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CAPÍTULO

32

SAÚDE MENTAL DE ESTUDANTES DA ÁREA DA SAÚDE:


UM ENSAIO SOBRE CURRÍCULO INTEGRADO, HUMA-
NIZAÇÃO E RESILIÊNCIA NO ENSINO SUPERIOR

RESUMO
Esse ensaio pretende discutir sobre aspectos causadores de estresse,
Evely Najjar
Capdeville ansiedade e sofrimento mental em estudantes da área da saúde,
UFMG das universidades brasileiras. Ressalta-se que esses transtornos de
origem psicológica, estão presentes durante a formação em saúde
e podem se estender para a vida profissional. Estudos indicam que
tal fenômeno tem sido associado a afastamentos, doenças, fadiga,
cansaço, dificuldades para adaptação ao meio acadêmico, falta de
tempo para dedicar ao lazer e a vida pessoal, obsessão pelo trabalho
técnico, excesso de cobrança pessoal, frustrações relacionadas ao
curso e dificuldades inerentes à relação professor-aluno profissional-
paciente. Alguns fatores psicossociais relevantes são a transição
do ensino médio para o ensino superior, a maior mobilidade entre
cidades acompanhada do afastamento da rede de proteção da
família, Nesse trabalho, propomos estratégias de enfrentamento
do fenômeno, a partir de três eixos de ação, a saber: 1- reflexão
sobre o currículo integrado; 2- sensibilização e capacitação para a
humanização das relações professor-aluno e profissional de saúde-
população; 3- ações de promoção e prevenção em saúde mental
destinadas ao desenvolvimento de autoconhecimento e resiliência
em estudantes. Como resultado espera-se a indissociação entre
formação e praxis em saúde, a abordagem crítica na formação
acadêmica, o fomento às relações que promovam dialogicidade,
humanização e escuta qualificada, no âmbito coletivo-institucional e
a necessidade de aprimorar o olhar para questões que ultrapassam
os limites das singularidades dos sujeitos e se instalam no âmbito
ampliado da formação em saúde.

Palavras-chave: Saúde do Estudante; Formação Profissional

em Saúde; Saúde Mental; Humanização; Currículo.


10.37885/200400122
1. INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, um número cada vez


lares, formigamento, suor, além de insônia, tensão,
irritabilidade e angústia. Níveis elevados de an-
siedade podem causar autopercepções negativas
maior de doenças emocionais tem acometido es- relacionadas às habilidades motoras e cognitivas,
tudantes das universidades brasileiras, acompa- que interferem na atenção, codificação de informa-
nhado de afastamentos por doenças geradas por ções, memória, compreensão e raciocínio (6). A
estresse, ansiedade e sofrimento mental. O ab- ansiedade e a depressão podem ser geradas por
senteísmo, as reprovações, as ausências nas au- fatores diversos, que incluem a mudança brusca
las por problemas emocionais vem adicionando de no estilo de vida e a exposição a um determinado
forma assustadora as estatísticas das Instituições ambiente que leva a pessoa a sentir angústia, etc.
de Ensino.
Em relação aos cursos de graduação da área da
Segundo a Organização Mundial de Saúde – OMS saúde, encontramos um panorama semelhante ao
(1), 9,3% dos brasileiros, ou seja, 18,6 milhões de descrito pelos dados da população brasileira. Estu-
pessoas sofrem de algum tipo de transtorno de dos apontam a presença de ansiedade e estresse
ansiedade no país, considerando dados de 2015. em estudantes de graduação na área de saúde,
Essa é a maior incidência de transtornos de ansie- com forte tendência a aumentar, ao longo do curso,
dade no mundo. e que podem se estender para a vida profissional.

Dados do Instituto de Psicologia e Controle Do A International Federation of Medical Students’


Stress – IPCS (2), a partir de uma pesquisa reali- Associations of Brazil - IFMSA Brazil (7) ressalta
zada com 2.195 brasileiros, identificou 34,26% de que dentre os sintomas mais presentes durante a
pessoas que relatam estar vivenciando estresse formação na saúde estão fadiga, cansaço, dificul-
extremo e 37,79% consideram que o estresse está dades para adaptação ao meio acadêmico, falta
aumentando. Além disso, os entrevistados afirma- de tempo para dedicar ao lazer e a vida pessoal,
ram que 55,60% deles sofrem ou já sofreram de obsessão pelo trabalho técnico, excesso de co-
ansiedade, 23,20% tem ou tiveram o diagnóstico brança pessoal, frustrações relacionadas ao curso
de depressão e 10,37% tem ou tiveram transtor- e dificuldades inerentes à relação professor-aluno
no do pânico. Ressalta-se que todos esses trans- e profissional-paciente.
tornos são de origem psicológica. Outras doenças
Outros estudos apontam, ainda, que os alunos de
psicossomáticas como a gastrite (32,64%), asma
graduação da área da saúde estão apresentando
ou outra doença respiratória (20,45%) também sur-
estresse e ansiedade durante o desenvolvimento
giram associadas ao estresse.
dos cursos, em decorrência, principalmente, da ne-
Assim, a década atual foi considerada a década da cessidade de mudança de hábitos para se adapta-
ansiedade, por irradiar a alta demanda de casos de rem às demandas da graduação, desde o primeiro
ansiedade e estresse (3). O estresse pode ser defi- semestre (8,4). Muitos fatores podem colaborar
nido como a junção de respostas físicas e mentais para a presença destes sintomas entre os estudan-
provenientes de estímulos estressores que favore- tes, dentre eles a transição do ensino médio para o
cem o desgaste físico e mental do indivíduo, cau- ensino superior, o processo de adaptação a novas
sado por esse processo. Sempre que os sintomas metodologias e demandas do ensino superior e as
de estresse persistem por um longo intervalo de fortes expectativas relacionadas ao futuro profis-
tempo, podem correr sentimentos ligados à ansie- sional.
dade e a depressão. Dessa forma os mecanismos
No ensino médio, os estudantes vivenciam, muitas
de defesa passam a não responder de uma forma
vezes, uma metodologia voltada mais para o ensi-
adequada, aumentando assim a possibilidade do
no e a avaliação tradicional e no ensino superior
surgimento de doenças, incluindo as psicossomá-
encontram metodologias ativas e avaliação voltada
ticas.
para estas metodologias (9). A passagem do ensi-
A ansiedade, por sua vez, pode ser caracterizada no médio para o ensino superior na área da saúde
por uma apreensão que surge em decorrência de implica em uma mudança significativa de um para-
eventos considerados ameaçadores. Está relacio- digma educativo bancário, centrado nos conteúdos
nada a estados psicológicos vinculados a adequa- a serem memorizados, para um paradigma pro-
ção social e ao sucesso competitivo (4). No estado gressista, como afirma Freire (10) que convoca os
de ansiedade, o indivíduo tende a supervalorizar o estudantes para uma dimensão ativa, consciente e
grau e a probabilidade de perigo e a subestimar a transformadora frente ao mundo.
sua capacidade de enfrentamento àquela situação
Vale ressaltar também, que com as mudanças no
(5). A ansiedade está associada a sintomas como
sistema de entrada no ensino superior, no Brasil,
taquicardia, tontura, dor de cabeça, dores muscu-
há uma maior mobilidade entre cidades e vamos

262 Psicologia: Desafios, Perspectivas e Possibilidades - Volume 1


encontrar uma maior incidência de estudantes pro- a morte - aspectos poucos explorados durante sua
venientes de outras cidades e até de outros esta- formação.
dos, que precisam se estabelecer longe da família
Segundo Capdeville (11), a presença de estresse,
e ficam sem uma rede de proteção e pertencimen-
ansiedade e sofrimento mental nos alunos pode
to.
ser identificada através de sintomas, tais como: cri-
Há, também, uma grande parcela de estudantes ses de choro, desmaios (síncopes), desinteresse,
ingressantes no ensino superior, provenientes de apatia, cansaço, relatos de insônia, absenteísmo,
escolas que desenvolvem metodologias tradicio- baixo desempenho acadêmico por parte dos dis-
nais de ensino-aprendizagem. Dessa forma, os centes, etc. Muitos relatam sobrecarga nas ativida-
discentes são impactados emocionalmente e cog- des acadêmicas associada a sinais de ansiedade,
nitivamente com as demandas requeridas por um estresse e até depressão. Alguns relatam proble-
novo paradigma educativo, pois a matriz susten- mas mais graves como transtorno do pânico e au-
tadora de uma prática pedagógica progressista tolesões. Somam-se a isso problemas familiares e
compreende as relações humanas mediatizadas interpessoais que enfrentam cotidianamente.
pelo mundo e os outros, em uma perspectiva histó-
Moreira, Vasconcellos e Heath (12) ressaltam a
rica e crítica. Essa matriz de formação com ênfase
necessidade de implementar estratégias institucio-
problematizadora desafia os educandos - futuros
nais à formação, para que os estudantes desen-
profissionais de saúde, através de situações exis-
volvam habilidades de autocuidado e consequen-
tenciais concretas, e, assim, ao direcionarem seu
temente maior sensibilização para o cuidado do
olhar para elas, provoca-os para a ação e a res-
outro. Para fazer frente a esses desafios, tem se
ponsabilização em saúde.
buscado melhoria dos processos e metodologias
Encontramos, ainda, no ensino superior, uma com- educativas, aumento da satisfação e qualidade de
plexidade dos conteúdos das unidades curricula- vida dos estudantes, minimização dos danos do
res e a longa jornada diária de atividades acadê- estresse, ansiedade e sofrimento mental, aumento
micas, associadas a fatores psicossociais que os da efetividade educacional.
jovens enfrentam, constituindo grande desafio que
Segundo o Forsa-Cobem - Fórum de Serviços de
precisa ser superado pelos estudantes e são fato-
Apoio do Congresso de Educação Médica, algu-
res intervenientes para o surgimento de ansieda-
mas Instituições no país têm implementado os cha-
de e estresse nos discentes. Especialmente, para
mados Programas de qualidade de vida educacio-
o estudante da área da saúde atingir os objetivos
nal, por entender que o estudante é o grande foco
pessoais e atende às exigências da formação, pre-
da organização de ensino. Vários projetos têm sido
cisa estar preparado nas dimensões física, social
executados, com ênfases em aspectos e atores di-
e psicológica para o enfrentamento das situações
ferentes – estudantes, professores, família.
adversas, além de necessitar de um aparato es-
trutural dentro e fora da universidade, que muitas Diante desse cenário, perguntamos: como promo-
vezes não tem. ver saúde mental e prevenir ansiedade, stress e
sofrimento mental em estudantes do ensino supe-
E, não somente aspectos do ambiente físico ou
rior? Como os docentes podem contribuir nesse
questões relacionadas ao ensino devem fazer par-
processo? E qual é o alcance da responsabilidade
te das preocupações educativas das instituições,
das Instituições de Ensino? É possível favorecer
mas também há necessidade de proporcionar aos
o desenvolvimento de habilidades sociais e inter-
estudantes uma rede de apoio e espaço de discus-
pessoais para o enfrentamento desses desafios
sões, vivências e preparação emocional para o de-
postos para a formação na área de saúde? Como
senvolvimento de habilidades pessoais, sociais e
fazer isso?
interpessoais, necessárias para a manutenção da
qualidade física e psíquica de vida. A proposta desse ensaio é apresentar algumas
possibilidades de intervenção institucional, para o
Outro fator que pode somar aos demais fatores já
desenvolvimento de um paradigma educativo fun-
expostos é a competência de desempenho prático
damentado nos processos de humanização, auto-
dos estudantes, que cada vez mais cedo eles rea-
conhecimento e resiliência dos estudantes da área
lizam atendimentos aos pacientes, sob supervisão,
de saúde, na formação superior. Diante disso, vi-
em diferentes contextos de assistência, desde hos-
mos propor utilizar ferramentas psicopedagógicas
pitais até ambulatórios. Além disto, esses estudan-
e psicossocias buscando instrumentalizar os dis-
tes estão constantemente em contato com a dor,
centes, docentes e Instituições de Ensino a lida-
sofrimento emocional, lidando com a intimidade
rem com essas questões fundamentais, de forma a
corporal e emocional, atendendo pacientes grave-
favorecer a criação de ações preventivas e a redes
mente doentes, em estado terminal ou enfrentado
de proteção psicossocial e psicoafetiva, no âmbito

Psicologia: Desafios, Perspectivas e Possibilidades - Volume 1 263


institucional. saúde a partir da complexidade que lhe é própria,
tendo em vista a multiplicidade dos territórios, co-
Nessa perspectiva, vimos propor três eixos de ação,
munidades e necessidades de saúde da popula-
a saber: 1- reflexão sobre o currículo integrado; 2-
ção. As simplificações e generalizações no campo
sensibilização e capacitação para a humanização
da educação e da saúde tendem a incorrer em
das relações professor-aluno e profissional de saú-
análises reducionistas e mecanicistas, tanto no
de-população; 3- ações de promoção e prevenção
processo de construção do conhecimento, quanto
em saúde mental destinadas ao desenvolvimento
em relação às ações. A complexidade da realida-
de autoconhecimento e resiliência em estudantes.
de histórica e social da saúde no Brasil se faz em
A seguir desenvolveremos esses eixos.
interface com os sujeitos–usuários dos serviços e
exige uma prática do profissional de saúde ajusta-

2.DESENVOLVIMENTO
da a esse contexto.
Em vista desses elementos, esse trabalho vem
ressaltar o papel das Instituições de Ensino, que
2.1 REFLEXÃO SOBRE O CURRÍ- possuem cursos de graduação na área da saúde,
como formadoras de sujeitos que podem contribuir
CULO INTEGRADO
para a transformação do cenário atual de uma so-
O número de profissionais de saúde formados, no ciedade “doente” para uma sociedade “saudável”.
Brasil, vem crescendo a cada ano. Segundo dados Os egressos da formação em saúde devem ser
publicados pela pesquisa Demografia Médica 2018 capazes de construir o próprio conhecimento, no
(13), o crescimento da população médica, nas últi- sentido de não reproduzir e sim transformar a re-
mas cinco décadas, aumentou 7,7 vezes. Enquan- alidade, orientados pelas dimensões biopsicosso-
to isso, a população brasileira aumentou 2,2 vezes. ciais do processo saúde-doença.
Entretanto, esse salto não trouxe os benefícios Para romper tais desafios fazem-se necessárias
que a sociedade espera em termos de melhoria do mudanças curriculares e propostas político-peda-
acesso e da assistência em saúde, pois não se tra- gógicas que possam dar conta de tais conteúdos,
ta apenas de aumentar o número de profissionais, com incorporação de docentes que trabalham em
mas sim de formar profissionais capacitados para uma perspectiva ativa e com estratégias educacio-
atuar priorizando a saúde e não a doença. nais significativas. Está posto, portanto, o desafio
Vale ressaltar que as revisões curriculares dos de incorporar as orientações propostas nas diretri-
Cursos, realizadas recentemente, por entender a zes curriculares à formação na área da saúde. As
graduação como um dos estágios do processo for- Instituições formadoras precisam organizar sabe-
mativo, reafirmam a necessidade na mudança do res e práticas da formação no sentido do trabalho
paradigma biomédico, curativista e a-histórico da interprofissional, que além de enunciado deve ser
formação, historicamente predominante. Nessa di- materializado nas práticas formativas (14).
reção, preconizam a urgência em superar práticas
educacionais fragmentadas, tecnicistas e descon- 2.2 SENSIBILIZAÇÃO E CAPACITA-
textualizadas e promover a qualificação do futuro ÇÃO PARA A HUMANIZAÇÃO DAS
profissional de saúde no paradigma coletivista, his-
RELAÇÕES PROFESSOR-ALUNO E
tórico e social focado em ações de promoção, pre-
venção, recuperação e reabilitação da saúde, na
O PROFISSIONAL DE SAÚDE-POPU-
perspectiva da integralidade da assistência (14).
LAÇÃO
As diretrizes curriculares preconizadas pelo Minis- Como a formação pode preparar para uma praxis
tério da Saúde, para a formação na área de saú- humanizada e humanizadora? A humanização e a
de, propõem o perfil de um profissional generalista, busca da dialogicidade nas relações são premis-
com visão de mundo humanista, crítica e reflexiva, sas orientadoras para a formação de profissionais
ativo, comprometido com a prática do diálogo com na área da saúde e para uma praxis crítica. O pro-
a população e que correlaciona o conceito amplia- cesso de formação precisa, também, ser humani-
do de saúde a uma mudança de perspectiva do zado. Nessa medida, os currículos de graduação
sistema (15). Formar profissionais de saúde para em saúde devem incorporar não apenas habilida-
a melhoria da qualidade de vida das pessoas é o des de domínio cognitivo e técnico, mas também,
grande desafio da realidade brasileira, pois ainda habilidades sociais, relacionais e atitudinais que
faz-se necessária essa mudança em uma perspec- serão essenciais para os saberes e práticas do fu-
tiva coletivista. turo profissional de saúde.

É necessário considerar o campo da formação em Pensar um currículo humanizado na área da saúde

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exige o exercício de prerrogativas epistêmicas fun- cessidade de inventar e reinventar os processos
damentais, que valem tanto para as relações pro- educativos, as relações dialógicas, as didáticas e
fessor-aluno quanto para as relações entre o pro- metodologias e as práticas com a mesma agilidade
fissional de saúde e a população. Para cumprir tal em que muda o mundo, a relação homem-mundo,
propósito, é necessário considerar algumas condi- as relações entre humanos, a relação entre as di-
ções, tais como: tomar o ser humano em sua to- versas categorias profissionais da área da saúde
talidade, reconhecer os aspectos subjetivos, cons- (16, 17).
cientes, intencionais, incorporar a dimensão social,
bem como tratar a população em uma perspectiva
progressista, que reconhece o ser humano como 2.3 AÇÕES DE PROMOÇÃO E PRE-
capaz de auto-realização, liberdade, criatividade, VENÇÃO EM SAÚDE MENTAL DES-
afeto, responsabilização e potencialidade. TINADAS AO DESENVOLVIMENTO
DO AUTOCONHECIMENTO E RESI-
A formação em saúde exige uma pedagogia cons- LIÊNCIA EM ESTUDANTES
ciente da dinâmica das relações que se constroem
entre os diversos protagonistas e precisa superar a As Instituições de Ensino Superior na área da saú-
contradição educador-educando, bem como a hie- de podem e devem estar atentas aos discentes e
rarquia histórica entre as profissões da saúde, a contribuir para promover saúde e prevenir doen-
partir da dialogicidade. O fenômeno da formação ças associadas a fatores emocionais, tais como
implica em uma variedade de processos e multi- ansiedade, sofrimento mental e estresse. Porém,
fatores que interferem favorecendo ou dificultando como promover a saúde mental de estudantes de
os aprendizados mútuos. Esses fatores precisam cursos da área da saúde? É relevante destacar a
ser olhados com lentes ampliadas de forma a evi- necessidade de um olhar atento em relação a vul-
tar fragmentações e inviesamentos que colocam a nerabilidades psicossociais e individuais que vem
responsabilidade pelo aprendizado em apenas um emergindo na sociedade contemporânea e a possi-
dos pólos do processo, a saber – o estudante ou o bilidade dessas vulnerabilidades serem detectadas
professor, o técnico ou o especialista, etc (14). no contexto escolar, para um trabalho coletivo e em
rede.
A praxis humanizada em saúde exige a conexão
com a materialidade do campo, do tempo, do es- De uma maneira geral, as questões pedagógicas
paço e dos sujeitos que se constituem em um con- se misturam com questões de natureza emocional
texto permanentemente mutável. E, nessa linha de e relacional dos estudantes. Conflitos com profes-
dialogicidade, praticar uma concepção de currículo sor, colegas, turma, ou mesmo com a Instituição,
e de processos educativos nas Instituições de En- e também consigo mesmos, em geral, estão asso-
sino Superior em saúde significa trabalhar em uma ciados à ausência ou a não participação nas aulas
perspectiva emancipatória e crítica, em todos os e atividades, dificuldades em geral, inadequação
âmbitos das relações humanas (11). do método de estudo, reprovações ou diminuição
de produtividade acadêmica. E, também, alguns
Isso implica a valorização e a construção do co-
conflitos identificados em relação ao professor si-
nhecimento a partir da leitura do mundo, respeitan-
nalizam para a necessidade de investigar mais pro-
do a territorialidade, a aprendizagem significativa,
fundamente as suas origens e fazer uma análise
propondo significados e sentidos que direcionem
cuidadosa de situações recorrentes.
para uma prática de saúde que gere qualidade de
vida para as pessoas. E, isso nos leva a conside- Algumas vezes, a escuta de cada caso, seja de
rar, também, a necessidade de se criar estratégias docente ou discente, evidencia outros motivos sub-
curriculares que oportunizem a existência de um jacentes, como por exemplo, no caso do ensino
diálogo interprofissional horizontal e o diálogo em superior: conflitos relacionados à escolha profissio-
saúde, com a população (14). nal, conflitos pessoais e familiares, problemas de
saúde que demandam afastamentos prolongados,
As relações entre o profissional de saúde e os usu-
questões pessoais que demandam acompanha-
ários deve se pautar pela capacidade de escuta
mento psicoterápico e/ou medicamentoso, dificul-
sensível. E essa escuta é obviamente algo que vai
dades em acompanhar o curso, reconhecimento
mais além da possibilidade auditiva de cada um.
da existência de um desconforto em relação a si
Escutar significa a disponibilidade permanente por
mesmo e sua habilidade em conduzir os desafios
parte do sujeito que escuta para a abertura à fala
que se apresentam durante o curso etc.
do outro, ao gesto do outro, às diferenças e aos
saberes do outro. No âmbito das ações Institucionais, recomenda-
-se uma equipe multiprofissional capacitada para
Há muitos desafios a serem enfrentados no exer-
conduzir e fomentar as ações de promoção e pre-
cício das profissões da área da saúde. Há ne-

Psicologia: Desafios, Perspectivas e Possibilidades - Volume 1 265


3.CONSIDERAÇÕES FINAIS
venção em saúde mental. Dentre as possibilidades
de ação, deve-se estimular uma cultura de hábitos
saudáveis, qualidade de vida e cultivo do equilíbrio Esse ensaio vem alertar sobre a necessidade
entre atividades acadêmicas e de lazer entre os es- de uma abordagem crítica em relação à formação
tudantes. É importante trabalhar na construção de acadêmica, às relações entre os diversos atores
projetos que valorizem o protagonismo estudantil, envolvidos no processo formativo e reafirma a ne-
as potencialidades e talentos dos estudantes, di- cessidade de aprimorar o olhar para questões que
recionando para alternativas culturais e artísticas, ultrapassam os limites da singularidade dos sujei-
que envolvam também a família e que favoreçam tos e se instalam no âmbito ampliado da formação
a interação social e os compartilhamentos entre os em saúde.
estudantes.
Como nos ensina Freire (10), é fundamental dimi-
Salientamos que a inserção e o acompanhamen- nuir a distância entre o que se diz e o que se faz.
to da (o) Psicóloga (o) Escolar e Educacional, nas Nesse sentido, entendemos a formação deve se
Instituições de Ensino, contribui para identificar, declinar sobre os estudantes/futuros profissionais
prevenir e intervir de forma coletiva, sistêmica e de saúde. O termo em latim clinámen, originaria-
também individual, com estudantes. Destacamos, mente usado pelo filósofo atomista Epicuro, se re-
ainda, a relevância de tomarmos a inclusão, en- fere ao movimento imprevisível e a capacidade dos
quanto desafio necessário, bem como o cuidado átomos em se autoafetarem mutuamente.
com o desenvolvimento de laços sociais, como fa-
tor potencializador do sentimento de pertencimen- Tal como os átomos e seus movimentos, conecta-
to, entre jovens. dos e afetando uns aos outros, propomos a indis-
sociação entre formação e praxis em saúde, como
Dentre algumas frentes de atuação destacamos: um modus operandi praticado pelas Instituições de
1. Colaborar para a compreensão e para a mudan- Ensino em saúde.
ça atitudinal, nas relações interpessoais e nos pro- Nessa perspectiva, em um movimento de declina-
cessos intrapessoais, de educadores e educandos, ção, agir de forma a afetar positivamente esses su-
no processo de ensino aprendizagem. jeitos, a partir da oferta de caminhos curriculares
2. Cultivar o olhar reflexivo sobre o processo de en- que favoreçam a formação e a praxis sustentada
sino-aprendizagem, a partir de um movimento con- pelo paradigma coletivista, histórico e social, rela-
tínuo de invenção e reinvenção de novas formas ções que promovam dialogicidade, humanização e
de perceber e resolver conflitos, bem como a inter- escuta qualificada, no âmbito coletivo-institucional.
locução entre as dimensões coletiva e individual. E o movimento de declinação/escuta sobre a saú-
3. Estimular a valorização e a capacitação perma- de mental de estudantes da área da saúde, reporta
nente dos educadores, de forma a contribuir para a à necessidade de refletir sobre os fenômenos cau-
melhoria das condições de socialização, formação sadores de sofrimento, sentimentos de ansiedade
e humanização nas relações. e/ou depressão, estresse, autolesionismo, bem
como conflitos diversos e dificuldades que os estu-
4. Projetos desenvolvidos no âmbito coletivo, tais dantes vêm enfrentando.
como oferta de oficinas para grupos de estudantes,
de forma a favorecer o acolhimento e o sentimento Mas, ainda, e, sobretudo, a partir do cuidado com
de pertencimento do estudante, e, assim, contribuir a qualidade das relações entre os diversos seg-
para estimular autoconhecimento, autocontrole, re- mentos no contexto institucional. Há necessidade
siliência e autoestima na formação acadêmica. de ações preventivas envolvendo todos os atores
do processo educativo: alunos, docentes, pais e a
A promoção de ações preventivas, a oferta de ativi- comunidade escolar em geral. Essas ações devem
dades culturais, o desenvolvimento de autonomia, ter agenda permanente no calendário institucional
segurança, autovalorização e flexibilidade são as- e constituir um cardápio de ofertas contínuas aos
pectos psicológicos a serem fortalecidos e favore- estudantes.
cem a saúde dos diversos atores nas Instituições
Formadoras. Outro importante desafio é a reflexão A promoção de ações preventivas e a oferta de
sobre as tensões vividas na atividade docente, o atividades culturais para os estudantes de cursos
adoecimento de professores, as longas jornadas de da área da saúde compõem um escopo de alter-
trabalho e a valorização da profissão. É necessário nativas formativas e pedagógicas para desenvol-
ampliar a sensibilidade e a percepção de todos em vimento profissional e humanização no percurso
relação ao sofrimento psíquico dos estudantes e formativo e nas relações institucionais.
outras questões emergentes, tais como autolesão A prevenção primária se faz necessária a partir da
e ideação suicida.

266 Psicologia: Desafios, Perspectivas e Possibilidades - Volume 1


identificação e a possível modificação de fatores alunos de graduação da área da saúde:
estressores, impedindo que sintomas já manifestos estudo preliminar. Fisioter. Pesqui. [onli-
se tornem patológicos, tão logo os estudantes co- ne]. 2010, vol.17, n.1, pp.13-17. Disponí-
mecem a manifestá-los.
vel em http://www.scielo.br/scielo.php?pi-
A prevenção secundária, através da identificação d=S1809-29502010000100003&script=sci_
precoce de transtornos emocionais e psiquiátricos abstract&tlng=pt
já instalados, alerta para a necessidade de uma
pronta intervenção terapêutica visando impedir a (5) Kaplan, HI; Sadock, BJ; Grebb, JA. Com-
progressão dos sintomas. pêndio de psiquiatria: ciências do comporta-
mento e psiquiatria clínica. 7ª ed. Porto Ale-
É necessário cuidar também da prevenção terciá-
gre: Artes médicas, 1997.
ria, através de acolhimento, apoio e acompanha-
mento dos processos de ensino-aprendizagem. E,
(6) Ferreira, CL et al. Universidade, con-
principalmente, trabalhando na construção de pro-
texto ansiogênico? Avaliação de traço e
jetos que valorizem as potencialidades e talentos
dos estudantes, direcionando para alternativas cul-
estado de ansiedade em estudantes do
turais e artísticas, que envolvam também a família. ciclo básico. Ciênc. saúde coletiva [onli-
ne]. 2009, vol. 14, n.3, p. 973-981. Disponí-
O protagonismo estudantil e a parceria com diretó- vel em: http://www.scielo.br/scielo.php?pi-
rios acadêmicos é fundamental para a implemen- d=S1413-81232009000300033&script=sci_
tação de ações de prevenção, que favoreçam a abstract&tlng=ES
interação social e compartilhamentos entre os es-
tudantes. (7) International Federation of Medical Stu-
Enquanto houver inquietação e enquanto os do- dents’ Associations of Brazil. Saúde mental do
centes e as Instituições de Ensino forem capazes estudante de medicina. Fortaleza. 2016. Dis-
de formar profissionais inquietos, se estará dando ponível em < http://ifmsa.net.br/wpcontent/
materialidade ao currículo integrado, fazendo viva uploads/2017/02/DP-Sau%CC%81de-Men-
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cle&id=5354:aumenta-o-numero-de-pesso-
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268 Psicologia: Desafios, Perspectivas e Possibilidades - Volume 1

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