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Resumo: O artigo apresenta uma visão panorâmica da psicoterapia psicodinâmica breve, desde sua
origem até os dias atuais. Após a localização histórica de seu surgimento, faz referência aos modelos
teóricos e técnicos mais utilizados nas últimas décadas e seus principais representantes. Inclui também
algumas das principais contribuições à aplicação destas técnicas à população infantil.
Palavras-chave: Psicoterapia Breve, Modelos de Psicoterapia Breve, Psicoterapia Breve de Crianças.
passíveis de serem atingidos num espaço Freud, a cura através do método catártico,
de tempo limitado (que pode ser ou não ou seja, de tornar conscientes as memórias
preestabelecido), através de determinadas traumáticas reprimidas, com a ab-reação
estratégias clínicas. Assim, as PB estão, dos afetos a elas relacionados.
em termos técnicos, alicerçadas num Com o decorrer do tempo, no
tripé: foco, estratégias e objetivos. entanto, a mudança do interesse de Freud,
Existe uma multiplicidade de do tratamento de sintomas neuróticos para
propostas e de formas de trabalho, a compreensão da natureza do
desenvolvidas por diferentes autores. inconsciente e da personalidade; o fato de
Após um breve histórico, faremos ter recorrido a uma explicação
referência a alguns dos principais. O metapsicológica do funcionamento
objetivo não é fazer um estudo psíquico; a mudança do método catártico
aprofundado das diferentes técnicas, o que para a associação livre e a importância
fugiria à proposta deste trabalho, mas atribuída à neurose de transferência
oferecer uma visão panorâmica da PB e levaram a um prolongamento cada vez
de seu desenvolvimento até os dias atuais. maior do processo de análise.
Embora Freud tenha por diversas
Os Precursores. vezes manifestado sua preocupação com
esse prolongamento excessivo e a
Os estudos sobre as origens das princípio encorajado algumas iniciativas
psicoterapias breves costumam citar para abreviá-lo, ele próprio não buscou
Freud como um de seus precursores formas de diminuir a duração da análise, e
(Malan, 1963; Cramer, 1974; Gilliéron, acabou por criticar a iniciativa de seus
1983a, 1983b; Braier, 1984; Sifneos, discípulos, por diversas razões.
1984; Messer & Warren, 1995), uma vez Ainda durante a vida de Freud
que seus primeiros tratamentos alguns psicanalistas tentaram introduzir
dificilmente ultrapassavam um ano de modificações teóricas e técnicas no
duração, e vários foram realizados em processo psicanalítico, visando abreviá-lo,
apenas algumas horas. É possível especialmente Ferenczi e Rank.
encontrar algumas semelhanças entre essa As modificações introduzidas por
forma de trabalho e algumas propostas da Ferenczi (1926) foram principalmente
PB atual: Freud buscava a remissão de técnicas, e se referiam ao que ele
sintomas através da análise e denominou “técnica ativa”; foram
compreensão de sua etiologia, em casos tentativas de intensificar o processo
de pacientes com queixas específicas, e transferencial apressando a emergência
assumia, como terapeuta, uma atitude das experiências passadas e dando um
mais ativa. Esta aparente semelhança, no novo impulso ao tratamento,
entanto, encerra diferenças significativas, especialmente quando este chegava a
especialmente porque o método catártico, momentos de impasse. Ele levava o
utilizado na época por Freud, não levava paciente a enfrentar situações ansiógenas,
em conta certas noções às quais ele só proibia certos comportamentos
chegaria posteriormente, e que têm lugar propiciadores de gratificações que se
importante nas técnicas de hoje. constituíam em obstáculos para a
Referimo-nos especialmente à seqüência do trabalho e encorajava o
transferência e a uma análise mais fantasiar.
sofisticada das resistências. Além disso, O próprio Ferenczi (1926), no
não se busca, nas PB atuais, como fazia entanto, acabou por fazer uma crítica a
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adaptar a psicoterapia ao paciente, e não disso, sua técnica, de acordo com Malan
o contrário. (1976), está entre as mais radicais. A
Uma das primeiras tentativas de tentativa de integração, a nível teórico,
se chegar a um modelo integrativo de PB acabou não resultando numa técnica mais
foi feita por Mann (1973). Ele baseou sua flexível e de aplicação mais ampla.
proposta nos quatro constructos principais Nos anos mais recentes, a
contidos nos modelos anteriores: impulso, integração de diferentes abordagens tem
ego, objeto e self, considerando-os não sido buscada de três maneiras principais:
como mutuamente exclusivos, mas
• Na procura dos fatores comuns aos
complementares e reveladores de
diversos modelos, que poderiam ser
diferentes maneiras de funcionamento
os responsáveis pelo sucesso de
mental. Eles estariam presentes em todos
diferentes tipos de psicoterapia. A
os aspectos significativos do
pesquisa sobre que características da
funcionamento de uma pessoa adulta,
relação e da situação terapêutica
organizados numa hierarquia diferente
para cada indivíduo. favorecem a melhora do paciente,
apesar das diferenças teóricas e
Sua visão da psicopatologia leva
técnicas, levou alguns autores, como
em conta quatro aspectos: a hipótese
Garfield (1989), a propor um modelo
estrutural; a teoria do narcisismo e o
de PB que priorize estas
desenvolvimento da auto-estima; a teoria
características.
das relações objetais; a perspectiva do
desenvolvimento. Além disso, coloca • No ecletismo técnico (aqui é preciso
como questões centrais o tempo e a um certo cuidado com a conotação
separação, priorizando o conflito humano muito negativa que em geral se atribui
entre infinito e tempo real. O conflito ao termo “eclético”, no sentido de
neurótico, para ele, resulta do desejo de se uma mistura indiscriminada e sem
unir a um objeto, recriando a ligação mãe- critério de técnicas diversas, muito
bebê, ao lado do desejo de se tornar uma diferente do sentido original, derivado
pessoa separada e independente. do grego, que significa “seletivo”):
A questão do tempo, central nesta uma maior flexibilidade, que permite
abordagem, fez com que ele estabelecesse ao terapeuta lançar mão de diferentes
um limite estrito de 12 horas de recursos, adaptados às necessidades
tratamento, divididas de acordo com a de cada caso. Esta é uma postura mais
necessidade do paciente, em relação à pragmática e mais baseada na prática
duração e freqüência das sessões. A idéia clínica, que dá menor importância à
é que os conflitos e ansiedades teoria e prioriza as necessidades de
relacionados com separação e perda, que cada paciente. As PB propostas por
representam para ele um tema central, Wolberg (1980) e Bellak (1992)
sejam ativados e trabalhados. A atitude do podem ser consideradas como
terapeuta é empática, não confrontativa, e representantes desta tendência.
ele se utiliza das interpretações • Nos esforços de integração teórica. O
transferenciais, análise da resistência e que diferencia este tipo de terapia
reconstrução genética. integrativa é que há uma teoria que
As principais críticas feitas a liga o uso de diferentes técnicas e que
Mann se referem ao fato dele ter procura embasá-lo, como na proposta
generalizado para todas as neuroses um de Prochaska (1995).
tipo de conflito básico, universal. Além
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A título de ilustração destas Sul têm adotado, porque a nosso ver esta
propostas, citaremos a deste último autor. observação revela a importância do
Sua abordagem, que ele denominou contexto social e da urgência das
“terapia transteórica” (transtheoretical demandas. Mesmo numa época em que
therapy), e que considera eclética e floresciam nos Estados Unidos os
integrativa, iniciou-se com uma análise manuais técnicos de PB, e se exaltava a
comparativa dos maiores sistemas de importância de um alto grau de aderência
psicoterapias, na busca do que cada do terapeuta a determinada técnica,
sistema tinha de melhor a oferecer. Essa dirigida a populações específicas, aqui,
busca foi orientada pelo objetivo de como observa Yoshida (1990), a carência
procurar contribuições para construir um de recursos e de investimentos na área da
modelo de terapia e uma teoria do saúde criou uma situação bem diferente.
processo de mudança, de bases empíricas. Os profissionais, que “têm sob sua
Seu objetivo não é a simples combinação responsabilidade um espectro muito
ou mistura de abordagens, mas a busca de amplo de pacientes que apresentam desde
uma teoria que seja mais do que a soma distúrbios neuróticos incipientes, até
de suas partes, e que leve a novas direções quadros crônicos de psicoses, muitas
na pesquisa e na prática. vezes agravados pelo uso de drogas,
A terapia que propõe é adaptada a álcool, distúrbios neurológicos, entre
cada paciente, de acordo com o estágio do outros”(Yoshida, 1990, p. 2-3), sempre
processo de mudança em que este se tenderam a ser mais ecléticos e menos
encontra, e com o tipo e profundidade de especializados.
problemas que apresenta. Esta adaptação Este parece ser um dos principais
se refere tanto à estrutura do trabalho fatores que levaram autores como Knobel
(número e freqüência de sessões, por (1986), Braier (1984), Simon (1983) e
exemplo), quanto às estratégias utilizadas Fiorini (1981, 1986) a adotarem posturas
e aos objetivos estabelecidos. flexíveis. Mesmo quando não podem ser
Estas tentativas de integração, que caracterizados como ecléticos, percebe-se
são o objetivo do modelo eclético de PB, neles uma clara tendência a adotar
encerram enormes dificuldades e estão critérios de indicação mais amplos,
sujeitas a muitas críticas. É sempre um objetivos mais adaptados às
risco utilizar um conceito ou mesmo uma possibilidades de cada paciente e a se
técnica fora de seu contexto, pois isto valer de uma variedade de recursos
necessariamente modifica seu significado. técnicos para buscar esses objetivos.
Além disso, estas propostas exigem de Um exemplo significativo deste
quem vai utilizá-las um conhecimento tipo de proposta é a de Knobel (1986), em
mais amplo e complexo de diferentes cujo trabalho são sempre acentuadas as
abordagens, para que não se transformem questões sociais e econômicas, e uma
numa mistura indiscriminada. Elas têm constante preocupação com a viabilidade
tido o mérito, no entanto, de suavizar o da indicação terapêutica, que deve ser
dogmatismo presente em muitos escolhida de forma realista. A partir de
referenciais tradicionais e de priorizar a um diagnóstico holístico, que segundo ele
preocupação com a melhora do paciente, e é uma gestalt bio-psico-social do paciente
não com uma ilusória busca da verdade. num determinado momento de sua vida,
propõe uma psicoterapia não regressiva,
Os Autores Sul-Americanos.
com tempo e objetivos limitados, que vise
É interessante observar a posição insights prediminantemente cognitivos.
que os estudiosos da PB na América do Critica a utilização de critérios de
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Irani Tomiatto de Oliveira
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