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Estresse do Estudante de Medicina e Rendimento

Acadêmico
Stress among Medical Students and Academic
Performance
Rebeca Ludmila de LimaI
Maryella Eduarda Correa SoaresI
Stefani Niehues do PradoI
Guilherme Souza Cavalcanti de AlbuquerqueI

RESUMO
PALAVRAS-CHAVE O presente estudo objetivou verificar a prevalência do estresse entre estudantes de Medicina, a relação
–– Estresse Psicológico; entre morar ou não com a família e sua repercussão sobre o rendimento acadêmico. Realizou-se um es-
tudo transversal com os alunos do ciclo básico e clínico do curso de Medicina da Universidade Federal
–– Educação Médica;
do Paraná (UFPR), com aplicação do Inventário de Sintomas de Estresse para Adultos de Lipp, um
–– Estudantes de Medicina; questionário com perguntas gerais sobre o tema, além da realização de um grupo focal. A amostra foi
–– Medicina. composta por 456 estudantes, 68,05% daqueles que cursavam do primeiro ao oitavo período de Medi-
cina no momento da pesquisa. Verificou-se a presença de estresse em 60,09% (n = 274) da amostra e
estresse extremo em 20,83% (n = 95). Não houve correlação entre estresse e aprendizado em relação
a morar longe da família.

ABSTRACT
KEYWORDS This study aimed to determine the prevalence of stress among medical students, its relationship with
–– Psychological Stress; whether or not the student lived with family and the impact of stress on academic performance. A
cross-sectional observational study was carried out on students in the basic and clinical cycles of
–– Medical Education;
UFPR’s medicine course, applying the Inventory of Stress Symptoms for Adults by Lipp, a questio-
–– Medical Students; nnaire with general questions on the subject, and conducting a focus group. 78.35% (n = 525) of the
–– Medicine. 670 academics participated and the final sample was 68.05% (n = 456). Stress was found to affect
60.09% (n = 274) and extreme stress 20.83% (n = 95). There was no correlation between stress, lear-
ning, and living far away from family.

Recebido em: 18/06/2015

Aprovado em: 15/02/2016

Revista Brasileira de Educação Médica


678 40 (4) : 678-684; 2016 I
Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil.
Rebeca Ludmila de Lima et al.  DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1981-52712015v40n4e01532015

INTRODUÇÃO de vida particular de cada grupo social, determinado pelo


O termo “estresse” foi pela primeira vez utilizado na litera- modo de produção específico da sociedade em questão5.
tura, com o propósito que hoje conhecemos, pelo fisiologista Sendo assim, o estudo para a compreensão do surgimento
austríaco Hans Selye, em 1936, para designar uma série de do estresse nos estudantes de Medicina não pode limitar seu
alterações neuroendocrinológicas sofridas pelo organismo enfoque aos indivíduos, mas deve considerar o modo de vida
humano e denominadas por ele “Síndrome Geral da Adap- do grupo a que pertencem.
tação” (SGA). Para Selye, a SGA se desenvolvia em três fases: Estima-se que a prevalência de distúrbios psiquiátricos
de alarme (ou alerta), na qual as manifestações clínicas ao es- entre estudantes universitários esteja entre 15% e 25%6.
tresse são agudas e produzem mais força, energia e motivação; A ocorrência de estresse entre estudantes de Medicina é
fase de resistência, na qual o corpo tenta se restabelecer, desa- muito frequente7,8. É crescente a busca do entendimento desse
parecendo as manifestações agudas e, para isto, consumindo processo, da compreensão de suas causas e consequências. O
muita energia; e, por fim, a fase de exaustão, com rendição do tema tem sido alvo de diversas pesquisas9-14, e a elucidação
organismo ao estresse, caracterizada por retorno dos sinais e dos agentes estressores é considerada fundamental para a
sintomas da primeira fase, porém, agora com maior intensi- compreensão da gênese do estresse, a fim de que possam ser
dade1,2. aplicadas medidas que minimizem ou reduzam o problema.
Ao adotar uma perspectiva agressológica, ou seja, privile- Estressores são definidos pela American Psychological As-
giando o estudo das consequências fisiopatológicas do estres- sociation como “um evento ou estímulo interno ou externo que
se sobre o organismo humano, Selye limitava sua percepção induz estresse”15. Diferentes estudos já apontaram alguns deles,
dos fenômenos1. como a transição para a vida acadêmica universitária16,17,18, pres-
Para Lipp3, além das três fases citadas por Selye, o de- sões acadêmicas, problemas sociais e problemas financeiros17.
senvolvimento do estresse passa por outra etapa, a de “quase Tal fato é corroborado pela alta prevalência de estresse entre es-
exaustão”4, que se insere entre as etapas de resistência e exaus- tudantes adultos jovens19. Estudantes que não moram com a fa-
tão. Nela, a homeostase já não é mais mantida e há alternância mília, por sua vez, podem ter um nível mais elevado de estres-
entre resistência e exaustão, devido ao enfraquecimento das se e outros tipos de sofrimento mental, pois o suporte social é
defesas fisiológicas contra o estresse. Lipp, em sua visão cog- apontado como crucial para a manutenção da saúde mental20,21.
nitivo-comportamental, distingue ainda o estresse saudável O estresse nos estudantes de Medicina é especialmente
(eustresse) do patológico (distresse). O primeiro corresponde- preocupante, pois, ao afetar funções fisiológicas, psicológicas
ria ao mecanismo de luta ou fuga, levando o indivíduo a ser e cognitivas, prejudica sua qualidade de vida e influi no apren-
mais produtivo e criativo. O segundo, à falta ou excesso de dizado e no cuidado ao paciente9,22,23. Portanto, o descuido do
estresse e poderia causar respostas inadequadas, como o de- bem-estar desses estudantes, além de uma questão de saúde
senvolvimento de enfermidades físicas ou psicológicas. individual, constitui um problema de saúde pública, uma vez
Divergindo das teses agressológicas, a Escola Psicossomá- que, ao prejudicar a instrução dos futuros médicos, acarretará
tica de Paris (EPP) abordou o tema, ampliando o foco para malefícios que recairão também sobre os usuários.
a subjetividade do adoecimento, procurando eliminar a di- Apoderar-se da base teórica utilizada para a prática médi-
cotomia entre ser biológico e ser psicológico, considerando o ca é crucial para a tomada de decisões com autonomia intelec-
homem como um ser dinâmico. Falha, no entanto, ao não va- tual e a realização de intervenções adequadas. A compreensão
lorizar os fatores externos na gênese do estresse, evidenciando daquela base torna possível o entendimento dos processos de
somente as capacidades de defesa mental do indivíduo frente saúde-doença e seu enfrentamento apropriado. Os conheci-
ao fenômeno1. mentos adquiridos pelo médico em sua formação fornecem-
Segundo Granda e Breilh5, a interpretação científica dos -lhe segurança para atender adequadamente, formular diag-
problemas de saúde requer um estudo rigoroso que não de- nósticos corretos, executar procedimentos e buscar informa-
sarticule os processos mórbidos de cada indivíduo, do modo ções adicionais em fontes confiáveis, quando necessário.
de vida do grupo social ao qual pertence e da totalidade social Diante disso, realizou-se o presente estudo, que objetiva
que modula, em última instância, os modos de vida dos diver- verificar a presença de estresse nos estudantes de Medicina e
sos grupos sociais. Existe uma dimensão singular de determi- relacioná-la com seu rendimento acadêmico e com o fato de mo-
nação da saúde-doença, atinente aos processos genofenotípi- rar ou não com a família. O propósito é fornecer subsídios para
cos e ao comportamento dos indivíduos. Esses processos, no aprimorar as condições de vida desses acadêmicos, de modo a
entanto, ocorrem dentro dos limites estabelecidos pelo modo torná-las mais favoráveis à aprendizagem e à sua saúde.

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METODOLOGIA de exclusão e eliminados aqueles que haviam preenchido in-


Participaram da pesquisa 525 estudantes, de um total de 670 corretamente os questionários, a amostra final do estudo foi
com matrícula ativa do primeiro ao oitavo período do cur- composta por 68,05% (n = 456) dos 670 estudantes com matrí-
so de Medicina da Universidade Federal do Paraná (UFPR), cula ativa nesses períodos (Figura 1).
ciclos básico e clínico, compondo uma amostra do tipo aci-
dental de 78,35%. Excluíram-se as pesquisadoras, os entre-
vistados que informaram portar algum transtorno psíquico F igu r a 1
(estresse, ansiedade, depressão ou psicose) antes do ingresso Fluxograma da amostra da pesquisa
no curso e aqueles que preencheram incorretamente os ques-
tionários. Alunos com matrícula ativa no curso
de Medicina da UFPR
No início do período letivo, os participantes responderam n = 670

a dois questionários: o Inventário de Sintomas de Estresse


para Adultos de Lipp (ISSL)24, para avaliação do seu nível de Alunos que estavam presentes no momento
do convite e aceitaram participar da pesquisa
estresse, e um questionário com perguntas gerais sobre viver n = 525

longe da família e sua relação com o aprendizado. Os ques-


tionários foram aplicados no início ou ao término das aulas,
conforme a conveniência dos professores de cada disciplina. Excluídos por preenchimento Excluídos por doença mental
incorreto de informações prévia ao ingresso no curso
O ISSL é um questionário constituído de perguntas sobre (n = 34) (n = 35)

sintomas psicológicos e físicos, indicados pelo respondente


conforme a frequência com que este os experimentou (nas
Amostra final dos participantes
últimas 24 horas, última semana e último mês), permitindo n = 456
identificar a presença do estresse e seu grau (alerta, resistên-
cia, quase exaustão e exaustão)3.
Utilizaram-se testes estatísticos para correlacionar a mé-
dia geral e por período do Índice de Rendimento Acadêmico Dados obtidos pelo Inventário de Sintomas de Estresse
(IRA) dos alunos que moram com a família e daqueles que para Adultos de Lipp demonstraram prevalência de estresse
moram longe da família, por meio do Teste de Wilcoxon- na população pesquisada, bem como as diferentes fases em
-Mann-Whitney; o fato de não morar com a família e a presen- que os estudantes se encontravam.
ça de estresse, pelo Teste Exato de Fischer, e o nível de estresse Entre os pesquisados, 39,91% (n = 182) estavam sem es-
em relação ao período do curso em que o aluno se encontra, tresse detectável por tal questionário, enquanto 60,09% (n
com o Teste Qui-Quadrado. = 274) se encontravam estressados. A fase de resistência foi
Alunos que não moram com a família foram convidados a a que apresentou o maior percentual, 37,06% (n = 169). Na
participar de um grupo focal, visando elucidar sua percepção fase de alarme, encontrava-se 1,09% (n = 5), na fase de quase
sobre o estresse, sua correlação com a presença ou ausência da exaustão 1,09% (n = 5), e na fase de exaustão 20,83% (n = 95)
família no cotidiano e sua interferência no aprendizado. (Gráfico 1). Comparando-se os alunos do primeiro com os do
O projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa segundo período do curso, observou-se redução significativa
(CEP) do Setor de Ciências da Saúde da UFPR, sendo aprova- do percentual de alunos “sem estresse”, de 59,38% (n = 38)
do pelo parecer consubstanciado nº 667.107. Não houve ne- para 23,43% (n = 15), e aumento daqueles que se encontravam
nhum tipo de conflito de interesse de qualquer dos autores. na fase de “exaustão”, nos mesmos períodos, de 6,24% (n = 4)
Os participantes assinaram um termo de liberação de acesso para 26,56% (n = 17).
ao Índice de Rendimento Acadêmico (IRA) através do número No grupo focal, foram detectados como fontes geradoras
de matrícula (GRR) e o Termo de Consentimento Livre e Es- de estresse nessa comunidade acadêmica fatos como: consti-
clarecido (TCLE). tuir uma fase de transição em relação ao estilo de vida; grande
volume de informações a apreender; limitações de tempo para
RESULTADOS estudar e conciliar com as atividades domésticas e de lazer;
Participaram deste estudo 78,35% (n = 525) dos acadêmicos avaliações; competição entre os estudantes; questões concer-
que cursavam Medicina do primeiro ao oitavo período na nentes às relações íntimas e aos aspectos financeiros e fami-
Universidade Federal do Paraná. Após aplicados os critérios liares.

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O percentual de alunos “sem estresse” ao ingressar no


G r á f ico 1
curso (primeiro período) foi de 59,38% (n = 38), e em fase de
Comparação entre o primeiro e o segundo
exaustão (estresse altamente patológico) foi de 6,24% (n = 4).
períodos do curso de Medicina da UFPR
Após um semestre de curso (segundo período), houve uma re-
dução dos “sem estresse” para 23,43% (n = 15) e uma elevação
da fase de exaustão para 26,56% (n = 17) (Gráfico 3).

G r á f ico 3
Fases de Lipp para o estresse nos
estudantes de Medicina da UFPR

Observamos que o rendimento acadêmico diferiu con-


forme os períodos em que os estudantes se encontravam no
curso, independentemente do fato de morarem ou não com
a família, ocorrendo um aumento gradativo na média do IRA
do primeiro ao sétimo período e uma queda no oitavo período
(Gráfico 2).

G r á f ico 2
Média do IRA e prevalência de estresse do primeiro Os participantes do grupo focal citaram como fontes gera-
ao oitavo período do curso de Medicina da UFPR doras de estresse o vestibular competitivo, o estranhamento da
metodologia de ensino, diferente da usada no Ensino Médio, e
o fato de no ciclo básico, correspondente aos quatro primeiros
semestres de curso, adiar-se o contato com as atividades mais
próximas da prática médica. Também foi levantada como fonte
de estresse a adaptação ao fato de morar longe dos pais, tanto
no que se refere ao amparo prático (cuidados com a limpeza da
casa e preparo de alimentos, entre outras atividades), como tam-
bém no âmbito emocional. Relataram, ainda, que esses proble-
mas geravam estresse predominantemente no início do curso.

DISCUSSÃO
Quando questionados quanto a ocorrer algum prejuízo A prevalência dos sintomas de estresse neste estudo, de acor-
no processo de aprendizagem devido ao fato de morar lon- do com a aplicação do Inventário de Sintomas de Estresse para
ge da família, 47,45% (n = 112) afirmaram que não se sentem Adultos de Lipp, foi de 60,9% (n = 274). Outros estudos utili-
prejudicados, 29,23% (n = 69) consideraram que isto prejudica zaram a mesma metodologia, como o realizado pela Universi-
o processo de aprendizagem, 20,76% (n = 49) não souberam dade Federal do Ceará, que encontrou prevalência de estresse
informar e 2,54% (n = 6) não responderam à questão. em 49,7%, e o de uma universidade pública do Rio de Janei-
Os alunos que referiram que morar longe da família pre- ro, que encontrou 65,2% dos alunos investigados com sinto-
judica seu aprendizado são mais estressados que os demais mas de estresse25. Guimarães encontrou uma incidência de
(Teste Qui-Quadrado, p = 0,03426); porém, não houve correla- 57,83% de estresse em estudantes de Medicina da Famema12,13,
ção estatisticamente significativa entre a ausência da família e demonstrando similaridade com os resultados aqui obtidos.
a queda no rendimento acadêmico. Esse autor encontrou menor incidência de estresse nos alunos

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do primeiro ano em relação aos demais, também concordando ferente à média do primeiro ao sétimo período do curso). Po-
com nossos achados, nos quais os alunos do primeiro semes- de-se supor que a grande carga horária do período antecessor,
tre apresentavam menos estresse que os demais12,13. Diferente- superior a 35 horas semanais, seja um dos fatores determinan-
mente, Bassols et al.7 encontraram maior nível de estresse entre tes dessa situação, por prejudicar tanto o estudo extraclasse
alunos do primeiro ano em relação aos do último ano do curso quanto o convívio social dos estudantes e o próprio repouso.
de Medicina na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Destaca-se que os questionários foram aplicados no início
Ao investigarem a prevalência de estresse numa popula- do período letivo, o que provavelmente resultou em índices
ção de adultos jovens, com idades variando entre 15 e 28 anos, inferiores de estresse em relação àqueles que seriam encontra-
Calais et al.19 encontraram uma taxa de 65,60%. Quanto às fases dos caso fossem aplicados em épocas de provas e final de se-
do estresse, verificou-se que 6,19% do grupo total se encontra- mestre. Os relatos do grupo focal confirmam que há aumento
vam em fase de alerta, 92,78% em resistência e 1,03% na fase de do estresse em semanas nas quais se acumulam muitas provas
exaustão. Comparando com os resultados do presente estudo, e, principalmente, quando se aproxima o final do semestre,
é possível concluir que a prevalência do estresse nas duas po- período em que não há tempo suficiente para descanso e mui-
pulações investigadas é semelhante (65,60% e 60,9%). Entretan- tas metas precisam ser atingidas.
to, há de se destacar a grande diferença nas fases do estresse em A prevalência do estresse na fase de resistência foi de
que essas duas populações se encontravam. Enquanto naque- 37,06% (n = 169), concordante com outros estudos25,32. Segun-
la população de adultos jovens a última fase do estresse – de do Lipp, se o agente estressor é contínuo e o indivíduo não
exaustão – representava 1,03% dos investigados, nos estudan- possui estratégias para lidar com o estresse, o organismo es-
tes participantes do presente estudo representava 20,83% da gota sua reserva de energia adaptativa, a fase de exaustão se
amostra. Isso demonstra que os acadêmicos de Medicina aqui manifesta e o adoecimento ocorre3. Um fator gerador de es-
estudados possuem um quadro muito mais severo de estresse tresse contínuo para a população aqui estudada, apontado
patológico do que os indivíduos pesquisados por Calais et al.19 pelo grupo focal, foi a inexistência de férias em um período
Como já mencionamos, Lipp divide o estresse em dis- maior do que duas semanas entre um semestre e outro, devido
tresse e eustresse. Aponta o segundo como necessário ao bom às greves ocorridas na Universidade Federal do Paraná nos
desempenho, levando o indivíduo a ser mais produtivo e cria- últimos quatro anos. Os participantes do grupo focal afirma-
tivo em suas respostas adaptativas, enquanto o primeiro como ram, ainda, que o convívio social também é afetado, pois a
estresse excessivo ou insuficiente, considerado patológico1. O permanência na companhia de colegas também estressados é
que para alguns é percebido e vivenciado como um desafio fonte geradora de maior estresse, assim como a distância e a
para outros pode ser vivenciado como uma ameaça a ser en- impossibilidade de visitar os familiares.
frentada26,27. A escolha de cada sujeito de estratégias de enfren- O processo de formação de médicos, como processo de
tamento do estresse é influenciada por fatores como persona- formação da mercadoria força de trabalho médica, visa formá-
lidade, informações disponíveis, predisposição constitucional, -los do modo mais rápido e de melhor relação custo-benefício
suporte social e experiência prévia26,28. possível, subordinando seu bem-estar à máxima eficiência.
Na fase de ingresso na universidade, os estudantes se Dessa forma, impõe um grau de desgaste físico e emocional
deparam com um novo ambiente, há necessidade de adap- com importantes repercussões sobre a saúde dos estudantes
tação às novas exigências e obrigações escolares, às respon- e prejuízo da aprendizagem, que exige condições psicológicas
sabilidades sociais e ocupacionais que surgem nesse período que permitam a atenção e a concentração33.
de aprendizagem, à necessidade de melhor organização das Uma vez que o estudante de Medicina lida diariamente
tarefas diárias, ao convívio com outros colegas e aos desafios com a doença e com o sofrimento do paciente, deve aprender
frequentes quanto às opções profissionais e pessoais29,30,31. a valorizar e acolher as dificuldades emocionais deste. Logo, a
Os resultados aqui obtidos sugerem que, com o passar do formação médica deveria estar comprometida, também, com
tempo, os alunos desenvolveram estratégias de enfrentamen- os aspectos humanísticos desse estudante, pois só assim ele
to da situação acadêmica, adaptando-se ao fato de morarem estaria preparado para exercer adequadamente sua função12.
sozinhos, acostumando-se com a distância dos pais, às custas, O estudante de Medicina estressado pode apresentar sen-
no entanto, de altos níveis de estresse. Isso Lipp define como timentos de medo, incompetência, raiva e culpa, que, possi-
aprendizagem de reações diante dos estressores1. velmente, se relacionam com o adoecimento, bem como retrai-
Como observado nos resultados, houve uma diminuição mento de suas emoções, manifestações depressivas, ansiosas ou
na média dos IRA dos estudantes no oitavo período (índice re- de burnout29. Pode ocorrer, também, prejuízo no desempenho

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acadêmico, cinismo, com declínio da empatia e do humanita- 4. Benzoni PE. Stress Crônico e Temas de Vida: Uma pro-
rismo, desonestidade acadêmica, com mentiras e trapaças com posta Cognitivo-comportamental para Conceitualização.
colegas, abuso de substâncias e suicídio12,34,35. Essas consequên- Campinas; 2008. Doutorado [Tese] – Pontifícia Universida-
cias do estresse podem, portanto, acarretar graves implicações de Católica de Campinas.
negativas tanto para a saúde e desempenho acadêmico do estu- 5. Granda E, Breilh J. Investigação da saúde na sociedade:
dante de Medicina, como para o atendimento ao paciente. guia pedagógico sobre um novo enfoque epidemiológico.
As fontes geradoras de estresse na comunidade acadêmi- Rio de Janeiro: Abrasco; 1989.
ca aqui encontradas – fase de transição em relação ao estilo de 6. Vasconcelos TC, Dias BRT, Andrade LR, Melo GF, Barbosa
vida, exigências do processo de aprendizagem em detrimento L, Souza E. Prevalência de Sintomas de Ansiedade e De-
das atividades domésticas e de lazer, comportamento com- pressão em Estudantes de Medicina. Rev. bras. educ. med.
petitivo entre os estudantes, aspectos financeiros e familiares 2015;39(1):135-142.
– concordam com os resultados obtidos por Aguiar et al.32 e 7. Bassols AMS, Carneiro BB, Guimarães GC, Okabayashi
outros estudos com a mesma temática36,37. LMS, Carvalho FG, Silva AB, Cortes GN, Rohde LAP, Eizi-
rik CL. Stress and coping in a sample of medical students
CONCLUSÃO in Brazil. Arch Clin Psychiatry. 2015;42(1):1-5 [capturado
mar. 2016]; Disponível em
No presente estudo, níveis de estresse moderado e grave, pre-
8. http://www.scielo.br/pdf/rpc/v42n1/0101-6083-
judiciais à saúde, foram encontrados na grande maioria dos
rpc-42-1-0001.pdf
estudantes do ciclo básico e clínico de Medicina da UFPR.
9. Lima MCP, Domingues MS, Cerqueira ATAR. Prevalência e
O aumento significativo do percentual de alunos com es-
fatores de risco para transtornos mentais comuns entre estu-
tresse que frequentam o segundo período do curso em relação
dantes de medicina. Rev Saúde Pública 2006;40(6):1035-41.
aos do primeiro período, conforme apresentado nos resulta-
10. Abdulghani HM, Irshad M, Zunitan MAA, Sulihem AAA,
dos deste estudo, sugere que a vida acadêmica seja uma fonte
Dehaim MAA, Esefir WAA, et al. Prevalence of stress in
geradora de estresse.
junior doctors during their internship training: a cross-
Não foi possível identificar uma relação entre nível de
-sectional study of three Saudi medical colleges’ hospitals.
estresse e rendimento acadêmico desses estudantes. Também
Neuropsychiatric disease and treatment. 2014;10:1879.
não foi encontrada diferença estatisticamente significativa en-
11. Pradhan G, Mendinca NL, Kar M. Evaluation of Exami-
tre os índices de rendimento acadêmico dos alunos que mo-
nation Stress and Its Effect on Cognitive Function among
ram com a família e dos que moram longe dela. Portanto, as
First Year Medical Students. Journal of clinical and diag-
hipóteses de que o estudante que não mora com a família é nostic research: JCDR. 2014;8(8):BC05.
mais estressado que os demais e tem um rendimento acadêmi- 12. Moffat KJ, McConnachie A, Ross S, Morrison JM. First
co inferior, por este motivo, não foram confirmadas. year medical student stress and coping in a problem ba-
Entendemos que o processo de formação de profissio- sed learning medical curriculum. Medical education.
nais cujo trabalho estará voltado para preservar, recuperar e 2004;38(5):482-91.
promover a saúde de seus pacientes não pode atentar tão in- 13. Guimarães KBS. Estresse e a formação médica: implicações
tensamente contra a sua própria saúde. A busca por melhorar na saúde mental dos estudantes. São Paulo; 2005. Mestra-
essa questão, aprimorando o modo de vida dos estudantes de do [Dissertação] - Universidade Estadual Paulista.
Medicina, deve ser permanente e interessada em sua saúde e 14. Guimarães KBS. Incidência de estresse e formação médica.
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