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Psicologia: Teoria e Prática

1999, 1(2): 9-19

PSICOTERAPIA PSICODINÂMICA BREVE: DOS


PRECURSORES AOS MODELOS ATUAIS.
Iraní Tomiatto de Oliveira
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Núcleo de Estudos e Pesquisa em Psicoterapia Breve

Resumo: O artigo apresenta uma visão panorâmica da psicoterapia psicodinâmica breve, desde sua
origem até os dias atuais. Após a localização histórica de seu surgimento, faz referência aos modelos
teóricos e técnicos mais utilizados nas últimas décadas e seus principais representantes. Inclui também
algumas das principais contribuições à aplicação destas técnicas à população infantil.
Palavras-chave: Psicoterapia Breve, Modelos de Psicoterapia Breve, Psicoterapia Breve de Crianças.

BRIEF PSYCHODYNAMIC PSYCHOTHERAPY: FROM FORERUNNERS


TO PRESENT MODELS.
Abstract: The article presents a brief psychodynamic psychotherapy overview from its origins to
nowadays. After the historical location of its emergence, it refers to the most used technical and
theoretical models in the last decades and some of its high exponents. Some contributions to the use of
time-limited psychotherapy with children are also included.
Keywords: Brief Psychotherapy, Models of Brief Psychotherapy, Brief Psychotherapy with Children.

Psicoterapia Psicodinâmica Breve: dos chamou de “miséria neurótica”(1919), o


precursores aos modelos atuais. que dizer, então, de nossa chamada “pós-
modernidade”? A complexidade das
A psicoterapia breve tem se exigências e das pressões sociais,
constituído, nas últimas décadas, numa econômicas, políticas e as dificuldades de
das principais opções para se tentar toda ordem às quais o ser humano é
estender o atendimento psicoterápico a submetido, especialmente nas grandes
parcelas mais amplas da população. Isto metrópoles, cria um ambiente muito
não significa que sua utilização se propício à pesquisa de formas de
restrinja à situação institucional ou que ela tratamento com aplicabilidade mais
se dirija necessariamente a populações abrangente e menos onerosa.
carentes. O uso desta modalidade de Quando se fala em psicoterapia
atendimento em consultórios particulares breve (que daqui em diante poderá ser
também vem se ampliando, em função da referida no texto como PB),
demanda dos pacientes, que muitas vezes imediatamente vem à tona a questão do
buscam ajuda para problemas específicos, tempo, uma vez que o “breve”, aqui, é
mas não têm condições ou motivação para definido em comparação a um trabalho
se envolver num processo psicoterápico considerado “longo”, no caso a
prolongado. psicanálise. Mas não é só o tempo de
Lançadas a partir da preocupação duração que diferencia estas formas de
de alguns psicanalistas em encontrar trabalho. A PB é uma intervenção
formas de abreviar o sofrimento de seus terapêutica com tempo e objetivos
pacientes, as sementes da psicoterapia limitados. Os objetivos são estabelecidos
breve germinaram e se desenvolveram. Se a partir de uma compreensão diagnóstica
no início do século o próprio Freud já do paciente e da delimitação de um foco,
demonstrava sua preocupação com o que considerando-se que esses objetivos sejam
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passíveis de serem atingidos num espaço Freud, a cura através do método catártico,
de tempo limitado (que pode ser ou não ou seja, de tornar conscientes as memórias
preestabelecido), através de determinadas traumáticas reprimidas, com a ab-reação
estratégias clínicas. Assim, as PB estão, dos afetos a elas relacionados.
em termos técnicos, alicerçadas num Com o decorrer do tempo, no
tripé: foco, estratégias e objetivos. entanto, a mudança do interesse de Freud,
Existe uma multiplicidade de do tratamento de sintomas neuróticos para
propostas e de formas de trabalho, a compreensão da natureza do
desenvolvidas por diferentes autores. inconsciente e da personalidade; o fato de
Após um breve histórico, faremos ter recorrido a uma explicação
referência a alguns dos principais. O metapsicológica do funcionamento
objetivo não é fazer um estudo psíquico; a mudança do método catártico
aprofundado das diferentes técnicas, o que para a associação livre e a importância
fugiria à proposta deste trabalho, mas atribuída à neurose de transferência
oferecer uma visão panorâmica da PB e levaram a um prolongamento cada vez
de seu desenvolvimento até os dias atuais. maior do processo de análise.
Embora Freud tenha por diversas
Os Precursores. vezes manifestado sua preocupação com
esse prolongamento excessivo e a
Os estudos sobre as origens das princípio encorajado algumas iniciativas
psicoterapias breves costumam citar para abreviá-lo, ele próprio não buscou
Freud como um de seus precursores formas de diminuir a duração da análise, e
(Malan, 1963; Cramer, 1974; Gilliéron, acabou por criticar a iniciativa de seus
1983a, 1983b; Braier, 1984; Sifneos, discípulos, por diversas razões.
1984; Messer & Warren, 1995), uma vez Ainda durante a vida de Freud
que seus primeiros tratamentos alguns psicanalistas tentaram introduzir
dificilmente ultrapassavam um ano de modificações teóricas e técnicas no
duração, e vários foram realizados em processo psicanalítico, visando abreviá-lo,
apenas algumas horas. É possível especialmente Ferenczi e Rank.
encontrar algumas semelhanças entre essa As modificações introduzidas por
forma de trabalho e algumas propostas da Ferenczi (1926) foram principalmente
PB atual: Freud buscava a remissão de técnicas, e se referiam ao que ele
sintomas através da análise e denominou “técnica ativa”; foram
compreensão de sua etiologia, em casos tentativas de intensificar o processo
de pacientes com queixas específicas, e transferencial apressando a emergência
assumia, como terapeuta, uma atitude das experiências passadas e dando um
mais ativa. Esta aparente semelhança, no novo impulso ao tratamento,
entanto, encerra diferenças significativas, especialmente quando este chegava a
especialmente porque o método catártico, momentos de impasse. Ele levava o
utilizado na época por Freud, não levava paciente a enfrentar situações ansiógenas,
em conta certas noções às quais ele só proibia certos comportamentos
chegaria posteriormente, e que têm lugar propiciadores de gratificações que se
importante nas técnicas de hoje. constituíam em obstáculos para a
Referimo-nos especialmente à seqüência do trabalho e encorajava o
transferência e a uma análise mais fantasiar.
sofisticada das resistências. Além disso, O próprio Ferenczi (1926), no
não se busca, nas PB atuais, como fazia entanto, acabou por fazer uma crítica a

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seu método, admitindo que sua criado, assim, o conceito de experiência


aplicabilidade era mais restrita do que emocional corretiva e o “princípio da
supusera a princípio, e que a técnica ativa, flexibilidade” do terapeuta. Abreviar o
em alguns casos, podia aumentar as processo terapêutico, para eles, não era
resistências do paciente. primordialmente uma questão social ou
As modificações introduzidas por econômica, mas sim técnica: uma forma
Rank estavam ligadas não só a questões de frustrar a dependência e levar o
técnicas, mas a uma diferente concepção paciente a abandonar as posições infantis
etiológica da neurose, que foi refutada por em benefício de uma adaptação adulta.
Freud. Dava importância central ao Messer & Warren (1995)
“trauma do nascimento”, gerador da ressaltam como esses autores deixaram
“ansiedade primordial”, considerando-o contribuições importantes, que têm
como hipótese picodinâmica subjacente a influência até hoje: não só foram os
toda neurose. primeiros a propor aspectos essenciais de
O próprio Rank , de acordo com todas as formas atuais de PB, como o
Marmor (1979), com o passar dos anos, estabelecimento de objetivos e de um
deixou de lado a idéia de trauma de planejamento do tratamento, como
nascimento como a questão central, anteciparam a mudança da ênfase no
substituindo-a pelas questões ligadas, intra-psíquico para a psicologia
segundo ele, aos polos entre os quais o ser interpessoal e relacional, desenvolvida por
humano se move: o da ligação emocional Balint, Fairbairn , Winnicott e Bowlby na
e dependência, por um lado, e o da Inglaterra, e por Sullivan, Thompson,
separação e independência, por outro. Fromm e Fromm-Reichmann nos Estados
Esta concepção viria mais tarde a ser Unidos. Além disso, influenciaram a
considerada essencial por James Mann psicoterapia breve relacional de Strupp e
(1973) em sua proposta de psicoterapia de Binder (1984), através da ênfase na
tempo limitado, que exporemos adiante. importância da experiência real do
Apesar das inúmeras críticas que paciente na relação terapêutica, e as PB
recebeu, Rank deixou contribuições ecléticas, defendendo a idéia da terapia
significativas para a PB, como o como uma experiência de aprendizagem a
estabelecimento prévio de uma data para serviço da adaptação.
o término da análise e o conceito de “will-
therapy”, que, segundo Marmor (1979), é As Psicoterapias Psicodinâmicas Breves
um precursor do conceito de “motivação Modernas.
para mudança”, considerado atualmente
como um dos importantes critérios de Dada a grande quantidade de
indicação para tratamentos breves. autores que se ocupam deste assunto e a
Alexander e French (1946), multiplicidade de propostas, não seria
alguns anos mais tarde, retomaram as possível, aqui, citar todos eles. Por isso, o
tentativas de abreviar o processo analítico, assunto será apresentado com base na
e seu trabalho é considerado por diversos elaboração de Messer & Warren (1995),
autores como o verdadeiro marco inicial que agrupam as várias abordagens de
da psicoterapia breve. Enfatizaram, como acordo com modelos teóricos e técnicos.
Ferenczi, a experiência emocional mais Essa classificação pode oferecer não só
do que a rememoração, e viam a cura um panorama geral do trabalho
como uma experiência em que a atitude desenvolvido, mas também uma melhor
do analista, diferente da dos pais, permite compreensão das semelhanças e
uma correção da relação infantil. Foi diferenças entre as várias abordagens.
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Aqueles autores dividem as PB postura bastante ativa, que visa levar o


em três modelos principais: o estrutural paciente a se defrontar com seus conflitos.
ou do impulso, o relacional e o integrativo O processo é focalizado e limitado entre
ou eclético. 12 e 18 sessões.
Davanloo (1980) propôs uma
O Modelo Estrutural ou do Impulso. técnica altamente ativa, de confrontação e
manutenção de foco, que se utiliza, desde
Três autores podem ser citados o início, de interpretações da
como os principais e mais conhecidos transferência, das defesas, dos sonhos e
representantes deste modelo: Malan das fantasias, e da reconstrução genética.
(1976, 1979), Sifneos (1979, 1984) e Com a confrontação constante, que chega
Davanloo (1980). Eles iniciaram de forma às vezes a ser desafiadora, tende a
independente seus estudos, provocar sentimentos de hostilidade no
respectivamente na Inglaterra, nos paciente, a utilização desta técnica
Estados Unidos e no Canadá, entre os depende da existência de uma sólida
anos 50 e 60, e acabaram por se encontrar aliança terapêutica. Aplica-se não só a
no início da década de 70, quando pacientes com focos edípicos, mas
Davanloo organizou Simpósios também a casos mais graves, com os
Internacionais de PB. quais conseguiu resultados positivos. O
Malan (1976, 1979), partindo do número de sessões não é fixado
trabalho de Balint, propõe que a princípio antecipadamente, mas é explicitado que o
seja estabelecida uma hipótese trabalho será breve.
psicodinâmica de base, a partir de um Os três autores citados acima
diagnóstico que inclui entrevistas e testes guardam semelhanças importantes em
psicológicos. A idéia é identificar o seus trabalhos, o que faz com que se possa
conflito primário, que é reeditado na considerá-los como representantes do
problemática atual do paciente. Sobre a mesmo modelo de PB.
hipótese psicodinâmica de base se planeja Além das bases nitidamente
o trabalho terapêutico, que é feito através freudianas, suas preocupações se
da interpretação ativa e seletiva, e tem concentram especialmente nos aspectos
tempo e objetivos delimitados. Dedicou- técnicos. Sua abordagem dá prioridade
se intensamente ao estudo de casos aos conflitos intra-psíquicos. Malan e
clínicos, inclusive com acompanhamento Davanloo trabalham, inclusive, com o
aprofundado e prolongado, visando um triângulo de conflito: impulso, defesa e
maior conhecimento do problema da ansiedade. A herança freudiana fica clara
seleção de pacientes e dos resultados da também pela freqüência com que utilizam
psicoterapia (Malan, 1980a, 1980b). o conflito edipiano como referencial.
Sifneos (1979, 1984) desenvolveu As principais contribuições destes
a Psicoterapia Breve Provocadora de autores estão ligadas às discussões da
Ansiedade (Short-Term Anxiety- técnica e das mudanças advindas da
Provoking-Psychotherapy – STAPP), delimitação do tempo. Além disso, seus
dirigida a pacientes criteriosamente estudos sistemáticos permitiram ampliar
selecionados, com problemática significativamente o conhecimento de
fundamentalmente edipiana, e com forte aspectos importantes da PB:
motivação para mudança. A partir da aplicabilidade e critérios de indicação,
formulação de uma hipótese extensão e duração dos resultados.
psicodinâmica, o terapeuta adota uma

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As principais críticas dirigidas a objetais como clinicamente centrais. Há,


eles advêm do fato de que aquilo que eles aqui, menos preocupações técnicas do que
consideram uma postura ativa do no modelo anterior, e menor interesse
terapeuta resvala muitas vezes para uma pelo estudo de aspectos como limites
atitude autoritária, especialmente nas estritos de tempo e critérios de seleção.
técnicas de Sifneos e Davanloo, que tende No estabelecimento do foco, estas PB
a submeter o paciente a um terapeuta apóiam-se menos num único constructo
onipotente. Segundo Messer & Warren teórico, como as anteriores se apóiam no
(1995), esta característica advém das complexo de Édipo, e dão maior
bases epistemológicas deste modelo, que importância à experiência, a relação e ao
identificam como a escola filosófica “aqui e agora”, o que resulta numa maior
idealista. “É a interpretação da realidade diversidade de focos clínicos.
do terapeuta que conta, ao invés de uma Ao invés de propor abordagens
visão de realidade compartilhada, que técnicas específicas, como a confrontação
emerge da interação entre terapeuta e sistemática das resistências e a
paciente. Para o terapeuta estrutural interpretação precoce da transferência,
tradicional, quando o paciente resolve a priorizam a relação terapêutica e os
transferência, ele enxergará o mundo padrões de relacionamento interpressoal
como o terapeuta, sem distorção.” que o indivíduo estabelece, e encaram o
(Messer & Warren, 1995: 113, tradução terapeuta como observador participante.
da autora). Autores como Luborsky (1984),
Horowitz (1988, 1991) e Strupp & Binder
O Modelo Relacional. (1984) podem ser considerados
representantes desta forma de trabalho.
Fruto de uma filosofia da ciência As críticas que têm sido dirigidas
que inclui o reconhecimento da natureza a esse modelo se referem exatamente a
contextualizada do conhecimento e da essa menor preocupação com a técnica e à
pluralidade dos pontos-de-vista surgiu o dificuldade de se utilizar, dentro deste
que Messer & Warren (1995) classificam contexto, os métodos tradicionais de
como modelo relacional de PB. Essa pesquisa. Posteriormente, no entanto, foi
mudança filosófica se refletiu na desenvolvida uma metodologia de
psicanálise, gerando uma nova visão da pesquisa mais adequada a esta
teoria da personalidade, da psicopatologia abordagem, que possibilitou uma
e consequentemente da técnica produção expressiva de trabalhos,
psicoterápica, baseada principalmente nas especialmente nas décadas de 80 e 90.
relações objetais, a partir dos trabalhos de
Melanie Klein, Fairbairn e Winnicott. O Modelo Integrativo ou Eclético.
“Nesta visão, a unidade básica de estudo
não é o indivíduo como uma entidade Nos últimos anos tem-se
separada, cujos desejos se chocam com a observado uma tendência a integrar
realidade externa, mas um campo técnicas e conceitos de diferentes
interacional dentro do qual o indivíduo tradições terapêuticas, com o objetivo de
surge e luta para fazer contato e para se aumentar a eficiência e o espectro de
articular.” (Mitchell, in Messer & aplicação das psicoterapias. As evidências
Warren, 1995: 114-115). de que não existe uma abordagem que
O critério que esses autores seja adequada para todos os casos levaram
utilizam para incluir determinada proposta alguns autores a considerar que se deve
neste modelo é a enfase nas relações
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adaptar a psicoterapia ao paciente, e não disso, sua técnica, de acordo com Malan
o contrário. (1976), está entre as mais radicais. A
Uma das primeiras tentativas de tentativa de integração, a nível teórico,
se chegar a um modelo integrativo de PB acabou não resultando numa técnica mais
foi feita por Mann (1973). Ele baseou sua flexível e de aplicação mais ampla.
proposta nos quatro constructos principais Nos anos mais recentes, a
contidos nos modelos anteriores: impulso, integração de diferentes abordagens tem
ego, objeto e self, considerando-os não sido buscada de três maneiras principais:
como mutuamente exclusivos, mas
• Na procura dos fatores comuns aos
complementares e reveladores de
diversos modelos, que poderiam ser
diferentes maneiras de funcionamento
os responsáveis pelo sucesso de
mental. Eles estariam presentes em todos
diferentes tipos de psicoterapia. A
os aspectos significativos do
pesquisa sobre que características da
funcionamento de uma pessoa adulta,
relação e da situação terapêutica
organizados numa hierarquia diferente
para cada indivíduo. favorecem a melhora do paciente,
apesar das diferenças teóricas e
Sua visão da psicopatologia leva
técnicas, levou alguns autores, como
em conta quatro aspectos: a hipótese
Garfield (1989), a propor um modelo
estrutural; a teoria do narcisismo e o
de PB que priorize estas
desenvolvimento da auto-estima; a teoria
características.
das relações objetais; a perspectiva do
desenvolvimento. Além disso, coloca • No ecletismo técnico (aqui é preciso
como questões centrais o tempo e a um certo cuidado com a conotação
separação, priorizando o conflito humano muito negativa que em geral se atribui
entre infinito e tempo real. O conflito ao termo “eclético”, no sentido de
neurótico, para ele, resulta do desejo de se uma mistura indiscriminada e sem
unir a um objeto, recriando a ligação mãe- critério de técnicas diversas, muito
bebê, ao lado do desejo de se tornar uma diferente do sentido original, derivado
pessoa separada e independente. do grego, que significa “seletivo”):
A questão do tempo, central nesta uma maior flexibilidade, que permite
abordagem, fez com que ele estabelecesse ao terapeuta lançar mão de diferentes
um limite estrito de 12 horas de recursos, adaptados às necessidades
tratamento, divididas de acordo com a de cada caso. Esta é uma postura mais
necessidade do paciente, em relação à pragmática e mais baseada na prática
duração e freqüência das sessões. A idéia clínica, que dá menor importância à
é que os conflitos e ansiedades teoria e prioriza as necessidades de
relacionados com separação e perda, que cada paciente. As PB propostas por
representam para ele um tema central, Wolberg (1980) e Bellak (1992)
sejam ativados e trabalhados. A atitude do podem ser consideradas como
terapeuta é empática, não confrontativa, e representantes desta tendência.
ele se utiliza das interpretações • Nos esforços de integração teórica. O
transferenciais, análise da resistência e que diferencia este tipo de terapia
reconstrução genética. integrativa é que há uma teoria que
As principais críticas feitas a liga o uso de diferentes técnicas e que
Mann se referem ao fato dele ter procura embasá-lo, como na proposta
generalizado para todas as neuroses um de Prochaska (1995).
tipo de conflito básico, universal. Além

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A título de ilustração destas Sul têm adotado, porque a nosso ver esta
propostas, citaremos a deste último autor. observação revela a importância do
Sua abordagem, que ele denominou contexto social e da urgência das
“terapia transteórica” (transtheoretical demandas. Mesmo numa época em que
therapy), e que considera eclética e floresciam nos Estados Unidos os
integrativa, iniciou-se com uma análise manuais técnicos de PB, e se exaltava a
comparativa dos maiores sistemas de importância de um alto grau de aderência
psicoterapias, na busca do que cada do terapeuta a determinada técnica,
sistema tinha de melhor a oferecer. Essa dirigida a populações específicas, aqui,
busca foi orientada pelo objetivo de como observa Yoshida (1990), a carência
procurar contribuições para construir um de recursos e de investimentos na área da
modelo de terapia e uma teoria do saúde criou uma situação bem diferente.
processo de mudança, de bases empíricas. Os profissionais, que “têm sob sua
Seu objetivo não é a simples combinação responsabilidade um espectro muito
ou mistura de abordagens, mas a busca de amplo de pacientes que apresentam desde
uma teoria que seja mais do que a soma distúrbios neuróticos incipientes, até
de suas partes, e que leve a novas direções quadros crônicos de psicoses, muitas
na pesquisa e na prática. vezes agravados pelo uso de drogas,
A terapia que propõe é adaptada a álcool, distúrbios neurológicos, entre
cada paciente, de acordo com o estágio do outros”(Yoshida, 1990, p. 2-3), sempre
processo de mudança em que este se tenderam a ser mais ecléticos e menos
encontra, e com o tipo e profundidade de especializados.
problemas que apresenta. Esta adaptação Este parece ser um dos principais
se refere tanto à estrutura do trabalho fatores que levaram autores como Knobel
(número e freqüência de sessões, por (1986), Braier (1984), Simon (1983) e
exemplo), quanto às estratégias utilizadas Fiorini (1981, 1986) a adotarem posturas
e aos objetivos estabelecidos. flexíveis. Mesmo quando não podem ser
Estas tentativas de integração, que caracterizados como ecléticos, percebe-se
são o objetivo do modelo eclético de PB, neles uma clara tendência a adotar
encerram enormes dificuldades e estão critérios de indicação mais amplos,
sujeitas a muitas críticas. É sempre um objetivos mais adaptados às
risco utilizar um conceito ou mesmo uma possibilidades de cada paciente e a se
técnica fora de seu contexto, pois isto valer de uma variedade de recursos
necessariamente modifica seu significado. técnicos para buscar esses objetivos.
Além disso, estas propostas exigem de Um exemplo significativo deste
quem vai utilizá-las um conhecimento tipo de proposta é a de Knobel (1986), em
mais amplo e complexo de diferentes cujo trabalho são sempre acentuadas as
abordagens, para que não se transformem questões sociais e econômicas, e uma
numa mistura indiscriminada. Elas têm constante preocupação com a viabilidade
tido o mérito, no entanto, de suavizar o da indicação terapêutica, que deve ser
dogmatismo presente em muitos escolhida de forma realista. A partir de
referenciais tradicionais e de priorizar a um diagnóstico holístico, que segundo ele
preocupação com a melhora do paciente, e é uma gestalt bio-psico-social do paciente
não com uma ilusória busca da verdade. num determinado momento de sua vida,
propõe uma psicoterapia não regressiva,
Os Autores Sul-Americanos.
com tempo e objetivos limitados, que vise
É interessante observar a posição insights prediminantemente cognitivos.
que os estudiosos da PB na América do Critica a utilização de critérios de
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Irani Tomiatto de Oliveira

indicação muito rigorosos, propondo, ao diferentes faixas etárias e fases do


invés de um processo de seleção de desenvolvimento.
pacientes, uma “adaptação mútua”. Desde Entre as contribuições a este tipo
que o paciente tenha as condições de intervenção psicoterápica encontramos
mínimas para se envolver neste tipo de as de Knobel (1977), que enfatiza o
trabalho, o terapeuta deveria procurar aspecto cognitivo, uma vez que, segundo
adequar sua proposta às condições, ele, a mudança da “informação falsa”
possibilidades e necessidades de quem para “informação verdadeira” aliviaria a
busca ajuda. criança e permitiria que ela modificasse,
em parte, objetos e vínculos objetais
A Psicoterapia Breve de Crianças. alterados pela distorção cognitiva. Lester
(1967) propõe uma intervenção no
A pesquisa de trabalhos referentes momento de crise, orientada para os
à psicoterapia breve de crianças revela um sintomas, e Proskauer (1969), que
quadro bastante diferente daquele trabalhou com crianças
encontrado em relação ao trabalho com institucionalizadas, objetiva ajudar a
adultos. Embora uma parte considerável criança a suportar ligações patológicas
dos pacientes que procuram ajuda com os pais e a se perceber como
psicoterápica seja constituída por indivíduo.
crianças, e apesar da importância, Um dos trabalhos mais
inclusive preventiva, de se dar maior importantes nesta área foi desenvolvido
atenção a esta população, os estudos são por Cramer, Palacio-Espasa e o chamado
extremamente escassos e, na maioria das grupo de Genebra (Cramer, 1974; Cramer
vezes, bastante limitados. Para se ter uma & Palacio-Espasa, 1993; Palacio-Espasa,
idéia dessa defasagem, embora a maior 1984, 1985). Infelizmente já há vários
parte das pesquisas de caracterização da anos este grupo não tem apresentado
clientela que procura instituições em publicações sobre a PB de crianças,
nosso meio revele que a maioria da dedicando-se quase exclusivamente ao
população é constituída por crianças, não trabalho com mães e bebês. O que
temos conhecimento da existência de um diferencia e enriquece o trabalho destes
único livro publicado em português autores é o fato de terem não apenas
inteiramente dedicado à PB de crianças. desenvolvido uma técnica psicoterápica,
Mesmo na literatura estrangeira, o que se baseada em pesquisas cuidadosas e
encontra são alguns poucos artigos em sistemáticas, mas também terem
revistas ou, no máximo, um capítulo construído um referencial teórico
inserido num volume dedicado ao elaborado para alicerçá-lo. Como
trabalho com adultos. O importante ressaltamos em artigo anterior (Oliveira,
desenvolvimento que a PB de adultos tem 1998), em seus estudos sobre a
sofrido nas últimas décadas não resolve psicoterapia breve infantil, concentram
esta dificuldade, uma vez que ela pode sua atenção diretamente sobre a dinâmica
servir de referência, mas não pode ser familiar. Os sintomas e as dificuldades da
transposta diretamente para a população criança são entendidos como resultantes
infantil, cujo atendimento depende do do interjogo de projeções, introjeções e
desenvolvimento de técnicas específicas. identificações entre os pais e a criança,
É preciso levar em conta as características que resultam no que é denominado “área
próprias desta clientela, tais como a sua de conflito mútuo”. A intensidade e a
condição de dependência e a conseqüente qualidade dessas projeções determinam o
importância dos pais no processo, e as
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Psicoterapia Psicodinâmica Breve: Dos
Precursores aos Modelos Atuais

quanto o processo de individuação poderá termos de sintomas ou de estrutura da


ou não seguir seu curso, e o quanto a personalidade, mas também como
criança estará “aprisionada” nesta dificuldades para enfrentar os desafios
dinâmica. propostos pelo próprio processo de
Apóiam-se na noção de self e na desenvolvimento. Os problemas infantis
construção progressiva de sua são vistos como o resultado da interação
representação mental estável. Esta entre a limitação das capacidades
construção, que é a base da individuação, adaptativas da criança e fatores
é um processo contínuo, que se desenrola ambientais adversos.
durante toda a vida do ser humano. Nas Partindo do trabalho dos autores
fases iniciais do desenvolvimento, os citados, ao longo da última década temos
limites entre o self da criança e os dos desenvolvido, junto com a equipe do
pais, mais especialmente o da mãe, são Núcleo de Estudos e Pesquisa em
indiferenciados, formando um campo de Psicoterapia Breve, uma proposta de PB
constantes projeções e identificações de crianças e pais adaptada à nossa
mútuas. Quando o conflito da criança, em realidade. Os critérios de indicação são
uma determinada fase evolutiva, bastante amplos, e tenta-se adequar o
corresponde a um conflito não resolvido trabalho às necessidades e possibilidades
dos pais, ocorre nestes uma regressão, de cada caso. Os objetivos são
com des-diferenciação dos limites do self, estabelecidos levando-se em conta as
o que favorece projeções e identificações condições dos pacientes, do terapeuta e do
intempestivas. A criança, por sua vez, local onde é realizado o atendimento, e as
tende a identificar-se com os aspectos estratégias de intervenção são flexíveis
paternos nela projetados, também porque, (Leite et al., 1992; Mito, 1996; Oliveira &
devido à sua dependência, não pode correr Mito, 1997). Os resultados têm se
o risco de decepcionar os pais e perder mostrado promissores, mas este é um
seu amor. trabalho que demanda maior atenção de
Sua proposta de PB visa clínicos e pesquisadores.
promover uma discriminação entre os
acontecimentos reais, recentes, e as Referências Bibliográficas.
angústias que os acompanham, fruto de
situações passadas dos pais, para assim ALEXANDER, F.; FRENCH, T. M.
possibilitar que eles, se tiverem (1946) Terapeutica psicoanalitica.
condições, reintrojetem aspectos que Trad. Luis Fabricant. Buenos Aires:
haviam sido projetados na criança, Paidós, 1956.
libertando-a para dar curso a seu BELLAK, L. (1992) Handbook of
desenvolvimento. Em termos técnicos, é intensive brief and emergency
um processo bastante flexível, no qual são psychotherapy. Larchmont: C.P.S.
atendidos os pais e a criança, de acordo BRAIER, E. A. (1984) Psicoterapia breve
com as necessidades de cada caso, e as de orientação psicanalítica. Trad.
intervenções utilizadas vão desde a IPEPLAN. São Paulo: Martins
interpretação até à orientação direta. Fontes, 1986.
Mais recentemente, surgiu o CRAMER, B. (1974) Interventions
trabalho de Messer & Warren (1995), que thérapeutiques brèves avec parents et
dá ênfase à questão do desenvolvimento, enfants. Psychiatrie de l’Enfant,
que, somada à compreensão 17(1): 53-117.
psicodinâmica, permite olhar para os CRAMER, B.; PALACIO-ESPASA,
problemas do paciente não apenas em F.(1993) Técnicas psicoterápicas
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Irani Tomiatto de Oliveira

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