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PSICOTERAPIA BREVE: UMA VISÃO

PANORÂMICA

Porque o nome Psicoterapia Breve

A Psicoterapia Breve originou-se de modificações técnicas surgidas, a partir da


atuação de discípulos de Freud. Freud que na época, lutava para se impor como
teórico e clínico não achava aconselhável modificações no enquadre. O nome
Breve pegou e permaneceu até hoje. O tempo de tratamento é breve, portanto, se
comparado com a psicanálise de tempo prolongado. É por isso que o uso do
termo Psicoterapia Breve muitas vezes desperta preconceito. Há preconceitos a
respeito de sua profundidade e a respeito da possibilidade de alcançar
resultados satisfatórios.

Esses preconceitos são fruto do desconhecimento da literatura e das pesquisas


contemporâneas.

Por outro lado o termo Breve tem boa aceitação entre os pacientes, que em geral
se mostram pouco dispostos a iniciar terapias que durem anos e que são muitas
vezes consideradas por eles longe dos problemas que desejam resolver.
É importante destacar que o termo Psicoterapia Breve não denomina apenas
uma proposta terapêutica.

Veremos diferentes maneiras de atuar e mesmo nomes diferentes, como terapia


focal, terapia eliciadora de ansiedade, terapia estratégica, cognitivo-
comportamental e muitas outras que estão sob a mesma denominação.

Visão histórica do surgimento da Psicoterapia Breve

É importante entender o contexto do surgimento da Psicoterapia Breve. Isso


pode nos auxiliar na compreensão dos conceitos que embasarão a prática
clínica.

Vamos relembrar quem foi Freud e como ele criou a psicanálise. Entre seus
primeiros discípulos estão Ferenczi e Rank, entre outros. Eles propuseram
modificações técnicas que estão na origem do que depois veio a ser a
Psicoterapia Breve Psicodinâmica.

O início com Freud e a psicanálise

Freud

Freud (1856-1939) foi um personagem importante na história do surgimento da


Psicoterapia Breve Psicodinâmica. Sua contribuição é comparável à de Karl Marx
na compreensão dos processos históricos e sociais.
Formou-se em medicina, trabalhou como fisiologista e deu aulas de
Neuropatologia no instituto em que trabalhava. Tinha paixão pela pesquisa, mas
por dificuldades financeiras, começou a clinicar, atendendo pessoas que naquela
época eram identificadas como portadoras de “problemas nervosos”.
A psiquiatria da época acreditava que todos os “problemas nervosos”, tinham
uma causa orgânica. Freud provocou uma revolução no modo de entender o
sofrimento dos seus pacientes, pela criação de um método de investigação e
tratamento que chamou de Psicanálise. Rompia assim, teoricamente, com a
psiquiatria tradicional, afirmando que os problemas psíquicos tinham causas
psíquicas, e não apenas orgânicas.

Apresentou seu conceito de Inconsciente e sua implicação nos problemas


neuróticos e na vida em geral. Desenvolveu a “cura pela palavra”, palavra essa,
acolhida por uma escuta específica, diferenciada, a escuta do analista. Ao longo
de seu trabalho desenvolveu diferentes modelos do que chamava
metaforicamente de Aparelho Psíquico – A esse conjunto de teorias deu o nome
de metapsicologia.

Freud realizou psicoterapias curtas nos primeiros anos de desenvolvimento da


psicanálise. Em 1906, por exemplo, atendeu em seis consultas o maestro Bruno
Walter que apresentava uma paralisia do braço direito.

Em 1908, tratou o compositor Gustav Mahler, que sofria de impotência sexual


em caminhadas que duraram 4 horas. Ferenczi foi analisado por Freud em duas
oportunidades, durante três semanas em 1914 e mais três semanas em 1916.
Com o tempo as psicoterapias foram ficando mais longas.

Mauro Hegenberg, doutor em Psicologia pela USP e especialista em Psicoterapia


Breve nos conta uma parte dessa história:

“Por volta de 1920, a questão central para os psicanalistas era a reação


terapêutica negativa, uma reação paradoxal ao tratamento, constituída por um
agravamento dos sintomas, em vez da melhora esperada. É nesse momento que
Freud modifica sua concepção de conflito entre a pulsão sexual e a pulsão de
autoconservação e introduz a noção de compulsão à repetição. Enquanto Freud,
ao enfrentar resistências dos pacientes, propunha um aprofundamento da
metapsicologia, Ferenczi preocupava-se com a práxis, com o estudo da relação
terapêutica e com a contratransferência. Freud pretendia que seu arcabouço
teórico fosse reconhecido como científico e não como técnica psicoterápica,
considerada subjetiva, enquanto Ferenczi priorizava orientação
psicoterapêutica. Para ele, a questão principal não seriam as lembranças, ou as
construções em análise, mas a vivência dos conflitos do cliente na relação
transferencial. Ferenczi acreditava que essa abordagem poderia encurtar o
tempo da terapia, porque a rememoração do infantil não seria obrigatória em
todos os seus detalhes.”

Ferencz

Vemos, portanto nesse trecho que alguns discípulos de Freud como Ferenczi,
tentaram introduzir modificações teóricas e técnicas no processo psicanalítico
com o objetivo de encurtá-lo. Ferenczi estava interessado na prática clínica,
enquanto Freud queria aprimorar suas teorias indo além da psicologia, criando a
metapsicologia, ou seja, o conjunto de teorias que dão substrato teórico à
psicanálise

As modificações introduzidas por Ferenczi (1926) foram principalmente


técnicas, e se referiam ao que ele denominou “técnica ativa”. Ele se preocupou
com questões relativas ao enquadre e também como o par analista/ cliente.
Assim pensando desenvolveu tentativas de intensificar o processo transferencial
apressando a emergência das experiências passadas e dando um novo impulso
ao tratamento, especialmente quando este chegava a momentos de impasse. Ele
levava o paciente a enfrentar situações ansiógenas, proibia certos
comportamentos propiciadores de gratificações que se constituíam em
obstáculos para a sequência do trabalho e encorajava o fantasiar.

Quem se interessar por aprofundar seu conhecimento nas contribuições


de Ferenczi, cito aqui alguns artigos que ele escreveu, tal como foram
apresentados por Hegenberg, em seu livro Psicoterapia Breve:

Em “Confusão de Língua entre adultos e crianças” (1933) aborda vários temas,


tais como a contratransferência, a necessidade de análise pessoal por parte do
analista, a transferência negativa e o ambiente.

Em “A técnica psicanalítica” (1911) discute a importância da


contratransferência.

Em “Princípios de relaxação e neocatarse” (1930) aponta os perigos de fixar um


término para o tratamento, refere-se ao potencial traumático do mundo exterior,
discorre sobre o analista como ser humano ( como diminuir sua rigidez, por
exemplo).

Em “Elasticidade da Técnica psicanalítica” (1928) discute o “sentir com” tão a


contragosto de Freud.

Em “Perspectivas da psicanálise” (1924), salienta a importância da prática


clínica, do narcisismo do terapeuta e da vivência na transferência.

Em “Transferência e introjeção” (1909) introduziu o conceito de introjeção,


demonstrando seu interesse precoce pela relação com o outro, lembrando que
os conceitos de introjeção e projeção são fundamentais na teoria Kleineana de
objeto.

Para muitos Ferenczi deve ser considerado “o pai” da Psicoterapia Breve não só
porque salientou a importância de se pensar a relação terapêutica, mas também
porque considerou relevantes questões que são fundamentais na Psicoterapia
breve, até hoje tais como:

• A realidade do limite do tempo interferindo na relação terapêutica.


• A importância do papel do terapeuta como uma pessoa real.
• O papel da realidade e do enquadre.
• A crise em que o sujeito está inserido, quer dizer a importância dos fatos de
sua vida no momento atual.
Otto Rank

Otto Rank, outro discípulo de Freud, também preocupado com a relação


terapêutica deixou contribuições significativas para a Psicoterapia Breve, tais
como estabelecimento prévio de uma data para o término da análise e conceito
de “willtherapy”, que, segundo Marmor (1979), é um precursor do conceito de
“motivação para mudança”, considerado atualmente como um dos importantes
critérios de indicação para tratamentos breves.

Ferenczi, Rank, Alexander e French são considerados por Crits-Christoph e J.


Barber – autores de um livro sobre o desenvolvimento da psicoterapia
psicodinâmica breve - “A primeira Geração de Psicoterapia Breve”.
Essa classificação não é compartilhada por Elisa Medici Pizão Yoshida, como
veremos abaixo neste texto.

Muitos autores consideram o trabalho de Alexander e French (1946), o marco


inicial da psicoterapia breve. São autores que também propuseram variações no
enquadre da psicanálise clássica. Afirmavam que o terapeuta deve ser flexível,
pode dar sugestões na vida cotidiana do paciente e utilizar experiências da vida
real.
Franz Alexander

Em 1941, em Chicago, sob a influência de Franz Alexander, ocorreu o primeiro


congresso destinado à psicoterapia breve. Com Thomas French, ele escreveu, em
1946, o livro “Psychoanalytical therapy”.

Neste livro, os autores apresentaram o conceito de Experiência Emocional


Corretiva. (a partir daqui, será utilizado no texto a sigla E.E.C. quando
estivermos fazendo referência ao conceito de Experiência Emocional Corretiva,
de F. Alexander).

Esse conceito, até hoje um definidor da psicoterapia breve, foi assim descrito por
Vera Lemgruber em seu livro “Psicoterapia focal: o efeito Carambola”:

Livro de Vera Lemgruber


“Para F. Alexander a EEC pode ocorrer sem haver por parte do paciente
conhecimento intelectual e completo das causas determinantes de sua
problemática atual. Representa a possibilidade de o paciente experimentar
situações traumáticas do passado penosamente reprimidas, revivendo-as na
relação com o terapeuta. A ideia é que uma nova experiência emocional ocorre na
relação entre terapeuta e paciente. O terapeuta adota uma postura
deliberadamente diferente da atitude da pessoa significativa do passado do
paciente, a fim de o paciente atingir uma reformulação interna de seus conflitos
através da reestruturação de sua vivência de ansiedade frente a situações
emocionais antes insuportáveis. A oportunidade de enfrentar aquelas vivências
emocionais penosas, no presente e sob circunstâncias favoráveis, é que vai permitir
ao paciente tratá-las de forma diferente do que fazia anteriormente. O papel do
terapeuta será o de servir de catalisador neste processo de mudança.
Proporcionando repetidamente EEC através de interações menos patológicas com
o paciente, vai agir como uma espécie de coach, num progressivo treinamento,
ajudando a estabelecer novas conexões neuronais mais satisfatórias em relação à
sua problemática original.”

Podemos entender então que o princípio terapêutico da EEC é reexpor o


paciente, em circunstâncias mais favoráveis, à situações emocionais que ele não
conseguia suportar no passado. A atitude do terapeuta é diferente daquela da
figura autoritária do passado e assim, ele proporciona ao paciente a
oportunidade de enfrentar diversas vezes, sob circunstâncias mais favoráveis,
aquelas situações emocionais que anteriormente eram insuportáveis e lidar com
elas de uma maneira diferente da anterior. Isto só pode ser alcançado através da
experiência concreta na relação do paciente com o terapeuta; a percepção
intelectual por si só não é suficiente.

O terapeuta deve ter um entendimento claro das origens das dificuldades


emocionais do paciente a fim de que possa restaurar para o mesmo, as situações
originais de conflito das quais ele se retraiu. O entendimento intelectual dessa
origem de seus problemas por parte do paciente tem importância apenas
secundária. Quanto mais precisamente o terapeuta entender a dinâmica e for
então capaz de reativar as posturas anteriores, mais adequadamente ele poderá
proporcionar, a partir da sua própria postura, as experiências novas necessárias
para produzir resultados terapêuticos. Repetindo, o terapeuta vai agir e
responder ao paciente de forma diferente ao das figuras originais e isso fará
toda a diferença.

A EEC pode ocorrer também em uma situação paralela, no dia a dia do paciente.
Na época de seu lançamento o trabalho de Alexander e French não foi
apresentado como um método de psicoterapia breve. Foi apresentado como uma
modificação da psicanálise ortodoxa o que provocou uma onda de hostilidade e
descrédito.

Entre os autores citados até agora:

Freud; Ferenczi; Rank – são classificados por Elisa Medici Pizão Yoshida, como
fazendo parte do que a autora chama de Primeiro estágio psicanalítico.

Alexander e French – fazem parte do Estágio Intermediário.

Segundo Yoshida E.M.P, trata-se de autores cujos trabalhos viabilizaram o


aparecimento das atuais psicoterapias breves de orientação psicodinâmica, mas
que não podem ser classificados como autores deste tipo de psicoterapia.

No estágio psicodinâmico breve, a autora inclui:

Lindermann; Balint e Malan ; Davanloo; Gilliéron; Sífneos e Mann


Esses representam a primeira geração de autores internacionais.

Dentre os autores nacionais Yoshida destaca a contribuição de:


Knobel (1986) ; Simon (1983/1989); Lemgruber (1984).

Portanto, de acordo com a compreensão de Yoshida, os autores do estágio


psicodinâmico breve correspondem à primeira geração propriamente dita de
autores de Psicoterapia Dinâmica Breve, conquanto tenham sofrido forte
influência dos que os precederam.

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