Você está na página 1de 34

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC/SP

FABIO LEMOS CURY

Apontamentos sobre as taxas judiciárias:


análise crítica à luz da Constituição Federal

Mestrado em Direito

São Paulo
2016
120

5 A QUESTÃO DAS TAXAS JUDICIÁRIAS

Cuidamos em item precedente (naquele que tratou da garantia do acesso à


jurisdição) sobre certa visão orientada no sentido de que as taxas judiciárias
deveriam ser gratuitas; em que pese respeitosas, fato é que historicamente a
atividade jurisdicional é prestada mediante remuneração.

Muito além disso: a institucionalização da cobrança das taxas judiciárias, é


dizer, a existência de um regime propriamente tributário, significa grande avanço, já
que com isso se buscou evitar que a remuneração de magistrados e oficiais em
regime privado orientasse o desfecho da ação judicante. Eis a preocupação de se
haver inserido, na Magna Charta de 1215, disposição que preconiza: “To no one will
we sell, to no one deny or delay right our justice”. Assim comentam HAMILTON DIAS
DE SOUZA e MARCO AURELIO GRECO225 em parecer sobre a natureza jurídica
das custas judiciais:

Notem-se os termos usados: “a ninguém venderemos (will we sell) direito ou


justiça! Vale dizer, com isto se consagrava o princípio de que a
administração da justiça não é algo que se compra, da qual, portanto,
decorre o pagamento de um preço; não é algo que se vende exatamente
por ser um direito do indivíduo, obter o pronunciamento judicial [...] A razão
determinante de uma eventual entrega de dinheiro não é mais uma
convenção, mas passa a ser a própria a lei que a estabelece

Historicamente, portanto, por curioso que pareça, a ação tributária sobre o


serviço judiciário significou uma evolução: institui-se contraprestação por meio de
taxa pelos serviços de administração da justiça a quem compareça perante os
órgãos dependentes poder Judiciário ou de qualquer outra ordem estatal que
dispensem a tutela e salvaguarda do ordenamento, em definição próxima daquele
de GABRIEL GIAMPIETRO BORRAS226.

225 SOUZA, Hamilton Dias de; GRECO, Marco Aurelio et al. A natureza jurídica das custas judiciais.
São Paulo: OAB/SP/Resenha Tributária, 1982. p. 69.
226 “El fundamento justificante de las tasas judiciales reside en la prestación por el Estado de un

servicio de administración de justicia hacia quien comparece ante sus respectivos órganos
dependientes del Poder Judicial o de cualquier otro orden estatal, es decir que dispensan un servicio
de tutela y salvaguardia del ordenamiento jurídico” (GIAMPIETRO BORRÁS, Gabriel. Las Tasas en la
Hacienda Pública. Montevideo: Biblioteca de Publicaciones Oficiales de la Facultad de Derecho y
Ciencias Sociales de la Universidad de la Republica, Montevideo, 1959. p. 585).
121

Vejamos, pois, algumas das principais distinções, regimes jurídicos e


especificidades dessas taxas vis a vis todos os pressupostos teóricos fixados até
esse ponto.

5.1 Despesas, custas e emolumentos

Os textos de direito positivo em matéria processual são pródigos em


referências aos termos “despesas”, “custas”, “emolumentos” e “taxas”. As
expressões, entretanto, são utilizadas nesse contexto sem maior precisão científica,
marca na natureza técnica da linguagem de que se vale o legislador, cravejada não
raro de expressões equívocas, plurívocas, vagas ou ambíguas227.

“Custas” é um termo comumente associado ao somatório dos valores


despendidos para andamento de um determinado processo. Essa é sua noção
ordinária ou corrente, tal como a empregam os próprios textos de direito positivo. A
propósito dessa delimitação menos precisa de que parece se valer muitas vezes o
legislador vale visitar a proposição DE PLÁCIDO E SILVA228:

CUSTAS. Na técnica judiciária é geralmente o vocábulo empregado no


plural.
Deriva-se do latim constare (custar, ter o preço, ter o valor), designando a
soma de despesas ou o dispêndio que se tem no andamento de um
processo.
Dessa forma, custas, a rigor da tecnologia jurídica, são as despesas do
processo ou os encargos decorrentes dele, desde que fixados ou tarifados
em lei.
Serve, assim, de designativo geral para determinar toda sorte de despesa
processual autorizada em lei, tenha a denominação própria, ou as
denominações especiais de comissões, percentagens, emolumentos, rasas.
Pata que como custas se considerem as despesas, tanto basta que sejam
derivadas do processo, de atos nele praticados ou decorrentes dele, desde
que legalmente autorizados, não somente na lei de custas como na própria
lei que determina a prática do ato ou da diligência.
Desse modo, custas ou despesas do processo compreendem-se todo
encargo ou ônus decorrente da demanda e assumido para atender o
pagamento das comissões, emolumentos ou taxas atribuídas às pessoas
que praticaram os atos necessários ao curso do processo, não somente
porque tenham sido previstos nos regimentos de custas, seja porque se

227 Assim alerta DANIEL MENDONÇA: “Es evidente que una de las razones por la que la
determinación del significado de los enunciados contenidos en los textos legales presenta dificultades
y supone en ocasiones una elección entre múltiples alternativas radica en la circunstancia de que
raramente los términos y expresiones empleados son unívocos” (MENDONCA, Daniel. Interpretación
y aplicación del derecho. Universidad de Almería, 1997. p. 40).
228 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993. p. 595.
122

tenham apresentado indispensáveis à prática dos mesmos atos e


diligências realizadas no processo ou em consequência dele.
Qualquer despesa judicial relativa ao processo, entende-se custa, pois se
mostra um encargo do processo, consequente de ato executado porque se
mostrou necessário ao cumprimento da finalidade [...]

Como se vê, a expressão é adotada nessa acepção amplíssima como


verdadeiramente indistinta das “despesas” e mesmo das “taxas”.

ANTÔNIO SOUZA PRUDENTE229, em artigo sobre o tema, aponta que de


longa data as custas vêm associadas aos valores pecuniários impostos ao vencido
em litígios. Assim na Constituição de Zenão, bem como no direito justinianeu ou
mesmo no medievo e no primitivo direito germânico. Mas o interessante é que o
cotejo da Doutrina estrangeira levou referido Autor a encontrar nas “custas judiciais”
gênero, de que seriam espécies as taxas judiciais e os desembolsos:

Nos tempos atuais, de acordo com a doutrina alemã, as custas processuais


são de duas espécies: custas judiciais e extrajudiciais. As custas judiciais
(Kösten, Gerichtskösten) subdividem-se em dois grupos: I) as taxas
judiciais, percebidas pelo Estado; e II) os desembolsos que o mesmo
Estado realiza, para o cumprimento de diligências, pagamento de viagens e
funcionários judiciais, despesas com peritos e testemunhas. As “custas
extrajudiciais são os honorários de advogado, de procuradores e despesas
feitas pelo litigante, para defesa de seus direito. “Estas seriam ruma relação
de direto privado”, conforme destacam Rosemberg e Goldschmidt.

Referido Autor, assim, conclui que as taxas judiciárias são espécies do


gênero de “custas”, o que faz com sustento na orientação do Supremo Tribunal
Federal230, para o qual “as custas, conceituadas como espécie de taxa, ou como
outra qualificação na órbita jurídica, consistem, sempre, não há negar, especial
retribuição devida ao Estado em razão de prestação de serviço público”.

Ainda nesse tocante, exerceu grande influência sobre a doutrina nacional o


voto do Ministro MOREIRA ALVES proferido na Representação nº 1.094-5/SP231, na
qual a Corte Suprema posicionou-se pela natureza tributária (taxas) das custas e

229 PRUDENTE, Antônio Souza. Custas processuais. Revista de Direito Tributário, São Paulo:
Malheiros, v. 65. p. 96/97.
230 Rp 895, Relator(a): Min. DJACI FALCÃO, Tribunal Pleno, julgado em 13/06/1973, DJ 23-11-1973

PP-08898 EMENT VOL-00931-01 PP-00094 RTJ VOL-00067-03 PP-00327.


231 Rp 1094, Relator(a): Min. SOARES MUNOZ, Relator(a) p/ Acórdão: Min. MOREIRA ALVES,

Tribunal Pleno, julgado em 08/08/1984, DJ 04-09-1992 PP-14090 EMENT VOL-01674-03 PP-00532


RTJ VOL-00141-02 PP-00430.
123

emolumentos. Para o mencionado Ministro se poderia falar em “taxa judiciária”, que


“é a taxa que se adstringe aos serviços forenses” [...] “ao passo que as custas e
emolumentos (denominados, as mais das vezes, com relação às retribuições pelos
atos extrajudiciais, como emolumentos apenas) dizem respeito às despesas de
movimentação dos atos judicias ou extrajudiciais e ao salário ou remuneração dos
serventuários cartorários”.

Sucede que de longa data o direito positivo nacional trata a questão de


maneira diferente. Assim, o Código de Processo Civil de 1973 (Lei nº 5.869, de 11 de
janeiro de 1973) dispunha em seu art. 20, § 2º, que “as despesas abrangem não só
as custas de atos do processo, como também a indenização de viagem, diária de
testemunha e remuneração de assistente”. A disposição veio renovada pelo artigo
84 do Código de Processo Civil de 2105 (Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015),
que estatui “as despesas abrangem as custas dos atos do processo, a indenização
de viagem, a remuneração de assistente técnico e a diária de testemunha”.

Claramente, portanto, o direito positivo adota um gênero: o de despesas, em


sentido amplo, de que são espécies as custas judiciais e os emolumentos e as
despesas em sentido estrito232. Esse é, aliás, entendimento que a doutrina
processualista costuma adotar233:

As despesas abrangem custas, emolumentos e todos os gastos com


diligências e atos processuais, tanto que o art. 20, § 2º, assim dispõe [...].
Custas significam as despesas com os atos processuais e que se calculam
segundo a lei ou regimento de custas. Emolumentos, por outro lado, têm o
sentido de salário ou remuneração: aquilo a que tem direito o funcionário
forense ou o auxiliar do juízo, como, verbi gratia, o perito, ou o assistente
técnico.
Quanto ao vocábulo despesas, o Código o emprega para abranger tudo
quanto deva ser pago no processo, excluídos apenas os honorários
advocatícios. As despesas distinguem-se das custas ou dos emolumentos,
como o gênero, da espécie.
As custas constituem matéria de direito tributário, visto que são devidas à
Fazenda Pública ou ao serventuário da Justiça como remuneração pelos
serviços prestados aos litigantes.

232 Esse é, também, o critério adotado por LEONARDO CARNEIRO DA CUNHA. CUNHA, Leonardo
Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. 13ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 111
233 MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil. Campinas: Bookseller, 1997. p.

314.
124

Há que se abrir um parêntese. Sucede que, como preleciona HUMBERTO


THEODORO JÚNIOR, “entre os gastos necessários que a parte faz no processo
figuram os honorários pagos a seu advogado. Em sentido amplo, são uma espécie
do gênero despesas processuais, portanto”234, e isso mesmo que a ordem
processual civil discipline de maneira apartada a questão dos honorários de
sucumbência.

Maus uma das espécies do gênero das despesas, os honorários de


sucumbência se consideram de natureza indenizatória e são conaturais à
condenação (e, mesmo inexistente a condenação, serão estipulados em
condenação autônoma)235. Tal como sucede com as demais despesas processuais
em sentido amplo os honorários se regem pelo princípio da sucumbência, de sorte
que cabe à parte vencida ressarcir a vencedora dos gastos que antecipou236.

Cerrando o parêntese referente aos honorários, temos que a solução adotada


pela doutrina processual civil é adequada: despesas (instituto de direito processual)
em sentido amplo exprimem todos os possíveis ônus que as partes, em relação
processual possam incorrer. Espécies de despesas são as custas processuais e
emolumentos (estes que podem ser extraprocessuais, como, por exemplo, aqueles
devidos às serventias extrajudiciais, desvinculados da ideia de despesa), que são
taxas devidas pela prestação de serviço público judiciário; já as despesas em
sentido estrito exprimem aquelas relações obrigacionais de direito processual civil
que instituem às partes tais como, por exemplo a remuneração de perito judicial (art.
95, do Código de Processo Civil em vigor). Há, por fim, os honorários de
sucumbência (art. 85, do Código de Processo Civil em vigor). Eis os termos que aqui
se utilizam.

E a distinção é importantíssima, já que à segregação das custas e


emolumentos como as únicas espécies de despesas correspondentes às taxas se

234 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito
processual civil e processo de conhecimento. 46ª ed. Rio de Janeiro: forense, 2007. p. 104.
235 GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. Volume 1. São Paulo: Saraiva, 1995. p.

108.
236 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito

processual civil e processo de conhecimento. 46ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 100.
125

aplica o regime de direito tributário, como bem esclarece CASSIO SCARPINELLA


BUENO237:

As “custas processuais” são as chamadas “taxas judiciárias”, tributos que


incidem como contraprestação ao serviço forense. Elas devem ser
instituídas por lei e devem obedecer o “modelo constitucional tributário”.

E as regras que disciplinam a apuração e recolhimento das custas e


emolumentos não se devem confundir, absolutamente, com aquelas que tratam das
despesas processuais.

Quer-se com isso advertir que, quando a legislação processual estabeleça,


por exemplo, que a parte vencida (ou proporcionalmente vencida) deva restituir à
contraparte o correspondente às despesas em sentido amplo em que incorreu (ou
seja, restituir-lhe, no todo ou em parte, valor de pode abranger custas ou
emolumentos), não se está, absolutamente, regendo matéria tributária. Não: o que
se está disciplinando é uma relação de direito processual por norma autônoma,
independente da norma tributária.

Exemplos de disposições dessa natureza é o art. 86 do Código de Processo


Civil, que estipula o dever de distribuição proporcional das despesas entre as partes
simultaneamente vencedoras e vencidas. Da mesma maneira o artigo 87 determina
a distribuição proporcional de despesas e honorários, além dos artigos 88 a 97 do
mesmo diploma, que se referem à distribuição entre as partes dos ônus das
despesas (lato sensu) de uma determinada demanda.

É evidente, assim, que o autor, vitorioso, não pode pleitear a repetição das
custas que antecipou para ingresso da ação diante do dever que a legislação
tributária adjudica ao réu sucumbente: são relações jurídicas distintas. A relação
tributária já consumada impôs ao autor o recolhimento das custas iniciais, como
condicionante ao exercício de seu direito de ação. Satisfeita a obrigação, nada mais
há que se rever nesse tocante. Já a segunda relação jurídica é de natureza privada,

237 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. Volume 5: Recursos,
processos e incidentes nos tribunais, sucedâneos recursais: técnicas de controle das decisões
jurisdicionais. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 64.
126

que disciplina legítima reparação do réu ao autor por ter este necessitado valer-se
da jurisdição diante da resistência à sua fundada pretensão.

Tais limites hão de ser cautelosamente definidos já que a interferência da


ordem processual civil na disciplina de matéria tributária poderia culminar em vício
de inconstitucionalidade, em especial a formal, por afronta ao artigo 146, III, alíneas
“a” e “b”, da Carta Política; bem assim implicar numa indevida invasão à
competência tributária dos Estados quanto à instituição das taxas correspondentes
aos serviços que prestam.

Em que pese a distinção desses regimes jurídicos, é relevante esclarecer que


a legislação processual influencia superlativamente o regime das custas judiciais;
nem poderia ser de outra forma, já que somente se poderá tributar pelas taxas os
serviços (atos processuais) instituídos pela legislação processual. É como já se
afirmou tópicos acima quando se tratava do exercício da competência tributária das
taxas: é necessário que haja a instituição – por lei – dos serviços a serem prestados
ou postos à disposição do contribuinte, que essa legislação seja satisfeita ainda de
regência administrativa (alocação de dotações orçamentárias, designação de
servidores etc.) para que somente então tenha cabimento a instituição das taxas.

5.2 A natureza tributária (taxas) das custas judiciais e emolumentos

Feitas as devidas distinções entre os conceitos de despesas, custas e


emolumentos, cabe reforçar a natureza tributária dessas últimas duas figuras.

Vimos nos tópicos antecedentes que o que qualifica um tributo como taxa é
sua natureza vinculada (referibilidade) à prestação de um serviço público específico
e divisível, efetivamente prestado ou posto à disposição do contribuinte. E malgrado
alguma discussão no passado acerca da natureza jurídica das custas processuais, é
dizer, das taxas cobradas pela prestação do serviço judiciário, não nos parece haver
dúvida possível quanto à sua qualificação como taxas.

Com efeito, marca do processo civilizatório é a instituição de função


jurisdicional ligada a um poder constituído; a institucionalização desse poder no
127

Estado e o monopólio da atividade jurisdicional (ainda que com certas poucas e


muito circunstanciais exceções) são imperativos de pacificação social. Nesse sentido
é que a atividade jurisdicional se impõe como substitutiva da atividade dos
particulares, conforme explanam CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO e BRUNO
CARRILHO LOPES238:

Pelo aspecto técnico a atividade jurisdicional é sempre substitutiva das


atividades dos sujeitos envolvidos no conflito, a quem a ordem jurídica
proíbe a autotutela. Seja quando o sujeito aspira a um bem negado pela
pessoa que lho podia dar (p. ex., pretensão a uma soma de dinheiro etc.),
seja nos casos em que o processo é o único caminho para obtê-lo (p. ex.,
anulação de casamento), a atividade jurisdicional é sempre substitutiva de
alguma atividade das pessoas. Os atos excluídos de autotutela são
substituídos pela atividade do juiz, que, com imparcialidade, verifica se o
sujeito tem ou não razão e, por ato seu, propicia-lhe a obtenção do em na
primeira dessas hipóteses.

Concentrar no Estado – e só no Estado – o poder de implementar o


cumprimento coercitivo do ordenamento é a maneira de afastar as expectativas
normativas em relação às condutas intersubjetivas de circunstâncias subjetivas de
poder que poderiam levar à inaplicabilidade prática das normas. Não por outra razão
é que JOSÉ ROBERTO DOS SANTOS BEDAQUE afirma ser a garantia da eficácia
prática do direito a marca essencial da jurisdição estatal239, o que ocorre mesmo
quando diante dos ditos procedimentos de jurisdição voluntária, quando o que se
tem é o exercício de certos direitos condicionados – compulsoriamente – a uma
afirmação estatal específica por meio da jurisdição, senão vejamos240:

Também nos chamados procedimentos de jurisdição voluntária, o que


ocorre é a intervenção de um órgão público (juiz) na relação jurídico-
substancial, caracterizando evidente restrição à disponibilidade dos direitos
por seus titulares. Nesses casos, poder-se-ia falar em direitos privados, com
conotação pública, pois o Estado, embora não assuma a sua defesa,
preocupa-se com seu exercício.

Com efeito, são extremamente restritas as possibilidades de autotutela no


direito brasileiro, podendo-se citar o desforço possessório (art. 1.210, § 1º, do
Código Civil), a legítima defesa, o direito de greve, o direito de retenção, o estado de

238 DINAMARCO, Cândido Rangel; LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Teria geral do novo
processo civil. São Paulo: Malheiros, 2016. p. 78/79.
239 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes instrutórios do juiz. 7ª ed. ver. e ampl. São Paulo:

Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 32.


240 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes instrutórios do juiz. 7ª ed. ver. e ampl. São Paulo:

Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 36.


128

necessidade, o privilégio do Poder Público de executar seus próprios atos, a


guerra241 etc. Em todo caso, contudo, a atuação particular é submetida à
possibilidade de controle e revisão jurisdicional.

Não é demais rememorar que o artigo 345 do Código Penal define como
crime o exercício arbitrário das próprias razões. É dizer, o forçoso recurso ao Poder
Público do Estado, em uma de suas dimensões (Judiciário) para fazer valer direitos
subjetivos, não apenas é inescapável, como constitui crime a pretensão de se o
fazer por outras vias.

Senão por que teria a doutrina cunhado a difundida expressão da


“inevitabilidade” da Jurisdição? A resposta é intuitiva, e reside na obrigatoriedade de
recurso ao serviço Judiciário para composição de conflitos e mesmo para a
pronúncia de certos direitos (jurisdição voluntária): 242

Consequência direta dessa relação de sujeição entre o jurisdicionado e o


Estado é a inevitabilidade da jurisdição estatal, que outra coisa não e senão
a inevitabilidade do próprio Estado ou do poder estatal como um todo.

Em parecer que se prestou a instruir a Representação nº 1.094-5/SP perante


o Supremo Tribunal Federal, que acabou enfim reconhecendo natureza tributária às
custas judiciais e extrajudiciais, HAMILTON DIAS DE SOUZA e MARCO AURELIO
GRECO243 atentam para a inafastabilidade da jurisdição e sua compulsoriedade:

Destarte, se o exercício da força não está originariamente (salvo em casos


excepcionais, como, por exemplo, o desforço possessório) em mãos dos
particulares, para a solução dos conflitos de interesse que surjam, eles são
obrigados a recorrer a o Judiciário, portanto, se apresenta, como algo
inarredável, obrigatoriamente a ser atendido, se alguém pretende fazer
valer, no plano fático, os direitos de que é titular [...] Se o particular não
pode sponte própria satisfazer ao seu interesse, mas é compelido
indiretamente que seja à utilização do aparato estatal, não se pode falar em
voluntariedade do vínculo ou da relação jurídica daí decorrente, pois o
ordenamento jurídico não deixa alternativa à ação particular.

241 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte
geral e processo de conhecimento. 18ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2016. p. 166.
242 WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil. Volume 1: teoria geral do processo

de conhecimento. 9ª ed. ver. Atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 78.
243 SOUZA, Hamilton Dias de; GRECO, Marco Aurelio et al. A natureza jurídica das custas judiciais.

São Paulo: OAB/SP/Resenha Tributária, 1982. p. 69.


129

Assim, é evidente que toda e qualquer ação jurisdicional, longe de ser mera
faculdade, é em essência marcada pela compulsoriedade. Uma compulsoriedade
em sentido bilateral: por um lado, tem-se o dever do Estado, por meios próprios, de
prestar tal serviço sempre que provocado; e, por outro lado, o cidadão não possui
como regra nenhuma outra forma de composição de seus litígios que não pela via
jurisdicional, sendo que as poucas exceções são ainda sujeitas a revisões e
execuções pela via jurisdicional.

A compulsoriedade não é diferente quando se trata dos emolumentos de


registradores e notários. Com efeito, o artigo 236, da Carta Política estabelece que
“os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação
do Poder Público”. O § 2º do referido artigo determina, aliás, que lei federal
estabelecerá normas gerais de fixação dos emolumentos referentes aos atos
praticados pelos serviços notariais e de registro.

Afirmando categoricamente que as serventias exercem função pública, JOSÉ


AFONSO DA SILVA244 esclarece que a distinção é que a atividade das serventias
constitui “serviços de ordem jurídica ou formal”. Nas palavras do próprio autor:

Os prestados pelas serventias do foro extrajudicial são serviços de ordem


jurídica ou forma, por isso têm antes a característica de ofício ou de função
pública, mediante a qual o Estado intervém em atos ou negócios da vida
privada para conferir-lhes certeza, eficácia e segurança jurídica; por isso,
sua prestação indireta configura relegação de função ou ofício público, e
não concessão ou permissão, como ocorre nas hipóteses de prestação
indireta de serviços materiais – consoante justa observação de Celso
Antônio Bandeira de Mello. Ou seja – conforme Frederico Marques: o
registro público desempenha uma função de administração pública de
interesses privados.

A regulamentação do disposto no artigo 236 da Constituição Federal se dá


por meio da Lei nº 8.935, de 18/11/1994, que estabelece a competência aos
Notários e Registradores para garantia da “publicidade, autenticidade, segurança e
eficácia dos atos jurídicos” (art. 1º). Já a Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015, de
31/12/73) estabelece em seus dois primeiros artigos a exclusividade das serventias
extrajudiciais para a prática desses atos.

244
SILVA, José Afonso. Comentário contextual à constituição. 9ª ed., atualizada até a emenda
Constitucional 83, de 05.08.2014. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 898.
130

Assim, tal como sucede com a atividade jurisdicional, as serventias


extrajudiciais são monopolistas de serviço público (ainda que exercido em caráter
particular): não há qualquer espaço fora da compulsoriedade, nem na prestação
desses serviços (há de se prestar), assim, como, para o cidadão, não há alternativa
à sua utilização.

Assim, por exemplo, para que se transfira entre vivos a propriedade de bem
imóvel é condição sine qua non a averbação do título no Registro de Imóveis (art.
1.245, do Código Civil). De igual forma, pretendendo levar a juízo prova consistente
em sons gravados em arquivos eletrônicos ou pré-constituir a existência de fato,
deverá a parte cuidar de lavrar ata notarial em Tabelião (artigo 384 do Código Civil):
pode-se até conseguir realizar a prova por outros meios, mas nenhum outro meio
que não a ata lavrada pelo tabelião lhe faz integralmente vezes.

Queremos com isso, portanto, concluir que tanto os emolumentos devidos


pelas “serventias extrajudiciais” quanto as custas processuais são taxas. São taxas
porque correspondem a serviços públicos prestados pelo Estado (ou por ele
delegados, no caso das serventias extrajudiciais), em regime de direito público, com
claríssima nota de compulsoriedade. Trata-se, ademais, de serviço específico e
divisível. A definição se amolda perfeitamente às premissas que fixamos ao tratar da
regra-matriz das taxas, havendo, pois, tranquilidade para concluir dessa maneira.

De mais a mais, as taxas correspondentes às custas e emolumentos


adequam-se à perfeição ao conceito de tributo vigente no ordenamento pátrio bem
exposto, em linhas gerais, pelo artigo 3º do Código Tributário Nacional.

A Doutrina, aliás, há muito sedimentou esse entendimento. Destarte, em


relação às custas, aponta GUSTAVO SAMPAIO VALVERDE245:

É inobjetável que os serviços de natureza forense enquadram-se, com


precisão, nesse conceito. A sua prestação visa oferecer ao administrado
uma utilidade consistente no oferecimento de meios para que ele possa

245
VALVERDE, Gustavo Sampaio. A inconstitucionalidade da base de cálculo das custas judiciais.
Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Dialética, n. 47. p. 35 e 36.
131

exercer seus direitos constitucionais ao devido processo legal, ao


contraditório e à ampla defesa (Constituição Federal, artigo 5º, incisos LIV e
LV) no âmbito de um procedimento jurisdicional. Por outro lado, o regime de
oferecimento desses serviços será sempre público [...] verifica-se, portanto,
que as custas pertencem à categoria das taxas de serviço.

Já no que diz respeito aos emolumentos, IVES GANDRA DA SILVA


MARTINS246 afirma categoricamente: “os emolumentos são taxas, correspondentes
a serviços públicos específicos, divisíveis, cobrados mediante atividade
administrativa plenamente vinculada”. E isso porque constituem serviço público
marcado pela compulsoriedade tanto em sua prestação pelo Estado, por intermédio
dos notários e registradores, quanto aos particulares, que não se podem valer de
outro expediente para atingimento desses mesmos fins.

Assim também entende a jurisprudência, notadamente a partir do julgamento


da já referida Representação nº 1.094/SP247 pelo Supremo Tribunal Federal, a qual
contou com analítica fundamentação por parte do Ministro MOREIRA ALVES e com
a apresentação de já citado parecer de HAMILTON DIAS DE SOUZA e MARCO
AURÉLIO GRECO, além de IVES GANDRA DA SILVA MARTINS.

Por fim não é demais ressaltar que a Emenda Constitucional nº 45, de


08/12/2004, ao acrescentar o § 2º ao art. 98, da Constituição Federal, estabeleceu
serem as custas e os emolumentos “destinados exclusivamente ao custeio dos
serviços afetos às atividades específicas da Justiça”, reforçando sua natureza
tributária de taxa pela referência (no sentido de referibilidade) expressa entre a
exação e o serviço judiciário.

Não se deve furtar ao apontamento de que tal classificação não é


bizantinismo. Trata-se em essência da identificação dos contornos dos institutos em
questão para fins de atribuição ao regime jurídico que lhes é próprio. Assim, sendo

246 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Natureza tributária de emolumentos notariais - competência das
esferas federativas para impor tributos. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Dialética,
n.29. p. 71-83, 1998. p. 79 e 80.
247 Rp 1094, Relator(a): Min. SOARES MUNOZ, Relator(a) p/ Acórdão: Min. MOREIRA ALVES,

Tribunal Pleno, julgado em 08/08/1984, DJ 04-09-1992 PP-14090 EMENT VOL-01674-03 PP-00532


RTJ VOL-00141-02 PP-00430.
132

taxas, as custas judiciais e emolumentos atraem para si todas as limitações postas e


pressupostas ao regime tributário em geral e ao regime das taxas em particular.

5.3 Problemas das taxas judiciárias quanto ao critério quantitativo da regra-


matriz de incidência tributária

Sustentamos linhas atrás que o critério material das taxas de serviço está
indissociavelmente vinculado a uma prestação estatal, isto é, a um serviço prestado
em regime de direito público de utilização compulsória, específico e divisível,
efetivamente prestado ou efetivamente posto à disposição de um determinado
sujeito. Trata-se da conformação estrutural, o “DNA” das taxas cujo sequenciamento
parte do artigo 145, inciso II, da Constituição Federal.

Asseveramos também que o aplicativo da regra-matriz de incidência permite a


visão ampla dos elementos-chave de todo e qualquer tributo; e que a verdadeira
prova de fogo de sua compatibilidade ao sistema constitucional (é dizer, o que deve
nortear a análise de seu regime jurídico e sua pertinência ao sistema tributário) é a
confrontação de seu critério quantitativo (a conjugação de sua base de cálculo e
alíquota ou mesmo alíquotas ad valorem ou ad rem quando possível) com o critério
material.

Em suma a compatibilidade desses critérios – aqui recapitulados em breves


notas – exprime aquele chamado princípio (e que preferimos tomar por critério) da
referibilidade das taxas: para que se tenha taxa ou para que, sendo taxa, seja ela
harmônica ao sistema constitucional, é imprescindível que seu critério material reflita
o mais precisamente possível o custo do serviço prestado ou posto à disposição do
contribuinte. Não havendo tal adequação, não há constitucionalidade possível à
exação.

Não é outra a razão pela qual o § 2º do artigo 145 da Carta Política preconiza
que “as taxas não poderão ter base de cálculo própria de impostos”: não é em
condição própria do contribuinte que se deve buscar o elemento definidor do critério
quantitativo de uma taxa, mas sim em característica própria do serviço prestado e
rende ensejo à sua instituição.
133

Tais quadrantes constitucionais, entretanto, não impediram que no direito


positivo se desenvolvesse uma cadeia de positivação que relativizou tais conceitos,
admitindo, a nosso ver por uma questão de praticabilidade, certos temperamentos e
concessões para admitir critérios tomados dos destinatários do serviço público e que
apenas remetem, ainda que presumivelmente ou de forma indireta, ao preço do
serviço.

E tal particularidade gera certos problemas, e decerto que entre as taxas


exigidas em contraprestação ao serviço judiciário em geral, é dizer, as custas e
emolumentos, se podem encontrar alguns dos exemplos mais vívidos de uma
aparente desconciliação entre tais critérios quantitativo e material da regra-matriz de
incidência constitucional.

O mais notório desses casos é a utilização do valor da causa ou da


condenação como base de cálculo para a instituição das taxas judiciárias, seja para
instituição de uma alíquota sobre ela incidente, seja para o estabelecimento de uma
pauta escalonada a título do tributo que se considera devido consoante a variação
do valor da causa ou condenação248.

Assim, por exemplo, quanto às taxas exigidas pelo Judiciário estadual


paulista, nos termos da Lei nº 11.608, de 29/12/2003, com suas alterações pela Lei
nº 15.855, de 02/07/2015, tem-se, consoante seu artigo 4º, que as custa iniciais são
devidas ao percentual de “1% (um por cento) sobre o valor da causa no momento da
distribuição” ou na falta desta antes do despacho inicial, bem como “4% (quatro por
cento) sobre o valor da causa”249 como preparo da apelação e do recurso adesivo

248 É o que se passa, por exemplo, com a Lei nº 18.695, de 22/12/2015, que disciplina o regime das
taxas judiciárias no âmbito do Estado de Minas Gerais.
249 Interessante notar que a alíquota das custas de preparo foram elevadas de 2% para 4% por meio

da Lei nº 15.855, de 02/07/2015, cujo projeto (Projeto de Lei nº 112, de 2013), em sua justificativa,
não disfarça o propósito de desincentivar, por meio dessa majoração, a interposição de recursos
pelos jurisdicionados. Afirma-se: “Por fim é inegável dizer que, a cada dia, torna-se mais clara a
necessidade de modernização e agilização dos serviços judiciais [...]. Isto só poderá ser alcançado
com as modificações ora propostas, a redundar no aumento da arrecadação do Tribunal de Justiça
Estadual e, possivelmente, na redução significativa da utilização desordenada de recursos
meramente protelatórios”. O objeto desse estudo não pretende avançar sobre a pertinência da
utilização das taxas com efeitos extrafiscais, em que pese ser possível afirmar (em razão da regra-
matriz constitucional desses tributos) que seu critério quantitativo deva guardar sempre referência
134

(havendo pedido condenatório, o valor do preparo será calculado sobre o montante


fixado em sentença), bem assim nos feitos de competência do Tribunal; além disso,
há também as custas de 1% devidas quando satisfeita a execução.

Há ainda uma peculiaridade, que consiste no fato de as custas possuírem um


limite mínimo e máximo, a saber, o mínimo de cinco UFESPs (a unidade fiscal do
Estado), bem como o máximo de três mil UFESPs. Para que se possa ter uma ideia
em matéria de grandeza, uma UFESP para o período de 01/01/2016 a 31/12/2016 é
de R$ 23,55250.

Contudo existem ainda outros detalhes. Nos termos do § 7º do artigo 4º da


mencionada legislação, nos inventários, arrolamentos e causas, separação judicial
ou divórcio, a taxa é recolhida antes da adjudicação ou homologação da partilha;
entretanto, isso se faz conforme uma tabela própria, que estabelece certas “faixas”
em relação ao elemento quantitativo de acordo com os bens que integram o monte-
mor partível: (1) em causas até R$ 50.000,00, o limite das custas é de 10 UFESPs;
(2) tratando-se de causas com valor entre R$ 50.001,00 até 500.000,00 o limite para
o montante a recolher é de 100 UFESPs; (3) nas causas de R$ 500.001,00 até
2.000.000,00 o limite é de 300 UFESPs; de R$ 2.000.001,00 até R$ 5.000.000,00 (4)
de R$ 2.000.001,00 até R$ 5.000.000,00 a alíquota está limitada a 1.000 UFESPs;
(5) nas causas acima de R$ 5.000.000,00 o valor limite das custas a recolher é de
R$ 3.000,00 UFESPs251.

(ainda que razoável) ao custo do serviço, não se admitindo, assim, majorações fundadas na
pretensão de desincentivar a utilização de serviço público que a Constituição da República tenha
estipulado como sendo de prestação pelo Estado. A majoração da taxa deve sempre referir-se a uma
majoração de sua dimensão material, é dizer, o custo do serviço público, muito embora seja razoável
admitir uma exigência tributária reduzida afim de estimular a utilização de certo serviço.
250 Disponível em:
http://info.fazenda.sp.gov.br/NXT/gateway.dll/legislacao_tributaria/Agendas/ufesp.html?f=templates&f
n=default.htm&vid=sefaz_tributaria:vtribut. Acesso em: 18/11/2016.
251 A razoabilidade nessa situação se quebra desde o princípio. Ora, se é admissível que o valor do

monte-mor se refira, ainda que razoavelmente, ao correspondente serviço judiciário, se deveria


admitir – pela mesma razão – que também esses valores fossem corrigidos ou atualizados. Não é,
entretanto, o que acontece: ao passo em que os valores dos “limites” é atualizado, já que fixado em
UFESPs, o valor do monte-mor foi estabelecido em moeda, sem qualquer previsão de atualização.
Ou seja, considera-se um possível aumento do custo do preço do serviço (estipulando às taxas
limites atualizáveis) ao passo em que o valor da causa é mantido em termos históricos.
135

No que diz respeito às custas devidas pelo serviço judiciário Federal a


regência se dá pela Lei nº 9.289, de 04/07/1996. Ali, uma das diferenças é
estipulação das custas em relação a todo o processo judicial de primeira e segunda
instâncias. Assim, nos termos do artigo 14 da referida Lei, incumbe ao Autor o
recolhimento de metade das custas por ocasião da distribuição, sendo que aquele
que recorrer deverá adiantar a outra metade das respectivas custas.

Há, também, na legislação em apreço, a instituição de uma tabela que


predetermina patamares máximos e mínimos para o recolhimento das custas. Assim,
verbi gratia as ações cíveis em geral estão sujeitas a custas de 1% sobre o valor da
causa, limitada ao mínimo de 10 UFIRs (atualmente correspondente a R$ 10.64) e
ao máximo de R$ 1.800 UFIRs. Nas ações cautelares e procedimentos de jurisdição
voluntária a alíquota de 0.5% incidente sobre o valor da causa está limitada na faixa
que vai dos R$ 5 UFIRs (atuais R$ 5,32) aos 900 UFIRS (R$ 957,69).

As custas exigidas em relação aos feitos da Justiça do Trabalho igualmente


se pautam em percentual sobre o valor da causa ou da condenação à razão de 2%.
Em situações de indeterminação do referido valor (como, no caso de valores
indeterminados ou em ações declaratórias ou constitutivas) caberá ao magistrado
sua fixação. Essas são as disposições do artigo 789, da Consolidação das Leis do
Trabalho em sua contemporânea redação.

Diferentemente do que sucede com a regra geral das custas na justiça


estadual de São Paulo e na Justiça Federal, no caso da Justiça do Trabalho não há
a antecipação das custas processuais no momento da propositura da demanda,
sendo que são pagas pelo vencido após o trânsito em julgado da decisão; salvo no
caso de interposição de recurso quando serão pagas, comprovando-se o pagamento
no prazo recursal.

De se destacar também, quanto à Justiça do Trabalho, a ausência de um


limite máximo ao valor das custas processuais: as custas são ilimitadas, vinculadas
sempre ao valor da condenação ou da causa.
136

Há outras tantas previsões acerca de custas e emolumentos nos âmbitos das


justiças estaduais, federais e do Trabalho. Têm-se os emolumentos pagos aos
Oficiais de Justiça, aqueles para obtenção de cópias etc252. Mas trataremos aqui
apenas daquelas disposições mais problemáticas em relação aos critérios propostos
ao debate; mesmo porque, dada a multiplicidade de legislações estaduais
existentes, suas respectivas idiossincrasias, além da possibilidade de fracionamento
da atividade judiciária a centenas ou milhares de atos passíveis de taxação
independente, seria um engodo pretender esgotar todas as possibilidades.

Pois bem. Os exemplos acima referidos colhidos do direito positivo vigente


são suficientes à problematização que se pretende desenvolver, que se inicia com
um questionamento simples: o valor da causa de uma ação ou mesmo o valor da
condenação guarda relação com o critério material da taxa judiciária a ponto de lhe
justificar a eleição? Seria esse um elemento válido a se adotar para composição do
critério quantitativo desse tributo?

Com efeito, o valor da causa não precisa corresponder necessariamente à


expressão econômica bem da vida objeto da demanda, mas “é o valor que se pode
atribuir à relação jurídica que se afirma existir sore o tal objeto”253; daí que “toda
causa terá um valor certo, ainda que desconhecido o seu conteúdo econômico de
aferição imediata, isto é, ao ensejo da elaboração e distribuição da petição inicial”254.
Os artigos 291 a 293 do Código de Processo Civil estabelecem as condições para a
determinação do valor da causa.

252 Em que pese não ser a tônica deste estudo o cotejo dos emolumentos devidos pelos atos das
serventias extrajudiciais, é certo que sua sistemática é similar ao das taxas em questão. No Estado
de São Paulo, por exemplo, nos termos do art. 7º da Lei nº11.331, de 26/12/2002, os emolumentos
devidos para registro de uma escritura têm por base de cálculo o maior dos valores entre três
hipóteses, a saber: (a) “o valor econômico da transação ou do negócio jurídico declarado pelas
partes”; (b) o “valor tributário do imóvel, estabelecido no último lançamento efetuado pela Prefeitura
Municipal, para efeito de cobrança de imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana, ou o
valor da avaliação do imóvel rural aceito pelo órgão federal competente, considerando o valor da terra
nua, as acessões e as benfeitorias” ou, ainda; (c) “base de cálculo utilizada para o recolhimento do
imposto de transmissão “inter vivos” de bens imóveis”. Sobre tais valores incidem as alíquotas,
segundo tabelas estabelecidas na legislação.
253 THEORODO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito

processual civil e processo de conhecimento. 46ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 313.
254 BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015. p.

210.
137

Destarte, verbi gratia em ação de cobrança, o valor deve corresponder à


soma monetariamente corrigida do principal e seus acréscimos (artigo 292, inciso I,
do Código de Processo Civil), bem assim em ação de alimentos, a soma de 12
prestações mensais (inciso III). Eis a lógica da determinação do valor da causa que
tem diversas funções na ordem processual, passando desde a determinação de
regras de competência até a fixação dos honorários de sucumbência.

Consoante se pode denotar a uma análise conceitual dessa figura, pois, tem-
se que o valor da causa é característica muito particular ao jurisdicionado, é dizer,
ao destinatário do serviço judiciário que muito pouco – ou nada – diz sobre a
natureza do serviço a ser exercido pelo Poder Público.

Sobejam os exemplos que se podem suscitar: demandas multimilionárias


envolvendo, por exemplo, interpretações de cláusulas contratuais podem ver seu
desfecho em alguns poucos meses já que podem dispensar produção probatória.
Assim também mandados de segurança e algumas ações anulatórias em matéria
tributária não raro atingem valores extremamente expressivos nem e sequer
discutem além de pura aferição de constitucionalidade. A todos esses casos,
entretanto, o valor da causa – muitíssimo elevado – atrairá o valor das custas
processuais próximo dos limites máximos estabelecidos pelas legislações que o
prevejam.

Vale o registro de que, perante a Justiça do Trabalho, inexistem esses limites;


assim, ações que possuam valores muito expressivos – como é o caso daquelas
envolvendo interesses difusos ou individuais homogêneos, por exemplo – serão
objeto de custas em valores elevadíssimos, independentemente da natureza do
serviço judiciário correspondente; agravando tal circunstância tem-se que a
interposição de eventuais recursos estará condicionada ao recolhimento prévio da
taxa correspondente.

Ao passo em que situações desse jaez possam ser trazidas a título de


exemplos comezinhos da prática forense, há também outros que exprimem
situações diametralmente opostas.
138

Citam-se, assim, ações de usucapião relativas a imóveis modestos por vezes


sequer objeto de matrícula individualizada, que pela própria natureza do
procedimento a que estão sujeitas tendem a levar anos a fio. Bem assim não raras
vezes procedimentos de inventário – ainda que diante de um monte-mor partível não
muito expressivo – se arrastam por décadas em razão de disputas entre herdeiros.

Enfim, o valor da causa contribui muito pouco para uma presunção segura
acerca do custo do serviço prestado. Diz muito sobre o destinatário do contribuinte e
sua capacidade contributiva (esta que em seu sentido estrito, como vimos, não se
aplica às taxas), mas muito pouco acerca da referibilidade ao serviço judiciário que é
prestado.

E a precariedade da eleição do valor da causa ou da condenação (geralmente


utilizada para determinação das custas de preparo), justamente por não permitir
identificação de um vínculo com o conteúdo da atuação estatal específica a ser
prestada no serviço judiciário, é alvo de acerbas críticas. É o caso de WALTER
ALEXANDRE BUSSAMARA255, que aponta para a repugnância desse critério (do
valor da causa) para o sistema tributário em vigor:

Ora, o que estamos afirmando é que, por conhecermos as materialidades


constitucionais possíveis das hipóteses de incidência das taxas, acabamos
por desvendar, igualmente, mesmo que de forma indireta, as possíveis
bases de cálculo constitucionais daquelas, que somente poderão
corresponder à medida, então das atuações estatais específicas, ou seja,
ao seu custo, de forma a cumprirem, justamente, com o primado informador
da tributação por meio de taxas, representado pela precitada retributividade.
Desta proposição, portanto, já podemos deixar consignada nossa primeira
repulsa diante do atual modelo de cobrança de custas judiciais assentado
que está, de forma geral, no critério do valor da causa. Com efeito, não há
nenhuma correlação-lógica entre o valor da causa e o custo dos serviços
que lhe são correspondentes...

255
BUSSAMARA, Walter Alexandre. Custas judiciais e as implicações de sua natureza (tributária) em
sua forma de quantificação e em seu não recolhimento. Revista Dialética de Direito Tributário, São
Paulo: Dialética, n.195. p. 160-169, 2011. ISSN 1413-7097. p. 163.
139

Do mesmo jaez e contundência é a crítica de GUSTAVO SAMPAIO


VALVERDE256, que sustenta a inconstitucionalidade das taxas judiciárias – todas
elas – que tomem o valor da causa como critério quantitativo:

Em resumo, sustenta-se que as custas judiciais, que têm como base de


cálculo o valor da causa, são inconstitucionais, pois, tendo natureza jurídica
de taxas, sua base de cálculo deveria confirmar a ocorrência e mensurar o
fato jurídico tributário, nunca podendo ser determinada em função de um
elemento a ele estranho.

A bem da verdade tais posicionamentos nada mais são do que o reflexo da


concepção estrita da referibilidade, no sentido de que qualquer característica ínsita
ao destinatário do serviço público, é dizer, qualquer elemento que não seja vinculado
diretamente ao serviço público que rende ensejo à instituição da taxa não pode
absolutamente ser adotado como critério quantitativo da exação, sob pena de
irremissível inconstitucionalidade257.

Há, todavia, parcela da Doutrina que admite a tributação por meio das taxas
judiciárias com base no valor da causa ou da condenação, o que se faz dentro de
certos limites e por concessão ao princípio da praticabilidade tributária. É a posição
de IGOR MAULER SANTIAGO258, que assim se posiciona em estudo já referido
neste trabalho, afirmando que a praticabilidade deve afastar o “fundamentalismo
exegético” em relação à exigência de perfeita calibragem entre o critério material das
taxas e o serviço correspondente.

Quando tratamos da aplicação da praticabilidade tributária às taxas fizemos


referência à conclusão a que chegou o Supremo Tribunal Federal quando do
julgamento do Recurso Extraordinário nº 576.321, precedente representativo que
culminou na edição da Súmula Vinculante nº 29, que estabeleceu ser constitucional
256 VALVERDE, Gustavo Sampaio. A inconstitucionalidade da base de cálculo das custas judiciais.
Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Dialética, n. 47. p. 33-44, 1999. ISSN 1413-7097. p.
42.
257 Assim é o entendimento de BERNARDO RIBEIRO DE MORAES. MORAES, Bernardo Ribeiro de.

Doutrina e prática das taxas. São Paulo: Quartier Latin, 2007. p. 253.
258 SANTIAGO, Igor Mauler. Praticabilidade e Razoabilidade na Quantificação das Taxas. A Visão do

Ministro Carlos Velloso. Comentários às Decisões Tomadas na ADIn-MC n. 1.772-7/MG e no RE n.


232.393-1. In: DERZI, Mizael Abreu Machado (coord.). Construindo o Direito Tributário na
Constituição? Uma Análise da Obra do Ministro Carlos Mário Velloso. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.
Disponível em http://sachacalmon.com.br/publicacoes/artigos/praticabilidade-e-razoabilidade-na-
quantificacao-das-taxas/. Acesso em: 15.10.16. Páginas 3/4.
140

a adoção, “no cálculo do valor de taxa, de um ou mais elementos da base de cálculo


própria de determinado imposto, desde que não haja integral identidade entre uma
base e outra”. Manifestamos, naquela oportunidade, nossa concessão ao argumento
da praticabilidade, ainda que com certas ressalvas.

Sói esclarecer que o entendimento da Corte Suprema acerca das taxas que
conduziu à Súmula Vinculante nº 29 também tem sido aplicado em relação às taxas
judiciárias. Ou seja, a Corte Suprema tem aceitado a eleição do valor da causa
como elemento passível de compor o critério material da regra-matriz de incidência
das taxas; desde que respeitados certos limites.

Ao julgar a Ação Declaratória de Inconstitucionalidade nº 1 772/MG, por


exemplo, entendeu a Corte Suprema que a taxa judiciária não pode se instituir de
maneira gravosa a ponto de inviabilizar o acesso à justiça; mais ainda, há a
“necessidade da existência de limite que estabeleça a equivalência entre o valor da
taxa e o custo real dos serviços, ou do proveito do contribuinte”259.

Mesmo a despeito das críticas feitas pela Doutrina acerca de utilização do


valor da causa como mecanismo de possível para instituição da taxa judiciária,
entendemos que pela consideração do princípio da praticabilidade tributária de que
cuidamos no tópico 4.4 deste estudo trata-se de uma prática em princípio
admissível.

No entanto essa admissibilidade não se dá de maneira pura e simples. Há


limites a se considerar. É preciso, em primeiro lugar, que o critério adotado permita,
com alguma razoabilidade, estimar o custo dos serviços a serem prestados, de
maneira que não se ignore a noção de referibilidade que é conatural, inerente às
taxas.

A existência de um limite, considerada a eleição de uma base de cálculo


apenas presumivelmente referível ao serviço a ser prestado, é igualmente imperiosa,

259 ADI
1772 MC, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, julgado em 15/04/1998, DJ 08-
09-2000 PP-00004 EMENT VOL-02003-01 PP-00166.
141

já que do contrário se assumiria a obstância do exercício de fundamental direito


(aliás, de fundamental garantia) de acesso à jurisdição em razão do elevado custo
das taxas. É, sem dúvida, o que pode ocorrer em casos submetidos à legislação do
Trabalho, mas que as custas processuais não possuem qualquer limitação.

E não é só. A praticabilidade tributária é circunstancial: situa-se numa relação


espaço-temporal, ou seja, é de se admitir certas concessões ao rigor exegético em
prol da praticabilidade em função da impossibilidade ou da hercúlea dificuldade em
exigir-se prática mais afeita ao critério material do tributo em dado momento da
evolução técnica e dadas as condições materiais de uma dada sociedade.

Releva saber se tais condicionantes estão, efetivamente, atendidas pelas


legislações em vigor.

E nossa conclusão é, para um contingente expressivo de situações pontuais


tais como os exemplos citados acima, de que não.

Malgrado as atuais possibilidades decorrentes da informatização, que


permitem uma racionalização sem precedentes dos serviços judiciários é razoável
conceber que exigir a precificação dos serviços judiciários em precisão matemática a
todos os usuários desses relevantíssimos serviços ainda não é uma realidade
factível.

Por outro lado, os mecanismos de gestão atualmente aplicados pelo


Judiciário têm permitido uma aferição profunda dos custos gerais do serviço
judiciário, informações das quais é possível se valer para uma reflexão mais
profunda e apropriada acerca da sistemática das custas atualmente em vigor.
Exemplo do que se afirma são os relatórios anualmente publicados pelo Conselho
Nacional de Justiça – CNJ que traçam um perfil detalhado acerca dos custos da
atividade judicial em âmbito nacional e estadual, assim como perante as justiças
especializadas.

Tais informações provavelmente de impossível aferição precisa quando da


histórica instituição do sistema de taxação por meio do valor da causa decerto
142

podem contribuir para uma melhor segmentação do montante a ser recolhido, diga-
se, por fases processuais específicas. Seria evitada, assim, uma generalização tal (o
recolhimento de valor estanque para toda uma primeira instância judicial, por
exemplo), que se prejudique a razoabilidade entre o valor recolhido e o serviço
correspondente em situações específicas de extinção prematura da demanda.

Mais que isso, as informações atualmente levantadas por meio de relatórios


dessa natureza permitiriam a estipulação de recolhimentos em momentos distintos a
depender da natureza do procedimento judicial. Adequações desse jaez tornariam a
tributação por meio das taxas, ainda que a partir da base de cálculo correspondente
ao valor da causa ou da condenação, mais próximas do atendimento ao cânone da
referibilidade por conferir maior razoabilidade à sua cobrança.

Há que se estabelecer uma lógica de razoabilidade entre os valores


presumidos a partir do valor da causa e a o serviço que se espera seja prestado.
Sempre que essa razoabilidade puder ser posta em xeque, o que há e uma
tributação assentada em bases presumidas que antes mesmo de atender à
praticabilidade acabará por gerar situações de litígio justamente em sentido contrário
à facilitação buscada por meio da utilização desse expediente.

Generalizações excessivas (como a prática de exigência de 1% como


correspondente a todo um serviço judiciário da primeira instância) comprometem –
em situações tais como as expostas acima – a razoabilidade pontual da adoção de
critério quantitativo fundado na praticabilidade, justificando o socorro ao Judiciário
para a aferição da adequação desses critérios ao caso.

5.4 Alguns problemas das taxas judiciárias quanto ao critério temporal da


regra-matriz de incidência tributária

5.4.1 A antecipação das custas processuais frente à inexistência da prestação


jurisdicional correspondente (ou sua prestação menor do que a estimativa
utilizada como critério para quantificação do tributo antecipado)
143

Como sustenta ANTÔNIO SOUZA PRUDENTE260, “as custas processuais, na


sistemática vigente, regem-se pelos princípios da antecipação ou do adiantamento
das despesas e da responsabilidade objetiva do vencido” em relação à
sucumbência.

Com efeito, o artigo 82 do Código de Processo Civil em vigor estabelece que,


exceção feita à gratuidade de justiça, “incumbe às partes prover as despesas dos
atos que realizarem ou requererem no processo, antecipando-lhes o pagamento,
desde o início até a sentença final ou, na execução, até a plena satisfação do
direito”. A disposição não inova significativamente à ordem processual anterior no
que importa a este estudo; exceção feita à disposição do § 1º do artigo 19 do
anterior Código de Processo Civil quando determinava que “o pagamento de que
trata este artigo será feito por ocasião de cada ato processual”.

Em se tratando dos procedimentos de jurisdição voluntária, a lógica da


antecipação também se faz presente. Assim as disposições do artigo 88 do Código
de Processo em Civil em vigor dispõe (tal qual dispunha o anterior, em seu artigo 24)
que as custas são adiantadas pelo requerente e rateadas entre os interessados.

Relevante apontar que essa lógica não se aplica à dinâmica das custas
devidas na Justiça do Trabalho; decerto, naquele caso, conforme o artigo 789, § 1º,
da Consolidação das Leis do Trabalho, as custas são pagas pelo vencido após o
trânsito em julgado da decisão ou, havendo recurso, dentro do prazo recursal.
Também em fase de execução as custas – de responsabilidade do executado – são
pagas ao final. Há antecipação, portanto, apenas em relação ao preparo recursal.

De efeito, consoante se tratou no item 3.4 deste trabalho, ao discorrer sobre o


critério temporal das taxas, admite-se em certos casos que o recolhimento do tributo
preceda o serviço público ao qual se refere. Exemplo que ali se referiu foram as
taxas devidas pela expedição de passaportes: primeiro o destinatário do serviço

260PRUDENTE, Antônio Souza. Custas processuais. Revista de Direito Tributário, São Paulo:
Malheiros, v. 65. p. 98.
144

público recolhe o valor devido; apenas posteriormente é que a prestação pública


realmente se executa.

E não há óbice em relação a isso: mas apenas não há na medida em que


esteja respeitada a materialidade da exação. Não há liberdade para atribuição deste
ou daquele momento como aquele apto à ocorrência do fato jurídico tributário,
notadamente quando isso – em efetivos termos – não pode ter ocorrido ou
porventura, na prática, se materializar irrealizável.

Vejamos o que se dá com a legislação que dispõe sobre os serviços públicos


de natureza forense no Estado de São Paulo (Lei nº 11.608, de 29 de dezembro de
2003). Ali se determina que as custas iniciais sejam recolhidas no percentual
correspondente a 1% sobre o valor da causa no momento da distribuição ou, na falta
desta, antes do despacho inicial, regra aplicável também às reconvenções e
oposições; a mesma lógica vale para os casos de preparo da apelação e recurso
adesivo, bem como em feitos de competência originária do Tribunal. Vejamos a
disposição:

Artigo 4º - O recolhimento da taxa judiciária será feito da seguinte forma:


I - 1% (um por cento) sobre o valor da causa no momento da distribuição
ou, na falta desta, antes do despacho inicial; essa mesma regra se aplica às
hipóteses de reconvenção e de oposição;
II - 4% (quatro por cento) sobre o valor da causa, nos termos do artigo 511
do Código de Processo Civil, como preparo da apelação e do recurso
adesivo, ou, nos processos de competência originária do Tribunal, como
preparo dos embargos infringentes; (NR);
III - 1% (um por cento) ao ser satisfeita a execução.

Questão semelhante é a que se dá com a legislação federal, em que a Lei nº


9.289, de 4 de julho de 1996, estabelece a necessidade de antecipação do valor das
custas iniciais logo na distribuição do deito:

Art. 14. O pagamento das custas e contribuições devidas nos feitos e nos
recursos que se processam nos próprios autos efetua-se da forma seguinte:
I - o autor ou requerente pagará metade das custas e contribuições
tabeladas, por ocasião da distribuição do feito, ou, não havendo distribuição,
logo após o despacho da inicial;
II - aquele que recorrer da sentença adiantará a outra metade das custas,
comprovando o adiantamento no ato de interposição do recurso, sob pena
de deserção, observado o disposto nos §§ 1º a 7º do art. 1.007 do Código
de Processo Civil; (Redação dada pela Lei nº 13.105, de 2015) (Vigência)
145

III - não havendo recurso, e cumprindo o vencido desde logo a sentença,


reembolsará ao vencedor as custas e contribuições por este adiantadas,
ficando obrigado ao pagamento previsto no inciso II;
IV - se o vencido, embora não recorrendo da sentença, oferecer defesa à
sua execução, ou embaraçar seu cumprimento, deverá pagar a outra
metade, no prazo marcado pelo juiz, não excedente de três dias, sob pena
de não ter apreciada sua defesa ou impugnação.

Havendo harmonia com os demais critérios da regra-matriz, efetivamente não


nos parece – necessariamente (é dizer, para todas as taxas, em todas as
circunstâncias) – incompatível o estabelecimento do elemento temporal dessa
exação logo antes da realização do serviço público já solicitado pelo
contribuinte/usuário.

Tratando-se de um instrumento de praticabilidade que torna mais factível a


precificação do serviço público com bases estimativas, ganha-se de um lado na
facilitação da tributação e na possibilidade de abrangência de um número maior de
circunstâncias a partir de uma regra de maior subjetividade; abre-se, por outro lago,
o flanco a questionamentos decorrentes de situações particulares, que, como se
pode ver, não são propriamente poucas.

Sucede que em dadas hipóteses tal antecipação – preconizada pela


legislação processual civil e, como não poderia ser diferente, seguida pela legislação
própria das taxas – se manifesta incompatível com a regra-matriz constitucional de
incidência desses tributos.

De fato, nos parece ser assaz discutível a antecipação da taxa judiciária para
toda uma primeira fase da jurisdição (que se desenvolve até a fase recursal, quando
novas taxas – os preparos – serão recolhidas) quando não se sabe ao certo qual
será a extensão da correspondente ação estatal.

Vale lembrar que uma demanda pode chegar a ser proposta e extinta por
inúmeras razões, mesmo antes da determinação de citação da contraparte (citem-
se, v.g., as hipóteses de indeferimento da petição inicial de que tratam o art. 330 do
Código de Processo Civil – Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, bem como
algumas hipóteses do art. 485 do mesmo diploma, tais quais a constatação de
146

perempção, litispendência ou coisa julgada, bem assim a desistência da ação e a


morte da parte em ações consideradas intransmissíveis por disposição legal).

Outro exemplo pode se dar em fase recursal. A Lei nº 11.608, de 29/12/2003,


com suas alterações posteriores, do Estado de São Paulo, institui as custas de
preparo para recursos de apelação e recursos adesivos (além dos processos de
competência originária do Tribunal) no percentual de 4% sobre o valor da causa ou
da condenação. Sucede que o artigo 1.007 do Código de Processo Civil em vigor
estipula que o recolhimento dessas custas (preparo) deve ser comprovado no ato de
interposição do recurso.

E são inúmeras as possibilidades factuais de que um recurso interposto possa


jamais chegar a ser julgado pelo Tribunal – em certas hipóteses nem sequer
distribuído. Há a sempre presente possibilidade de composição entre os litigantes, o
eventual reconhecimento de deserção pela insuficiência das custas ou mesmo pela
singela interposição da peça processual fora do prazo legalmente previsto. Em todas
essas situações e em tantas outras que se pode conceber exemplificativamente,
contudo, ter-se-á recolhido importância destinada a um serviço (prestação
jurisdicional em segunda instância) que poderá jamais ocorrer ou ser prestado de
forma superlativamente mitigada, tanto em tempo quanto em complexidade.

Em hipóteses tais quais as aventadas acima é intuitiva a conclusão de que o


recolhimento correspondente a um serviço público (não compulsório) que não foi
efetivamente prestado acabou remunerado como se prestado fosse; enfim, se o que
se tem aí não é apenas um problema de inconstitucionalidade quanto ao critério
temporal da exação, mas, igualmente – e por vias reflexas – um grande problema
em relação ao critério quantitativo.

Ora, tendo as custas iniciais sido fixadas, como se viu no exemplo da


legislação paulista acima, no percentual de 1% sobre o valor da causa ou, ainda, no
caso do preparo, em 4% do valor da causa ou da condenação, tem-se que esta é a
estimativa legal para o custo relativo a toda a correspondente atividade jurisdicional;
no caso da primeira instância, passando pela fase postulatória, instrutória até o
saneamento, sentença e recebimento de eventuais recursos. Já em segunda
147

instância, presume-se que o valor do preparo esteja hábil a custear todos os


recursos passíveis de manejo perante o Tribunal. É, aliás, o que expressamente
afirma o artigo 2º da já referida Lei nº 11.608, de 29/12/2003:

Artigo 2º - A taxa judiciária abrange todos os atos processuais, inclusive os


relativos aos serviços de distribuidor, contador, partidor, de hastas públicas,
da Secretaria dos Tribunais, bem como as despesas com registros,
intimações e publicações na Imprensa Oficial.

A partir dessas premissas pode-se concluir que um prematuro abreviar da


demanda posta – por exemplo, pela inépcia da inicial ou a realização de acordo
entre as partes antes da citação – aborta ou precocemente encerra a prestação do
serviço jurisdicional correspondente, senão totalmente ao menos em relação a uma
muito significativa parte de sua estimada extensão que justificou o arbitramento de
uma base de cálculo tal como essa de 1% do valor da causa.

Há ainda um exemplo mais comum e que, no mais das vezes, passa


despercebido, consistente na antecipação do valor das custas judiciais em
desacordo com a materialidade da exação. Trata-se das hipóteses do recolhimento
de custas processuais de preparo – ou seja, taxas – pelo serviço jurisdicional a ser
prestado pelos tribunais superiores, como é o caso do Superior Tribunal de Justiça e
do Supremo Tribunal Federal em caso de interposição, v.g., de Recurso Especial e
de Recurso Extraordinário, respectivamente. Em ambos os casos, a legislação
processual determina que as custas sejam recolhidas e comprovadas desde o ato
da interposição, seguindo a lógica antecipatória que orienta as custas processuais
civis em geral.

Sucede que, por diversas razões, esses recursos poderão jamais chegar ao
destino esperado pelo recorrente, que são as Cortes de Superposição. É que tais
recursos são interpostos ainda perante o tribunal recorrido, dirigidos a seu respectivo
presidente ou vice-presidente (art. 1.029 do Código de Processo Civil), a quem
caberá realizar o juízo prévio de admissibilidade do recurso interposto (artigo 1.030
do aludido Código).
148

Sem desejar esmiuçar questão atinente à específica seara processual, cabe,


apenas para se compreender a situação posta, rememorar que, nos termos do inciso
I do artigo 1.030 do Codex processual, o próprio tribunal de origem poderá negar
seguimento ao recurso, seja porque (i) o recurso extraordinário trate de questão em
que já se tenha entendido inexistente repercussão geral ou que estejam em
desconformidade com entendimento já firmado pela Corte Suprema em regime de
repercussão geral; ou (ii) porque o recurso extraordinário ou o recurso especial se
insurjam contra acórdão que esteja em conformidade com entendimento firmado em
regime de recursos repetitivos.

Mais que isso, a presidência ou vice-presidência pode encaminhar o feito para


retratação caso o acórdão divirja e entendimento fixado em regime de repercussão
geral ou recursos repetitivos (inciso II do já mencionado artigo 1.030 do Código de
Processo Civil); sem falar na possibilidade de sobrestar o recurso que trate de
matéria objeto de recurso repetitivo ainda não decidida, para aplicação posterior do
entendimento firmado ao caso (inciso III)261.

A questão que interessa à nossa análise é que os valores do preparo


recolhido para a interposição do Recurso Especial e do Recurso Extraordinário
referem-se ao serviço judiciário prestado, respectivamente, pelo Superior Tribunal de
Justiça e Supremo Tribunal Federal, e não ao serviço judiciário do tribunal de
origem, já remunerado pelo preparo incidente no recurso a si próprio destinado.

Com efeito, a Lei nº 11.636, de 28/12/2007, que estabelece o regime de


custas judiciais devidas no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, logo em seu
artigo primeiro estabelece que suas disposições versam “sobre a incidência e a

261O direito processual civil brasileiro passa por um momento de “paulatina ascensão das teorias dos
precedentes, alicerçadas em alguma teoria da argumentação jurídica, e o gradual declínio daquelas
baseadas exclusivamente na autoridade do órgão que profere a decisão” (LIMA FILHO, Eduardo
Neves. O uso dos precedentes judiciais no Brasil: uma análise crítica a partir da teoria do direto e da
argumentação jurídica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016. p. 179). O que se experimenta é uma
aproximação, portanto, do sistema da common law ou, noutros dizeres, uma valorização do sistema
de precedentes que impõe aos Tribunais o aumento do espectro de atribuições. Seria natural que tal
aumento viesse acompanhado de uma racionalização das taxas incidentes sobre tais serviços. O que
se vê, entretanto, é a manutenção da concentração das taxas judiciárias (preparo) referentes às
cortes de superposição recolhidas diretamente aos referidos Tribunais, mal refletindo a tendência de
prestígio à admissibilidade feita em âmbito local.
149

cobrança das custas devidas à União que tenham como fato gerador a prestação de
serviços públicos de natureza forense, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça,
nos processos de competência originária ou recursal”.

De tal sorte que a taxa de preparo prevista pela interposição de Recurso


Especial refere-se ao serviço que deve ser realizado pelo Superior Tribunal de
Justiça, e não pelo Tribunal local.

O mesmo se dá em relação ao Supremo Tribunal Federal, que tem seu


regime de custas atualmente regido pela Resolução nº 581, de 08 de junho de 2106.

Sendo certo que as custas são recolhidas com propósito específico de ver
prestado o serviço “no âmbito” do Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal
Federal, entretanto, parece problemática a antecipação das custas correspondentes
em hipótese da negativa do juízo de admissibilidade prévia. Ocorre que a já
mencionada legislação de regência das custas do Superior Tribunal de Justiça, isto
é, a Lei nº 10.636/2007, é bastante expressa ao estabelecer a impossibilidade de
restituição das custas quando se decline competência daquele Tribunal ou mesmo
nos casos de abandono ou desistência do feito, bem como a transação que lhe
ponha termo (artigos 8º e 11).

O estranhamento em relação a essa prática não passa despercebido pela


própria doutrina processual civil. Assim, FREDIE DIDIER JR.262. Comenta, acerca
dessas disposições: “note que, embora se pague antecipadamente pelas despesas
com a remessa dos autos, não será devolvido esse valor se a remessa não se
realizar”. E o que aos processualistas causa estranhamento, a nós decerto há de
conduzir à conclusão pela inconstitucionalidade, sendo inconcebível na ordem
jurídica vigente a cobrança antecipada de taxas por um serviço que claramente pode
não ser prestado.

262 DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil: o processo
civil nos tribunais, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de
competência originária de tribunal. 13ª ed. Salvador: Editora Jus Podivm, 2016. p. 126.
150

Se a questão pode eventualmente passar ao largo de maiores preocupações


por parte dos jurisdicionados, talvez em função dos valores comparativamente
baixos dos preparos aos recursos destinados às Cortes de superposição; por outro
lado há uma dinâmica cruel imposta ao mecanismo do próprio Judiciário, já que os
Tribunais Superiores passam a haurir valores a título de taxas de serviço judiciário
por milhares de recursos que podem não ser jamais recebidos, em especial diante
da moderna técnica de valorização dos precedentes que tende a manter
sobrestados em instâncias inferiores uma quantidade significativa de recursos.

Noutros mais simples dizeres, a antecipação da taxa judiciária de maneira tal


que a parcela adiantada corresponda ao custo estimado do serviço a todo e
qualquer processo durante a primeira instância, por exemplo, autoriza a conclusão
de que a razoabilidade que deve se exigir para a fixação do valor da taxa não se faz
presente em situações-limite tais como a extinção prematura da lide.

A questão se aproxima, a nosso ver, à substituição tributária “para frente”


instituída pela Emenda Constitucional nº 3/1993, que introduziu no art. 150 da
Constituição Federal seu § 7º. Cuida-se de mecanismo repelido contundentemente
por parcela da doutrina, tal como ROQUE ANTONIO CARRAZZA263, que afirma:

Para acautelar interesses fazendários, tributa-se, na substituição tributária


“para frente”, fato que ainda não aconteceu (e que, portanto, ainda não
existe e, em tese, poderá nunca vir a existir). Ora, a Constituição veda a
tributação baseada em fatos de provável ocorrência. Para que o mecanismo
da substituição tributária venha adequadamente utilizado é preciso que se
estribe em fatos concretamente ocorridos; nunca em fatos futuros de
ocorrência incerta. Essa é uma barreira constitucional inafastável, pois
integra o conjunto de direitos e garantias que a lei Maior confere ao
contribuinte.

Sem pretendermos enfrentar a questão da constitucionalidade da Emenda


Constitucional nº 03/1993, entretanto, é certo que o que o § 7º adicionado ao art.
150, da Constituição Federal garante “a imediata e preferencial restituição da
quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido”. Eis que exsurge a

263CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 23ª ed. São Paulo:
Malheiros, 2007. p. 448.
151

questão da inconstitucionalidade264 – por violação ao princípio da tipicidade e por


ofensa às regras-matrizes constitucionais dos respectivos tributos –, a ocorrência do
fato jurídico tributário com critérios materiais que levem a uma tributação efetiva
menor do que a presumida, regida por “pautas fiscais” ou estimativas.

Recentemente, aliás, o Supremo Tribunal Federal alterou o entendimento


acerca deste tema, entendendo pela constitucionalidade da restituição do imposto
pago a maior na hipótese de realização do fato jurídico tributário em valor menor do
que o presumido. Trata-se do julgamento do Recurso Extraordinário nº
593.849/MG265, de relatoria do ministro EDSON FACHIN.

Mutatis mutandis é o que entendemos possível ocorrer em situações tais


quais a exemplificada acima (encerramento prematuro de demanda judicial ou do
recurso, assim como o juízo prévio negativo de admissibilidade dos recursos às
Cortes de Superposição) frente às custas judiciais correspondentes266.

Vale ademais rememorar que as taxas judiciárias, conforme se demonstrou


nos tópicos precedentes, não se amoldam à modalidade de taxas de polícia, para as
quais eventual resultado negativo ou frustração do objetivo do destinatário da ação
estatal específica são irrelevantes em relação à materialidade da exação.

264 Nesse sentido: VASCONCELLOS, Monica Pereira Coelho de. ICMS: Distorções e Medidas de
Reforma – Série: Doutrina Tributária v. XIII. São Paulo: Quartier Latin, 2014. p. 104.
265 Embora ainda não publicado o Acórdão, o resultado foi disponibilizado no domínio eletrônico da

Corte Suprema. Colhe-se, aliás, do voto do Ministro RICARDO LEWANDOWSKI: “A proibição de


restituição do imposto pago a maior igualmente não se coaduna com os princípios constitucionais de
natureza tributária aplicáveis à espécie. Em outras palavras, se o ICMS recolhido pelo contribuinte
substituto apenas se torna efetivamente devido com a ocorrência do fato gerador, a inocorrência, total
ou parcial deste, impõe que se faça a devida adequação da regra ao fato, sob pena de afronta aos
princípios da moralidade, da legalidade e do não-confisco”. Disponível em:
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=327683. Acesso em: 19.11.2016.
266 Releva destacar que a jurisprudência não favorece a repetição de custas em situações de

prematuro encerramento das demandas. Assim, têm-se situações que se entende ter sido o serviço
judiciário prestado – sem descer a quaisquer considerações sobre sua intensão ou extensão – (v.g.
TJ-SP - AI: 990093019183 SP, Relator Desembargador CLÓVIS CASTELO, Data de Julgamento:
01/02/2010, 35ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 05/02/2010 e TRF-1 - AR:
567474820134010000, Relator: Desembargadora Federal MONICA SIFUENTES, Data de
Julgamento: 11/06/2014, Segunda Seção, Data de Publicação: 04/07/2014), bem como casos de
singela referência às disposições legais acercas das leis de custas, sem enfrentamento do tema sob
a ótica constitucional (v.g. TJ-RS - AGR: 70061113601 RS, Relator: Desembargador CARLOS CINI
MARCHIONATTI, Data de Julgamento: 24/09/2014, Vigésima Câmara Cível, Data de Publicação:
Diário da Justiça do dia 26/09/2014).
152

Assim, por exemplo, o pedido de concessão de um alvará de funcionamento


negado não legitima que um contribuinte se insurja contra a taxa cobrada pela
análise das condições de seu estabelecimento e sua adequação às posturas
municipais. E isso simplesmente por tratar-se de taxa de polícia, que tem por
fundamento justamente a atividade estatal tendente à fiscalização e limitação de
certos direitos.

Diferente é o que se tem com a taxa Judiciária: há que se ter sempre


atinência (referibilidade) ao serviço público específico e divisível prestado. E quando
a razoabilidade na determinação da base de cálculo – sempre referível, ainda que
de maneira estimada, ao serviço efetivamente prestado àquele determinado sujeito –
não se faça presente, abre-se a possibilidade de questionamento.

Em conclusão, tem-se que a adoção do valor da causa, em que pese


admissível – em decorrência do princípio da praticabilidade tributária –, para
estimativa dos custos do serviço judiciário correspondente às taxas abre flancos
para o questionamento de uma série de questões que, dada sua própria natureza
excepcional (em que pese não se possa afirmá-las inusuais ou raras), escapam à
estimativa média de atos a serem praticados num dado feito. Tais situações afastam
o caráter “estimativo” que confere razoabilidade ao critério adotado por uma questão
de praticabilidade ensejando, a nosso ver, o enfrentamento judicial da situação em
situações casuísticas.

5.4.2 A natureza antecipatória do preparo e a pena de deserção: intersecção


dos regimes jurídicos processual e tributário e suas consequências

Este tópico se assujeitou à circunstância de se ter concebido numa ordem


processual (o Código de Processo Civil de 1973) e concluído noutra (o Código de
2015, vigente a partir de 2016), que de alguma maneira passou a convergir com as
conclusões a que chegamos. Mas releva que se dedique a ele algumas linhas já que
se trata de aspecto a nosso ver ainda carente de maior debate, notadamente sob a
perspectiva tributária.

Você também pode gostar