TEXTO I GOMES, Angela de Castro. Do Trabalhismo ao PTB. In: A Invenção do Trabalhismo. IUPERJ/ Vértice, 1988.
“[...] o Estado Novo, a partir de 1942/3, engajou-se em um importante esforço político de
fortalecimento de sua estrutura sindical-corporativista. Se até os anos 40 não causara espécie ao governo o esvaziamento sindical, a partir deste momento sua estratégia e objetivos foram reorientados pela tentativa de consolidação de um verdadeiro pacto social com as classes trabalhadoras. A promulgação da Consolidação das Leis do Trabalho em 1º de maio de 1943, a criação e as atividades da Comissão Técnica de Orientação Sindical e reajustamentos do salário mínimo (Decretos-leis 5.977 e 5.978. ambos de 1943) são algumas iniciativas que atestam a importância do novo front que se abria para o regime. Dessa forma, se em seu formato politico o Estado Novo não se sustentava mais – se a ‘democracia autoritária’ era inviável dentro da nova situação internacional e nacional -, o impacto ideológico de um projeto governamental centrado na mitologia do trabalho e do trabalhador tinha desdobramentos mais complexos.” (p. 288). “[...] foi a partir dos primeiros anos da década de 40 que o Estado Novo, através da ação do ministro Marcondes Filho, começou a desenvolver iniciativas que indicavam a preocupação com outro tipo de instrumento de representação que, além dos sindicatos (mas sem dúvida a eles articulado), deveria contribuir para a transição do autoritarismo. O número, o formato, a composição e a ideologia destes partidos são questões que passaram a ser ventiladas na medida em que o regime desencadeou o seu próprio processo de reforma constitucional. Assim, a questão partidária era ao mesmo tempo um item da agenda daqueles que queriam conduzir o processo de transição e uma valiosa arma de luta para que os que, cada vez mais forte e abertamente, desejavam uma ruptura com o Estado Novo.” (p. 288-9). “É extremamente difícil reconstruir com segurança as primeiras iniciativas que envolveram a questão da formação de um partido governista no início dos anos 40. Sem dúvida, o clima político geral induzia ao estabelecimento de articulações com vistas à organização de um instrumental político capaz de, reunindo os setores mais fiéis a Vargas, evoluir progressivamente para um momento no qual o regime não mais iria sobreviver. Esta fidelidade, obviamente, incluía tanto áreas cujo maior vínculo era o controle estabelecido sobre a classe trabalhadora durante os anos 42-44. Ou seja, estavam ligados ao governo sua cúpula executiva e burocrática (os políticos e novos técnicos da administração pública) e sua nova máquina sindical e previdenciária. Esta era composta pelas lideranças dos sindicatos e institutos e também por massas trabalhadoras que vinham sendo atraídas pelo discurso e pelas medidas do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio.” (p. 289-90). “Tudo indica que foi a partir do final do ano de 1941 que os primeiros esforços mais diretamente ligados com a questão da formação de um partido começaram a ser desenvolvidos no Brasil. Alguns depoimentos convergem na localização deste momento e, mais significativamente, na caracterização do conteúdo da ideia então articulada. Tratava-se de começar a montar uma organização cuja fachada deveria ser cultural, mas cujo objetivo prioritário seria constituir-se numa grande base de apoio político para o Presidente Vargas. O diagnóstico que orientava os propugnadores da ideia era o de que Getúlio tinha imensa força política – particularmente entre os trabalhadores- mas que esta força encontrava-se desorganizada e, portanto, era ineficaz.” (p. 290). “Segundo a narrativa de Cesarino Júnior- que assume a paternidade do projeto-, Vargas concordou com o inicio dos movimentos. Foi nesta ocasião que ele, Cesarino, procurou Marcondes Filho, antigo deputado paulista e homem mais velho e experiente. A ideia era criar a União Cultural Brasileira, que deveria encarregar-se de uma ampla campanha de esclarecimento sobre o governo Vargas, tendo em vista a possível realização de um plebiscito no país. Para tanto, seriam fundados núcleos culturais da União em todos os estados e municípios possíveis, de forma que, quando fosse necessário, o Presidente teria em embrião suas bases partidárias. O modelo inspirador do projeto era a União Cívica Radical argentina, e no nosso caso a palavra Cultural seria mudada para Cívica no momento conveniente. A UCB nascia para reunir o que de mais expressivo política e intelectualmente existisse no país em termos de lideranças, mas voltava-se igualmente para solidificar a difusa presença de Vargas entre os trabalhadores.” (p. 290-91). “Pelas narrativas, fica evidente que o Ministério do Trabalho era o ponto de apoio chave para a organização da UCB e que esta entidade cultural deveria reunir todos os apoios ao Presidente. O objetivo era formar um grande e único partido, que angariasse a simpatia dos políticos do regime e das novas lideranças e massas sindicais. Mas a iniciativa acabou não sendo bem sucedida, e as razões de seu fracasso não ficam muito claras. O ponto em que os depoimentos voltam a convergir ilustrativamente é o da reação teria tido como móvel o quase veto de Marcondes à participação dos referidos interventores na UCB, conforme a versão de Cesarino Júnior. Segundo ele, Marcondes queria o controle do futuro partido e temia a presença da forte liderança estadual, que por isso se mobilizou e sustou o projeto. Nesta perspectiva, os interventores desejavam participar, mas não aceitavam uma posição subordinada. Contudo, a reação das lideranças estaduais também pode ser interpretada como um bloqueio à própria natureza do projeto, que indiscutivelmente afigurava-se como um partido de massas.” (p. 291).