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Pontos em expansão: uma conversa com Marilyn

Strathern

autores: Bruno Guimarães, Luisa Girardi, Mariana Oliveira, Rui Harayama


tradução: Bruno Guimarães, Luisa Girardi, Rui Harayama
revisão técnica: Vitor Grunvald

Se é possível dizer que Marilyn Strathern Indispensáveis ao evento, nesse sentido, foram
dispensa apresentações no meio acadêmico, a os esforços do Professor Eduardo Viana Vargas,
vastidão de sua obra e dos temas de suas pesqui- que esteve à frente da organização das confe-
sas inspira no leitor a sensação de constante im- rências realizadas. Vargas também ofertou, no
previsibilidade em relação às suas ideias. Com segundo semestre daquele ano, a disciplina
reflexões inovadoras nos campos dos estudos “Dádivas, Gênero e Conexões Parciais: Leitu-
de gênero, etnologia, propriedade intelectual, ras de Marilyn Strathern” pelo Programa de
parentesco e novas tecnologias reprodutivas, Pós-Graduação em Antropologia (PPGAN/
para citar apenas alguns exemplos, a antropó- UFMG), contexto que propiciou o ambiente
loga visitou a Universidade Federal de Minas intelectual que está na origem desta entrevista.
Gerais (UFMG), em outubro de 2009, para Por isso, e por todos os muitos auxílios, somos-
um ciclo de conferências¹ que tornava explíci- -lhe gratos. A Marilyn Strathern, por toda a
ta, mais uma vez, a singularidade de sua obra. gentileza e paciência, o nosso obrigado.
Em meio às palestras proferidas, Strathern ge-
nerosamente aceitou nos conceder uma entre-
vista para discutir o percurso mais recente de Da última vez que esteve no Brasil, você fa-
suas investigações. lou a respeito da sua trajetória desde a entrada
A sofisticação analítica da melanesianista e a na Universidade de Cambridge. Gostaríamos de
relevância de seus trabalhos para o pensamento começar perguntando algumas coisas sobre antes
antropológico levaram-na a ser frequentemente e depois. Sobre antes: o que te levou a escolher a
entrevistada no sentido de debater conceitos cen- antropologia?
trais à sua produção intelectual e as implicações MS: Eu costumava escavar sítios arqueoló-
de suas pesquisas para as várias áreas das ciências gicos locais quando era adolescente e me tornei
humanas. Nossa conversa percorreu um cami- bastante entusiástica em relação à arqueologia.
nho menos usual, tratando antes de suas ins- Eu vivia nas proximidades do sul de Londres,
pirações, modos e condições de trabalho. Uma no noroeste de Kent. Nos tempos romanos,
proposta despretensiosa de realizar outro aporte essa região era um subúrbio: uma área cheia
à complexidade da empresa teórica e etnográfica de casas, ladrilhada com mosaicos romanos. A
da autora. A expectativa é que nossas questões partir dos treze anos, acredito, eu costumava
contribuam para a formulação de outras. sair para escavar aos finais de semana, normal-
É preciso mencionar que, sem o convi- mente aos domingos, para escapar da família.
te feito pelo Instituto de Estudos Avançados Eu me tornei muito interessada em arqueolo-
Transdisciplinares (IEAT/UFMG), Marilyn gia. Quando descobri que na Universidade de
Strathern não teria vindo ao Brasil em 2009. Cambridge se poderia estudar tanto arqueolo-

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gia quanto antropologia no primeiro ano, eu MS: Houve um período em que eu ficava
pensei que seria perfeito para mim. Mas eu sa- entre o Reino Unido e a Papua-Nova Guiné.
bia que não queria ser uma arqueóloga porque Quando finalmente regressei ao Reino U ­ nido
tinha outras ambições. – eu era coordenadora do Departamento
De todo modo, nas aulas de história da de Antropologia Social da Universidade de
escola secundária, estudando para as provas, M­anchester –, repentinamente, recebi um tele-
nós passamos pelo século XVIII e pela Revo- fonema de uma pessoa que vinha trabalhando
lução Francesa; e foi preciso ler um pouco de com novas tecnologias reprodutivas. Isso foi
Jean-Jacques Rousseau. Eu me tornei um tanto em 1987. Ela perguntou qual seria a opinião
obcecada com a noção de sociedade. E pensei dos antropólogos sobre a doação de óvulos
“a sociedade não existe, temos estruturas eco- entre irmãs. Em outras palavras, no contexto
nômicas e estruturas políticas…”. Eu não for- das doações de gametas, o que os antropólo-
mulei dessa maneira, mas lá estava o embrião gos diriam se os óvulos fossem compartilhados
dessas ideias sobre “sociedade”. Eu conhecia entre irmãs? E eu disse: “a antropologia não
a antropologia, mas não conseguia achar uma tem nada a dizer, porque até onde eu sei a an-
resposta para essas questões. Eu tinha ideias tropologia nunca pensou sobre essas coisas”. E
muito grandes. Quando você é jovem, tem aquela pergunta ficou na minha cabeça. Nesse
ideias muito grandes, não? Quanto mais velho momento, era o início das discussões sobre o
você fica, menores suas ideias. assunto que começou a ser trabalhado princi-
palmente pelas escritoras feministas. Eu, então,
li uma narrativa sobre tecnologias reprodutivas
Agora, sobre os seus interesses mais recentes. e fiquei fascinada.
Desde a última década, alguns temas apareceram Em 1989-1990, organizei com colegas uma
com recorrência nos seus trabalhos: novas tecno- pesquisa nessa área e fiz um estudo sobre pa-
logias reprodutivas, audit cultures1*, propriedade rentesco. Parecia-me que as questões colocadas
intelectual, direito.  Gostaríamos de saber como pelas novas tecnologias reprodutivas – que eram
esses temas foram incorporados  em seu trabalho questões sobre quem era a mãe de verdade, sobre
e em que medida modificaram sua produção. quão longe era possível interferir na natureza –
não eram questões relacionadas com família que
1. * Nota do Revisor [N.R.]: No início dos anos
era o conceito nativo. Elas se relacionavam com
1990, os departamentos universitários ingleses um conceito antropológico: eram sobre parentes-
passaram a ser submetidos a processos de audi- co! E, repentinamente, achei que a antropologia
toria acadêmica (Academic Audit), além de siste- tinha algo a dizer que não poderia ser apreendido
mas de avaliação da sua produção de pesquisa e pelos modelos nativos de família e parentes. Eu
da docência (Research Assessment Exercise – RAE
também fiquei fascinada porque, subitamente,
e Teaching Quality Assessment – TQA). Tais pro-
cessos geram uma pontuação que determina, qualquer um podia dar uma opinião. De fato,
dentre outras coisas, o montante de investi- aqui estava o povo inglês falando sobre nature-
mento público em cada universidade. Ao longo za e cultura! Ora, nós lemos sobre isso em Lévi-
dessa mesma década, Strathern fez esforços no -Strauss, mas aqui eram os ingleses debatendo
sentido de promover reflexões sobre o que pas- natureza e cultura. Para mim era fascinante.
sou a ser chamado de audit cultures e organizou,
Durante minhas leituras nessa área, depa-
em 2000, o livro Audit Cultures: Anthropological
studies in accountability, ethics and the academy. rei-me com uma narrativa sobre um caso nos

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­ stados Unidos. Eu não sei como vocês per-


E bém coordenador do projeto2* – que seria mui-
cebem os Estados Unidos no Brasil, mas na to interessante voltar para a Papua-Nova Guiné
Inglaterra nós os vemos como um lugar de ex- nesse momento quando os direitos de proprie-
cesso. Tudo o que é feito é levado ao excesso. dade intelectual estavam sendo desenvolvidos
Especialmente os advogados estadunidenses pela Organização Mundial do Comércio atra-
que levam as coisas aos seus limites. Um exem- vés do Acordo Geral de Tarifas e Comércio3**.
plo é um advogado que estava defendendo as Se vocês examinarem O Gênero da Dádiva,
reivindicações de um casal que havia encomen- verão que, nessa obra, eu expurgo, oblitero o
dado uma barriga de aluguel para gestar seu conceito de propriedade. Assim, era muito in-
filho genético. E o que ele fez – esse é o ponto teressante regressar à ­Papua-Nova Guiné preci-
a ser ressaltado – foi estabelecer uma analogia sando utilizar a palavra “propriedade”. De um
entre a concepção mental e a concepção bio- ponto de vista analítico, era muito convenien-
lógica que, em inglês, obviamente, é a mesma te afirmar “eu não vou fazer o uso da palavra
palavra. A ideia é que a mãe que reivindicava ‘propriedade’”. Mas se você está lidando com
a criança expressava tanto instinto maternal o discurso internacional, não é possível evitá-
quanto a mãe que gestou a criança. Essa era -la. Então, ali estava eu voltando para a Papua-
uma concepção mental. A partir disso, o advo- -Nova Guiné com esse conceito que, em outras
gado esboçou uma analogia com a propriedade circunstâncias, eu não teria trabalhado. Foi daí
intelectual. E aí estão os advogados realmente que o meu projeto sobre propriedade intelec­
levando as coisas ao extremo! tual na Papua-Nova Guiné surgiu.
De todas as formas, essa foi a ligação: das no- É preciso entender, contudo, que não estou
vas tecnologias reprodutivas para a propriedade falando sobre as livres escolhas de uma acadê-
intelectual. E eu pensei: “o que é isso? o que mica que pesquisa o que bem entende, nem
está acontecendo?”. E comecei a ler um pou- sobre encontrar oportunidades para pesquisa.
co sobre propriedade intelectual. Eu sabia que Estou falando sobre uma atmosfera institucio-
durante a década de 1990 existiram diversos nal na qual você deve, constantemente, con-
movimentos indígenas que tentaram entender ceber temas de pesquisa. A minha busca por
se a propriedade intelectual realmente resolve- estudantes que haviam trabalhado na Papua-
ria seus questionamentos sobre como proteger -Nova Guiné e o encontro com meus colegas
intangíveis; sobre como proteger, por exemplo, não surgiu de um pensamento do tipo “essa é
a propriedade cultural, os padrões gráficos, o uma boa ideia”, mas sim “aqui tem um r­ ecurso
conhecimento tradicional e assim por diante.
E, então, me dei conta que existiam diversos 2. * [N.R.]: Strathern se refere ao projeto de pes-
estudantes que haviam trabalhado na Melané- quisa Property, Transactions and Creations: New
sia – James Leach, Tony Crook, Andy Holding, Economic Relations in the Pacific, coordenado por
ela e pelo professor Eric Hirsch em colaboração
Melissa Demian – e que eu também tinha boas
com o National Research Institute em Port Mo-
relações com colegas como Eric Hirsch e K ­ aren resby entre 1999 e 2002. Alguns resultados dessa
Sykes. Compreendi que, se algum dia haveria pesquisa foram publicados no livro Transactions
um momento em que poderíamos fazer um and Creations. Property Debates and Stimulus
projeto juntos, possivelmente o momento era of Melanesia, editado por eles em 2004. Mais
aquele. E pensei, junto com Eric Hirsch - tam- adiante, o projeto é retomado nesta entrevista.
3. ** [N.R.]: Em inglês, General Agreement on
­Tariffs and Trade (GATT).

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e eu devo utilizá-lo”. De fato, grande parte da “novas formas de parentesco e reprodução fami-
minha vida acadêmica foi governada por de- liar”, “bioética”, “as implicações sociais da tecno-
mandas institucionais para fazer pesquisa. Logo, logia” e “criatividade cultural”, dentre outros. Em
aqui não estamos falando de um espírito livre. outras palavras, as pesquisas atuais não parecem
Isso me leva ao último tema: direito. Em lembrar um departamento em que a imagem
1964, quando estive pela primeira vez nas clássica da antropologia social britânica emergiu.
Terras Altas da Papua-Nova Guiné, encontrei Onde você situa seu trabalho nesta mudança e
uma curiosa forma de vida pública em torno como você percebe o impacto de suas pesquisas na
da qual regularmente – e, certamente, aos finais antropologia social britânica e, mais especifica-
de semana – as pessoas se reuniam. Era possível mente, em Cambridge?
observar grupos de pessoas conversando muito MS: Esta é uma questão muito interessan-
atenciosamente, outras pessoas se movimentan- te. Entre os departamentos do Reino Unido, o
do, outras sentando. Esses eram os chamados de Cambridge é considerado tradicional. E o
“tribunais”: as pessoas estavam fazendo tribu- motivo disso é que, no que tange ao ensino na
nais de direito, estavam imitando os adminis- graduação, o departamento prepara o estudan-
tradores. As pessoas locais estavam assumindo te com muito material tradicional, pelo menos
para si, por assim dizer, o que os seus adminis- nos dois primeiros anos. E é claro que ocorrem
tradores coloniais haviam dito: “vocês precisam debates infindáveis, que eu não sei se existem no
obedecer a lei”. E, é claro, os administradores Brasil. Incluímos Marx, Weber, Durkheim? Eu
achavam que esses tribunais eram ilegais. Aos não sei. Sabemos que vamos colocar um pouco
olhos do direito formal, as pessoas estavam fa- de Evans-Pritchard, um pouco de Malinowski,
zendo o direito com suas próprias mãos e elas de Meyer Fortes, e assim por diante. Mas onde
não deveriam fazer isso. Eu fiquei bastante inte- estarão Marx, Weber e Durkheim? Passaremos
ressada pelas práticas de disputa em geral, mas pelo funcionalismo, estruturalismo, estrutural-
também pelo fato de que, invariavelmente, a -funcionalismo? Então, todo ano, há uma dis-
pessoa no centro do problema era uma mulher. cussão sobre o currículo. Mas se você olhar o
Nesse período, elas estavam no centro da maio- programa da graduação, ele seria corretamente
ria dos problemas porque eram as mulheres que reconhecido como clássico. Porém, isto não
ligavam os homens. Os debates eram constantes impede que as pessoas, sobretudo na pesqui-
entre os homens, mas eram as mulheres que, sa, façam todo tipo de coisa que nunca esteve
de alguma maneira, estavam no caminho: elas no repertório clássico, mas que não é contrária
interferiam nas relações entre os homens ou a ele. Em outras palavras, essas pesquisas não
elas desejavam divorciar-se de um homem, o estão em oposição ao repertório clássico, são
que implicava na quebra das relações masculi- suas extensões. Devo frisar que esses são antes
nas. Foram esses tribunais que me conduziram tópicos de pesquisa do que de ensino, apesar
às questões relativas ao direito e ao gênero. Sem de entrarem no currículo nos segundo e ter-
dúvida, busquei o direito durante todo o tem- ceiro anos. Mas eu não os vejo como contrá-
po. Esse tema sempre me pareceu interessante. rios ou em oposição aos temas clássicos, eu os
vejo como seus desdobramentos. Isto é mais
evidente na área das tecnologias reprodutivas,
Atualmente, os temas de pesquisa do Departa- pois, durante muito tempo, o parentesco era
mento de Antropologia Social de Cambridge são: considerado uma das questões mais obscuras,

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complicadas, entediantes e óbvias. E, de fato, colegas foram todos a campo e nós trouxemos
foram as novas tecnologias reprodutivas, com para o projeto Lawrence Kalinoe, um jurista
todo seu encanto, que reviveram o interesse da Papua-Nova Guiné. Ele foi magnífico! Veio
no parentesco. Praticamente todos os departa- a Cambridge e não estava conosco há muito
mentos de Antropologia Social no Reino Uni- tempo – cerca de seis semanas – quando falou:
do ensinam novas tecnologias reprodutivas. E, “Hum... Interessante. Eu sei sobre o que a an-
é claro, isso leva a um resgate: muitas pessoas tropologia trata. Ela trata de relações, não é?”.
voltam ao Morgan, retornam aos trabalhos ini- Havia antropólogos na Papua-Nova Guiné, o
ciais. De fato, isso revive o interesse geral por que é muito importante, pois não seria possível
parentesco. organizar um projeto de pesquisa sem levar em
Outra coisa que fazemos na Universidade consideração os acadêmicos locais. Lawrence
de Cambridge – e sobre a qual insistimos for- foi o jurista do projeto e havia também Jacob
temente – é dar preferência a estudos originais. Simet. Este último foi um dos poucos antropó-
Durante o terceiro ano, os estudantes precisam logos que foram, de fato, formados em Cam-
fazer uma disciplina sobre uma região particu- berra, na Austrália e um dos poucos também a
lar: pode ser o Sul da Ásia ou o Oriente Médio, tentar uma vida acadêmica em Porto Moresby.
a Melanésia, a África Ocidental ou outro local É preciso compreender o quão difícil é ser
qualquer. Insistimos que os alunos se aprofun- acadêmico em um país de terceiro mundo em
dem nas etnografias de uma região específica. que existem todos os tipos de pressões e proble-
E, a partir daí, você pode fazer o que quiser, mas. Eu tiro meu chapéu para aqueles que se
pois estão disponíveis as teorias clássicas e os engajaram, nesse contexto, em alguma forma
trabalhos contemporâneos, tudo reunido. de vida acadêmica. Não havia, porém, mui-
tos outros. Eram esses dois, ao lado de outras
pessoas com as quais conversávamos, mas não
Nós também gostaríamos de saber um pouco havia muitos outros que queriam saber o que
mais sobre alguns de seus trabalhos anteriores. As fazíamos. Não acho que isto de fato importa-
próximas perguntas serão sobre temas específicos a va, em parte porque esses dois influenciaram
eles. “Property, Transactions and Creations: New diretamente a legislação, ou melhor: o mode-
Economic Forms in the Pacific” foi um projeto de lo jurídico que os estados das Ilhas do Pacífico
pesquisa relacionado a algumas reflexões presentes adotaram em relação à proteção das “expressões
em suas últimas publicações. Você poderia nos falar da cultura”, como eles as chamavam.
sobre este projeto e como ele lhe ajudou a pensar sobre Para mim, ou para meus colegas que fizeram
as práticas melanésias locais em um contexto global? trabalho de campo, isso gerou muitas discussões
MS: Eu tive um ano sabático. Isto foi muito interessantes. Muitas delas foram um impulso
relevante. Foi o primeiro ano sabático que tive para outros projetos. Eu estava impressionada
em muito tempo. E não fui à Papua-Nova Gui- pelo fato de que nossos colegas da Papua-Nova
né. O que fiz foi ler livros jurídicos. E fiquei Guiné eram gratos por não sermos consultores,
atordoada com o que havia naqueles livros, com não sermos ONGs e não estarmos tentando
os pressupostos que eles utilizavam! Eu não sou lhes explicar nada. Tudo o que fazíamos era di-
especialista, não fui muito longe e nunca fala- zer: “olhe, isto daqui também pode ser pensado
ria na presença de advogados. Mas, como an- de outra forma, existem outros vocabulários”.
tropóloga, fiquei estupefata. No entanto, meus E, para mim, isto foi tudo o que fizemos.

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Mas isto vai desaparecer sem deixar rastros, vida coletiva. Argumentei que, no contexto em
não vai aparecer, não é algo que seja possível ras- que não há um conceito de sociedade, de cul-
trear. Eu não posso demonstrar em uma avaliação tura ou de uma vida abstrata separada da vida
acadêmica o que eu produzi e não há como apon- de pessoas individuais, não há nada sobre o que
tar os fatos: “bem, na verdade, eu acho que foi se ter uma história. Então, não estou respon-
nessa ou naquela conversa que aconteceu”. Não dendo a pergunta de vocês muito bem porque
existe uma forma pela qual isto possa ser apreen- tenho problemas com esse conceito.
dido, medido ou contabilizado. O que sei é que Sobre mudança – e esta é uma questão in-
estamos felizes de tê-lo feito. E se eu, alguma vez, teressante –, uma das conclusões a que cheguei
fiz algo que valeu a pena – e eu acho que fiz nes- em O Gênero da Dádiva é que as pessoas estão
se projeto – foi porque era tudo o que queriam. constantemente alternando entre diferentes
Eles só queriam ser convidados para participar de modalidades, entre diferentes tempos. Toman-
conversas em que as pessoas não utilizavam ne- do os homens como exemplo, em um momen-
nhuma das linguagens burocráticas com as quais to, a questão é pensar no clã, na mentalidade
eles estavam acostumados. Quero dizer, eles são do clã, em outro, é pensar a si próprio como
capazes de fazer suas próprias invenções, seguirem imerso dentro em um nexo individual de re-
seus caminhos, e assim por diante. lações que ninguém mais possui. Há uma al-
ternância entre os estilos de sociabilidade4*
pessoas se reunindo e pessoas se separando – de
As perguntas seguintes abordam de forma
mais específica alguns conceitos ou ideias que apa- 4. * [N.R.]: No clássico debate sobre a “obsolescência do
recem em seus escritos. Gostaríamos de perguntar, conceito de sociedade” (Ingold et al., 1996), a noção
de socialidade é enfatizada por alguns(as) antropólo-
inicialmente, como você percebe os conceitos euro-
gos(as) britânicos(as) tanto por não figurar como uma
-americanos de história e mudança? Você os consi- entidade autônoma que estabeleceria relações com sua
dera apropriados para pensar a Melanésia? antinomia completar , o indivíduo, quanto por romper
MS: Essa é, realmente, uma questão pro- com a lógica que equaliza sociedade e grupo (cf., adi-
funda. Ela parece simples, mas, na verdade, é cionalmente, Strathern, 1992a). Este último conceito
uma questão realmente profunda. Preciso di- se refere a uma “matriz relacional que constitui a vida
das pessoas” (Strathern et al., 1996a, p. 64). A ques-
zer que tenho um filho historiador e, portanto,
tão é de extrema relevância já que, tal como explicita
não deveria ser muito hesitante em relação à Strathern nesta entrevista, as modalidades ou tempos
história. Mas eu nunca compreendi a história, da vida social entre as quais as pessoas estão constan-
embora seja possível encontrar isso no site da temente alternando apontam para dois tipos ou mo-
Universidade de Cambridge: Antropologia mentos de socialidade – um de caráter plural e outro
Histórica. Acho que meus problemas come- singular -, ora replicação, ora substituição. Em outra
entrevista, concedida a Eduardo Viveiros de Castro e
çaram logo no início, quando estava fazendo
Carlos Fausto (1999b), a autora faz advertências para
graduação. Precisei ler os escritos de Evans- o problema da redução antropológica da socialidade
-Pritchard sobre antropologia e história e não à sociabilidade (quando este termo se associa ao que
conseguia ver o sentido disso. Certa vez, escrevi está subsumido ao conceito obsoleto de “sociedade”)
um artigo chamado “No culture, no history”, no tratamento de grupos que não operam a partir da
no qual relacionei a história com algum senti- persuasão inerente ao discurso euro-americano. Nesse
sentido, é possível que a autora esteja se referindo aqui
do que as pessoas precisam ter sobre elas pró-
a essa matriz relacional que constitui a vida das pessoas
prias, em que há alguma continuidade com sua em lugar do termo sociabilidade.

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modo que elas produzem estados alternativos, comparação estaria na pressuposição de paralelos
tais como iniciados e pré-iniciados; ou como naturais entre os termos comparados. Esse cons-
os momentos em que se revela e se esconde trangimento poderia engendrar uma série de pro-
o mundo. E as pessoas estão constantemente blemas como, por exemplo, a extensão do conceito
alternando. Outro exemplo é quando eu falo de sociedade e cultura para contextos não-ociden-
sobre a ideia de que é possível ver a terra de tais. O que, então, deveríamos comparar?
dois modos diferentes. Essa era a prática ha- MS: Creio que vocês tocaram em um ponto
bitual: você está em um estado, mas está pres- que é absolutamente crucial há algum tempo.
tes a entrar em outro. E, nesse contexto, não Como sabem, a antropologia comparativa tra-
há a percepção de uma sociedade estática, de dicional do tipo que Jack Goody realizou, por
modo que alguém possa pensar em mudan- exemplo, ou as comparações que foram leva-
ça como algo que fará uma sociedade estática dos a cabo pelo Human Relations Area Project,
transformar-se em uma sociedade dinâmica. não tem sido feitas há muito tempo². O que
Já estamos lidando com uma sociedade que se ocorreu foi que – e, aqui, estou falando sobre
move constantemente entre posições. É claro o Reino Unido, os Estados Unidos e alguma
que essas posições são previsíveis, mas penso antropologia europeia – iniciou-se um período
que é possível falar em mudança no sentido de tremenda sofisticação da monografia etno-
de que essas pessoas não possuem apenas esses gráfica. Algumas obras excelentes surgiram no
momentos oscilantes. Elas são o que denomino último quarto do século XX, obras realmente
“modernas”, isto é, percebem-se como fazendo requintadas. É claro que essas obras dificilmen-
uma escolha, tomando um caminho e abando- te eram comparativas. Mas eram primorosas
nando o outro. Elas se pensam como assumin- porque se voltavam para si mesmas e estavam
do as práticas relativas ao exercício do direito, bastante afinadas. Acho que disse, no começo
como no caso em que organizam tribunais. de O Gênero da Dádiva, que o problema não é
Elas se pensam como assumindo o mundo. a falta, mas o excesso de boas etnografias.
Elas são incrivelmente livres de qualquer cons- Em alguma medida, o conceito de globali-
trangimento frente à tecnologia. Ninguém as zação apareceu e tomou o lugar da compara-
ensinou que os brancos possuem três mil anos ção. Porque, se é possível ver povos de todos
de civilização. Elas não têm ideia. Elas apenas os locais como suscetíveis a circunstâncias ou
veem uma rota à frente e não tem nenhuma ideações econômicas e institucionais similares,
inibição com a tecnologia. Elas se perceberiam então se tem uma referência para pensar o que
como tão cosmopolitas, operando no mundo está acontecendo. A partir daí, é claro, surgem
tal como ele é – com seus telefones celulares novas invenções analíticas e outros arranjos.
e todo o resto – como qualquer outra pessoa. Acredito em um tipo particular de compa-
Este é o mundo em que vivem. E isso é tudo ração. Não é realmente uma comparação, mas
que precisam saber. poderíamos chamá-la assim. Se me pressionas-
sem e perguntassem “como definir cultura?”,
provavelmente eu responderia que se sabe que
Em diversos momentos, você se mostrou pre- se está no limite de uma cultura particular ou
ocupada com as limitações  do método compara- de uma configuração cultural ou de uma for-
tivo na prática antropológica. Aparentemente, mação cultural quando determinadas analogias
um dos principais constrangimentos associados à deixam de fazer sentido. Em outras palavras, o

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que definimos como cultura é a maneira pela so escolher isso como um modo de descrição.
qual as próprias pessoas estabelecem analogias, Não estou dizendo que a terra é propriedade
contrastes ou a maneira como elas comparam intelectual, estou dizendo: “usando essa lingua-
diferentes elementos da sua vida com outros gem, quão longe a analogia com a propriedade
elementos. Apenas a título de exemplo, meu li- intelectual pode nos levar para entender o que
vro After Nature – que trata sobre o parentesco está acontecendo?”. Isso, então, não é compa-
inglês – também é uma crítica à ideologia con- ração, mas algo parecido.
servadora que coloca o indivíduo no centro da
vida política. Eu queria fazer a pergunta: “se há Apesar de pertencerem a duas regiões etnográ-
algo como uma cultura inglesa, então, onde es- ficas distintas, aparentemente podemos estabelecer
tamos nós, indivíduos, dentro desta cultura?”. conexões entre os modos de conhecimento mela-
Em outras palavras, aquele indivíduo político nésio e amazônico, tais como descritos por alguns
ressoa e faz sentido porque indivíduos estão antropólogos. Em que termos poderíamos pensar
sendo produzidos em outros lugares. E eu des- em uma “Melazônia”5* e na extensão dos concei-
crevi isso com o parentesco inglês: o sistema de tos de “perspectivismo” e “troca transgenderifica-
parentesco produz indivíduos. Eu estava fazen- da” de uma região para outra?
do uma analogia entre o individualismo como MS: Acredito que o que é realmente inte-
tema político e os indivíduos como o produto ressante nos modos de conhecimento melané-
de sistemas de parentesco. Mas as próprias pes- sio e amazônico é que ambos fazem algo com
soas também estabelecem analogias. Na área os modos de pensar euro-americanos. Eles o
das novas tecnologias reprodutivas, por exem- colocam em xeque. E nesse aspecto são bem
plo, as pessoas estabeleceriam analogias entre a similares. Existem, é claro, enormes diferen-
doação de gametas e a doação de órgãos ou de ças em toda a questão das trocas de riquezas,
sangue. por exemplo. Existem consideráveis diferenças
Mencionei que nas analogias existem ar- se quisermos tomar as duas áreas como regi-
tefatos culturais. E é possível produzir com ões etnográficas. Eu diria, ainda assim, que as
analogias. Suponhamos que se está descreven- demandas que esses modos de conhecimento
do um conjunto de circunstâncias. E é preciso colocam para os antropólogos são bastante si-
estar atenta à linguagem da descrição enquanto milares. Nesse sentido, a “Melazônia” pode ser
um recurso. Na minha cabeça, certamente, es- considerada um campo epistêmico.
tão muitos relatos etnográficos. Posso decidir O perspectivismo é uma dessas noções
que, na realidade, quero descrever uma socie- esclarecedoras que parecem ser a solução de
dade ‘X’ na Papua-Nova Guiné – estou usando muitos problemas e questões, e acho que nós
a palavra sociedade – fazendo uso de conceitos
derivados da sociedade ‘Y’. Em outras palavras,
5. * [N.R.]: Melazônia é um lugar imaginário pres-
posso querer olhar uma configuração social
suposto pelos esforços comparativos de alguns
particular através de olhos bem diferentes. E eu antropólogos no livro Gender in Amazonia and
não quero chamar isso de comparação, pois é Melanesia. An Exploration of the Comparative
algo muito mais semelhante ao ato de traçar Method, organizado por Thomas Gregor e Do-
uma analogia. Eu não preciso utilizar a noção nald Tuzin. O termo é sugerido por Stephen
de propriedade intelectual como uma analogia Hugh-Jones em seu artigo no livro e, então,
adotado por alguns autores para destacar algu-
para considerar proprietários de terra. Mas pos-
mas similaridades entre Amazônia e Melanésia.

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devemos ser infinitamente gratos que este con- são inerentes ao modo como as pessoas habi-
ceito tenha sido articulado da maneira como tam seus corpos, então seria possível ver o pai
tem sido. Mas vocês devem saber que os me- de alguém enquanto pai de alguém ou o pai de
lanésios simplesmente não estão preocupados alguém enquanto o irmão da mãe de alguém.
com o conceito que, na Amazônia, é traduzido E isto produz duas constelações bem diferentes
por “humano”. E, parcialmente, isso se deve da noção de perspectivismo. É possível, por-
ao fato de que não há propensão para perceber tanto, tomá-la de empréstimo de maneira limi-
humanos e animais (ou outras formas) como tada. Mas seria outra analogia.
transformações uns dos outros. Eventualmen-
te, é claro, na mitologia, por exemplo, as pes- Eduardo Viveiros de Castro é um dos autores
soas aparecem sob diferentes disfarces – como de maior relevância nos estudos contemporâneos
espíritos, por exemplo. Mas não há conversão sobre a Amazônia e vem, cada vez mais, dialo-
sistemática de pessoas conforme o crescimento, gando com seus escritos. Em que medida seus tra-
o casamento e a predação que ocorrem durante balhos se separam e se aproximam dos trabalhos
um ciclo de vida, como observamos em muitos de Viveiros de Castro?
contextos amazônicos. MS: A obra de Viveiros de Castro é muito
O que as pessoas fazem, realmente, é se di- interessante porque penso que ele atende àqui-
ferenciar o tempo todo: elas diferenciam um lo que descrevi anteriormente: a capacidade do
mundo e outro e mais um. Trata-se de uma pensamento amazônico de colocar em xeque e
constante sobreposição de diferenciações. As se infiltrar sob a pele. Isso tem lhe garantido
pessoas se diferenciam por meio de regras ma- acesso a muitas questões teóricas. E ele é um
trimoniais, através das trocas, através do gê- brilhante teórico nesse sentido.
nero. Na Papua-Nova Guiné, o gênero – que, A maneira mais radical em que eu me afas-
na Amazônia, não produz nada, nem explica to do que ele faz é que eu não cuido das mi-
muito – torna-se um dos signos pelos quais nhas genealogias teóricas. No meu trabalho,
as pessoas dizem a si mesmas que produziram é possível encontrar referência a um ou outro
uma diferença criativa. Se eu quisesse transpor antropólogo e melanesianista; pois, quando eu
a noção de perspectivismo para a Melanésia, trabalho, gosto de ter poucas coisas ao meu re-
portanto, estaria inclinada a afirmar que o seu dor. Eu faço com o que tenho. E tenho diversos
análogo poderia ser encontrado nos tipos de motivos para trabalhar assim.
posições que as pessoas se colocam umas em Um motivo é que realmente penso que in-
relação às outras. vestir demais em outras projeções teóricas pode
Acho que, em um de meus trabalhos, uso ser um fardo, porque se acaba reinventando a
um exemplo muito óbvio, proveniente da es- posição de onde elas vêm. De fato, eu faço um
fera do parentesco: tem-se uma pessoa, o pai tipo de teorização inversa, na qual eu mante-
desta pessoa e o irmão da mãe desta pessoa. nho cartões e, cada vez que eu encontro algo
Se tomarmos a perspectiva do pai, esta pessoa parecido com alguma coisa que eu tenha escri-
será percebida como um afim; se tomarmos a to, faço uma anotação. Então, organizo estas
perspectiva do irmão da mãe, então, esta pessoa informações como em um tipo de genealogia
será um consanguíneo. Esses termos não exis- teórica post-hoc de coisas as quais eu poderia ter
tem diagramaticamente, tal como poderíamos me referido. O que é bom, porque eu produzo,
desenhá-los [em um quadro genealógico]. Eles tenho o meu campo delimitado.

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Não sei se vocês conhecem uma famosa es- trelas... O que quer que você esteja fazendo, a
critora inglesa chamada Jane Austen, mas é um única posição que você pode ocupar é aquela
pouco como Jane Austen: ela escrevia a partir de do dicionário: você só pode definir uma pala-
um universo delimitado, sobre o qual, às vezes, vra usando outras palavras que estão em ou-
penso. Não estou dizendo que eu seja “austenia- tros locais do dicionário. E, para mim, essa é a
na”. É claro que eu não diria isto, mas eu compre- condição que define a antropologia e que torna
endo o que ela estava fazendo. O que quero dizer explicitamente interessante a importância das
é que eu não posso fazer o tipo de trabalho que relações para a revolução científica. Mas ela não
Viveiros de Castro realiza ao abrir campos teóri- pode te levar a nenhum outro lugar.
cos – algo que eu acho extremamente estimulante
de escutar, mas que não conseguiria fazer.
Notas
Para encerrar a entrevista: tanto em  The
Relation quanto em Kinship, Law and the ¹ O ciclo de conferências ocorreu na Universidade
Unexpected,  você  afirma que  a noção de rela- Federal de Minas Gerais (UFMG) entre os dias 20
e 24 de outubro de 2009, com o apoio do Instituto
ção foi recorrentemente utilizada como uma ferra-
de Estudos Avançados Transdisciplinares (IEAT),
menta antropológica.  Como evitar que o conceito da Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa
de relação  não acabe sendo utilizado de maneira (­FUNDEP), da Faculdade de Filosofia e Ciências
similar à noção de cultura, expandindo-se indefini- Humanas (FAFICH), do Programa de Pós-gra­
damente em sentido e perdendo seu potencial ana- duação em Antropologia (PPGAN) e do Laborató-
lítico? rio de Antropologia das Controvérsias Sociotécnicas
(LACS). As conferências proferidas na Cátedra IEAT
 MS: Essa é uma ótima pergunta para ter-
/FUNDEP Humanidades, Letras e Artes de 2009
minar porque eu diria que cheguei à conclusão foram nomeadas com os títulos a seguir: “Land as
de que, afinal de contas, a relação e a análise intelectual property”; “Sharing, stealing and borrowing
relacional não podem fazer mais do que apon- simultaneously”; “Authors and owners: issues in the dis-
tar as relações. E acabamos, efetivamente, em semination of knowledge”.
um ponto de eterna expansão. Não diria, en- ² Strathern se refere a comparações detalhistas entre
atributos semelhantes de populações vizinhas,
tretanto, que há perda de potencial analítico.
buscando verificar as implicações de eventuais
Essa não é uma consequência. Tudo o que isso distinções. Nos termos em que ela colocou, durante
significa é que você nunca sairá das relações a entrevista: “[Goody] comparava duas diferentes
que produziu. Obviamente, isso é uma fantasia sociedades do oeste da África e, então, as pequenas
histórica. Mas uma das coisas que surgiu com diferenças entre pais e filhos que cultivavam juntos
o Iluminismo e com o advento das ciências foi e irmãos de diferentes idades que faziam o mesmo,
analisando como estas variações tinham grandes re-
que, ao dispensar a faculdade da fé ou de qual-
percussões sobre como os funerais eram realizados,
quer outra coisa como uma causa explicativa, que, por sua vez, tinha consequências na herança
tudo o que resta é descrever o mundo em re- da terra.” Sobre o Human Relations Area Project,
lação a si mesmo. Não há nenhum outro me- Strathern explicou: “um modelo de comparação no
canismo para descrever o mundo que não o de qual você isola traços, práticas particulares e diversos
colocar as coisas em relações, quer você esteja exemplos dessas práticas da maneira que pode e, a
partir disso, tenta reproduzir a ecologia e o contexto
observando pedras geológicas, quer você esteja
destas práticas”.
medindo substâncias em um tubo de ensaio,
quer você esteja calculando a distância das es-

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entrevistatores Bruno Guimarães, Luisa Girardi, Mariana Oliveira, Rui Harayama


Mestrando em Antropologia Social / PPGAN – USP

tradutores Bruno Guimarães, Luisa Girardi, Rui Harayama


Mestrando em Antropologia Social / PPGAN – USP

revisão técnica Vitor Grunvald


Doutorando em Antropologia Social / PPGAN – USP

Recebida em 27/07/12
aceita para publicação 09/12/12

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