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O desenvolvimento humano na teoria de Wallon

Profa. Vania Aparecida Marques Leite

Uma teoria da “pessoa completa”


Como o individuo torna-se o que é, quando adulto? - Que processos estão
envolvidos na construção da identidade humana? – Qual a gênese (origem) da
inteligência humana? São estas as questões que mobilizaram a teoria do
desenvolvimento da pessoa, de Henri Wallon.

A teoria de Wallon, também conhecida como teoria da pessoa completa, tem


como característica fundamental a tentativa de explicar o ser humano de forma
mais abrangente, muito embora reconheça que o desenvolvimento é um
fenômeno altamente complexo, sobre o qual não temos total controle.

Wallon teceu várias críticas às posições reducionistas das teorias psicológicas


de sua época, que influenciadas pela ciência positivista fragmentaram o estudo
do desenvolvimento humano.

Sua teoria foi fortemente influenciada pelos princípios do materialismo dialético,


por isso, valorizava o contexto sociocultural como a base para a constituição
dos sujeitos, tendo em vista que fornece os componentes à construção da
personalidade, desde o nascimento.

Para explicar o desenvolvimento humano, Wallon articulou os estudos da


psicologia, da neurologia, da filosofia e da antropologia. Essa visão
multidisciplinar contribuiu para que ele formulasse uma teoria do
desenvolvimento que engloba, ao mesmo tempo, os componentes emocionais,
a maturação do sistema nervoso e a evolução dos processos de pensamento.

De acordo com Wallon, a criança, ao nascer, ainda não possui recursos


cognitivos suficientes para interagir com o mundo de forma racional. Ela é
essencialmente emocional e vai tornando-se gradativamente em um ser sócio-
cognitivo, graças às trocas que estabelece com o seu meio sócio-cultural.

O desenvolvimento, para Wallon, é um processo contínuo e progressivo que


envolve quatro campos funcionais que se integram e se relacionam
profundamente: a pessoa (EU), o ato motor, a emoção e a inteligência. Nessa
perspectiva, a “pessoa” é o conjunto representado pela intersecção entre ato
motor, emoção e inteligência, sendo ela mesma um quarto campo funcional.

Em seu estudo sobre o desenvolvimento, Wallon reconhece o individuo como


uma totalidade, porém inacabada e num constante vir a ser. Ele defende em
sua teoria que a principal função do desenvolvimento é a individuação, ou
seja, formar um indivíduo, com uma identidade própria. Mas, isso ocorre
progressivamente, numa construção gradativa em que se somam e se
articulam os domínios funcionais.

O que são esses domínios funcionais?

- O domínio afetivo, que corresponde ás funções responsáveis pela


conduta emocional, pelos sentimentos e paixões;
- O domínio motor, que corresponde ao movimento corporal, ou seja,
como o corpo expressa e apóia a expressão das emoções e do
pensamento;

- O domínio cognitivo que corresponde ao conjunto de funções


responsáveis pela aquisição e organização dos conhecimentos,
expressando-se por meio de imagens, noções, idéias e representações;

- O domínio da pessoa (Eu) que corresponde à integração dos


domínios anteriores e se expressa na identidade em construção (do
indivíduo)

A seguir, exploraremos um pouco mais esses quatro campos funcionais, que


se integram na constituição da nossa identidade.

Domínio afetivo: o papel da afetividade e da emoção

De acordo com Wallon, o nascimento da afetividade é anterior ao nascimento


da inteligência, por isso, as condutas afetivas possuem papel fundamental para
o desenvolvimento da personalidade.

O recém-nascido, antes de estabelecer atividades de relação, ou seja, antes de


buscar conhecer e descobrir o mundo que à sua volta, permanece por um dado
período voltado para si mesmo, funcionando predominantemente por meio da
afetividade, que se exterioriza em comportamentos de alta expressividade
emocional.

No recém nascido, o movimento corporal assemelha-se a simples descargas


emocionais que oscilam entre estados de tensão e relaxamento sem um
equilíbrio das manifestações corporais. A insuficiência de habilidades na
criança para controlar seus movimentos corporais e suas emoções, decorre da
maturação incompleta do seu sistema nervoso, ainda andamento.
À medida que a criança interage com seu meio familiar e social as experiências
de interação promovem o seu desenvolvimento neurológico e cognitivo.
Gradativamente, a afetividade evolui de simples expressão motora para
comportamentos mais complexos e mais orientados por determinações morais
e racionais.

Para Wallon, a origem da consciência e da inteligência encontra-se nas


condutas emocionais. A emoção é ao mesmo tempo fisiológica e social.

Podemos dizer que a emoção é fisiológica porque as reações emocionais


(medo, cólera, tristeza, alegria, etc), possuem uma base orgânica ligada ao
sistema nervoso, portanto, pode ser traduzida em termos fisiológicos.

Assim, quando nos emocionamos, ocorre uma série de alterações bioquímicas


em nosso organismo, expressando estas alterações em nossa postura, em
nossa gestualidade, em nossa fisionomia.

Para que você compreenda melhor o que estamos falando, imagine as


seguintes situações:

1) uma moça apaixonada ao avistar a pessoa por quem está


apaixonada.
2) uma mulher que apressa o passo ao suspeitar que um assaltante
caminha na sua direção.
3) o funcionário de uma empresa que fica enfurecido ao perder uma
oportunidade de negócio e aplica um soco na mesa.

Podemos dizer que as três situações são condutas emocionais, pois podem ser
traduzidas em termos fisiológicos, ou seja, explicadas organicamente.

Acompanhe na tabela a seguir, uma tradução fisiológica para cada uma das
emoções relatadas.
Situação Emoção Tradução fisiológica
Aumento da quantidade de feniletilamina no cérebro. Os
1 Paixão batimentos cardíacos por minuto aumentam.

Alteração nos batimentos cardíacos, aceleração da


2 Medo respiração e dilatação das pupilas reduzindo o fluxo de
sangue nos órgãos periféricos e preparando o corpo para a
fuga.
3 Raiva Tensionamento dos músculos, diminuição das pupilas, maior
circulação de sangue nos órgãos periféricos, preparando o
corpo para a defesa e o ataque.

Ficou clara para você a ideia de que a emoção é uma manifestação orgânica?-
Mas, Wallon não se limitou a estudá-la somente como um comportamento do
organismo. Ele defendeu que a emoção é também um comportamento social,
pois é o primeiro e o único recurso de que a criança dispõe para se comunicar
e se integrar ao mundo, garantindo assim a sua sobrevivência.

Para Wallon, a capacidade natural de emocionar-se, faz com que a criança


dialogue com o seu meio, ainda que não tenha consciência de que tipo de
emoção está vivenciando. Assim, o choro do bebê ao sentir dor, manifesta
reações emocionais de cólera, mesmo que esta emoção não esteja direcionada
a algum objeto ou pessoa. É a emoção na sua mais pura manifestação.

Ao longo do desenvolvimento, as reações emocionais vão se tornando cada


vez mais provocadas por situações externas e pelos significados culturais
construídos.

Podemos exemplificar este raciocínio walloniano, no exemplo de um bebê que


avista uma barata e tenta pegá-la, porque não nasceu com medo de baratas.
Mais tarde, por interferência de sua cultura, poderá desenvolver uma reação
emocional de medo de barata, evitando-a.

Assim, a emoção que no início era desencadeada a partir de processos


fisiológicos como a fome e a dor, passa a ser desencadeada a partir de
significados culturais.
O caráter social das emoções pode ser explicado a partir de três mecanismos,
dos quais ela dispõe para agir sobre o mundo: a contagiosidade, a
plasticidade e a regressividade.

A contagiosidade refere-se ao poder de contágio que as manifestações


emocionais exercem sobre o meio social. O ser humano não consegue ficar
alheio à emoção do outro. Se não fossemos tão suscetíveis à emoção do outro,
não teríamos sobrevivido enquanto espécie.

Para compreender a contagiosidade basta-nos recordar as vezes que nos


deixamos afetar pelo choro contínuo de uma criança, ou quanto o estado
afetivo de alguém conseguiu nos abalar. Assim, uma pessoa triste e
desanimada, ao entrar num ambiente festivo em pouco tempo será
contaminada pela alegria daquele ambiente.

Para Wallon, as condutas emocionais das crianças têm maior poder de


contágio sobre nós, pois, como elas não possuem recursos internos suficientes
para controlar suas emoções, acabam por exigir dos adultos, que eles próprios
tenham maior controle emocional.

A plasticidade é a capacidade natural da emoção, de moldar-se no corpo,


refletindo-se na postura e gestualidade corporal. É pela plasticidade que
sabemos se uma pessoa está triste, ou nervosa, ou desanimada, por exemplo.

O movimento e a postura corporal traduzem a relação do individuo com seu


meio, comunicando seu estado afetivo. Por isso, Wallon defendeu a ideia de
que o corpo de que as expressões corporais devem ser melhor compreendidas
no contexto escolar, tendo em vista que elas fornecem pistas importantes aos
educadores. Podem revelar desde uma profunda euforia pedagógica até uma
forma de oposição à aula e ao professor.

A regressividade diz respeito ao poder das emoções sobre a regressão das


atividades de raciocínio, revelando a fragilidade da relação entre emoção e
razão, que, embora interdependes, se conflitam e se sobrepõem uma à outra.
O caráter social da emoção aponta para o fato de que facilmente podemos
regredir a estados mais primitivos da manifestação emocional, quando somos
provocados pelo outro.

Você já deve ter observado ou presenciado situações em que uma conversa


evolui para a agressividade. O primeiro interlocutor ofende o segundo, que se
enfurece com a ofensa e passa a ofender ainda mais o primeiro, configurando-
se um ciclo vicioso no qual a emoção regride a capacidade de pensar
racionalmente sobre a situação..

Isso ocorre também no contexto escolar, quando, diante de situações de


turbulência, o professor aumenta o seu tom de voz, os alunos falam mais alto
ainda e, em pouco tempo o professor já está gritando com seus alunos e
perdendo o controle da situação.

Vamos fazer uma atividade, para colocar em ação o que você compreendeu a
respeito dos efeitos da emoção? Então, leia o caso a seguir.

Marisa, professora do 4º ano do Ensino Fundamental, depara-se com uma


situação de total descontrole em sua sala de aula. Uma menina chora porque
pegaram o seu estojo e esconderam, a professora pede ao responsável que se
manifeste, como isso não ocorre ele ameaça a sala toda de ficar sem a aula
de Educação Física. Ocorre uma situação de conflito e enfrentamento entre
alunos e a professora. Alguns alunos se recusam a ficar sem a aula pois não
aceitam levar a culpa pelos outros. Uma das alunas acusa Paulo, considerado
o “pior da classe”. Outro grupo se ofende por Paulo, alegando que não foi ele.
Começam acusações recíprocas e a professora pede que voltem à atividade e
a maioria diz que já terminou a lição. A professora Marisa grita e expulsa
Renato e Guilherme da sala, pois no seu entendimento estão conturbando a
aula. Renato se recusa a sair dizendo que não vai levar a bronca no lugar dos
outros. A professora puxa-o pelo braço e ele resiste dizendo que não sai.
Ricardo levanta a mão e se oferece para sair no lugar Renato e mais três
alunos dizem “eu.., eu…, deixa eu sair”. A professora grita com a sala dizendo
__“chega!. Todos estão sem aula de Educação Física e pronto!. Eu quero ver
as bolsas pra saber quem pegou o estojo da Geovana.

Você consegue perceber no caso, algumas das características da emoção,


discutidas neste tópico? Quais?

De acordo com Wallon, a emoção, quando exarcebada possui um poder


desagregador sobre a razão e, uma das formas de diminuir este efeito
desagregador e buscando compreender, raciocinar sobre a situação. Assim, o
circulo vicioso observado na aula da professora Marisa, ocorreu porque ela se
deixou envolver, contagiando também a sua sala, com as suas condutas
emocionais e usando de sua autoridade, uma vez que, perdeu o controle da
situação.

Domínio motor: o papel do movimento

Para Wallon, o corpo ocupa um papel fundamental para a aprendizagem. É por


isso que as crianças aprendem manipulando objetos, participando, realizando
atividades que permitam a exploração ativa do ambiente.

O processo de maturação da criança ainda não lhe permite desenvolver as


disciplinas mentais necessárias para que se mantenha parada e nem
concentrada em alguma atividade por muito tempo, fazendo com que, quanto
mais nova a criança for, mais necessidade de usar os gestos e as expressões
corporais para se comunicar ela terá.

O movimento, além de colocar a criança para relacionar-se com seu ambiente,


auxilia o próprio pensamento, servindo como suporte para ele, principalmente
quando a linguagem oral ainda não atingiu níveis mais elaborados. Podemos
citar como exemplo a grande quantidade de gestos que as crianças fazem
quando estão tentando explicar seu raciocínio para alguém. Os gestos vêm em
socorro da sua inabilidade de comunicar suas ideias.
Vamos pensar mais um pouco sobre a questão do papel do movimento na sala
de aula, a partir do caso da professora Marisa?

Como você explicaria a turbulência daquela sala de aula, considerando o que


Wallon diz sobre a importância o movimento para a aprendizagem da criança?

Agora, compare o que você concluiu com as ideias wallonianas.

Esperamos que você tenha chegado a conclusões bem próximas das relatadas
a seguir.

- O movimento traduz a vida psíquica por meio da sua dimensão


expressiva podendo ser um importante indicador das necessidades dos
alunos ao professor.

- O excesso de movimento na sala de aula é um indicador de que a aula


não está possibilitando aos alunos condições para sua expressividade.

- As crianças necessitam expressar-se por meio do corpo e possuem


menor tolerância à atividades que exijam esforço mental ao mesmo
tempo que contenção do movimento.

- A organização dos tempos e espaços da aula devem permitir aos


alunos a possibilidade de movimentarem-se e se expressarem.

A exemplo da professora Marisa, muitos educadores possuem a crença de que o


movimento atrapalha a aprendizagem, mas, como vimos, não é isso que diz
Wallon.

Para Wallon, mesmo que estamos totalmente parados, nosso corpo está em
movimento, pois há um grupo de musculos trabalhando para que possamos
manter a postura. Ele chama este movimento “parado” de função postural ou
tônica.
Ocorre que, o esforço empregado pelos musculos para manter o corpo parado
além da capacidade das crianças, gera um estresse cognitivo, fazendo com que
elas dispersem, dificultando assim sua aprendizagem.

O professor tende a excluir o movimento de sua aula por não saber lidar com ele.

Você consegue imaginar como a aula poderia se organizar para favorece o


fluxo do movimento e do pensamento?

Que tal buscar respostas pesquisando o Projeto de Reforma Educacional


Longevin-Wallon? Na internet há várias publicações deste projeto.

Domínio cognitivo: a inteligência

Como vimos nos tópicos anteriores, ao nascer, os únicos recursos que a


criança dispõe para comunicação com o mundo é a sua alta expressividade
emocional e corporal, que será posteriormente substituída em grande parte
pela linguagem falada.

No entanto, isso não significa dizer que no início da vida não há inteligência. O
bebê recém-nascido já traz consigo uma estrutura psíquica bastante ativa e
com funções elementares desencadeadoras de percepções que serão
progressivamente refinadas, a partir dos estímulos vindos do meio
sociocultural.

A afetividade é a energia que mobiliza o ser em direção ao ato de comunicar-se


com o mundo a sua volta. É desta conduta que se origina a inteligência, que
corresponde à elaboração mental das experiências proporcionadas pela
relação do indivíduo com este mundo.

Em virtude de seu poder de sobrepor-se à preponderância da razão, é


necessário, segundo Wallon, manter-se uma “baixa temperatura emocional”
para que se possa trabalhar as funções cognitivas.
A emoção é capaz de preponderar sobre a razão sempre que à última faltem
recursos para controlar a primeira. O desenvolvimento deve conduzir à
predominância da razão, pois, para Wallon, “a razão é o destino final do
homem”.

Domínio da pessoa: a construção do Eu

A criança nasce indivíduo ou constrói sua identidade?

Wallon defende em sua teoria que o desenvolvimento segue progressivamente


da socialização para a individuação, ou seja, nascemos totalmente imbricados
e misturados ao meio social. No plano biológico o bebê já se separou do corpo
da mãe, mas no campo psicológico ele ainda terá de construir a sua
individualidade.

Nessa perspectiva, ninguém nasce pronto e nem individualizado. Nossa


identidade é construída na interação do potencial genético que trazemos ao
nascer e as influências ambientais, mas nunca estará pronta e acabada, pois
estamos em contínuo processo de “vir a ser”, no qual mudanças e
transformações ocorrem desde o início da vida até o seu término.

De acordo com Wallon, a tarefa principal da pessoa desde o nascimento é a


“construção do Eu”. Para definir os contornos de sua identidade a criança e o
adolescente dependem essencialmente da relação com as outras pessoas, que
acabam servindo de referência, a ser aceita ou negada.

Estágios do Desenvolvimento

Na visão de Wallon, o desenvolvimento é um processo marcado por conquistas


e conflitos de ordem interna e externa, configurando-se num processo que tem
como principal objetivo a individuação, ou seja, a constituição da identidade .
Os estágios do wallonianos do desenvolvimento são: Estágio impulsivo
emocional, estágio sensório-motor projetivo, estágio do personalismo, estágio
categorial e adolescência.

Para explicar os estágios do desenvolvimento, Wallon recorreu a três princípios


básicos: - princípio da alternância funcional, princípio da predominância
funcional e – princípio da integração funcional.

O princípio da alternância funcional indica que o desenvolvimento ocorre em


duas direções opostas que se alternam entre os estágios. Uma direção
centrípeta (para dentro), em que predominam as condutas afetivas e uma
direção centrífuga (para fora), em que predominam as condutas cognitivas.

O princípio da predominância funcional refere-se ao domínio de um campo


funcional sobre outro, ao longo do desenvolvimento. Assim, a função motora
predomina nos primeiros meses de vida, enquanto que as funções afetivas e
cognitivas se alternam ao longo dos estágios do desenvolvimento. No primeiro
estágio predomina a função afetiva, no segundo, predomina a função cognitiva
e assim sucessivamente.

O princípio da integração funcional diz respeito à interdependência entre as


conquistas de um estágio e as fases que o antecedem, ou seja, as conquistas
do estágio anterior são integradas às conquistas atuais. A integração é
também um processo que ocorre entre os campos funcionais motor, afetivo e
cognitivo que se integram para a construção da pessoa.

De acordo com Wallon, os estágios do desenvolvimento que possuem


predominância funcional afetiva caracterizam-se por estarem mais fortemente
voltados à construção do Eu. Já nos estágios que possuem predominância
funcional cognitiva, a criança volta-se mais para o mundo externo e para a
tentativa de elaborar cognitivamente o que ocorre à sua volta.

É importante ressaltar que, tanto os aspectos cognitivos como os afetivos


convivem em todos os estágios, o que os diferencia é que estão sob a
predominância de uma determinada atividade funcional. Assim, não é porque a
criança esteja voltada para o mundo exterior, que deixará de construir o seu
Eu.

Veja no esquema a seguir, a alternância entre os estágios do desenvolvimento.

O Estágio impulsivo-emocional

O estágio impulsivo emocional compreende o período que vai do nascimento


até o final do primeiro ano de vida. Nele, a predominância funcional é afetiva,
ou seja, o bebê está mais fortemente voltado à construção do Eu.

A marca principal deste estágio é a maneira predominantemente impulsiva e


emocional das condutas do bebê. Os movimentos da criança são
descontrolados e sua comunicação com o mundo a sua volta é realizada por
gestos, gritos, choro, riso, tendo por objetivo chamar a atenção do meio para
atender ás suas necessidades de cuidado e afeto. São estas condutas as
principais responsáveis pela garantia da sua sobrevivência.

No início deste estágio, o bebê não tem consciência de si e nem de que possui
um corpo, vendo-se como uma extensão dos objetos a sua volta. Há um
prolongamento da simbiose respiratória do feto, que se transforma em simbiose
alimentar no recém-nascido e, por volta dos três meses, em simbiose afetiva,
característica específica da espécie humana.

A criança aos poucos aprende a contagiar o adulto com sorrisos e sinais de


contentamento, o que caracteriza laços de caráter afetivo com aqueles que
estão à sua volta.

Podemos dizer que nesse estágio ocorre o recorte corporal, ou seja, o bebê
toma consciência de que possui um corpo e de que esse corpo possui limites e
possibilidades.

Para que a humanidade possa sobreviver, é necessário que a imperícia do


recém-nascido afete o outro e provoque nele sentimentos de solidariedade.
Para Wallon, esse é um dos maiores indicadores de que o meio social é
privilegiado para a criança em desenvolvimento.

O estágio sensório motor projetivo

Neste estágio, que compreende o período de 1 a 3 anos, a criança já realizou


conquistas importantes nos planos afetivo, motor e cognitivo, possibilitando-a
diferenciar-se melhor no plano corporal e psicológico e diferenciar as pessoas
entre si, percebendo aquelas que desempenham papéis significativos em
relação a ela, como, por exemplo, pai, avós, tios e padrinhos.

Seguindo o princípio da alternância funcional, agora ela volta-se para o mundo


externo, operando de forma predominantemente cognitiva. Sua sociabilidade
se amplia rapidamente quando começa a andar e a falar. A conquista da
marcha permite que ela interaja mais com o ambiente sua volta e a conquista
da fala permite que ela nomeie objetos e pessoas, diferenciando-os e
possibilitando a ampliação de suas capacidades cognitivas.
Esta interação amplia o horizonte e a vivência da criança, mas sua identidade
psicológica ainda se encontra bastante sincrética, não conseguindo diferenciar-
se claramente do outro, do que o outro diz que ela é.

O estágio do personalismo

No estágio do personalismo, que compreende o período que vai dos 3 aos 6


anos, a predominância funcional volta a ser afetiva, portanto, a criança está
predominantemente voltada a construção do Eu..

Neste estágio, observa-se na criança uma necessidade de diferenciar-se das


outras pessoas, buscando definir os contornos de sua identidade psicológica,
uma vez que toma consciência de sua autonomia em relação aos demais.

A criança do estágio do personalismo percebe as relações e os papéis


diferentes dentro do universo familiar, ao mesmo tempo em que se percebe
como um elemento fixo, como ser o filho mais velho ou o mais novo, ser filho e
irmão, e assim por diante. O comportamento da criança neste período é
marcado por condutas de oposição ao outro, sedução e imitação

Vamos ver agora como se manifestam cada uma dessas condutas.

Oposição
A oposição é um comportamento claramente observado quando a criança
rejeita as normas do adulto ou as escolhas de outra criança. É comum
observarmos crianças da fase do personalismo selecionando o que aceita
comer ou vestir ou mesmo manifestando interesse de agir de modo
independente, pedindo para banhar-se sozinha ou para ajudar a mãe nos
afazeres domésticos.

Do mesmo modo, as crianças desse estágio, fazem oposição a outras crianças,


tentando impor sua vontade nas escolhas e brincadeiras. Elas costumam ser
muito competitivas e tendem a confundir o ser com o ter.
É comum vermos crianças brigarem com outra pela posse de um brinquedo e
assim que conseguem conquistá-lo, desistirem de brincar. É como se a posse
servisse como um instrumento de auto-afirmação de sua identidade.

Sedução

A sedução pode ser entendida como um artifício utilizado pelas crianças do


estágio personalista, a fim de chamar a atenção das pessoas sobre si mesmas.
Como se encontram na chamada “idade da graça”, não poupam esforços para
se sentirem apreciadas e reconhecidas.

O comportamento de sedução pode ser exemplificado por aquelas situações de


aula, na educação infantil, em que uma criança levanta-se para mostrar seu
desenho à professora e então todas passam a levar seus desenhos para
também receber elogios e reconhecimento.

Imitação

A imitação é uma forma de experimentar o mundo dos adultos, antecipando o


seu “vir-a-ser”.
Ao imitar a criança do estágio personalista se apropria de características
pertencentes às pessoas que escolheu como referências para sua identidade.
Ao mesmo tempo, reconcilia-se com o adulto, objeto de sua admiração..

O estágio categorial

O estágio categorial compreende o período que vai dos 6/7 anos até os 10/ 11
anos, aproximadamente. Ao adentrar este estágio a criança volta-se
novamente para o meio externo, com o predomínio das funções cognitivas.

A principal característica desse estágio é o aguçamento do desenvolvimento


cognitivo e o aumento da sociabilidade. A criança se vê capaz de participar de
vários grupos, estando bastante aberta ao desenvolvimento de aptidões
intelectuais e sociais.

O estágio categorial coincide com o momento da escolarização em que a


aprendizagem se volta mais ao desenvolvimento de conceitos e da capacidade
de generalizar, classificar e combinar categorias de conhecimento. O que
permite à criança importantes avanços na compreensão do mundo que a cerca.

A adolescência

Ao entrar na puberdade, a criança que estava relativamente confortável com


sua identidade, entra num processo de insegurança em relação ao próprio Eu.
Isso dispara a necessidade de reconstrução de sua identidade, caracterizando
uma predominância funcional novamente afetiva.

As transformações corporais da puberdade anunciam a chegada da fase adulta


e isso faz com que os conflitos vivenciados na fase personalista retornem com
toda força. A oposição, a sedução e a imitação são vivenciadas novamente,
mas com algumas diferenças em relação à criança.

A oposição ocorre em relação aos pais, professores ou pessoas que


representem uma autoridade capaz de cercear o seu sonho de ser adulto e
emancipado. É por isso que o adolescente reprova a atitude dos pais ao tratá-
los como criança, demonstrando vergonha quando isso é feito publicamente.

Quanto à sedução, podemos observá-la na necessidade do adolescente de


chamar a atenção, seja pela forma de vestir-se ou comportar-se.

Do mesmo modo, a imitação do adolescente difere daquela apresentada pela


criança do estágio do personalismo no que se refere ao objeto a ser imitado.

Enquanto a criança imita os pais e os professores, o adolescente tende a


buscar as referências para a sua identidade na figura do ídolo ou de pessoas
que possam representar, de alguma forma, a ruptura com o mundo infantil.
Normalmente são pessoas consideradas por ele como um exemplo de adulto
bem sucedido, aceito e, de preferência, admirado.

A adolescência é a ultima fase do desenvolvimento do Eu e se apresenta como


um período crítico, no qual os adolescentes tornam-se intolerantes em relação
às regras e ao controle exercido pelos pais e necessitam identificar-se com seu
grupo de amigos.

Contribuições da teoria à Educação

Bem, agora que você já conheceu as principais ideias de Wallon sobre o


desenvolvimento, chegou o momento de pensarmos sobre sua aplicação de
sua teoria ao campo pedagógico.

De modo simplificado, podemos dizer que uma das maiores contribuições da


teoria walloniana para a educação diz respeito ao planejamento do currículo
escolar.

Para Wallon, a educação intelectual não deve ser a meta máxima do ensino,
pois a inteligência é apenas uma parte do todo que é a pessoa. Assim, o
objetivo maior da educação escolar deve ser auxiliar o aluno a construir sua
identidade.

O planejamento do ambiente escolar deve refletir uma visão abrangente do


currículo, incluindo a reflexão sobre espaço, tempo, materiais e possibilidades
de interações sociais e considerando os domínios: intelectual, afetivo e
psicomotor.

Em termos operacionais, podemos dizer que o planejamento das atividades


não deve se restringir somente à seleção dos conteúdos que serão ensinados,
mas necessita atingir a dimensão humana, a dimensão dos objetos de
conhecimento e a dimensão dos objetos físicos.

O esquema a seguir, procura demonstrar que, na escola essas dimensões se


integram a serviço de auxiliar o aluno na construção do Eu.

O ambiente escolar possibilita uma vivência social diferente do grupo familiar,


desempenhando um importante papel na formação de sua personalidade.
Quanto maior a diversidade de grupos de que participar, mais numerosos serão
os parâmetros de relações sociais a criança terá, enriquecendo sua
personalidade.

Nessa perspectiva, a escola planejar espaços que oportunizem as interações


sociais, nos quais as crianças possam circular e interagir com os colegas,
expressar e ouvir ideias.

O ambiente escolar deve integrar à sua prática a dimensão social e individual,


atendendo à formação do indivíduo e da sociedade. Assim, o acesso à cultura
é função primordial da educação formal, pois ela é a expressão do
florescimento das criações e das aptidões, sejam elas manuais, corporais,
estéticas, intelectuais ou morais.
Podemos dizer, então, que a formação da identidade não decorre somente do
contato com as outras pessoas, nas diversas etapas do desenvolvimento e da
vida adulta, mas também no contato com as produções dessas pessoas, seja
na arte, literatura, na música, etc.

Os movimentos de incorporação e expulsão devem ser favorecidos na escola,


por meio de atividades que permitam não só a aquisição de conhecimentos,
mas também sua expressão.

Assim, os conceitos, as artes, a literatura, a música, o teatro, se constituem em


algumas formas de expressão que devem ser valorizadas no meio escolar,
tornando-se uma possibilidade efetiva de mobilizar as dimensões cognitiva,
afetiva e motora que integram o Eu.

Concluindo, cabe também à escola reconhecer que a criança é corpórea e


concreta. Sua eficiência postural, a qualidade expressiva dos seus gestos,
comunica ao professor seus estados íntimos. O professor, de suja parte, não é
um mero expectador do desenvolvimento da criança. Ele deve ser um promotor
desse desenvolvimento.

Referências bibliográficas

ALMEIDA, A. R. S. A emoção na sala de aula. Campinas: Papirus, 1999.

GALVÃO, I. Henri Wallon: uma concepção dialética do desenvolvimento


infantil. Petrópolis: Vozes, 2003. 134 p.
WALLON, H. Do ato ao pensamento. Portugal. Moraes Ed., 1979, 224 p.

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