada-reescrito pertence
Em conseqüência, foram trocados al- ao sistema da época em que foi dado. Portanto,
guns pontos, mas Justiniano restabeleceu alguns no Código, os reéscritos pertencem ao primeiro
deles, segundo o direito antigo: L 3, C. de edict. caso. O segundo caso encontra-se nas Institui-
divi Hadr. toll. (C. 6, 33). ções, no Código e nas Novelas, elas, de per si,
Se compararmos estas duas passagens, devem ser fontes exclusivas.
encontraremos que a primeira é breve, inteligí- A interpretação não pode seguir por uma
vel, concisa e plena de conteúdo, e a segunda, única trilha, deve se encaminhar por ambas as
rica em palavras, de modo que resulta não total- direções.
mente inteligível por causa da abundância e ri-
queza das palavras.
• Interpretação no primeiro caso
Universal. A legislação apenas expressa
Deve ser mostrado o local de todo o sis-
um todo. A interpretação do particular também
tema ao qual pertence o princípio particular. Isto
deve ser tal que, para poder compreender o par-
ficará claro com exemplos. Assim, deve ser in-
ticular, este se deve amoldar ao todo. A exposi-
terpretado:
ção do todo não pertence a este ponto propria-
mente, mas ao sistema. Porém, desde que cada Ex. L. 27, § 2, de fideiussor. (D. 46,1).
parte não é inteligível sem o todo, deve ser con- Ulpiam ad edict.: Praeterea si quaeratur, an solvendo
cebida em relação com o todo, tarefa semelhan- sitprincipalisfidejussor, etiam vires sequentisfidejussoris
te àquela que existe no sistema, mas com objeti- ei adgregendae sunt.
vos opostos.
Com respeito a isso podemos conceber É norma geral que, quando o fiador for
dois casos: A lei particular era parte de um todo demandado, deverá ter o benefiáum divisionis, para
20 FRIEDRICÍI KARL VON SAVIGNY M E T O D O L O G 1A jljJvlDI C A 21

pagar parte da dívida. No caso em que o fiador Em uma questão discutível, nunca decidiu o
:

invocar isto realmente, entender-se-á que "os ou- pretor, mas passou o fato para o judexpedaneus,
tros podem pagar. Chega-se, então, à regra: no para sua pesquisa. Com tal finalidade, instruiu-o
benefiáum divisionis, os outros fiadores devem ser e outorgou-lhe. a fórmula para a demanda e a
solventes. E tarefa da lei determinar isto com exceção. Acontece o mesmo que no caso ante-
maior precisão. Mas como, se os fiadores se pro- rior. O autor demanda o fiador para que este
tegeram com outros garantes? Por exemplo, qua- lhe pague a dívida, já que os demais garantes são
tro garantes têm contraída uma obrigação por insolventes, e o demandado nega a insolvência
um devedor, e três deles arregimentaram para si em uma exceção. Agora o judex pedaneus deve
outros fiadores. O credor demanda o primeiro procurar a verdade de ambas as informações e
dos fiadores. Este dirá: Eu pagarei-minha rata, dar a sentença segundo o resultado. Deste modo,
mas a respeito das outras prestações, deves te di- resulta ininteligível toda a passagem em que se
rigir para os outros garantes, e se eles não tive- diz que, neste caso, ao fiador deve ser outorga-
rem solvência, para os seus garantes. Como deve da esta exceção.
ser considerada a solvência ou a insolvência dos
segundos fiadores para determinar a solvência • Interpretação, no segundo caso, quan-
dos garantes originais? Isto se responderá assim: do os legisladores estão totalmente iso-
O patrimônio dos segundos fiadores deverá ser . lados para criar algo novo
contado juntamente com o dos garantes originais.
Na lei, só deve ser indicada a relação que existe Neste ponto, deve ser considerado par-
entre o caso particular e toda a teoria da fiança. ticularmente o novo que deve ser fundado pela
Coisa parecida encontra-se em uma lei lèi. Deve" ficar exposta, então, a linha histórica à
que ficou famosa devido a um mal entendido. qual pertence a lei. Anteriormente, o que era
correto nesse caso? O que foi mudado no direi-
Ex. L. 28, defideiussor. (D. 46,1). Paul. ad to anterior?
ed.: Si contendat fidejussor ceteros solvendo esse, etiam Mais adiante, encontrar-se-ão exemplos
exceptionem ei dandatn, si nam et illi solvendo sint. para este caso.
Conf.: Ziv. Mag., t. 1, p. 98, n A.a
Resta reunir em um todo os dois prin-
cípios: o da individualidade e o da universalida-
Os práticos erroneamente fundaram de. Toda interpretação tentará oferecer um re-
uma provocatio sobre este princípio. O caso é o sultado para o sistema. Deve, então, ter um ob-
anterior, mas o fiador em questão nega a insol- jetivo prático, porque deve estar direcionada a
vência dos co-garantes. A questão é discutível. aclarar um princípio dentro do sistema.
22 FRIEDRICH KARL VON SAVIGNY METODOLOGIA JURÍDICA 23

Aquilo que dizemos será explicado ago- Humanistasfranceses


ra, mediante uma observação literária. Só iremos
considerar escritos que tenham um verdadeiro Nos séculos XV e XVI, quando se des-
caráter no método, isto é, descartaremos aque- cobriu a literatura clássica, elaborou-se a juris-
les que sejam uma simples compilação ou um prudência de forma científica pela primeira vez.
mero plágio. Esse período pode ser chamado como o dos hu-
manistas franceses, e cobre a faixa compreendi-
História da interpretação da entre os séculos XVI e XVII. Esses hu-
manistas tinham tudo aquilo que faltava aos
A história da interpretação inicia-senos glosadores, mas trataram a literatura clássica com
séculos XII e XIII. demasiada diligência, perdendo, por este moti-
vo, muito de um método puro e vigoroso. Po-
Glosadores deria ser exigido deles mais do que aquilo que
produziram. Uma interpretação verdadeira e
O primeiro período é o dos glosadores, pura não existia, não se pensava em considerar
desde Irineu até Accursio. Esse período famoso a jurisprudência como um sistema, não se pro-
começou em Bolonha sob Irineu (Werner) e en- curava sistema algum. Uma amostra dessa esco-
cerrou-se com Accursio. Interpretava-se, sem la foi Cujacio. Ele e os seus imitadores interpre-
ajuda alguma, o direito justiniano, tal como foi taram e tentaram restituir a antiga jurisprudên-
transferido e existia. Os glosadores empreende- cia e restabelecer os escritos dos juristas de for-
ram o trabalho com toda dedicação, mas falta- ma independente. Descuidaram-se, porém, do
va-lhes, quase totalmente, outro conhecimento. sistema, porque não elaboraram aquilo que eles
Fizeram tudo que puderam. A recriminação não tinham como um todo. O método foi de digres-
cabe a seu método, mas a seu conhecimento. sões mas não puramente exegético. Através de
tais digressões, o sistema foi levado para um lu-
Comentadores gar onde não cabia. Também em suas obras, Cu-
jacio colecionou, entre outras coisas, passagens
Esse período é seguido, nos séculos XTV de Paulo (ad edictum lib. XXV). E assim que se
e XV, pelo dos comentadores, por exemplo encontra a passagem antes comentada, L. 28, de
Bartolo, Baldo, etc. Sem dúvida, eles eram pio- fidej., no volume 5 de suas obras, p. 372. Nesse
res que os glosadores. Seria, mais ou menos, ponto, ele faz uma digressão e expõe a matéria
como a relação que existe agora entre os práti- do benef. divis. que, propriamente, não tem rela-
t cos e os teóricos. ção com a aclaração da passagem.
24 FRIEDRICH KARL VON SAVIGNY M E T O D O L O G I A JURÍDI CA 25

Pertencem a este período os juristas que ção. Ele trabalhou mais para dar instruções ao
se esforçaram por editar as fontes completas, es- leitor de como fazer a sua própria interpretação
pecialmente Haloander e Konzius. Deste último do que para entregá-la feita. Os juristas desse
também temos, além das suas edições, escritos período também realizaram péssimos trabalhos,
jurídicos. Porém ambos realizaram o trabalho de dentre eles Joh. Kannegieter, que, em 1768, edi-
suas edições sem observações nem críticas. Se tou Ulpiano e a Collatio com suas próprias no-
tivessem indicado as causas pelas quais teriam tas, embora muito ruins. Pula de um assunto para
escolhido precisamente esse tipo de versão, po- outro quando são em algo semelhantes. A rela-
deriam ser chamados de intérpretes. ção é arbitrária e acidental (cf. Ulp., tít. 7), en-
quanto que em Schulten, Cujacio e outros é sem-
Holandeses pre adequada.

Logo vem o período dos holandeses, nos Escola alemã


finais do século XVII e no século XVIII. No
período anterior, eram considerados iguais tan- A escola alemã, que constitui o quinto
to os conhecimentos humanistas, a literatura e período, esteve sempre pouco preocupada com
o trabalho sobre a antigüidade, quanto as ciên- a interpretação, exceto em Leipzig. Apesar de
cias. A filologia surgiu como uma modalidade à imitar em muito os holandeses, ela perdeu-se em
parte, especialmente na Holanda, onde se for- minúcias. Püttmann é um dos que mais se des-
mou uma notável série de filólogos. Apesar de tacam, mas ele tem o defeito dos holandeses. Do
os juristas holandeses possuírem uma grande mesmo modo também Stockmann, cujas vigo-
erudição, sempre se limitaram apenas aos deta- rosas dissertações, elegantemente escritas, apre-
lhes. Por esse motivo; o método deles é raramen- sentam claramente este método.
te melhor que o dos franceses e, freqüentemente, Toda maneira de tratamento destes ju-
muito pior. ristas está apoiada em um erro e eles só mos-
Ant. Schulting é um dos mais meritó- tram sua erudição clássica.
rios, particularmente por causa de sua Jurispru- A conseqüência disto foi que muitas óti-
dência antejustinianea, à qual adicionou suas pró- mas cabeças desprezavam a elaboração erudita
prias notas, as quais, de fato, são o melhor da frente a esta elaboração ruim da crítica e da in-
coleção, visto que a elaboração do texto é insig- terpretação.
nificante. Também ele limitava-se às digressões, Nenhuma interpretação fundamental foi
embora sejam elas muito eruditas. Sua interpre- dominante em nenhuma escola. Em se tratando
tação também não é uma verdadeira interpreta- desta última, talvez possamos mencionar só um
26 FRÍEDRICH.KARL VON SAVIGNY METODOLOGIA JURÍDICA 27

jurista, que praticamente não pertencia a escola • Sententiae júris, passagens principais
alguma. Trata-se de Jakob Gothofred, nascido • • das Instituições e as Pandectas, que
em Genebra, em 13 de setembro de 1585, pro- contêm as normas gerais, e oferecem
fessor nessa cidade, finalmente senador, e mor- uma visão geral;
to no mesmo lugar, em 24 de junho de 1652. • Paratitla sobre as Pandectas e o Có-
As suas obras mais importantes são as Quattuor digo, o conteúdo das partes especiais
fontes júris civilis. Elaborou particularmente as e sua conexão. Estes são estudos
Doze Tábuas, e o fez de ótima maneira. A obra preparatórios.
apareceu pela primeira vez em Í617. A sua obra
principal ficou inconclusa no meio de seus pa- Na segunda divisão, segue uma apresen-
péis, e, em 1665, após sua morte, foi editado um tação.histórica das fontes. Com tal finalidade, ela-
comentário sobre o Codex Theodosianus. E a úni- borou as Quattuorfontes, que contêm:
ca amostra de uma perfeita interpretação. Na ela-
• As Doze Tábuas, completamente aca-
boração das constituições dos imperadores, deve
ser seguido um caminho muito particular, visto badas;
que deve ter apresentado especialmente o que • O edito pretoriano, no qual só indi-
ca o plano, mas sem elaborá-lo;
existe de novo nelas. Gothofred observou esta
norma estritamente, o que se pode comprovar • A lex Julia Papia Poppaea, completa-
nos seguintes exemplos: Em L. 7, C. Theo. de test, mente elaborada, embora não tão
tudo o que se diz para aclarar a matéria relacio- perfeita quanto as Doze Tábuas;
na-se com a passagem. De igual modo, L. 3, C. • Os libri Sabiniani, também um plano
Theod, de legit. hered. e L. 5, ibidem. geral.
É de extrema importância saber qual é a A terceira divisão contém um detalhe
opinião deste jurista a respeito do estudo da ju 7
fundamental do direito justiniano, que é:
risprudência, e é de notar que ele o tenha acla-
rado no prefácio de seu Manuale júris, Ele pro- • Casuística, ou seja, interpretação
põe três divisões do ciclo jurídico. exegética, introdução à interpretação
Para a primeira divisão foi elaborado o Ma- da lei mediante a exposição do caso;
nualejúris. Nele figuram quatro partes, que são: • Teoria da unificação de contradições
aparentes;
• História do direito em geral, mas • Introdução ao conteúdo das fontes;
não em detalhe; • Introdução ao conhecimento dos li-
• biblioteca júris, informação de fontes; vros de direito.

»
28 FRIEDRICH KARL VON SAVIGNY METODOI.OC1A lURÍDICA

Mas o próprio Gothofred pressentia que o resultado da sua história anterior. Justiniano
existiam lacunas neste plano, sobre as quais ex- nunca teve a intenção de elaborar um código
pressou-se na sua dedução ao Discursas historiem próprio,-mas de formar uma simples compila-
ad kgem quisquis ad L. Jul. maj. {in oper. n 1). Exi-
a ção do rico material existente. O todo histórico
ge especialmente üm sistema da política legisla- converteu-se, assim, novamente, em lei. De acor-
tiva, extraído historicamente do direito romano, do com sua forma, a legislação justiniana car-
depois um livro de texto das Instituições, um rega consigo o caráter histórico; por exemplo,
mero resultado e não controvérsias. Do mesmo são indicados os nomes dos autores dos frag-
modo também exigiu: mentos.
Como deve ser realizada tal elaboração
• A restituição do edito; histórica? Depende, em primeiro lugar, de uma
• A restituição dos juristas antigos vinculação histórica, em segundo, de uma sepa-
(mais tarde Hommel, em certo sen- ração histórica.
tido, realizou este trabalho na sua. Pa-
lingenesia, embora superficialmente); Vinculação histórica
• A restituição das constituições do Có-
digo e sua reconstrução histórica;' Como se deve vincular historicamente?
• Sistema das antigüidades romanas. A maneira mais simples é pesquisando
como uma questão especial foi respondida de
Elaboração histórica da jurisprudência distintos modos em diversas épocas da legisla-
ção. Não podemos, porém, deter-nos neste lu-
Schulting. Oratio de jurisprudentia histórica gar. Se assim o fizéssemos, iríamos obter somen-
in comment. acad., t. II." te resultados limitados. Em muitos pontos, in-
Da jurisprudência, muitos aspectos não clusive, os erros seriam inevitáveis. O sistema
podem ser compreendidos sem um certo conhe- deve ser tomado na sua totalidade e ser consi-
cimento histórico prévio. E aqui não se trata da derado progressivo, isto é, como história do sis-
utilização da história para saber algo a respeito tema da jurisprudência na sua totalidade. Tudo
da jurisprudência, mas de pesquisar a medida em depende disso.
que esta deve ter um caráter histórico. Schulting, A tarefa mais elevada para a interpreta-
1. c, p. 125. ção era a crítica.. Na história do direito, encon-
Esta elaboração é absolutamente,indis- tra-se algo semelhante: a pesquisa das fontes. Ela
pensável, particularmente para a legislação jus- também nos fornece a matéria para a elabora-
tiniana, pois toda a legislação é, mais ou menos, ção histórica, sendo, ela mesma, diplomática.
30 FRIEDRICH KARL VON SAVIGNY METODOLOGIA JURÍDICA 31

Quer dizer, uma notícia geral das fontes que deve deve ser tratada com uma separação completa
ser procurada de fora, ou seja, uma pesquisa mais de suas fontes. A maior parte dos juristas mo-
elevada que purifica o material fornecido: a ta- dernos discorda desta norma: uma parte, incons-
refa mais sublime da história do direito. Para a cientemente, na exposição prática, e a outra, de-
elaboração diplomática, existem normas de tra- clarando-se expressamente contra a separação.
tamento. A elaboração mais elevada parte da pró-
pria história do direito e elabora.e constrói o Erro dos penalistas
material.
O fato de se pensar, desde o início, que O primeiro erro não é mais freqüente
este conceito da história é significativo, e de .se que no direito penal, já que a respeito existem
formular uma realização histórica desta ordem duas fontes que pretendem ser totalmente com-
como objetivo de todo o estudo, constitui, já de preensivas: o direito romano e o direito alemão.
per si, um meio auxiliar especial. No final, serão Se estas fontes não se separarem de forma preci-
estabelecidas épocas principais e, com elas, rela- sa, ocorrerá uma confusão. Os nossos melhores
cionar-se-á todo o particular. penalistas, inclusive Feuerbach, não são exceções.
Desde o século XVI, é muito o que se A legislação romana e a legislação alemã são con-
tem feito na história da jurisprudência, mas quase sideradas em cada caso particular e apresentadas
o mundo todo limitou-se à elaboração da histó- . historicamente como uma mesma linha. Consi-
ria como um meio e um conhecimento prévio : dera-se que o legislador romano e o legislador
da jurisprudência, sem que se contestasse ò ob- alemão são uma e a mesma pessoa. Acredita-se
jetivo dado. A essa época pertencem as obras que o alemão prosseguiu a partir do ponto em
de Bach, Heineccius, Sigonius, Wieling, Schulting que o romano se deteve. Através desta compo-
e outros. Só a História do direito de Hugo consti- sição direta, é impossível toda pesquisa profun-
tui uma boa amostra para ver o próprio sistema da. Este erro foi criticado especialmente em Geist
apresentado como historicamente progressivo. derjuristischenUteraturvon 1796, de Seidenstücker,
Mas são considerados mais de perto o método Gõttingen, 1797.
e a forma de Hugo, que o detalhe individual, no
qual, algumas vezes, falha. ; Erro dos ávilistas

Separação histórica Muitos incorrem no segundo erro: não


negam a necessidade do estudo histórico, mas,
Aquilo que está separado na coisa mes- segundo eles, este: deve constituir apenas uma
ma deve ser separado. A jurisprudência também preparação. Deve ocorrer uma elaboração abso-
32 FRIEDRICH KARL VON SAVIGNY M E T O D O L O G I A J URÍDI CA 33

luta da jurisprudência segundo os objetivos, sem mos pensar também de modo inverso, isto é, a
consideração à variedade histórica do material. jurisprudência pode ser empregada para aclarar
A este grupo pertence Hufeland (com as outras ciências, especialmente, a política e a his-
suas Institutionen desgesamten positiven Rechts, Jena, tória.
1798). Pretende oferecer ao principiante resul-
tados seguros e indiscutíveis da jurisprudência, A jurisprudência como ciência auxiliar
com abstração de todo o material histórico. Para para outras ciências
aquele, tais panoramas são, sem dúvida, muito
interessantes e úteis. Porém, será permitido se A política
abstrair da diversidade das fontes? Não, com cer-
teza. Tais panoramas seriam impossíveis, já que Já no tratamento político da jurisprudên-
estariam desprovidos de todo conteúdo históri- cia, manifesta-se uma vinculação com a políti-
co, o qual deveria ser substituído por alguma ca: as máximas políticas são pesquisadas como
outra coisa, e isto seria falso. Mais adiante fala- fundamentação da lei. A jurisprudência, porém,
sempre permanece como objetivo principal. Mas
remos disso, na parte correspondente à teoria
pode-se conceber também a jurisprudência para
do sistema. Porém, com toda a variedade das
exercer uma crítica da política, para uma compa-
fontes, para o juiz deve existir um resultado prá-
ração da legislação com o seu resultado e, por-
tico e não histórico. Como é possível expô-lo?
tanto, para emitir um juízo sobre as máximas po-
A exposição pode ser profunda ou pode
líticas.
não sê-lo. Se for profunda, constitui a última,
porém a mais laboriosa tarefa dentre todos os A totalidade dos poucos intentes reali-
esforços dos juristas. Deve ser deduzido o. con- zados nos escritos jurídicos, especialmente dos
teúdo de cada legislação particular,' e, do resul- holandeses e franceses, são extremamente insig-
tado desse trabalho, deve-se deduzir uma teoria nificantes. A iniciativa mais importante é a de
da vinculação que tenha fluência. Para o princi- Thomasius, que tentou cornbater o direito ro-
piante, a quem Hufeland destinava a sua obra, mano. Existe uma obra na qual o estudo histó-
isso resultava impossível. rico de toda a legislação é utilizado de modo ori-
ginal e profundo para as opiniões e os objetivos
Pode ser oferecida uma apresentação su-
políticos. Montesquieu, Esprit des lois.
perficial dos resultados, como aconte.ce nos
lexicons e vocabulários jurídicos, por exemplo,.
A história
o Prontuário de Müller.
Nesta seção, falamos unicamente do tra- A legislação pode ser considerada uma
tamento histórico da jurisprudência, mas pode- parte da história. Existe uma amostra excelente
34 FRIEDRÍCH KARL VON SAVIGNY METODOLOGIA JURÍDICA 35

desta elaboração, ou seja, do direito romano, na sentido. Estes conceitos só podem ser tratados
obra História da queda do Império Romano, de historicamente. Do mesmo modo, o § 8 con-
Gibbon, que ao mesmo dedica um capítulo es- corda com o conceito do jus exposto no § 1.
pecial, o cap. 44 (tradução de Hugo, Gõttingen, Outro exemplo: §§ 772 a 774 no segundo tomo.
1789). Se esta parte da sua obra, na sua totalida- O autor pesquisa aqui como pode se perder a
de e em relação ao todo, não tiver sucesso, isto possessão, estabelece uma norma geral a respei-
se deve ao fato de que, na época da queda do to disso no § 772, e adiciona alguns casos
Império Romano, o-direito romano não mais se •particulares de perda nos §§ 773 e 774, nos quais
encontrava em seu estado de florescimento. Para destaca:
se ter uma visão e apreciação adequadas do mes^
mo, o verdadeiro ponto de partida é o período • a perda da tenênciã, da capacidade
da república. física; e
• quando alguém quer deixar de pos-
Elaboração sistemática da jurisprudência suir.
J

Crítica dos intentos realizados até o presente Tudo está perfeito, mas, lamentavelmen-
te, isso contradiz a regra geral estabelecida: "Do
Todos os desvios do sistema a respeito , mesmo modo que a possessão pode ser adqui-
da norma pura podem ser reduzidos a duas clas- rida pelo animus e o corpus juntos, também po-
ses principais: ou ficam por baixo do sistema ou derá se perder por meio de ambos" Como se
se elevam por cima dele.. chega a isto? Porque novamente se quer apre-
sentar o conteúdo da legislação diretamente, li-
Intentos que ficam por baixo do verdadeiro sis- teralmente, inclusive, mas sem adaptá-lo ao sis-
tema. Isto é, aqueles que possuem a multiplici- tema como resultado do estudo das fontes. A
dade que deve se uniformizar em um sistema, passagem encontra-se nas Pandectas. Uma contra-
mas que não conseguem sua unificação. dição prática desta índole não se deve encon-
Um dos melhores juristas que represen- trar, de forma alguma, em um sistema que é ex-
ta esta categoria é Hofacker. Em seus Principüs posto. Em um sistema, deve. ser dado o conteú-
júris, particularmente no livro primeiro, § 1 e ss., do do todo e não o do particular. Especialmen-
de just. et jure, estabelece o que se encontra na te em Hofacker, nota-se este falso método de tra-
legislação, não mediante um sistema e sim dire- tamento. Ele acredita conseguir fidelidade des-
tamente. Desta maneira, aquilo que, na mesma sa forma. Fica, então, demonstrado sobre qual
legislação, é claro e correto, resulta falso e sem J mal entendido está fundamentado.
36 FRIEDRICH KARL VON SAVIGNY METODOLOGIA. JURÍDICA 37

Encontra-se este erro em muitos juristas, xão. Tudo o que é formal tem por objetivo de-
mas, na maioria deles, não está sustentado pelo senvolver a determinação dos princípios parti-
plano e sim pela falta de capacidade de exposi- culares do direito - geralmente isto é denomi-
ção. Desse fato, originam-se muitos escritos ruins nado de definições e distinções - , ordenar a
de, geralmente, juristas eruditos. Aqueles podem vinculação de vários princípios particulares e sua
ser chamados, e com razão, de compilações de conexão. Isto é habitualmente denominado de
fontes. Prescindindo disto, esses livros são mui- verdadeiro sistema.
to úteis, não só como apresentação do sistema,
mas como coleções metódicas de fontes.
Primeiro caso i
i

Intentos que se elevam por cima do verdadeiro Desenvolvimento'dos conceitos


sistema. Isto é, aqueles que tentam conseguir.mais
ou menos uma unidade, mas carecem de diver- Deve ser conhecido um princípio parti-1
sidade. cular do direito, ou seja, os conceitos nele con-
São aqueles que não trabalham fielmen- tidos devem ser desenvolvidos, o que eqüivale a
te. Estes trabalhadores são geralmente chama- dar definições e fazer distinções (o segundo
dos de juristas filósofos, porque se deixam orien- pode-se reduzir ao primeiro). Trata-se, então, de
tar demasiadamente pela arbitrariedade, uma es- percorrer o mesmo caminho das leis — fidelida-
pécie de revolução contra a legislação. de genética — demonstrando especialmente os
Pode-se conceber esta falta de fidelida- contrastes. Assim resulta:
de como uma rebelião direta contra a. legislação
— isto acontece raramente, pois tal linguagem a) Muito natural que, no sistema, ne-
apenas foi utilizada por uns poucos — ou, e isto nhum conceito deva ser tratado sem
é muito geral, trata-se de uma rebelião indireta, que esteja referido a um princípio de
clandestina. Para eles, a forma do sistema não •direito. Cada um deles deve ter uma
fica escondida. ' realidade jurídica.
Agora devemos falar deste aspecto.
O conteúdo do sistema é a legislação, isto Koch (succ, ab int., pp. 43 e ss. da última
é, os princípios do Direito. Necessitamos de um edição) fornece um exemplo do erro em senti-
meio lógico da forma, ou seja, da condição ló- do contrário. Ele dá os conceitos de parentes só
gica do conhecimento de todo o conteúdo da na introdução à sucessão entre parentes. Todo
legislação para conhecer estes prinGÍpios, em par- leitor aqredita que estes conceitos apareceriam
te de forma particular, em parte na sua cone- na mesma teoria e fica frustrado.
38 FRIEDRICH KARL VON SAVIGNY METODOLOGIA JURÍDICA 39

b) O sistema está determinado pelos A etimologia é um meio auxiliar muito


conceitos. A conceitos falsos seguem importante para se obter, na legislação, fidelida-
interpretações falsas. Isto pertence de à genealogia dos conceitos (por exemplo, em
à teoria da interpretação. praescriptio, exceptio, no lugar de prescrição). Em
muitos casos, a etimologia ganhou má fama, por-
Hufeland pode nos servir de exemplo que divídiu'todas as definições em nominais e
(Instit., p. 334) quando assim determina o con- reais, desentendendo-se das primeiras por care-
ceito da prescrição: <é uma cessação dos direitos cerem de importância. Mas esta divisão é um tan-
através do passar do tempo. Desse falso concei- to bárbara, já que pressupõe uma vinculação ar-
to, surge inadvertido, porém diretamente, o prin- bitrária dos signos com a coisa designada, situa-
cípio: no sistema do direito existe uma classe de ção que não existia em caso nenhum na culta
cessação dos direitos através do transcorrer do legislação romana, e só pôde acontecer na épo-
tempo. O erro passa daquela declaração até o ca bárbara do direito canônico. Geralmente se
princípio jurídico. considera menos importante a explicação do
^ Erros desta classe são muito importan- | conceito em palavras, isto é, a definição. Mes-
tes e mesmo freqüentes. Nos seus últimos anos, mo não sendo de desprezar, a outra explicação
Hõpfner deu um exemplo notável sobre isso. Ele é, de longe, mais importante.
admite que, para adquirir uma propriedade, ne-
cessitam-se titulus e modus acquinndi.
Hugo criticou esta opinião errada, a Segundo caso
/ falsidade do conceito, no sentido de que a toda
aquisição pertence um jactum acquisitionis, que Ordenamento dos princípios do direito (que, erro-
apenas começa com um titulus. Porém Hõpfner neamente, acredita-se que é o único que merece
nunca pôde se convencer a respeito disso, pois ser chamad ode sistema)
estava demasiadamente imbuído dos seus con-
ceitos. Trata-se, especialmente, da apresentação
Neste momento, podemos demonstrar da vinculação interna dos princípios do direito.
algo que indicamos anteriormente. Muitos ten- Deve ser completamente fiel. Refere-se ao se-
tam prescindir do material histórico, mas, desde I guinte:
que algum é necessário, qual deles entrará no sis-
tema? De uma simples opinião, em suma, da tra- a) A relação dos direitos particulares
dição de antigos juristas, surge um formalismo, entre si determina o que se deve se-
uma ciência sem conteúdo. ) parar e o que se deve unir. Assim,
40 FRIEDRICH K A R L VON SAVIGNY M E T O D O L O G I A J URÍDICA 41

por exemplo, os direitos reais e o di- do pela mera forma ou quando é muito amplo e
reito das obrigações devem se sepa- algo deve ser retirado dele. Esta é a teoria da
rar. . .. . interpretação extensiva e restritiva.
b) Em cada parte especial do sistema A recriminação atinge os juristas moder-
deve sè estabelecer a relação entre a nos, em especial, os penalistas. A lei deve ser
norma e a exceção, a qual é mencio- compreensível por meio do tratamento mera-
nada na lei, e para ela serve de fun- mente formal. Parte-se da pesquisa de um fun-
damento. É muito mais difícil, mas damento determinado da lei e depois se amplia
tão importante quanto a primeira. A e se compreende toda a lei. Considera-se a re-
relação, amiúde, dá-se ao contrário, gra expressa da lei como conclusão final, a ra-
e, por tal motivo, originam-se erros zão da lei como premissa por meio da qual sé
freqüentes. Normalmente, a prefe- modifica a conclusão final, de modo que esta
rência recai sobre um ordenamento deva.ser mais ampla — interpretatio extensiva — ou
natural, mais simples, o qual, mes- menos ampla -interpretatio restrictiva. Falamos dela
mo correto, não deixa de ser apenas aqui (no sistema), porque esta operação não é
um ponto de vista subordinado. No uma verdadeira interpretação. Poderia ser cha- ^
método total, nada deve ser consi- mada de interpretação material, para distingui- .
derado como uma insignificância, Ia da verdadeira, já que o resultado seria total-
porém o mais importante merece mente diferente por meio de uma aclaração me-
preferência. Se for descuidado, sur- ramente formal. De acordo com isto, pode ser (
girá algo incorreto. entendida uma passagem de Beccaria (Crime e 1
castigo, § 4), que geralmente é refutado por ridí-
• çulo. Trata-se, nessa passagem, da interpretação j
Da interpretatio extensiva e restritiva material, porque literalmente diz que, por meio
do juiz, algo de fora é adicionado à expressão
Até o momento, falamos sobre como, da lei e só na interpretação material é possível
através da forma, um erro pode ser introduzido esta arbitrariedade. \
no sistema, isto é, por meio de uma operação Nesta operação, o primeiro é o que se
lógica geral, que era lógica (definição) e, portan- \ eleva das palavras, da expressão da lei, até a sua
to, necessária, mas que foi realizada de modo razão. Como é possível encontrá-la? Em algu-
errôneo. Mas existe outra maneira para infiltrar mas leis encontra-se adicionada à regra, mas isto
um erro no sistema: a de uma operação formal, é pouco freqüente e concorda com a teoria da
acidental, quando o sistema deve ser completa- legislação. Na maioria dos casos, apenas se en-
42 FRIEDRJCH KARL VON SAVIGNY METODOLOGIA JURÍDICA 43

contra a regra, e o intérprete deve descobrir e b) Se o legislador pensou nesta razão,


adicionar a razão de uma maneira artificial. então pensou também em todas as
Há de se notar que esta operação é tão possíveis aplicações a outras regras
arbitrária que não é possível falar' em uma ver- que não as por ele determinadas.
dadeira interpretação, porque o que o juiz deve Isto também não é necessário, por-
adicionar à lei, por este único fato, não pode ser que esta conseqüência poderá ser
objetivo. Isso é ainda mais evidente pela insegu- . • suprimida por qualquer membro in-
rança da realização da operação, porque de cada termédio, de modo que ninguém po-
regra se desprende uma seqüência gradual de ra- derá extrair disso uma prova. Neste
zões: uma considerada de modo geral, e a ou- ponto, temos de fazer duas obser-
tra, de forma especial, de modo que a razão pode vações:
ser aplicada a mais ou menos assuntos. Por este • Como já dissemos, nesta operação
motivo, a operação deve ser descartada, porque não é possível falar em uma verda-
a razão não é objetiva pela lei, porém, pela lei, deira interpretação. Na via da mera
algo objetivo deve ser expressado. Existem ca- interpretação, em uma lei qualquer,
sos nos quais a razão não está dada especialmen- . ' .• poderá ser encontrada uma norma
te, mas de maneira tão geral que tudo pode ser geral em uma expressão especial, de
entendido através dela. Desde' que esta opera- modo que a lei não quis expressar
ção apenas é acidental, não pode ser de aplica- mais nada que a regra geral.
ção na ciência do direito.
Mas, o que aconteceu quando o legisla- Está expressa assim em L. 5, de acq. vel
dor estabeleceu a razão? Ele não a estabeleceu admitt. poss., na expressão da estipulação contida
como uma regra geral, nem com um objetivo nesta passagem, a regra geral de todos os atos
prático, mas tão somente para aclarar a regra jurídicos, e não só a regra especial da estipula-
mediante ela mesma. Por esse motivo, não de- ção, que é tão só um exemplo.
vemos aplicar praticamente a razão. Contra isto, Esta interpretação conduz à pergunta:
existem duas formulações: quais são as condições jurídicas em uma regra
dada, e quais não são? Isto pode ser difícil na
a) O legislador provavelmente teve só explicação, mesmo que a regra seja clara.
o objetivo de um uso prático, mas Toda operação falsa é muito diferente
: evidentemente incorreto, porque é - da nossa, desde que, por aquela se reconhece
possível conceber outros objeti- que a regra especial da lei deve ser ampliada,
vos. enquanto que por esta, se reconhece que, em
44 FRIEDRICH KARL V O N SAVIGNY METODOLOGIA JURÍDICA 45

uma expressão especial, está contida uma regra No direito penal. No direito civil, não se
geral. concebe litígio algum no qual não deva existir
uma decisão em favor de uma das partes. No
• Que é correto para o caso em que a direito penal, rege a seguinte norma: uma ação
legislação permanece em silêncio so- é um delito desde que a legislação a declare pu-
bre um ponto particular? Com cer- nível. Do ponto de vista do juiz, praticamente,
teza, nenhum caso determinado é a punibilidade é casual. Se a lei permanecer em
compreendido na legislação, pelo silêncio a respeito da punibilidade de uma ação
contrário, cada um deles deve ser particular, não é possível falar em punibilidade.
subsumido por uma regra superior. Para ela, a ação não é um delito. Por isso, em
Se tal subsunção não for possível, há caso nenhum pode existir uma determinação por
de se fazer uma distinção entre di- analogia. Cremani, De jure crimin., t. 1, p. 243;
reito civil e direito penal. Sageo, Sopraprinc. -deliaprobab.
Pode-se admitir como reconhecida juri-
No direito civil. Aqui, evidentemente, o dicamente, e permitida no direito romano, a teo-
jurista deve descobrir artificialmente a regra, se- ria da interpretação extensiva e restritiva que aqui
gundo a qual o caso será decidido, isto é, em foi rejeitada conforme os princípios meto-
parte mediante uma mera conclusão de uma dológicos gerais? Isto também se assevera e es-
norma geral, e em parte tentando encontrar, na pecialmente está em relação com o mesmo o tít.
legislação, uma regra especial que se refira a um D. delegibus. Invoca-se, antes de mais nada: L. 17
caso semelhante. Esta fica reduzida, então, a uma de legibus. Sare leges, non est verba tenere, sed vim ac
regra superior, e é resolvido o caso, que não foi potestatem.
decidido segundo esta regra (superior). Isto é Porém verba tenere não significa, em ab-
denominado procedimento por analogia, e se soluto, seguir a expressão direta da lei, mas se
encontra muito perto da operação anteriormente apegar à letra, como acontece na Inglaterra, por
condenada. Mas, enquanto no falso procedimen- exemplo. Ela deve ser procurada expressa na re-
to algo estranho é adicionado, aqui a legislação gra. Esta norma justifica nossa operação supra
completa-se a si mesma. mencionada.
Em tais casos, a maioria dos juristas sem- Do mesmo modo podem ser explica-
pre se refere ao direito natural, pelo qual eles dos L. 29 e 30, D. L . 5, C. ib. Mais difícil é L. 10
entendem um resultado geral da legislação po- D., de legibus. L. 12 e 13, ib. (1, 3). L. 10. Negue
sitiva global, abstraído de toda história. Nessa leges, neque senatusconsulta ita scribi possunt, ut
medida, é igual à analogia. \ omnescasus, qui quandoque ináderint comprehendantur,
46 FRIEDRICH KARL VON SAVIGNY METODOLOGIA JURÍDICA 47

sed sufjicit et ea, quae pkrumque accidunt contineri. L. Aquilo que for exceção a uma regra le-
12. Non possunt omnes articuli singillatim aut legibus > gal, aquilo que for particular, não se pode es-
aut senatusconsultis comprehendi, sed cum in aliqua causa Í tender, por analogia, para outros casos semelhan-
sententia eorum manifesta est is qui iurisdictioni praeest tes.
ad similia procedere atque ita ius dicere debet. L.-13. Em nenhuma de todas essas passagens,
Nam, ut ait Pedius, quotiens lege aliquid unum vel ' ' encontra-se aprovação alguma ao procedimen-
alterum introductum est, bona occasio est, cetera, quae to condenado aqui por interpretatio extensiva e
tendunt ad eandem utilitatem vel interpretatione velcerte restritiva. Pelo contrário, existem várias passagens
iurisdictione suppkri. que expressamente o reprovam. L. 20 e 21, de
E de supor que, em todas esta leis, foi legibus. Non omnium, quae a maioribus constituía sunt
abordado um caso que não está expressamente ratio reddipotest et ideo rationes eorum quae constituuntur
determinado em nenhuma regra legal e que, por inquiri non oportet: alioquin multa ex Ais, quae certa
conseguinte, deverá ser decidido segundo prin- sunt, subvertuntur.
cípios fundamentais superiores, enquanto é Estas passagens foram consideradas ri-
construída a regra superior da decisão de outro dículas, mas, vistas de um ângulo prático, dizem
caso semelhante. Trata-se de uma analogia do o seguinte: não se deve fazer uso prático da pes-
mero procedimento, o qual é correto porque é quisa da razão da lei.
necessário, e não de uma modificação da lei. Isto que acabamos de afirmar ficará bem
Certamente, só será possível um aperfei- esclarecido com uns exemplos. L. 2, C. de rescind.
çoamento da lei através do legislador, mas nun- vendit.
ca através do juiz. Isto é: Is quijurisdictionipraeest. Se uma venda foi acordada de modo tal
O pretor tinha tal faculdade, mas não o juiz de que foi pago um preço muito inferior ao verda-
nossos dias. A L. 13 cit. distingue, inclusive, en- deiro, ou a venda não é válida, ou deve ser pago
tre interpretatio e iurisdictio. o restante. O imperador introduziu a eqüidade
Do mesmo modo aqui pertence L. 32 (humanum ~est) como a razão geral deste preceito.
§ 1 C. De quibus causis scriptis legibus non utimur,
Q
Desse fato se deduziu que esta norma é aplicá-
id custodiri oportet, quod moribus et consuetudine vel a toda negociação onerosa, como compra,
inductum est: et si qua in re hoc\ deficeret, tunc quod locação etc. Trata-se, portanto, de uma interpre-
proximum et consequens ei est (et se: quod in legibus tatio extensiva, e não de um procedimento ana-
decisum). lógico, porque, para os outros casos, já existe
Esta última parte não é analogia, como uma norma geral, para os quais se deve esten-
se desprende de L. 14, ib. Sed vero contra rationem I der a L. 2. cit., e esta é: devem-se assegurar os
iuris receptum est, non estproducendum ad consequentias. I arrendamentos e demais. Frente à regra da eqüi-
48 FRIEDRICH KARL VON SAVIGNY M E T O D O L O G I A j URÍDICA 49

dade, encontra-se outra muito mais importante, resultado correto, embora explique a razão de
a do caráter sagrado dos contratos, de forma tal forma errada desde que supõe o perigo para o
que esta suprime aquela. Se assim não aconte- Estado e imputa este pensamento ao próprio au-
cer, deve existir uma razão especial. Esta só é tor do* Procedimento no criminal (PHO, Peinliche
freqüente no caso da venda. Amiúde, devido à Halsgerichtsor dnung).
necessidade de receber dinheiro, o vendedor vê- Evidentemente, a pena é aplicável em
se forçado a vender a coisa, sem que esteja pre- cada um dos três casos mencionados. Poder-se-
sente um Mus. Tal necessidade não se concebe ia supor que o legislador teria adicionado a ra-
em outros negócios jurídicos. A norma é, en- zão de forma errada, já que poderia ter pensado
tão, muito simples, refere-se somente à venda, que não em todos os casos tal perigo iria surgir
Art. 159, CCC (Constitutío Criminalis Carolina). - mesmo assim, o juiz não poderia suprimir o
Esta lei fala do furto qualificado e de seu casti- erro — mas não é necessário supor tal perigo,
go. O furto deve ser castigado, mas, com mais porque na grande maioria de tais casos de furto,
severidade, nos seguintes casos: surgirá o perigo para a pessoa. Por este motivo,
o legislador estabeleceu a norma sob forma to-
• casos de fratura; talmente geral, visando a manter o juiz afastado
• casos de escalamento; de toda-arbitrariedade, porque temia que este
• casos de utilização de armas. pudesse fazer uso da norma de forma tal que
resultasse alterada.
E o legislador, ao mesmo tempo, adicio- Todavia, estas suposições são desneces-
na a razão: porque, nestes casos, o furto é mais sárias, uma vez que toda esta interpretação se
perigoso. apoia sobre um mal entendido, já que tanto
Nesta situação, a maioria dos juristas em- aqui, quanto em outros trechos do P.H.O. (cf.
prega uma interpretatio restrictiva no momento em arts. 40 e 88), "perigoso" (gefàhrlich) significa "de
que convertem a razão da lei em uma regra prá- propósito", "intencionalmente". Do mesmo
tica e exigem sempre o perigo para aplicar a re- modo, como se diz em sentido contrário: "não
gra. O legislador — afirmam eles - determina ex- por perigo" (ungefãhr— acaso), ou seja, "sem in-
pressamente o perigo para a vida e a saúde de tenção", "sem propósito". O furto manifesta-
outrem, como fundamento. Então, essa pena se aqui como uma categoria especial de dolus, e,
mais severa só poderá ser aplicada quando for como tal, é castigado mais severamente. Art.
possível comprovar dito perigo. 178, CCC.
Feuerbach {Direitopenal, § 325), o intér- De forma alguma, deve-se recriminar um
prete mais moderno, com certeza chega a um erro à legislação.
50 FlílEDRICH KARL VON S A V I G N Y METODOLOGIA JURÍDICA 51

O fundamento geral da pena do delito consumação, porém, é pouco provável. Se uma


consiste em que, por medo do castigo, as viola- pena para o cognato for estabelecida, ela impe-
ções do direito serão evitadas. Neste artigo, de- dirá o delito mais facilmente, e, assim, a ameaça •
clara-se punível algo que tão só é o começo da do cognato operará indiretamente sobre que se
lesão do direito: o cognato (= a tentativa). evitem os delitos, conseguindo-se, assim, tam-
Como se chega ao castigo do mero. bém indiretamente, o fundamento geral das leis
cognato a partir do fundamento geral da puni- penais.
bilidade: impedindo a violação do direito? Exis-
tem casos nos quais a ação que contém o cog- Aplicação desta crítica geral da interpretação extensiva
nato é um delito em si, e também existem casos e restritiva à crítica de escritos penais particulares
nos quais o mero cognato não contém nenhum
outro delito. O fundamento geral da punibilidade Todo este procedimento que condena-
— diz-se - rege unicamente para o primeiro caso, mos pode ser resumido sob um nome 'geral:
mas não para o segundo. Por esse motivo, o aperfeiçoamento da jurisprudência pela sua for-
cognato é punível só no primeiro caso. Ã lei deve- ma. Esta recrirhinação cabe principalmente aos
ser interpretada restritivamente, já que o funda- penalistas modernos, porque ultimamente o di-
mento não rege para todos os casos contempla- reito penal tem sido intensamente elaborado.
dos pela lei. Isto foi discutido tão abertamente, que até po-
Mesmo no suposto de que, na determi- der-se-ia acreditar que teriam surgido dois par-
nação da lei (pena também para o segundo caso), tidos. Não é assim, porém, porque em todos
possa ser comprovada uma verdadeira inconse- eles se encontra a mesma máxima: o aperfei-
qüência, o juiz hão poderia interpretar restriti- çoamento formal das leis. Diferem somente na
vamente, porque isto só é um assunto do legis- aplicação particular do dito aperfeiçoamento.
lador. Não é assim, porém. E suficiente indicar Muitos desejam unir a natureza da coisa - o
que ações que, em si, não significam nenhuma que alguns denominam direito natural - com
violação do direito, podem, contudo, ser consi- aquela máxima. Supondo que, neste lugar, não
deradas puníveis para evitar as lesões do direito. existe nenhum mal entendido, resta sempre
A razão pela qual o cognato representa uma vio- censurar o que dissemos anteriormente, falan-
lação do direito é esta: no cognato não se ob- do da elaboração histórica, ou seja, que não se
servam os atos que nele acontecem, mas a dis- elaboram fontes particulares por si mesmas, ex-
posição de ânimo. Existem casos nos quais o traindo delas o resultado. Pelo contrário, mis-
delito é tão provável, que nem mesmo penas turam-se essas fontes: leis positivas e direito na-
severas impedem o delinqüente de cometê-lo, a tural.
52 FRIEDRICH K A R L VON SAVIGNY METODOLOGIA J U J D I C A 53

Geralmente encontra-se essa máxima mes- Influência da filosofia na jurisprudência


mo nos sistemas penais contrapostos. Tittmann
(professor), Strajrechtswissenschajt, Leipzig, 1800, Todo sistema nos leva à filosofia. A apre-
no § 149 da sua obra se refere especialmente à sentação de um sistema meramente histórico
natureza da coisa. - conduz a uma unidade, a um ideal no qual se
O autor principal é Feuerbach, em par- fundamenta. E isto é filosofia.
te, porque abrange a ciência com uma especial Já nos tempos antigos, a filosofia teve
erudição e, em parte, porque formula novos influência sobre o sistema, mas, em geral, so-
princípios, prescindindo totalmente de opiniões mente sobre a forma. Todos os esforços dos ju-
anteriores. Todavia, nem mesmo ele é comple- ristas no sentido de elaborar a jurisprudência,
tamente livre das nossas falhas. Isto se observa logo foram esquecidos ou ridicularizados, en-
especialmente no § 73, que admite uma exce- quanto as elaborações históricas perduraram. A
ção à prescrição qüinqüenal dos delitos carnais, razão consiste em que, na jurisprudência, há
no caso de estarem acompanhados de lesão pes- muitos juristas medíocres, e é possível pensar
soal. A E. Jul. de adult. estabelece prescrição de com mediocridade na elaboração histórica, mas
cinco anos a respeito de todos os delitos que não na filosofia. Nos tempos em que a preocu-
contém. pação só estava voltada para a antigüidade, o
Qualquer outro delito prescreve em vinte mérito filosófico foi desconhecido para aqueles
anos, inclusive o estupro, porque nele há vis pu- que não se encontravam entre os medíocres.
blica. Esta decisão é meramente histórica e aci- Posteriormente, isto mudou, e teve de
dental. Isto deve ser evitado. É expresso por mudar numa época em que a filosofia começou
Feuerbach, mediante a mencionada exceção da a ser elaborada como uma especialidade inde-
lesão corporal. Assim, tira-se à legislação todo pendente. A obra de Grocio (H. Grotius, De jure
caráter histórico. Do mesmo modo, isto se en- belli-acparis) deveria, com propriedade, ser uma
contra na transcrição da parte geral ou filosófi- moral histórica, que o autor-não queria separar
ca, na qual estão inclusas muitas coisas não filo- do direito natural, porém, sua fama deu motivo
sóficas, por exemplo, a prescrição. para tal separação. Muitos eruditos elaboraram
Encontramos a mesma falha em Kleinsch- apenas o direito natural, e, nas academias, fo-
rod {Systematische Entwicklung despeinlichen Rechts) ram proferidas palestras sobre o assunto. Exis-
em um grau muito maior. Com absoluta clareza, tem duas classes' de elaboradores do direito na-
aparece ria sua explicação sobre a interpretação tural (principalmente segundo as faculdades):
extensiva e restritiva. A exposição é deficiente e juristas e filósofos. A intenção principal de to-
carece de preparo. dos eles foi a mesma, somente diferiram na ex-
54 FRIEDRICH KARL VON SAVIGNY METODOLOGIA JURÍDICA 55

posição. Os direitos naturais jurídicos estabele- Desde Fichte não se tem feito muito pela
ciam as verdades jurídicas de forma abstrata e, elaboração filosófica da ciência jurídica, mas é
depois, esperavam encontrá-las por meio da fi- de se esperar que de novos esforços, totalmente
losofia. Os direitos naturais filosóficos percor- diferentes dos trabalhos anteriores, surjam no-
riam outro caminho. O direito natural devia ser vas opiniões. Com estas características, apareceu
considerado como uma fonte subsidiária dos em Frankfurt, uma ZeitschriftfürRechtsmssenschaft
princípios positivos. Nesta visão se apoiava todo (de Molitor e Kollmann), que, fora de discus-
o direito natural, as classes jurídicas olhavam o são, contém o melhor juízo sobre o direito na-
texto histórico, enquanto as classes filosóficas tural de Fichte. Prescindindo do fato de que está
eram mais vazias e mais pobres. escrito com grande genialidade, algumas frases
Uma elaboração jurídica desse tipo é a deixam uma impressão desagradável. Tem-se a
de Gros (Kechtswissenschaft, Tübingen, 1802), que impressão de que algo excelso foi profanado,
introduz a propriedade pretoriana no seu direi- percebe-se que é um produto da época. Goethe
to natural. emitiu uma ponderação eternamente válida so-
Fichte foi quem introduziu a primeira bre todos esse escritos. Wilhelm Meister, t. 3, p.
mudança significativa. Ao invés de partir de uma 81, Berlim, Ünger, 1795; "Não encontrei nos
somatória de princípios práticos, descobertos já atores de teatro, e em geral, arrogância pior que
a priori, partiu de fundamentar filosoficamente quando alguém tem pretensões de espírito, en-
o ponto de vista da legislação, ou seja, da juris- quanto nem sequer a letra é compreensível e
prudência. Suas idéias vão ascendendo grada- habitual para ele".
tivamente. Sua primeira.obra foi publicada anô- A opinião corrente a respeito do es-
nima: Beitràge %ur Berichtigung der XJrteile des tudo do direito natural é que este deveria prece-
Vublikums über die fran^osische Revolution. Na sua der, como conhecimento prévio, o estudo da ju-
Naturrecht, há uma quantidade consideravelmente risprudência positiva. Mas, considerar uma ciên-
menor de princípios práticos'. Sua última obra é cia filQsófica apenas como conhecimento pré-
Dergeschlossene Handelsstaat, com uma concepção vio de uma ciência histórica, seria degradá-la. Po-
totalmente política. rém, nem sequer como conhecimento prévio a
Nestas obras de Fichte, comprovou-se . filosofia é absolutamente necessária para o juris-
quanto é necessária, na elaboração filosófica da ju- ta. A jurisprudência pode ser estudada perfeita-
risprudência, a vinculação com á política. Nota- mente tanto com o direito, quanto sem ele. Isto
se que até o próprio Fichte parece não ter perce- flui do fato de que a jurisprudência pôde flores-
bido, pois incorre em muitas exposições políti- cer perfeitamente em épocas nas quais não se
cas das quais, aparentemente, não é consciente. estudou filosofia alguma, e, se foi estudada, foi
56 FRIEDRICH KARL VON SAVIGNY

de modo tal que não poderia ser considerada


como filosofia. Quem não tiver inclinação para
a filosofia, é melhor que a deixe. O seu estudo Segunda Parte
requer a vida toda, e não tão só metade de um
ano.

METODOLOGIA DO ESTUDO
LITERÁRIO DA JURISPRUDÊNCIA

Observações preliminares a respeito


dá leitura crítica e histórica

Como é possível aplicar o estudo dos li-


vros jurídicos ao estudo geral da jurisprudência?
Ao se ler um ou vários livros sobre qual-
quer matéria, nota-se a preponderância de um
escrito determinado sobre o próprio saber e, en-
tre muitos, é difícil escolher. Da mesma forma,
também não se sabe se uma nova obra é melhor
do que as realizadas até o momento. Em pou-
cas palavras, existem as seguintes regras:

• deve-se ler criticamente;


• deve-se ler historicamente.
Deve-se ler criticamente. Ler significa aumen-
tar os próprios pensamentos sobre uma maté-
ria, que se tenta-elaborar mediante o conheci-
mento de um esforço realizado anteriormente
sobre essa mesma matéria. Ler criticamente sig-
nifica ler de modo tal que seja possível formu-
58 FRIEDRICH KARL VON SAVIGNY METODOLOGIA JURÍDICA 59

lar, concomitantemente, um juízo. Julgar uma tanto mais difícil quanto mais amplo for o ma-
obra significa descobrir como ela se corresponde terial. Para isso, um meio excelente é, desde o
com o seu ideal. Por esse motivo deve-se saber: início, fazer apontamentos, o mais breves possí-
veis e escrever uma opinião determinada, fato
• qual é a missão; qúe, geralmente, acontecerá de maneira auto-
• que fez o autor para resolver o pro- mática.
blema.
Deve-se ler historicamente. É possível conce-
Quando se' lê, poucas vezes se tem co- ber um estudo sem leitura, realizado diretamen-
nhecimento do problema. Geralmente, ele de- te das fontes. Mas, se for feita uma leitura, deve-
corre da própria leitura. se ler historicamente, ou seja, em conexão com
Esta maneira de ler criticamente é uma o todo. Deve-se ler tudo, isto é, no mínimo, co-
regra para toda leitura. Parece paradoxal que, nhecer todas as obras. Neste ponto, podemos
mesmo um principiante, possa ler criticamente pensar em qualquer escrito em forma dupla, ou
uma obra mestra. Mas isto desaparece se o con- seja, em uma série sincrônica na qual cada obra
ceito correto (comparação com o ideal) for vin- figura como uma parte do todo, e cronológica,
culado à crítica. Existe a crítica de admiração a isto é, em relação à totalidade da época à qual a
uma obra mestra e a de condenação a uma obra obra pertence, porque cada escritor está limita-
ruim. do também pelo período anterior. Se cada autor
for considerado nesta dupla relação, a leitura será
• Trata-se de produzir algo em qual-
realizada historicamente. Só de posse de um pa-
quer parte da ciência, por si só, e o
norama geral de todo o campo da literatura, é
mais perfeito possível. Isto é muito
que se pode estudar um determinado autor, e
necessário e muito importante, por-
só assim será possível uma leitura crítica. Desta
que não existe melhor aclaração para
maneira, ao criticar várias obras, exclui-se a pos-
uma obra alheia que a própria.
sibilidade da existência de outra obra melhor.
• Devem-se ler as obras mestras. Não
Este requisito de ler tudo aparenta ser
é o caso de ler muito ou pouco, mas
difícil mas, no fundo, o plano mais perfeito é,
de ler o melhor, o excelente, e de ter
ao mesmo tempo, também o mais fácil e, desta
prática para julgá-lo.
forma, evitam-se, em grande medida, os vácuos.
Em se tratando de obras particulares é A realização de um plano não deve estar atrela-
necessário fazer o esforço de se concentrar o da a um tempo determinado, ela só deve ser exe-
máximo possível na obra a criticar. Esta tarefa é cutada proporcionalmente. Desta forma, o re-
60 FRIEDRICH K A R L VON SAVIGNY METODOLOGIA JURÍDICA 61

sultado não será tão difícil. Assim, o estudo da a) Pode ser considerada a sucessão in-
literatura estará vinculado ao da história da lite- terna na ciência e ser tomada em
ratura, o que comprova a justeza do plano. conta a menor quantidade possível
Para este objetivo o meio auxiliar é, no- de evoluções. Entre cada período
vamente, uma visão geral da literatura e o f a t o i '• científico e o seu anterior, sempre
de tentar abordar a obra por partes. : • .• existe uma íntima relação.
Estas duas regras de ler, crítica e histori-
camente, estão em perfeita relação. Segundo a Este importante ponto foi muito descui-
primeira, pensa-se o livro como parte de um dado na jurisprudência, na medida em que con-
todo ideal, e, conforme a segunda, como parte sideram novos períodos, sem vinculação algu-
de um todo real, o que indica que o estudo ma com os anteriores. Por exemplo, desta for-
metodológico deve estar relacionado com a ela- ma se supõe que, no período dos humanistas,
boração histórica da literatura. surgiu uma elaboração totalmente nova. Esta
opinião é completamente falsa. Tudo o que exis-
Aplicação das regras indicadas em partes tia anteriormente, permaneceu. Só começou uma
especiais do estudo jurídico . nova classe de conhecimentos que se adicionou
ao todo.-Isto aparecerá com clareza se lermos
Neste ponto, não se deve esperar uma um dos humanistas antigos, Alziat ou Zasius.
exposição completa da literatura, em parte por- Nunca se deve supor uma revolução absoluta.
que o número das obras jurídicas "é grande 'de-
mais, em parte porque elas se estendem até os b) Em cada período, tenta-se descobrir
dois campos do direito civil e do direito penal. o ponto de vista que se tinha no
Devem-se revisar o mais rapidamente possível momento de elaboração das ciências.
os dados e notícias sobre literatura.
Toda história literária da jurisprudência • O que era postulado como ideal,
está dividida em duas partes: como missão?
• O que fez cada um para resolver
• história da elaboração científica; o problema?
• resultados da elaboração, conheci-
mento de livros. Até o momento, na elaboração da his-
tória da literatura, tem-se separado a história da
O que foi feito para a elaboração da ciên- ciência, em sentido estrito, da biografia, a histó-
cia? Duas regras são decisivas: ria dos eruditos. Isto é unilateral. Efetivamente,
62 FRIEDRICH K A R L VON SAVIGNY METODOLOGIA JURÍDICA 63

o que deve constar na história dos eruditos ou parte da história da ciência. É um mero registro
tem influência sobre a ciência — e então perten- de informações, o que também não é ruim.
ce à mesma ciência — ou nãó tem influência — Ultimamente, apareceram duas obras:
não pertencendo, portanto, ao tema. Ao mes- Hõpfner, Biographie von Wenck, a respeito da qual
mo tempo, esta divisão é quase geral, e por isso só seja de lamentar que Wenck não tenha sido
se formula a pergunta: O que foi feito, no senti- jurista.
do estrito, pela história da literatura? Depois, a única magistral Biografia de Bran-
Quase nada. A maioria das obras são li- dis, de Spittler, em Mag. E. 1 de Hugo cit. Apre-
vros e catálogos de eruditos. Louva-se dentre senta de forma muito apropriada a relação do eru-
eles: Literaturajúris, de Hommel, mas são meras dito com a ciência.
compilações de informações, misturadas, às ve- Conhecimento de üvros. A este respeito
zes, com piadas. seria desejável.
Alguma coisa foi feita pela biografia, que
é preciso agradecer e justamente a parte mais a) De um ponto de vista bibliográfico,
difícil é a que melhor elaborada está, ou seja, o um repertório geral de todos os es-
primeiro período, que abrange o estudo em Bo- critos jurídicos.
lonha, nos séculos XI e XII. Existe uma obra
clássica a respeito. Sarti, um italiano, começou a No século XVII, Lipenius (m. 1692), que
editar a biografia dos mestres de Bolonha, ela não foi jurista, editou algo semelhante para as
foi acabada, sob o papado de Clemente XIV, por quatro faculdades:
Vaturini, que editou o primeiro volume corres- Lipenius, Biblioteca realisjurídica, 1679 nov.
pondente ao período do século XI até o século 1756, na base do qual, de forma imerecida, foi
xrv. construído tudo o que posteriormente se fez. O
De claris archigymnasii bononiensis professo- plano é bastante medíocre. A exposição, pior
ribus, Bolognae, 1769, 1770. Considerada como ainda.
obra histórico-crítica, é clássica. Struv e Jenichen fizeram algumas contri-
A respeito das épocas seguintes, nada buições. Além disso, as matérias são duvidosas.
foi feito em forma completa. A obra mais com- Posteriormente, foram publicados dois
pleta é: Guido Panzirolus, De claris legum inter- suplementos: por Schott (em Leipzig), que ade-
pretibus. re a Lipenius, porém, com informações mais se-
No século XVII, apareceram: Jugler, Bei- guras, e depois por Senkenberg. Novamente,
trãge %urjuristischen Biographie, seis volumes. Mui- com menor fidelidade que Schott, Bõttcher (em
to exata, embora não seja uma biografia como Herborn).
64 FRIEDRICII KARI- VON SAVIGNY MI/TODOLOGIA JURÍDICA 65

Uma revisão total seria necessária. Direito civil

b) Também é de desejar um catálogo INTERPRETAÇÃO


razoado sobre livros jurídicos, espe-
cialmente para o principiante. Uma O que foi feito em prol da interpreta-
obra de conteúdo menor, mas que, ção das fontes?
ao mesmo tempo, abranja mais que Aqui não corresponde realmente ao es-
a anterior. Um índice sistemático de tudo das fontes, más ao seu tratamento, e tão só
todos os escritos úteis", com ümâ bre- a respeito de cada fonte, ou seja, de cada texto
ve crítica, ou seja, notas sobre modo. impresso, dos que. já existem alguns esforços crí-
e grau de sua utilidade. ticos.

Um trabalho muito mais difícil do que Obras gerais


o anterior. O autor deve ter um conhecimento
pleno da literatura e do direito. O melhor seria que 1. A respeito da jurisprudência pré-justiniana
fosse realizado por uma sociedade de juristas.
O trabalho é difícil demais para uma pessoa só.
• O que colecionou Schulting
Temos:
Sttuv, Bibãothecajuris. ex. ed. Buderi, Jenae,
1756, que, em alguns aspectos, segue este pla- Jurisprudentia antejustinianea
no. E bastante útil e pode ser recomendado. De-
pois, deveria ser apresentada a nova literatura. Escritos de Caio, Paulo, Ulpiano, e ou-
Isto já resulta mais fácil. Com o dito propósito, tros. A crítica do texto é descuidada, mas a in-
o melhor são as instituições de recensão e os terpretação, é muito importante, particularmen-
institutos críticos. Os melhores eram as bibliote- te para o conhecimento do,direito justiniano
cas de Bach e Schott, mas logo se dissolveram. prático. Após Schulting, pouco foi feito nesse
sentido. De qualquer modo, mais pela crítica que
Indicação detalhada de uma-biblioteca jurídica pela interpretação. Assim foram editados: Ulpia-
nüs,Gottingaé, Í788, 8 ; Paulus, Berol, 1795, 8 ;
e 9

Deve seguir a mesma trilha que a meto- ambos por Hugo, porém o segundo foi melhor
dologia absoluta segue. Assim sendo, primeiro preparado. A edição é especialmente importan-
há de se tratar de interpretação, depois, de ela- te, porque está acompanhada de uma visão com-
boração histórica e, finalmente, de sistema. pleta das edições destas obras antigas.

i,
FRIEDRICH KARL VON SAVIGNY METODOLOGIA JURÍDICA 67

Cajus, Lp., 1792, 8 , foi preparado por


fi
De 1580 a 1776, nada se fez pela crítica.
Haübold com notas de Meermann. Em 1583 Gothofred editou o direito justiniano
sem as glosas, num papel ruim, com letra pe-
• O Código teodosiano quena, com algumas notas em formato 4 . Esta
9

edição ruim era muito barata e foi reproduzida


Nele Gothofred fez quase tudo. O pon- muitas vezes. Toda elaboração crítica paralisou
to de vista mais importante para sua utilização é completamente.
a legislação da época dos imperadores cristãos. No início do século XVIII, falou-se bas-
Por muito importante que o estudo do Código tante a respeito de uma nova edição. Brenkmann
teodosiano seja, perde muito do seu aspecto prá- viajou para a Itália a fim de colecionar novamen-
tico, devido ao fato de que üma peça do mesmo te a Florentina. Morreu por lá, legando seu ma-
chegou até nós muito impuro', através do breviá- nuscrito para Bynkershoek, que nada pode fa-
rio alariciano. E esses cinco primeiros livros con- zer para dar continuidade. O manuscrito, que
têm precisamente o direito privado. pertencia à biblioteca de Bynkershoek, foi com-
prado por Gebauer, por 1.050 gulden, e o pri-
2. Coleção justiniana de leis meiro volume foi publicado em 1776. O segun-
do volume, elaborado por Spangerberg, apare-
• Crítica ceu após a sua morte, em 1797.
O resultado total desta nova elaboração
O direito justiniano consta de quatro é muito insignificante. Porém, há nela mais apa-
partes. Algumas delas foram impressas já no sé- relho crítico do que em todas as outras edições.
culo XV, com bastante freqüência e dedicação Contudo, não só a exposição poderia ter sido
(por exemplo, as Instituições, 1468, em Mainz). melhor, também o plano foi erroneamente tra-
Não foram elaboradas criticamente. Um famo- çado. Se a Florentina era considerada como o
so humanista, Policiano, fez, pela primeira vez, único manuscrito original, não deveria ter sido
uma comparação entre as Pandectas e o código admitida variante alguma. Pelo contrário, todas
florentino. Bolognini advertiu sobre isso pela pri- as versões deveriam ter sido consideradas e não
meira vez. deveriam ter sido reunidas sob o nome de Vulga-
Muito foi feito no século XVI. O pri- ta, porque cada manuscrito tem o valor de ma-
meiro elaborador verdadeiro foi Haloander. nuscrito original e constitui uma fonte própria.
Entre os anos 1529-1531, editou todo o direito A respeito do valor da edição gebaue-
justiniano. Depois dele, muito fizeram Konzius, riana das Instituições e Pandectas, v. Dr. Meyer,
Panzius, Charondas e Russard. Gõtt, 1777.
68 FRIEDRICH K A R L VON SAVIGNY M.-TODOLOGIA JURÍDICA 69.

• Inteipretação do direito justiniano tratar de uma interpretação lógica do


texto. Sua utilização é difícil para
Na prática, esta é muito importante. É . nós. Primeiro, porque as edições, na
necessário perguntar: o que foi feito pela inter- sua maioria, estão impressas muito
pretação do texto global? deficientemente, contendo mais er-
Temos muitos e muito úteis commentarii ros do que o próprio original, e se-
perpetui sobre as Instituições. O melhor deles é gundo, porque o que temos como
o de Vinnius. A respeito das outtas partes, os glosa é um extrato defeituoso e ruim
comentários eram muito difíceis devido à sua ex- . dos escritos dos glosadores. Francis-
tensão. A maioria das obras que têm tais títulos co. Accursius, o último dos glosado-
apenas contém observações práticas a leis indi- res, preparou esses extratos que nós
viduais, por exemplo, Brunnemann (ad pand.). mal chamamos de glosas. Provavel-
Faber tinha o plano (rationalid) a respeito das mente ele era o pior de todos. Al-
Pandectas, mas só entregou vinte e cinco livros. guns glosadores devem ter sido ex-
A sua obra é útil. celentes, especialmente Johannes e
Sobre o direito romano global existe só Azo. Deste último conserva-se uma
um intento: a glosa. Ela há de se usar: " lectura in Codicem, com a qual toda a
glosa se converte em código, porém
a) Em sentido crítico; Os glosadores ' . . • e rríuito pior que a lectura. Konzius
não tinham à sua disposição nada foi quem a editou, pela primeira vez,
além dos manuscritos. Amiúde, so- em Paris, em 1577.
. bre o texto faziam observações, das
quais pode-se deduzir a versão que Seria muito útil um lexicon completo.
serviu como base. As vezes, há mui- Neste caso não se trata de real léxica, mas de
tas variantes. verbal léxica. Dos existentes, apenas um pode
b) Em favor da história literária, devi- ser mencionado aqui; Barnabas Brissonus; De
do a que dela surgiram muitas opi- verborum significatione noviss. edid. Heinecàus cum
niões dos juristas posteriores. praefat. Boehmeri, Halae, 1743. Muito tem ser-
c) Como commentariusperpetuus sobre os vido: Joan, Wunderlich, Additamenta ad Brisso-
códigos justinianos. Neste sentido, nium.
são tanto mais úteis quanto menor Também é útil para juristas, Gesneri,
conhecimento da história e da anti- Thesaurus linguae latinae: ajuda precisamente a
güidade se supõe, e quanto mais se compreender Brissonius.
70 FRIEDRICH K A R L VON SAVIGNY METODOLOGIA JURÍDICA 71

Livros especiais Mesmo sendo útil, sua correção admite


certas objeções.
Interpretação de passagens individuais Os escritos abrangem:
das fontes.
Neste campo, ao invés de pouco, tem- • Ou esclarecem só alguns fragmentos
se feito demais. Os escritos abrangem:
Neste ponto, o mais difícil é achar o me-
• Grandes partes de uma fonte particular lhor caminho. Quando se conta com as opera omnia
dos juristas mais significativos, consegue-se ter
Pertencem a eles especialmente os co- reunida a maior parte. Em seguida, vêm as co-
mentários a respeito de títulos inteiros das Ins- leções de pequenos escritos para interpretar, es-
tituições, do Código e das Pandectas. Por exem- pecialmente o Thesaurus de Otto e Meermann,
plo, apareceram vários a respeito dos títulos D. Heinecch, jurisprud. romana et attica.
de verborum significationibus e regulisjúris, especial- A maioria tem índices.
mente de J. Godefroi e de Faber. Haubold, Praecognita júris romani, Lp.,
Além disso, explicações de escritos com- 1796, 8 .
9

pletos dos juristas antigos, por exemplo Paulus, Além disso, existe um grande número de
Ulpiano. Isto aconteceu particularmente na es- pequenos escritos que não aparecem em nenhu-
cola francesa. Cuiacio comentou todo o traba- ma coleção e figuram sob o nome de observationes,
lho de Papiniano, Paulo ad edictum. emendationes, inlerpretationes.
Pode ser encontrado, com uma indica- Seria muito útil um registro geral sobre
ção, na história do direito de Bách. E necessário tudo isto e sobre toda a interpretação jurídica.
um meio auxiliar, um index historicus, para esta Já no século XVI começou a ser oferecida tal
segunda classe de interpretação. Já no século coisa. Em primeiro lugar está: Marc. Anton. dei
XVI se pensou a respeito. Rio, Ex miscellaneorum scriptoribus Digest. Codic. p.
Labitti, index, Parisiis, 1557, 8 , revisado
a interpretatio, Paris, 1580, 4 .
Q

por Wieling, Jurisprudeniia restiiuia, Amstel, \121, Posteriormente editado em forma mais
8 . É muito útil.
Q completa por Brossáus, Lion,. 1590, 4 ; Apare-
9

Haubold prometeu uma nova revisão. ce impresso em várias edições do corpus iurisglos-
Além disso é correto que seja impresso sempre sati. No século XVIII, Hommel quis elaborá-lo
nessa ordem. No que tange às Pandectas, Hommel novamente, mas só apareceu a primeira metade
fez a mesma coisa. Hommel, Paiingenesiajúris., Lp., como Corpus iuris ávilis cum notis variorum, Lp.,
1767,1768, 8 , 3 ts.
9 1768, 8 .
9
72 FRIEDRICH KARL V O N SAVIGNY M E T O D O L O G I A J U;< I D I C A 73

Só passa pelas Instituições e as Pandectas, Historia iuris romani tabu lis illustrata, Lp.,
mas seria de desejar mais perfeição e uma sele- 1790, 4 . a

ção mais apropriada. É, porém, muito útil, es- Também é boa a história do direito de
pecialmente a respeito das coleções. Heineccius, à qual Ritter, e depois Silberrad, adi-
cionaram oportunas notas (Strassburg, 1765,8 ). S

ELABORAÇÃO HISTÓRICA
b) para a história interna do direito é
Esta parte está muito incompleta e os es- • . ' muito importante a obra de Hugo,
critos, na sua maioria, são ruins. Desde muito a única, aliás, desta índole.
cedo, fez-se uma distinção entre história interna
e externa. Da história externa do direito, deve- Sigonius, De antiquo jure populi romani,
riam constar todos os fatos que não contives- noviss. Italae, 1750, que apareceu pela primeira vez
sem princípios jurídicos em si. A história inter- no século XVI. O plano desta obra não é apre-
na do direito (antiquitates) deveria conter todo o sentar uma história do sistema do direito, mas ex-
aspecto histórico dos mesmos princípios jurídi- plicar os clássicos. Por esta razão, tem uma cer-
cos, ou seja, a evolução do sistema. ta limitação, que se evidencia ainda mais na expo-
Nos últimos tempos, os autores afasta- sição, e é o fato de ser desigual. Não obstante, é
ram-se, e com razão, desta separação, que tem muito útil, e de ótimo estilo e, devido ao fato de
algo de incômodo e arbitrário. A melhor obra, e que abrange toda a antigüidade, indispensável.
praticamente a única útil, é: Ikechtsgeschichte de Além disso, nas notas de Schulting, en-
Hugo, 2 ed., 1799.
a contra-se reunido muito material para o direito
Considerando sua forma é ótima. No antigo. Também Gothofred, no seu comentário
que se refere ao material, devido à sua brevida- sobre o Código teodosiano, ofereceu uma con-
de, faz com que não seja desnecessário nenhum tribuição muito importante a respeito do direi-
dos livros antigos para serem usados em aula. to na época dos imperadores cristãos, y \
Entre esses antigos figura: Temos compêndios mal sucedidos de
obras antigas, como o de Selchow (completa-
a) a obra principal para a história exter- mente inútil), e o de Heineccius (nova edição por
na do direito: Bach, Historia iuris, 8 . B
Leeuw e Francker, 1777, 8 ), compilados por
a

A última edição realizada por Stockmann Sigonius e Schulting, sem um estudo pessoal e,
contém importantes adendos, particularmente ademais, com um plano ruim.
nas notas. Haubold os tornou fáceis por meio Como sistema de escritos antigos pode
de tabelas. ser mencionada a excelente obra de Brissonius,
74 FRIEDRICH KARL V O N SAVIGNY METODOLOGIA JURÍDICA 75

Deformulis etsolennibuspopuli romani. nov. edid. Bacb, Compêndio de Bõhmer, mas mesmo merecen-
Ff. etLp., 1754, foi., que reúne e explica as fór- do isto em alguns aspectos, e contendo mais
mulas jurídicas restantes. material, a recriminação anterior também é váli-
da para ele. Hellfeld, pelo contrário, é pior e
LITERATURA DO SISTEMA freqüentemente falso. Porém foi muito comen-
tado, entre outros, também por Glück. Quem
O sistema deve apresentar os resultados pensou e leu sobre matérias separadas, pode
da interpretação, na literatura dos quais devem revê-lo e verificar se não menciona escritores
estar indicados os escritos que servem para se- desconhecidos. A sua literatura é bastante com-
rem estudados como resultado das fontes. pleta. No demais, sua obra não é útil, ao menos
para a fundamentação do sistema! A última obra
Sistemas que abrangem todo o direito romano de Malblank também não é a melhor e, amiúde,
carece de plano. Apenas uma obra é muito útil:
Seria indispensável, e uma necessidade, Westenberg, Principia iuris romani secundum ord. Dig.
uma obra dessa natureza, que pudesse ser seguida Mesmo o plano sendo ruim, a obra resulta
sem hesitação. No que se refere ao ordenamento muito útil como preparação para o estudo das
das partes, a maioria dos escritos está vinculada fontes, aspecto no qual é muito completa. Dentre
a uma das fontes. Nos glosadores já se encontram todas estas obras, nenhuma delas apresenta em
tais obras: Summa in Digesta. Codicem p., também forma completa os resultados do direito romano.
nos juristas franceses, sob o nome de Paratitla. Dentre elas, podemos enumerar também
Assim estava bem. Mais tarde, porém, manteve- aquelas que ordenam as fontes de modo parti-
se a ordem nos compêndios e comentários, o que cular, já que nada contêm além disso.
estava absolutamente equivocado. A maioria das Berger, Corpus iuris reconciliatum cum
obras está elaborada segundo esta ordem. praejatione Senkerbergii. Nesta obra, a ordem é con-
Disto difere o comentário de Stoedt (a fusa demais. Algo melhor e mais útil é Pothier,
respeito dos livros 1 a 27 das Pandectas), que Pandectae justinianeae in ordinem redactae. Contém
passa de título em título e coloca introduções. pouca literatura.
O melhor, porém, é o Comentário de Alguns, porém poucos, escolheram seu
Conzius. Hópfner legou-nos uma obra sobre as próprio plano, mas, na sua maioria são tão ruins,
Instituições que é semelhante, mas não totalmen- que não vale a pena conhecê-los.
te recomendável por carecer de plano. Fr. Conani, Commentarius iuris ávilis. nov.
Dentre os comentários às Pandectas, Neapo/., 1724, 2 foi, é uma das obras mais im-
aquele que perdurou durante mais tempo é o portantes e resulta útil até hoje.
76 FRIEDRICH KARL VON SAVIGNY M E T O D O L O G I A j URÍDICA 77

A melhor e talvez a única obra útil é: respeito de um caso. Para nós, Domat é um es-
Comment. iuris civilis de Hugo Donellus, que, em critor completamente estranho, e freqüente-
vinte e oito livros, contém o sistema completo mente encontramos opiniões pouco comuns.
do direito romano privado. No início, imprimi- Berger, Oeconomiaforensis, é para práticos,
ram-se só onze livros, em Frankfurt, em 1589- como tratado de teoria é muito ruim. Ele foi
1590, em 2 foi. Depois, Scipio Gentilis editou editado pelos célebres juristas Bach, Winkler e
todos os vinte e oito em Frankfurt, entre 1595 Haubold (Lp., 1801, 4 ). S

e 1597, em 5 foi. Posteriormente, mais comple- Hofacker, Principia iuris romani. Sem dú-
to e em in-fólio, em Hanau, 1612, em Frankfurt, vida, esta obra possui um grande mérito, mas,
1626 e em Lukka, 1762-1770 — uma obra es- em parte, pelo próprio plano, que não só abran-
plendidamente editada. Kônig encomendou uma ge o sistema do direito romano mas também o
nova edição, 1.1, Nuremberg, 1800, 8 . Em cer-
a
do direito atual, e em parte porque, devido à
to sentido, é a melhor obra sobre o direito ro- morte de Hofacker, ficou carecendo de homoge-
mano, porque todos os outros planos estão su- neidade e não serve como base para o estudo.
bordinados a ele. O sistema é apropriado e mui-
to recomendável, Considera-se esta obra como Elaboração de partes individuais do sistema
sendo mais difícil que as novas — em grande me-
a) Elaboração de partes individuais do
dida trata-se de um preconceito. Mesmo que
direito. Aqui ajudam as obras biblio-
muitas coisas estranhas devam ser superadas, elas
gráficas comuns.
desaparecerão com um pouco de prática, então
b) Elaborações de questões particula-
a obra se tornará mais segura e mais fácil. Este
res. As mesmas encontram-se indi-
valor especial é quase totalmente desconhecido,
cadas em forma dispersa.
apenas foi utilizado na medida em que se en-
contraram opiniões a seu respeito. Em ambos os casos, é necessária certa
Neste ponto, também devemos conside- familiaridade com a literatura'de dissertações, tão
rar o seguinte comentário: Hillinger, Donellus necessária quanto difícil. A este respeito, está fal-
enuckatus, Jenae, 1710, 4 , impresso juntamente
a
tando um repertório próprio. Por este motivo,
com a edição de Lukka. tenta-se revisar rapidamente qualquer coleção
Outro sistema do direito é: Domat, Les importante e assim reunir certas normas. Por
lois ríviles dans kur ordre naturel, Paris, 1689, 4 . O
a
exemplo, vai-se encontrar que as dissertações do
ordenamento é ruim, ele é tomado dos enga- século XVII são completamente inúteis.
gements (obrigações) etsuccessions (sucessões). No O melhor do repertório encontra-se em
total, é bastante pobre, mas pode ser utilizado a Hofacker, Princípios.

i
78 FRIEDRICH KARL VON SAVIGNY METODOLOGIA JURÍDICA 79

Direito penal sua escassa extensão. O comentário principal é


o de Bõhmer, mas não é uma interpretação ver-
Além das obras bibliográficas gerais que dadeira. Nesse sentido, o melhor é o de Kress.
correspondem a esta área, existem algumas ou- Melhores ainda são alguns antigos, como os de
tras específicas para o direito penal: Uteratura de Ziriz e Renus. Walchii, Glossarium germ. interpret.
derecho feudaly criminal. Bastante defeituosa. CCC inserwens,Jtnae, 1790, 8 . 9

Algo melhor é: Uteratura de derecho penal Quem mais fez pela crítica do texto foi
(de Blümner), Lp.,1794. Koch, embora tenha tido que remontar às fon-
O direito penal, mais do que qualquer tes originais, já.que se ateve quase exclusivamente
outro campo da jurisprudência, está apoiado so- às edições antigas da Carolina.
bre diferentes fontes independentes entre si: ale-
mãs e romanas, duas legislações completas que ELABORAÇÃO HISTÓRICA
quase sempre abarcam os mesmos objetos. Por
' este motivo, enquanto se cometer o erro de não
1. Direito penal romano
separá-las, e se persistir no mesmo, não será pos-
sível uma elaboração profunda.
Não havemos de procurar nada a esse
Novamente, os escritos se dividem em
respeito entre os nossos penalistas, porque o me-
literatura da interpretação, da história e do sis-
lhor foi feito pelos filólogos.
tema.
A história externa do direito segue o
mesmo caminho querer, direito civil, enquanto a
INTERPRETAÇÃO interna é tratada em* vários escritos, os de Hei-
neccius, entre outros;. Os escritos apresentam
1. Direito penal romano diferenças conformemos períodos.

A esse respeito quase não se fez nada. A Primeiro período. Até o ano de 604 u.c.
interpretação há de se procurar no direito pri- eram poucas as leis-penais.
vado romano, do qual não está muito separada. Naturalmente não existia nada mais im-
portante do que a\ função de juiz,, já que só a
2. Direito penal alemão jurisdição foi determinada de forma precisa. Há
muita escuridão a.respeito.
A fonte principal é a Carolina, sobre a Autores para o primeiro período são:
qual apareceram muitos comentários devido à Sigonius, De antiquo jure populi romani. Na seção
80 FRIEDRICH K A R L VON SAVIGNY METODOLOGIA JURÍDICA 81

de antiquo jure ávium rom. Lib. 2, cap. 18 - de Devido à prática dos tribunais, estabele-
judiais. Lib. 2, cap. 3. Scipio Gentilis, Disputationes ceram-se penas mais severas, algumas introduzi-
iurispubl. rom. — opera t. 1, Neapol., 1763. das no direito penal desde o direito civil, por exem-
Van Der Hoop, De iis, qui antiquitus apud plo, a maioria dos casos de furto. Surgem os crimi-
Romanos de criminibusjudicarunt. Lugo. Batav. 1723 na extraordinária, crimes para os quais é bastante a
apud Meerm. in suppl. satisfação privada, mas são punidos publicamente.
Madihn, Viássitudines rerum criminalium É possível conhecer esta nova forma
apud Romanos. Halae, 1772. através dos escritos dos juristas que falam em
. Toli, Diss.philog. de quaestion, rerum capita- prática judicial. Especialmente aqui temos o
lium, Hardervyci, 1776. quinto livro de Paulus. D. 47. 48.
F. Sachs, De ordine judiciorum publ. apud
Romanos. Ultrajecti, 1784. Quarto período. A partir deste período, as
Heyne, 2 progr. de judiciorum publicorum constituições dos imperadores continuaram desen-
ratione et ordine apud Romanos, 1788, opusc. acad., volvendo o direito penal. É especialmente impo-
t. 4, n 4, 5; t. 3, n 11.
s fi
rtante a influência da religião cristã. As fontes
principais são: L. 9, Cod. Just, e L. 9, C. Theod.
Segundo período. No ano de 604 u.c. (149 A melhor elaboração do quarto período
a.C.) surge a lex Calpurnia de repetundis. Tornou- encontra-se no comentário de Gothofred a res-
se fato corriqueiro ditar uma lei própria para cada peito de L. 9, C. Theod. '
delito. Afloram as quaestionesperpetuae, por exem-
plo, a lex Julia por cima do crimen laesae majestatis, Quinto período. Justiniano também com-
por isso é melhor o estudo das /^«particulares. pilou o direito antigo e, por esse motivo, surgiu
Esse período acaba sob o império de Augusto. uma estranha mistura de institutos velhos e noj-
Sigonius, 1. c. Comentários das Institui- vos. Deve-se, então, separar tudo: o direito anti-
ções sob o título de publ. jud. go do direito prático justiniano.
Para este período quase nada foi feito, a
Terceiro período. Todo o direito penal an- maioria considerou tudo como se fosse contem-'
tigo tinha por fundamento a constituição repu- porâneo.
blicana. Por este motivo, devia ser reformado Comentários sobre as Pandectas (L. 47,|
pelos imperadores. Pode-se considerar .este pas- 48) e o Código (L. 9).
so como concluído no início do século III. A Ant. Mathaeus, De criminibus, oferece o
jurisdição tornou-se mais simples. L. 1. pr. de seu próprio comentário sobre os livros 47 e 48
officio praefecti urbi. das Pandectas.
82 FRIEDRICH KARL VON SAVIGNY METODOLOGIA JURÍDICA 83

2. Direito penal alemão Os maiores sistemas derivam dos italia-


nos, mas são pouco úteis e declinam entre os
A CCC e sua história. Trata-se dos tribu- anos 1750-1760. Resultados deBeccaria.
nais alemães de jurados e suas modificações por Dentre os alemães, existem muitos co-
meio da influência do direito romano, especial- mentários, na maioria ruins.
mente da história dos governos de Maximiliano Quistorp, Peinliches Recht, é inútil para o
I e Carlos V. estudo. Trata-se de uma compilação sem espíri-
Além das obras gerais, é especialmente to, o que os práticos preferem.
recomendável, devido.à qualidade de seu mate- A elaboração da parte geral de Kleins-
rial, mas não como uma obra histórica, Malblank, chrod já foi criticada.
Geschichte àrpeinkhen Halsgerichtsordnung, Nürnberg, As duas obras mais úteis' são: Meister,
1783, 8 .
B
Principia iuris criminalis, que contém pouco de
Depois da CCC, toda modificação reali- novo, embora apresente as opiniões gerais em
zada foi por meio da prática dos tribunais. Por forma simples, e Feuerbach, Lehrbuch desPeinlichen
este motivo, seria desejável uma história dos mes- Rechts, que é o melhor que foi feito até agora,
mos. Porém, por estar relacionada com a histó- mesmo com erros.
ria da literatura, resulta difícil. E, para estar ao par da literatura deste
tempo, podem-se recomendar as duas publica-
LITERATURA DO SISTEMA
ções seguintes: A melhor, Bibliothek des Krimi-
nalrechts, de Grolmann, Almendingen e Feuer-
Hão de ser considerados a respeito os bach, e o desaparecido Archiv des Kriminalrechts,
comentários mencionados sobre as Pandectas, de Klein, Kleinschrod e Konopak.
o Código e a CCC.
Os sistemas que seguem um próprio pla-
no, sistemas estes que são mais freqüentes no
direito civil, são mais importantes, embora, em
geral, ainda muito incompletos. E necessário re-
visar o que há de melhor, para ter uma visão ge-
ral pessoal. As fontes históricas estão sempre
misturadas. A elaboração.da parte mais difícil,
chamada parte geral, é ainda tão acientífica, que
necessariamente cada um deve procurar, pontos,
de vista pessoais.
Terceira Parte

METODOLOGIA DO ESTUDO
ACADÊMICO DO JURÍDICO

Em outros tempos, na Idade Média, a


comunicação cientifica e acadêmica eram uma e
a mesma coisa. Em nossa época, especialmente
desde a invenção da arte da imprensa, isto mu-
dou muito, porque quase tudo o que pode ser
ouvido nas universidades, pode ser lido também
nos livros. Com isto, as universidades perderam
muito do seu prestígio natural e assim também
os Spruchcolkgia, já que não detêm o monopólio
da comunicação científica.
Afirmou-se que as universidades agora
são supérfluas, mas pode-se dizer o contrário,
pois, só perdendo aquele monopólio, ganharam
um terreno próprio. Querendo atingir o objeti-
vo de um estudo erudito, no final deste, deve
estar formada, na mente dos estudantes, uma
visão independente a respeito da ciência, de
modo tal que eles possam se movimentar livre-
mente. É, então, sempre necessário o estudo pro-
86 FRIEDRICH KARL VON SAVIGNY M E T O D O L O G I A J URÍDICA 87

priamente erudito. Contra esta idéia, existe o o segundo, ou seja, as inúmeras dificuldades que
preconceito de que o estudo erudito é comple- surgem da grande quantidade de escritos sobre
tamente diferente daquele que possui o homem a mesma matéria.
de negócios. O orgulho pedante destes últimos A verdadeira prova que atingiu o ensino
transportou este conceito para sua rotina de ne- acadêmico é a seguinte:
gócios e assim se manteve. O mal entendido é
fácil de suprimir. • Todas as ciências encontram-se in-
Sem estudas acadêmicos, é possível que timamente vinculadas entre si, e se
o objetivo de todo o estudo científico seja atin- o ensino for liberal (como deve ser),
gido, tanto pelo homem de negócios quanto pelo esta vinculação deve estar exatamen-
homem de ciência? te reconhecida.
E possível, porém muito pouco freqüen- • Do mesmo modo também deve sur-
te, devido às muitas dificuldades. Dentro de cada gir o contraste da ciência em ques-
homem, em certa medida, existe um início, de tão a respeito de toda outra ciência.
preguiça espiritual, de modo que ele faz somen-
te aquilo que lhe é oferecido em primeiro lugar. Todo estudo liberal, então, conduz a uma
Se alguém aprender uma ciência só por meio dos cultura literária profunda.
livros, sem assistir às aulas, e, além disso, estu- O objetivo das universidades é mal in-
dar por conta própria, estará sujeito, em grande terpretado, e tanto teórica quanto praticamente,
medida, só àquilo que acontece acidentalmente, opõe-se à opinião generalizada de que consiste
adotará opiniões alheias, terá um comportamento em ensinar os conhecimentos mais indispensá-
totalmente passivo perante as mesmas, não ten- veis na forma mais breve e simples possível. Isto
do uma visão livre da ciência. No estudo, exis- pode ser conseguido muito mais facilmente por
tem muitas dificuldades, especialmente para o ini- meio dos livros. O verdadeiro objetivo da uni-
ciante, que não se podem superar facilmente sem versidade é o de nos introduzir no estudo cien-
consultar alguma outra pessoa que já tenha estu- tífico, de forma tal que nenhuma parte deste seja
dado profundamente toda a ciência, que dela te- estranha para nós, ou, pelo menos, que esteja-
nha uma visão geral e que tenha atingido certo mos em condições de aprender o que faltar de
aperfeiçoamento. modo mais fácil e profundo.
Ambos os argumentos desaparecem no Aplicado isto no estudo acadêmico da
estudo acadêmico. O primeiro, a falta de exercí- jurisprudência, o seu objetivo deveria ser con-
cios sistemáticos da própria atividade, será su- duzir até tudo aquilo pertencente à jurisprudên-
perado por meio do ensino oral, assim também cia. A respeito do estudo absoluto, é necessário
88 FRIEDRICH KARL VON SAVIGNY 89

que para nós nada resulte estranho em exegese, 0 estudo da jurisprudência segundo
história e sistema, ou seja, que o estudioso saiba o estado atual das universidades
ou ao menos possa encontrar onde poderá
aprender o restante. As nossas universidades não têm esse
Para esclarecer aquilo que foi exposto,. ordenamento, embora por regra geral tendam no
serve bem: sentido desse objetivo. Porém os meios para atin-
gi-lo não são bem-escolhidos, já que as aulas, na
Plano do curso jurídico acadêmico sua maioria, nada mais oferecem que aquilo que
um livro bem escrito sobre a matéria poderia
Todas as aulas deveriam estar assim or- oferecer. Prescindindo disto, evidentemente, es-
ganizadas: pera-se mais proveito de uma palestra acadêmi-
No primeiro curso deveria ser dada uma ca que de um livro, que pode ser igualmente bom
introdução às fontes, de modo tal que nada fi- ou melhor ainda, conforme o seu índice (se não
casse estranho. Mas, como isto só é possível por melhor, pelo menos um pouco diferente).
meio da história, deveria ser oferecida a histó- Então, o que é isto?
ria do direito e, dentro dela, a pesquisa das fon- Cada livro é um fato particular da série
tes. de elaborações da ciência. Ao invés, a palestra
Pertence ao segundo curso o conheci- acadêmica nãpé assim. Não se espera que ela
mento dos resultados das fontes, o sistema. Mas contenha algo de novo, porque dela s e espera
v

não deveria ser apresentado como algo demons- que nos conduza diretamente ao estudo da ciên-
trado, e sim como algo que se deve descobrir. cia e da literatura.
Também seria necessária a vinculação com a . Em. que está baseada esta diferença?
exegese, de modo que o sistema surgisse evidente O que toda comunicação, todo livro ou
em cada momento da interpretação.. Para isto,. palestra podem conter de melhor é, sem dúvi-
não se requer a totalidade do material, mas tão da, o método de pesquisa. Segundo dizemos, po-
só aquilo que tende à elaboração posterior de demos encontrá-lo em cada forma de comuni-
todos os objetos. Este último parece não ser cação. Mas nos livros ele deve ser extraído pelo
possível. Porém o é se pensarmos quanto é pos- leitor e descoberto mediante um processo arti-
sível ganhar em tempo, e quanto se beneficia a ficial, o que é possível, mesmo que difícil.
sensibilidade do auditório com a brevidade e a Completamente diferente é o caso da pa-
eliminação do desnecessário. Por este motivo, lestra acadêmica, em que o método de pesquisa
uma palestra breve pode, freqüentemente, con- é conseguido diretamente, ou seja, em que o mé-
ter mais conhecimentos reais. todo é comunicado ao auditório também de for-
90 FRIEDRICH K A R L VON SAVIGNY METODOLOGIA JURÍDICA 91

ma direta. A dissertação acadêmica, então, não nenhuma' aula universitária. Realiza-se um bom
é supérflua. Porém, como se supõe que nem exercício revisando rapidamente as fontes, sem
sempre é assim, deveríamos pensar que é assim, passar'por alto nada importante. Notas deverão
e tratá-la de um modo diferente de como real- ser tomadas. Assim, será possível obter facilmen-
mente é - o qual é tão difícil quanto o estudo te uma visão do método do professor e extrair
de um livro. o melhor da sua dissertação.
A aplicação dos princípios fundamentais A única dissertação preparada segundo
gerais do estudo da jurisprudência pressupõe o o que foi comentado é a de Hugo sobre as Pan-
seguinte princípio: "Este estudo consta de in- dectas.
terpretação, história e sistema". Tudo isso deve- *' Só deste modo é possível aprender a in-
ria se expor em separado, mas devido a que as terpretação das fontes: apenas mediante uma in-
dissertações acadêmicas estão preocupadas quase terpretação própria pode-se construir uma opi-
unicamente com a apresentação do sistema, de nião pessoal para julgar as inúmeras opiniões
resultados, o ouvinte deve fazer uso dela e vin- alheias.
cular-lhe sua própria interpretação. Trata-se, en-
tão, não só de crer em tudo o que se diz, mas de Utilização imediata das dissertações acadêmicas
comprová-lo.
Devemos tomá-las criticamente, não se
Os meios auxiliares (para tirar proveito das palestras) tratando especialmente de controlar a verdade
das sentenças particulares, mas de obter a visão
Estudo das fontes do todo. Há, em toda dissertação, definições,
conceitos, panoramas esquemáticos etc, meras
Aquilo que deve acontecer antes da dis- facilidades, justamente o de menor importância.
sertação - preparação. Aqui, como em geral, o A parte essencial, o método da pesquisa, não
estudo das fontes é o melhor meio auxiliar. O pode ser encontrado em tais meios auxiliares
melhor caminho parece ser o seguinte: contro- lógicos. Não devemos nos distrair do real, mas
lar as passagens de referência e comparar com nos acostumar a modificar freqüentemente as
elas os princípios a serem comprovados. Porém, definições dadas, mesmo não sendo as melho-
isto somente seria possível se, nas próprias cita- res. Os pontos de vista pessoais do professor
ções, houvesse um plano e uma perfeição, pois devem ser apenas meios fáceis para nos comu-
não deveriam conter nada inútil, nem esquecer nicarmos.
nada essencial. Poucas vezes é este o caso, e não
pode ser encontrado em nenhum livro nem em

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