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O polo analítico estabelece os proce- tão ocorrendo; tal fenômeno vem identifi-
dimentos de análises estatísticas a serem cado sob a égide do rótulo "fase".
efetuadas sobre os dados para levar a um
instrumento válido, preciso e, se for o
caso, normatizado. PROCEDIMENTOS TEÓRICOS
A Figura 8.1 apresenta e detalha,
para cada um desses três procedimentos, Os procedimentos teóricos devem
as etapas ou passos pelos quais se deve ser elaborados para cada instrumento,
passar para se poder progredir sistema- dependendo, portanto, da literatura exis-
ticamente na elaboração de um instru- tente sobre o construto psicológico que o
mento de medida psicológica baseado instrumento pretende medir. A teoria ain-
em construtos. Além disso, define, para da é, infelizmente, a parte mais fraca da
cada passo, o método ou métodos a serem pesquisa e do conhecimento psicológicos,
utilizados para superar o problema espe- o que tem como consequência a precarie-
cífico que constitui a tarefa a ser resolvi- dade dos atuais instrumentos psicométri-
da em cada passo, bem como o produto cos de medida nesta área. Na verdade, os
que decorre como resultado da solução instrumentos baseados em uma teoria psi-
do problema de cada passo. Além desses cológica prévia mais elaborada (por exem-
detalhes técnicos, a figura apresenta, para plo, "Edwards personal preference sche-
os três procedimentos, uma metanálise na dule") não são dos melhores no mercado.
qual se procura enquadrar e delimitar o Tal ocorrência explica, em parte, por que
evento ou eventos psicométricos que es- os psicometristas sistematicamente fogem
Procedi-
TEÓRICOS
mentos
Fase TEORIA |
CONSTRUÇÃO DO INSTRUMENTO
Categ. Comport.
Literatura Análise
Literatura / Peritos / Experiência teórica
Método Reflexão / Interesse / Índices Experiência
-
Objeto Fatores -
Constitutiva Instrumento Í
Produto Atributo
(dimensões)
Itens
Piloto
Psicológico -
Operacional
- - - - -
Procedi-
EXPERIMENTAIS ANALÍTICOS
mentos
pL E
AP] Apli
2 Di Análise Precisão do
Passo 7 da £I10 11 Estabelecimenty
à de
Aplicação eColeta nalidade dos itens Instrumento Normas
Figura 8.1
Organograma para elaboração de medida psicológica.
Instrumentação psicológica 167
NOTA EXPLICATIVA
A terminologia em ciência e, diria, particularmente em psicologia não é uniforme infelizmente. Por isso, é
útil conceituar preliminarmente certas expressões aqui utilizadas, como segue:
« Sistema: sinônimo de objeto, coisa, ser, entidade que possui propriedades ou atributos. O sistema é
definido não necessariamente pela natureza, mas pelo interesse do discurso, e existente neste mundo
do discurso.
« Atributo: propriedade, qualidade, aspecto, componente do objeto. Ele é caracterizado por ser mensurá-
vel em um contínuo de pontos de magnitude.
Magnitude: qualidade de um sistema que pode assumir diferentes valores de quantidade, isto é, ela
pode ser mais ou maior que (>) ou menos ou menor que (<).
« Isomorfismo: afirmação de correspondência entre propriedades do número (matemática) e quantidades
das propriedades dos sistemas da natureza (física ou não).
-
Definição: delimitação de um conceito em termos de suas propriedades específicas. Ela é constitutiva ou for-
mal se o conceito ou construto for definido em termos de outros construtos. Ela é operacional ou epistêmica
se o conceito ou construto for definido em termos de fatos empíricos, da experiência ou observação.
Procedi-
TEÓRICOS
mentos
Fase TEORIA |
CONSTRUÇÃO DO INSTRUMENTO
Categ. Comport.
Literatura Análise
Literatura / Peritos / Experiência -
teórica
Método Reflexão / Interesse / Índices
! Análise de conteúdo
Experiência
Entrevista -
semântica
Y Y Y
Passo 1
Sistema EN Propri
pi
4 Definiçõ
Si Operacio- Análise
Psicológico nalidade nalização dositens
Objeto Fatores -
Constitutiva Instrumento
Produto Psicológico
Atributo
(dimensões)
Itens
Piloto
-
Operacional
Figura 8.2
Procedimentos teóricos na elaboração da medida psicológica.
168 Luiz Pasquali & cols.
numérico, abstrato, etc.; Sternberg vai talidade dos artigos e trabalhos feitos em
ainda mais longe nessa elementarização psicologia em nível mundial. Além deste,
dos sistemas (processos) cognitivos, bus- há o Educational Index, para os interessa-
cando seus elementos no que ele chama dos na psicologia aplicada à educação, o
de componentes cognitivos; e, finalmen- Index Medicus, para os interessados em
te, Newell e Simon levam ao extremo esse psicologia clínica, e o Sociological Index,
elementarismo quando defendem os pro- onde aparecem temas referentes à psico-
cessos elementares de informação (ele- logia social. Na falta de tais fontes ou se,
mentary information process EIP) como
-
ainda assim, o tema não surgiu na per-
os elementos últimos dos processos cogni- cepção do pesquisador (aluno), ele pode
tivos. A qualquer desses níveis, o pesqui- recorrer a peritos, que, no caso do aluno,
sador pode se colocar e definir este nível é normalmente seu orientador. Enfim,
como o nível do sistema de seu interesse. o problema a ser resolvido nesse passo
Não é preciso ver oposições teóricas anta- consiste em se ter uma ideia, um tema,
gônicas nesses vários autores quanto aos um assunto para pesquisar. A esse tema
processos cognitivos. Eles simplesmente se chamamos de objeto psicológico, que re-
põem em horizontes diferentes e, por isso, presenta o produto esperado desse passo
veem níveis diferentes de realidade, aliás, na elaboração do instrumento. Agora, O
da mesma realidade. É apenas o exclusi- sistema escolhido pode ser mais amplo ou
vismo, na verdade desnecessário, desses mais restrito, como vimos anteriormente
autores em afirmar que seu horizonte é ao falarmos dos diferentes níveis de sis-
o único ou o melhor para ver a realidade temas. Obviamente, quanto mais restrito
dos processos cognitivos. Isso vale, aliás, ou elementar for o sistema, mais fácil se
para qualquer outro processo psicológico, torna a construção de um instrumento de
como a personalidade, por exemplo. medida. Por isso, é relevante definir como
Enfim, o problema a ser resolvido sistema psicológico um processo ou traço
neste passo praticamente se reduz a que latente o mais próximo do interesse direto
o pesquisador, que pretende construir um do pesquisador. Tipicamente isso significa
instrumento, deve ter uma ideia, por mais definir um sistema o mais elementar pos-
vaga que seja, sobre o que é que ele quer sível, dentro do interesse. Sistemas vagos
trabalhar, para que tema da psicologia ele e gerais dificultam depois sua operacio-
está interessado em construir um instru- nalização para fins de pesquisa empírica,
mento de medida e pesquisa. Este proble- como é a construção de um instrumento
ma é, evidentemente, mais aparente em de medida.
aluno de pós-graduação, ao qual se apre-
senta a necessidade de apresentar uma
dissertação no final do curso e ainda não A propriedade do sistema psicológico
tem ideia sobre que assunto em psicolo-
gia ele quer desenvolver sua tese. Na falta O sistema, já dissemos, não consti-
de qualquer outra indicação ou interesse tui objeto direto de mensuração, mas sim
específico, tal indivíduo pode se dirigir suas propriedades ou atributos, que são
aos livros índices onde estão elencados os os vários aspectos que o caracterizam.
principais trabalhos que se vêm fazendo Por exemplo, o sistema físico se apresenta
em psicologia. Para o psicólogo há uma com os atributos de massa, comprimento,
série de tais livros, sendo o mais útil o etc. Similarmente, a psicometria conce-
Psychological Abstracts, que é publicado be os seus sistemas como possuidores de
mensalmente e onde aparece a quase to- propriedades/atributos que os definem,
170 Luiz Pasquali & cols.
sendo esses atributos o foco imediato de como raciocínio verbal, raciocínio numé-
observação/medida. Assim, a estrutura rico, raciocínio abstrato, memória, per-
psicológica apresenta atributos do tipo cepção espacial, etc.
processos cognitivos, processos emotivos, Para se definir um instrumento de
processos motores, etc. A inteligência, medida, é preciso decidir qual ou quais
como subsistema, pode apresentar atri- dessas propriedades serão o objeto ime-
butos de tipo raciocínio verbal, racioci- diato de interesse. Ademais, à medida que
nio numérico, etc. O sistema se constitui o conhecimento sobre o sistema cresce,
como objeto hipotético que é abordado cresce também o número de novas pro-
(conhecido) por meio da pesquisa de seus priedades descobertas, que, por sua vez,
atributos. podem se tornar novos subsistemas de
O problema específico deste passo interesse, uma vez que se vão descobrin-
consiste em passar de um objeto psico- do propriedades diversas dentro desses
lógico, normalmente amplo demais para novos subsistemas. Enfim, é de importân-
pesquisar, para a delimitação dos aspec- cia para se prosseguir sem transtornos e
tos específicos dele que se deseja estudar desvios de rumo que se defina claramente
e para os quais se quer construir um ins- e preliminarmente as propriedades do sis-
trumento de medida. De fato, qualquer tema de interesse que se quer estudar. Tal
sistema apresenta ilimitado número de definição evita que se misture, no prosse-
propriedades. A rosa, por exemplo, tem guimento do processo, "alhos e bugalhos",
perfume, cor, peso, tamanho, beleza, rit- como, por exemplo, utilizar uma amostra
mo de crescimento, etc. É relevante, para de itens que mais medem aspectos de co-
se poder escolher ou construir um instru- nhecimento de vocabulário, quando, de
mento de medida, definir qual ou quais fato, se queria atingir o raciocínio verbal.
propriedades do sistema serão objeto de Com isso, também não se está afirmando
estudo. Por exemplo, se meu interesse se que entre tais propriedades de um siste-
focaliza sobre a criança, não é possível es- ma não haja correlações. Antes, pelo con-
tudar, de uma só vez, tudo sobre a crian- trário, relações e interações entre as pro-
ça. Então, tenho que me decidir por um priedades de um mesmo sistema são uma
aspecto mais restrito referente à criança, suposição não somente legítima, mas pro-
que enfim vou pesquisar. Assim, da crian- vável. Contudo, o que se está afirmando
ça posso estudar o seu desenvolvimento é que é preciso partir com conceituações
psicomotor, o desenvolvimento cognitivo, e definições claras e precisas, bem como
o desenvolvimento da linguagem, a enu- delimitadas, uma vez que a capacidade de
rese, a timidez, a agressividade, etc. Em conhecimento humano não é abrangente.
qual desses ou outros aspectos estou pre- Como se decidir por este ou aquele
sentemente e diretamente mais interessa- aspecto? Novamente, recorro ao meu in-
do? Pois esse ou esses aspectos constituem teresse, à ajuda dos livros índices e aos
a propriedade do objeto criança que pre- peritos (concretamente, ao meu orienta-
sentemente quero abordar. A esses aspec- dor, se eu for aluno).
tos escolhidos chamamos de atributo. Ou
o seu interesse pode se focalizar sobre a
inteligência. Esta de fato já é em si mesma Dimensionalidade do atributo
uma propriedade do sistema ser humano.
Mas ela pode ser igualmente considerada Se os dois primeiros passos ante-
um subsistema complexo, apresentando riormente descritos possam parecer, para
várias propriedades específicas dela, tais muitos, um mero exercício acadêmico, o
Instrumentação psicológica 171
terceiro passo e os demais a seguir já não dar a compreensão verbal, não fico escu-
são tão simples, pois os problemas que eles sado de expor a teoria sobre a inteligência
apresentam são bem mais complexos. verbal em sua totalidade e, em seguida,
A dimensionalidade do atributo diz justificar minha decisão pelo estudo de
respeito à sua estrutura interna, semân- apenas um aspecto dela. Evidentemente,
tica. O atributo constitui uma unidade nessa justificativa pode ser e será sufi-
semântica única ou é ele uma síntese de ciente o meu interesse específico por tal
componentes distintos ou até indepen- aspecto da inteligência. Isto é, eu devo sa-
dentes? Deve ele ser concebido como ber o que estou fazendo, e demonstro isso
uma dimensão homogênea ou devem-se na exposição da teoria que faço sobre o
nele distinguir aspectos diferenciados? construto inteligência verbal.
A resposta a esse problema obviamente Nesses dois passos, propriedade e di-
deve vir da teoria sobre o construto e/ mensionalidade, entramos no ponto mais
ou dos dados empíricos disponíveis sobre crítico na caminhada para a elaboração
ele, sobretudo dados de pesquisas que uti- dos instrumentos psicológicos, porque
lizaram a análise fatorial na análise dos toda esta parte resulta essencialmente da
dados, pois o que está em jogo aqui é a teoria psicológica, que concebe, define
questão de decidir se o construto é uni ou e estrutura os construtos psicológicos. A
multifatorial. Os fatores que compõem o tarefa da construção da teoria psicológica
construto (o atributo) são o produto des- não é específica do psicometrista, mas do
se passo. Por exemplo: Tenho como obje- psicólogo teórico. O psicometrista deve-
to psicológico os processos cognitivos; a ria poder contar com essa teoria e, com
propriedade desse objeto psicológico que base nela, fundamentar a construção dos
estou interessado em estudar é a inteli- instrumentos de medida. A existência de
gência verbal. Pergunta-se: é esta inteli- teorias ou fantasias as mais variadas so-
gência verbal um construto único ou devo bre praticamente qualquer construto em
distinguir nele componentes diferentes? psicologia torna a tarefa do psicometrista
Os dados empíricos disponíveis me mos- quase uma tragédia quando quer construir
tram que a inteligência verbal é composta instrumentos para medir construtos sobre
por, pelo menos, dois fatores bem distin- os quais os psicólogos não se entendem.
tos e praticamente independentes, a sa- Dessa forma, o psicometrista acaba se de-
ber, compreensão verbal e fluência verbal. cidindo em construir um instrumento para
Consequentemente, se quiser pesquisar medir um construto concebido segundo al-
a inteligência verbal e construir para tal gum psicólogo. E ali você tem uma fauna
um instrumento de medida, não poderei enorme de psicólogos teóricos, desde os
prescindir de conhecer e levar em con- behavioristas até os dialéticos, que falam
ta o fato de que a inteligência apresenta linguagens quase totalmente estranhas
dois fatores distintos, cuja medida exige um em relação ao outro. Infelizmente esta
instrumentos diferentes. Claro, posso me é a situação da teoria psicológica atual.
decidir por estudar somente a inteligência Para caricaturar, imagine o seguinte: um
verbal compreendida sob seu aspecto de físico vai construir um instrumento para
compreensão verbal e prescindir de me medir o comprimento de objetos físicos.
preocupar com a fluência verbal. Porém, E se para poder efetuar tal empreendi-
nesse caso o meu atributo de interesse de mento, ele tivesse que decidir sobre "bem,
estudo não é mais a inteligência verbal, e comprimento entendido segundo quem?"
sim a compreensão verbal. Mesmo toman- Tal pergunta careceria de sentido e seria
do essa decisão de somente querer estu- ridícula fosse ela feita sobre comprimento
172 Luiz Pasquali & cols.
o construto que ele queira estudar e medir, tão sei que ele não é o objeto psicológi-
o que vem a mostrar o estado primitivo em co, porque a ciência não mede objetos,
que vive a teoria psicológica. Essa preca- mas sim propriedades dele. Assim, ra-
riedade da teoria psicológica é a principal ciocínio verbal é um atributo.
responsável pela fuga, por parte dos psi- 2. Se raciocínio verbal é um atributo, con-
cometristas, de basear a construção dos sequentemente ele é atributo de algum
instrumentos psicológicos em uma teoria objeto. Dessa forma, devo descobrir
prévia e testá-los em seguida por meio da qual é esse objeto do qual o raciocínio
metodologia científica. Essa fuga acarreta verbal é propriedade.
que o psicometrista parte de uma coleção 3. Se raciocínio verbal é um atributo de
atabalhoada de itens para em seguida ver algum objeto, é de se supor que esse
o que eles estão medindo, se alguma coisa objeto tenha mais do que um atributo.
psicológica relevante. Isto é, além de raciocínio verbal, o ob-
Este estado de coisas deveria e deve jeto tem outros atributos. Assim, devo
obrigar o psicometrista a expor ou elabo- descobrir quais são esses outros atri-
rar uma miniteoria sobre o que ele en- butos, de tal forma que, depois, possa
tende pelo construto que pretende medir. diferenciar (definir diferencialmente)
Felizmente, já existe razoável abundância o meu atributo de interesse o racio-
-
de dados empíricos sobre muitos cons- cínio verbal dos demais atributos do
-
nos da extensão conceptual do construto, uma fórmula simples e perfeita para de-
extensão esta delimitada pela definição cidir se a definição é ou não operacional.
constitutiva desse mesmo construto. Ela é operacional se você puder dizer ao
sujeito "vá e faça...". Assim, se defino in-
teligência verbal como compreender uma
Definição operacional frase, o que devo pedir ao sujeito para fa-
zer? Pois "vá e compreenda..." não diz ao
Com as definições constitutivas nós sujeito nada que ele possa fazer. Ao passo
estamos ainda no terreno da teoria, do que dizer "vá e reproduza a frase" indi-
abstrato. Um instrumento de medida já ca claramente o que sujeito deve fazer,
o
Desenhar círculos
Dizer que compreendeu
Escrever a frase
Reproduzir a frase
Figura 8.3
Extensão semântica de definições operacionais de compreensão verbal.
176 Luiz Pasquali & cols.
8
2 3
o 7 9 10 1
1
4ET15 E2
Figura 8.4
Ilustração da precisão dos itens na escala de Thurstone.
Instrumentação psicológica 179
devem ter dificuldade mínima ou má- isso, exige maior número de itens para se-
xima, 40% dificuldade mediana, etc. rem adequadamente representados.
Se o número final de itens, isto é,
depois que o instrumento passou por to-
Quantidade de itens das as fases de construção e validação,
deve ser em torno de 20, pergunta-se com
Para se cobrir a totalidade ou a quantos itens é preciso começar para que
maior parte ou, pelo menos, grande par- no final possamos salvar 20. A resposta
te da extensão semântica do construto, dada no contexto da psicometria tradi-
explicitada nas definições constitutivas, cional positivista é a de que se deve co-
normalmente se exige, no instrumento fi- meçar com, pelo menos, o triplo de itens
nal, um número razoável de itens. O que para se poder assegurar, no final, um ter-
é um número razoável? O bom senso de ço deles. Esta resposta se deve ao modo
quem trabalha nesta área sugere que um positivista ou ateórico de construir ins-
construto, para ser bem representado, ne- trumentos psicológicos. Nesse enfoque,
cessita de cerca de 20 itens. Há, evidente- os itens não são construídos a partir de
mente, construtos muito simples que difi- uma teoria; eles são coletados ou selecio-
cilmente necessitam de tal número, sendo nados de uma tal pool of items que parece
suficientes apenas uma meia dúzia ou medir um dado construto e, em seguida,
menos deles. Por exemplo, em relação à analisados estatisticamente para ver quais
satisfação com o salário. Quantas manei- deles se salvam. Quer dizer, os itens são
ras há de se verificar tal satisfação? Parece aqui simplesmente chutados; eles são se-
exagerado perguntar 20 vezes ao sujeito lecionados simplesmente porque parecem
se está satisfeito com o seu salário. Posso, medir o que quero medir.
sim, perguntar se ele está contente com Dentro da técnica de construção de
a quantia, com o poder de compra, com instrumentos baseada na teoria dos traços
a pontualidade de entrega, e mais alguns latentes que estamos expondo, para se
aspectos. Mas parece difícil descobrir salvar 20 itens no final de toda a elabo-
umas 20 maneiras de estar satisfeito com ração e validação do instrumento, não é
o salário. Entretanto, a grande maioria necessário iniciar com mais do que 10%
dos traços latentes normalmente possui de itens além dos 20 requeridos no instru-
uma gama bem maior de aspectos e, por mento final. Isso porque os itens incluídos
40%
0% 20%
10%
Faixa: II II] IV v
Figura 8.5
Distribuição percentual dos itens em cinco faixas de dificuldade.
Instrumentação psicológica 181
no instrumento piloto são itens que pos- para essa análise deve ser feita com
suem validade teórica real, e não simples- esse estrato;
mente que parecem ter validade. 2. para evitar deselegância na formula-
ção dos itens, a análise semântica deve-
rá ser feita também com uma amostra
Análise teórica dos itens mais sofisticada (de maior habilidade)
da população meta (para garantir a
Operacionalizado o construto por chamada "validade aparente" do teste).
intermédio dos itens, estou diante da hi-
pótese de que eles representam adequa- Entende-se por estrato mais baixo
damente o tal construto. Essa é a minha aquele segmento da população meta que
versão da hipótese a ser testada. Contu- apresenta menor nível de habilidades.
do, é importante avaliar a minha hipó- Assim, por exemplo, se meu teste se des-
tese contra a opinião de outros para me tina a uma população que congrega su-
assegurar de que ela apresenta garantias jeitos do ensino fundamental até univer-
de validade. Essa avaliação ou análise da sitários, obviamente o estrato mais baixo
hipótese (análise dos itens) é obviamen- nesse contexto são os sujeitos do ensino
te ainda teórica porque consiste simples- fundamental, e o mais sofisticado será
mente em pedir outras opiniões sobre representado pelos sujeitos de nível uni-
minha hipótese, sendo que os outros que versitário. De qualquer forma, a dificul-
a vão avaliar ainda não são uma amos- dade na compreensão dos itens não deve
tra representativa da população para a se constituir em fator complicador na res-
qual construí o instrumento. Essa análise posta dos indivíduos, uma vez que não se
teórica é feita por juízes e comporta dois quer medir a compreensão deles (a não
tipos distintos deles, segundo a análise ser, obviamente, que o teste queira medir
incida sobre a compreensão dos itens precisamente isso), mas sim a magnitude
(análise semântica) ou sobre a pertinên- do atributo a que os itens se referem. Que
cia dos itens ao construto que represen- técnica se deve utilizar para fazer essa
tam (propriamente chamada de análise análise? Há várias maneiras eficientes
dos juízes). Assim, antes de partir para para tal tarefa, como, por exemplo, apli-
a validação final do instrumento piloto, car o instrumento a uma amostra de uns
este é submetido a uma análise teórica 30 sujeitos da população meta e em se-
dos itens por meio da análise semântica e guida discutir com eles as dúvidas que os
da análise dos juízes. itens suscitarem. Entretanto, uma técnica
que se tem mostrado das mais eficazes na
avaliação da compreensão dos itens con-
Análise semântica dos itens siste em checá-los com pequenos grupos
de sujeitos (três ou quatro) em uma situa-
A análise semântica tem como objeti- ção de brainstorm. Essa técnica funciona
vo precípuo verificar se todos os itens são da seguinte forma: constitui-se um grupo
compreensíveis para todos os membros da de até quatro sujeitos, iniciando com su-
população a que o instrumento se destina. jeitos do estrato baixo da população meta,
Nela duas preocupações são relevantes: porque se supõe que, se tal estrato com-
preende os itens, a fortiori o estrato mais
1. verificar se os itens são inteligíveis para sofisticado também os compreenderá. A
o estrato mais baixo (de habilidade) da esse grupo apresenta-se item por item,
população meta e, por isso, a amostra pedindo que ele seja reproduzido pelos
182 Luiz Pasquali & cols.
QUADRO 8.1
Tabelas para a análise dos itens pelos juízes
X
Instrumentação psicológica 183
necessária uma terceira tabela que elenca tarefa será iniciada com os procedimentos
os itens, uma vez que a tabela de dupla que seguirão, que consistem em coletar a
entrada geralmente não comporta a ex- informação empírica válida e submetê-la
pressão completa do conteúdo dos itens. às análises estatísticas pertinentes em psi-
Com base nessas tabelas, a função cometria, como veremos.
dos juízes consiste em colocar um X para o
item debaixo do fator ao qual o juiz julga
o item se referir. Uma meia dúzia de juízes PROCEDIMENTOS EXPERIMENTAIS
será suficiente para realizar a tarefa. Itens
que não atingirem uma concordância de Os procedimentos envolvidos nesta
aplicação aos fatores (cerca de 80%) ob- etapa fazem apelo direto ao conteúdo da
viamente apresentam problemas, e seria o disciplina ensinada nas instituições uni-
caso de descartá-los do instrumento pilo- versitárias sob o nome de delineamento
to. Isso vale, contudo, se o construto para ou planejamento de pesquisa, cujo conhe-
o qual se está construindo o teste apre- cimento é absolutamente necessário, uma
sentar fatores (particularmente quando vez que garante a tecnologia da coleta vá-
forem em maior quantidade) que se su- lida da informação empírica. Aqui serão,
põem ou se sabe que não são correlacio- por isso, explicitados apenas alguns pon-
nados. Quando os fatores se supõem que tos dessa tecnologia que têm mais a ver
sejam correlacionados, acontece que uma diretamente com o problema de elabora-
mesma tarefa (item) pode se referir, cer- ção de instrumentos psicológicos, mas o
tamente com níveis de saturação diferen- conhecimento aprofundado da citada dis-
te, mas de fato se referir simultaneamente ciplina é imprescindível.
a mais de um fator, o que implicaria que Dois passos são salientados nestes
os juízes iriam mostrar alguma discordân- procedimentos empíricos na validação do
cia quanto à aplicação do item a este ou instrumento piloto: o planejamento da
àquele fator. Nesse caso, a discordância aplicação e a própria coleta da informação
deve ser considerada como concordância. empírica, conforme detalha a Figura 8.6.
Uma outra solução seria instruir os juízes Com referência ao planejamento
a marcar, para cada item, não o fator, mas da aplicação do instrumento piloto, dois
aqueles fatores aos quais o item se refere.
Entretanto, com tal dica, você abre campo
Procedi-
para muita divagação por parte dos juí- mentos
EXPERIMENTAIS
zes, e você perde a utilidade prática des-
sa análise. Seria melhor instruir os juízes Fase VALIDAÇÃO DO INSTRUMENTO
-
Sistemática
como a elaboração do instrumento piloto -Tarefa
pontos são particularmente relevantes: a meu instrumento mede dois fatores, ne-
definição da amostra e das instruções de cessito de 200 sujeitos na minha amostra.
como aplicar o instrumento. Estamos supondo aqui que a população
Quanto à amostra: um instrumento é meta seja homogênea em relação ao traço
tipicamente construído para um certo tipo latente que o instrumento mede. Se o tra-
de população. Esta, consequentemente, ço varia dentro da população, não somen-
deve ser claramente definida e delimita- te em termos de magnitude, o que é de se
da em termos de suas características es- esperar, mas em termos de estrutura, isto
pecíficas. Assim, é necessário se determi- é, ele se torna de fato um traço psicologi-
nar para que faixa etária o instrumento camente diferente para diferentes estratos
foi construído, para que nível socioeco- da mesma população, então estamos fa-
nômico, para que nível de escolaridade, lando não mais de um traço latente, mas
etc. Enfim, é preciso dizer qual é o tipo de dois ou mais. Nesse caso, estamos as-
de indivíduo, em termos de característi- sumindo que instrumentos diferentes são
cas biossociodemográficas, que constitui necessários para avaliar traços diferentes.
a população meta do instrumento. E é Mas se o traço se mantém qualitativamen-
dessa população que sairá a amostra de te (em termos de sua estrutura conceitual,
sujeitos para a testagem da qualidade psi- de sistema) o mesmo na população, então
cométrica do instrumento de medida. Ob- essa população é homogênea. Um exem-
viamente, aqui se deve recorrer à teoria e plo: um teste de inteligência para adultos
às técnicas de amostragem, ensinadas na não inclui crianças na sua população, pois
disciplina de planejamento de pesquisa a inteligência da criança é qualitativa-
ou similar. mente diferente da dos adultos, segundo
Salientamos aqui apenas alguns as- teorias (Piaget, Spearman, etc.) e dados
pectos relevantes da amostra para o caso empíricos. Assim, a amostra para vali-
específico de validação de instrumentos dação de um teste de inteligência para
psicológicos. Como estamos elaborando adultos deve ser selecionado de uma po-
um instrumento referente a construto, pulação de adultos exclusivamente, que,
tipicamente a análise estatística a seguir nesse sentido, se torna uma população
utilizada para a análise dos dados será a homogênea.
análise fatorial e as análises multivariadas Segunda dica: se houver dúvidas
da TRI. Essas técnicas estatísticas fazem sérias quanto ao número de dimensões
algumas exigências importantes dos da- ou fatores que o instrumento mede, cos-
dos, especificamente que eles produzam tuma-se dizer que são necessários para
suficiente variância para que a análise seja a amostra 10 sujeitos para cada item do
consistente. Essa afirmação normalmente instrumento. Assim, um instrumento com
implica, pelo menos, que as amostras uti- 100 itens demandaria 1.000 sujeitos. Isso
lizadas sejam grandes. Quanto grandes? equivaleria a supor que o instrumento es-
Há duas dicas úteis para responder a tivesse medindo cerca de 10 fatores. Esse
essa pergunta. Primeiro, se eu estiver se- modo de pensar está mais ligado ao siste-
guro de quantos fatores o meu instrumen- ma positivista de construir instrumentos,
to mede (o que foi teoricamente definido em que os itens não são construídos via
quando se discutiu o passo da dimensio- teoria e sim "pescados" aleatoriamente e
nalidade do objeto psicológico que o ins- em seguida analisados via análise fato-
trumento iria medir), então a dica é de rial para ver quantos fatores está medin-
que a amostra deve conter um mínimo de do. De qualquer forma, é uma dica ainda
100 sujeitos por fator medido. Assim, se útil, quando há dúvidas com respeito ao
Instrumentação psicológica 185
número de fatores. Geralmente, entre 5 sujeito com o que o item está afirmando.
e 10 sujeitos por item do instrumento se- Este último formato é o mais utilizado no
rão suficientes para responder à questão caso de testes de personalidade e escalas
do tamanho da amostra, com a ressalva de atitudes. Todos esses e outros formatos
de que qualquer análise fatorial e da TRI apresentam vantagens e desvantagens.
com menos de 200 sujeitos dificilmente Por exemplo, o caso da escolha forçada,
pode ser considerada adequada. em testes de atitudes e personalidade, pa-
Quanto às instruções: estas se refe- rece ser a maneira mais fácil de respon-
rem aos contornos da tarefa do sujeito der, pois o sujeito tem melhores condições
que vai responder ao instrumento. Aqui de escolher entre duas alternativas do que
são definidas a sistemática de aplicação dar uma resposta absoluta, como é o caso
do instrumento, o formato em que ele se nas escalas de Likert. Contudo, dois pro-
apresenta e o que o sujeito tem que fazer blemas graves existem com este formato
ao respondê-lo. No tocante à sistemática, de escolha forçada: primeiro, se você vai
serão definidas as condições de aplicação: comparar os itens do instrumento dois a
se será coletiva ou individual; se será pre- dois, o instrumento se torna muito rapida-
ciso ou não aviso prévio aos testandos; são mente de um comprimento incontrolável.
necessários contatos prévios com diretores, Por exemplo, um teste com apenas 10 itens
chefes dos sujeitos, etc. Enfim, devo saber terá n(n-1)/n questões, isto é, 45 questões,
em que estou "me metendo" e quais são e um de 100 itens terá 4.950! Além dessa
as dificuldades que vou encontrar ao que- dificuldade, existe o problema da chamada
rer aplicar o instrumento em uma amostra desejabilidade social, a saber, os dois itens
definida de sujeitos, pois eles normalmen- que estão sendo comparados devem pos-
te não estão gratuitamente disponíveis às suir mais ou menos o mesmo nível de atra-
minhas necessidades de pesquisador. Por tividade, do contrário a própria questão já
isso, tenho que elaborar uma estratégia de está dando a resposta ao sujeito se um dos
convencimento, para os responsáveis dos itens da questão é socialmente desejável e
sujeitos que entrarão na amostra, e uma o outro indesejável, como, por exemplo,
estratégia operacional para poder viabili- escolher entre "A sou uma pessoa simpá-
-
zar a aplicação do instrumento. tica" e "B sou uma pessoa fraca". Nesse
-
mas ainda não é zero. Então, deve-se ter Esses e outros tipos de formatos não
maior do que menor número de alterna- parecem ter maior impacto sobre a resposta
tivas para diminuir o acerto aleatório. do sujeito, de sorte que o formato da escala
Mas, fazendo isso, você torna o teste cada depende mais do gosto pessoal do pesqui-
vez mais difícil de construir, porque não sador do que qualquer outra razão técnica.
é tarefa fácil inventar alternativas, uma Pessoalmente acho que quanto mais leve a
vez que elas devem de fato se apresentar escala, melhor, e a escala numérica e grá-
como alternativas plausíveis e atrativas (e fica me parece muito pesada; mas sua opi-
este é o segundo problema), isto é, elas nião é tão boa quanto a minha.
devem ter alguma aparência de serem Quanto ao número de pontos: nor-
respostas corretas, do contrário não são malmente as afirmações ou itens são res-
alternativas. Assim se você constrói o se- pondidos em uma escala de 3 ou mais
guinte item: pontos, isto é, o sujeito tem que dizer se
A camada mais externa da pele se concorda, está em dúvida ou discorda do
chama: que a frase afirma sobre o objeto psico-
lógico. O número de pontos na escala de
a) epiderme resposta varia de 3 a mais de 10, sendo
b) paquiderme as mais utilizadas as escalas de 5 e 7 pon-
c) dermatologia tos. O número de pontos utilizados nas
d) epidemia escalas Likert parece, novamente, ser algo
irrelevante. Na pesquisa de Matell e Jaco-
é claro que b, c, d não constituem alterna- by (1972), foram utilizadas escalas com
tivas plausíveis ou sérias. 2 até 19 pontos. Com exceção das escalas
Quanto às escalas tipo Likert, per- de 2 e 3 pontos (por oferecerem poucos
gunta-se frequentemente qual é o número graus de liberdade), em todas as outras a
ideal de pontos que a escala de resposta porcentagem de uso dos pontos e o tempo
deve ter e qual o formato ideal da escala. de resposta não foram afetados de modo
Com respeito ao formato das esca- significativo. Outros estudos já haviam
las: Existem os mais variados modos de descoberto que o número de pontos da
apresentar essas escalas, mas que final- escala e a existência ou não de um ponto
mente se reduzem a escalas verbais, nu- neutro não afetam a consistência interna
méricas ou gráficas, sendo estas últimas da escala Likert (Bendig, 1954; Komorita,
normalmente ancoradas, ou combinação 1963; Matell e Jacoby, 1971), nem a esta-
das três. bilidade teste-reteste (Jones, 1968; Van der
Vejamos: Veer, Howard e Austria, 1970; Goldsamt,
Escala Pontos
=
Numérica e gráfica 1 2 3 4 5 6 7
Instrumentação psicológica 187
1971; Matell e Jacoby, 1971) e nem a va- o aplicador deve ser competente para a
lidade concorrente e preditiva (Matell e tarefa, etc.
Jacoby, 1971; 1972).
As instruções que acompanham o
PROCEDIMENTOS ANALÍTICOS
instrumento têm a função única de tornar
a tarefa do respondente inambígua. Con- Esta parte da elaboração de instru-
sequentemente, elas devem poder deixar mentos psicológicos (ver Figura 8.7) é
absolutamente claro o que o sujeito tem aquela que mais atemoriza os psicólogos,
que fazer para responder corretamente o dada a sua sofisticação estatística. Ela
teste e, por isso, elas devem ser avaliadas comporta igualmente a parte mais volu-
na análise semântica. Algumas precau- mosa de qualquer livro sobre psicometria.
ções: as instruções devem informar em Entretanto, o conhecimento da estatística e
termos gerais sobre que é o teste; devem da psicometria não são aqui substituíveis.
ser as mais curtas possíveis, sem sacrificar Felizmente, o psicólogo pode apelar neste
a compreensão da tarefa por parte de to- particular para a ajuda de estatísticos ou
dos os sujeitos da população meta; devem, de psicometristas. A sofisticação nesta área
é tão grande que não é possível ser exposta
tipicamente, conter um ou mais exemplos
de como os itens devem ser respondidos; neste capítulo. Para tanto, são recomenda-
devem pôr o sujeito em um estado psico- das as obras que em seguida serão citadas,
sendo a exposição de conteúdo neste capí-
lógico livre de tensão e ansiedade.
tulo apenas exemplificativa.
Finalmente, no que se refere à pró-
pria coleta da informação (passo 8),
devem-se seguir todas as precauções exi-
gidas em qualquer aplicação de instru-
Algumas obras básicas
mentos psicológicos, a saber, os sujeitos
de análise psicométrica
devem ser postos em um ambiente con- Anastasi, A. (1988). Psychological testing (6th ed). New
dizente e livre de distrações e de tensão, York: Macmillan.
Procedi-
ANALÍTICOS
mentos
Fatores Dificuldade
Índices de Normas
-
Carga fatorial Discriminação
Produto Autovalor Precisão %,z
-
Chute
-
Comunalidade
Figura 8.7
Procedimentos analíticos na elaboração da medida psicológica.
188 Luiz Pasquali & cols.
Cronbach, L.J. (1990). Essentials ofpsychological testing fator, as análises estatísticas devem ser
(5th ed.). New York: Harper & Row. feitas independentemente para cada fator.
Gulliksen, H. (1987). Theory of mental tests. Hillsdale,
NJ: Erlbaum. Como inicialmente ainda não se sabe se
Hambleton, R.K., & Swaminathan, H. (1985). Item Re-
o instrumento que acaba de ser construí-
sponse Theory: Principles and applications. Norwell, MA: do e aplicado é ou não unidimensional,
Kluwer Nijhoff. a primeira análise que se impõe sobre os
Hambleton, R.K., Swaminathan, H., & Rogers, J. (1991). dados empíricos coletados é a verificação
Fundamentals of item response theory. Beverly Hills, CA:
Sage. da unidimensionalidade. Tipicamente,
Hambleton, R.K., & Zaal, J.N. (Eds.). (1991). Advances necessita-se proceder a uma análise fa-
in educational and psychological testing: Theory and ap- torial para definir a dimensionalidade do
Plications. Boston, MA: Kluwer Academic. instrumento. Essa análise vai determinar
Harman, H.H. (1967). Modem factor analysis. Chicago,
IL: University of Chicago Press. quantos fatores o instrumento está de fato
Hulin, C.L., Drasgow, E, & Parsons, C.K. (1983). Item
medindo. Essa exigência pode parecer um
Response Theory: Applications to psychological measure- tanto frustrante, uma vez que, se o ins-
ment. Homewood, IL: Dow Jones-Irwin. trumento foi construído para medir um
Lord, EM. (1980). Applications of Item Response Theory fator somente, por exemplo, então não se
to practical testing problems. Hillsdale, NJ: Erlbaum.
Muíiiz, J. (1990). Teoria de respuesta a los ítems. Ma- pode supor que esteja medindo somente
drid: Pirámide. este fator para o qual foi construído em
Muiiz, J. (1992). Teoria clássica de los tests. Madrid: primeiro lugar? É bom lembrar aqui que o
Pirámide. instrumento constitui uma hipótese; mas,
Muiiz, J. (1996). Psicometría. Madrid: Univérsitas.
agora estamos verificando essa hipótese
Nunnaliy, J.C., Jr. (1978). Psychometric theory. New
York: McGraw-Hill. empiricamente, então é necessário se de-
Pasquali, L. (2009). Psicometria: Teoria dos testes na psi-
monstrar, e não somente supor, que o ins-
cologia e na educação (3. ed). Rio de Janeiro, RJ: Vozes. trumento de fato mede um único fator ou
Pasquali, L. (2007). TRI- Teoria de resposta ao item: Teo- quantos e quais fatores ele está medindo.
ria, procedimentos e aplicações. Brasília, DF: LabPAM. Aliás, essa análise fatorial constitui a de-
Santisteban, C. (1990). Psicometría. Madrid: Norma.
monstração da própria validade do instru-
Thorndike, R.L. (1982). Applied psychometrics. Boston: mento e representa igualmente a análise
Hougton Mifflin.
Yela, M. (1987). Introducción a la teorta de los tests. preliminar dos próprios itens.
Madrid: Facultad de Psicologfa, Universidad Complu- Aandálise fatorial (ver Pasquali, 2009)
tense.
produz resultados importantes com os
quais se pode tomar decisões sobre a qua-
lidade dos itens, bem como do instrumen-
Algumas anotações sobre os to no seu todo. Na verdade, ela mostra o
procedimentos analíticos que o instrumento está medindo, isto é, os
fatores, bem como os itens que compõem
A dimensionalidade do cada fator. Ela produz, para cada item, a
instrumento (validade) carga fatorial (saturação) deste no fator,
e esta carga fatorial indica a covariância
As análises estatísticas que se fazem entre o fator e o item. Isso quer dizer que
de um instrumento psicológico, no seu a carga fatorial mostra a porcentagem que
todo e em cada item individual, fazem a existe de parentesco (covariância) entre o
suposição de que o instrumento seja uni- item e o fator, de forma que quanto mais
dimensional. Isso implica que todos os próximo de 100% de covariância item-
itens do instrumento estejam medindo fator, melhor será o item, pois ele assim
um e o mesmo construto. Dessa forma, es- se constitui em um excelente representan-
tando o instrumento medindo mais de um te comportamental do fator (do traço la-
Instrumentação psicológica 189
(= 23,07 + 24,66) da variância total do dentro de cada fator (os 9 itens no fator
teste, sendo o restante da variância irrele- 1 do nosso exemplo, e os 10 no fator 2) e
vante ao conteúdo que o teste mede (como normalmente se reduzem a duas: a dificul-
erros de medida e peculiaridades especiífi- dade e a discriminação. A dificuldade do
cas dos itens). O h? representa a comuna- item diz respeito à magnitude do traço la-
lidade que cada item possui com os dois tente que o sujeito deve possuir para poder
fatores e mostra a covariância de item com acertar (testes de aptidão) ou aceitar (tes-
os fatores e, por conseguinte, o tanto que o tes de personalidade) o item. Assim, quan-
item tem a ver com os fatores. Assim, para to maior for a magnitude do traço latente
o item 1, o h2 é 0,65, isto é, este item pos- exigida para acertar ou aceitar o item, mais
sui 65% de covariância (parentesco) com difícil este é dito ser. A discriminação do
os dois fatores, sendo 0,64% (0,802) com o item diz respeito ao fato de ele poder dife-
fator 1 e apenas 1% (0,10?) com fator 2;
o renciar sujeitos que possuem magnitudes
disso se deduz que o item 1 é uma excelen- diferentes do mesmo traço latente. Assim,
te representação comportamental do fator quanto mais próximas forem as magnitu-
1 e nada do fator 2. des do traço que o item puder diferenciar,
Nesta questão da validade do instru- mais discriminativo ele será.
mento, outras técnicas são utilizadas além A psicometria tradicional faz análi-
da análise fatorial, tais como a técnica da ses estatísticas para determinar esses dois
validação convergente-discriminante (Camp- parâmetros psicométricos dos itens de
bell e Fiske, 1967); a utilização da idade uma forma que pode ser hoje considerada
como critério para a validação de construto inferior diante dos avanços da psicome-
de um teste quando este mede traços que são tria mais moderna da TRI. A TRI intro-
intrinsecamente dependentes de mudanças duziu técnicas nesta área da análise dos
no desenvolvimento cognitivo/afetivo dos itens que, embora complicadas, devem
indivíduos, como é o caso, por exemplo, na ser as utilizadas neste passo da elabora-
teoria piagetiana do desenvolvimento dos ção de qualquer instrumento psicológico
processos cognitivos e da teoria de Spear- (ver Hambleton, Swaminathan e Rogers,
man sobre a inteligência; a correlação com 1991; Muiiiz, 1990; Pasquali, 2007). Um
outros testes que meçam o mesmo traço do exemplo ajudará a entender esses proce-
meu novo instrumento e o uso da interven- dimentos (ver Figura 8.6).
ção experimental (ver Pasquali, 2009). Primeiramente, deve-se atentar a
que existem vários modelos matemáticos
envolvidos na TRI. Na verdade, há três
A análise empírica dos itens deles principais, dependendo do núme-
ro de parâmetros que pretendem avaliar
Os itens que se mostraram ser repre- dos itens. Os parâmetros em questão são
sentantes satisfatórios do traço latente que a dificuldade, a discriminação e a respos-
o instrumento mede (no caso da Tabela ta aleatória (ou melhor, a resposta correta
3.2 seriam os 9 itens para o fator 1 e os 10 dada ao acaso). Assim, temos os modelos
do fator 2) devem ser submetidos a aná- logísticos de um, dois ou três parâmetros.
lises individuais ulteriores, com o objetivo Todos os modelos trabalham com
de verificar outras características que eles traços latentes, isto é, teorizam sobre as
devem apresentar dentro de um mesmo estruturas latentes. Entendem os sistemas
instrumento, além de serem legítimos re- psicológicos latentes como possuindo di-
presentantes do traço latente. Essas carac- mensões, isto é, propriedades de diferen-
terísticas dos itens devem ser analisadas tes magnitudes ou mensuráveis. Por isso,
Instrumentação psicológica 191
1,00
0,90 + item 1
0,80+- item 2
o
0,70+-
item 3
0,60
o
o a
0,50 |
0,404
o) 0,30-+-
o) 0,20-
a 0,10-4-€,
b, b, b,
0
-4 -3 -2 -1 0 1 2 3 4
Aptidão (0)
Figura 8.8
CCI para três itens.
40%
20% 20%
10% 10%
Z -1,28 -0,52 0,52 1,28
Faixa |
II WI IV V
Figura 8.9
Distribuição percentual dos itens em cinco faixas de dificuldade.
194 Luiz Pasquali & cols.
sob uma série de outras expressões, como mento de medida qualquer, por exemplo,
precisão, fidedignidade, constância, con- os escores em um teste, produz uma va-
sistência interna, confiabilidade, estabili- riabilidade nos resultados que, em parte,
dade, confiança, homogeneidade. As mais é provocada pelas diferenças no próprio
genéricas e, por isso, mais utilizadas são traço medido entre diferentes sujeitos, e
as expressões precisão e fidedignidade. em parte pela imprecisão do próprio ins-
Essas diferentes expressões mostram trumento e em parte, ainda, por uma série
a variabilidade de conceitos que preci- de outros fatores aleatórios. A fidedigni-
são assume, dependendo do aspecto que dade da medida depende do tamanho da
esse parâmetro quer salientar do teste. variância erro, que é precisamente a varia-
Na verdade, fidedignidade cobre aspectos bilidade nos resultados provocada por es-
diferentes de um teste, mas todos eles se ses fatores aleatórios e pela imprecisão do
referem a quanto os escores de um sujeito instrumento. Expressa mais positivamen-
se mantêm idênticos em ocasiões diferen- te, a fidedignidade de um instrumento diz
tes; por exemplo, os escores obtidos num respeito ao montante de variância verda-
tempo 1 e num tempo 2 para os mesmos deira que ele produz vis-á-vis a variân-
sujeitos. Essa ocorrência (identidade dos cia erro, isto é, quanto maior a variância
escores) evidentemente supõe que o traço verdadeira e menor a variância erro, mais
que o teste mede se mantenha constan- fidedigno o instrumento: um escore pre-
te sobre essas diferentes ocasiões, como ciso é um escore que se aproxima do va-
é suposto ser o caso, por exemplo, na lor verdadeiro, expresso estatisticamente
maioria dos traços de personalidade e pelo erro padrão da medida (tratado mais
de aptidão. Não seria o caso em um teste adiante).
de humor, porque ele traço por natureza A definição estatística da fidedig-
varia de um momento para outro, e um nidade é feita mediante a correlação en-
teste válido de humor produziria escores tre escores de duas situações produzidos
necessariamente diferentes em ocasiões pelo mesmo teste. Se o teste é preciso,
diferentes. Assim, o conceito de fidedig- essa correlação deve ser não somente sig-
nidade, na verdade, se refere ao quanto nificativa, mas se aproximar da unidade
o escore obtido no teste se aproxima do (cerca de 0,90). De fato, uma correlação
escore verdadeiro do sujeito em um traço de 0,70, por exemplo, expressaria uma
qualquer; isto é, a fidedignidade de um comunalidade de apenas 49% entre as
teste está intimamente ligada ao concei- duas situações provocadas pelo mesmo
to da variância erro, sendo este definido teste nos mesmos sujeitos. Nesse caso, a
como a variabilidade nos escores produ- variância comum, digamos a variância
zida por fatores estranhos ao construto verdadeira, seria menor que a variância
que o teste mede. Aparece, assim, claro erro, demonstrando que o teste não pro-
que a fidedignidade de um teste depende duz resultados fidedignos, isto é, o teste
da questão do erro da medida, especifi- não possui precisão. Essa correlação, no
camente do erro produzido pelo próprio caso do parâmetro de fidedignidade ou
instrumento: quanto o escore produzido precisão, é referida como o coeficiente de
pelo teste se distancia do escore verdadei- precisão ou de fidedignidade.
ro do sujeito no traço em questão, isto é, a Dependendo da técnica utilizada
valor 6 individual na TRI. para cômputo da precisão de um teste,
Para melhor conceber esta proble- surgem vários tipos de precisão: teste-
mática, é preciso se referir à variância -reteste, formas paralelas, consistência
verdadeira e à variância erro. Um procedi- interna.
Instrumentação psicológica 195
ser considerado um instrumento válido e Hambleton, R.K., & Swaminathan, H. (1985). Item Re-
sponse Theory: Principles and applications. Norwell, MA:
fidedigno e pronto para uso na pesquisa. Kluwer Nijhoff.
No caso de o instrumento ser orientado
Hambleton, R.K., Swaminathan, H., & Rogers, J.
para uso clínico (casos individuais), ele (1991). Fundamentals of Item Response Theory. Beverly
deve ser submetido à normatização para Hills, CA: Sage.
se poder interpretar os resultados que ele Hambleton, R.K., & Zaal, J.N. (Eds.). (1991). Advances
in educational and psychological testing: Theory and ap-
produz. Contudo, para fins de pesquisa, Plications. Boston, MA: Kluwer Academic Publishers.
que tipicamente trabalha com compara- Harman, H.H. (1967). Modern factor analysis. Chicago,
ções de grupos de sujeitos, a normatiza- LL: University of Chicago Press.
ção não é necessária. Aliás, ela não acres- Hulin, C.L., Drasgow, E, & Parsons, C.K. (1983). Item
Response Theory: Applications to psychological measure-
centa nada de novo e útil para a qualidade ment. Homewood, IL: Dow Jones-Irwin.
psicométrica do instrumento; apenas ela é Jackson, D.N., & Messick, S. (1967). Problems in human
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pois constitui uma simples transformação Jones, R.R. (1968). Differences in response consistency
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