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SAVIGNY, Friedrich Karl Von. Metodologia Juridica PDF
SAVIGNY, Friedrich Karl Von. Metodologia Juridica PDF
JURÍDICA
METODOLOGIA JURÍDICA
Êenfro Universitário Bíifer dos Reis
BIBUOTESÂ
N° de Registro:.
Metodologia Jurídica
Tradução
HEBE A . M . CALETTI MARENCO
Copyright by Friedrich Karl von Savigny
Adequação lingüística
Regina Célia de Carvalho Paschoal Lima
Projeto Editorial
Katia Verginia Pansani SUMÁRIO
Copiclesaue e Capa
Ana Teresa Murgel de Castro Santos
Segunda Parte
METODOLOGIA DO ESTUDO LITERÁRIO
DA JURISPRUDÊNCIA
Terceira Parte
METODOLOGIA DO ESTUDO
ACADÊMICO DO JURÍDICO
- não pode ser enquadrado no conceito da ju- dente da arbitrariedade do outro, e um terceiro
risprudência, pois o direito público supõe o Es- deveria decidir até onde poderia chegar a limi-
tado só existente, enquanto a ciência legislativa tação. Porém, desde que haja um grande espaço
o concebe como autuante. Ambos entrelaçam- para a arbitrariedade do terceiro, melhor seria
se, mas não podem ser compreendidos sob o mes- que existisse algo totalmente objetivo, algo to-
mo conceito. Porém, não é com isto que se nega talmente independente e afastado de toda con-
o grande interesse no estudo do direito público. vicção individual: a lei. Ela deveria, então, ser
Agora grande parte do direito público.deve ser completamente objetiva conforme a sua finali-
tratada de maneira similar ao direito privado. Por dade original, ou seja, tão perfeita que quem a
exemplo, uma propriedade tem jurisdição, do aplicasse não teria que adicionar nada de si pró-
mesmo modo que qualquer outro direito priva- prio. Denomina-se saber histórico, todo saber
do, porque em todos os Estados modernos exis- de algo objetivamente dado. Por conseguinte, to-
te uma relação que é mais antiga que nosso di- do o caráter da ciência legislativa deve ser histó-
reito público: a constituição feudal. O direito pú- rico, isto novamente implica que deve ser:
blico dos tempos antigos era mais puro. a) histórico no próprio sentido, e
Por conseguinte, a função legislativa é b).- filológico.
dupla: legislação de direito privado e legislação
de direito penal. Porém, as normas da elabora- A respeito de a — por enquanto, deve-
ção devem ser deduzidas daquilo que é comum mos adiar a discussão.
às duas: os princípios fundamentais. Eles são: A respeito de b — novamente, este prin-
cípio deve ser inferido da natureza da coisa. A
• a ciência legislativa é histórica; existência livre e a independência do indivíduo
• a ciência legislativa é filosófica; com respeito à vontade de outros devem ser de-
• a ciência legislativa.é histórica e fi- fendidas necessariamente em todo Estado.
losófica. Existe a seguinte alternativa: ou é desig-
A ciência legislativa é uma ciência histórica. A nado um árbitro para os prováveis litígios entre
necessidade do próprio Estado; radica em que os indivíduos, ou, melhor, existe algo totalmen-
deve existir algo entre os indivíduos que limite te exterior, que não depende de arbitrariedade
o domínio da arbitrariedade de uns contra os ou- alguma: a lei. Isto é, a lei civil, no que tange à
tros. O Estado faz isso por si mesmo, por.ser determinação da ação do indivíduo, ou a lei pe-
um fenômeno entre os indivíduos, porém isso é nal, no que se refere à garantia de dita ação. Desta
• feito diretamente pela função legislativa. O grau forma, não é a arbitrariedade do juiz a que toma
*de limitação do indivíduo deveria ser indepen- a decisão, mas a própria lei. O juiz apenas reco-
nhece as normas e as aplica no caso particular. impera, especialmente no direito penal, a apli-
Estas normas estão estabelecidas pela ciência do cação literal da lei, e onde nunca se chegou a
direito. Por isso, o juiz, além'da função em co- uma interpretação lógica correta. Faz tempo
mum com o jurista, tem mais outra. Uma vez ' 1 que lá foi estabelecido o jurado que pesquisa o
que a lei foi estabelecida para excluir toda arbi- fato.
trariedade, a única ação e a única tarefa do juiz é Por meio destes casos, bem como pelas
uma interpretação puramente lógica. novas instituições, na França, comprova-se que
Isto está incluso na expressão: a jurispru- nosso princípio é fatível.
dência é uma ciência puramente filológica. A. ciência legislativa é filosófica. Bem cedo
Será que, desde o início, este princípio encontramos ensaios de uma elaboração siste-
foi reconhecido como certo? mática da jurisprudência. Nos tempos moder-
Na nova ciência legislativa, além da teo- nos, eles são freqüentes. Tal tratamento teria um
ria legal, encontramos um sistema de prática, valor muito pequeno se só oferecesse uma ca-
que freqüentemente se opõe a ela e, por conse- talogação, um conjunto de matérias comoda-
guinte, origina duas classes de juristas: os teóri- mente adicionadas, pois seria um simples auxí-
cos e os práticos. A causa desta cisão foi a indi- lio para a memória. Pelo contrário, se o objeti-
ferença que manifestou o poder legislativo a res- vo for ter verdadeiro mérito, a sua coerência
mínima deve ter unidade. Para isso, ele deve ter
peito da legislação, na maioria dos Estados mo- i
um conteúdo geral - tarefa geral da ciência do
dernos. Os juizes consideravam que tinham jus-
direito —, e toda a legislação, um conteúdo que
tificativas para mudar a antiga legislação porque
não esteja sujeito ao acaso. O conceito da legis^S
muitas situações novas não concordavam com
lação civil e penal foi uma tarefa geral desta na-\
aquela, e porque o poder legislativo não exer-
tureza, de forma que é possível uma elaboração |
cia suas faculdades. Isto é muito significativo na
sistemática da jurisprudência. Porém se tal ela-
Alemanha, especialmente no direito penal, país
boração existe, a jurisprudência limita direta-
no qual, em períodos anteriores, foi permitido
mente com a filosofia, a qual, mediante uma
que a prática existisse tranqüilamente junto à teo-
completa dedução, deve indicar todo o conteú-
ria, e só nestes últimos tempos foi muito ataca-
do da tarefa geral. Portanto, a jurisprudência é
da. JThibault, Breit %ur Kritik der Feuerbachschen
uma ciência filosófica.
Theorie des peinlichen Kechtes (Contribuições à crí-
tica da teoria feuerbachiana do direito penal), A ciência legislativa ê histórica e filosófica.
p. 98]. Mesmo os dois princípios anteriores sendo dife- "
Em outros Estados, desconhecem-se rentes, ambos são verdadeiros, e, por esse moti-
estas disputas, especialmente na Inglaterra, onde vo,-devem estar relacionados entre si: o caráter
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METODOLOGIA JURÍDICA 7
perfeito da jurisprudência reside nesta relação. reito que, por sua vez, está relacionada exata-
O particular, que é conhecido como particular mente com a história dos Estados e dos povos,
na elaboração filosófica, ao mesmo tempo deve já que a legislação é uma ação do Estado. Po-
ser considerado como um todo na elaboração rém, o conceito usual da história do direito é li-
sistemática e, novamente, deve ser possível de- mitado demais. Ela era considerada como uma
compor, em seus elementos, o aspecto sistemá- parte da história do Estado e somente eram enu-
tico da jurisprudência. O tratamento da jurispru- meradas as mudanças introduzidas (história ex-
dência deve, então, conter em si a condição de terior do direito). Este fato, mesmo sendo útil,
uma elaboração interpretativa e filosófica. Mas, não era suficiente. O sistema deve ser concebi-
primeiramente, exegese e sistema devem ser ela- do como em progresso constante, e estar relacio-
borados em separado, e não serem elaborados nado com o todo (história interior do direito),
juntou e depois separados, caso contrário, a ela- mas não deve elaborar somente questões isola-
boração fracassará necessariamente. Um traba- das do direito.
lho mal sucedido se encontra emjurid. Archiv (de Esta elaboração histórica da jurispru-
Gmelin, Tasslinger e Danz), 4, t.. 1, Tübingen,. dência pressupõe outras elaborações, deve-se
1801, onde os elementos particulares estão ex- partir da exegese e relacionar o sistema com ela.
postos grosseiramente um ao lado do outro. , (Pelo contrário, se também considerarmos a ati-
, Toda a apresentação que segue tem o vidade espiritual, a elaboração histórica se asse-
objetivo de demonstrar: melha à filológica e se coordena com ela. Ambas
serão designadas como elaboração histórica e
• como deve ser realizada uma elabo- estarão colocadas frente à sistemática). Disto
ração puramente exegética da juris- surge, então, a elaboração histórica. A legislação
prudência; deve, primeiramente, estar separada em seus ele-
i • como deve ser realizada uma elabo- mentos particulares, e depois ser apresentada na
ração sistemática da mesma; relação verdadeira segundo seu espírito, e só en-
j • como, em conseqüência, a relação en- tão, o sistema, assim descoberto, poderá ser co-
tre ambas resulta espontaneamente. locado nos períodos particulares determinados,
segundo uma ordem histórica.
A legislação deve ser concebida em um Há de se pensar, portanto, em uma
determinado período. Com isto retornaremos à metodologia completa e absoluta:
elaboração verdadeiramente histórica da juris-
prudência, que já mencionamos (v. supra). Isto • como é possível uma interpretação
•nos conduz ao conceito de uma' história do di- da jurisprudência? (parte filológica);
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METODOLOGIA J URÍDICA 9
c) uma parte histórica. A lei é dada num conceito geral da interpretação, e o conceito de
momento determinado, para um po- uma lei obscura sempre é muito vacilante. A ta-
vo determinado. Então, é preciso refa suprema da interpretação é a crítica supe-
conhecer as condições históricas pa- ) rior, isto é, a restituição de sentido a um texto
ra captar o pensamento da lei. Só é corrompido. Tudo aquilo que é dado, só é dado
possível a apresentação da lei atra- indiretamente, e, neste meio, neste ser dado, pode
vés da apresentação do momento acontecer uma falsificação. Se o dado indireta-
em que existe a lei. mente diferir do texto fundamental, este deve
ser restabelecido. A crítica superior deve contar
Porém, a lei deve ser objetiva, ou seja, com os mesmos elementos de toda interpreta-
deve se expressar diretamente. Por este motivo, ção, ou seja, com elementos lógicos, gramaticais
todas as premissas da interpretação devem se j e históricos. Também neste caso, o intérprete
encontrar na própria lei ou em conhecimentos [ deve fazer surgir de modo artificial o conteúdo
gerais (por exemplo, conhecimento da linguagem da lei, mas há de se supor que as partes extravia-
da época). A interpretação torna-se fácil se o in- - das do texto original devem ser encontradas.
térprete se coloca no ponto de vista da lei, mas Todas as partes estão em relação com um todo
apenas se for possível conhecer esse ponto de orgânico, querendo ser um todo, nada pode fal-
vista por meio da própria lei. Fala-se, geralmen- tar. Se algumas partes forem autênticas e certas,
s
te, que, na interpretação, tudo depende da in- { elas servirão de base para concluir como seriam
tenção do legislador. Mas isso é meia verdade, as incorretas. Existem duas possibilidades:
porque depende da intenção do legislador des- • que o próprio texto faça diretamen-
de que apareça na lei. te com que a crítica seja necessária
Agora podemos determinar completa- j (por exemplo, quando existem dife-
mente o conceito. Interpretação é reconstrução j rentes maneiras de leitura);
do pensamento (claro ou obscuro, é o mesmo) • , \ • • a necessidade da crítica não resulta
expresso na lei, enquanto seja possível conhece- j diretamente evidente, mas sua ne-
lo na lei. •. . cessidade é revelada pela interpre-
O conceito usual de interpretação (es- | tação.
clarecimento de uma lei obscura) é completa- j
mente inútil. Realmente, entende-se por inter- , No primeiro caso, a crítica deve respon-
pretação uma aclaração artificial da lei, de for- der exclusivamente a uma certa pergunta, en-
ma que o conceito está correto, massempre se quanto que no segundo, deve-se formular a per-
encontra de modo grosseiro subordinado a um } gunta e procurar a resposta.
12 FRIEDRICH KARL VOM SAVIGNY
METODOLOGIA JURÍDICA 13
Toda crítica, do mesmo modo que toda pondente para tal tarefa, mas é a prova diplo-
interpretação, deve trabalhar com a certeza. Mes- mática do acertado da crítica. Então, ela atingiu
mo não sendo sempre possível, esta idéia deve, tudo o que pode ser conseguido.
pelo menos, nortear todo o labor. Na crítica, a O que acabamos de afirmar pode ser
expressão "audácia" é completamente imprópria, comprovado em dois exemplos:
porque toda crítica prescinde da arbitrariedade
e pressupõe uma necessidade. • Aclaração da lei 8, § 1, de acquir. rer.
Esta crítica superior recebe o nome de dom. (D. 41,1): Sed et sim confinio lápis
crítica de conjectura. Devido ao fato de ter, como nascatur, et sunt pro indiviso communia
ponto de partida, a nossa ciência, este é o lugar praedia, tunc erit lápis indiviso communis,
a que pertence, visto que a crítica diplomática si terra exemptus stt.
deve precedê-la. Porém, o nome de crítica de
conjectura não é muito adequado para nossa teo- É completamente contraditório o fato de
ria, porque esta procura a certeza. De outro lado, que nesta lei, à norma "a posse comum de uma
existe uma crítica de conjectura totalmente pe- pedra achada surge do fato de que ela jaz no li-
culiar, que é diferente da crítica superior, e na mite entre dois fundos" seja adicionado "se os
qual formulam-se simples suposições engenho- fundos forem comuns pro indiviso". Aqui só uma
sas. Este não é o seu lugar. das condições é suficiente, pois ambas excluem-
Toda necessidade, toda certeza obtida se mutuamente.
através da crítica, resulta do fato de que o con- Como há de se corrigir o texto? I
ceito é tomado de um todo orgânico. Porém, há Ambas as condições deveriam se sepa-
sempre uma. certa insegurança na aplicação des- rar de modo tal que a norma estivesse limitada
tes princípios críticos-Tudo aquilo que se nos por cada uma delas. No final, só seria necessá- \
apresentar como algo dado difere naturalmente rio adicionar um si e diria assim: et si sunt pro in-
daquilo que encontramos através da crítica. En- diviso. Agora fica inteligível: uma pedra é comum
tão, não se dará mais atenção para o dado, mes-
nestes dois casos. Como o texto incorreto sur-
mo que este seja um fato histórico inegável: Ppr
giu do correto? Resta ainda uma dificuldade de j
esse motivo, sempre fica uma sensação de inse-
caráter gramatical nesta passagem, no que se re- *
gurança. Para se atingir a segurança completa,
fere a que a segunda frase está no indicativo, de
deve ser esclarecido como se originaram as de-
forma que, no lugar de sunt, devemos ler sint, \
formações devidas a erros de transcrição ou ou-
segundo aparece em algumas edições, como, por
tras causas, tomando como referência o texto
exemplo, a de Haloander. Assim torna-se fácil a
considerado correto. Este não é o lugar corres-
aclaração: achamos que, se várias letras aparece-
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rem duplas, uma depois da outra, serão escritas respeito dos §§ 17 e 18. O texto correto, então,
somente uma vez, de modo tal que ao invés de é: poenae causa vel incertae personae. A palavra certae
et si sint, escreve-se aqui et sint. Esta classe de deve ser eliminada. Mas, de que maneira che-
emenda chama-se geminação. gou este certae na versão inexata? Vel sempre se
refere a uma oposição, e ela existe também aqui,
• Ulpiano, tít. 25, § 13. Poenae causa cer- mas deve ser reconhecida com relação aos §§
tae vel incertae personae ne quidem fidei- 17 e 18. Porém o copista não sabia disto e tal-
commissa daripossunt. vez tenha querido aclarar o vel pela simples opo-
sição lógica certae vel incertae.
Um kg. poenae causa não era válido, tam- Para o exercício do talento crítico, seria
pouco um fideicomisso. A sentença seria inteli- interessante que fossem fornecidas edições de-
gível se não aparecesse o adendo certae vel incertae feituosas do Corpusjúris, com as indicações dos
personae. Esta divisão está correta, mas não tem erros, porque, mediante a comparação com as
objetivo. É inverossímil, e, em Ulpiano, impos- edições corretas, a crítica poderia ser compro-
sível, e o texto original não pode ter sido assim. vada. Para este fim, são convenientes as edições
Por este motivo, faz-se necessária uma emenda. holandesas de van Leeuwen, a edição de fólio e
Se considerarmos toda a doutrina no seu a pars secunda, especialmente.
conteúdo, toda a dificuldade surge em Ulpiano,
títs. 24 e 25. Os conceitos jurídicos do legado e Princípios fundamentais para a interpretação em geral
do fideicomisso eram bastante semelhantes, di-
ferenciavam-se só na forma. O legado é legal e Toda interpretação adequada a seu fim
o fideicomisso é uma modificação, pela qual no deve unir os diferentes.
segundo só as modificações deveriam ser indi- Ao mesmo tempo, deve ser individual
cadas. No tít. 24, §§ 17 e 18, existem duas nor- e universal.
mas (§ 17: poenae causa legari non potest, e § 18:
incertae personae legari non potest), em virtude das Individual. Todo texto de uma lei deve
quais, um kg. poenae causa e um legado em favor expressar uma parte do todo, de tal maneira que
de uma pessoa incerta não eram válidos. Facil- não esteja contida em nenhuma outra parte.
mente poderia se supor que estas normas não Quanto mais individual for, quanto mais tentar
vigoravam para o fideicomisso, que freqüente- encontrar uma frase especial, e quanto menos
mente era divergente. Para evitar esta suposição, particularizar texto em geral, mais rica será a sua
Ulpiano diz que elas vigoram também para o contribuição à totalidade da legislação. O intér-
. fideicomisso, mas se manifesta brevemente a prete deve possuir a difícil arte de descobrir o
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particular de cada texto, que só pode ser extraí- Ex. 2: Ulpiano, tít. 5, § 1; tít. 19, § 7.
do do mesmo. O melhor meio é a prática. Um
meio auxiliar importante para o dito propósito Na primeira passagem é dito: inpotestate
é descobrir a singularidade de expressões técni- sunt liberi parentum exjusto matrimônio nati. O se-
cas, das quais o direito romano está repleto. Elas gundo reza: traditio proprie est alienatio rerum, nec
devem ser consideradas tão individualmente manápi rerum dominia ipsa traditione deprehendimus,
quanto for possível. Alguns exemplos tornarão scilicet, si exjusta causa traditae sunt nobis. A relação
este ponto mais claro: seria: a propriedade podia ser transferida para
outra pessoa interprivatos, de maneira dupla. Se
Ex. 1: Prooem. J. de actionibus — Actio est jus a coisa era res manápi, podia ser feito por "manci-
persequendi injudicio quod sibi debetur. 'pação", e se era res nec manápi, podia ser feito por
tradição, mas deyia estar especialmente prepa-
Considerado em geral, esta passagem
rada: devia se basear em umajusta causa. Qual é
tem o seguinte significado: actio é o direito de
o sentido disto? Poder-se-ia pegar a passagem
exigir perante o tribunal aquilo que é a mim de-
em geral, mas não é assim. Justus refere-se sem-
vido. O sentido original, porém, não é esse. Ori-
pre a jus ávile, e este a uma lex, justa causa, por-
ginariamente, existiam apenas dois meios jurí-
tanto, refere-se a jus ávile, enquanto que a causa
dicos: a ação e a vindicação. Toda vindicação era
traditionis é uma relação do direito das obriga-
dirigida pelo pretor, enquanto a forma da actio
ções. O sentido, por conseguinte, das palavras
apoiava-se sobre o fato de que o pretor dava um
sálicet, si ex justa causa traditae sunt nobis é o seguinte:
judex. O direito real corresponde à vindicação, e
supondo que preceda uma relação de direito das
o direito das obrigações, à ação. Nesta definição
obrigações baseada nojus ávile. A obligatio rívilis faz
é indicada a característica de que actio concerne
surgir uma ação, a naturalis, mas não da forma
só às obrigações, situação da qual, em nossa pas-
que reza no início: "supondo que a tradição es-
sagem, encontramos dois indícios:
tá baseada em uma relação, certamente em uma
• in judicio, ou seja, em um processo relação que faz surgir uma ação". Esta frase vigo-
que é conduzido perante um juiz; ra também no'mais moderno direito romano.
• quod debetur. Debere refere-se sempre O mesmo acontece com a primeira pas-
ao direito das obrigações, mas nun- sagem: justum matrimonium é o matrimônio reco-
ca ao direito real. Actio é, pois, ori- ' nhecido pelo direito civil, ou seja, um matrimô-
ginalmente, o direito de exigir peran- nio no qual os pais tiveram connubium.
te umjudexpedaneus aquilo que a ou- A aplicação deste princípio da individua-
tra parte deve emprestar ex obligatione. lidade da interpretação depende muito da quali-
18 FRIEDMCII K A R L VON SAVIGNY METODOLOGIA JURÍDICA 19
dade da legislação que se pretende interpretar. maior'— por exemplo, um fragmento dos escri-
Quanto mais formalmente perfeita for a legisla- tos dos antigos juristas. Ou não era - por exem-
ção, tanto mais aplicável será o princípio. Neste plo, a modificação de um único ponto.
aspecto, a mais culta legislação que conhecemos O primeiro caso encontra-se no direito
é a antiga legislação romana até 200 após o nas- justiniano, nas Instituições, Pandectas, e em gran-
cimento de Jesus Cristo. Nas épocas posteriores, de parte do Código. As constituições propria-
o seu valor deteriorou-se bastante. Encontra-se mente como tais são pouco freqüentes nas pri-
um visível contraste entre os dois trechos seguin- meiras épocas, os reéscritos eram, porém, fre-
tes. Se alguém reconheceu bonor(um)poss(essionem), qüentes. O imperador comporta-se como um
obteve um interdito: L I , quor. bom. (D. 43, 2).
a
jurista em um reponso. Cada-reescrito pertence
Em conseqüência, foram trocados al- ao sistema da época em que foi dado. Portanto,
guns pontos, mas Justiniano restabeleceu alguns no Código, os reéscritos pertencem ao primeiro
deles, segundo o direito antigo: L 3, C. de edict. caso. O segundo caso encontra-se nas Institui-
divi Hadr. toll. (C. 6, 33). ções, no Código e nas Novelas, elas, de per si,
Se compararmos estas duas passagens, devem ser fontes exclusivas.
encontraremos que a primeira é breve, inteligí- A interpretação não pode seguir por uma
vel, concisa e plena de conteúdo, e a segunda, única trilha, deve se encaminhar por ambas as
rica em palavras, de modo que resulta não total- direções.
mente inteligível por causa da abundância e ri-
queza das palavras.
• Interpretação no primeiro caso
Universal. A legislação apenas expressa
Deve ser mostrado o local de todo o sis-
um todo. A interpretação do particular também
tema ao qual pertence o princípio particular. Isto
deve ser tal que, para poder compreender o par-
ficará claro com exemplos. Assim, deve ser in-
ticular, este se deve amoldar ao todo. A exposi-
terpretado:
ção do todo não pertence a este ponto propria-
mente, mas ao sistema. Porém, desde que cada Ex. L. 27, § 2, de fideiussor. (D. 46,1).
parte não é inteligível sem o todo, deve ser con- Ulpiam ad edict.: Praeterea si quaeratur, an solvendo
cebida em relação com o todo, tarefa semelhan- sitprincipalisfidejussor, etiam vires sequentisfidejussoris
te àquela que existe no sistema, mas com objeti- ei adgregendae sunt.
vos opostos.
Com respeito a isso podemos conceber É norma geral que, quando o fiador for
dois casos: A lei particular era parte de um todo demandado, deverá ter o benefiáum divisionis, para
20 FRIEDRICÍI KARL VON SAVIGNY M E T O D O L O G 1A jljJvlDI C A 21
pagar parte da dívida. No caso em que o fiador Em uma questão discutível, nunca decidiu o
:
invocar isto realmente, entender-se-á que "os ou- pretor, mas passou o fato para o judexpedaneus,
tros podem pagar. Chega-se, então, à regra: no para sua pesquisa. Com tal finalidade, instruiu-o
benefiáum divisionis, os outros fiadores devem ser e outorgou-lhe. a fórmula para a demanda e a
solventes. E tarefa da lei determinar isto com exceção. Acontece o mesmo que no caso ante-
maior precisão. Mas como, se os fiadores se pro- rior. O autor demanda o fiador para que este
tegeram com outros garantes? Por exemplo, qua- lhe pague a dívida, já que os demais garantes são
tro garantes têm contraída uma obrigação por insolventes, e o demandado nega a insolvência
um devedor, e três deles arregimentaram para si em uma exceção. Agora o judex pedaneus deve
outros fiadores. O credor demanda o primeiro procurar a verdade de ambas as informações e
dos fiadores. Este dirá: Eu pagarei-minha rata, dar a sentença segundo o resultado. Deste modo,
mas a respeito das outras prestações, deves te di- resulta ininteligível toda a passagem em que se
rigir para os outros garantes, e se eles não tive- diz que, neste caso, ao fiador deve ser outorga-
rem solvência, para os seus garantes. Como deve da esta exceção.
ser considerada a solvência ou a insolvência dos
segundos fiadores para determinar a solvência • Interpretação, no segundo caso, quan-
dos garantes originais? Isto se responderá assim: do os legisladores estão totalmente iso-
O patrimônio dos segundos fiadores deverá ser . lados para criar algo novo
contado juntamente com o dos garantes originais.
Na lei, só deve ser indicada a relação que existe Neste ponto, deve ser considerado par-
entre o caso particular e toda a teoria da fiança. ticularmente o novo que deve ser fundado pela
Coisa parecida encontra-se em uma lei lèi. Deve" ficar exposta, então, a linha histórica à
que ficou famosa devido a um mal entendido. qual pertence a lei. Anteriormente, o que era
correto nesse caso? O que foi mudado no direi-
Ex. L. 28, defideiussor. (D. 46,1). Paul. ad to anterior?
ed.: Si contendat fidejussor ceteros solvendo esse, etiam Mais adiante, encontrar-se-ão exemplos
exceptionem ei dandatn, si nam et illi solvendo sint. para este caso.
Conf.: Ziv. Mag., t. 1, p. 98, n A.a
Resta reunir em um todo os dois prin-
cípios: o da individualidade e o da universalida-
Os práticos erroneamente fundaram de. Toda interpretação tentará oferecer um re-
uma provocatio sobre este princípio. O caso é o sultado para o sistema. Deve, então, ter um ob-
anterior, mas o fiador em questão nega a insol- jetivo prático, porque deve estar direcionada a
vência dos co-garantes. A questão é discutível. aclarar um princípio dentro do sistema.
22 FRIEDRICH KARL VON SAVIGNY METODOLOGIA JURÍDICA 23
Pertencem a este período os juristas que ção. Ele trabalhou mais para dar instruções ao
se esforçaram por editar as fontes completas, es- leitor de como fazer a sua própria interpretação
pecialmente Haloander e Konzius. Deste último do que para entregá-la feita. Os juristas desse
também temos, além das suas edições, escritos período também realizaram péssimos trabalhos,
jurídicos. Porém ambos realizaram o trabalho de dentre eles Joh. Kannegieter, que, em 1768, edi-
suas edições sem observações nem críticas. Se tou Ulpiano e a Collatio com suas próprias no-
tivessem indicado as causas pelas quais teriam tas, embora muito ruins. Pula de um assunto para
escolhido precisamente esse tipo de versão, po- outro quando são em algo semelhantes. A rela-
deriam ser chamados de intérpretes. ção é arbitrária e acidental (cf. Ulp., tít. 7), en-
quanto que em Schulten, Cujacio e outros é sem-
Holandeses pre adequada.
jurista, que praticamente não pertencia a escola • Sententiae júris, passagens principais
alguma. Trata-se de Jakob Gothofred, nascido • • das Instituições e as Pandectas, que
em Genebra, em 13 de setembro de 1585, pro- contêm as normas gerais, e oferecem
fessor nessa cidade, finalmente senador, e mor- uma visão geral;
to no mesmo lugar, em 24 de junho de 1652. • Paratitla sobre as Pandectas e o Có-
As suas obras mais importantes são as Quattuor digo, o conteúdo das partes especiais
fontes júris civilis. Elaborou particularmente as e sua conexão. Estes são estudos
Doze Tábuas, e o fez de ótima maneira. A obra preparatórios.
apareceu pela primeira vez em Í617. A sua obra
principal ficou inconclusa no meio de seus pa- Na segunda divisão, segue uma apresen-
péis, e, em 1665, após sua morte, foi editado um tação.histórica das fontes. Com tal finalidade, ela-
comentário sobre o Codex Theodosianus. E a úni- borou as Quattuorfontes, que contêm:
ca amostra de uma perfeita interpretação. Na ela-
• As Doze Tábuas, completamente aca-
boração das constituições dos imperadores, deve
ser seguido um caminho muito particular, visto badas;
que deve ter apresentado especialmente o que • O edito pretoriano, no qual só indi-
ca o plano, mas sem elaborá-lo;
existe de novo nelas. Gothofred observou esta
norma estritamente, o que se pode comprovar • A lex Julia Papia Poppaea, completa-
nos seguintes exemplos: Em L. 7, C. Theo. de test, mente elaborada, embora não tão
tudo o que se diz para aclarar a matéria relacio- perfeita quanto as Doze Tábuas;
na-se com a passagem. De igual modo, L. 3, C. • Os libri Sabiniani, também um plano
Theod, de legit. hered. e L. 5, ibidem. geral.
É de extrema importância saber qual é a A terceira divisão contém um detalhe
opinião deste jurista a respeito do estudo da ju 7
fundamental do direito justiniano, que é:
risprudência, e é de notar que ele o tenha acla-
rado no prefácio de seu Manuale júris, Ele pro- • Casuística, ou seja, interpretação
põe três divisões do ciclo jurídico. exegética, introdução à interpretação
Para a primeira divisão foi elaborado o Ma- da lei mediante a exposição do caso;
nualejúris. Nele figuram quatro partes, que são: • Teoria da unificação de contradições
aparentes;
• História do direito em geral, mas • Introdução ao conteúdo das fontes;
não em detalhe; • Introdução ao conhecimento dos li-
• biblioteca júris, informação de fontes; vros de direito.
»
28 FRIEDRICH KARL VON SAVIGNY METODOI.OC1A lURÍDICA
Mas o próprio Gothofred pressentia que o resultado da sua história anterior. Justiniano
existiam lacunas neste plano, sobre as quais ex- nunca teve a intenção de elaborar um código
pressou-se na sua dedução ao Discursas historiem próprio,-mas de formar uma simples compila-
ad kgem quisquis ad L. Jul. maj. {in oper. n 1). Exi-
a ção do rico material existente. O todo histórico
ge especialmente üm sistema da política legisla- converteu-se, assim, novamente, em lei. De acor-
tiva, extraído historicamente do direito romano, do com sua forma, a legislação justiniana car-
depois um livro de texto das Instituições, um rega consigo o caráter histórico; por exemplo,
mero resultado e não controvérsias. Do mesmo são indicados os nomes dos autores dos frag-
modo também exigiu: mentos.
Como deve ser realizada tal elaboração
• A restituição do edito; histórica? Depende, em primeiro lugar, de uma
• A restituição dos juristas antigos vinculação histórica, em segundo, de uma sepa-
(mais tarde Hommel, em certo sen- ração histórica.
tido, realizou este trabalho na sua. Pa-
lingenesia, embora superficialmente); Vinculação histórica
• A restituição das constituições do Có-
digo e sua reconstrução histórica;' Como se deve vincular historicamente?
• Sistema das antigüidades romanas. A maneira mais simples é pesquisando
como uma questão especial foi respondida de
Elaboração histórica da jurisprudência distintos modos em diversas épocas da legisla-
ção. Não podemos, porém, deter-nos neste lu-
Schulting. Oratio de jurisprudentia histórica gar. Se assim o fizéssemos, iríamos obter somen-
in comment. acad., t. II." te resultados limitados. Em muitos pontos, in-
Da jurisprudência, muitos aspectos não clusive, os erros seriam inevitáveis. O sistema
podem ser compreendidos sem um certo conhe- deve ser tomado na sua totalidade e ser consi-
cimento histórico prévio. E aqui não se trata da derado progressivo, isto é, como história do sis-
utilização da história para saber algo a respeito tema da jurisprudência na sua totalidade. Tudo
da jurisprudência, mas de pesquisar a medida em depende disso.
que esta deve ter um caráter histórico. Schulting, A tarefa mais elevada para a interpreta-
1. c, p. 125. ção era a crítica.. Na história do direito, encon-
Esta elaboração é absolutamente,indis- tra-se algo semelhante: a pesquisa das fontes. Ela
pensável, particularmente para a legislação jus- também nos fornece a matéria para a elabora-
tiniana, pois toda a legislação é, mais ou menos, ção histórica, sendo, ela mesma, diplomática.
30 FRIEDRICH KARL VON SAVIGNY METODOLOGIA JURÍDICA 31
Quer dizer, uma notícia geral das fontes que deve deve ser tratada com uma separação completa
ser procurada de fora, ou seja, uma pesquisa mais de suas fontes. A maior parte dos juristas mo-
elevada que purifica o material fornecido: a ta- dernos discorda desta norma: uma parte, incons-
refa mais sublime da história do direito. Para a cientemente, na exposição prática, e a outra, de-
elaboração diplomática, existem normas de tra- clarando-se expressamente contra a separação.
tamento. A elaboração mais elevada parte da pró-
pria história do direito e elabora.e constrói o Erro dos penalistas
material.
O fato de se pensar, desde o início, que O primeiro erro não é mais freqüente
este conceito da história é significativo, e de .se que no direito penal, já que a respeito existem
formular uma realização histórica desta ordem duas fontes que pretendem ser totalmente com-
como objetivo de todo o estudo, constitui, já de preensivas: o direito romano e o direito alemão.
per si, um meio auxiliar especial. No final, serão Se estas fontes não se separarem de forma preci-
estabelecidas épocas principais e, com elas, rela- sa, ocorrerá uma confusão. Os nossos melhores
cionar-se-á todo o particular. penalistas, inclusive Feuerbach, não são exceções.
Desde o século XVI, é muito o que se A legislação romana e a legislação alemã são con-
tem feito na história da jurisprudência, mas quase sideradas em cada caso particular e apresentadas
o mundo todo limitou-se à elaboração da histó- . historicamente como uma mesma linha. Consi-
ria como um meio e um conhecimento prévio : dera-se que o legislador romano e o legislador
da jurisprudência, sem que se contestasse ò ob- alemão são uma e a mesma pessoa. Acredita-se
jetivo dado. A essa época pertencem as obras que o alemão prosseguiu a partir do ponto em
de Bach, Heineccius, Sigonius, Wieling, Schulting que o romano se deteve. Através desta compo-
e outros. Só a História do direito de Hugo consti- sição direta, é impossível toda pesquisa profun-
tui uma boa amostra para ver o próprio sistema da. Este erro foi criticado especialmente em Geist
apresentado como historicamente progressivo. derjuristischenUteraturvon 1796, de Seidenstücker,
Mas são considerados mais de perto o método Gõttingen, 1797.
e a forma de Hugo, que o detalhe individual, no
qual, algumas vezes, falha. ; Erro dos ávilistas
luta da jurisprudência segundo os objetivos, sem mos pensar também de modo inverso, isto é, a
consideração à variedade histórica do material. jurisprudência pode ser empregada para aclarar
A este grupo pertence Hufeland (com as outras ciências, especialmente, a política e a his-
suas Institutionen desgesamten positiven Rechts, Jena, tória.
1798). Pretende oferecer ao principiante resul-
tados seguros e indiscutíveis da jurisprudência, A jurisprudência como ciência auxiliar
com abstração de todo o material histórico. Para para outras ciências
aquele, tais panoramas são, sem dúvida, muito
interessantes e úteis. Porém, será permitido se A política
abstrair da diversidade das fontes? Não, com cer-
teza. Tais panoramas seriam impossíveis, já que Já no tratamento político da jurisprudên-
estariam desprovidos de todo conteúdo históri- cia, manifesta-se uma vinculação com a políti-
co, o qual deveria ser substituído por alguma ca: as máximas políticas são pesquisadas como
outra coisa, e isto seria falso. Mais adiante fala- fundamentação da lei. A jurisprudência, porém,
sempre permanece como objetivo principal. Mas
remos disso, na parte correspondente à teoria
pode-se conceber também a jurisprudência para
do sistema. Porém, com toda a variedade das
exercer uma crítica da política, para uma compa-
fontes, para o juiz deve existir um resultado prá-
ração da legislação com o seu resultado e, por-
tico e não histórico. Como é possível expô-lo?
tanto, para emitir um juízo sobre as máximas po-
A exposição pode ser profunda ou pode
líticas.
não sê-lo. Se for profunda, constitui a última,
porém a mais laboriosa tarefa dentre todos os A totalidade dos poucos intentes reali-
esforços dos juristas. Deve ser deduzido o. con- zados nos escritos jurídicos, especialmente dos
teúdo de cada legislação particular,' e, do resul- holandeses e franceses, são extremamente insig-
tado desse trabalho, deve-se deduzir uma teoria nificantes. A iniciativa mais importante é a de
da vinculação que tenha fluência. Para o princi- Thomasius, que tentou cornbater o direito ro-
piante, a quem Hufeland destinava a sua obra, mano. Existe uma obra na qual o estudo histó-
isso resultava impossível. rico de toda a legislação é utilizado de modo ori-
ginal e profundo para as opiniões e os objetivos
Pode ser oferecida uma apresentação su-
políticos. Montesquieu, Esprit des lois.
perficial dos resultados, como aconte.ce nos
lexicons e vocabulários jurídicos, por exemplo,.
A história
o Prontuário de Müller.
Nesta seção, falamos unicamente do tra- A legislação pode ser considerada uma
tamento histórico da jurisprudência, mas pode- parte da história. Existe uma amostra excelente
34 FRIEDRÍCH KARL VON SAVIGNY METODOLOGIA JURÍDICA 35
desta elaboração, ou seja, do direito romano, na sentido. Estes conceitos só podem ser tratados
obra História da queda do Império Romano, de historicamente. Do mesmo modo, o § 8 con-
Gibbon, que ao mesmo dedica um capítulo es- corda com o conceito do jus exposto no § 1.
pecial, o cap. 44 (tradução de Hugo, Gõttingen, Outro exemplo: §§ 772 a 774 no segundo tomo.
1789). Se esta parte da sua obra, na sua totalida- O autor pesquisa aqui como pode se perder a
de e em relação ao todo, não tiver sucesso, isto possessão, estabelece uma norma geral a respei-
se deve ao fato de que, na época da queda do to disso no § 772, e adiciona alguns casos
Império Romano, o-direito romano não mais se •particulares de perda nos §§ 773 e 774, nos quais
encontrava em seu estado de florescimento. Para destaca:
se ter uma visão e apreciação adequadas do mes^
mo, o verdadeiro ponto de partida é o período • a perda da tenênciã, da capacidade
da república. física; e
• quando alguém quer deixar de pos-
Elaboração sistemática da jurisprudência suir.
J
Crítica dos intentos realizados até o presente Tudo está perfeito, mas, lamentavelmen-
te, isso contradiz a regra geral estabelecida: "Do
Todos os desvios do sistema a respeito , mesmo modo que a possessão pode ser adqui-
da norma pura podem ser reduzidos a duas clas- rida pelo animus e o corpus juntos, também po-
ses principais: ou ficam por baixo do sistema ou derá se perder por meio de ambos" Como se
se elevam por cima dele.. chega a isto? Porque novamente se quer apre-
sentar o conteúdo da legislação diretamente, li-
Intentos que ficam por baixo do verdadeiro sis- teralmente, inclusive, mas sem adaptá-lo ao sis-
tema. Isto é, aqueles que possuem a multiplici- tema como resultado do estudo das fontes. A
dade que deve se uniformizar em um sistema, passagem encontra-se nas Pandectas. Uma contra-
mas que não conseguem sua unificação. dição prática desta índole não se deve encon-
Um dos melhores juristas que represen- trar, de forma alguma, em um sistema que é ex-
ta esta categoria é Hofacker. Em seus Principüs posto. Em um sistema, deve. ser dado o conteú-
júris, particularmente no livro primeiro, § 1 e ss., do do todo e não o do particular. Especialmen-
de just. et jure, estabelece o que se encontra na te em Hofacker, nota-se este falso método de tra-
legislação, não mediante um sistema e sim dire- tamento. Ele acredita conseguir fidelidade des-
tamente. Desta maneira, aquilo que, na mesma sa forma. Fica, então, demonstrado sobre qual
legislação, é claro e correto, resulta falso e sem J mal entendido está fundamentado.
36 FRIEDRICH KARL VON SAVIGNY METODOLOGIA. JURÍDICA 37
Encontra-se este erro em muitos juristas, xão. Tudo o que é formal tem por objetivo de-
mas, na maioria deles, não está sustentado pelo senvolver a determinação dos princípios parti-
plano e sim pela falta de capacidade de exposi- culares do direito - geralmente isto é denomi-
ção. Desse fato, originam-se muitos escritos ruins nado de definições e distinções - , ordenar a
de, geralmente, juristas eruditos. Aqueles podem vinculação de vários princípios particulares e sua
ser chamados, e com razão, de compilações de conexão. Isto é habitualmente denominado de
fontes. Prescindindo disto, esses livros são mui- verdadeiro sistema.
to úteis, não só como apresentação do sistema,
mas como coleções metódicas de fontes.
Primeiro caso i
i
por exemplo, os direitos reais e o di- do pela mera forma ou quando é muito amplo e
reito das obrigações devem se sepa- algo deve ser retirado dele. Esta é a teoria da
rar. . .. . interpretação extensiva e restritiva.
b) Em cada parte especial do sistema A recriminação atinge os juristas moder-
deve sè estabelecer a relação entre a nos, em especial, os penalistas. A lei deve ser
norma e a exceção, a qual é mencio- compreensível por meio do tratamento mera-
nada na lei, e para ela serve de fun- mente formal. Parte-se da pesquisa de um fun-
damento. É muito mais difícil, mas damento determinado da lei e depois se amplia
tão importante quanto a primeira. A e se compreende toda a lei. Considera-se a re-
relação, amiúde, dá-se ao contrário, gra expressa da lei como conclusão final, a ra-
e, por tal motivo, originam-se erros zão da lei como premissa por meio da qual sé
freqüentes. Normalmente, a prefe- modifica a conclusão final, de modo que esta
rência recai sobre um ordenamento deva.ser mais ampla — interpretatio extensiva — ou
natural, mais simples, o qual, mes- menos ampla -interpretatio restrictiva. Falamos dela
mo correto, não deixa de ser apenas aqui (no sistema), porque esta operação não é
um ponto de vista subordinado. No uma verdadeira interpretação. Poderia ser cha- ^
método total, nada deve ser consi- mada de interpretação material, para distingui- .
derado como uma insignificância, Ia da verdadeira, já que o resultado seria total-
porém o mais importante merece mente diferente por meio de uma aclaração me-
preferência. Se for descuidado, sur- ramente formal. De acordo com isto, pode ser (
girá algo incorreto. entendida uma passagem de Beccaria (Crime e 1
castigo, § 4), que geralmente é refutado por ridí-
• çulo. Trata-se, nessa passagem, da interpretação j
Da interpretatio extensiva e restritiva material, porque literalmente diz que, por meio
do juiz, algo de fora é adicionado à expressão
Até o momento, falamos sobre como, da lei e só na interpretação material é possível
através da forma, um erro pode ser introduzido esta arbitrariedade. \
no sistema, isto é, por meio de uma operação Nesta operação, o primeiro é o que se
lógica geral, que era lógica (definição) e, portan- \ eleva das palavras, da expressão da lei, até a sua
to, necessária, mas que foi realizada de modo razão. Como é possível encontrá-la? Em algu-
errôneo. Mas existe outra maneira para infiltrar mas leis encontra-se adicionada à regra, mas isto
um erro no sistema: a de uma operação formal, é pouco freqüente e concorda com a teoria da
acidental, quando o sistema deve ser completa- legislação. Na maioria dos casos, apenas se en-
42 FRIEDRJCH KARL VON SAVIGNY METODOLOGIA JURÍDICA 43
uma expressão especial, está contida uma regra No direito penal. No direito civil, não se
geral. concebe litígio algum no qual não deva existir
uma decisão em favor de uma das partes. No
• Que é correto para o caso em que a direito penal, rege a seguinte norma: uma ação
legislação permanece em silêncio so- é um delito desde que a legislação a declare pu-
bre um ponto particular? Com cer- nível. Do ponto de vista do juiz, praticamente,
teza, nenhum caso determinado é a punibilidade é casual. Se a lei permanecer em
compreendido na legislação, pelo silêncio a respeito da punibilidade de uma ação
contrário, cada um deles deve ser particular, não é possível falar em punibilidade.
subsumido por uma regra superior. Para ela, a ação não é um delito. Por isso, em
Se tal subsunção não for possível, há caso nenhum pode existir uma determinação por
de se fazer uma distinção entre di- analogia. Cremani, De jure crimin., t. 1, p. 243;
reito civil e direito penal. Sageo, Sopraprinc. -deliaprobab.
Pode-se admitir como reconhecida juri-
No direito civil. Aqui, evidentemente, o dicamente, e permitida no direito romano, a teo-
jurista deve descobrir artificialmente a regra, se- ria da interpretação extensiva e restritiva que aqui
gundo a qual o caso será decidido, isto é, em foi rejeitada conforme os princípios meto-
parte mediante uma mera conclusão de uma dológicos gerais? Isto também se assevera e es-
norma geral, e em parte tentando encontrar, na pecialmente está em relação com o mesmo o tít.
legislação, uma regra especial que se refira a um D. delegibus. Invoca-se, antes de mais nada: L. 17
caso semelhante. Esta fica reduzida, então, a uma de legibus. Sare leges, non est verba tenere, sed vim ac
regra superior, e é resolvido o caso, que não foi potestatem.
decidido segundo esta regra (superior). Isto é Porém verba tenere não significa, em ab-
denominado procedimento por analogia, e se soluto, seguir a expressão direta da lei, mas se
encontra muito perto da operação anteriormente apegar à letra, como acontece na Inglaterra, por
condenada. Mas, enquanto no falso procedimen- exemplo. Ela deve ser procurada expressa na re-
to algo estranho é adicionado, aqui a legislação gra. Esta norma justifica nossa operação supra
completa-se a si mesma. mencionada.
Em tais casos, a maioria dos juristas sem- Do mesmo modo podem ser explica-
pre se refere ao direito natural, pelo qual eles dos L. 29 e 30, D. L . 5, C. ib. Mais difícil é L. 10
entendem um resultado geral da legislação po- D., de legibus. L. 12 e 13, ib. (1, 3). L. 10. Negue
sitiva global, abstraído de toda história. Nessa leges, neque senatusconsulta ita scribi possunt, ut
medida, é igual à analogia. \ omnescasus, qui quandoque ináderint comprehendantur,
46 FRIEDRICH KARL VON SAVIGNY METODOLOGIA JURÍDICA 47
sed sufjicit et ea, quae pkrumque accidunt contineri. L. Aquilo que for exceção a uma regra le-
12. Non possunt omnes articuli singillatim aut legibus > gal, aquilo que for particular, não se pode es-
aut senatusconsultis comprehendi, sed cum in aliqua causa Í tender, por analogia, para outros casos semelhan-
sententia eorum manifesta est is qui iurisdictioni praeest tes.
ad similia procedere atque ita ius dicere debet. L.-13. Em nenhuma de todas essas passagens,
Nam, ut ait Pedius, quotiens lege aliquid unum vel ' ' encontra-se aprovação alguma ao procedimen-
alterum introductum est, bona occasio est, cetera, quae to condenado aqui por interpretatio extensiva e
tendunt ad eandem utilitatem vel interpretatione velcerte restritiva. Pelo contrário, existem várias passagens
iurisdictione suppkri. que expressamente o reprovam. L. 20 e 21, de
E de supor que, em todas esta leis, foi legibus. Non omnium, quae a maioribus constituía sunt
abordado um caso que não está expressamente ratio reddipotest et ideo rationes eorum quae constituuntur
determinado em nenhuma regra legal e que, por inquiri non oportet: alioquin multa ex Ais, quae certa
conseguinte, deverá ser decidido segundo prin- sunt, subvertuntur.
cípios fundamentais superiores, enquanto é Estas passagens foram consideradas ri-
construída a regra superior da decisão de outro dículas, mas, vistas de um ângulo prático, dizem
caso semelhante. Trata-se de uma analogia do o seguinte: não se deve fazer uso prático da pes-
mero procedimento, o qual é correto porque é quisa da razão da lei.
necessário, e não de uma modificação da lei. Isto que acabamos de afirmar ficará bem
Certamente, só será possível um aperfei- esclarecido com uns exemplos. L. 2, C. de rescind.
çoamento da lei através do legislador, mas nun- vendit.
ca através do juiz. Isto é: Is quijurisdictionipraeest. Se uma venda foi acordada de modo tal
O pretor tinha tal faculdade, mas não o juiz de que foi pago um preço muito inferior ao verda-
nossos dias. A L. 13 cit. distingue, inclusive, en- deiro, ou a venda não é válida, ou deve ser pago
tre interpretatio e iurisdictio. o restante. O imperador introduziu a eqüidade
Do mesmo modo aqui pertence L. 32 (humanum ~est) como a razão geral deste preceito.
§ 1 C. De quibus causis scriptis legibus non utimur,
Q
Desse fato se deduziu que esta norma é aplicá-
id custodiri oportet, quod moribus et consuetudine vel a toda negociação onerosa, como compra,
inductum est: et si qua in re hoc\ deficeret, tunc quod locação etc. Trata-se, portanto, de uma interpre-
proximum et consequens ei est (et se: quod in legibus tatio extensiva, e não de um procedimento ana-
decisum). lógico, porque, para os outros casos, já existe
Esta última parte não é analogia, como uma norma geral, para os quais se deve esten-
se desprende de L. 14, ib. Sed vero contra rationem I der a L. 2. cit., e esta é: devem-se assegurar os
iuris receptum est, non estproducendum ad consequentias. I arrendamentos e demais. Frente à regra da eqüi-
48 FRIEDRICH KARL VON SAVIGNY M E T O D O L O G I A j URÍDICA 49
dade, encontra-se outra muito mais importante, resultado correto, embora explique a razão de
a do caráter sagrado dos contratos, de forma tal forma errada desde que supõe o perigo para o
que esta suprime aquela. Se assim não aconte- Estado e imputa este pensamento ao próprio au-
cer, deve existir uma razão especial. Esta só é tor do* Procedimento no criminal (PHO, Peinliche
freqüente no caso da venda. Amiúde, devido à Halsgerichtsor dnung).
necessidade de receber dinheiro, o vendedor vê- Evidentemente, a pena é aplicável em
se forçado a vender a coisa, sem que esteja pre- cada um dos três casos mencionados. Poder-se-
sente um Mus. Tal necessidade não se concebe ia supor que o legislador teria adicionado a ra-
em outros negócios jurídicos. A norma é, en- zão de forma errada, já que poderia ter pensado
tão, muito simples, refere-se somente à venda, que não em todos os casos tal perigo iria surgir
Art. 159, CCC (Constitutío Criminalis Carolina). - mesmo assim, o juiz não poderia suprimir o
Esta lei fala do furto qualificado e de seu casti- erro — mas não é necessário supor tal perigo,
go. O furto deve ser castigado, mas, com mais porque na grande maioria de tais casos de furto,
severidade, nos seguintes casos: surgirá o perigo para a pessoa. Por este motivo,
o legislador estabeleceu a norma sob forma to-
• casos de fratura; talmente geral, visando a manter o juiz afastado
• casos de escalamento; de toda-arbitrariedade, porque temia que este
• casos de utilização de armas. pudesse fazer uso da norma de forma tal que
resultasse alterada.
E o legislador, ao mesmo tempo, adicio- Todavia, estas suposições são desneces-
na a razão: porque, nestes casos, o furto é mais sárias, uma vez que toda esta interpretação se
perigoso. apoia sobre um mal entendido, já que tanto
Nesta situação, a maioria dos juristas em- aqui, quanto em outros trechos do P.H.O. (cf.
prega uma interpretatio restrictiva no momento em arts. 40 e 88), "perigoso" (gefàhrlich) significa "de
que convertem a razão da lei em uma regra prá- propósito", "intencionalmente". Do mesmo
tica e exigem sempre o perigo para aplicar a re- modo, como se diz em sentido contrário: "não
gra. O legislador — afirmam eles - determina ex- por perigo" (ungefãhr— acaso), ou seja, "sem in-
pressamente o perigo para a vida e a saúde de tenção", "sem propósito". O furto manifesta-
outrem, como fundamento. Então, essa pena se aqui como uma categoria especial de dolus, e,
mais severa só poderá ser aplicada quando for como tal, é castigado mais severamente. Art.
possível comprovar dito perigo. 178, CCC.
Feuerbach {Direitopenal, § 325), o intér- De forma alguma, deve-se recriminar um
prete mais moderno, com certeza chega a um erro à legislação.
50 FlílEDRICH KARL VON S A V I G N Y METODOLOGIA JURÍDICA 51
posição. Os direitos naturais jurídicos estabele- Desde Fichte não se tem feito muito pela
ciam as verdades jurídicas de forma abstrata e, elaboração filosófica da ciência jurídica, mas é
depois, esperavam encontrá-las por meio da fi- de se esperar que de novos esforços, totalmente
losofia. Os direitos naturais filosóficos percor- diferentes dos trabalhos anteriores, surjam no-
riam outro caminho. O direito natural devia ser vas opiniões. Com estas características, apareceu
considerado como uma fonte subsidiária dos em Frankfurt, uma ZeitschriftfürRechtsmssenschaft
princípios positivos. Nesta visão se apoiava todo (de Molitor e Kollmann), que, fora de discus-
o direito natural, as classes jurídicas olhavam o são, contém o melhor juízo sobre o direito na-
texto histórico, enquanto as classes filosóficas tural de Fichte. Prescindindo do fato de que está
eram mais vazias e mais pobres. escrito com grande genialidade, algumas frases
Uma elaboração jurídica desse tipo é a deixam uma impressão desagradável. Tem-se a
de Gros (Kechtswissenschaft, Tübingen, 1802), que impressão de que algo excelso foi profanado,
introduz a propriedade pretoriana no seu direi- percebe-se que é um produto da época. Goethe
to natural. emitiu uma ponderação eternamente válida so-
Fichte foi quem introduziu a primeira bre todos esse escritos. Wilhelm Meister, t. 3, p.
mudança significativa. Ao invés de partir de uma 81, Berlim, Ünger, 1795; "Não encontrei nos
somatória de princípios práticos, descobertos já atores de teatro, e em geral, arrogância pior que
a priori, partiu de fundamentar filosoficamente quando alguém tem pretensões de espírito, en-
o ponto de vista da legislação, ou seja, da juris- quanto nem sequer a letra é compreensível e
prudência. Suas idéias vão ascendendo grada- habitual para ele".
tivamente. Sua primeira.obra foi publicada anô- A opinião corrente a respeito do es-
nima: Beitràge %ur Berichtigung der XJrteile des tudo do direito natural é que este deveria prece-
Vublikums über die fran^osische Revolution. Na sua der, como conhecimento prévio, o estudo da ju-
Naturrecht, há uma quantidade consideravelmente risprudência positiva. Mas, considerar uma ciên-
menor de princípios práticos'. Sua última obra é cia filQsófica apenas como conhecimento pré-
Dergeschlossene Handelsstaat, com uma concepção vio de uma ciência histórica, seria degradá-la. Po-
totalmente política. rém, nem sequer como conhecimento prévio a
Nestas obras de Fichte, comprovou-se . filosofia é absolutamente necessária para o juris-
quanto é necessária, na elaboração filosófica da ju- ta. A jurisprudência pode ser estudada perfeita-
risprudência, a vinculação com á política. Nota- mente tanto com o direito, quanto sem ele. Isto
se que até o próprio Fichte parece não ter perce- flui do fato de que a jurisprudência pôde flores-
bido, pois incorre em muitas exposições políti- cer perfeitamente em épocas nas quais não se
cas das quais, aparentemente, não é consciente. estudou filosofia alguma, e, se foi estudada, foi
56 FRIEDRICH KARL VON SAVIGNY
METODOLOGIA DO ESTUDO
LITERÁRIO DA JURISPRUDÊNCIA
lar, concomitantemente, um juízo. Julgar uma tanto mais difícil quanto mais amplo for o ma-
obra significa descobrir como ela se corresponde terial. Para isso, um meio excelente é, desde o
com o seu ideal. Por esse motivo deve-se saber: início, fazer apontamentos, o mais breves possí-
veis e escrever uma opinião determinada, fato
• qual é a missão; qúe, geralmente, acontecerá de maneira auto-
• que fez o autor para resolver o pro- mática.
blema.
Deve-se ler historicamente. É possível conce-
Quando se' lê, poucas vezes se tem co- ber um estudo sem leitura, realizado diretamen-
nhecimento do problema. Geralmente, ele de- te das fontes. Mas, se for feita uma leitura, deve-
corre da própria leitura. se ler historicamente, ou seja, em conexão com
Esta maneira de ler criticamente é uma o todo. Deve-se ler tudo, isto é, no mínimo, co-
regra para toda leitura. Parece paradoxal que, nhecer todas as obras. Neste ponto, podemos
mesmo um principiante, possa ler criticamente pensar em qualquer escrito em forma dupla, ou
uma obra mestra. Mas isto desaparece se o con- seja, em uma série sincrônica na qual cada obra
ceito correto (comparação com o ideal) for vin- figura como uma parte do todo, e cronológica,
culado à crítica. Existe a crítica de admiração a isto é, em relação à totalidade da época à qual a
uma obra mestra e a de condenação a uma obra obra pertence, porque cada escritor está limita-
ruim. do também pelo período anterior. Se cada autor
for considerado nesta dupla relação, a leitura será
• Trata-se de produzir algo em qual-
realizada historicamente. Só de posse de um pa-
quer parte da ciência, por si só, e o
norama geral de todo o campo da literatura, é
mais perfeito possível. Isto é muito
que se pode estudar um determinado autor, e
necessário e muito importante, por-
só assim será possível uma leitura crítica. Desta
que não existe melhor aclaração para
maneira, ao criticar várias obras, exclui-se a pos-
uma obra alheia que a própria.
sibilidade da existência de outra obra melhor.
• Devem-se ler as obras mestras. Não
Este requisito de ler tudo aparenta ser
é o caso de ler muito ou pouco, mas
difícil mas, no fundo, o plano mais perfeito é,
de ler o melhor, o excelente, e de ter
ao mesmo tempo, também o mais fácil e, desta
prática para julgá-lo.
forma, evitam-se, em grande medida, os vácuos.
Em se tratando de obras particulares é A realização de um plano não deve estar atrela-
necessário fazer o esforço de se concentrar o da a um tempo determinado, ela só deve ser exe-
máximo possível na obra a criticar. Esta tarefa é cutada proporcionalmente. Desta forma, o re-
60 FRIEDRICH K A R L VON SAVIGNY METODOLOGIA JURÍDICA 61
sultado não será tão difícil. Assim, o estudo da a) Pode ser considerada a sucessão in-
literatura estará vinculado ao da história da lite- terna na ciência e ser tomada em
ratura, o que comprova a justeza do plano. conta a menor quantidade possível
Para este objetivo o meio auxiliar é, no- de evoluções. Entre cada período
vamente, uma visão geral da literatura e o f a t o i '• científico e o seu anterior, sempre
de tentar abordar a obra por partes. : • .• existe uma íntima relação.
Estas duas regras de ler, crítica e histori-
camente, estão em perfeita relação. Segundo a Este importante ponto foi muito descui-
primeira, pensa-se o livro como parte de um dado na jurisprudência, na medida em que con-
todo ideal, e, conforme a segunda, como parte sideram novos períodos, sem vinculação algu-
de um todo real, o que indica que o estudo ma com os anteriores. Por exemplo, desta for-
metodológico deve estar relacionado com a ela- ma se supõe que, no período dos humanistas,
boração histórica da literatura. surgiu uma elaboração totalmente nova. Esta
opinião é completamente falsa. Tudo o que exis-
Aplicação das regras indicadas em partes tia anteriormente, permaneceu. Só começou uma
especiais do estudo jurídico . nova classe de conhecimentos que se adicionou
ao todo.-Isto aparecerá com clareza se lermos
Neste ponto, não se deve esperar uma um dos humanistas antigos, Alziat ou Zasius.
exposição completa da literatura, em parte por- Nunca se deve supor uma revolução absoluta.
que o número das obras jurídicas "é grande 'de-
mais, em parte porque elas se estendem até os b) Em cada período, tenta-se descobrir
dois campos do direito civil e do direito penal. o ponto de vista que se tinha no
Devem-se revisar o mais rapidamente possível momento de elaboração das ciências.
os dados e notícias sobre literatura.
Toda história literária da jurisprudência • O que era postulado como ideal,
está dividida em duas partes: como missão?
• O que fez cada um para resolver
• história da elaboração científica; o problema?
• resultados da elaboração, conheci-
mento de livros. Até o momento, na elaboração da his-
tória da literatura, tem-se separado a história da
O que foi feito para a elaboração da ciên- ciência, em sentido estrito, da biografia, a histó-
cia? Duas regras são decisivas: ria dos eruditos. Isto é unilateral. Efetivamente,
62 FRIEDRICH K A R L VON SAVIGNY METODOLOGIA JURÍDICA 63
o que deve constar na história dos eruditos ou parte da história da ciência. É um mero registro
tem influência sobre a ciência — e então perten- de informações, o que também não é ruim.
ce à mesma ciência — ou nãó tem influência — Ultimamente, apareceram duas obras:
não pertencendo, portanto, ao tema. Ao mes- Hõpfner, Biographie von Wenck, a respeito da qual
mo tempo, esta divisão é quase geral, e por isso só seja de lamentar que Wenck não tenha sido
se formula a pergunta: O que foi feito, no senti- jurista.
do estrito, pela história da literatura? Depois, a única magistral Biografia de Bran-
Quase nada. A maioria das obras são li- dis, de Spittler, em Mag. E. 1 de Hugo cit. Apre-
vros e catálogos de eruditos. Louva-se dentre senta de forma muito apropriada a relação do eru-
eles: Literaturajúris, de Hommel, mas são meras dito com a ciência.
compilações de informações, misturadas, às ve- Conhecimento de üvros. A este respeito
zes, com piadas. seria desejável.
Alguma coisa foi feita pela biografia, que
é preciso agradecer e justamente a parte mais a) De um ponto de vista bibliográfico,
difícil é a que melhor elaborada está, ou seja, o um repertório geral de todos os es-
primeiro período, que abrange o estudo em Bo- critos jurídicos.
lonha, nos séculos XI e XII. Existe uma obra
clássica a respeito. Sarti, um italiano, começou a No século XVII, Lipenius (m. 1692), que
editar a biografia dos mestres de Bolonha, ela não foi jurista, editou algo semelhante para as
foi acabada, sob o papado de Clemente XIV, por quatro faculdades:
Vaturini, que editou o primeiro volume corres- Lipenius, Biblioteca realisjurídica, 1679 nov.
pondente ao período do século XI até o século 1756, na base do qual, de forma imerecida, foi
xrv. construído tudo o que posteriormente se fez. O
De claris archigymnasii bononiensis professo- plano é bastante medíocre. A exposição, pior
ribus, Bolognae, 1769, 1770. Considerada como ainda.
obra histórico-crítica, é clássica. Struv e Jenichen fizeram algumas contri-
A respeito das épocas seguintes, nada buições. Além disso, as matérias são duvidosas.
foi feito em forma completa. A obra mais com- Posteriormente, foram publicados dois
pleta é: Guido Panzirolus, De claris legum inter- suplementos: por Schott (em Leipzig), que ade-
pretibus. re a Lipenius, porém, com informações mais se-
No século XVII, apareceram: Jugler, Bei- guras, e depois por Senkenberg. Novamente,
trãge %urjuristischen Biographie, seis volumes. Mui- com menor fidelidade que Schott, Bõttcher (em
to exata, embora não seja uma biografia como Herborn).
64 FRIEDRICII KARI- VON SAVIGNY MI/TODOLOGIA JURÍDICA 65
Deve seguir a mesma trilha que a meto- ambos por Hugo, porém o segundo foi melhor
dologia absoluta segue. Assim sendo, primeiro preparado. A edição é especialmente importan-
há de se tratar de interpretação, depois, de ela- te, porque está acompanhada de uma visão com-
boração histórica e, finalmente, de sistema. pleta das edições destas obras antigas.
i,
FRIEDRICH KARL VON SAVIGNY METODOLOGIA JURÍDICA 67
pletos dos juristas antigos, por exemplo Paulus, Além disso, existe um grande número de
Ulpiano. Isto aconteceu particularmente na es- pequenos escritos que não aparecem em nenhu-
cola francesa. Cuiacio comentou todo o traba- ma coleção e figuram sob o nome de observationes,
lho de Papiniano, Paulo ad edictum. emendationes, inlerpretationes.
Pode ser encontrado, com uma indica- Seria muito útil um registro geral sobre
ção, na história do direito de Bách. E necessário tudo isto e sobre toda a interpretação jurídica.
um meio auxiliar, um index historicus, para esta Já no século XVI começou a ser oferecida tal
segunda classe de interpretação. Já no século coisa. Em primeiro lugar está: Marc. Anton. dei
XVI se pensou a respeito. Rio, Ex miscellaneorum scriptoribus Digest. Codic. p.
Labitti, index, Parisiis, 1557, 8 , revisado
a interpretatio, Paris, 1580, 4 .
Q
por Wieling, Jurisprudeniia restiiuia, Amstel, \121, Posteriormente editado em forma mais
8 . É muito útil.
Q completa por Brossáus, Lion,. 1590, 4 ; Apare-
9
Haubold prometeu uma nova revisão. ce impresso em várias edições do corpus iurisglos-
Além disso é correto que seja impresso sempre sati. No século XVIII, Hommel quis elaborá-lo
nessa ordem. No que tange às Pandectas, Hommel novamente, mas só apareceu a primeira metade
fez a mesma coisa. Hommel, Paiingenesiajúris., Lp., como Corpus iuris ávilis cum notis variorum, Lp.,
1767,1768, 8 , 3 ts.
9 1768, 8 .
9
72 FRIEDRICH KARL V O N SAVIGNY M E T O D O L O G I A J U;< I D I C A 73
Só passa pelas Instituições e as Pandectas, Historia iuris romani tabu lis illustrata, Lp.,
mas seria de desejar mais perfeição e uma sele- 1790, 4 . a
ção mais apropriada. É, porém, muito útil, es- Também é boa a história do direito de
pecialmente a respeito das coleções. Heineccius, à qual Ritter, e depois Silberrad, adi-
cionaram oportunas notas (Strassburg, 1765,8 ). S
ELABORAÇÃO HISTÓRICA
b) para a história interna do direito é
Esta parte está muito incompleta e os es- • . ' muito importante a obra de Hugo,
critos, na sua maioria, são ruins. Desde muito a única, aliás, desta índole.
cedo, fez-se uma distinção entre história interna
e externa. Da história externa do direito, deve- Sigonius, De antiquo jure populi romani,
riam constar todos os fatos que não contives- noviss. Italae, 1750, que apareceu pela primeira vez
sem princípios jurídicos em si. A história inter- no século XVI. O plano desta obra não é apre-
na do direito (antiquitates) deveria conter todo o sentar uma história do sistema do direito, mas ex-
aspecto histórico dos mesmos princípios jurídi- plicar os clássicos. Por esta razão, tem uma cer-
cos, ou seja, a evolução do sistema. ta limitação, que se evidencia ainda mais na expo-
Nos últimos tempos, os autores afasta- sição, e é o fato de ser desigual. Não obstante, é
ram-se, e com razão, desta separação, que tem muito útil, e de ótimo estilo e, devido ao fato de
algo de incômodo e arbitrário. A melhor obra, e que abrange toda a antigüidade, indispensável.
praticamente a única útil, é: Ikechtsgeschichte de Além disso, nas notas de Schulting, en-
Hugo, 2 ed., 1799.
a contra-se reunido muito material para o direito
Considerando sua forma é ótima. No antigo. Também Gothofred, no seu comentário
que se refere ao material, devido à sua brevida- sobre o Código teodosiano, ofereceu uma con-
de, faz com que não seja desnecessário nenhum tribuição muito importante a respeito do direi-
dos livros antigos para serem usados em aula. to na época dos imperadores cristãos, y \
Entre esses antigos figura: Temos compêndios mal sucedidos de
obras antigas, como o de Selchow (completa-
a) a obra principal para a história exter- mente inútil), e o de Heineccius (nova edição por
na do direito: Bach, Historia iuris, 8 . B
Leeuw e Francker, 1777, 8 ), compilados por
a
A última edição realizada por Stockmann Sigonius e Schulting, sem um estudo pessoal e,
contém importantes adendos, particularmente ademais, com um plano ruim.
nas notas. Haubold os tornou fáceis por meio Como sistema de escritos antigos pode
de tabelas. ser mencionada a excelente obra de Brissonius,
74 FRIEDRICH KARL V O N SAVIGNY METODOLOGIA JURÍDICA 75
Deformulis etsolennibuspopuli romani. nov. edid. Bacb, Compêndio de Bõhmer, mas mesmo merecen-
Ff. etLp., 1754, foi., que reúne e explica as fór- do isto em alguns aspectos, e contendo mais
mulas jurídicas restantes. material, a recriminação anterior também é váli-
da para ele. Hellfeld, pelo contrário, é pior e
LITERATURA DO SISTEMA freqüentemente falso. Porém foi muito comen-
tado, entre outros, também por Glück. Quem
O sistema deve apresentar os resultados pensou e leu sobre matérias separadas, pode
da interpretação, na literatura dos quais devem revê-lo e verificar se não menciona escritores
estar indicados os escritos que servem para se- desconhecidos. A sua literatura é bastante com-
rem estudados como resultado das fontes. pleta. No demais, sua obra não é útil, ao menos
para a fundamentação do sistema! A última obra
Sistemas que abrangem todo o direito romano de Malblank também não é a melhor e, amiúde,
carece de plano. Apenas uma obra é muito útil:
Seria indispensável, e uma necessidade, Westenberg, Principia iuris romani secundum ord. Dig.
uma obra dessa natureza, que pudesse ser seguida Mesmo o plano sendo ruim, a obra resulta
sem hesitação. No que se refere ao ordenamento muito útil como preparação para o estudo das
das partes, a maioria dos escritos está vinculada fontes, aspecto no qual é muito completa. Dentre
a uma das fontes. Nos glosadores já se encontram todas estas obras, nenhuma delas apresenta em
tais obras: Summa in Digesta. Codicem p., também forma completa os resultados do direito romano.
nos juristas franceses, sob o nome de Paratitla. Dentre elas, podemos enumerar também
Assim estava bem. Mais tarde, porém, manteve- aquelas que ordenam as fontes de modo parti-
se a ordem nos compêndios e comentários, o que cular, já que nada contêm além disso.
estava absolutamente equivocado. A maioria das Berger, Corpus iuris reconciliatum cum
obras está elaborada segundo esta ordem. praejatione Senkerbergii. Nesta obra, a ordem é con-
Disto difere o comentário de Stoedt (a fusa demais. Algo melhor e mais útil é Pothier,
respeito dos livros 1 a 27 das Pandectas), que Pandectae justinianeae in ordinem redactae. Contém
passa de título em título e coloca introduções. pouca literatura.
O melhor, porém, é o Comentário de Alguns, porém poucos, escolheram seu
Conzius. Hópfner legou-nos uma obra sobre as próprio plano, mas, na sua maioria são tão ruins,
Instituições que é semelhante, mas não totalmen- que não vale a pena conhecê-los.
te recomendável por carecer de plano. Fr. Conani, Commentarius iuris ávilis. nov.
Dentre os comentários às Pandectas, Neapo/., 1724, 2 foi, é uma das obras mais im-
aquele que perdurou durante mais tempo é o portantes e resulta útil até hoje.
76 FRIEDRICH KARL VON SAVIGNY M E T O D O L O G I A j URÍDICA 77
A melhor e talvez a única obra útil é: respeito de um caso. Para nós, Domat é um es-
Comment. iuris civilis de Hugo Donellus, que, em critor completamente estranho, e freqüente-
vinte e oito livros, contém o sistema completo mente encontramos opiniões pouco comuns.
do direito romano privado. No início, imprimi- Berger, Oeconomiaforensis, é para práticos,
ram-se só onze livros, em Frankfurt, em 1589- como tratado de teoria é muito ruim. Ele foi
1590, em 2 foi. Depois, Scipio Gentilis editou editado pelos célebres juristas Bach, Winkler e
todos os vinte e oito em Frankfurt, entre 1595 Haubold (Lp., 1801, 4 ). S
e 1597, em 5 foi. Posteriormente, mais comple- Hofacker, Principia iuris romani. Sem dú-
to e em in-fólio, em Hanau, 1612, em Frankfurt, vida, esta obra possui um grande mérito, mas,
1626 e em Lukka, 1762-1770 — uma obra es- em parte, pelo próprio plano, que não só abran-
plendidamente editada. Kônig encomendou uma ge o sistema do direito romano mas também o
nova edição, 1.1, Nuremberg, 1800, 8 . Em cer-
a
do direito atual, e em parte porque, devido à
to sentido, é a melhor obra sobre o direito ro- morte de Hofacker, ficou carecendo de homoge-
mano, porque todos os outros planos estão su- neidade e não serve como base para o estudo.
bordinados a ele. O sistema é apropriado e mui-
to recomendável, Considera-se esta obra como Elaboração de partes individuais do sistema
sendo mais difícil que as novas — em grande me-
a) Elaboração de partes individuais do
dida trata-se de um preconceito. Mesmo que
direito. Aqui ajudam as obras biblio-
muitas coisas estranhas devam ser superadas, elas
gráficas comuns.
desaparecerão com um pouco de prática, então
b) Elaborações de questões particula-
a obra se tornará mais segura e mais fácil. Este
res. As mesmas encontram-se indi-
valor especial é quase totalmente desconhecido,
cadas em forma dispersa.
apenas foi utilizado na medida em que se en-
contraram opiniões a seu respeito. Em ambos os casos, é necessária certa
Neste ponto, também devemos conside- familiaridade com a literatura'de dissertações, tão
rar o seguinte comentário: Hillinger, Donellus necessária quanto difícil. A este respeito, está fal-
enuckatus, Jenae, 1710, 4 , impresso juntamente
a
tando um repertório próprio. Por este motivo,
com a edição de Lukka. tenta-se revisar rapidamente qualquer coleção
Outro sistema do direito é: Domat, Les importante e assim reunir certas normas. Por
lois ríviles dans kur ordre naturel, Paris, 1689, 4 . O
a
exemplo, vai-se encontrar que as dissertações do
ordenamento é ruim, ele é tomado dos enga- século XVII são completamente inúteis.
gements (obrigações) etsuccessions (sucessões). No O melhor do repertório encontra-se em
total, é bastante pobre, mas pode ser utilizado a Hofacker, Princípios.
i
78 FRIEDRICH KARL VON SAVIGNY METODOLOGIA JURÍDICA 79
Algo melhor é: Uteratura de derecho penal Quem mais fez pela crítica do texto foi
(de Blümner), Lp.,1794. Koch, embora tenha tido que remontar às fon-
O direito penal, mais do que qualquer tes originais, já.que se ateve quase exclusivamente
outro campo da jurisprudência, está apoiado so- às edições antigas da Carolina.
bre diferentes fontes independentes entre si: ale-
mãs e romanas, duas legislações completas que ELABORAÇÃO HISTÓRICA
quase sempre abarcam os mesmos objetos. Por
' este motivo, enquanto se cometer o erro de não
1. Direito penal romano
separá-las, e se persistir no mesmo, não será pos-
sível uma elaboração profunda.
Não havemos de procurar nada a esse
Novamente, os escritos se dividem em
respeito entre os nossos penalistas, porque o me-
literatura da interpretação, da história e do sis-
lhor foi feito pelos filólogos.
tema.
A história externa do direito segue o
mesmo caminho querer, direito civil, enquanto a
INTERPRETAÇÃO interna é tratada em* vários escritos, os de Hei-
neccius, entre outros;. Os escritos apresentam
1. Direito penal romano diferenças conformemos períodos.
A esse respeito quase não se fez nada. A Primeiro período. Até o ano de 604 u.c.
interpretação há de se procurar no direito pri- eram poucas as leis-penais.
vado romano, do qual não está muito separada. Naturalmente não existia nada mais im-
portante do que a\ função de juiz,, já que só a
2. Direito penal alemão jurisdição foi determinada de forma precisa. Há
muita escuridão a.respeito.
A fonte principal é a Carolina, sobre a Autores para o primeiro período são:
qual apareceram muitos comentários devido à Sigonius, De antiquo jure populi romani. Na seção
80 FRIEDRICH K A R L VON SAVIGNY METODOLOGIA JURÍDICA 81
de antiquo jure ávium rom. Lib. 2, cap. 18 - de Devido à prática dos tribunais, estabele-
judiais. Lib. 2, cap. 3. Scipio Gentilis, Disputationes ceram-se penas mais severas, algumas introduzi-
iurispubl. rom. — opera t. 1, Neapol., 1763. das no direito penal desde o direito civil, por exem-
Van Der Hoop, De iis, qui antiquitus apud plo, a maioria dos casos de furto. Surgem os crimi-
Romanos de criminibusjudicarunt. Lugo. Batav. 1723 na extraordinária, crimes para os quais é bastante a
apud Meerm. in suppl. satisfação privada, mas são punidos publicamente.
Madihn, Viássitudines rerum criminalium É possível conhecer esta nova forma
apud Romanos. Halae, 1772. através dos escritos dos juristas que falam em
. Toli, Diss.philog. de quaestion, rerum capita- prática judicial. Especialmente aqui temos o
lium, Hardervyci, 1776. quinto livro de Paulus. D. 47. 48.
F. Sachs, De ordine judiciorum publ. apud
Romanos. Ultrajecti, 1784. Quarto período. A partir deste período, as
Heyne, 2 progr. de judiciorum publicorum constituições dos imperadores continuaram desen-
ratione et ordine apud Romanos, 1788, opusc. acad., volvendo o direito penal. É especialmente impo-
t. 4, n 4, 5; t. 3, n 11.
s fi
rtante a influência da religião cristã. As fontes
principais são: L. 9, Cod. Just, e L. 9, C. Theod.
Segundo período. No ano de 604 u.c. (149 A melhor elaboração do quarto período
a.C.) surge a lex Calpurnia de repetundis. Tornou- encontra-se no comentário de Gothofred a res-
se fato corriqueiro ditar uma lei própria para cada peito de L. 9, C. Theod. '
delito. Afloram as quaestionesperpetuae, por exem-
plo, a lex Julia por cima do crimen laesae majestatis, Quinto período. Justiniano também com-
por isso é melhor o estudo das /^«particulares. pilou o direito antigo e, por esse motivo, surgiu
Esse período acaba sob o império de Augusto. uma estranha mistura de institutos velhos e noj-
Sigonius, 1. c. Comentários das Institui- vos. Deve-se, então, separar tudo: o direito anti-
ções sob o título de publ. jud. go do direito prático justiniano.
Para este período quase nada foi feito, a
Terceiro período. Todo o direito penal an- maioria considerou tudo como se fosse contem-'
tigo tinha por fundamento a constituição repu- porâneo.
blicana. Por este motivo, devia ser reformado Comentários sobre as Pandectas (L. 47,|
pelos imperadores. Pode-se considerar .este pas- 48) e o Código (L. 9).
so como concluído no início do século III. A Ant. Mathaeus, De criminibus, oferece o
jurisdição tornou-se mais simples. L. 1. pr. de seu próprio comentário sobre os livros 47 e 48
officio praefecti urbi. das Pandectas.
82 FRIEDRICH KARL VON SAVIGNY METODOLOGIA JURÍDICA 83
METODOLOGIA DO ESTUDO
ACADÊMICO DO JURÍDICO
priamente erudito. Contra esta idéia, existe o o segundo, ou seja, as inúmeras dificuldades que
preconceito de que o estudo erudito é comple- surgem da grande quantidade de escritos sobre
tamente diferente daquele que possui o homem a mesma matéria.
de negócios. O orgulho pedante destes últimos A verdadeira prova que atingiu o ensino
transportou este conceito para sua rotina de ne- acadêmico é a seguinte:
gócios e assim se manteve. O mal entendido é
fácil de suprimir. • Todas as ciências encontram-se in-
Sem estudas acadêmicos, é possível que timamente vinculadas entre si, e se
o objetivo de todo o estudo científico seja atin- o ensino for liberal (como deve ser),
gido, tanto pelo homem de negócios quanto pelo esta vinculação deve estar exatamen-
homem de ciência? te reconhecida.
E possível, porém muito pouco freqüen- • Do mesmo modo também deve sur-
te, devido às muitas dificuldades. Dentro de cada gir o contraste da ciência em ques-
homem, em certa medida, existe um início, de tão a respeito de toda outra ciência.
preguiça espiritual, de modo que ele faz somen-
te aquilo que lhe é oferecido em primeiro lugar. Todo estudo liberal, então, conduz a uma
Se alguém aprender uma ciência só por meio dos cultura literária profunda.
livros, sem assistir às aulas, e, além disso, estu- O objetivo das universidades é mal in-
dar por conta própria, estará sujeito, em grande terpretado, e tanto teórica quanto praticamente,
medida, só àquilo que acontece acidentalmente, opõe-se à opinião generalizada de que consiste
adotará opiniões alheias, terá um comportamento em ensinar os conhecimentos mais indispensá-
totalmente passivo perante as mesmas, não ten- veis na forma mais breve e simples possível. Isto
do uma visão livre da ciência. No estudo, exis- pode ser conseguido muito mais facilmente por
tem muitas dificuldades, especialmente para o ini- meio dos livros. O verdadeiro objetivo da uni-
ciante, que não se podem superar facilmente sem versidade é o de nos introduzir no estudo cien-
consultar alguma outra pessoa que já tenha estu- tífico, de forma tal que nenhuma parte deste seja
dado profundamente toda a ciência, que dela te- estranha para nós, ou, pelo menos, que esteja-
nha uma visão geral e que tenha atingido certo mos em condições de aprender o que faltar de
aperfeiçoamento. modo mais fácil e profundo.
Ambos os argumentos desaparecem no Aplicado isto no estudo acadêmico da
estudo acadêmico. O primeiro, a falta de exercí- jurisprudência, o seu objetivo deveria ser con-
cios sistemáticos da própria atividade, será su- duzir até tudo aquilo pertencente à jurisprudên-
perado por meio do ensino oral, assim também cia. A respeito do estudo absoluto, é necessário
88 FRIEDRICH KARL VON SAVIGNY 89
que para nós nada resulte estranho em exegese, 0 estudo da jurisprudência segundo
história e sistema, ou seja, que o estudioso saiba o estado atual das universidades
ou ao menos possa encontrar onde poderá
aprender o restante. As nossas universidades não têm esse
Para esclarecer aquilo que foi exposto,. ordenamento, embora por regra geral tendam no
serve bem: sentido desse objetivo. Porém os meios para atin-
gi-lo não são bem-escolhidos, já que as aulas, na
Plano do curso jurídico acadêmico sua maioria, nada mais oferecem que aquilo que
um livro bem escrito sobre a matéria poderia
Todas as aulas deveriam estar assim or- oferecer. Prescindindo disto, evidentemente, es-
ganizadas: pera-se mais proveito de uma palestra acadêmi-
No primeiro curso deveria ser dada uma ca que de um livro, que pode ser igualmente bom
introdução às fontes, de modo tal que nada fi- ou melhor ainda, conforme o seu índice (se não
casse estranho. Mas, como isto só é possível por melhor, pelo menos um pouco diferente).
meio da história, deveria ser oferecida a histó- Então, o que é isto?
ria do direito e, dentro dela, a pesquisa das fon- Cada livro é um fato particular da série
tes. de elaborações da ciência. Ao invés, a palestra
Pertence ao segundo curso o conheci- acadêmica nãpé assim. Não se espera que ela
mento dos resultados das fontes, o sistema. Mas contenha algo de novo, porque dela s e espera
v
não deveria ser apresentado como algo demons- que nos conduza diretamente ao estudo da ciên-
trado, e sim como algo que se deve descobrir. cia e da literatura.
Também seria necessária a vinculação com a . Em. que está baseada esta diferença?
exegese, de modo que o sistema surgisse evidente O que toda comunicação, todo livro ou
em cada momento da interpretação.. Para isto,. palestra podem conter de melhor é, sem dúvi-
não se requer a totalidade do material, mas tão da, o método de pesquisa. Segundo dizemos, po-
só aquilo que tende à elaboração posterior de demos encontrá-lo em cada forma de comuni-
todos os objetos. Este último parece não ser cação. Mas nos livros ele deve ser extraído pelo
possível. Porém o é se pensarmos quanto é pos- leitor e descoberto mediante um processo arti-
sível ganhar em tempo, e quanto se beneficia a ficial, o que é possível, mesmo que difícil.
sensibilidade do auditório com a brevidade e a Completamente diferente é o caso da pa-
eliminação do desnecessário. Por este motivo, lestra acadêmica, em que o método de pesquisa
uma palestra breve pode, freqüentemente, con- é conseguido diretamente, ou seja, em que o mé-
ter mais conhecimentos reais. todo é comunicado ao auditório também de for-
90 FRIEDRICH K A R L VON SAVIGNY METODOLOGIA JURÍDICA 91
ma direta. A dissertação acadêmica, então, não nenhuma' aula universitária. Realiza-se um bom
é supérflua. Porém, como se supõe que nem exercício revisando rapidamente as fontes, sem
sempre é assim, deveríamos pensar que é assim, passar'por alto nada importante. Notas deverão
e tratá-la de um modo diferente de como real- ser tomadas. Assim, será possível obter facilmen-
mente é - o qual é tão difícil quanto o estudo te uma visão do método do professor e extrair
de um livro. o melhor da sua dissertação.
A aplicação dos princípios fundamentais A única dissertação preparada segundo
gerais do estudo da jurisprudência pressupõe o o que foi comentado é a de Hugo sobre as Pan-
seguinte princípio: "Este estudo consta de in- dectas.
terpretação, história e sistema". Tudo isso deve- *' Só deste modo é possível aprender a in-
ria se expor em separado, mas devido a que as terpretação das fontes: apenas mediante uma in-
dissertações acadêmicas estão preocupadas quase terpretação própria pode-se construir uma opi-
unicamente com a apresentação do sistema, de nião pessoal para julgar as inúmeras opiniões
resultados, o ouvinte deve fazer uso dela e vin- alheias.
cular-lhe sua própria interpretação. Trata-se, en-
tão, não só de crer em tudo o que se diz, mas de Utilização imediata das dissertações acadêmicas
comprová-lo.
Devemos tomá-las criticamente, não se
Os meios auxiliares (para tirar proveito das palestras) tratando especialmente de controlar a verdade
das sentenças particulares, mas de obter a visão
Estudo das fontes do todo. Há, em toda dissertação, definições,
conceitos, panoramas esquemáticos etc, meras
Aquilo que deve acontecer antes da dis- facilidades, justamente o de menor importância.
sertação - preparação. Aqui, como em geral, o A parte essencial, o método da pesquisa, não
estudo das fontes é o melhor meio auxiliar. O pode ser encontrado em tais meios auxiliares
melhor caminho parece ser o seguinte: contro- lógicos. Não devemos nos distrair do real, mas
lar as passagens de referência e comparar com nos acostumar a modificar freqüentemente as
elas os princípios a serem comprovados. Porém, definições dadas, mesmo não sendo as melho-
isto somente seria possível se, nas próprias cita- res. Os pontos de vista pessoais do professor
ções, houvesse um plano e uma perfeição, pois devem ser apenas meios fáceis para nos comu-
não deveriam conter nada inútil, nem esquecer nicarmos.
nada essencial. Poucas vezes é este o caso, e não
pode ser encontrado em nenhum livro nem em