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Uma 

introdução à terapia breve de orientação 
psicanalítica

Por Gema Bocalon Boneti1

Para o leitor menos informado sobre terapia psicanalítica pode soar contraditório a


proposta de falar   de terapia breve em psicanálise. No entanto podemos considerar
Freud, pai de princípios psicanalíticos da abordagem tradicional, como o precursor e
questionador desta abordagem.
Várias de suas primeiras análises tiveram duração relativamente breve. A ideia foi
ganhando força a partir das proposições de técnica ativa de  Ferenczi (1919) às
quais  Freud se  posicionou   favorável reforçando que  “o que importa  é trazer ao
conhecimento do paciente o inconsciente, os impulsos recalcados e desmascarar 
as  resistências” (LOWENKRON,2006) .Com o apoio , ainda  , de  Otto Rank  a
terapia  breve  foi consolidando   princípios  consistentes  até se  tornar 
legitimamente  uma  abordagem psicoterápica  aceita a mais  de  70 anos,
especialmente  a  partir de escolas  americanas.

A fundamental característica da TBOP (Terapia Breve de Orientação Psicanalítica) é


fato de que ela trabalha com um foco definido   e um tempo limitado. O setting
fundamenta-se na técnica tradicional, standart, porém com características próprias
quanto aos procedimentos.

Na sequência do texto iremos abordar aspectos importantes dentro dos itens a


seguir indicados:

• Fundamentos básicos e o problema dos limites


• Entrevista inicial e a determinação do foco
• Hipótese psicodinâmica
• Manejo clínico
• Análise dos resultados e término da terapia
FUNDAMENTOS BÁSICOS E O PROBLEMA  DOS  LIMITES. Afirmamos na
introdução que a característica  específica  da TBOP-Terapia Breve de  Orientação
Psicanalítica - é  se  constituir  com um foco definido e  um tempo limitado
Argumenta-se que o limite de tempo contribui para tornar a psicoterapia acessível a
mais pessoas nas contingências da modernidade (tempo disponível, custos, 
necessidade de gratificação mais rápida , entre  outras ) . Estes argumentos, porém,
não devem ser preponderantes exclusivos para o encurtamento da terapia ou de sua
superficialidade. Segundo Gillieron (2004), “o fator determinante da natureza de
cada intervenção terapêutica deve ser principalmente a apreciação do tratamento
mais adequado às necessidades específicas de cada paciente.” E prossegue o autor
citado “ao eliminarmos, porém, este argumento utilitarista para limitarmos o tempo
da psicoterapia, só poderemos defender tal limitação por uma única razão: por
sabermos que ela contribui para tornar a psicoterapia de curta duração o tratamento
escolhido para um determinado grupo de pacientes selecionados “.

Nos fundamentos de forma geral segue-se a perspectiva da terapia “standard


“com diferenças   em alguns procedimentos.

a) O analista deve estar atento a conduzir o discurso do paciente dentro dos limites
do foco pré acordado entre ambos na entrevista inicial. Na terapia standard o
discurso poderá receber contribuições da técnica ativa, aqui na TPOP praticamente
deve-se utilizar a técnica para garantir o foco e buscar informações   que agilizem o
processo. A livre associação é permitida dentro do foco.

b) Quanto às interpretações, devem ser dadas aquelas que têm a ver com o foco,
buscadas na transferência e na extra transferência. Autores, como Braier (2000)
afirmam que o recurso da extra transferência serve de suporte na garantia da
interpretação, porém quanto mais a interpretação for direcionada à transferência
maior eficácia proporcionará. Destaca-se também que o analista deve ter a
capacidade de compreender o paciente e ter segurança na sua interpretação, bem
como capacidade de organizar um plano terapêutico circunscrito.

c) A base teórica do analista, na TBOP, exige capacidade de raciocínio mais rápido


visto que não há tanto tempo disponível para inferir a transferência e fazer a
interpretação. Aconselha-se que o analista iniciante na TBOP se utilize da base
teórica Freudiana, isto é que “os problemas psicológicos do paciente e os conflitos
subjacentes, que devem ser resolvidos ao longo da psicoterapia, devem ser de
natureza edipiana ou triangular. Isso implica que as dificuldades encontradas pelo
paciente tenham surgido durante a sua infância e comportem um amor pelo genitor
do mesmo sexo, que o impede de entrar em competição com ele, na busca do afeto
do genitor de sexo oposto. As queixas que disso resultam são apresentadas, pelo
paciente, como dificuldades interpessoais bem delimitadas, ou como sintomas bem
específicos" (LOWENKRON,2006).

d) Outra diferença entre as duas terapias é que na TPOP o “insight” se dá na


terapia, mas a “elaboração “acontece fora da terapia podendo se alongar por dois a
três anos. Por que teoricamente o “insight” é um instante em que surge uma
compreensão onde “tudo muda”, ou “a perspectiva muda”, ou “tudo se re-encaixa”.
Já a “elaboração” é o tempo que o psiquismo precisa para se “readaptar” e pode
demorar horas, dias ou anos, independente se está ou não ainda no processo de
análise (ALEXANDRE ESCLAPES – vídeo aula).

e) Parafraseando o tutor do curso em vídeos aulas, gostaria de trazer outra reflexão:


que a terapia é breve, mas o acolhimento não! Isto quer indicar que empatia,
compaixão, dedicação devem estar presentes com a mesma intensidade que na
terapia tradicional. Em ambas o paciente precisa se sentir acolhido, respeitado e
ouvido na sua condição de sofredor como se a sua frente houvesse uma testemunha
das experiências de sofrimento que vem enfrentando.

f) Nem todos os pacientes são indicados para a TBOP por isso é conveniente
delinear os critérios de seleção de quais pacientes estão em condições de receber
esse tipo de tratamento. Em linguagem diferente há consenso de diversos autores, e
tomaremos como base ideias de Gillieron (2004) onde podemos destacar os
seguintes critérios:

- Uma queixa principal circunscrita;


- A presença, em sua história, de uma relação significativa de troca (dar e receber)
durante os primeiros anos de vida;

- Uma capacidade de entrar em relação com o entrevistador sem muita dificuldade e


de exprimir livremente seus sentimentos durante a primeira entrevista;

- Capacidade de trabalhar com base na interpretação e dela extrair significados e  


possibilidades de readaptação a novos comportamentos e ordenamentos psíquicos;

- Uma grande motivação para mudar, não somente motivação para buscar alívio de
sintomas.

(2) ENTREVISTA INICIAL E DETERMINAÇÃO DO FOCO

2.1 As entrevistas: Uma boa entrevista inicial é garantia de grande parte do


sucesso do tratamento, lembrando que “entrevista inicial “não significa que deva ser
feita completamente na primeira sessão. Não se trata de um interrogatório monótono
e técnico, mas de uma (BERGERET, 2006). O paciente deve ser deixado à vontade,
inicialmente, para falar de seu sofrimento, e aos poucos direciona-lo dentro do foco.
A duração pode ir de alguns minutos (mas podendo-se repetir as entrevistas,
quando a angústia é muito acentuada e parece insuperável) há uma hora, mas não
convém jamais ultrapassar esse limite.

Não se pode esquecer a importância, para o analista, de observar, além do


conteúdo falado, o modo de expressão verbal, o nível de evolução afetiva, o grau de
adaptação às realidades, a densidade do discurso, a flexibilidade ou rigidez da
atitude, os silêncios, entre outros.

Após este primeiro contato o analista procura investigar o que não foi dito
espontaneamente e que precisa saber, sem, todavia, submeter o paciente a
questões invasivas e constrangedoras logo na primeira sessão.

Pouco a pouco, enquanto se desenvolve essa entrevista (ou em entrevistas


sucessivas), o sujeito não vai mais poder jogar com a situação de maneira a
mascarar seu personagem profundo. Se todas as precauções requeridas são
respeitadas pelo analista, o paciente “vai achar-se progressiva e automaticamente
levado a viver aqui seu modo de relação, com suas angústias e frustrações, suas
cóleras e reivindicações. A estrutura profunda não pode senão pôr-se lentamente
em evidência, diante daquele que sabe esperar, escutar, não impor nada, aceitar
tudo sem reação seletiva (ibidem).

Os estudos (BRAIER, 2000) apontam que as principais finalidades de tais


entrevistas são:

- O estabelecimento da relação terapêutica;

- A elaboração da história clínica;

- A avaliação diagnóstica e prognóstica;

- A devolução diagnóstico-prognóstica;

- O contrato sobre metas terapêuticas e duração do tratamento;

- A explicitação do método de trabalho e a fixação das demais normas contratuais.

Quanto ao número de entrevistas a se realizar é variável em cada caso, na medida


do que for necessário para atingir os fins enunciados. O entrevistador, na TBOP
assume conscientemente um papel ativo, dirigindo os diversos momentos das
entrevistas em função dos objetivos desta fase do procedimento, essencialmente
diagnóstica e contratual. Formulará perguntas, fornecerá informações.

2.2 O foco e sua determinação: Na psicoterapia breve o foco indica a direção e o


fio condutor do trabalho psicoterapêutico. É o sinal indicativo para a terapia. O
conflito focal contém um conflito pré-consciente e superficial que explica a maior
parte do material clínico. “Em princípio, o foco não deveria apenas permitir uma
compreensão psicológica da situação desencadeadora, mas deveria também incluir
os acontecimentos traumáticos da biografia do sujeito que fazem com que a
dificuldade interna atual surja como repetição de um conflito infantil. É preciso
ressaltar que os detalhes e as raízes biográficas dos distúrbios geralmente só se
esclarecem durante a terapia breve ou já no seu final.” (GILLIERON ,2004)

Depois de estabelecer o foco, é importante conhecer qual a interpretação que o


paciente dá a seus sintomas. Quase todos os pacientes criam, para si mesmos, uma
explicação sobre a origem de seus problemas. Essa concepção pessoal esclarece
consideravelmente o analista a respeito do grau da capacidade de introspecção e de
defesa do conflito inconsciente.

Gillieron (2004) nos orienta que embora a formulação precoce do foco, feita já nas
primeiras entrevistas, seja decisiva na psicoterapia breve, a formulação interior é
constantemente completada, tornando-se precisa e ampliada durante o tratamento.
Aspectos menos claros no começo ganham importância posteriormente.

(3) HIPÓTESES PSICODINÂMICAS

A(s) hipótese(s) psicodinâmica(s) se referem a elaboração do psicanalista a respeito


do que pode estar acontecendo com o paciente, a respeito do que lhe está
causando sofrimento. É a teoria do analista sobre o conflito psíquico de seu
paciente. Para elaborar sua hipótese psicodinâmica o analista deve estar atento às
seguintes questões: qual o desejo que está reprimido e que não consegue ser
realizado; qual a ansiedade envolvida; onde está a objeto bom e o objeto mau; qual
a verdade que não consegue ser conhecida ou sustentada; qual é o padrão de
repetição; existe algo que não foi dito e por que. O analista percorre os pontos
levantados na entrevista e é bom que fique atento à contratransferência como sinal
de alerta e de comunicação. Tanto quanto a determinação do foco, a hipótese
psicodinâmica também vai sofrendo confirmações, modificações, acréscimos e
negações. Com a prática, porém a escuta analítica se aperfeiçoa e a hipótese sofre
menos possibilidades de alterações. O MANEJO CLINICO do terapeuta deve ter
presente a seguintes considerações técnicas indicadas por Gillieron (2004):- chegar
a uma hipótese psicodinâmica, com base nos sinais percebidos na história do
paciente durante as entrevistas que explique a natureza do problema psicológico.
- esboçar, para cada paciente, os critérios que permitam atingir um resultado
satisfatório do tratamento;

- manter-se sempre dentro de um "foco" terapêutico;

- utilizar confrontações, esclarecimentos e questões que provoquem ansiedade para


motivar a introspecção do paciente;

- examinar a transferência positiva preponderante, para criticar os laços


transferenciais parentais precoces, durante a primeira parte da terapia, de modo a
criar uma atmosfera onde possam instaurar-se uma aprendizagem e uma
experiência emocional corretiva;

- evitar ativamente traços de caráter como a dependência, a tendência passiva, a


tendência de agir impulsivamente, usadas defensivamente pelo paciente para evitar
a angústia;

- ensinar sistematicamente as técnicas de resolução de problemas, as quais o


paciente deve aprender;

- terminar precocemente a terapia, logo após a obtenção de sinais claros de


resolução atual do problema psicológico inicialmente definido.

(4) AVALIAÇÃO DOS RESULTADOS E TÉRMINO DA TERAPIA

4.1 A avaliação: A avaliação dos resultados terapêuticos nas terapias breves tem
por finalidade primordial verificar se estão sendo cumpridos os objetivos fixados.
(BRAIER, 2000).

É mediante a avaliação dos resultados que será possível recolocar a situação do


paciente e determinar os passos a serem seguidos a partir desse momento.
Braier (2000) destaca a conveniência de que a tarefa avaliatória não fique
exclusivamente a cargo do terapeuta, mas que haja participação ativa do paciente.
Isso permitirá que a apreciação dos resultados seja enriquecida e possa na maioria
das vezes aproximar-se mais da realidade A avaliação conjunta deixa no paciente a
impressão de que se levou a cabo uma tarefa em comum, a qual tem assim um
encerramento cuidadoso, planejado, no qual se aprecia sua opinião. Este último
passo inclui a confirmação, por parte do paciente, de suas impressões a respeito
dos progressos obtidos, sendo estas ratificadas pelo julgamento do terapeuta,
criando-lhe uma sensação de reasseguramento.

A avaliação é, dentro do possível, anunciada e ajustada de antemão com o paciente


ao efetuar-se o contrato terapêutico; explica-se quais são seus motivos, como se
fará e quais serão as datas de realização das entrevistas de avaliação.

4.2 O término: “Apesar de tristes por terminarem um processo que lhes deu
segurança e uma relação com alguém que lhes é querido, eles invariavelmente
chegam a um ponto onde a conclusão lógica é a de que pouco mais resta a
fazer.”(GILLIERON , 2004).

Existem duas atitudes relativas ao fim de uma terapia breve: ou se estabelece desde
o princípio um número definido de sessões, ou se deixa em aberto desde o início a
duração do tratamento sem determinar um final para o mesmo. No final da terapia,
autores aconselham fazer, conforme citado anteriormente, com o paciente, um
balanço do que foi e do que não foi conseguido. Em geral, é útil para o paciente
chamar-lhe a atenção para a possibilidade de recaídas depois da terapia. Em que
em toda evolução existem fases regressivas.  A cura é um movimento de idas e
vindas em que existem fases com características próprias de dificuldades de
superação, situações mais difíceis de serem enfrentadas, aparentando
comportamentos desorganizados ou de piora. É como se o paciente, nessas
regressões, se refugiasse em períodos anteriores onde se sentia mais seguro e
confortável (MALDONADO, 2002).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Atualmente pode-se dizer que a Terapia Breve de Orientação Psicanalítica se
consolidou   em função dos bons resultados obtidos nas diversas experiências
relatadas pelos   profissionais da área. O atendimento na emergência causadora de
sofrimento é uma experiência significativa para o paciente. Talvez, para muitos, a
primeira experiência de autoconhecimento, de reflexão sobre a vida e sobre si
mesmo. Acredita-se que alguns pacientes, a partir da TBOP, possam decidir-se por
uma análise mais profunda   como filosofia de vida e encaminhamento de um projeto
de bem estar. E quanto aos terapeutas, segundo Yalom (2006) “somos guardiões de
segredos. Todos os dias os pacientes nos honram com seus segredos,
frequentemente nunca antes compartilhados. Receber tais segredos é um privilégio
concedido a poucos [...] somos parteiras do nascimento de algo novo, libertador e
enobrecedor.” Que a decisão pela TBOP não desqualifique o trabalho e a cura dos
pacientes.

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