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REVISTA DA JOPIC

v. 6, n. 10, 2021, ISSN 2525-7293


Artigo Original

ADOLESCER: UM PROJETO DE EXTENSÃO SOBRE


A SAÚDE MENTAL DE ADOLESCENTES NO
AMBIENTE ESCOLAR
ADOLESCER: AN EXTENSION PROJECT THAT EMBRACES TEENAGERS' MENTAL HEALTH IN
SCHOOL ENVIROMENT

Ana Carolina Gusman Lacerda, discente, Curso de Graduação em Medicina, Unifeso.


Ana Luiza Joppert Morier, discente, Curso de Graduação em Psicologia, Unifeso
Ana Maria Pereira Brasilio de Araújo, Psicóloga, Mestre em Ciências do Cuidado em Saúde, Docente dos
Cursos de graduação em Medicina e Psicologia do Unifeso.
Annita Fundão Carneiro dos Reis, discente, Curso de Graduação em Medicina, Unifeso.
Fernanda Helena dos Santos Moledo, Licenciada em Biologia, Pós-graduanda em Engenharia genética,
discente, Curso de Graduação em Psicologia, Unifeso.
Geórgia Rosa Lobato, Psicóloga, Mestre em Saúde da Família, Docente dos cursos de graduação em
Medicina e Psicologia, Unifeso.
Isis Lopes de Brito, Psicóloga, Mestre em Psicologia, Doutoranda em Educação, Docente do Curso de
graduação de Psicologia do Unifeso.
Jéssica Castelo Branco de Vasconcellos, discente, Curso de Graduação em Medicina, Unifeso.
Laura Corrêa de Magalhães Landi, Psicóloga, Mestre em Saúde Pública, Docente dos Cursos de
graduação de Medicina e Psicologia do Unifeso.
Maressa Duarte Lima Bomfim, discente, Curso de Graduação em Medicina, Unifeso.
Mariana Lovaglio Rosa, discente, Curso de Graduação em Medicina, Unifeso.
Sarah Silva de Souza Pereira, discente, Curso de Graduação em Psicologia, Unifeso.

RESUMO
Segundo estimativas da Organização das Nações Unidas, adolescentes representam cerca de 14,2% da população
mundial, nesta faixa etária é encontrada alta prevalência de transtornos mentais. De acordo com a Organização
Mundial de Saúde, a maioria desses transtornos entre adolescentes não é diagnosticada ou tratada, indicando que
seus sinais podem ser negligenciados. Nesse sentido, o Projeto de Extensão Adolescer visa minimizar os danos
causados pelas questões de saúde mental enfrentadas por adolescentes e proporcionar a reflexão acerca do trabalho
dos professores e da direção do Centro Educacional Serra dos Órgãos. A metodologia do Adolescer desenvolveu-
se em três etapas. Na primeira, foi realizada revisão bibliográfica sobre o tema da saúde mental e levantamento de
informações, através de grupo focais e rodas de conversas, vivenciadas no ambiente escolar. A segunda etapa,
constituiu-se da análise qualitativa das informações recolhidas, através da definição das categorias temáticas e
núcleos de sentidos. Realizou-se, ainda, o planejamento de estratégias de intervenção, contemplando a
interprofissionalidade. A terceira etapa contemplou a realização das estratégias elaboradas, trabalhando com
adolescentes, professores e coordenadores as questões de saúde mental identificadas, produzindo espaço de fala,
escuta, acolhimento e cuidado em saúde. Assim, possibilitou-se o enfrentamento dos desafios de saúde mental
envolvidos no cotidiano educacional.
PALAVRAS-CHAVE: Adolescência; Saúde mental; Educação em saúde; Extensão universitária.

ABSTRACT
Acording to United Nations Organization estimatives teenagers represent about 14,2% of mundial population wich
age group is found high percentual of mental issues. Acording to United Nations Organization the majority of
these mental issues aren't treated nor diagnosticated indicating that your signals might be neglected. In this poit of
view the extention project Adolescer object to minimize the damaged caused by mental issues questions faced by
teenagers and propose a reflection above the teachers and coordinators working at Centro Educacional Serra dos

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Órgãos. The developing progress of Adolescer was given by three phases of work. First of all the bibliographic
review about mental health was made by focal groups and conversation reunions about witnessed cases at schoolar
enviroment. The project second phase of development was given by collectded informations qualitative analisis
trough tematic categories and cores of senses definition. The realization of intervention strategy planning was also
a question in this part of the project. The third and last part of this project was marked by the strategies made at
second phase realization working with the teachers and coordinators with teenagers that were identified with some
mental issues. Listening, ative talking and health cares space were given to the students during this project having
in mind the mental issues confrontation involved at educational daily life.
KEYWORDS: Adolescence; Mental health; Health education; University extension.

INTRODUÇÃO descobertas. Neste período os adolescentes


experimentam momentos de decisões e
O Projeto de Extensão “Adolescer: a escolhas em busca de maior autonomia, o que
Saúde Mental de Adolescentes no Ambiente os leva a vivenciar novas emoções, sensações, e
Escolar” foi desenvolvido por docentes e a construção de questões subjetivas inéditas
discentes dos cursos de graduação de Medicina (OMS, 2014).
e Psicologia do Centro Universitário Serra dos Nesta faixa etária, os indivíduos estão
Órgãos (Unifeso). O projeto pauta-se na análise mais suscetíveis a sofrer alterações em relação
da saúde mental dos estudantes adolescentes do a saúde mental, em decorrência de fatores
Centro Educacional Serra dos Órgãos (CESO), individuais, tais como: sexo, idade, autoestima
com apoio e financiamento do Unifeso. e autoconfiança; também fatores familiares,
A idealização do projeto partiu de como a histórico familiar de questões
estudantes do curso de Medicina, que ao relacionadas a sofrimento mental, problemas
realizarem o componente curricular teórico- de álcool/drogas, violência física, psicológica e
prático eixo de prática profissional Integração sexual, violência entre os pais, perdas por morte
Ensino, Trabalho e Cidadania (IETC), entraram e separação dos pais; e ainda os fatores
em contato com adolescentes em seus socioculturais e econômicos, tais como local de
ambientes escolares, percebendo suas moradia, ambiente em que vivem, costumes
demandas em relação à Saúde Mental. adquiridos e classe social (AVANCI et al,
Instigadas por esta experiência, as estudantes de 2007). Tais fatores influenciam as condições de
medicina procuraram professoras e, em uma saúde de cada indivíduo e os cuidados em saúde
perspectiva de trabalho interprofissional, precisam ser formulados a partir de uma análise
conjuntamente com docentes e discentes do que os incluam.
curso de Psicologia, nasceu o Adolescer. O foco Nesse sentido, o cuidado com a saúde
do projeto foi abordar aspectos relacionados à mental torna-se essencial, não somente por se
saúde mental dos adolescentes no ambiente tratar da ausência de transtornos mentais ou
escolar, considerando o cuidado ampliado em deficiências, mas por possuir uma definição
saúde e a necessidade de agenciamentos mais ampla, sendo um estado de bem-estar no
intersetoriais nesta área. Para alcançar os qual um indivíduo realiza suas próprias
objetivos, foi necessário iniciarmos com uma habilidades, pode lidar com as tensões normais
revisão bibliográfica sobre adolescência e saúde da vida, pode trabalhar de forma produtiva e é
mental. capaz de fazer contribuições à sua comunidade
A adolescência é a fase do (OMS, 2016).
desenvolvimento humano compreendida entre Profissionais da área de saúde, como os
10 e 19 anos de idade, caracterizada pela acadêmicos em formação dos cursos de
transição entre a infância e a fase adulta, sendo Medicina e Psicologia, são capacitados durante
marcada pela vivência de transformações e suas graduações para realização de acolhimento

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ao sujeito em sofrimento psíquico, prestação de Objetivo primário


cuidado integral em saúde ao adolescente e Escutar e orientar coordenadores,
realização de ações de educação em saúde. Essa professores e estudantes adolescentes do Centro
capacitação permite a inserção de acadêmicos Educacional Serra dos Órgãos (CESO) quanto
de Medicina e Psicologia no ambiente escolar, às transformações vivenciadas na adolescência
de suma importância para a promoção e e refletir acerca da percepção necessária para
prevenção em saúde. Tal incorporação visa detectar o sofrimento mental entre os
orientar e escutar estudantes, professores e adolescentes.
coordenadores, em relação às questões próprias Objetivos secundários
da faixa etária da adolescência, tais como: • Construir espaço de fala, escuta e
mudanças corporais, despertar da sexualidade, reflexão sobre a adolescência e
escolhas profissionais e os efeitos de tais seus desafios para
vivências na saúde mental do adolescente. coordenadores, professores e
O suporte em saúde mental para os estudantes.
adolescentes, seus professores e coordenadores • Identificar as principais questões
no ambiente escolar promoveu um espaço de e dificuldades entre os
reflexão sobre os próprios processos de vida, adolescentes vivenciadas pela
que possibilitam a melhoria de qualidade de equipe pedagógica das escolas.
vida e diminuição de possíveis danos causados • Produzir material educativo e
pelos sofrimentos vivenciados nesta faixa dinâmicas para trabalhar as
etária. dificuldades acerca da
O projeto desenvolveu o acolhimento e a adolescência identificadas nas
construção de conhecimento com estudantes escolas.
adolescentes, professores e coordenadores do • Apresentar o material elaborado
CESO, quanto às questões de saúde mental na e aplicar as dinâmicas no
adolescência, proporcionando espaços de fala, ambiente escolar.
escuta, reflexão e debate acerca dos sofrimentos • Avaliar a qualidade das
vivenciados nesta faixa etária. Acredita-se que atividades realizadas.
os participantes da pesquisa, além de ponderar • Disponibilizar em meio físico e
sobre suas próprias questões, tornam-se agentes digital para docentes e discentes
ativos potencializadores de transformações nas do CESO, cartilha contendo os
comunidades, difundindo e multiplicando as resultados encontrados a partir
reflexões e conhecimentos sobre as mudanças e da pesquisa realizada.
vivências na adolescência.
Para os acadêmicos de Psicologia e METODOLOGIA
Medicina, acredita-se que participar deste
projeto de pesquisa proporcionou a construção O Projeto de Extensão Adolescer está
de novos conhecimentos, habilidades e atitudes, registrado e aprovado pelo Comitê de Ética em
não apenas no escopo da saúde mental no Pesquisa do Unifeso, inscrito na Plataforma
ambiente escolar, como também na abordagem Brasil sob o registro CAAE
de questões subjetivas a cada indivíduo no 49324121.9.00005247.
geral, incrementando a formação acadêmica de As atividades do projeto foram
tais discentes. desenvolvidas no Centro Educacional Serra dos
Órgãos (CESO), uma escola particular
OBJETIVOS vinculada ao Centro Universitário Serra dos
Órgãos (Unifeso), localizada no município de

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Teresópolis, cidade serrana do Estado do Rio de Desta forma, foi possível colher os dados
Janeiro. Esta escola foi escolhida pela necessários para o desenrolar da pesquisa
facilidade na interlocução com a equipe gestora através desta ferramenta de investigação, uma
e adesão ao projeto, tendo em vista a Pandemia metodologia exploratória de pesquisa
pela COVID-19, que nos afastou do qualitativa que, segundo Edmunds (1999), tem
inicialmente previsto para este projeto, as o objetivo de dotar a compreensão das
escolas municipais de Teresópolis. percepções, dos sentimentos, das atitudes e
O público-alvo deste projeto foram motivações.
docentes e seus estudantes com idade entre 12 e Os grupos focais foram realizados entre
19 anos, faixa etária compreendida na os meses de maio e junho, fase sanitária onde
adolescência, que se interessem em participar não havia a possibilidade de atividades
de ações e debates sobre o momento de vida que presenciais no ambiente escolar. Desta forma,
enfrentam, as mudanças vivenciadas e as pactuamos com a direção da escola grupos
questões de saúde mental. O projeto trabalhou remotos, com duração de 1 hora e 40 minutos,
com professores e adolescentes tais temas e previamente pactuados com a direção da escola.
proporcionou espaços de reflexão e suporte para No Grupo Focal, a obtenção de dados, se
professores e coordenadores da escola, que dá a partir das discussões planejadas onde os
estão no cotidiano escolar com os estudantes e participantes “expressam suas percepções,
seus familiares no enfrentamento dos desafios. crenças, valores, atitudes e representações
O projeto desenvolveu-se em três etapas. sociais sobre uma questão específica num
A primeira referiu-se ao levantamento ambiente permissivo e não constrangedor
bibliográfico a respeito do tema adolescência e (AZEVEDO, 2012)
saúde mental; pactuação com a escola Debus (1997) nos fala da obtenção de
participante e análise documental de dados da dados por meio de discussões em grupo, nas
escola, tais como: o número de alunos quais cada participante expressa sua percepção,
adolescentes e quantitativo de professores que suas crenças, seus valores, suas atitudes e
lecionam para esta faixa etária no Ceso. representações sociais sobre os temas trazidos.
A segunda etapa do projeto foi de Em nosso caso do Piex, o da saúde mental.
levantamento das questões de saúde mental As perguntas norteadoras para o primeiro
identificadas entre os adolescentes, professores grupo focal com coordenadores foram:
e coordenadores no ambiente escolar do CESO. 1 - Qual a maior dificuldade que você
Para tal levantamento dos dados sobre o tema, identifica entre os professores com relação aos
foram realizados dois Grupos Focais com os estudantes adolescentes?
coordenadores e equipe psicopedagógica, 2 - Qual a maior dificuldade que você
quatro grupos focais com os professores do identifica entre os seus estudantes
Ensino Médio, dois grupos focais com os adolescentes?
professores do Ensino Fundamental II e duas 3 - Quais competências a escola já tem
rodas de conversa com os estudantes para lidar com essas situações e quais as
adolescentes. competências gostaria de desenvolver?
A escolha pelo Grupo Focal com O segundo grupo focal de Coordenadores
coordenadores e professores deu-se pela tinham as seguintes questões:
possibilidade de trabalhar a partir de perguntas 1 - Como vocês lidam, quais atitudes
norteadoras previamente elaboradas, com o vocês têm para identificar o estudante que
objetivo de observar o debate que tais perguntas apresenta alguma dificuldade/questão de saúde
promoveram entre os integrantes do cada grupo.

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mental? (Fala sobre o conceito de Saúde Estas Rodas de Conversa foram


Mental) compostas no sentido promover mais
2 - Quais os saberes e fazeres vocês têm? autonomia ao coletivo de estudantes que
Como vocês identificam e o que fazem quando participaram. Num espaço de diálogo que
identificam? permitiu a expressão e a aprendizagem em
3 - Você se sente confiante para conjunto. Afonso e Abade (2008) pontuam que
identificar um estudante com sofrimento as Rodas de Conversa são utilizadas nas
psíquico, do tipo ansioso, depressivo, alimentar, metodologias participativas, tendo o referencial
pós-traumático, entre outros. teórico na psicologia social, na psicanálise, na
4 - Quais dificuldades você percebe em educação e no fundamento metodológico de
relação ao tema da saúde mental dentro da intervenção psicossocial, proporcionando um
escola? Falta de informação sobre o tema; Falta espaço no qual os participantes reflitam acerca
de interesse no tema; Preconceito em relação ao do cotidiano, ou seja, de sua relação no mundo,
tema; Relação entre saúde mental e no trabalho, na vida.
medicalização (Falta de medicalização ou A terceira etapa do projeto se
Excesso de medicalização). desenvolveu a partir de encontros de produção
As perguntas norteadoras para os grupos de conhecimento e educação permanente, os
focais com professores foram: acadêmicos de psicologia e medicina sob
1 - Qual a maior dificuldade que vocês orientação dos docentes do presente projeto
identificam entre os seus estudantes produziram materiais informativos sobre os
adolescentes? temas levantados. Além da elaboração e
2 – Quais dificuldades vocês identificam realização das Estratégias de Intervenções a
em relação à Saúde Mental dos estudantes serem realizadas no Ceso. Tais materiais e
adolescentes? E como vocês as identificam? ações foram construídos contemplando a
3 – Como a instituição escolar lida com interprofissionalidade representada neste
estudantes que apresentem dificuldades de projeto.
Saúde Mental? Por se tratar de um projeto de extensão
4 – Como os professores percebem que a que se debruçou sobre a temática da saúde
coordenação e a equipe psicopedagógica lidam mental de adolescentes no ambiente escolar, os
com a temática da Saúde Mental na escola? dados levantados foram avaliados a partir de
Os grupos de adolescentes ocorreram no técnicas de análise de material qualitativo,
mês de julho de 2021, onde havia a através da Análise de Conteúdo. Seguindo as
possibilidade de atividades híbridas na escola. indicações de Minayo (2014), compreende-se
Então, optou-se pelas Rodas de Conversa que “a análise de conteúdo parte de uma leitura
híbridas, ou seja, com estudantes de forma de primeiro plano das falas, depoimentos e
presencial e de forma remota, nas quais havia documentos, para atingir um nível mais
uma fala inicial sobre o conceito de Saúde profundo, ultrapassando os sentidos manifestos
Mental, que serviu de disparadora para um do material” (p. 308).
momento de conversa entre os adolescentes, Foi utilizada a modalidade Análise
com a mediação da equipe do projeto. As Rodas Temática de Análise de Conteúdo, por ser
de Conversa proporcionaram um momento considerada adequada para as pesquisas na área
mais descontraído entre os adolescentes, que da saúde, considerando o tema como uma
rapidamente se envolveram na proposta, unidade de significação, da qual desprendem-se
trazendo suas falas e sensações. os núcleos de sentido que constroem
determinada comunicação (Minayo, 2004).

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Uma sistematização inicial das alguns relatos que se destacaram ao longo do


informações colhidas permitiu a percepção das projeto. Faz-se importante, esclarecer que
categorias temáticas e dos principais núcleos de nenhum participante do projeto será
sentido emergentes na pesquisa de campo. A identificado, para isso optou-se por pela inicial
identificação destas categorias e núcleos levou “C” para coordenadores e equipe
em conta as regularidades do discurso e os psicopedagógica da escola, “P” para falas de
sentidos frequentes e ímpares presentes nas professores e “E” para relatos dos estudantes.
falas. Posteriormente, os dados foram Após a análise qualitativa do material
organizados e classificados em categorias levantado, iniciou-se a realização das
temáticas, que consideraram os objetivos do Estratégias de Intervenção em encontros com os
projeto em associação aos núcleos de sentido adolescentes, professores e coordenadores para
que emergiram no campo. Foram identificados apresentação do material produzido pela equipe
e avaliados os temas mais recorrentes entre do Adolescer. Foi elaborada uma atividade
adolescentes, professores e coordenadores. interativa com os adolescentes para trabalhar os
A exploração do material e o tratamento temas identificados como mais frequentes,
dos resultados obtidos tiveram início com a sendo eles: ansiedade, relações interpessoais e
leitura flutuante dos registros da pesquisa de conflitos.
campo. Em seguida, realizamos uma síntese dos Esta atividade foi realizada
dados e uma primeira escrita, que permitiu a presencialmente na escola com as turmas do
percepção dos temas emergentes na pesquisa de sétimo, oitavo e nono ano do Ensino
campo. A identificação destes temas levou em Fundamental II e com as turmas do primeiro e
conta regularidades no discurso e ímpares segundo ano do Ensino Médio. A atividade
presentes nas falas, os silêncios diante das contava com um momento de apresentação da
perguntas, as semelhanças e diferenças equipe do Adolescer, um vídeo explicativo,
encontradas no material de campo. produzido pelos integrantes do projeto, sobre
Posteriormente, os dados obtidos nos ansiedade e conflitos intrapsíquicos e
Grupo Focais com professores e coordenadores interpessoais, seguido da dramatização de uma
e Rodas de Conversas com adolescentes foram situação problema encenada inspirada nas
organizados e classificados segundo categorias técnicas do Teatro do Oprimido. A cena com a
temáticas, que consideraram os objetivos do situação problema foi interrompida no clímax e
estudo. As categorias foram: Percepção e os estudantes que participavam da atividade
Detecção das questões de Saúde Mental; podiam criar diálogos com possíveis desfechos.
Atenção Pais e Escola; Habilidades e Atitudes Deste modo, iniciava-se um debate sobre a
frente às questões Saúde Mental; Escola, temática em uma roda de conversa, integrando
Adolescência e Pandemia. o conteúdo do vídeo, da cena e do debate.
A análise das categorias e dos núcleos de Na caixa de diálogo abaixo, é possível ler
sentido será apresentada na sessão Resultados a cena disparadora.
Finais do presente Relatório, juntamente com

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Em uma escola, duas amigas do 9º ano conversam no banheiro.


Joana: Cara, Duda, você não sabe... Sabe o Bernardo?! Fui na casa dele sábado, fazer o
trabalho de história. Foi ótimo, vimos uma série. Conheci a família dele.
Duda: Cara, não acredito que você fez isso comigo, você sabe que eu amo o Bernardo
desde a quarta série. Eu sempre te falo que toda vez que ele vem falar comigo minhas pernas
tremem, minha boca fica seca e meu coração acelera, nossa. Não consigo nem falar com ele
de tão abalada que eu fico, a voz não sai. E você vai lá na casa dele, como assim???
Joana: Ah, Duda, que exagero, desde a quarta série você parada aí nele, estamos no
nono ano e você ainda pensando nesse moleque. Não é pra tanto, você é muito dramática,
esquece ele. Ele nem olha para você, ele que me chamou para fazer o trabalho, eu só aceitei.
Você tem que ficar mais de boas.
Duda: Poxa Joana, porque você aceitou fazer o trabalho com ele, você sabe do meu
sentimento por ele, apesar dele não me dar bola, eu não esperava isso de você.
Joana: Ah! Tá bom Duda, não tô com paciência para essas suas crises, para de dar show.
Tchau.
Joana sai e Duda sozinha no banheiro fala:
Duda: Será que ele não sente nada por mim? Sou tão feia assim? Não quero mais vir
pra escola, não tenho mais vontade de viver, sou horrível, ninguém me ama...
Nem minha melhor amiga me entende, não quero mais viver, não aguento mais, minha
melhor amiga com o garoto que eu amo...
Corta a cena.

Para concluir o projeto, foi elaborada Os dados foram levantados junto ao Ceso, em
uma cartilha (em anexo) que foi entregue à dois encontros online síncronos com os
escola, destinada aos adolescentes, coordenadores e equipe psicopedagógica da
coordenadores e professores. Tal cartilha escola. Na sequência, foram realizados quatro
contém uma descrição de todo trabalho encontros com os professores do ensino médio
desenvolvido durante o projeto de extensão e e outros dois encontros com os professores do
informações sobre Saúde Mental, consideradas ensino fundamental II. O início da terceira etapa
relevantes e que apareceram nos encontros com aconteceu no mês de agosto de 2021, com a
a Equipe Adolescer. A cartilha foi entregue em realização das estratégias de intervenção com os
uma reunião de devolutiva com professores e adolescentes do Ceso. Posteriormente, realizou-
coordenadores, fechando esta etapa do projeto. se um encontro com professores e
coordenadores para devolutiva, fechamento do
RESULTADOS E DISCUSSÃO projeto e entrega da Cartilha Adolescer. A
Durante o ano de 2020, foi realizada a tabela 1 apresenta os dados dos encontros
revisão bibliográfica acerca da temática do realizados.
projeto e a pactuação com o Centro Educacional
Serra dos Órgãos (Ceso), para realização de
toda atividade prática neste ambiente escolar.
Durante o primeiro semestre de 2021,
foram realizadas as primeiras e segundas etapas
previstas do projeto, descritas na metodologia.

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Quantidade de
Data Encontro Atividades realizadas Modo
participantes
2020 2 encontros com o Ceso Pactuação 2 Online
05/05 Equipe pedagógica (1º) Grupo focal 5 Online
19/05 Equipe pedagógica (2º) Grupo focal 5 Online
25/05 Professores do EM (1º) Grupo focal 20 Online
22/06 Professores do EM (2º) Grupo focal 20 Online
29/06 Professores do EF II (1º) Grupo focal 20 Online
02/07 Estudantes do 9º ano do EF Roda de conversa 11 Híbrido
07/07 Estudantes da 2ª série do EM Roda de conversa 13 Híbrido
27/08 Estudantes do 9º ano do EF Estratégia de intervenção 11 Híbrido
01/09 Estudantes do 8º ano do EF Estratégia de intervenção 15 Híbrido
03/09 Estudantes da 1ª e 2ª séries do Estratégia de intervenção 15 Híbrido
EM
15/09 Estudantes do 7º ano do EF Estratégia de intervenção 14 Híbrido
03/12 Professores e equipe Estratégia de intervenção: 3 Presencial
pedagógica Entrega da cartilha.

Tabela 1: Encontros do Projeto Adolescer no Ceso. EM: Ensino Médio / EF: Ensino
Fundamental.

Os dados obtidos nos Grupos Focais e Sintomatologias; Professor-coordenação-


nas Rodas de Conversa foram organizados e psicologia-estudante-família; Envolvimento
classificados segundo as seguintes categorias dos pais na educação dos filhos / relação pais e
temáticas: Percepção e Detecção das questões escola; Manejo diante das questões de Saúde
de Saúde Mental; Relação família e escola; Mental; Ferramentas da escola para lidar com a
Habilidades e Atitudes frente às questões Saúde saúde mental; Relação entre Saúde Mental,
Mental; Escola, Adolescência e Pandemia laudo, medicalização, rótulos e seus efeitos na
Estas categorias temáticas compreendem aprendizagem; Disciplina de Educação
dezesseis núcleos de sentidos: Dificuldade da emocional nas escolas – Escola da Inteligência
escola em relação ao tema saúde mental; no currículo; Escola, adolescência e pandemia;
Detecção da saúde mental entre os estudantes; Preconceito com aqueles que se tratam em
Expressão da saúde mental (sentimentos e Saúde Mental; Redes Sociais propiciando
pensamentos) por parte dos estudantes; Saúde afastamento / isolamento social; Pressões,
Mental como responsabilidade da psicologia e exigências e expectativas dos adolescente com
medicina; Saúde Mental dos professores; suas próprias decisões de vida.

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Na tabela 2, é possível analisar as categorias temáticas e os núcleos de sentido que as compõem.

CATEGORIAS TEMÁTICAS NÚCLEOS DE SENTIDO

Percepção e Detecção das questões de Dificuldade da escola em relação ao tema


Saúde Mental saúde mental; Detecção da saúde mental
entre os estudantes; Expressão da saúde
mental (sentimentos e pensamentos) por
parte dos estudantes; Saúde Mental como
responsabilidade da psicologia e medicina;
Saúde Mental dos professores;
Sintomatologias.
Relação família e escola Professor-coordenação-psicologia-
estudante-família; Envolvimento dos pais na
educação dos filhos; Relação pais e escola.
Habilidades e Atitudes frente às questões Manejo diante das questões de Saúde Mental;
Saúde Mental Ferramentas da escola para lidar com a saúde
mental; Relação entre Saúde Mental, laudo,
medicalização, rótulos e seus efeitos na
aprendizagem; Disciplina de Educação
emocional nas escolas – Escola da
Inteligência no currículo.
Escola, Adolescência e Pandemia Preconceito com aqueles que se tratam em
Saúde Mental; Redes Sociais propiciando
afastamento / isolamento social; Pressões,
exigências e expectativas dos adolescentes
com suas próprias decisões de vida.
Tabela 2: Análise Temática dos dados coletados no Ceso.
Categoria Temática 1: Percepção e referiam à percepção das questões de saúde
Detecção das questões de Saúde Mental mental no ambiente escolar.
Foi considerado “Detecção da saúde No momento da matrícula do estudante
mental entre os estudantes” uma categoria na escola, a coordenação da escola explicitou a
temática, na qual foram reunidos os discursos existência de uma entrevista com aluno, família,
dos coordenadores, professores e alunos, que se psicóloga do segmento e coordenação da
escola, na qual colhem-se informações sobre a

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dinâmica da família, o histórico educacional e “percebia”, referindo-se a uma ação no passado,


de saúde do adolescente. Com essa entrevista, é interrompida pela pandemia. Essa fala foi
possível entender o contexto social do realizada quando a escola estava, há um ano,
estudante, construindo um vínculo com o com suas aulas presenciais suspensas pelos
estudante e sua família. protocolos de segurança da COVID-19 e,
Quando a equipe da escola observa uma portanto, os encontros com os alunos ocorriam
possível alteração de comportamento do exclusivamente de modo virtual. Esse discurso
adolescente, há o resgate das informações é corroborado pela frase do professor:
cadastradas na entrevista, troca de informações “(...) a identificação (da questão de saúde
entre a equipe da escola e uma comparação com mental) aparece na linguagem não verbal
o comportamento que o estudante apresentava durante as aulas, e no virtual isso se perdeu”
antes da mudança. Aqui, o diálogo, não apenas (P1)
com a família, mas com toda a equipe da escola, Os desafios enfrentados por conta das
mostra ser uma ferramenta na identificação das adaptações impostas pela pandemia foram
questões relacionadas à saúde mental dos observados em diversos momentos ao longo dos
estudantes. Uma fala no grupo dos encontros com os professores e estudantes, o
coordenadores e equipe psicopedagógica que fez com que o tema se tornasse uma
destaca a importância desses primeiros dados categoria na discussão deste trabalho: “Escola,
colhidos na entrevista e das observações Adolescência e Pandemia”. Tal categoria será
subsequentes: analisada mais adiante.
“(...) a gente volta na ficha da entrevista No Grupo dos professores, a detecção de
do aluno” (C1) questões relacionadas à saúde mental dos
“(...) observando e comparando com o estudantes se fez também pela observação
comportamento que ele tinha antes.” (C2) comportamental dos adolescentes, seja dentro
É possível perceber que há a intenção de da sala de aula, como em outros espaços
observação do modo como cada adolescente se escolares (corredores, cantina). Os professores
apresenta, respeitando as suas particularidades. relataram que a observação da mudança de
A equipe relata que, diante da apresentação de atitude por parte do aluno se manifesta
uma mudança psíquica de um estudante, ele é principalmente na relação com os colegas,
“comparado” (para utilizar o termo de C2) a ele introspecção, redução do seu desempenho
mesmo, ao modo como ele se apresentou na escolar e participação nas aulas. Relataram que,
chegada à escola. Tenta-se, assim, evitar quando estavam presencialmente no ambiente
enquadrar os estudantes em modos escolar, momento anterior ao contexto
considerados corretos ou esperados pela escola pandêmico iniciado em 2020, muitas vezes essa
ou pela família. detecção acontecia pelo relato espontâneo e
No grupo focal dos coordenadores e direto dos alunos que os procuravam para
equipe psicopedagógica, foi observado certa “desabafar”, uma vez que não encontravam a
facilidade na detecção da saúde mental através mesma segurança para tratar desses assuntos em
do modo como o estudante se apresenta na casa com a família.
escola, como aponta a fala a seguir: No encontro com os professores, foi
“No ‘Bom dia’, a gente já percebia o possível destacar os seguintes discursos que
ânimo do aluno e chamava para conversar.” apontam para as dificuldades, tanto dos
(C3) adolescentes, quanto dos professores em
No discurso acima, nota-se o tempo relação à detecção da saúde mental:
verbal na conjugação do pretérito imperfeito

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“(...) os adolescentes têm muita No grupo dos alunos, a dificuldade na


dificuldade de expressar o que eles pensam e autoanálise novamente se fez presente:
sentem.” (P2) “não consigo entender meus
“(...) às vezes não percebemos (a questão sentimentos” (E3)
de saúde mental), é um trabalho fino.” (P3) Em uma fala inicial, os professores
Os estudantes, quando perguntados sobre mencionaram o cuidado acerca da saúde mental
a abordagem de questões de saúde mental entre no ambiente escolar como uma
os colegas, declararam dificuldade ao lidar com responsabilidade da equipe de psicologia.
o tema. Isto foi evidenciado quando Entretanto, em um segundo momento,
perguntados, nas rodas de conversa, sobre como estabelece-se uma reflexão sobre como eles
ouvir o outro, e o que falar para a pessoa quando poderiam trabalhar a saúde mental entre si e
ela desabafa, como ilustram as falas abaixo: com os alunos, o que demonstra uma
“(...) é difícil desabafar e dizer o que eu preocupação e interesse em novas ferramentas
sinto para os outros, mas é mais fácil escutar o de abordagem.
outro” (E1) Em relação à sintomatologia,
“(...) aconselhar o outro é mais fácil do coordenadores e docentes mencionaram que o
que a nós mesmos.” (E2). simples “bom dia” torna-se uma ferramenta de
O grupo docente observa que os alunos análise do comportamento, e, ao mesmo tempo,
possuem dificuldade para expressar os próprios do estado da saúde mental dos estudantes.
sentimentos, citando frases como “os alunos se Através dele, eles relatam identificar mudanças
esconderam atrás de um computador, se de humor e problemas pessoais dos
tornando inatingíveis”, referindo-se ao período adolescentes, o que ressalta, novamente, a
de aulas remotas devido a pandemia da COVID- importância do convívio diário na identificação
19. Citam ainda que todo esse processo “vai dos sinais. Foram relatados comportamentos de
gerando negação dos sentimentos, o que ansiedade, falta de interesse, isolamento e
culmina em problemas maiores no terceiro desânimo.
ano”. Ao mesmo tempo, relatam que os alunos Essa percepção dos grupos de
demonstram grande sensibilidade diante de coordenadores e professores é corroborada
situações cotidianas, ficando facilmente pelas falas dos próprios estudantes, que citam
abatidos. Relacionam esse comportamento a um falta de ar, o corpo que “treme”, coceiras, dor
imediatismo e falta de perspectiva de futuro por de cabeça, perda de cabeça, mal humor,
parte dos estudantes, que, diante de situações ansiedade, referindo-se ao
que demandam uma resolução a longo prazo, se “choro que não dá para segurar” (E4)
frustram e desistem facilmente. “[isso] causa tumulto na vida e tira a
Tendo em vista que a observação nossa paz” (E5)
comportamental é a principal ferramenta dos Os professores, por sua vez, frisaram o
coordenadores para observação da expressão da sentimento de angústia, impotência e
saúde mental nos alunos, a falta de insegurança, não atribuindo-os exclusivamente
demonstração por parte dos estudantes torna-se ao período de ensino remoto, que, relataram,
um obstáculo para essa análise por parte da intensificou as dificuldades que já existiam
coordenação. Isso evidencia um déficit da antes. Referiram, ainda, que se sentem
identificação dessas questões em alunos mais desvalorizados pela sociedade, ao mesmo
introspectivos, uma vez que os mesmos não tempo que sofrem com a cobrança de
chegam a externalizar essas questões. precisarem estar bem todos os dias:

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“E quem cuida da minha saúde mental?” e cobrança constante por parte de seus pais, que
(P4) os afetam negativamente, enquanto a
Categoria Temática 2: Relação família coordenação refere ter interrompido as reuniões
e escola com os pais por falta de horários compatíveis e
A detecção de uma questão de saúde de adesão às mesmas.
mental é o ponto inicial de uma comunicação É interessante notar que os professores
fluida entre todos os atores envolvidos no sentem o distanciamento dos pais, enquanto a
processo educacional: coordenação, coordenação relata não haver um meio de
professores, psicóloga, estudantes e seus pais. comunicação frequente para a discussão do
Foi relatado que se trata de um fluxo “intuitivo”, ensino com os pais. Ambas as perspectivas
não institucionalizado, no qual os atores se apontam para a diminuição do envolvimento
comunicam entre si, a fim de trocar informações parental com aqueles responsáveis pelo ensino,
acerca do comportamento do estudante, seu o que não significa que os pais “abandonaram”
contexto social e elaborar as possíveis seus filhos, pois a visão dos estudantes é de uma
estratégias de intervenção para o mesmo. De cobrança exacerbada, como é possível observar
uma forma orgânica, a escola se organiza para nos relatos abaixo:
estar atenta ao surgimento de dificuldades dos “É pressão de pai, de professor, transição
alunos, sendo reportadas à coordenação e à para ensino médio e em 3 anos é a decisão da
psicóloga as questões que necessitam de vida: passa rápido e passa devagar, dá medo de
maiores intervenções. O mesmo é aplicado em ter que se virar sozinho, de ter que decidir
relação aos pais, que são abordados no sozinho...” (E6)
momento em que a sua participação torna-se “A adesão dos pais é pequena” (C3)
imperativa ou benéfica para a abordagem das “A escola foi diminuindo os eventos com
dificuldades do aluno. No entanto, foi relatado os pais” (C2)
que, muitas vezes, as questões de saúde mental Dessa forma, há uma diferença nas falas
não são tratadas com a devida seriedade e em relação a atenção dos pais no que se refere
importância pelos pais, que impedem a aos diferentes atores envolvidos no processo de
continuidade desse fluxo e passam a representar aprendizagem. Enquanto estudantes relatam se
uma barreira na abordagem de transtornos sentir pressionados pelos pais em relação aos
ansiosos, depressão, entre outras questões seus processos educativos, professores os
psicossociais. sentem distanciados do ambiente escolar.
A influência dos pais apareceu não Categoria Temática 3: Habilidades e
somente no momento dessa intervenção, como Atitudes frente às questões Saúde Mental
também foi destacada em relação ao processo Durante os encontros com os grupos
de aprendizagem dos estudantes. Os professores focais dos coordenadores e dos professores,
referem que sentem que os pais estão pouco percebeu-se uma preocupação muito grande
envolvidos com a escola e que “abandonaram” com o efeito da pandemia na Saúde Mental de
os seus filhos no que se refere a esse processo, todos envolvidos no processo de educação.
desejando que os filhos voltassem a frequentar Abordaram o ensino remoto como a maior
a escola presencialmente, apenas para que dificuldade enfrentada por eles no momento dos
“saíssem de casa”. Relatam também, no encontros, pois, o que antes poderia ser
entanto, que os pais são superprotetores e que detectado no convívio presencial, dada a relação
não aceitam as questões de saúde mental, de proximidade e o contato intenso com o
quando identificadas pela escola. Os alunos, em estudante, foi afetado pelo distanciamento
contrapartida, relataram sentimentos de pressão imposto pelos protocolos sanitários.

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Professores e Coordenadores 3 – Comparação com o comportamento


reconhecem o olhar, a presença e a que o adolescente tinha antes (quando chegou
comunicação como ferramentas construídas na escola), por meio da ficha da entrevista de
pelo Ceso no manejo das questões de saúde chegada do aluno;
mental de seus estudantes. Nesse contexto, a 4- Discussão do comportamento do
maior queixa dos professores e coordenadores estudante entre a equipe psicopedagógica,
relacionou-se com o enfraquecimento dessas professores e funcionários da escola, com
ferramentas, principalmente de escuta, empatia, objetivo de ampliar a visão sobre o estudante,
falas acolhedoras e olhar integrado, durante o considerando-o em diversos cenários;
período de isolamento social. 5 – Conversa com aluno;
Ao questionar se professores e 6 – Conversa com família;
coordenadores se sentem confiantes para 7 – Encaminhamento para profissional de
identificar um estudante com sofrimento saúde, quando necessário.
psíquico, seja ele do tipo ansioso, depressivo, Ao tratar da temática de laudo,
alimentar, pós-traumático, entre outros, a diagnóstico e medicalização, percebeu-se que a
primeira resposta foi um silêncio no encontro. escola busca conversar com a família e o
Em seguida, deram voz aos relatos: adolescente com objetivo de entender o
“Não me sinto confiante, [sinto] contexto do diagnóstico e do uso da medicação.
impotência, falta olho no olho, distância pela Percebeu-se como o tema é desafiador, pois se
pandemia, dificuldade em identificar o que é da de um lado traz alívio saber o que o estudante
pandemia e o que é de fora da pandemia. A tem, por outro lado, de acordo com um dos
pandemia intensificou as dificuldades que já se professores:
tinha antes”. (P5) “[há] vários laudos de necessidade
“A proximidade é uma ferramenta”. (P6) educativas especiais. Esse laudo é uma muleta
“Trabalho em equipe é uma ferramenta e faz mal para a saúde mental dos
também”. (P7) adolescentes. Eles não são desafiados, devido a
“(...) ferramenta não cai do céu, é fruto de esse diagnóstico. Essa identificação acontece
ouvir” (P4) fora de aula, no corredor, depois da aula...”
A partir desses relatos, é possível (P8)
reconhecer os desafios da identificação das Outro professor complementa:
questões de saúde mental dos estudantes, os “Os próprios alunos se rotulam como
professores sentem impotência diante dos incapazes e os pais reforçam ao não deixarem
adolescentes em sofrimento. Contudo, em os filhos fazerem a prova não adaptada
seguida, há uma abertura para falas que [mesmo que sejam capazes de fazê-la].” (P9)
reconhecem ferramentas construídas pelos No grupo de estudantes, notou-se falas
professores para lidar com as dificuldades e sobre as ferramentas utilizadas por eles no
dores de seus estudantes. manejo diante da saúde mental, como
Durante os grupos focais com observado nos seguintes relatos:
coordenação e equipe docente, identificaram-se “Desabafar com amiga quando não
as seguintes ferramentas que a escola utiliza estou bem, dá um alívio e até ajuda a entender
para identificar dificuldades na saúde mental o que estou sentindo.” (E6)
dos adolescentes. “Não gosto de falar com ninguém,
1 – Observação por parte de toda a equipe prefiro escrever o que estou sentindo. Porque
da escola, inclusive de outros estudantes; vou falar e meu amigo vai fazer o que? Vai
2 – Escuta do aluno;

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bater no meu ombro e dizer que está tudo pandemia do Covid-19 e o atravessamento da
bem?!” (E7) saúde mental de adolescentes em idade escolar.
É possível perceber os modos Questões como: preconceito com aqueles que
particulares de enfrentamentos das dores tratam da saúde mental com profissionais da
subjetivas, com saídas diferenciadas para cada psicologia e psiquiatria; isolamento social
sujeito, visto que há quem sente alívio do mal- forçado pela pandemia que exigiu o aumento do
estar ao falar e há quem se alivie ao escrever. tempo às telas e as redes sociais virtuais criando
Destacam-se duas falas sobre a uma dependência socioemocional; as pressões
importância e a dificuldade de se abordar o dos familiares, escola e a comparação com
tema da Saúde Mental do ambiente escolar: outros adolescentes gerando grandes
“A saúde mental tinha que ser mais expectativas sobre as futuras decisões
falada na escola, tinha que ser uma disciplina, profissionais. Tais questões podem contribuir
com hora toda semana” (P10) para o comportamento ansioso, reduzindo as
“Muito bom falar dessas coisas, com habilidades sociais e aumentando os transtornos
pessoas de fora da escola, porque os psíquicos nesta fase da vida.
professores já conhecem a gente desde “Tem muito preconceito com as pessoas
pequenos” (E8) que vão no psicólogo” (E9)
Diante dessas falas aparentemente Como analisado nas categorias
contraditórias, percebe-se que, por um lado, há anteriores, aqui também apareceu a
o reconhecimento da necessidade de falar sobre preocupação de alunos e professores sobre os
a saúde mental, e, por outro lado, há uma rótulos negativos de quem necessita de um
complexidade em abordar o tema, falar de si, de acompanhamento psicológico e/ou psiquiátrico,
seus pensamento e sentimentos. criando uma resistência no grupo e, em alguns
Categoria temática 4: Escola, casos, preconceito com o diagnóstico e
Adolescência e Pandemia acompanhamento em saúde mental, como
Como visto, o presente projeto de mostra a fala do estudante acima. Detectou-se
extensão foi elaborado antes da Pandemia pela também que há uma compreensão positiva
Covid-19 e foi adaptado ao contexto sanitário sobre a necessidade de reconhecer as emoções
imposto por ela. Faz-se importante reconhecer e lidar com as demandas emocionais próprias da
que, durante todas as etapas do projeto, o tema fase da adolescência do contexto pandêmico.
“Pandemia” foi mencionado pelos participantes A utilização das telas na pandemia por
do projeto. Coordenadores, equipe adolescentes aumentou consideravelmente,
psicopedagógica e professores relataram que o sendo consequência da necessidade de
período de pandemia influenciou na saúde isolamento social imposta pela Covid-19. Os
mental dos estudantes e dos próprios docentes. relacionamentos sociais que frequentemente se
O modo remoto de ensino gerou um davam pelo ambiente escolar foram
distanciamento entre alunos e professores, substituídos pelas redes sociais, afetando o
principalmente em virtude do desânimo dos tempo e o espaço das relações. Como ponto
estudantes em relação às aulas. positivo, pode-se considerar que novas
A experiência resultante das etapas do habilidades tecnológicas estão sendo
projeto Adolescer com professores, alunos e construídas, mas outras que se davam na
coordenadores apresentaram alta correlação presencialidade podem ser inibidas ou não
com a bibliografia sobre saúde mental, desenvolvidas, como elucida o relato abaixo de
adolescência e pandemia. Nos encontros, um adolescente:
emergiram questões sobre a problemática da

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“As redes sociais distraem e fazem Ao escutar coordenadores e professores, foi


daquilo um instrumento de felicidade" (E10) observado que estes constroem ferramentas em
Diferentes mudanças no aspecto físico, seus cotidianos para vivenciarem as questões de
emocional e social influenciam o saúde mental que se fazem presentes no
comportamento e podem afetar a saúde mental ambiente escolar. Todavia, em alguns
de adolescentes e jovens. O momento de momentos, não as reconhecem. Neste sentido,
transição biológica e social tensiona os humores empoderar coordenadores e professores sobre
e as relações, principalmente as hierárquicas. seus saberes no manejo das questões de saúde
Diante do processo inicial de interação social, a mental, apresentou-se como um principal
constituição da subjetividade se dá pela retorno da Equipe Adolescer ao corpo docente
experiência. Durante a pandemia do Covid-19, do Ceso.
houve alteração dos padrões de comunicação e Foi produzida uma Cartilha Adolescer
interação social. Em certa medida, ficar em como um produto resumo de todo processo
casa, junto aos familiares, nem sempre vivenciado ao longo dos dois anos de projeto de
oportunizou uma aproximação emocional. Via extensão. Tal cartilha destina-se aos estudantes,
de regra, a rotina e os afazeres atravessados pelo professores e equipe psicopedagógica do Ceso.
home office, ensino híbrido, vivência de De modo interprofissional, o projeto se
protocolos sanitários, dificultou a comunicação debruçou sobre os estudos da saúde mental na
entre jovens e adultos, potencializando o adolescência, reconhecendo a importância
isolamento. A seguinte fala de um professor dessa temática na formação dos estudantes de
resume a relação entre escola, adolescência e medicina e psicologia que participam dessa
pandemia: extensão. Esse conhecimento contribuiu ainda
“Perdemos muito nesse período para o entendimento da real definição de saúde
(pandêmico)” (P11) feita pela Organização Mundial de Saúde, como
um estado de completo bem-estar físico, mental
CONSIDERAÇÕES FINAIS e social, e não apenas como a ausência de
A realização do projeto Adolescer doença ou enfermidade.
possibilitou, de forma dinâmica, atrativa e É imprescindível para a formação do
pedagógica, a discussão de temas importantes médico e do psicólogo, compreender as
como adolescência, saúde mental, ansiedade, relações entre o cuidado na saúde mental e o
insegurança sobre seus próprios afetos e ambiente escolar. Ademais, a partir da pesquisa
expectativas de vida profissional futura. Falar sobre esta temática, houve envolvimento das
sobre esses assuntos na escola, trouxe a estudantes e ressignificação de conceitos das
oportunidade de acolhimento e desmistificação áreas de psicopatologia, psiquiatria e saúde
do sofrimento psíquico. Dessa forma, tornou-se mental, reforçando as competências adquiridas
possível a discussão da saúde mental no e aprendidas ao longo das suas graduações.
ambiente escolar entre estudantes, professores e Em vista disso, há o reconhecimento que
comunidade. o projeto de extensão serve também como um
Ao longo do projeto, nos grupos focais e espaço de ensino-aprendizagem complementar,
rodas de conversa, a partir de uma escuta ativa, no qual os estudantes podem se aprofundar e
observou-se que os docentes possuem aperfeiçoar conhecimentos e habilidades
preocupações sobre o desenvolvimento aprendidas durante o curso e desenvolver
socioemocional de seus estudantes. Contudo, o atitudes necessárias à sua formação.
enfretamento dessas questões é atribuído à Como visto, este projeto foi elaborado no
equipe de psicologia escolar, primeiramente. momento anterior ao início da pandemia pela

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Covid-19. Contudo, ao entrarmos em contato AFONSO, M. L.; ABADE, F. L. Para


com o campo prático, a situação da pandemia já reinventar as rodas: rodas de conversa em
havia se colocado mundialmente, trazendo um direitos humanos. Belo Horizonte: RECIMAM,
contexto novo e de grande desafio para todos. 2008.
Apesar de não ser um dos objetivos iniciais AVANCI, Joviana; ASSIS, Simone;
deste projeto, a reflexão acerca dos efeitos da OLIVEIRA, Raquel; FERREIRA, Renata;
pandemia na saúde mental de adolescentes, PESCE, Renata. Fatores associados aos
docentes e nos processos educativos, fez-se problemas de saúde mental em adolescentes. In:
necessária e passou a constituir um dos Psicologia: Teoria e Pesquisa, vol. 23, nº3,
objetivos deste estudo e categoria temática.
Brasília, 2007. Disponível em:
Neste sentido, a equipe do Adolescer
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci
debruçou-se sobre este assunto, reconhecendo
_arttext&pid=S0102-37722007000300007
que a pandemia do novo coronavírus
Acesso em: 22, fevereiro de 2020.
potencializou o sofrimento psíquico na
AZEREDO, Elizabeth Azevedo de. Ações em
adolescência, à medida que foram registrados,
educação nutricional: processo de cuidado em
no período de isolamento social, maiores
saúde com crianças pré-escolares da Creche
índices de ansiedade, depressão e ideação
Universitária. / Elizabeth Azevedo de Azeredo.
suicida. Estes transtornos podem ser
profundamente incapacitantes, especialmente – Niterói: [s.n.], 2012. 106 f.
quando não diagnosticados ou acompanhados. DEBUS, M. Manual para excelencia en la
Corroborando essa questão, percebe-se que investigación mediante grupos focales.
pandemia favoreceu a retração social e o Washington: Academy for Educatonal
processo de ensimesmamento do estudante, Development, 1997.
uma vez que a atração pelo mundo virtual pode EDMUNDS, H. The focus group research
tornar o adolescente menos operativo na sua handbook. USA: McGraw-Hill, 1999.
realidade. LE BRETON, D. Desaparecer de si: Uma
Durante a inserção no campo prático, a tentação contemporânea. Editora Vozes: 2018.
equipe adolescer ouviu e analisou a MINAYO, M.C.S. O Desafio do
preocupação de professores, coordenadores e Conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde.
dos próprios adolescentes sobre os efeitos da 8ed. São Paulo: HUCITEC, 2004
pandemia na saúde mental. Contudo, o mundo ORGANIZACIÓN MUNDIAL DE LA
ainda vivencia a pandemia, havendo aspectos SALUD. Salud para los Adolescentes del
desconhecidos sobre a temática, além de Mundo: uma segunda oportunidade em la
estudos ainda em elaboração, que demonstrem segunda década. OMS, 2014.
uma relação de causa e consequência entre a ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE.
pandemia e os transtornos psíquicos. Saúde mental depende de bem-estar físico e
Desta forma, acreditamos que, ao fim, o social. Nações Unidas Brasil, 2016. Disponível
projeto transformou seus participantes em em:
agentes ativos e multiplicadores dos https://nacoesunidas.org/saude-mental-
conhecimentos adquiridos, desencadeando depende-de-bem-estar-fisico-e-social-diz-
mudanças na comunidade de forma mais ampla oms-em-dia-mundial/ Acesso em 24 de
e mais segura. fevereiro de 2020.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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