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Fascinante relato do

mais dramático episódio da


Guerra Civil E panhola
O CÊRCO

DE TOLEDO
Espanha. Julho de 1936. Irrompe ~
Guerra Civil. Em Toledo. na Ac adern! :1
Militar do Alcazar, os alun os es tavan1
em férias. Cêrca de 1.800 nacion ali st1
(mcluíndo 600 mulheres e crianç ;1s)
bu sca m refúgio no Alc aza r, liderad os por
um obscuro coronel: José M oscard .
Tinha 60 anos, homem acosturna d.) j
paz, amante do futebol e dos cav alo .
Seu apelido : "Gig an te Balofo " . Va1d os .
pouco inteligente . aquilo de que mais gos.
ta v a no Exército eram as paradas e o~
uniformes de gal a O frac asso era urn
velho conhecido seu . Sempr e fôr
ignorado. passara desaper ce b ido.
Sua mais importante missão até aque lêl
dr:Jta . comandar as cerimôni as de entêr
ro de um tenente . Quando estourou a
Guerra Civil preparava-se par a acom-
panhar a delegação de seu país qu e
iria concorrer às· Olimpí adas de Berlim .
Mas téve de ficar e tornar-se herói.
Durante dez dramáticas semanas,
comandado pelo Coronel Moscardô. o
Alcazar resistiu, vitoriosamente. a todo s
os ataques. Armados apenas com rifles
e metralhadoras, combateram aviões.
I'
tanques. morteiros. minas e petardos .
Eram mil e oitocentos. Os sitiantes. en-
tre sete e dez mil. Dez mil granadas e
quinhentas bombas choveram sôbre o Al-
cazar, que ruía, se despedaçava, mas
não se entregava. E não se entregou até
libertação final em setembro de 193 -·
t:ste livro conta a histórir:J de um
punhddo admirável de séres humanos .
Narra também a história de um "milagre
rni l1tar · Ern todos os cercos da Históri a.
(continuo no 2. orelha)
0
Ottzze

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. ...
. ....

COI\._P(!!; I LL_O

--
·-
COLEÇAO ATUALIDADES
CECIL D. EBY
1 - O Presidente Morreu/* * •
2 - As Confissões de Penkovski/Oleg Penkovski
3 - O Cêrco do Alcazar de Toledo/Cecil D. Eby

"
COLEÇÃO UNIVERS,O
O CERCO DO
1 -
2 -
Hotel/ Arth ur Hailey
O Vôo do Falcão/Dauphne du Maurier
ALCAZAR DE TOLEDO

COLEÇÃO TESTEMUNHA

1 - Paixão e Crime/Carlos Lacerda


2 - A Sangue Frio/Truman Capote TRADUÇÃO DE
NADIR WILCOX DA SILVA

COLEÇÃO INTELIGÊNCIA

1 - A Corrida para o Ano 2 000/Fritz Baade

EDlTÔRA .NOVA FRONTEIRA S.~


RIO DE JANEIRO
Tradução do original americano:

THE SIEGE OF THE ALCAZAR

@tg65 by Cecil D. Eby Jr.

Só quem tenta o absurdo


é capaz de alcançar o impossível.

Capa de MIGUEL DE UNAMUNO

LUIZ CARLOS CAMPELLO

Revisão de

REVITEX

Pedidos pelo telégrafo

NEOFRONT

Direitos reservados para a língua portuguêsa pela


EDITORA NOVA FRONTEIRA S.A. Os espanhóis estão habituados a
viver para grandes e espetacula-
Rua do Carmo, 27 - 4<? andar
res fins.
Rio de Janeiro, GB. GERALD BRENAN
BRASIL
TOLEDO - Julho de 1936
Toledo, c~ntro ~dministrativo de uma província
pobre e ~ma dioces~ rica da Espanha, fica a 64 km ao sul
de Madri. A rodovia, uma capa de asfalto sôbre seixos
pelos padrões espanhóis é boa; mas a paisagem que el~
atravessa é ondulante e monótona. O sol violento
exauriu a côr e a água do solo ressequido e deixou sã-
mente contrastes exagerados, como os que se vêem em
fotografias com excesso de exposição. Para o viajante
que atravessa a ofuscante planície da Nova Castela os
óculos escuros são indispensáveis.
Poucas aldeias se intrometem nesta paisagem nua,
tremulando ao calor do verão e não há fábricas, fora dos
arre baldes de Madri. Talvez a última reminiscência do
século vinte seja o pueblo de Getafe, que em 1936 van-
gloria-se de ser o aeroporto mais movimentado da Es-
panha; mas restam apenas uns poucos trimotores
silenciosos, do lado esquerdo da pista. Para além de
Getafe o tempo parece medido somente no passado,
se é que é medido. Não importa o que o mapa indique,
a região parece africana . Ao lado da estrada há os po-
ços de irrigação - trabalho realizado alternadamente
pelo burro e pelo homem - que datam da dominação
muçulmana, há mil anos, e ainda estão em uso. Os
habitantes mais numerosos da região são as pêgas que
se banqueteiam com o excremento que ?S b~rros deixam
junto aos poços e as carcaças dos animais mortos,.. na .
rodovia. A brilhante plumagem preta e branca deste
pássaro nervoso parece um emblema vivo dos chocan-
9
tes contrastes da própria Espanha - certarnente, mais O que remanesce é anticlímax. Agrupadas ao redor
que a dicotomia costumeira do sol y sombra. Pois, onde da praça de touros, as baixas cabanas de tijolos de Las
há sombra no impiedoso sol da Nova Castela? Covach~elas , o barrio mais ao norte de Toledo. Adiante,
A meio caminho de Toledo, uma crista de cubos ? Hospital do Cardeal Tavera, vasto e frio edifício de
parece flutuar no horizonte como ilhas distantes. Vem Imensos bloco~ de granito. Um parque de eucaliptos
a ser a pequena Vila de Illescas, mágica à distância, separa o hospital dos muros da cidade, que outrora
mas miserável de perto. A estrada de Madri insinua-se guardavam To:edo dos ataques vindos do norte. A es-
através de ruas estreitas, outrora floculadas de casas trada de Madn e:;tra na cidade propriamente dita, pas-
brancas. Os guias turísticos aludem a cinco pinturas de sando sob o br~sao ?os Habsburgos, uma águia de asas
El Greco numa capela, mas a porta está trancada e abertas, esculpida sobre o Portão de Bisagra. Inscritas
na mur~1h.a, as palavras: "Nesta Cidade São Proibidas
I - •
nunca se encontra o padre. Nao Importa. Nessa pobre
aldeia é difícil- mesmo um pouco irreverente - pen- a Blasfei:ua e a Mendicância." A estrada serpenteia
sar em arte. O mais nôvo e artístico objeto que ali se uma ladeira abrupta, passa pelas ruínas de uma mura-
encontra é uma placa de latão esmaltado, na parede da lha ar~be e termina repentinamente por entre as mesas
praça, anunciando um conhaque espanhol, o "Vetera- de ~afe, barracas d~ v~nder marzipan e lojas de sou-
no". Por baixo dêsse anúncio, derreados pelas suas Mau- venzrs (facas de abnr livros em aço e cinzeiros damas-
sers automáticas, de pé, dois homens da Guarda Civil cenas) da Praça Zocodover, o ponto central da cidade.
em uniforme de verão, linho verde e cinto de couro A encosta íngreme continua para além do Zocodover e
prêto. Nem o conhaque nem os guardas são produtos par~ todos os lados se ramifica um pesadelo para os
nativos; os moradores da aldeia não têm com que com- cartografas - um emaranhado de estreitas vielas en-
prar o primeiro nem como confiar nestes últimos. '
roscando-se em estranhos arabescos nos quais o senso
Perto de Toledo a estrada passa por pequenas plan- de distância e direção se perde irremediàvelmente, ex-
tações geométricas de pinheiros e oliveiras antes de ceto para os moradores dessas ruas, que parecem co-
nhecer o caminho por uma espécie de sentido extra.
descer gradativamente para o vale do rio Tejo, pela am-
pla ravina. Três quilômetros aquém o primeiro marco Diretamente sôbre as arcadas do Zocodover, no alto
da cidade é, bem de propósito, o cemitério murado e da colina, surge o Alcázar, outrora forte mourisco, mais
circundado de ciprestes verde-escuros, na encosta de on- tarde palácio de Carlos V e agora a academia militar de
de El Greco pintou suas sombrias paisagens da Cidade maior prestígio na Ibéria . Na Idade Média, o Alcázar
foi uma fortaleza primitiva, mais muralhas do que cas-
Imperial. Depois de uma curva da estrada a cidade sal- telo, onde os primeiros alcaides - como El Cid - apli-
ta aos olhos, ainda realçada pelos dois edifícios que cavam a justiça do rei. Mas uma sucessão de dirigentes,
dominam as pinturas de El Greco- a catedral e ocas- começando com Carlos V, preocupados com suas enor-
telo, êste último mais conhecido pelo seu nome mourisco mes proporções, lançaram seus arquitetos favoritos
"El Alcázar". Toledo, escreveu o romancista espanhol contra o seu exterior pardacento. Covarrubias impôs
Pérez Galdóz "é uma cidade fincada sôbre um pico e um fino verniz da. Renascença sôbre o corpo elefantino
Alcázar seu cume" . da frente norte, que passou a fachada principal. De-
Além da cidade, à distância, estão as cristas azuis pois Herrera, criador do Escurial, cobriu a fachada sul
dos montes de Toledo, região selvagem e raramente vi- com tijolo e argamassa mas no fim con.seguiu pouc?
sitada, infestada de lôbos e malária. mais do que um conjunto ordenado de Janelas capn-
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chosamen te espaçadas. As. faces oeste ~ leste ficaram Ernb_?ra o Exército afirme que 0 Alcáz .
sàbiamente intactas e a última m~stra ainda a mu~alha construçao .de cc:nsiderável significado :.rr S~Ja "lll?a
com ameias e três pequenos torreoes redondos, de Idade (ponto de v1sta nao compartilhado or .~ultet?r:Ico
indefinida. de arte), as autoridades militares lo~ai m~hos cnt1eos
os esforços para destruir o Alcázar valeram tão visitantes, exceto os dignitários importsanntao gostam de
T 1d · es que levem
pouco quanto os esforços para o embelezar_. Incendiado a o~~ persua~I~~s ~ar.tas de apresentação. ~stes de-
pelos inglêses durante a Guerra de Sucessao Espanhola vem c efar ~ v1s.1 a e 1nspeção pelo Gobierno Militar
e pelos franceses nas Guerras Napoleônicas, foi aban- uma ~ons r~~ao Simples que serve de residência ao go'
donado durante meio século. Entre 1867 e 1882 foi re- vderna otr ~11dar da prov~ncia e a uma porção de cavalo~
construído para ser usado como E~cola Militar, e no- e mon aria a academia nas cavalariças d -
vamente queimado cinco anos depois. Como de hábito Gobierno fica ao pé da ~olina do Alca'za o bpo~ao. O
t o ot t , 1· r' a a1xo do
seguiu-se a reconstrução. Des~a vez o interior foi es- erdraç r·n rt el eDesGa b~gada por uma passarela à espla-
corado com vigas de aço e assim se tornou, como disse na a o 1en a . o o 1erno, partindo do portão de ferro
um Superintendente da Academia, "absolutamente in- uma estrada serpenteante denominada o z·1guezague'
destrutível". Monumento ao sentimentalismo e à tei- sob ~~ma escarpa abrupta para o terraço norte. A vista
mosia do temperamento espanhol, o Alcázar é també1n aqui. e deslumbrante embora induza à arrogância. Tudo
um símbolo do poder temporal que a Espanha, no tempo na cidade, exceto, a catedral
. . e uns poucos campananos, , ·
de Carlos V, conservou sôbre um império, vasto bastan- permanece em nive 1.lnfenor: o Zocodover, 0 Gobierno e
te para causar inveja a um romano. O império desa- o .s~nta Cruz,. hospital transformado em museu, fron-
pareceu, mas o símbolo permanece. teiriÇO ao Gob1erno, do outro lado da estreita Calle del
Carn:en . Alguns edifícios impedem a vista do Portão
Situada sôbre o mais alto dos sete morros de Tole- de Bisagr~, . mas o Hospital de Tavera pode ser perfei-
do, a massa retangular de granito do Alcázar inferioriza o tat?ente divisado. Para além das esquálidas cabanas do
resto da cidade. Pequenas janelas vazam os muros cin- barrro de Cov~chuelas, que desta perspectiva se asseme-
zentos que em alguns pontos têm três metros e meio lha a ~ma pilha de lo~ça de barro partida, fica uma
de espessura. Em cada um dos quatro cantos há uma terr~ seca, deserta, batida pelo vento, suavizada aqu;.
tôrre quadrada encimada por um campanário pirami- e all por pequenos bosques de oliveiras ao longo da
dal que termina por uma ponta aguda. As quatro mu- estrada de Madri. '
ralhas formam um grande pátio cercado por dois níveis Do lado ocidental do Alcázar fica o campo de para-
de arcadas. No centro, sôbre um pedestal de mármore, da da infantaria, uma extensão plana e poeirenta de ter-
uma estátua de Carlos V, uma figura vigorosa com o ra batida, oficialmente conhecida como esplanada leste.
maxilar de buldogue característico dos Habsburgos, es- De baixo da tôrre sudeste e ligada por uma passagem
magando com os pés um mouro em contorções. Há por coberta de pedras, ficam os Capuchinhos. um indescri-
baixo uma inscrição que se tornou lema não-oficial de tível mosteiro velho convertido em alojamento de cade-
três gerações de cadetes: "Ao ver meu cavalo e meu tes; e o terraço entre os Capuchinhos e as muralhas do
estandarte caírem na batalha, levante primeiro o meu sul é chamado Praça dos Capuchinhos. Ao lado fica o
estandarte." No lado sul do pátio, uma escadaria real Comedor, o refeitório, um prédio moderno de aço e vidro.
- com degraus monolíticas de quinze metros de lar- Além, para leste, mais abaixo, uma casa ~me~s~ deno:-
gura - conduz ao segundo pavimento. minada Picadero utilizada como academia hipica. Ha
'
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também aqui um grande terraço com uma ra.1npa .que
c;
1-
leva, suave, à esplanada leste. Umas poucas cavalanças Embor~ ? Alcázar constitua um símbolo formidável
improvisadas espalham-se desordenadamente pelo ter- de poder mll~tar, co:no fortaleza pràticamente n- t 1
valor. Se a cidade fosse atacada 0 inim· da? en
raço. Bem ao lado sul do ~icadero fica a úl~i~a depen- trar pelas portas principais (Bi~agra Igbo :P ena e~-
0
dência do Alcázar, um aloJamento pseudogotlco para a a oeste Ca b , ) em aixo e ma1s
seção da tropa perman~nte s~diada, r:a Academia. o . ' m ron ' ou pelas ruas sinuosas que lhe da-
riam cobertura, alcançando posições a
Santiago, como é deno:n1nado es~e pred1o, ~ousa na ex- do Alcázar poucos metros
tremidade da ravina 1ngreme sobre o TeJO que ruge sei?, que pudesse ser percebido por ninguém
numa garganta profund~ e estrei~a, trinta metrc:s abai- d:ntro do_ ediflcio. Uma vez sitiados, seus habitantes
xo. A cidade de Toledo e quase circundada por esse rio nao podenam escapar. Antigos autores espanhóis com-
pararam orgulhosamente o Alcázar a · ,
barulhento e turbilhante que funciona como um fôsso ninho de águia; mas os modernos aurtmi.lhle~expug!lavel
garantindo-a contra ataques de infantaria, por todos o~ . . . Iros nao se
lados menos pelo norte, onde Toledo foi protegida pelas a t emonzan~m pela antiga metáfora. Armadilha seria
pal~vra ;nais adequada. Para 0 visitante, em 1936 0
muralhas. Alcazar e como um castelo de papela-0 e as u b'Iquas sen-
'
Ao sul e oeste o Alcázar se apóia no corpo plebeu . 1
t Ine .
as com suas baionetas reluzentes, e os oficiais de
da cidade Velhos casebres de tijolo alongam-se pelas botas de cano longo e compridas faixas rubras -
muralhas dos Capuchinhos e estendendo-se para além p~ssa;n de bl.á-blá-blá. Desconfia que essa pompa' m~~~
das janelas traseiras do Comedor, há um pátio aberto cial_ e tentativa para evitar que o forasteiro descubra
o Corralillo. Camponeses dos distritos distantes aí amar~ aquilo que os íntimos já sabem -que o Alcázar outro-
ram seus cavalos entre o capim e o lixo, o que é proibi- r~ ~pode:_oso, ,tor~~u-se hoje apenas uma peça d~ expo-
do no Zocodover. Nas casas próximas vivem os habitan- siçao. Nao ha duvida que a idade de ouro da Academia
tes mais pobres de Toledo, muitos dêles à distância de passou. N? comêço do s~culo lá residiam quase mil ca-
uma cusparada do Alcázar. Na sua mente, o odioso detes .. Muit~s. do~ ~u~ la se graduaram figuram entre '
Exército . e os orgulhosos cadetes é que perpetuaram a
, . os mais notonos mimigos da República. Um dêles foi o rei
sua miseria. deposto, Afo?so ~III, forçado a fugir do país em 1931
Na descida para o Zocodover há uma rua larga, a e ag,ora, ansioso, a espera de ser chamado de volta. Ou-
Cuesta dei Alcázar, que se estende pela abrupta ala t~o e o ~eneral Francisco Franco, antigo chefe do Exér-
oeste da Academia. Neste lado, o portão das viaturas, cito, odiado por muitos espanhóis por sua rude eficiência
uma entrada de serviço hoje fora de uso e que se liga ao esmagar, há dois anos, a revolta dos mineiros astu-
a uma grande catacumba que circunda completamente rianos.
o Alcázar, no nível do porão. Neste existem também al- _ Por causa do papel que desempenhou na conspira-
gumas salas de aula iluminadas por clerestórios e vá- çao contra a República - dizia-se ser êste o maior ob-
rias salas de serviço. Existe ainda outro porão abaixo jetivo de uma organização secreta, a União Militar Es-
dêsse, apenas dos lados leste e sul, visto que o terraço é panhola - o General Franco está agora vegetando num
desnivelado. Porque os construtores edificavam no tôpo pôsto obscuro nas Ilhas Canárias, longe da Espanha
de um morro, grande parte das fundações do Alcázar continental.
se constituem de atêrro e entulho. Onde mais se pode A República, apreensiva com o apoio do Exército
notar isto é na face oeste do terraço norte, que cai quin- às facções direitistas, reduziu o número de cadetes a
ze metros sôbre a Cuesta dei Alcázar. uma centena, mais ou menos. Em julho de 1936 todos

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"I stão licenciados. A mão, encontram-se umas pou-
~C::,s d~zias de oficiais-instrutores, que mo:a~ na cidade, ra aínd~ n~o enviou as instn!ções para a fabricação das
e duas companhias de recrutas.-. constltuid~s em sua partes finais; se a ordem foi enviada perdeu-se no ca-
maior parte de ord~nança~, fa~r?erros e continuas sem minho. O diretor, Coronel Soto, é um republicano de
a mais rudimentar Instruçao militar. confiança (diz-se que é amigo pessoal do próprio Pre-
0 fato é que o Exércit~ não tem interêsse em ins- sidente Manuel Azafia); mas é impotente ante a inér-
truir tais homens no mai?-eJO das armas, u~a vez que cia burocrática do Ministério.
êles voltarão às suas aldeias, onde po~em po: ~m prá- Entre a fábrica de armas e a estrada de Madri fi-
tica seus conhecimentos, no caso de Insurreiçao. Com c~ outro estabelecimento militar, de menor significa-
os cadetes ausentes e o :pessoal do es~ado-:naior alojado çao. É a Escola Central de Educação Física. Seu diretor
com suas famílias na cidade, o Alcazar e pouco mais é ~m coronel sex~genário, José Moscardó, oficial de car-
do que um museu despovoado, com suas salas vazias reira que, como ele mesmo reconhece há muito se in-
assombradas pelos fantasmas do passado. As paredes do . '
~eressa _ma1~ pelos seus times de futebol do que pela
Salão de Honra estão cobertas com os nomes, gravados Instr~çao m~htar. Exce,tu~do, talvez, o Arcebispo, Mos-
no mármore, daqueles que mo.rr~r~m ,~m combate; e cardo abomina a Republica - para êle um sinônimo
muitos dêles contam a mesma historia: Morto em Mar- de Marxismo - mais ardente e abertamente do que
rocos." os capítulos mais rece~t~s dos anais militares qualquer pessoa na Província. Os seus pontos de vista
da Espanha nada registram mais 1mport~nte do que es- sã? bem conhecidos nos círculos republicanos, mas per-
sa guerrinha obscura, da qual o forasteiro geralmente mit~m ..9ue o velho coronel seja conservado no pôs to.
nunca ouviu falar. A d1reçao da Escola Central não é considerada posição
Mais importante, do ponto de vista militar, é a importante e, assim sendo, até coronéis fanáticos, com
Fábrica Nacional embora seja mais uma reunião de ofi- quarenta anos de serviços prestados à Espanha, têm o
cinas no vale noroeste da cidade, do que pràpriamente direito de gozar sua sinecura. Um treinador de futebol,
uma fábrica de armas. O fato de existir aqui um arse- ameaça à República? É ridículo.
nal prova a tenacidade da tradição espanhola. Houve
tempo em que as lâminas de aço ~e Toledo eram famo- Afora as igrejas e sua arte, Toledo pouco mais tem
sas no mundo. Embora a reputaçao permaneça, a qua- a oferecer. Corre o rumor de que os hotéis são maus;
lidade caiu. E, afinal, o uso da arma branca, nas ques- poucos são os turistas que não retornam a Madri ao
tões de amor como na guerra, tornou-se pouco freqüen- cair da noite. Os guias turísticos aconselham os restau-
te mesmo na Espanha. O armamento pesado é mais rantes ao ar livre próximos à Escola Central, apontando
'
produzido ..
em Sevilha e outros lugares. As oflcmas es- especialmente o Venta de Aires, favorito de Bourbons
palhadas entre os bosques de choupos prateados junto menores quando vêm à cidade.
ao Tejo especializaram-se em armas menos destruido- Toledo, agora, é uma cidade provinciana estacioná-
ras como cartuchos, sabres, granadas e espadins. ria, com sua face desviada do futuro - que nada lhe
As granadas foram mal sucedidas. Um modêlo nô- oferece - e voltada para o passado. Há aqui um pro-
vo e mais barato vai sendo estudado aqui, mas a buro- vérbio que diz: quando Deus criou o sol Êle primeiro o
cracia dificulta a produção. Enquanto se empilham mi- colocou sôbre Toledo. E muitos toledanos deploram que
em Sua sabedoria Êle o tenha mudado mais tarde. Du-
lhares de grampos e são estocados quilômetros de fio rante séculos a cidade foi a capital nominal da Espanha.
de aço transformados em molas, o Ministério da Guer- E nunca perdoaram de todo a Felipe II por ter mudado
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a côrte para uma aldeia presunçosa chamada Madri
u?: passo que apr~ssou ~,queda da velha capital do~
VIsi_godos. A tract~ça_o aqm e uma obsessão. Ainda agora tenha atenuado a escandalosa preferência pelas despe-
a Cidade, na maioria, vota nos candidatos conservado- sas militares (nos anos da monarquia consumiam 51 lf'o
res que acreditam na vida eterna, em vez de apoiarem (cinqüenta e um por cento) do orçamento nacional),
os da Frente Popular, ou "vermelhos", que apenas pro- há muita gente a sustentar que o exército não é real-
metem um paraíso terrestre. mente um exército, mas uma fôrça policial - e, ainda
por cima, ineficiente. Os oficiais, dizem êles, são notáveis
~ Os ~rincipais produtos e artigos de exportação da apenas por seus uniformes; poucos têm qualquer expe-
Cidade sao solda.dos e padres, cujas qualidades são cé- riência de guerra, pois a Espanha não participou de ne-
lebres; tudo mais ela importa, principalmente turistas nhuma guerra recente, exceto o conflito colonial com os
que aflue~ de tôda parte do globo para se ajoelharem Estados Unidos e a prolongada pendência com as tribos
ante os obJetos de arte e as relíquias religiosas da Ca- do Riff, no Marrocos Espanhol, que quase sempre des-
tedral e de outras igrejas. Em Toledo há mais telas de barataram os espanhóis.
El Greco por centímetro quadrado do que em qualquer Por tôda a Espanha cresce uma hostilidade aberta ./
parte do mundo; talvez o mesmo possa ser dito de pa- e furiosa contra padres e soldados. Diz o provérbio: ~a
dres pois a cidade é uma concentração de seminários. Espanha há duas Espanhas, uma que trabalha mas nao •
Para os liberais espanhóis, Toledo tornou-se o principal come e outra que come mas não trabalha. Para o traba-
alvo de ataque. A cidade possui pouco mais de trinta lhador o clero e o exército estão claramente na segun-
mil habitantes, mas mantém noventa igrejas e dezoito da cat~goria. Com seu Alcázar e sua catedral, Toledo é
conventos. O Arcebispo de Toledo, que também leva o um símbolo dessa Espanha.
título de Primaz da Espanha, não é somente o eclesiás- Ao sul da cidade, das montanhas rescendendo a
tico mais importante do país, mas também um desa- tomilho, a vista de Toledo, além da curva em ferr~d~ra
brido adversário da Segunda República, que para êle da garganta do Tejo, é magnífica, uma cena class~?a
é sinônimo de ilegalidade, ateísmo e comunismo. Em espanhola. A paisagem é mais africana do que europeia,
1931 os conservadores ficaram chocados quando o go- principalmente as casas baixas côr de ocre, que pare-
vêrno republicano baniu do país o Arcebispo Ped~o S~­ cem brotar como verrugas das encostas das colinas. Em
gura por pronunciamento claram~nte oposto .aos I?-eais sua textura a paü~agem parece pele hun;an~ er:r~gada;
democráticos; e poucos meses mais tarde os ll?erais fo- e a côr, sangue desbotado. Um tal pais. e tragico -
ram, por sua vez, ultrajados quando, o Arcebispo, sem a juventude e a alegria parecem ter sumido totalmen-
permissão de ninguém,, voltou ao pais. ~eu. sucessor, o te. Até o seu folclore é sinistro. Há, por exemplo..; em
Cardeal Isidoro Goma, e um homem mais crrcunspecto. espanhol a frase noche toledana, noite em .que nao se
pode dormir por causa de algum acontecimento ter-
Se durante o dia Toledo pertence aos padre~, à
noite é entregue aos soldados. Os cadetes do Alcazar rível que aconteceu ou se espera que aconteça.
herdaram as arcadas e os cafés do Zocodover, or:de pas- Equilibrado nas íngremes la~eiras da margem sul
seiam ou sentam-se em pequenos grupos, .as maos cal- do rio ficam os cigarrales, propriedades nobres e bem
çadas em luvas brancas, pousando Ievem~nte nos pu- tratad~s, entre pequenos bosques de oliveira plant:dos
nhos dos espadins. Quando o tempo per~Ite, a banda em terraços. De qualquer delas pode-se ver as torr~s
da Academia toca operetas e marchas ruidosas no"' co- pontiagudas do Alcázar, assomando sôbre as demals
reto de cimento no meio da praça. Embora o governo construções da cidade.

18
19
I

Mas a cidade é silenciosa e parada com 0


dade de mortos - nem mesmo o latido dos c- uma ci-
sôbre o rumor do rio em sua garganta. Out aes se ouve
fêz História e suas memórias bastam para rara Toledo
historiador durante tôda a vida. Mas que poodcupar u:rn
.. . . ' ena ac
tecer de novo, agora, nesta cidadezinha fatigad a.? on- I
o Levante

Pouco antes das dez horas da manhã de 18 de ju-


lho de 1936, o Coronel José Moscardó saiu de casa no
tradicional bairro de Santa Clara em Toledo e dirigiu-
se apressadamente para o norte, ao' longo da ' estrada de
Madri. Como diretor da Escola Central de Educação
Física do Exército, instalada em um conjunto de pré-
dios de tijolos espalhados pelas bordas da cidade, Mos-
cardá era membro ex-ofício da comissão encarregada
dos Jogos Olímpicos programados para serem iniciados
em Berlim, dentro de poucos dias. Seu filho, o Tenente
Pepe, estava nesta época em Barcelona, fazendo os úl-
timos preparativos para a viagem que ambos realiza-
riam juntos, o filho como ajudante-de-ordens do pai.
Durante mais de um ano o coronel vinha aguardando
com ansiedade esta viagem à Alemanha Ela chegou
após sete rotineiros anos em Toledo onde êle havia sido
designado para dois cargos vantajosos mas monótonos,
a princípio como chefe da Escola de órfãos de Infanta-
ria e atualmente como diretor da Escola Central. O
oficial sexagenário gostava de aventuras, e de lugares
novos, exceto do serviço em Marrocos, onde estêve des-
tacado durante vinte anos juntamente com muitos ofi-
ciais de carreira. Isto aconteceu em época de paz na
Espanha e êle atingiu os seus anos de declínio sem que
pudesse desfrutar muito de qualquer dos dois.
A despeito da agradável expectativa da viagem,
Moscardó estava profundamente preocupado. Durante
tôda a manhã as estações de rádio anunciavam que as
guarnições do exército na África, constituídas em sua
21
7

maioria da excelente Legião Estrangeir.a e dos Efetivos li.t~ ~ão. ~eve então o apoio suficiente dos elementos
de Mouros, tinham-se. revoltad~ na _noite ~~terior con- CIVIS direitistas e po:: isso foi sufocada em poucas horas.
tra Govêrno Republicano: Alem disto, dizia-se que 0 Embora. condenado a morte, Sanjurjo ("o leão do rifle")
0
General Francisco Franco t:n~a desertado secretamente cor:-seguiu ser exilado em Portugal, onde fomentou um
de seu pôsto nas Il~as ~ar:-an~s e voado para Marrocos cuidadoso plano revolucionário, com o objetivo de der-
onde, sem dúvida, ele mcitana a . u ma revolta geral 0 r~bar a República. Através de uma organização conhe-
exército do contin~te espanh.ol. Ainda estava muito ce- cida como União Militar Espanhola, foi arquitetado um
do para a circulaçao de )ornais m as.' de qualquer modo, plano para ~ t?mada do poder. O exército seria apoia-
Mo~cardó não gostava deles. Os publicados pelos partidos do pela ma1ona das classes que tradicionalmente se
que apoiavam a coligaçã? da Frent e Popula: estavam re- opunham aos movimentos liberais. Ficou bem claro pa-
pletos de evidentes mentiras, enquant o aqueles represen- ra as castas militares que se quisessem algum dia vol-
tantes das facções monarquistas ou eclesiásticas eram tarem a ter importância nos assuntos de política in-
mutilados pelos censores republicanos - ou assim seus terna, teriam que contar com elementos fora de suas
editôres exigiam. fileiras.
A Rádio União de Madri, controla da pelo govêrno Neste meio tempo, a República tentou enfraquecer
pouco ajudava. Embora tivesse aludido vagamente ~ ~ e~ército que durante longo tempo mantinha o equi-
"distúrbios" em Marrocos, concluída, entretanto cada llbno do poder, e as fileiras foram reduzidas através
notícia com a cantilena monótona : " ... mas o 'govêr- de aposentadorias compulsórias e rebaixamentos humi-
no está de posse da situação. " Para Moscardó isto tam- lhantes. Embora Moscardó não tivesse participado e ti-
bém não significava coisa alguma - talvez o oposto vesse mesmo revelado os sinais da conspiração, foi tem-
O que devia fazer um oficial do exército como êle? poràriamente rebaixado a tenente-coronel. Êle sofreu
Era urgente que conferenciasse com colegas em Madri. tanto com isto que sua espôsa ficou preocupada com
homens que lhe pudessem dizer o que estava verdadei~ sua saúde mental. Ainda que sua patente tivesse logo
ramente acontecendo na Africa. Não ousava comuni- depois sido restabelecida, Moscardó tornou-se daí em
car-s~ por telefone, qu~ deveria esta; ~nterceptado pela diante quase fanático em seu ódio contra o govêrno
estaçao de Toledo. Assim era necessario que deixasse a representativo, que não respeita nem a igreja, nem o
sua espô~a Maria Guzmán ~os cuidados dos filhos mais Exército, nem o Rei.
noyos Luis e Carmelo e partisse para Madri em seu Ford Contudo, Moscardó teria sido um conspirador inep-
preto. to - muito bombástico, muito óbvio. Os tempos reque-
~ão é que êle ou qualquer oficial duvidasse de um riam homens do tipo maquiavélico e por esta razão êle
possivel e eve~tuallevant~ ?e armas contra a República era tolerado ou ignorado pelos oficiais da União Militar
- os acontecimentos poll,tic?s na Espanha sempre fo- Espanhola, a junta conspiradora formada para destruir
ram contr~l!l'd~s ~elo Exercito. A P rim eira República a Segunda República Espanhola. Moscardó bramia in-
uma expenencia Inexpr~ssiva em 1870, inaugurou ~ dignado contra qualquer pessoa que encontrasse, mes-
pro~esso pelo. qual ela foi abolida - um golpe militar mo os simpatizantes republicanos de importância, tais
Assun, parecia estar a História se repetindo em 1932. como o embaixador americano, Claude Bowers, que ha-
~~do o Gem;ral José Sanjurjo, herói das guerras mar~ via chegado a Toledo em julho para uma curta visita e
partiu com a lembrança das ruas encharcadas de luar e
daq~~~ ~a decada passada, tentou derrubar a Segun- d a bile de Moscardó. A indicação do coronel para a
publlca com resultados desastrosos. A revolta mi-
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22
Escola central mostrou clara~en~e que o exérci~o hon-
nha estavan: depositados nas mãos de oficiais insinuan-
ava Seu longo serviço, consideravelmente
rsuas " 0 · " d.
maior que
te~ e previdentes; Moscardó era um anacronismo
habilidades militares.. _ ensin? , IS~~ e"1_e a seus m10pe.
ajudantes, "não é minha ,P.a iXao dC:minante .. N~o estava
claro qual a paixão especifica que ele estava msinuando, Enq?anto o l!ord de Moscardó corria pela estrada
a não ser que fôsse o futebol. d~ ~adn, talvez ele se recordasse de uma viagem fre-
comparado a seus colegas, Moscardó era uma mon- l!etlca se~elh~te a est~ que fizera anos antes. Naquela
tanha de homem. Tinha aproximadamente um metro e epoca hav1~ sido envolvido no papel de um revolucioná-
oitenta de altura, caminhava desajeitadamente e trans- rio e suspeitava que houvesse feito papel de bôbo. Tudo
co~eçou quando o líder da Falange passou pelo seu
portava tanta carne que era apelidado "o gigante flá-
cido". Como tivesse dificuldade em controlar as mãos gabinete na Escola Central. Como muitos outros con-
nervosas, geralmente as trazia coladas de encontro ao servadores, Moscardó tinha uma atitude ambivalente
regaço pois tinha consciência de sua inclinação para para com os falangistas. Eram inimigos mortais dos
fazer gestos violentos. Sempre que possível usava cha- partidos da Frente Popular o que era bom; mas fala-
péu para esconder a cabeça, quase totalmente careca. v,am contra. a I~r~j~ e o Exército - o que era mau. o
Seu gôsto pelo uso de uniformes de gala impecáveis traía llder falangis~a Iniciou a conversa com um pedido claro,
sua vaidade e seu excesso de amor-próprio. Exceto por de tal modo simples que Moscardó ficou atordoado. "Co-
sua bôca grande e sensual e pelo queixo ligeiramente ronel, eu desejo contar com a sua ajuda na marcha da
pendente, seu rosto era afável e fàcilmente esquecido. Falange, primeiro sôbre Toledo e depois sôbre Madri."
Como muitos outros homens passageiros, não era muito Era a voz do destino, de um louco ou de um espião?
brilhante nem certamente estável - linguagem bom- Temendo uma armadilha, Moscardó disse ao falangista
bástica freqüentemente seguida de hesitação, obstina- que retornasse após o almôço para uma resposta. En-
ção e vacilação. Dizia-se que sua mãe morrera louca. tão, tomou seu carro e dirigiu-se loucamente a Madri
para transmitir a proposta. Recusando-se divulgar sua
Moscardó era rondado pelo espectro do fracasso. missão aos subordinados do Ministro da Guerra, bateu
Mais cedo ou mais tarde todos os seus subordinados ou- furiosamente em cima das escrivaninhas e conseguiu
viram-no falar do seu primeiro pôsto, depois de se gra- eventualmente uma entrevista com o General Franco.
duar no Alcázar em 1896. Comandou as sentinelas no Embora o general estivesse cansado, após uma confe-
funeral de um velho tenente indigente que morreu sem rência militar, sentiu-se tocado pelo zêlo do coronel
casa e sem família numa pensão miserável em Madri. provinciano e talvez um pouco divertido. Franco ins-
Não havia outros acompanhantes. Moscardó ficou pro- truiu Moscardó para que permanecesse sossegado em
fundamente chocado e torturava-se repetindo êste dolo- seu pôsto "até o momento propício", não especificando,
:os? ~c?z:tec.imento que parecia espelhar sua própria entretanto, quando êste seria. Enquanto isto, o falan-
msignificancia entre a elite milit ar. Apesar de haver gista deve ter-se desencorajado de sua manobra prema-
conseguido maior evidência que o tenente reformado tura. Ia longe a tarde quando Moscardó retornou ao
êle. era tan:bém ~m fracasso - fat o que o elegant~ seu Gabinete, onde despachou o jovem visionário da
uniforme nao podia esconder. Oficiais subalternos da Falange. Moscardó, mais tarde, sentiu-se um pouco t o-
Escola Central sentiam isto e gostavam verdadeiramen- lo por seu comportamento precipitado em denunciar_ a
te do velho, tão pronto a tolerar suas vitórias e fracas- "conspiração". A sua crescente lista de preocupaçoes
sos. Acreditavam, todavia, que seu futuro e o da Espa- adicionou o nome da Falange.
24 25
S nda República foi proclamada, em
e1 e -.
Desde que a e~~ardó pregava que o exército de- ~s ach~ss~ atnt.ipático~ com? indivíduos. Também com
e.~ o Inseparavel dele- estava um volume de
1931, o Coronel M~a salvar a Espanha do comunismo,
po~s1a religiosa, O Casamento Perfeito de Frei Luiz d
veria rev.oltar-s~ :P~ 0 0 govêrno constitucional, diri- Leon. ' e
'maçonana e da eaidsos . tinha tentado seguir um curso
gi'do. por t mo erdois 'extremos: de um lado os manar- A~ longo d~.. viagem as aldeias castelhanas per-
médio
·
en t'f
re osnda'rios . . o clero e mi'l't
industnais d
I ares, e e
maneciam tranqu~las ao brilho do sol. Até que 0 Ford
quistas ' 1a Ioci'al
u ·stas ' comunistas
. ' e anarquis· t as. M as o cru~asse a _comp~Ida ponte sôbre o rio Manzanares e
outro· os I'nho
s 1
sempre' foi. o caminho
· d a con d enaçao- na subisse a ~Ibanceira da ala norte, Moscardó não havia
meio
E
cam
ha e a República era incapaz de reconci Iar t ais·1· · c~mpreen?~do __ q~e Madr~ ~ra um tumulto de apreen-
0;g~~s. A luta pelo poder, experimentada em tôda Euro- sao e behgerancia. Multidoes de madrilenos das clas-
a entre a Direita e a Esquerda começo_u a se. fazer sen- ses pobres discuti~m ac: longo das calçadas e grita-
fir na Espanha. Desde que cada. facçao es~Iv_esse con- vam nas ruas. Muitos deles usavam seus macacões _
vencida de que a outra desenv~lvia planos sinistros pa- vestime~ta larga e azul denominada "monos"_ alguns
ra tomar o govêrno - e freque?tement~ com b?a ra: dos quais estavam adornados com a estrêla comunista
zão - a brecha entre elas abria-se mais e mais, ate de quatro pontas. Outros ostentavam lenços vermelho e
que a Espanha ficou r~~uzida ~ dois campos. desesper~­ prêto, as côres dos sindicatos anarquistas, atados ao
dos e contrários. Os vanos e diferentes partidos da DI- pescoço. Na Porta de Toledo uma multidão dava vivas
reita e da Esquerda começaram a formar coligações, nos passeios, com punhos cerrados, no momento em que'
que mais tarde se tornaram conhecidas como Frente um carro aberto pintado com as letras UGT contornou
Popular e Frente Nacional. o arco triunfal da praça.. 1 A multidão não parecia
Nesta cristalina manhã de julho de 1936 Moscardó estar armada, e Moscardó imaginava por que motivo as
deve ter sentido uma aguda fisgada de desapontamento fôrças não tinham ainda tomado a cidade.
de que a revolta tivesse ocorrido - se realmente tivesse Já que o Ministério da Guerra tinha-se povoado de
ocorrido - justamente na época em que os jogos de oficiais com fortes tendências republicanas, Moscardó
· Berlim deveriam ter início, pois com a sombra da guerra não ousava aparecer lá, com mêdo de ser colocado sob
pendendo sôbre a Europa era improvável a realização suspeita. Fazia algumas discretas chamadas telefônicas
das Olimpíadas. Moscardó tinha poucas ilusões quanto e obtinha confirmação de que a revolta estava avançan-
aos atletas espanhóis, lamentando particularmente que
seu time favorito de futebol não iria brilhar. Mas em 1 - Embora a milícia republicana adotasse muitos dos
equitação e tiro a Espanha poderia esperar ganhar me- dispositivos dos comunistas - a estrêla vermelha, a hagiogra-
dalhas. Cavalos e rifles - quão importantes êstes tor- fia marxista, a saudação de punho cerrado - o Partido Co-
nar-se-iam para êle, em outro sentido, dentro de alguns munista era muito pequeno quando rompeu a guerra. A pro-
dias! paganda dos direitistas, porém, apossava-se àvidamentte des-
tas manifestações para reivindicar seus direitos alegando que
Tinha com êle no Ford um pequeno e usado dicio- estavam empenhados numa guerra contra os comunistas. De
nário espanhol-alemão que havia comprado trinta anos grande influência nos primeiros meses, foram o UGT (Unión
General de Trabajadores), o Sindicato Socialista; o CNT (Con-
antes para aprender alemão durante as campanhas do federación Nacional del Trabajo), o Sindicato Anarco-sindica-
Marrocos. Como a maioria dos espanhóis de sua cas- lista e a temível FAI (Federación Anarquista Ibérica) - uma
ta, Moscardó admirava a grandeza germânica, embora organização secreta e tropa de choque anarquista.

26 27
2
0 General Franco tinha-se j~ntado às guarni- ignorava o valor simbólico do Alcázar. Parecia-lhe que
d_?. f · anas que estavam momentaneamente aguar- se esta personificação da traição militar da Espanha
çoes a nc , . d G. b . lt
dando atravessar o estreito. e I ra ar e c.omeçar a fôsse tomada pela turba, a revolta do exército esta-
h a So,. bre Madri ' consolidando outras
marcda
unidades do ria, então, fadada ao fracasso.
1 Espanha enquanto avançavam. o pe, d os p Iri-
A · ·
A esperada viagem para Berlim foi cancelada. Mos-
su s em Pamplona a rebelião chefiada pelo General
neu ' Mola (conhecido
Emílio ' ' br o d o exerci
como o ~ere , ·t o) f ?I· cardá não teve mesmo tempo para chamar seu filho
bem sucedida e êle esperava chefiar uma coluna em dl- pepe em Barcelona. Mas tinha poucas dúvidas de que
lá a ralé já tivesse capitulado diante das unidades co-
reção a Madri, vinda do norte. mandadas pelo General Manuel Goded. O rapaz deveria
Dizia-se que uma coluna motorizada de Valladolid, estar bem.
0 baluarte da Falange, a 160km ao noroeste da capital, Moscardó, contudo, telefonou ao Capitão Emílio
movia-se estrondosamente em direção a Madri, e os tra- Vela Hidalgo, um instrutor de tática em cavalaria no
balhadores lá estavam pedindo armas ao govêrno para Alcázar. Vela, que estava passando sua folga em Ma-
repeli-la antes que capturassem o cume das montanhas dri, foi instruído para reunir todos os cadetes que en-
de Gudarrama, situadas apenas a 32km a oeste. Conti- contrasse e retornar com êles a Toledo imediatamen-
nuavam as lutas nas ruas de Barcelona. Ninguém com- te. Isto feito, Moscardó apressou-se em voltar através
preendia por que as unidades do exército em Madri per- da planície à cidade adormecida junto ao Tejo.
maneciam aquarteladas. A chamada de Moscardó para o Capitão Vela foi
Através de tôda Espanha a filosofia do maiíana es- desnecessária. Tôda a manhã estivera êle ao telefone,
tava sendo suplantada pelas exigências do hoy. A paci- tentando localizar os cadetes do Alcázar que antes de
ência proverbial dos espanhóis estava por um fio e êste entrarem em licença tinham-se empenhado em man-
fio prestes a romper-se. Moscardó compreendia que se ter contato uns com outros no caso da rebelião ir-
a província de Toledo tivesse que ser protegida contra romper durante o verão. Mas os resultados eram de-
os insurretos, não havia um minuto a perder. Os ope- cepcionantes. Se alguém respondia ao te~efonema de
rários das fábricas de armas, muitos dêles apoiados pela Vela seu pedido para falar com um determinado cadete
Frente Popular, deviam estar agora munindo-se de ar- era freqüentemente respondido com " ... em Santan-
mas e empacotando caixas de munições destinadas a der" ou ". . . foi para San Sebastian". Estas eram as
Madri. Uma chamada telefônica do Ministério para o praias de veraneio ao norte d8;_ ~spanha. Êles e~tavam
Alcázar podia submeter irrecuperàvelmente a Academia também convenientemente prox1mos da fronteira d~
e suas fôrças à ala republicana. Uma vez isto aconteci- França. Em alguns casos alguém pegava o fone e gn-
do, seria quase impossível mudar de resolução, princi- tava "Viva a República" e batia com o receptor. Pela
palmente se os operários estivessem armados e o Alcázar tarde Vela tinha encontra.do apenas seis cadetes que
ocupado. Moscardó sabia que a fábrica de armas era a acederam em encontrá-lo num café na Porta do Sol
instalação militar mais importante da província, mas não e retornar a Toledo.
A escolha de Vela quanto ao ponto de encontro
2 - A natureza específica das chan1adas telefônicas de foi deliberada. Desde o tempo de Goya, a ~or~a do Sol
Moscardó nunca foi descoberta. Talvez tivesse sido instruí-
do para entrar em cantata com um agente da Unión Militar
__ o Picadilly Circus de Madri - fo~ o, sls.mografo da
Espafiola, quando a revolta começou, ou então tivesse procu- revolução. Ao mais leve tremor de d1~turb1o na Espa-
rado alguma pista para saber como iam as coisas. nha multidões de madrilenos converg1am para a pra-
'
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ca reunindo-se defronte ao Ministério do Interior, no irrompido um levante entre oficiais da Academia. Na-
fado sul quartel da odiada guarda civil. Em tais oca- quela mesma noite uma missão, c~efiad~ p_or um ge-
siões os' oficiais do exército eram personas non gratas neral, conhecido por sua lealdade a Republl.ca ch~gou
e aq~ela foi a razão da escolha de Vela. Baixo, atar- a Toledo , vindo do Ministério da Guerra e ficou. a1 .se-
racado, estorvado, o Capitão Vela era um furacão de diado até o amanhecer. Embora o general t1vesse In-
energia. O jovem instrutor mais popular do Alcázar, formado que os acontecimentos haviam ,si~o exagera-
era respeitado como um dos mais incautos cavaleiros dos, o govêrno, atendendo aos clamores publlco~ de que
da Espanha. Com um queixo sólido, sempre escurecido o exército deve ser colocado em seu lugar, puniu o cor-
pela barba, Vela teria sido tomado por um boxador, po de cadetes, transferindo-o do Alcáz.ar para o cam-
embora seus braços fôssem anormalmente curtos entre po de Alijares, um planalto deserto situado a 3km a
o cotovêlo e o pulso. Caminhava como um poderoso leste de Toledo.
pigmeu demasiado crescido; alguns dos cadetes mais Enquanto os cadetes estavam vivendo desconfor~à­
novos imitavam esta atitude arrogante. Tinha um tem- velmente em Alijares, os conservadores - em especial
peramento violento, mas não nutria rancores uma vez os do exército - exigiram o afastamento do governa-
que era extraordinàriamente devoto. Intoxicado pela dor civil. Uma vez que a punição dos cadetes estava
mística do sacrifício e da violência, era um falangista fora de proporção com sua falta,.. e o inc~dente começa-
ardente- uma formação rara para um oficial do exér- va a criar embaraço para o governo, foi apontado go-
cito em 1936. Assim como Moscardó refletia o conser- vernador da província o republicano moderado Manuel
vadorismo da Velha Espanha, Vela representava .as as- González. Seu primeiro ato foi J?edir a volt~ dos cade-
pirações da Nova Espanha. A era dos cavalos estava se tes, permitindo-lhes mesmo realizar uma ~nunf.a~ mar-
aproximando do fim; a ambição imediata de Vela era cha através do Zocodover, tendo à frente o Caplta.o .ve-
comandar uma companhia de tanques. Num exército la. Pendiam de algumas sacadas isoladas as proibidas
desordenado, com amadores ineficazes, Vela era um pro- bandeiras vermelhas e amarelas dos mona:qu1stas, en-
fissional. Moscardó sabia disto. Sua chamada para Ve- quanto os cadetes subi~m da P?nte de Alcantara. Con-
la era a procura instintiva de um homem vacilante tudo 0 antagonismo ainda ardia ocultame~te. Cadetes
em procura de um braço forte. sõzi~hos eram surrados pela súcia esque~di~ta caso ~e
O Capitão Vela tornou-se uma pequena celebrida- aventurassem pelas ruas tortuosas dos distritos opera-
qe dois meses antes, quando quase fomentou sua pró- rios e 0 Capitão Vela Hidalgo tornou-se um alvo de
pria revolução particular em Toledo. Começou uma vingança. ,
noite de sábado no Zocodover, enquanto os cadetes es- Agora enquanto Vela aguardava os cadete~, o cafe
tavam de folga. Um vendedor de jornais esquerdista do outro l~do da praça do Ministério do Inte:1or esta-
sacudiu sua mercadoria no rosto de um cadete. Profun- I
. hado de "monos" azuis ' e a praça cheia
va apin ,, u de ho-
'
damente insultado, o cadete agrediu-o a sopapos, feroz- mens e mulheres entoando: "Armas! .f\rmas. m _:re;~
mente, com suas luvas brancas de algodão. Uma mul- culo do govêrno, usando alto-falantes Inform!l~a so~m
tidão de civis cercou-o, jurando arrasá-lo. Em poucos a revolta de Marrocos, entremeando as noticias cndo
segundos o Capitão Vela venceu a multidão com uma exortações para que conservassem a calma. Um ba
de anarquistas tentou, em vão, organizar um ataque
pistola na mão. A polícia local ràpidamente restabe-
à estátua de D. Quixote, na Praç~ de Espanha, por~:
leceu a ordem, mas o governador civil em pânico, tôla- a mão do cavaleiro estava estendida num gesto se
mente telefonou para Madri informando que lá havia
31
30
do quando carr~gamentos de terroristas políticos _ fas-
Ihante a uma saudação fascista. Por tôda Madri, de- cistas e anarqwstas em sua maioria - metralhavam-
trás das persianas, fechadas par.a eliminar o calor e 0 se uns aos outros nas ruas de Madri e em outras cida-
barulho, os ministros debatiam qual das duas alter- des. Em abril, no quinto aniversário da República um
nativas era a menos prejudicial: um golpe militar bem guarda-civil (a fôrça policial tradicionalmente ~liad~
sucedido ou um.a turba incontrolada em armas. Nada da Direita) foi morto por um anarquista. No entêrro
fazendo, acabavam por negligenciar o dilema. houve um tumulto no qual José Castillo, um guarda-
O sol estava baixo quando o Capitão Vela e seis de-assalto 4 • (a fôrça policial__ aliada da Esquadra),
cadetes à paisana partiram de Ma.dri num grande car- m.atou um unportante marques e falangista. No dia
ro aberto. Na porta do rio Manzanares foram interrom- 12 de julho, Castillo foi morto próximo de sua casa
pidos por alguns socialistas que, empunhando pistolas por quatro homens armados, não identificados. Em re-
através das janelas, desejavam saber aonde iam êles. presália, na noite seguinte, um bando liderado por um
- A.?. ~Icázar de Toledo --: disse Vela. Então, pa- capitão de assalto, assassinou Calvo Sotelo e jogou 0
ra tranqu,11Izar as faces contraidas, êle ajuntou - pa- corpo junto à porta do cemitério. Isto repercutiu ins-
ra destrui-lo. tantâneamente por tôda Espanha.
- Passem, irmãos - veio a resposta. De punhos Tal como o assassinato do Arquiduque Ferdinan-
cerrados, Vela e os cadetes rumaram para Toledo. 3 do, libertou-se uma fôrça que ninguém seria capaz de r
deter e que culminou em guerra. Três anos de lutas
O Tenente Luiz Barber só ouvira falar da rebelião incessantes pelas ruas entre os pistoleros da Esquerda
de Marrocos na tarde do dia 18 de julho e assim mes- e da Direita (principalmente anarquistas e falangis-
m~ por acas<;>. A propriedade de seus pais ficava poucos tas) ) tinham finalmente abatido duas vítimas, por quem
qullom:tr?s a oe.ste de Toled.o, onde êle estava passan- tôda Espanha em breve derramaria sangue. Como pro-
d.o os ultim~s dias de sua licença especial. Sendo ofL fetizou uma geração de teóricos políticos, Caim devia
ci~l-~ngenheiro s.ed~ado em Marrocos, Barber teve per- matar Abel mais uma vez.
missao para assistir o funeral de seu tio, José Carla Antes de partir de Marrocos, o Tenente Barber
Soteia, o. mais si~cero direitista do Parlamento Espa- ouvira de um oficial superior que em poucos dias o
nhol, CUJO assassinato, n~ noite de 13 de julho, arre-
messara a Espanha no abismo da guerra civil. General Franco vingaria a morte de seu tio. Sendo um
jovem prudente, Barber não tomou esta garantia de
~ste acontecimento precipitado conduzindo à re- vingança muito a sério; soava muito romântica para
belião aberta, ~oi .um dos muitos c~imes políticos que ser verdadeira. ~le chegou a Madri muito tarde para as-
em 1936 constitui.u u;na. longa cadeia interligada. A sistir o funeral no Cemitério do Leste, onde seu tio,
Frente Popular sa1u vitonosa nas eleições de fevereiro
n;as nos quatro meses que se seguiram a Espanha pare: envolvido em túnica e capuz de monge, estava deposi-
cia ~espedaça;-~e. Neste curto período houve 169 as- 4 - o nome oficial dos Assaltos, ou Guardas de Assalto
sass~atos pohticos, 113 greves gerais e 160 igrejas in-
era cuerpo de Seguridad y Asalto. Foram . orga;.nizados em
cendiadas. O govêrno era o espectador desesperança- 1931 com o especial propósito de defen~er ~s .Inte:esses da R~­
pública, porque o Cuerpo de la Guard1a Civ~l aliava-se trad1=
3 - Nas semanas seguintes, o mundo ouviria muito sô- cionalmente às facções conservadoras. O uniforme dos Assa~
b:e a defesa d.o Alcázar pelos jovens cadetes. Realmente, ha- tos consistia de uma túnica azul-escura, ~asquete e pernei-
vdiam a penas o~to cadetes na luta, seis dos quais foram trazi- ras de couro cru. Esta fôrça não existe mais.
os pe1o Capitao Vela.
33
32
ar sob as saudações de mãos espalma- dri e Barcelona. Não davam atenção a êstes murmú-
tacto para rephouorsosos seguidores. Contudo, abriu cami-
das de seus Gólgota
c rios pois êles desapareceriam - como os ibéricos, i'O-
1 poeirento, d1versas
· h oras ma1s
· t ar-
manos, visigodos, mouros e judeus.
nho naque e os coveiros terminavam seu trabalho. No
de, enqul antro na'"' muito distante, estava a sepultura do Embora a cidade estivesse sossegada fazendo a ses-
mesmo uga, 0 . ta, o Tenente Barber encontrou uma confusão no Go-
Tenente José Castlllo. bierno, onde ninguém era, nem queria ser o responsá-
De Madri, o tenente foi a T~ledo, onde ~assara a vel. Aos primeiros sinais de perigo iminente, refugia-
infância e se graduara no Alcazar. Aproveltand~ a dos da Direita - profissionais, mercadores ricos, no-
urta licença dormiu tarde, perdeu tempo com JOr- breza menor - correram para aqui em busca de se-
~ais e café n~ terraço da pr~priedade d~ sua fam.íli~, gurança, enchendo os estreitos corredores e inundan-
admirando a paisagem da cidade atraves das olivei- do os pátios. Espôsas e filhos de muitos oficiais tinham-
ras. A manhã de 18 de julho não era diferente das ou- se reunido aqui também, apesar da maioria dêles te-
tra3. Ao meio-dia Barber foi à cidade comprar cigar- rem subido para o Alcázar. O Gobierno assemelhava-se
ros. Na tabaque1'ia perto da Porta de Cambrom, o quar- ao zoco de uma cidade do norte africano, com a dife-
teirão mais apático de Toledo, ouviu uma emissora da rença de que as caixas de jóias, as trouxas de r?upas,
Rádio União informando que as guarnições marroqui- espingardas de caça, guitarras, acordeões e as cnanças
nas haviam se rebelado. Estava claro que para êle era choronas não estavam à venda. Na cavalariça nQ 4,
impossível juntar-se ao seu regimento em Melilla atra- '
situada abaixo do andar principal do Gobierno, os ca-
vés do sul da Espanha. Decidiu esperar por seu regi- valos relinchavam e escouceavam em suas baias de con-
menta em Toledo e juntar-se a êle. Como a maioria creto aumentando o tumulto em cima.
dos oficiais republicanos, Barber acreditava que o gol- '
Escapando da confusão, Barber subiu o Zigueza-
pe militar era apenas questão de dias e que a ordem gue para a entrada principal do terraço norte, sendo
seria restabelecida em tôda a península. Depois de com- detido e interrogado por um guarda antes de ter p~r­
prar mais alguns pacotes de cigarros, retornou à casa, missão para se juntar aos ofici~is forn:ados no pat1o.
embrulhou o uniforme num jornal e dirigiu-se ao quar- Aqui em cima os nervos pareciam mais calmos. Bar-
tel militar da província para receber ordens. ber soube que' o Coronel Abeilhé, sul?erint_:nde_?te da
Enquanto isso, nem mesmo a queda iminente da Academia, estava de licença em Madr~ e .nao po~e. s~r
Segunda República, impedia a sesta costumeira da ci- encontrado pelo telefone. Em sua ausenc1a, o? oficiais-
dade. Toledo, que tinha visto as idas e vindas de reis comandantes eram o Tenente-Coronel Antonio Valen-
e governos durante dois mil anos, tornara-se indife- cia, um velho professor, e o Tenente-Coronel Pe~ro Ro-
rente a tais coisas. Ibéricos, romanos, visigodos, mou- mero, chefe da Guarda Civil de Toledo. ~~redltaya-s.e
ros, j_udeus e cristãos - civilizações passaram-se, mas que a guarda poderia apoiar a revolta militar pois .t~­
o TeJO, o sol e a terra vincada permaneceram. Atrás nha tomado parte na quase secreta ordem, ~e mobil~­
de uma grade, na catedral, havia uma pedra venera- zação poucas semanas antes. Parados no patio, os ofl-
da, marcando o lugar onde a Virgem Maria tocara. a ciais olhavam nervosamente os guardas. diante do Ga-
terra quando desceu do Céu: para a maior parte dos binete do superintendente, onde Valencia e Romero es-
to.ledanos, exceto talvez para os manchados pela dou- tavam reunidos.
tnna de Car~os .M~rx, esta pedra era mais expressiva Enquanto isso, o Tenente Barber só teve tempo de
que os ecos Indistintos do Marrocos distante de Ma- vestir o uniforme e esperar que algo acontecesse. No
'
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, ·to espanhol haviam duzentos generais e um nu'
exerc 1 é" · . ~
mero sem conta de co~on, I~, e _?lais. m8:Jores e capitães sempenhada por um oficial graduado da província -
d ue sargentos. A ~tona nao foi feita, nem mesmo até então o Superintendente da Academia, Coronel Abei-
~e;ada por inexpenen tes tenentes de engenharia. lhé. Já que êle estava em Madri quando a revolta co-
a Pouco depois das três da tarde, o empoeirado Ford meçou e não tinha voltado, Moscardó soube que exce-
prêto de Moscardó !ompeu no Z~c~dover, onde a ses- dia em graduação a todos os oficiais que se tinham
ta começava a ter1p~nar. De ,m_n rad~<? de bar vinha um deslocado para o Alcázar. Moscardó e seus companhei-
fragmento de notic~a da Ra~o Un1ao, mas as mesas ros imprudentemente empurraram para diante os guar-
de mármore do Cafe Goya amda. se achavam desertas. das na porta do Gabinete e encontraram o Coronel Va-
Um garçom derramava uma bebida abandonada sôbre lencia sentado na cadeira do superintendente próxi-
um vaso de plant~ da p3aça - ?s velhos rituais pre- ma ao telefone e o Coronel Romero de pé, altivo, jun-
valeciam sôbre as movaçoes. Depois do tumulto de Ma- to à janela. A despeito de sua avançada idade e físico
dri Moscardó deve t er achado Toledo estranhamente delicado, Valencia saltou da cadeira como que impul-
impassível· aqui os fatos pareciam filtrados através de sionado por uma mola; poder-se-ia, porém, imaginar as
tela espês~a de uma indiferença quase sepulcral. simpatias políticas de um companheiro de armas. En-
quanto isso Romero, que parecia frio e dignificado em
Rumando para a direita, Moscardó entrou num be- sua adornada capa militar, que usava mesmo no calor
co estreito oposto ao Santa Cruz e dirigiu-se ao Go- de julho, observava os dois homens com indiferença.
bierno, sendo detido por um guarda antes que pudes- Embora fôsse experimentado em sufocar rebeliões ci-
se entrar na área da Academia. Entrando, então, pelo vis em aldeias isoladas, não estava em sua especialida-
portão de ferro que bloqueia o acesso ao Ziguezague de conduzir insurreições militares contra o govêrno.
e às dependências do Alcázar, subiu a rampa para 0 Moscardó perguntou logo se não houvera alguma
Picadero e estacionou entre os veículos da escola na chamada telefônica do Ministério. Valencia informou
esplanada leste. Debruçando-se nas janelas do aloja-
mento Santiago e observando-o indiferentemente esta- que não.
vam os soldados da tropa. Alguém tinha tomado a pro- Neste sombrio gabinete, mobiliado com cadeiras de
vidência de confiná-los no quartel para impedir que couro quebr~das e retratos de~b?ta~os de super~ten­
tumultuassem a cidade. Uma vez no Alcázar, Mascar- dentes anter1ores em molduras 1dent1cas, Moscardo con-
dó ficou aturdido pelo grande n úmero de fisionomias firmou os rumôres de uma revolta na Africa. Disse aos
estranhas no pátio. Por um momento êle temeu que colegas que as guarnições de tôda Espanha estav~ . ~e
a unidade de Madri tivesse sido enviada para defender sublevando contra a República e expressou a op1ruao
Toledo, mas informaram-no de que êstes eram oficiais de que 0 General Franco log~ ~archaria .de Andalu-
desgarrados apanhados de licença ou em trânsito e que zia em direção norte com o exercito da Afnca. A qual-
se apresentaram na Academia durante a emergência. quer momento a guarnição de Madri est~ri~ comp~eta­
A ~edida que êl~ se movia pelo pátio em direção mente revoltada. Em poucos dias o exercito tena o
ao Gabm~te do s.up~rmtendente n a ala sul, juntou uma contrôle completo da Espanha e n esta hora en.trega-
companhia de oficiais pertencentes à Academia e à Es- ria 0 poder aos elementos políticos não _contammados
co:~ Central. N,est.a ép?ca, Toledo não tinha governador pela anarquia, blasfêmia e marxismo. Nao ~~u~e res-
m~I~tar (a Republl~a ~Inha abolido muitos dos governos sonância na sala. O banco enf~itiçado .de oficiais esta-
militares das prov1nc1as) , mas a função era ainda de- va de pé à margem e Moscardo sacud1u-os.
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Elevando as mãos acima da ,cabeça,. gritou:. "Se- Valencia e :r.~oscardó desen1penhassem os maiores pa-
nhores! A província de Toledo esta ~~ hoJe em. d:_ante,. péis no dra1na do Alcázar já que êle não participaria
om a revolução! Tenham a palavra. Na mult1dao al- de uma farsa. Psicologia e simbolismo nada represen-
~uém exclamou "Viva,.. a Espanha" e o, ~rito foi segui- tavam para Romero. Sabia muito bem que êstes ofici-
do de outros. Instantaneamente a noticia se espalhou ais e professôres consideravam sua Guarda Civil co-
pelo pátio e irrompeu uma segunda torrente: "Toledo mo pouco mais que policiais, mas não se importava
pelo General Franco!" Sàmente algumas vozes discor- desde que não interferissem na secular responsabilida-
dantes eram ouvidas acima dos brados. ~stes homens de de sua corporação: a preservação da lei e da ordem
desejavam saber com?. er.a possí":_el resistir is?lados e nas províncias da Espanha. Depois de quarenta anos
sem apoio contra ~s .1lunltadas f~rças do govern~. Se de serviço na Guarda Civil, o conceito de dever pa:. a
a3 unidades do exercito em Madri se opusessem a re- Romero atingia as raias da paixão. Durante a confe-
volta ou fôssem vencidas e a República enviasse uma rência êle se manteve afastado dos outros, sacudindo
coluna a Toledo, onde iriam obter homens, armas, mu- a cabeça até que o notaram e lhe pediram opinião. Sua
nições e alimentos para a defesa da cidade? Mas Mos- resposta foi embaraçosa mas sua lógica rude irrefu-
cardá aliviou a negra situação com a resposta sucinta: tável.
"Não se preocupem. Deus proverá." Não tinha inten- Segundo seu ponto de vista, seu primeiro dever se-
cão de ironizar.
.>
ria manter Toledo. Para realizar isto, deveriam retar-
No conselho de guerra que se seguiu e do qual dar sua proclamação até o último minuto. Se ~ rádio
participou cêrca de uma dúzia de oficiais selecionados, local transmitisse a notícia de que Toledo hav1a ade-
os planos para a defesa foram debatidos. Moscardó en- rido à revolução, provàvelmente o govêrno enviaria uma
tusiasmou os mais jovens como se fôssem jogadores coluna de Madri. Para resistir a um tal ataque, neces-
de futebol. Sugeriu que anunciassem ao mundo que <::itavam duas coisas: homens e munições. No momen-
Toledo tinha aderido à rebelião pois esta proclamação to não as tinham, mas poderiam obtê-las se esperassem
da cidade santa do exército Espanhol encorajaria as 24 horas. Espalhados pela província er:~ontravam-se 600
guarnições não comprometidas através do país a se- guardas-civis que poderiam ser mobll1zados ~ conce~­
guir o seu exemplo. Tal ato de bravura, segundo seu trados em Toledo pela manhã: de seg';ln~a-feua. Hav1a
julgamento, contribuiria psicologicamente para o rá- grande quantidade de muniçao na,., fabnca. de armas,
mas até a chegada dos guardas nao podenam c?nse-
pido sucesso da revolta. Valencia concordou de coração. . -1 o diretor Coronel Soto, era um republlcano
Agradava-lhe a perspectiva do Alcázar tornar-se o cen-
tro simbólico da nova cruzada s e êle seria oficialmente
r:~l· a~~ milhares de operários de 1~ - todos membro~
do ~indicato - resistiriam ao pedido para que a mu
o superintendente ativo. ni ão fôsse trazida para o Alcáza.r. No m?m~nto, as

Romero, um castelhano insensível, pensava sôbre fôiças do Alcázar eram fracas para tomar a fabrica num
tôdas essas tolices. Desejava, exatamente, permitir que ataque direto; na verdade não poderiam sequer espe-
rar manter a cidade.
5- Os nacionalistas aparentemente acreditava1n que es- Haviam outros fatos a considerar. Naquele mom~n­
~av.~z:n engajados numa guerra santa - expulsar os vermelhos
1~f1.e1s do solo sagrado. O nome oficial que davam à Guerra
to as fôrças do Alcázar eram avaliad.as ~m duzen o~
~1v1l Espa~hola era "Guerra de Libertação", e a história ofi- soldados e quarenta oficia!s, m.a~ os pnmeu~~r~::Upf~r
c1al em tnnta e cinco volumes é intitulada História da Cru- crutas sem muita instruçao militar e, para.
zada Espanhola.
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a coisa, eram politicamente inafiançáveis: A maioria
vinda de posições obscuras da.s . c~asses baiXas e podia e trazer suas ~amílias, a fim de que não fôssem toma-
voltar seus rifles co~tra os. oficiais se aparec~s~e uma das como refens.
oportunidade. Podenam tais rapazes. .(em media com ~~via~a 8: ordem, ~estava apenas esperar. o que
dezoito anos) arcar com a responsabilidade da defesa? surgiria prrmeiro no honzonte- os chapéus negros tri-
Romero achava que não. Havia, naturalmente, em To- cornes da guarda ou os frouxos monos azuis da milícia
ledo, outros pequenos grupos em quem se podia con- republicana?
fiar. No pátio, no momento, es!avam quarenta oficiais A janela do gab.inet_e do. superintendente dava pa-
não sediados, mas a metade deles consta va das listas ra o sul. Naquela direçao, distante 488km fica Marro-
de reforma e um, dentre êles, pertencia à Fôrça Aé- cos. Foram necessários setecentos anos para expulsar
rea. Havia trinta membros da banda da Academia, a os mouros da Espanha e agora estavam voltando como
maioria, porém, excessivamente gorda em conseqüên- tropa-de-choque do exército africano de Franco. Se Mos-
cia dos longos anos de serviço. Oitenta membros do cardá encontrava qualquer ironia na situação, não se
contingente da Guarda Civil encontravam-se espalha- deu ao trabalho de dizê-la. Quando consultado sôbre
dos pela cidade guardando os bancos, a entrada, a es- quanto tempo passariam no Alcázar antes de serem li-
tação de rádio e a fábrica de armas. A situação total bertados, respondeu: "Quatro ou cinco dias, a não ser
era desesperadora, pelo menos até que os seiscentos que fracasse a rebelião em Madri. Neste caso, quinze
guardas dos distritos vizinhos chegassem a Toledo. Ape- dias no máximo." O Coronel Romero negou-se a fazer
nas quando essa concentração estivesse completada, po- previsões.
deria o Alcázar declarar sua adesão à rebelião. Enquan- Durante o resto da tarde o comando do Alcázar
to isto, restava-lhes somente rezar para que o Ministé- estudava com atenção o mapa da cidade, resolvendo
rio da Guerra esquecesse Toledo, na sua preocupação um problema militar que nunca surgira nas aulas em
com os problemas de Madri. cinqüenta anos de história da Academia - um plano
Após ouvir o sumário pedante de Romero, Moscar- para a defesa de Toledo. Na Idade Média, a posição
dó e os outros oficiais abandonaram a intenção de de- defensiva da cidade tinha sido tão vantajosa que um
provérbio árabe afirmava: Toledo só poderá ser ven-
safiar a autoridade da República. Pouco poderiam fa- cida pela fome. O Tejo envolvia a cidade como uma
zer além de autorizar a Guarda Civil a voltar para a ferradura. Assim, a única posição possível para ata-
cidade. Romero imediatamente apanhou o telefone e ques era pelo norte ao longo da estrada de Madri. Na
deu a ordem. base da colina sob o Alcázar, as muralhas da cidade
Os planos para êste movimento tinham sido elabo- estendiam-se numa linha maciça através do pescoço da
rados um mês antes. A senha, "sempre fiel ao dever" alça do Tejo, como um cordão que tentasse fechar a
era retransmitida pelo telefone por ondas curtas e mo- bôca de um saco. Moscardó planejou impedir a entra-
toc~cletas para todos os postos da província. Êste era da dos republicanos na cidade, colocando seus homer:s
o sinal para que ·c ada chefe de seção abrisse uma car- nas muralhas e fortificando o Hospital Tavera e os pre-
dios da Escola Central, que cobriam a estrada de Ma-
~a lacrada, já em s.ua posse, a qual instruía os postos dri a poucas centenas de metros ao nor:te da Porta
1sol~dos como seguir para as aldeias, das aldeias para de Bisagra. Se o inimigo penetrasse atraves das mura-
as cidades e destas para Toledo. Os guardas recebiam lhas, as fôrças nacionalistas retir~-se-ia_m para o .Al-
ordens para carregar ou queimar todo o equipamento cázar e resistiriam de lá. Mas um cerco nao era previSto
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. 'm fêz qualquer esfôrço para trazer do~ estavam disp?stos a aderir à revolta - pudesse to-
n~sta fase e n;~!su~rovisões para a Academia. ma-los com~ refens para forçá-lo a render-se. Parecia
alunen~ e ou t rde chegaram notícias animadoras. melhor que eles voltassem para casa e, se a cidade fôs-
MaiS paraAssaltos
a a sediados
' . de f oram repen-
na cida se ~meaçada. por uma fôrça de ataque, Luis encon-
s.ess:et~t:~~amados a Madri. Requisitaram dez carros trana um meio de conduzi-los a Madri onde suas iden-
!:~tos e partiram rápidos, ~egundo o rel~to dos pro- tidades não seriam fàcilmente descobet?tas. Como convi-
rietários enfurecidos, que vieram ao Gobierno ~omu- n?a a uma filha de um antigo general da Guarda Ci-
P. ua perda uma vez que os Assaltos eram VIOlen- VIl, a senhora Moscardó aceitou a decisão do marido
niCar s · · · · f'
tamente pró-republicanos, sua part1~a, allvia~a a~ I- mas Luis não desejava partir. Encontrara um rifle ~
leiras da Frente Popular dentro da cida?e· Alem diss_o, estava excitado com a perspectiva de poder usá-lo. Era
sua súbita chamada indicava qu~ o governo esta:ra tao a sua chance de tornar-se um verdadeiro soldado co-
preocupado com a. crise de Madn que pouco se Impor- mo seus dois irmãos mais velhos Pepe e Miguel, am-
tava com os negócios de Toledo. bos. tenent.es. Embora com vinte e quatro anos, Luis era
À medida que as sombras se estendiam: refugia- mais menino que adulto e alguém já dissera que sua
dos da Direita continuavam a entrar no Gobierno. Ne- mentalidade não era muito normal. Moscardó delicada-
nhum dêles parecia ter tido suas vidas ou proprieda- mente tirou-lhe a arma fazendo-o prometer que cuida-
des ameaçadas pelos operários, mas não desejava~ c,o~­ ria da mãe e do irmão Carmelo de apenas dezesseis
rer o risco. Uma senhora piedosa estava quase histen- anos. Mais tarde foram levados para casa em Santa
ca, dizia que um mendigo, na porta de sua igreja,. olha- Clara, onde um guarda ficou de sentinela.
ra de soslaio para ela, quando lá entrou e ao sa1r no- A noite caíra quando o Capitão Vela chegou ao Al-
tou que parodiava o sinal-d.a-cruz fazendo movimento cázar com os seis cadetes. Esperando cinqüenta ou ses-
horizontal com a mão na altura da garganta como se senta, Moscardó ficou profundamente decepcionado
empunhasse uma faca. Esta senhora mostrava um cho- mas deu-lhes as boas-vindas com um apêrto de mão ~
cante contraste com as espôsas dos militares, que con- palavras de agradecimento. Talvez, naquele momento,
versavam e faziam crochê, sentadas sob toldos listra- os outros estivessem enfrentando as estradas bloquea-
dos estendidos no pátio interno. Contudo, as faces an- das num esfôrço para retornar ao Alcázar, como pro-
siosas revelavam não ignorar que esta noite o café não meteram. Entre os cadetes estava o filho do General
seria seguido por um passeio ao Zocodover com suas Cruz Boullosa, Subsecretário de Guerra e um incondi-
famílias para apreciarem os gaviões voando no doura- cional republicano. Vela explicou que o Cadete Cruz ti-
do entardecer. nha deliberadamente desobedecido à ordem do pai pa-
Num gabinete deserto do Gobierno, Moscardó con- ra não voltar à Academia. O Capitão Vela contou que
versava com sua espôsa e seus filhos Luis e Carmelo. não tinham observado qualquer movimento de tropas
O que fazer com êles, era o grande problema. Não lhe ao longo da rodovia. As aldeias pareciam normais. ~le
agradava a perspectiva de mantê-los refugiados aí, pois achava que em breve o govêrno distribuiria armas aos
o lugar era inadequado e sem liberdade. Se os republi- trabalhadores; se isto acontecesse antes que as guar-
canos atacassem a cidade, provàvelmente bombardea- nições de Madri se revoltassem, a ruína da capital se-
riam o ,préd~o e a família estaria exposta a sérios peri- ria inevitável. Tendo informado Moscardó, Vela esca-
gos: A!e~ disso, receava que uma facção contra-revo- puliu da fortaleza numa missão secreta particular. Sem
lucionana dentro do Alcázar - êle sabia que nem to- o conhecimento de Moscardó, pretendia entabular acôr-
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Falange de Toledo se juntasse às fôrças Alcázar surgiram na praça mas neste instante os ati-
do par!l que~ at homens haviam implorado uma chan- radores haviam-se dispersado pela cidade.
do Alcazar. ~s es .
lutar e agora êles a tenam. Durante as escaramuças, a Falange estava reali-
ce para t ·· · Al
As dez da noite a cidade estava ~abndqu1 1ad... &'uns zando uma reunião no quartel provisório na estreita
.. tadores do Zocodover, aos sa a os, ITigiam- C~~e Nueva, a uma dúzia de passos da praça: o Ca-
dos frequeans casas enquanto outros inclinavam-se atra- pltao Vela tentava persuadir Pedro Villaescusa, seu che-
se para su ' .
vés das portas e janelas ab_ertas para ouvirem uma es- fe, para pedir asilo no Alcázar, mas sem muito suces-
t - de rádio pela qual tinham esperado durante to- S?·, ~ecrutados principalmente entre os grupos univer-
daç~o dia. "La Pasionaria" falava para a Espanha. Nu- sltanos, a Falange não confiava no exército, conside-
m~ nação onde a mulher é julgada por sua supost~ se- rando-o reacionário e ignorante. Ela acreditava que a
melhança ou não com a Vir~em,, Dol~r~s Ibarrur1 era renovação da sociedade espanhola deveria ser efetua-
um fenômeno raro - era nao so poht1c~ como ta~­ da por meios espirituais e não musculares. A ma.ior par-
bém comunista. A Espanha recordar-se-a por multo te de suas doutrinas era uma simples oposição a algu-
tempo de seu discurso daquela noite de sábado. Pedia ma coisa - à Igreja, à Monarquia ou à Frente Popu-
que os fascistas fôssem destruídos onde quer que se en- lar. O mais perto que chegavam de uma doutrina coe-
contrassem e apelava para que as mulheres espanhola~ rente, era no conceito de uma "elite revolucionárian
aderissem à luta com facas e óleo fervendo, se não ti- que usaria a "essência nacional" para reconstruir a Es-
vessem nada melhor. Seu discurso, com a frase adota- panha. Como isto não fôsse mais que uma tagarelice
da "É melhor morrer de pé do que viver de joelhos! No para a maioria dos espanhóis, o partido dos falangis-
pasarán", era o sinal para a sublevação do proletaria- tas contava com menos de vinte e cinco milhões de
do. "No pasarán !" ("Não passarão!") tornou-se o gri- membros e não controlava uma única cadeira nas "Côr-
to de reunir do exército do povo nos três anos que se tes". Como resultado da tática de ataques fulminantes
seguiram. Estas palavras, "colocadas nos quadros de nas lutas pelas ruas, durante os três anos que se pas-
anúncio, rabiscadas nos prédios destruídos, tornou-se saram e da horrível mística de violência, a Falange ti-
parte indelével da paisagem espanhola. Em Madri o nha uma influência desproporcional ao seu tamanho.
Embora os falangistas repudiassem o parentesco com
govêrno começou a distribuir armas aos operários. Seu o nacionalismo italiano e germânico, compartilhavam,
discurso trouxe a guerra até Toledo. No Zocodover um porém, com êles, de uma profunda antipatia pelo co-
grupo de trabalhadores disparou suas pistolas contra munismo internacional. Ainda que suas convicções fôs-
sentinelas da Guarda Civil em serviço na praça. En- sem mal definidas, era claro que o slogan do partido,
quanto, aos gritos, os espectadores escondiam-se sob as "Arriba Espana!" não significa aquiescência aos ideais
mesas dos cafés, os rifles dos guardas respondiam ao da coligação da Frente Popular.
ataque. Hertas, o líder dos trabalhadores, bradava "Al- O tiroteio no Zocodover persuadiu menos do que
cancemo-los!" e atirava ferozmente nos guardas. Êle os argumentos de Vela, pois uma bomba arremessada
foi ferido mortalmente por duas balas. Em poucos mi- por um comunista, socialista, ou anarquista - nin-
nutos seis cidadãos, quatro dos quais não eram parti- guém poderia dizer qual, pois o culpado não foi apa-
cipantes do ataque, tombaram sangrando sôbre os sei- nhado- destruíra seu quartel original algumas sema-
xos rolados do Zocodover, enquanto quatro guardas nas antes. Agora o som do tiroteio, lá fora, parecia an-
eram transportados com ferimentos leves. Reforços do tever outro ataque. Alguns falangistas exigiam uma

44 45
-J

. ,. . , ra a, mas Vela ponderava q.ue ~e


imediata 1nc?~sao a Pa involvida na luta, ela atiraria
a Guarda Civil est~v s papéis de identidade mais ta.r-
primeiro e procurana otivessem esfriado. Terminara a II
de quando ~~ corposistoleros. Havia uma luta de mar-
fase de rebellao do~ P anha e se a Falange procurasse
te ferill:ez:tada naortir-ia um impacto mortal. Engano
1 tar sozmha sup
u . de Toledo sabiam que eram homens
Os falangistas ssoalmente conhecidos das classes
Inar~a?os. Era;rif~ ser pilhados um a um. Vela atin-
OJ?eranas e p~o Com seus líderes fêz um plano para O. doming~, 19 de julho, começou com a tradicio-
gira seu pon . membros da Falange para uma r eu- nal missa matinal na capela d? Alcázar, celebrada por
c~~vo~ar e~~d~~i~! no laboratório fotográfico da Acade- um padre de Toledo que partiu logo em seguida. No
ni~O aqu eno' prédio localizado sob o terraço norte fundo da pequena sala a madona com feições de bo-
mia,
erto do Ziguezague. Aqui. podenam
um pequ · d
~scon er-se. m-
te neca, esculpida em gêsso, lançava do altar o seu olhar
p , · nte numa zona entre o Alcazar e a c1dade. aos fiéis . Uma multidão transbordava na escada onde
Poraname
· , 1 f azer sen1
enta'"" 0 decidir o que era prefer1ve os guarda-civis montavam guarda com os rifies ao
Po denam, ,
estar irrecuperàvelmente comprometi os.
'd o c.ap1·t-ao Ve- lado, lembranças rígidas da solenidade do ato. A maior
la prometeu entrar em acôrdo com as sentinel~s p~s­ parte dela era constituída de civis, amarrotados e su-
tadas ao longo do terra9o... nort~ de mo~o que nao fos- jos depois de um sono interrompido nas cadeiras ou no
sem alvejados na escundao. Nao menc1onou que Mos- chão do Gobierno. Pareciam agradecer à missa e dupla-
mente aos guardas; no Alcázar podia-se assistir à mis-
cardá ignorava seus planos. sa sem ter de suportar a chacota costumeira e as pe-
sadas piadas dos anticlericais que ficavam nas portas
das igrejas e na Catedral de Toledo. Na primeira fila
dos devotos estava ajoelhado Moscardó. Depois da mis-
sa, voltou ao seu gabinete no andar inferior, onde pas-
sou a manhã ouvindo a Rádio União e esperando impa-
cientemente a notícia de que o exército tinha captu-
rado a cidade.
As dez horas, o tilintar do telefone quebrou a ten-
são na sala. Um ajudante atendeu e murmurou que o
General Cruz, do Ministério da Guerra, estava na linha.
Cruz mostrou-se cortês, mas muito formal. Disse a Mos-
cardó que estava enviando dois agentes de segurança
a Toledo para trazer de volta seu filpo imediatamente
€' confiava que êle não colocasse obstaculos. ~stava ~la­
ro que Cruz não sabia se seu filho era o? nao conside-
rado refém político. Depois que Moscardo declarou que
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"rdo 0 General Cruz acrescentou como se balhadores organizaram car.avanas de autoJ?óveis e
e?tava de ~~~esc~ito: "Oh, a propósito, desejo que me desceram a estrada de Madr1 para tomar a fabrica de
fora um P uni'ção da fábrica de armas para Madri com armas mas pelo caminho embebedaram-se, acabou a
mande a m
urgência." asoli~a ou volta~am para Mactr:i. Perguntava-se com
freqüência n~ caplt~l: O que esta acontecendo em To-
Moscardo, compreendeu que esta era uina oportu-
, R 'bli ledo? Ninguem sabia responder.
nidade para declarar sua lealdade a epu, . ca, embo-
ra Cruz devesse conhecer suas crenças po.ll tlcas. A tarde, um deputado socialista chamado Prats
_ Eu devo receber a ordem por escrito. chegou a Toledo para saber por que a cidade perma-
_ Não confia em mim? - perguntou o General necia tão tranqüila enquanto o resto da Espanha esta-
Cruz. va em ebulição. Depois de alguns contatos com socia-
_ Naturalmente general - respondeu Moscardó listas toledanos, visitou o governador civil da provín-
e então jogou seu trunfo. -, ~as o senhor sabe que a cia Manuel González. Ajudado por seus companheiros,
ordem deve ser dada em cod1go. pr~ts submeteu o aterrorizado governador a interro-
gatório e exigiu que êle entregasse as armas da Guar-
cruz desligou precipitada:n:ente, deixando Mo~cardó da Civil e da Academia. Os acontecimentos das últi-
com 0 telefone zunindo na mao e um largo sorriso na mas vinte e quatro horas tinham despojado González
face. A exigência quanto à ordem escrita estava legal- do resto de poder que possuía. Com apenas algumas de-
mente correta e usando esta técnica ganhava tempo zenas de policiais municipais, que poderia fazer? De-
para o Alcázar. Uma a_.rma. secreta tinha e:r:trado na sesperado inventou uma história fantástica de que tô-
guerra ao lado dos nacionalistas: a burocracia. das as armas tinham sido derretidas em sucata. Prats
o General Cruz, sem nenhuma intenção, tinha au- não ficou contente com a explicação. Ordenou a Gon-
mentado a confiança do comando do Alcázar. Se Madri zález que fôsse ao Alcázar e d. .e lá retiras~e as. suas ar-
desejava munições, por que tinham chamado a Aca- mas advertindo-lhe que se nao voltasse Imediatamen-
demia que não tinha jurisdição sôbre a fábrica de ar- te r{ão mais veria viva a sua família. González partiu
mas, em lugar da fábrica diretamente? Havia uma pos- imediatamente para cumprir sua missão absurda.
sível explicação: o govêrno imaginava que as fôrças Moscardó recebeu o governador civil com algumas
concentradas no Alcázar eram muito mais fortes do que dúvidas. Tinha pouca simpatia pelos oficiais. da Rep~­
eram na realidade - forte bastante para impedir um blica, mas González sempre mostrara o devido .r~spei­
carregamento de armas · para Madri. A fábrica era um to pelos interêsses do exército durante sua administra-
prêmio cobiçado, mas nenhuma das partes desejava pro- ção na província. Fôra ~1~ que cha:n~ra os c.~.detes ao
vocar a outra para tomá-la primeiro. Alcázar depois de seu exillo t~mpo:ano no AliJares, or-
O que ninguém sabia no Alcázar, naquela hora, denado por seu antecessor. Ainda este ano, quando g~­
era que outros fatôres estavam trabalhando em seu fa- vernador civil em Albacete, ordenou que a Guarda CI-
vor. Durante as primeiras quarenta e oito horas da cri- vil atirasse nos camponeses que cortavam ilegalme!lte
se, o pessoal do Ministério da Guerra tinha recebido as árvores para fazer lenha no pu_eblo de Yeste. A un-
três choques sucessivos em virtude das modificações prensa esquerdista ficou enfurecida com o ch~mado
~o Gabinete e as dissenções dentro da hierarquia mi- massacre de Yeste, acusando Gon.zál;z. de _Eer tra1do os
litar. Na confusão, nenhum oficial foi designado para princípios republicanos. ~stes p_rinclpi?s el~ guar.dava
obter as munições em Toledo. No dia anterior, os tra- mas não morreria por êles em vao. A situaçao nacional
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tornava-se tão caótica que não podia determinar se est~va no. comando do Alcázar. Sem água e alimentos,
se era mais ameaçado pelos republicanos do que pelo~ os ~al~ngistas amontoaram-se no forte calor por todo
nacionalistas. Na dúvida, Moscardó ofereceu asilo a o do~nngo, aprendendo pacientemente a lição de Mos-
González e sua família na fortaleza, mas êle não ou- cardo. Quando anoiteceu, o telefone chamou novamen-
sou aceitar - seria traição. Então, Moscardó traçou te. Desta vez era o Coronel Juan Hernández Sara-
um plano único: na primeira oportunidade as fôrças bia, 2 oficial-de-dia do Ministério da Guerra.. Orde-
do Alcázar fariam uma incursão à sua casa e aprisio- nava que as armas da fábrica fôssem mandadas a Ma-
nariam a família González. Dêste modo poderiam ser dri pela manhã. Novamente, com serena cortesia Mos-
trazidos a salvo sem comprometer sua lealdade à Re- cardá ~isse que tinha vontade de cooperar, mas lamen-
pública. González voltou a Prats explicando que o Al- tav~ n~o poder ,fazer nada até que recebesse uma au-
cázar se recusara a entregar as armas. Prats regressou tonzaçao em codigo.
ràpidamente a Madri com o primeira prova de que 0 - Estará aí pela manhã Coronel - disse Her-
bando de l\1oscardó era hostil ao govêrno. nández Sarabia. '
Exceto pela visita do General Cruz e de Prats 0 O Ministério parecia ainda inca paz de decidir se
domingo foi tão sossegado que Toledo parecia ter re~u­ o Coronel Moscardó era o tolo mais obstinado ou o mais
perad_? seu aspecto de sonolenta antiguidade. Embora sutil conspirador da Espanha. Precisavam descobrir
a seçao das. tropas permanecesse nos quartéis, a cida- imediatamente. Mesmo que Moscardó fôsse moralmen-
de er;a ~onsi?erada a salvo o suficiente para que Mos- te ligado à Revolução, não tinha feito ainda qualquer
cardo fosse Jantar em casa com a família. Alguns ofi- gesto aberto contra a República; não era muito tarde
ciais ~chava~ que as coisas estavam sobrenaturalmen- para que êle compreendesse sua loucura e mudasse de
te quietas; nao se lembravam de um domingo de sol idéia. O Ministério da Guerra não o considerava como
em que o Zocodover estivesse tão deserto. Quando os particularmente decidido ou um perigoso conspirador,
a.gentes de segurança chegaram de Madri para condu- mas apenas um pouco contaminado.
Zir o Cadete Cruz, o jovem deixou o Alcázar sem pro- Na fria luz da manhã de segunda-feira, uma sen-
testos e sem despedidas. 1 tinela de uma das tôrres leste notou algo movendo-se
O acontecimento mais explosivo do dia ocorreu em direção a Toledo, ao longo da estrada de Ocafia.
q~ando Moscardó descobriu sessenta falangistas escon- Assemelhava-se a uma coluna de homens com tanques
didos no laboratório fotográfico, sob o terraço norte. ou carros blindados à frente e na retaguarda. Instan-
Vela argumentou que se a luta irrompesse os "camisas tâneamente, os oficiais acordados de seu sono, lança-
azuis". s~riam úteis ao Alcázar. Seriam treinados por ram-se pelas escadas de aço que conduzem ao alto das
tôrres. Lunetas de observação focalizando os basquetes
um ofic~al d~ Academia, mas só pegariam em armas de oliveiras ao norte de Toledo, preparavam-se para
caso. a s1tuaçao se tornasse desesperadora. Embora Ve- devassar as encostas próximas do cemitério, ornadas
1~ ~IZesse prevalecer seu ponto de vista, Moscardó in- pela milícia republicana. Não havia ali sinal de movi-
s~stia para que permanecessem onde estavam por mais mento, mas fileiras de homens aproximavam-se da ci-
vmte e quatro horas. Esta demora ensinar-lhes-ia quem
2 - Hernández Sarabia tornou-se mais tarde o Comandan-
de te 1Cru;ol~cado no qua~tel de .Montaiía por seu pai, o Ca- te Supremo dos Exércitos Republicanos do Levante e coman-
vadido pel!o~=~t~en~:á~i.segulnte quando o quartel foi in- dou a batalha de Teruel.
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dade pelo leste. À medida que se acer~avam e que o céu
clareava, aplausos irromperam ,nas torres .e s~ estende- viados a Madri, onde ficaram presos ou foram executa--
ram até as janelas leste do Alcazar. Os primeiros guar- dos por um tribunal do povo. Em outra aldeia um pe~
das-civis da província estavam chegando. lo tão de guardas foi cercado em seu quartel por um
os citados carros blindados foram transformados bando de homens e mulheres, que não os permitiu par-
em superlotados cami?hões e vagões com colchões, ~ó­ tir. Mas quando os homens da Guarda saíram aplau-
veis e arquivos. Por cima, sentavam-se homens e cnan- dindo a República e explicando que tinham recebido
ças enroladas em cobertores. Ao nascer do sol as es- ordens para seguir rumo a Madri para combater os
tradas de Ocafía e Mora estavam atulhadas com estas fascistas, os aldeões acreditaram e deixaram-nos sair
caravanas de ciganos, todos dirigindo-se para um úni- sob aclamações. 3
co ponto - o Alcázar. A notícia espalhou-se por tôda Enquanto a Guarda Civil se aproximava da cida-
parte e o povo da cidade convergiu para o Zocodover. Em de, o comando do Alcázar soube que o Coronel Soto re-
algum lugar distante da cidade, seis tiros de pistola fo- cebera ordem direta para embalar a munição e enviá-
ram ouvidos - mas, se isto era um gesto de ódio ou la a Madri. Moscardó telefonou imediatamente a Soto
alegria ninguém poderia dizer. e exigiu que êle agisse de acôrdo com a ordem para en-
Os guardas passaram por Toledo durante todo o caixotá-la, mas retardasse o embarque. Soto sabia que
dia, quando então já eram mais de seiscentos. Vieram o número de guardas-civis sob o comando de Moscardó
a pé, a cavalo, em mulas, em carros confiscados e em estava aumentando hora a hora e não ousou desobede-
caminhões antiquados onde se empilhavam seus have- cê-lo. Estava preocupado, também, com cêrca de vinte
res. Não havia notícia de desertores. Cada guarda sa- oficiais de artilharia que faziam na fábrica um curso
bia que se fôssem apanhados nos distritos vizinhos equi- de verão; embora êstes homens não tivessem demons-
valia a ter morte decretada. Fundada em 1830 como trado que apoiavam a Revolução, também não mostra-
fôrça policial para exterminar o banditismo nas pro- vam entusiasmo pela República. Suspeitava ainda que
víncias, a Guarda Civil tornou-se, por sua brutal efi- estivesse cercado de espiões, e guardou uma pistola car-
ciência em debelar demonstrações rurais, sinônimo pa- regada em sua mesa e outra no bôlso; rodeava impa-
ra os camponeses de opressão, tirania, pobreza. Em al- cientemente o telefone.
gumas áreas o ~dio .contra os homens de chapéu prê- Os temores do Coronel Soto sôbre os oficiais de ar-
to de abas era tao VIolento que os deputados locais nas tilharia eram certos. Logo que os gua.rdas chegaram
C?rtes eram forçados a pedir a extinção da Guarda Ci-
VIl, mas nenhum projeto foi atendido. 3 - A vingança veio duramente. Depois que o.s guardas
Vinte e três guardas de Tembleque não chegaram fugiram, os camponeses voltaram-se contra os habitantes da
vila através de tôda província que eram - certo ou errado -
a. '!'o1e9o em virtude de alguma falha no plano de mo- tidos como simpatizantes naciona~istas. A atual, e.strada en-
billzaçao. Uma greve na estrada de ferro interrompeu tre Toledo e Ciudad Real está salpicada de cenotaf10s de gr~­
todos os trens, e. a aldei~ era tão pobre que não havia nito, marcando os lugares onde estas pessoas foram assass:-
carros para conf;scar. Finalmente, depois de se porem nadas. Num monumento típico, situado perto de u~ qua~tei­
rão abandonado numa colina varrida pelo vento, le~se: N~­
em marcha a pe foram interceptados por camponeses talio Rojo, Ruiz Castellano, Manuel Quinta~ero, Jose Antonio
armados com espingardas e forcados, que brotavam do Perez, Pablo Fernandes, Manuel Drake Sant~a.g? e Carlos Mar-
solo como dentes de dragão nesta arruínada região da tinez Repulles, foram assassinados ~ela mllicia vermelha de
Mancha. Os que sobreviveram foram amarrados e en- Yebenes neste lugar, no dia 13 de agosto de, 1936. R.I.P. Suas
famílias pedem uma prece por suas almas.
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ao Alcázar, foram enviados como .rdefod"rçoMpara ad~ mu~ à minha disposição mais do que dois caminhões e ain-
ralhas e para posições-chave da c1 a e. , os~ar o, po- da assim muito velhos? Não disse que a esplanada les-
rém, não estava preparado para tomar a fabnca de ar- te estava entulhada de veículos pertencentes aos guar-
mas. com apenas algumas
.
centenas de homens sob seu
- es t ava s~b seu con.t ro"1 e; das, que haviam chegado durante o dia.
comando a cidade amda nao - Apenas dois carros? Penso que há mais. Orde-
e talvez os trabalhadores do arsen~l t1vesse:t:? ~Inad_o narei ao Ministério que envie alguns à fábrica pela
0 lugar com explosivos pa~a- destr~u-1? a~ pr~~e1ro si- manhã - disse Pozas. Ainda cedo os operários de Ma-
nal de ataque. Sua demollçao preJudicana senamente dri fortalecidos por oficiais legalistas, tomaram os quar-
0 govêrno, mas selaria, também, o destino dos nacio- téis da cidade e o aeroporto de Getafe, dando com isso
nalistas em Toledo. o contrôle da capital aos republicanos. Pela primeira
Como poderia o Alcázar suportar um cêrco com vez o govêrno pôde ocupar-se com a situação de Tole-
apenas cinqüenta cartuchos de munição para cada ri- do. O jôgo de Moscardó estava agora transparente. Po-
fle? Moscardó tinha que obter as reservas de munição zas planejou enviar a Toledo, pela manhã, mais do que
que estavam na fábrica, mas não ousava atacar sem caminhões. Após esta conversa telefônica, Moscardó fi-
ter certeza da vitória. cou extremamente nervoso. Convocou, finalmente, uma
A noite de segunda-feira chegou pacificamente. reunião com oficiais e explicou que o tempo corria. De-
Música de guitarras ocultas flutuavam até o Alcázar, viam unir-se publicamente, de um ou outro modo, en-
vinda do quartel do Corralillo e nas janelas da superin- quanto tinham ainda uma oportunidade de escolher li-
tendência oficiais do Estado-Maior observavam os ga- vremente. A conferência realizada a portas fechadas no
rotos jogando futebol com uma bola de trapos, na Pra- gabinete de Moscardó, não foi longa. Os ociosos que
ça dos Capuchinhos. O Ministério da Guerra telefonou agua.rdavam no pátio, ouviram aplausos lá dentro e mi-
perguntando por Moscardó. Era o General Sebastián nutos depois os oficiais do Estado-Maior corriam pelo
Pozas, comandante-supremo da Guarda Civil. Conside- Alcázar dando ordens em voz baixa. Logo as janelas
rando que sua organização estava, em alguns lugares, externas começaram a ser fechadas e a população ci-
juntando-se à revolta contra o govêrno, Pozas manti- vil foi evacuada do Gobierno, alojando-se nas salas de
nha, naquele momento, uma posição das mais inefL aula e nos porões do Alcázar.
cazes na Espanha. 4 A notícia chegou até os soldados: pela manhã o
- Coronel - disse êle - devo avisá-lo de que, a Alcázar publicaria sua declaração de guerra contra a
não ser que o senhor cumpra imediatamente a ordem República. O mais requintado lôgro da guerra estava
dada, mandarei uma coluna contra a cidade, que será quase a termina.r.
bombardeada. As sete da manhã do dia 21 de julho, uma compa-
- Mas, General - replicou Moscardó, fingindo nhia da tropa apresentava armas junto a estátua de
surprêsa -, como posso enviar as munições se não há Carlos V, no pátio do Alcázar. Quando o rufar d~ ta~­
bor cessou, o Capitão Vela leu uma proclamaç~o 0} 1-
4.- Embora anteriormente procurado por Franco e outros
cial, declarando que a província de Toledo ~ partir des-
consp1radores, Pozas permanecia um republicano inflexível. se momento estava em guerra com o governo de Ma-
Oficial de grande capacidade foi Ministro do Interior num dri. Um fotÓgrafo cha.m ado Rodr!guez, que era refu-
curto período durante os pri{neiros dias da rebelião e mais giado civil e trouxera com êl~ ~ ~ama:-a e dez rolos de
tarde comandou o Exército do Centro responsável pela defe- filme , filmava o momento h1stonco. Vela, embora ne-
sa de Madri. '
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cessitando barbear-se, está garboso em seu imaculado resultados satisfatórios, convenceram os soldados dos
colarinho branco, boné ornado de borla:s e botas pretas quartéis de Madri a repudiarem seus oficiais e rende-
de cavalaria. Os jovens soldados mantinham-se eretos, rem-se aos civis armados das ruas. Mas fora do Alcá-
apresentando armas, exced~dos em sua estatu:a pelos zar não havia uma multidão ameaçadora. Nenhum sol-
rifles com baionetas. Pareciam absurdamente JOvens e dado tentou escapar da constante vigilância de seus
inocentes. Quando Vela desceu com êles da Cuesta del superiores. O aparecimento do avião provocou esporá-
Alcázar para o Zocodover, Rodriguez corria adiante pa- dicos disparos de republicanos espalhados em isolados
ra fotografar a in~eg~ra coluna. Os s<;>ld~os e~tavam postos da Guarda Civil na cidade. Embora êstes ata-
em cadência, a mao livre tentando atingir o nivel do ques fôssem repelidos, os guardas não ousaram tentar
ombro, mas nem ao menos dois rifles tinham o mes- caçar os inimigos nas perigosas vielas que conduzem
mo alinhamento. aos distritos operários. Rodriguez, que retornara à ca-
Uma multidão de guardas e de civis do Alcázar reu- sa para buscar roupa, viu-se isolado do Alcázar. Nos
nia-se na beira do terraço norte para observar a colu- dias seguintes teve que esconder a câmara e rumar pa-
na que descia. Um dos guardas comentou insolente que ra Madri, onde ficou em segurança mas perdeu a opor-
êles empunham os rifles como se fôssem forcados. Na tunidade de se tornar o fotógrafo do combate do Al-
retaguarda vinha um carro com um oficial e sete guar- cázar. 5
das. Trazia uma metralhadora para o caso de encon- Os folhetos caíram sem maior efeito do que con-
trarem esquerdistas na cidade. ~les poderiam confundir fete atirado ao vento, mas sabia-se no Alcázar que o
os jovens soldados da tropa com querubins de uniforme. avião logo voltaria com uma carga de bombas. Sem um
O povo enchia o Zocodover. Vela leu a proclama- único canhão antiaéreo na Academia, não tinham de-
ção para as cadeiras reviradas em frente ao Café Goya fesa contra ataques aéreos. Pior que tudo era a expec-
e em seguida os soldados marcharam de volta ao Al- tativa de gás venenoso, possibilidade tão terrível que
cázar. O ritual milita.r estava acabado. Os guardas saí- mencioná-la era tabu entre os oficiais. É verdade que
ram aos pares pela cidade para apanharem, como re- a Convenção de Genebra proibia seu uso em guerra,
féns, os mais destacados radicais. De acôrdo com o pla- mas isso não impediu que os italianos o usassem con-
no, o governador civil foi prêso e trazido para o Alcá- tra os abissínios. Se os aviões republicanos atirassem
zar, e o diretor da prisão provincial foi também apri- gás e a fumaça penetrasse nos porões do Alcázar, que
sionado enquanto todos os outros dignitários da Repú- poderiam fazer senão r~nd~r-se? Alguém ~e lembr?u
blica esconderam-se para não serem encontrados. En- que o museu d!l Academia t~ha um~ coleça~ de m.as-
quanto isto, Vela irradiou a proclamação pela emisso- caras contra gas mas eram vinte e cmco ~ todas dife-
ra local. Não havia mais qualquer possibilidade de vol- rentes. Enquanto isto, o Coronel Romero Instalou um
ninho de metralhadoras no terraço norte com o pro-
tar atrás. Madri deixava escapar os cães da guerra com pósito de cobrir o Zocodover ~mbai;xo e rechaçar os
tal}ta velocidade que o Alcázar fôra apanhado de sur- aviões Republicanos acima. Alem disso, colocou ~eus
presa. melhores atiradores nas tôrres com ordens para atrrar
Em três horas o primeiro trimotor republicano so-
brevoou a fortaleza e soltou folhetos dizendo aos sol- 5 - Assim, não houve fotografia~ tiradas no Alcázar du:
dados que haviam sido enganados pelos oficiais e asse- rante o cêrco. Quando terminou, fotogr.afos contr~tado~ col?
gurando-lhes que seriam considerados inocentes se de- caram os homens nas viseiras mas ta1s fotografias nao sao
sertassem. No dia anterior êstes folhetos h a viam dado dignas de fé.
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em qualquer avião inünigo que voasse próximo da for-
taleza. ~le poderia também ter armado êstes homens na republicana, o Tenente Angel Delgado, da Guarda
com espingardas esportes e eh umbo de caça, mas a or_ Civil, era enviado com vinte homens para conseguir
à em conformaria os civis.~ sol. dados
. inexperientes que munição. Quando entrou no portão da fábrica, Delga-
não duvidavam que os avioes fossem abatidos como co- do deparou com um tumulto interno. Os operários sou-
dornas. Romero sabia que mesmo algumas balas ati- beram que uma coluna estava avançando de Madri e
radas contra a fuselagem de um avião obrigariam 0 pi- gritavam exuberantes: "Agora nossos homens estão che-
lôto a tomar altitude e quanto mais alto o avião menor gando! " Foi sorte Delgado ter trazido dez caminhões do
o alvo. Alcázar, pois o General Pozas não havia enviado ne-
Passava do meio-dia quando um carro-patrulha nhum de Madri. Os guardas espalha.ram-se cautelosa-
postado na estrada de Madri retornou ao Alcázar com mente pelos terrenos da fábrica. Uma vez que os ope-
uma notícia assustadora: uma coluna motorizada con- rários negavam-se a carregar os caminhões, os oficiais
duzida por três carros blindados aproximava-se de To- de artilharia sediados para o curso de verão arranca-
ledo. Moscardó e sua equipe, acostumados com a pro- ram as túnicas e começaram a carregar as caixas de
telação do govêrno em outras ocasiões, estavam espan- cartuchos. Era um trabalho demorado e árduo, sob um
tados pelo entusiasmo com que o Ministério da Guer- sol escaldante, e os trabalhadores divertiam-se pelas
ra tinha-se movimentado. Pozas não era um tolo. Tal- imediações: pouco dentre êles já haviam visto oficiais
vez êle os tivesse mesmo instigado: podia ser muito em mangas de camisa, suando como qualquer mortal.
tarde para trazer a munição da fábrica para o Alcázar. Enquanto carregavam, irrompeu um tiroteio nas vizi-
Sessenta homens, sob o comando do Major Ricar- nhanças da Porta de Bisagra. O Major Villalba entra-
do Villalba, subcomandante da Escola Central foram ra em contato com o inimigo ao longo da estrada de
coloCãdos a cêrca de cem metros das muralhas 'ao nor- Madri.
te da Porta de Bisagra. Bloquearam o acesso à cida-
de pela rodovia de Madri; além disso, Villalba instalou A coluna republicana, chefiada pelo General Ma -
uma metralha?ora na cúpula do Tavera que retardaria nuel Riquelme, era constituída de trezent~~ h~me~s, em
qualquer contingente que viesse em direção à fábrica
situada a uns 400 metros. Outra metralhadora foi co- sua maioria entusiasmados, mas sem expenenc1a. Figura-
locada numa janela do se~undo pavimento, dando pa- vam entre êles alguns oficiais do exército regular que
ra. a estr~da. Os homens tinham ordens estritas àe não permaneceram leais ao govêrno. Ela .s~ ~pro~imava cau··
a tirar ate que Vil.la!ba desse o sinal da cúpula uma telosamente de Toledo. Perto do cemlteno, Riquelme de-
vez que .a sua posiçao era boa para espreitar o inimi- teve-a e distribuiu a unidade do exército para a fábrica
go, mas Inadequada para resistir a um ataque contínuo de armas. Mas não pôde deter a precipitação espontâ-
por causa da confusão de edifícios e do Iabirin to de vie- nea da milícia que, excitada ao ver Toledo abaixo dela,
las neste qu~rteirão. Os homens estavam munidos de não atendeu ao comando para reunir. Com ingênua
gra.nadas .e n!Ies, mas sem morteiros ou artilharia. Seu bravata determinaram libertar a cidade dos fascistas.
maior pengo e que ~stariam flanqueados e cercados an- '
Eram citadinos .
acostumados a ruas pavimentadas e em
t~s de poderem retirar-se para a cidade pela Porta de lugar de se espalharem pelo campo, desceram a estrada
Bisagra.
de Madri em grupos, diretamente para a emboscada do
Enquant~ ,V~llalba, correndo os olhos pelo cume Tavera. Na frente, um anarquista agitava uma ban-
perto do cemiteno, esperava a primeira visão da caiu- deira vermelha e preta.
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Logo adiante da praça d~s touros, .a milícia ~oi vis- a guarnição lá dentro que não se opôs a um movimento
ta pela Guarda Civil do hospital. Os vidros das Janelas de flanco na direção da fábrica. Abrigados pelos euca-
estilhaçaram-se na cúpula quando as metralhadoras de liptos do vale, o Regimento Asturiano, expedido por Ri-
Villalba varreram a estrada e os guardas desfecharam o queime, neste momento, aproximava-se dos muros da
fogo dos rifles diretamente no alvo. A p:incíp~o a mi- mesma.
lícia ficou muito apavorada para conseguir fugir e seus Embora o tiroteio ao redor do Tavera parecesse
membros arremessaram-se atrás dos muros e das casas tornar-se mais pesado e mais próximo, os oficiais de
ao lado da estrada para se protegerem. Pelo menos uma artilharia continuavam na fábrica empilhando caixas
dúzia ficou caída na estrada. A bandeira do anarquista de munições nos caminhões. Os artilheiros decidiram
cobria o peito do líder como uma mortalha. seguir para o Alcázar em comboio pois individualmen-
Para libertar-se, a milícia refugiou-se na praça de te os carros poderiam ser tomados pelo povo revoltado
touros e Riquelme lançou um de seus carros blindados no caminho. Todavia, o trabalho ainda estava pela me-
no ataque. Embora uma geringonça tôsca , não muito tade quando um jovem sem chapéu, usando um uni-
mais manobrável que um compressor, montou um ca- forme de cabo do exército, entrou por um portão late-
nhão pequeno e duas metralhadoras. Enquanto estas ral acenando um lenço branco num pau. Dois guardas
máquinas ribombavam para trás e para frente sob as conduziram-no ao gabinete do Coronel Soto, onde de-
janelas do hospital, o que obrigou os guardas a aban- clarou ser um emissário do General Riquelme enviado
donarem os parapeitos - Riquelme lançou um ataque na frente para aceitar a rendição da fábrica de armas.
direto ao Tavera com a milícia que ainda não tinha en- Concluiu com uma ameaça aberta: "Se dentro de um
trado em combate. quarto de hora o senhor não se render, o massacre dos
Do seu ponto, no segundo pavimento, o Capitão Quartéis de Monta:fía será uma brincadeira comparado
José Badenas viu o ataque aproximando-se e sentiu que, a isto." O Major Pedro Mendez Parada, superior dos
dentro em pouco, a milícia derrubaria as portas do hos- oficiais do curso de verão ficou ultrajado - não tanto
pital e os capturaria. Apanhando uma granada, desceu pela ameaça, mas pela falta de tática de Riquelme,
correndo, agachou-se sob a janela do porão, donde po- mandando um cabo. Por outro lado, Soto, que parecia
dia ver o carro blindado passando de um lado para ou- ligeiramente encorajado desde a chegada do cabo, disse
tro na estrada. Dêste ponto era possível sair e colocar a Delgado e Mendez: "Vamos pensar nisto, senhores."
a granada quase sob as rodas. Sua cronometragem foi - Oh, não - interrompeu Mendez. - Não há n ada
perfeita e a explosão destruiu o mecanismo da direção. que pensar. Deu as costas a Soto e dirigiu-se para os
Quando a fumaça dissipou-se, o carro jazia t ombado can1inhões. A Delgado, disse: Partamos para a Acade-
numa vala da estrada. As fileiras de milicianos mais mia com o transporte.
próximas agora, a cinqüenta metros do Tavera, eram - Mas eu o proíbo! - Soto grit ou atrás dêle.
postas fora de combate pelo fogo dos guardas que vol- Quando os outros não lhe deram aten ção, virou-se para
taram aos parapeitos. o cabo e disse engasgado: Bem, como você vê, eu nada
Re~irand? seus homens do setor do Tavera, Riquel- posso fazer.
me pediu reforç~ da artilharia de 75mm, que abriu fo- O Ten en te Delgado ordenou que os caminhões par-
go, c~ntra o hosp.It~l. de um pequeno bosque de oliveiras tissem. Foi tão rápida a partida que muitos oficiais dei-
pr~ximo ao ce"miteno. :t!!ste bombardeio produziu pouco xaram para trás suas túnicas e bonés. Não houve se-
efeito nas espessas paredes de granito, mas tumultuou quer tempo para avisar os guardas espalhados pelos
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terrenos da fábrica, e assim êsses foram abandonados.
Em cada cabina viajava um oficial de pistola em punho todos
. t os destacamentos
t voltassem para a Academ·1a 1me-
·
para evitar que o motorista civil não tentasse se afas- d1a ~men e e que se prep~rassem para um cêrco. Mos-
car~o olhava esta alternativa com repugnância _ não
tar do comboio. Quando os caminhões se aproximavam podia conceber que uma multidão civil, não importava
da cidade, os atiradores civis escondidos nas ribanceiras seu. t~manho, pudesse forç~r soldados disciplinados para
atiravam esporàdicamente, mas os tiros não atingiam o posiçoes puramente defensivas.
alvo. Estouvadamente, recusou-se a ordenar às unidades
Os caminhões ultrapassaram a Porta de Bisagra e do Tavera e da Escola Central que se retirassem da ci-
subiram a vagarosa e serpenteada rampa para o Zoco- dade.
dover no momento em que o Regimento Asturiano pe- Enquant? isto, Riq~elme explorava o maior êrro
netrou através dos portões da fábrica de armas. dos ?acionallstas - o erro de não terem destruído a
Uma multidão jubilosa aglomerava-se ao redor dos f~br1~~ de .a~~as. 6 Caminhões atulhados de muni-
veículos quando estacionaram no terraço norte do Alcá- çoes Ja se dingiam pa~a o Arsenal de Madri, armas que
zar. Mãos ansiosas puxavam as caixas de munições. A estavam sendo destruidas entre milicianos _ milicia-
festa foi estragada pelos tiros de aviso e grito das tôr- nos c~egand~ a cada inst~nte das aldeias vizinhas e de
res. O povo do terraço olhou para cima e viu três aviões ~adn. para JUn~arer;n-se a coluna republicana. Anoite-
aproximandO-se do Alcázar pelo norte. Mal tiveram tem- cia.. Riquelme nao tl?ha ~ressa em desalojar os nacio-
po de escapar pela entrada para o pátio ou meter-se nalls~as do Tavera, eles ainda estariam lá pela manhã
debaixo dos veículos, antes que as bombas explodissem e senam cercados por sua milícia.
ao redor dêles. Dois caminhões de munições incendia- Exatamente doze horas depois do Capitão Vela ter
ram-se. Os aviões fizeram sàmente um vôo, lançaram lido a proclamação de guerra no pátio, o General Ri-
doze bombas e voaram de volta para o norte, antes que queime telefonou a Moscardó e pediu a sua rendição.
a fumaça se dissipasse. Houve apenas um acidente: O pedido foi recusado.
1norreu um guarda que permaneceu por sua conta no - Por que o senhor toma esta atitude de desafio?
terraço, embasbacado em admirar as bombas caindo. - perguntou Riquelme.
(i perd!l d.e dois caminhões e um homem foi de pouca - Porque amo a Espanha e confio no general
rmportancia para o comando. Tinham agora três quar- Franco - replicou Moscardó. Além do mais, seria uma
tos de milhão - setecentos mil em conta redonda - desonra render as armas de caballeros à sua turba ver-
cartuchos de munição. O Alcázar estava pronto para melha.
desafiar a República. - Então eu os apanharei- disse Riquelme.
- Estou informado, general.
Embora grande parte dos toledanos permanecesse
em casa, evitando as ruas, a aproximação da coluna 6 - A despeito de sua fôrça limitada, o Alcázar poderir.
republicana e o aparecimento dos bombardeiros encora- ter atuado com maior prontidão e fôrça para capturar a fá-
jou os atiradores do govêrno a fazerem ataques frios aos brica de armas e destruí-la antes que caísse nas mãos de Ri-
postos da Guarda Civil. Êstes eram repelidos com su- queime. A guerra, porém, estava no comêço. Explodir um arse-
ces~o, .mas t~rnou evidente ao comando do Alcázar que nal nacional parecia um ato mais chocante do que revoltan-
te contra um govêrno. Meses mais tarde, quando os naciona-
seria rmpossivel repelir a coluna de Madri nas bordas listas se aproximavam de Toledo, os republicanos cometeram
d.a c~dade e ao mesmo tempo bater as incursões guer- o mesmo êrro: deixaram de demolir a fábrica, mesmo saben-
rilheiras dentro dela. A medida lógica seria ordenar que do que em breve ela forneceria munição para o inimigo.

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dio que ardeu lugubremente durante semanas, levan-
III tando novas labaredas quando soprado pela brisa. Em-
bora estas casas pudessem servir de abrigo a uma gran-
de fôrça de ataque diretamente sôbre o Ziguezague, o
"O Alcázar Nunca se Renderá!" comando do Alcázar sentiu-se aliviado por ter o bom-
bardeio aberto imprudentemente uma clareira de fogo
entre o terraço norte e o Zocodover.
Muito mais alarmante que o bombardeio e o ca-
Durante a noite de 21 de julho e na manhã seguin- nhoneio era o sempre crescente paqueo ou tiro de armas
portáteis, que explodiam na cidade durante a segunda
t a milícia espalhou-se pela cidade trazendo c~m ela incursão aérea. Atiradores ocultos principiavam a atin-
cirregamento de pistolas e armas para seus seguido~e?; gir o Alcázar dos telhados e janelas vizinhos ao sul e a
sentindo 0 perigo iminente, g~upos peque~os de CIVIS oeste, sinal evidente de que a coluna de Madri infiltra-
abandonaram o Alcázar. A medida qu.e desciam a Cues- va-se em Toledo e organizava resistência. entre os traba-
ta, encontravam outros ~rupo~ subindo pa~a. ~usca: lhadores. Os oficiais da Academia estavam furiosos, mas
asilo na fortaleza côr de perola c1nzenta. Os oflc1a1s per- era impossível atacar uma cidade inteira lançando-se sô-
'tiam a entrada e saída de qualquer pessoa - exceto bre êles. Quando os guardas-civis no Banco de Espanha
~~éns _ cujas simpatias nacionalistas fôssem de co- foram interrompidos no meio de uma conversa telefônica
nhecimento público. com Moscardó, êle compreendeu que a situação era críti-
Na madrugada do dia 22 d~ julho surgiu um tri- ca. Abandonando seu grandioso plano de manter a cida-
motor republicano que, se aproximando p:lo norte: lan- de, expediu mensagens heliográficas ao Major Villalba,
çou sua carga de bombas sôbre a construçao proeminen- instruindo-o para se retirar do Tavera e da Escola Cen-
te e atarracada, a qual se tornaria, nos meses gue se tral.
seguiram, o principal alvo e parque de r~creaçao .dos Pela tarde de 22 de julho, os homens do Tavera
aviadores do govêrno. As dez horas a batena republlc~­ desceram para comprar laranjas e biscoitos e sua mu-
na colocada em Dehesa de Pinedo, um bosque de oll- nição estava quase acabada. Durante vinte e quatro
veiras próximo ao cemitério, a três quilômet~os para o horas, êstes sessenta homens conservaram a coluna de
norte d,_a cidade, começou a metralhar o Alcazar. Uma Riquelme encurralada, mas os projéteis contra as pare-
hora mais tarde o trimotor retornou com nova carga des do hospital começavam a vir também do sul, indi-
de bombas e conseguiu incendiar a torre sudeste, em- cando que estavam gradativamente sendo cercados.
bora o fogo tenha sido logo apagado. Voltou novamen- Villalba não mais ousaria fazer a retirada através do
te pela tarde e transformou as casas entre o Zocodover parque que separa o Tavera da Porta de Bisagra - o
e o terraço norte num montão de escombros. Também caminho mais rápido para a cidade - porque teriam
foi destruída a Posada de Cervantes, uma atra.ção tu- de passar pela área mais pesadamente exposta ao fogo
rística associada vagamente ao autor de Dom Quixote. republicano. Em vez disso, resolveu lançar-se pela es-
As bombas queimaram tôda esta área povoada princi- trada de Madri e penetrar no bairro pobre de Covachue-
palmente pela população pobre, mas o Alcázar foi pou- las, onde as vielas estreitas eram tão confusas que se-
co atingido. Ninguém se aventurou a apagar o incên- ria difícil para os republicanos caçá-los. Embora ~ova­
chuelas estivesse em ebulição por causa das guernlhas,
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, 1 lutar contra êles do que contra a milícia ~rdil ~eu resultado; a milícia supôs que fôsse algum
era p~efdenve I·nda da fábrica de armas em direção à v..os deles. Passou pela porta quando o carro subia a
de a tira ores v
Porta de Bisagra. . colina para Zocodover. Lá em cima, enfiou-se por uma
0 primeiro grupo a abandonar :~ve.ra era const;- ruela e ocultou-se até o anoitecer. Sob a cara da noite,
tuído de refugiados civis e tomou o mrm1~o. de ~urpre­ o Tenente Amorena chegou ao Alcázar- antes de Vil-
sa, atravessando a estrada sem ldevar. um un1cdo t1dro. Ods lalba e dos outros,
soldados escaparam em grupos e cmco ou e ez e O anoitecer protegeu o Alcázar das visitas dos aviões
cada vez. Avançaram vagarosamen ~ de for~a em porta e. da artilharia rep~blicana. Uma bomba ou projetil oca-
movendo-se para o Tejo sob o fogo os ~ Ihra of~es escboln- SI~n~l durante. O ~113: havia danificado O principal cabO
didos no quarteirão. Quando um cam1n. o 1cava. o- eletnco e nas 1nd1stmtas salas da fortaleza a escuridão
queado por guerrilhas, Villalba descobria: outro livre. era espectral e terrível. As casas incendiadas no Zigue-
se algum homem era ferido .de morte ~Inha . que ~er zague lançavam um vivo clarão na fachada norte mas
abandonado. Oito foram perdidos no traJeto, mc2us1ve os porões eram como catacumbas. Os rádios não funcio- '
um médico, mas nunca se soube se por deserçao ou navam por falta de energia. Era confortador ouvir as
captura. Se bem que a distância entre o Tavera e o estações amigas como a Rádio Clube de Lisboa ou aRá-
Alcázar fôsse de apenas 800 metros, Villalba gastou seis dio de Milão e saber que a revolta florescia em outras
horas para se deslocar até Covachuelas e subir à Aca- partes da Espanha; agora o Alcázar estava isolado, mer-
gulhado no centro do território republicano. Em menos
demia por uma encosta escarpada do lado leste de de quarenta e oito horas êle se havia tornado uma ilha
Toledo. branca no meio de um furioso mar vermelho.
Dois homens armados de rifle, que defendiam uma Os bombardeiros tinham também destruído as bom-
sala distante da Escola Central ficaram para trás e bas que levavam água do rio para a cidade. Dentro de
atiraram contra a milícia até o cair da noite quando algumas horas as latrinas ficaram entupidas e o odor
foram desalojados por uma granada. Sem saber, tinham era insuportável. Tinas de lavar roupas eram colocadas
coberto a retirada dos outros, pois ninguém se preocu· nos corredores dos porões, atrás de rústicas cortinas, e
pau em notificá-los da retirada de Villalba para a nas paredes mais próximas em garranchos as indica-
cidade. ções "Caballeros" ou "Sefioras". Consolavam-se sabendo
que a cidade também não tinha água corrente. Por
O Tenente José Amorena, um instrutor de dezenove acaso havia um suprimento suficiente de água para be-
anos, pertencente à Escola Central, foi o último a deixar ber e cozinhar. A piscina não tinha sido usada durante
Tavera. Instruído para cobrir a retaguarda, conservou as férias· além disso foram descobertas três cisternas no
o tiroteio até que os outros alcançassem a rodovia, mas âmago do ' Alcázar. A' água foi testada e considerada po-
justamente quando se preparava para cruzá-la viu um tável. Havia também um poço perto nos alojamentos
carro blindado flanqueado pela milícia, que se aproxi- Santiago, embora êste sítio estivesse exposto às bombas.
mava da praça de touros. Arrancou rápido sua insígnia, o Coronel Romero achava que o dia tinha sido
escondeu seu casquete sob a camisa e saltou uma ja- mau. A fôrça do Tavera fôra retirada para a cidade e
nela para alcançar uma pista escondida por um muro tivera sorte em conseguir voltar. As unidades de seus
alto. Quando a milícia passou, escapou para a rodovia guardas foram isoladas como a do Banco da Espanha,
e, indiferente, caminhou para a Porta de Bisagra. Seu
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e não imaginava qual__ seria seu desti1:1o. 1, O Al~ázar que conti~ua: se n~o há a menor possibilidade de su-
estava diante de um cerco e c~n~udo nir:guem havia se cesso?__ S~na Infantil, coronel, admirável em outra cir-
esfôrçado para trazer-lhes ~rovisoes da cida,d~ enquanto cunstancia, mas não neste caso. Acredito que deva
parar ...
ainda havia uma oportunidade. Ao c~12trario , o Coro-
nel Moscardó, que convocou uma reuniao do comando~ O ~oronel Moscardó vacilou. Barnés dava-lhe uma
tarde da noite, estava na mais complexa disposição, op~rt~nidade para ~alvar sua vida e seu orgulho - ou
misto de nervosismo, otimismo e piedade. No gabinete s~na Isto .~m convite sutil à rendição? Ao seu redor,
do superintendente, iluminado por tochas de gás ace- tod~s as fisionomias. estavam voltadas atentamente pa-
tileno, Moscardó explicava que se deviam preparar para ra el~, que mal. podia ver as expressões de cada indiví-·
suportar um cêrco de alguns dias antes de serem liber- duo a l~z mortiça das tochas. Estas vidas estavam em
tados. o General Mola trazia seu exército de Madri pa- suas ~aos e esp~lhadas pelos corredores, salas de aulas
ra o norte; o General Franco logo avançaria da Extre- e poroe~ do Alcazar centenas de outras. Sua teimosia
madura para Toledo. Não havia razão para ansiedade. ~esultana numa terrível responsabilidade. Cobrindo o
Deus proveria tudo que fôsse necessário - como Êle ti- fone com a mão, pediu à junta que votasse se o Alcá-
nha provido armas e água. Alguém perguntou o que po- zar devia ser defendido - ou render-se. A maioria de-
deria fazer para obter alimentos, uma vez que as provi- c~d~u defendê-lo, mas desta vez ninguém aclamou a de-
sões da intendência da Academia dariam para pouco cisao. Com voz moderada, Moscardó transmitiu a infor-
mação a Barnés.
tempo. Moscardó assegurou-lhe que não havia motivo pa-
ra preocupações. Caso as necessidades aumentassem, po- ... - En~ão, o senhor será responsável pela destrui-
deriam sempre contrabalançar e apanhar o que preci- çao do Alcazar- disse Barnés.
sassem nos armazéns e lojas da cidade. - Eu posso apenas cumprir meu dever para com
Pela primeira vez Moscardó encontrou oposição por a Espanha, senhor.
parte dos oficiais de sua junta. A conferência foi inter_ - O senhor sabe que temos a artilharia preparada
rompida por uma chamada telefônica. Esta va na linha ~ 3:s tropas prontas. Temos meios de aniquilá-lo. É a
Francisco Barnés, Ministro da Educação, que desejava ultima vez que tem oportunidade de evitar o derrama-
falar com Moscardó. A voz do ministro estava calma, mento de sangue. Coronel, se não mudar de idéia orde-
afável e descansada. Barnés mostrava-se solícito e mes- narei o ataque imediatamente.
mo lisonjeador, ao contrário dos oficiais que o haviam Moscardó fêz uma pausa e então rsepondeu reso-
chamado antes, fingindo ignorar sua traição ou amea- lutamente:
çando-o por causa dela. Moscardó devia pensar na Es-
panha: vidas perder-se-iam e a arte insubstituível de - Então, nós recebê-lo-emos. Comece quando quiser. )
Toledo seria destruída se êle persistisse na sua atitude Foi a última vez que Madri telefonou ao Alcázar.
presente. Daí por diante chumbo e aço substituíram as ligações
- O senhor deve agir de acôrdo com sua cons- entre a República e a Academia de Toledo. Aquela mes-
ciência- disse Barnés. A decisão foi tomada, mas por ma noite, um contingente da Guarda Civil desertou,
passando para o inimigo. Anastasio Prudencio, fazendo
1 - Tais receios eram infundados, pois êstes hon1ens es- sua paz em separado com a República, deu um passo
tavam bem tratados. Por intercessão do diretor do banco os que muitos outros não ousavam fazer - por enquanto.
g.uar~as capturados foram evacuados para Madri como pri-
siOneiros.
6.9
68
Na manhã de 23 de julho os ;epublica~os t?ma:am
a cidade. Hora após hora o ,A~cazar sentia cair sobre Embora não houvesse um recenseamento oficial nas
Toledo 0 pulso cerrado da milicia que se arrast~va para poucas semanas que se seguiram, naquela ocasião exis-
posições próximas da fortalez~ e começava a atuar c~n?-­ tiam no Alcázar e suas dependências 1 760 pessoas, das
tra suas janelas e paredes. Cerca de vmte guardas-CIVIS quais 1205 eram militares. Na defesa, Moscardó tinha
detidos na prisão provincial resolveram tentar atraves- sob seu comando o seguinte:
sar a cidade para atingir o Alcázar. Na Praça de Padil-
la foram interceptados por alguns milicianos que gri- Desligados e ocasionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
taram: "Juntem-se conosco como os Assaltos." Os guar-
das atiraram nêles e cautelosamente tentaram sua fuga Oficiais reformados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
pelas ru_as sinuos~s que c?nduzem à Academia. A UI? Escola Central de Educação Física .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. 45
quarteirao do portao das viaturas dobraram uma esqui- Academia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 261
na e encontraram um bando de milicianos construindo
uma barricada de sacos de areia e colchões usados. Pou- Assaltos e Polícia Secreta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
co adiante o Alcázar assomava sôbre os telhados. De Oficiais de recrutamento e estafe . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
um salto pularam as barricadas deixando a milícia es- Civis militarizados (incluindo falangistas, Ação Católica,
tupefata, enquanto fugiam e se metiam pela Cuesta d9.
monarquistas e independentes) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 106
Alcázar. Como o portão das viaturas estivesse trancado,
enfiaram-se por baixo de um caminhão estacionado per- Guarda Civil ........................................ · · · · 690
to, a fim de conseguir acesso a uma trilha que conduzia
ao terraço norte. Começou um tiroteio por todos os la-
1205
dos, que terminou quando um sargento colocou um
lenço branco no rüle, sacudindo-o freneticamente para
as janelas do Alcázar e gritando desesperadamente: "Vi- Havia ainda 555 não combatentes, incluindo 5 frei-
va a Espanha! Viva a Espanha! Viva a Espanha!" Uma ras, 22 motoristas de veículos requisitados (nenhum dê-
vez que nenhum republicano usava esta antiga acla- Ies tinha permissão para participar da defesa) e 2.11
mação monarquista, os homens nas janelas do Alcázar crianças. Embora Toledo tivesse mais padres per captta
perceberam que as figuras sob o caminhão eram seus do que qualquer outra cidade da Espanha, nenhum .P~­
camaradas. 2 Com cobertura contra o fogo inimigo diu asilo no Alcázar. Esta ausência intrigava e afligia
os guardas conseguiram entrar no Alcázar. Foi o último a todos, principalmente a Moscardó, que teria alegre-
grupo a entrar e seu "Viva a Espanha" foi o derradeiro mente negociado, à medida que o tempo passava, um
a ser ouvido nas ruas de Toledo até que o cêrco foi pelotão de combatentes (exceto talvez os guardas) por
levantado. um único sacerdote.
Logo que os nacionalistas foram. forçados a ~ecuar
2 - Os nacionalistas reviVIam o esquecido "Viva a Es- para o restrito perímetro da Academia, os republicanos
pana!" dos monarquistas. Isto, contudo, era considerado rea-
cionário pelos falangistas cujo "Arriba, Espana!" ganhou con- ficaram em júbilo. "Apanhados como cães'.', diziam êles.
sistência durante a guerra. Entre os republicanos o padrão era Sua fórmula para conduzir êste cêrco era simples: quan-
"Viva la Republica" e "Viva la Rusia" era também usado.
71
70
do os suprrm · entes acabassem,. os fascistas
. d sairiam.
. "t En-
do
· t a resistência sena ameniza a, SUJei an relatório era desanimador. Para alimentar quase 1 800
quan t o IS o, , f d b pessoas, dispunha do seguinte:
Al , ar a bombardeamentos aereos, ogo e arragem
p;;:eo
~ enervante. Ninguém era bastante tolo para
ropor ou encorajar um assalto front~l. O elemento Farinha
ptemp 0 estava agora do lado dos republicanos.
.t ~les sa- •• o ••••••••• o •• o •• o ••••••• ••• ••
400 kg
Feijão
biam disto e os nacionalistas suspe1 avam-no. • •••• o ••• o •••• o o o ••••• o •••••• o o. o
1 200 kg
Arroz
Contra os esmagadores recursos dos republicanos, ••••••••••• o •••• o •• o o ••••• • •••••••
700 kg
homens e material, havia o armamento do Alcázar las- Grão-de-bico ...............................
500 kg
timàvelmente inadequado. Na verdade, possuíam 1 400 Couve-flor ..................................
rifles _ os da Guarda Civil eram geralmente bons - 300 kg
Ervilha ....................................
mas as 22 metralhadoras da Academia foram fonte de 75 kg
piadas de uma geração de cadetes : gastas de tanto se- Alcachôfra .............................
I rem montadas e desmontadas em incontáveis aulas prá-
30 kg
I Café .............. . ...................... 250 kg
ticas. Estavam em boas condições 16 pistolas-metralha- Açúcar .................................
I doras, trazidas na maior parte pela Guarda Civil. O 150 kg

~
armamento mais pesado consistia de 4 morteiros de Geléia de frutas ............... . ..... . 137 kg
50mm (com duzentas balas) e 2 metralhadoras de mon- Tomates ............................... 275 latas
tanha (com 50 balas), mas Moscardó proibiu expre-
Bacalhau ............................. . 40 peças
samente seu uso, reservando-a para uma calamitosa
Salmão ................................ 125 kg
emergência. A defesa no Alcázar, contudo, tinha que
ser baseada na tática de obrigar o inimigo a travar com- Azeite . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 500 litros
bate a pouca distância com pequenas armas. O artilhei- Leite condensado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 150 latas
ro Mendés Parada estava furioso com êle mesmo e com
Suco de maçã ......................... 125 garrafas
os outros oficiais que estiveram na fábrica de armas:
na pressa de recolher um número suficiente de cartu- Vinho de mesa ........................ 80 garrafas
chos esqueceram-se de indagar sôbre as balas para os Champanha .......................... . 12 garrafas
fuzis. Era muito tarde agora. Vinte entre os melhores Vermute .............................. . 800 garrafas
artilheiros da Espanha tinham-se refugiado no Alcá- pequenas
zar e eram obrigados a assistir impotentes os republi-
canos atirando contra êles.
O capitão desculpava-se pelas condições do feijão,
O suprimento de alimento disponível na Academia podre em grande parte, e pela perda de algumas gar-
parecia menor do que se pensava. Estando os cadetes rafas de suco destruídas pela explosão de uma bomba
de licença não se cuidava de fazer provisões nos meses no dia anterior. Nos celeiros da cavalaria havia um
de verão. O Capitão Julian Cuartero, professor de his- grande suprir.aento de trigo bruto e cevada misturados
tória militar, estava encarregado do reembolsável e seu com ninhos de rato e lixo, o qual numa emergência po-
72
73
. formado em pão granuloso. Cuartero ex-
de.na ser tran~eserva de alimentos não poderia durar tando como as de <?risto, significando uma bênção final
pli~ou que ~ semana ou dez dias . O estoque de pão para os seus assassinos ou estavam simplesmente levan-
mais det um como também os reforços de alimentos tadas num instintivo esfôrço para arrancar as balas?
se esgo ara - . A maioria dos toledanos não ousava interceder ~m
trazidos pelos refugiados. . -
Havia muita comida ?a cidade e o Capitao Cuartero favor. dos ".bons p~dres" porque a intercessão implicaria
. agissem imediatamente. O Coronel Romero em sm~patla~ fa~c~tas e a simples suspeita conduzia à
pe d1u que · d'1as es t"eve en- execuçao e a pns~o. 3 Contudo, os padres mais popu-
vibrou com a sugestão. Durante c1nco J
gaiolado no Alcázar, observando seus gua~das serem lares foram escondidos por moradores da cidade durante
forçados pelos milicianos a baterem em retira.da, cen- a cêrco. Uma mocinha, por exemplo, escondeu dois pa-
tímetro por centímetro. Estava ardendo por vingança, dres e~ ~eu apart~mento, depois de uma apavorante
or uma oportunidade para desencadear seus guardas perseguiçao pelas vielas por parte dos milicianos bêba-
~ontra a escória republic~na. O comando do Alcáza.r dos:.. Mas êste~ ainda tiv:ram que enfrentar uma pro-
autorizou Romero a planeJar um contr~-ataque na ci- vaçao - das Janelas podiam ver o corpo da Priora das
Carmelitas atirado na rua e lá permanecendo por vinte
dade no dia seguinte e Cuart~ro orgaruzar ~ gr~po e quatro horas sem ser molestado.
de homens que seguiriam depois do ataque e pllhanan1
os armazéns de alimento. Diz-se que morreram em Toledo 107 padres; a maio-
ria assassinada na via pública, nas primeiras horas de
Neste ínterim, o temível "terror vermelho", pesa- ocupação. As mulheres e as crianças rodeavam seus cor-
delo da classe alta e média da Espanha, entrou em To- pos, tirando dentre seus lábios migalhas de pão ou pe-
ledo. Por volta do dia 23 de julho, os filêtes de milicia_ daços de cigarro. Contudo, as atrocidades cometidas ·em
nos tinham-se transformado numa inundação. Bando Toledo eram brandas, comparadas com as de Ciudad
dêles calçados de sandálias de sola de corda, vestidos Real, a província vizinha do sul onde o terror causou
de ~ui desbotado, vasculhavam as ruas, descobrindo a morte de todos os padres. Ninguém em Toledo diz ter
fascistas e padres. ~stes últimos eram enviados para in- visto milicianos dançando nas ruas com cadáveres de
terrogatórios e os primeiros, mortos onde fôssem encon- freiras desenterradas, rito êste que teve lugar por tôda
trados. Os homens das unidades tais como "Batalhão a parte da Espanha. Embora um circüixo tenha sido
de Exterminação" e "Grupo de Vingança" pareciam aca- encontrado no ânus de um padre morto, provàvelmente
tar regras simples, sendo uma das principais matar foi pôsto lá depois de sua morte.
qualquer pessoa de batina - monges principalmente. Uma figura sempre presente desta época foi Rome-
Toledo estava convertida numa barulhenta plaza de ro, um caçador de rãs que seguia a milícia com sádico /
toros, mas o matador nunca se arriscava a ser fisgado regozijo. Esfolava suas vítimas, amarrava-as em longos
por sua vítima. Alguns padres foram avisados que es- bambus, dos quais elas pendiam como miniaturas de
capariam à morte gritando "Viva o comunismo!". Mui-
tos escaparam fazendo isto e alguma coisa mais que a 3 - De acôrdo com o poeta sul-africano Roy Campbell,
que vivia nesta época em Toledo, um radicalista. importante
milícia exigia - obscenidades, blasfêmias; muitos re- da cidade contou-lhe que os nobres padres mereciam a mor-
cusaram-se. O Padre Pascual Martin foi crivado de balas te mais que os corruptos porque êstes últimos faziam boa pr~­
defronte à Igreja de São Nicolau, enquanto gritava "Vi- paganda para as facções anticristãs, enquanto !lu~ os P~­
va Cristo Rey". Suas mãos estavam estendidas, apon- meiros não. Mesmo levando em conta as prefere~c1as noto-
rias de Campbell, o comentário parece digno de fe.
74 75
sêres humanos. Durante meses aterrorizou as matronas
desacompanhadas nas portas das igrejas, arremessando
as rãs em seus rostos e dizendo com uma risadinha: "É lad?s - afi:r:al, disseram êles, êstes são os anarquistas
isto que você e suas filhas vão parecer quando nós as antigos! Muitos camponeses abandonaram temporària-
matarmos e escalpelarmos." Depois que a milícia entrou mente sua tradicional piedade cristã. Um esfarrapado
na cidade, êle a seguia como um chacal e passava horas camp~sino. destruiu um~ imagem da Virgem na Igreja
acocorado, comprazendo-se com o espetáculo dos padres de Sao VIcente e depois caiu de joelhos pedindo em
assassinados. prantos, o seu perdão. 4 '

Muitos toledanos pareciam chocados mais pela pro- Os cães e gatos desapareceram de Toledo· atirando
fanação do que pelos assassinatos. Um bando da milícia em alyos vivos a milícia provav.a que era irre~istível no
vestiu as batinas tintas de sangue, confiscou uma limu- maneJO das armas. Arremêsso de granadas também
sine aberta e saiu pelas ruas com uma imagem de São parecia intrigá-los. Nos quarteirões mais ricos' atiravam;
Francisco em tamanho natural, escorado no assento nas atrav_és das janelas dos andares superiores sem qual-
e?tre êles. Tinham-lhe arrancado os braços, pôsto um quer razao, uma vez que em Toledo não existiam o~.
rifle em seus ombros e prenderam uma nota- rabisca- atiradores fascistas que infestaram Madri durante tôda
da com o sangue dos padres - em seu peito: "~le está a guerra. O pessoal do Alcázar podia traçar o curso da
conosco." Na praça da Igreja de S. Vicente, alguns mi- milícia através da cidade pelo som das detonações de
licianos imitavam uma tourada com capas bordadas a granadas.
ouro e chapéus apanhados no museu diocesano. Mes- No Zocodover, militares bramiam pragas contra
mo o governador recentemente indicado, um homem o Alcázar, guardando-se cuidadosamente por trás de
de nome Vega, juntou-se à brincadeira. Vestido com pa- abrigos. De El Cristo de La Vega, uma igreja perto da
ramentos pontificiais, conduzia uma tumultuosa pro- fábrica de armas, trouxeram uma famosa imagem de
cissão com um báculo na mão, fingindo-se de Arcebispo, Cristo em madeira e, transformando-a em fantoche, ten-
representando o rito de exorcismo na Frente Popular. taram atirar fogo pelas janelas norte da fortaleza.
Mas êste espetáculo quase teve um desfecho violento Quando isto falhou, êles gritaram, "Aqui está El Cristo
quado um milicaino bêbado tomando Vega pelo verda- de La Vega. Vamos queimá-lo. Se são verdadeiros ca-
deiro Arcebispo deu-lhe um tiro bem no peito. tólicos venham cá e impeçam-nos!" Não houve respost~
Os líderes republicanos responsáveis colocaram do Alcázar. Desmantelando a imagem com machado, a
imediatamente guardas na catedral (apropriadamente milícia arremessou os pedaços num monte de escom-
bros à vista das janelas. Mas ao atear a fogueira, dois
conhecida na Europa como La Rica) , no Museu de El
Greco e em outros santuários da cidade, mas havia 4 - Conflitos semelhantes entre maneiras de comporta-
tantas igrejas em Toledo que era impossível protegê- mento tradicional e progressivo atormentavam mesmo os lí-
las tôdas. São João da Penitência, São Lourenço e ou- deres da Esquerda. Roy Campbell conta uma estória ~ôbre o
tras foram queimadas, só restando as paredes. Contudo, Prefeito de Toledo Guillermo Perezagua, que estava JUlgan-
no Convento da Conceição, perto de Santa Cruz, uma do o caso de um jovem prêso por dizer Adias - mencionar
Deus era proibido. o prefeito fêz um discurso sôbre a p:o-
súcia de anarquistas fantasiados empurrava um res-- priedade de dizer Salud como cumprimento em lug~r de Adw~,
tablo retratando a flagelação de Cristo. Depois de rápi- e concluiu com o seguinte avi~o: "Saia daqui ~, nao me o?n-
da discussão entre êles decidiram estraçalhar apenas a gue a ouvir novamente esta Imunda palavra! . Salud? gntou
o jovem, correndo tão ràpidamente quanto p~dla. Adws, res-
figura representativa de Cristo, e deixar ficar os flage- pondeu o prefeito, distraidamente, voltando a palavra proi-
bida.
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milicianos ficaram muito expostos. Os rifles atiraram os
homens caíram no fogo e o cheiro de carne arde~do O Capitão José Carvajal, um instrutor da Escola
misturou-se com a fumaça do El Cristo de La Vega. Central e ajudante-de-ordens do Coronel Moscardó, aten-
deu o telefone e passou-o ao seu superior.
Desde o momento em que a milícia começou a en-
trar na cidade, a família do Coronel Moscardó com- Depois de se identificar, Cabello disse: "O senhor é
responsável por todos os crimes e por tudo que está acon-
preendeu que lhes restavam poucas horas para serem tecendo em Toledo. Dou-lhe dez minutos para se ren-
capturados - ou o pior. Na tarde de 21 de julho (o der. Do contrário, fuzilarei seu filho Luis, que está
dia em que a coluna republicana apareceu ao norte aqui junto de mim."
do horizonte), os guardas destacados em sua casa fica- O rosto de Moscardó não traiu seus sentimentos.
ram em pânico e retiraram-se para o Alcázar, sem per- "Acredito no senhor", disse êle.
missão. A espôsa do Tenente Manuel Guadalupe, um - E para que saiba a verdade - Cabello conti-
oficial da Academia, sabia que a família do comandante nuou-, êle vai falar.
do Alcázar seria ansiosamente procurada pela milícia, e Deu o telefone a Luis. "Papai!", gritou êle.
assim apressou-se em escondê-la no apartamento de pa- - O que há meu rapaz?
rentes na Calle de Granada. Assim foi feito, embora os
pais de seu marido os considerassem como hóspedes - Nada - respondeu Luis. - ~les dizem que me
matarão se o Alcázar não se render. Não se preocupe
perigosos, cuja presença podia comprometê-los e causar
comigo.
sua própria execução.
- Se fôr verdade - replicou Moscardó - enco-
As sete da manhã do dia 23 de julho, os milicianos, mende sua alma a Deus, grite "Viva a Espanha!" e
procurando o Tenente Guadalupe, encontraram os Mos- morra como herói. Adeus, meu filho, um beijo.
cardó no apartamento, mas a identidade dêles não foi
descoberta porque haviam destruído todos os papéis. A - Adeus, pai, um grande beijo.
senhora Moscardó e Carmelo não causaram preocupa- Quando Cabello voltou ao telefone, Moscardó disse:
ção enquanto Luis, um robusto rapaz de 24 anos, foi - o senhor pode também esquecer o prazo que
trazido para interrogatório na Diputación, edifício dos me concedeu. O Alcázar nunca se renderá!
delegados provinciais, onde uma cheka de anarquistas Na Diputación, Cabello bateu ~om vio~ência o ;~­
e socialistas tinha sido instalada por um advogado local, ceptor e praguejou ràpidamente: DISse ~ntao aos mili-
Candido Cabello. Cabello mal pôde acreditar no que via cianos próximos: "Já que seu pai o deseJa, f~ça~ o que
quando reconheceu o filho do Coronel Moscardó. Não mais lhes agradar com êle." Luis Moscardo foi leva-
convencido inteiramente de sua sorte, enviou um de seus do para fora.
homens ao apartamento dos Guadalupe para confirma- No Alcázar o Coronel Moscardó permaneceu por
ção que logo chegou. momentos num'silêncio de pedra e sua equipe muito es-
Cabello, um homem obeso com enorme e grossos pantada mesmo para consolá-lo. Sem dizer palavra, ca-
óculos, sorriu amàvelmente para Luis. Tinha encontra- minhou para seu quarto de dorm~r e fec~ou. a port.a.
do a chave para abrir o Alcázar. Eram três horas. Apa- Outro ajudante-de-ordens, Major S1lvano _c~uJa~o, sa1?
nhou um telefone e chamou a Academia. para o pátio onde anunciou a uma mult1dao all reuni-
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da que 0 coronel Moscardó tinha acabado de sacrificar
0 próprio filho pela Nova Espan~a ..
5
,
Foi 0 último chamado telefonico l?ara o Alcazar. IV
Curiosamente, a ameaça d~ Cab~llo foi u~ dos e;ros
mais crassos do cêrco. Sua mtençao era abrir o Alcazar
com ela mas apenas conseguiu trancá-lo com mais fôr- A Espera do General Mola
ca. Hou~e facções divergentes dentro da fortaleza que
poderiam ter exercido p:es~ão sôbre a junt~ _para com-
peli-la a abrir as negoctaçoes para a rendiçao. Todos,
porém estavam entusiasmados com o "sacrifício" de Pelo meio da tarde de 23 de julho, o Alcázar e suas
Mosca;dó. Até então, Moscardó tinha sido apenas um dependências estavam rodeados pelos rifles republica-
coronel-comandante daquilo que parecia um setor con- nos. A milícia erigia barricadas nas entradas das ruas
denado da insurreição; agora tornara-se um mártir e e vielas que davam acesso à Academia, e em alguns
um símbolo do espírito nacionalista espanhol. Desobe- pontos ao longo das muralhas oeste e sul. Republica-
decê-lo era partilhar indiretamente do assassinato de nos e nacionalistas estão a pouca distância uns dos ou-
seu filho. Nas semanas seguintes, qual defensor teria tros. A milícia chegava continuamente de Madri e das
ousado confrontar-se com Moscardó e alegar que o Al- aldeias vizinhas; recebiam rifles e eram conduzidos pa-
cázar já tinha sofrido bastante e devia capitular? ra as barricadas, de onde travavam uma guerra isolada
Embora na fortaleza ninguém soubesse, Luis ainda contra as janelas abertas da detestada fortaleza. Mas,
estava vivo, detido numa cela da prisão provincial. Nes- muito mais perigoso era o pôsto de metralhadora que
sa hora, o outro filho, Pepe, estava enfrentado um pe- os Assaltos tinham montado e controlavam na tôrre
lotão de fuzilamento em Barcelona onde a revolta tinha da Igreja de Madalena, uma vez que esta se erguia aci-
sido completamente esmagada pelos aliados do govêrno. ma do nível do terraço norte, apenas a cinqüenta me-
Disfarçado como servente de hospital, Pepe iludiu a mi- tros. Do pôsto de observação do terraço, o Capitão José
lícia durante cinco dias e estava na iminência de tomar Badenas (o oficial que tinha derrubado o carro blindado
um trem quando uma medalha representando a Vir- no Tavera) travou combate com os Assaltos, embora
gem escorregou de seu bôlso e caiu no chão. Um curio-
so notou e informou a milícia que o conduziu para a zar e da Diputación (veja Manuel Aznar O Alcázar Nunca
prisão de Montjuich, para interrogatório e execução se Renderá, página 54, uma monografia dedicada exclusiva-
como espião fascista. mente a autenticar o episódio).
Há, contudo, considerações mais importantes. Garantia de
que a conversa teve lugar, o que prova? Que um coronel, em
5 - Os detalhes da conversa de Moscardó com o filho são qualquer exército, renderia seu comando de quase duas mil
tão bem conhecidos dos espanhóis de hoje como as disputas pessoas simplesmente porque a vida de seu filho estava amea-
de D. Quixote nos moinhos. Fora de dúvida, êste é o episódio çada? Mesmo que os oficiais permitissem que êle o fizesse, que
mais amplamente difundido da Guerra Civil Espanhola. o "sa- garantia teria êle de que a vida de seu filho seria poupada?
crifício" foi de grande utilidade na propaganda nacionalista A questão é que enquanto o refém oferece dramatização na
durante e depois da guerra. Aqui estava um Abraham-Isaac determinação de Moscardó para manter o Alcázar a qualquer
ou Jesus Cristo em vestimen tas modernas. custo, nunca teria sido seriamente considerada como uma
Vários esforços para desacreditar o episódio foram encon- alternativa.
trados com uma convincente evidência de que a conversa nun-
ca se realizou, incluindo o testemunho de pessoas do Alcá- • 81

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seu I ot a""'o estivesse armado tapenas com rifles. Quan-
do a metralha começou a d~s ruir sua b arrica
pe · · d a provi-·
blicanos começaram a cavar trincheiras e fortificar as
, · Badenas cobriu a retirada de seus homens para cabanas de tijolos nos penhascos do outro lado do rio
sonat, ada pri·ncipal mas quando corria à tôda velocidade
a en r ' . d tA t. mas o p~opósito dêles era interceptar as comunicações à
atrás dêles um estilhaço vindo a orre quase o par _Iu lyz do di': entre o Alcázar e o Gobierno e martelar com
em dois. Foi preciso esperar doze ~oras ~ uma noite fogo continuo os defensores nos alojamentos Santiago.
sem lua para retirar seu corpo. Dait em dian~e,, to. ter- . Depois do almôço, a milícia esqueceu-se dos fas-
raço norte foi var~ido pelas balas e ornou-se Inu I1 co- cistas e lembro11:-s~ da siesta. O feroz paqueo da manhã
mo posição defensiva. ~radualmente dissipou-se e ao meio-dia e meia de 24 de
o norte era o ponto m ais vulnerável do Alcázar. JUlho as ruas d~ cidade estavam tranqüilas. Naquele
Aqui, a colina descia tão escarpa da que os a~acantes po- momento o portao das viaturas foi arrombado e uma
deriam rastejar e juntar-se em grupo atras das bor- cent~na de guardas-civis de lá saíram. Saltaram uma
das do terraço, sem ser em observa dos pelos defensores barncada na viela oposta ao portão, avançaram p ara
colocados nas janelas nor te. Assim, a defesa do Alcázar uma praça do mercado a alguns quarteirões a oest e.
dependia do Gobierno que se agachava no fundo da A? mesmo tempo, outros cem saíram do Gobierno e su-
encosta e de onde as faldas da colina podiam ser ob- biram a Calle dei Carmen perto das ruínas de Posada
servadas. Além do mais, o Gobiern o bloqueava o acesso de la Sangre. Esta onda de guardas penetrou no Zoco-
ao único caminho que conduzia às dependências leste. dover e tomou posições de fogo atrás das arcadas ao lon-
o edifício em forma de cunha t ornou-se, como o co- go da ala leste. Depois dêles vieram outros, carregan-
mando republicano logo o descobriu, a chave da defe- do as cestas da lavandaria para conduzir na volt a as
sa. Do outro lado fica o Hospital Santa Cruz, que fôra provisões de alimentos.
convertido em museu provincial e onde estabeleceram O at~que foi uma surprêsa completa para a milícia,
I por detrás das janelas filigranadas da Renascença a mas reagiram com tanta rapidez que os guardas fica-
linha de fogo mais pesada. A distância entre o Gobierno ram ainda mais surpreendidos. A primeira coluna não
I e Santa Cruz era de cêrca de 20 m etros - mas êstes
eram os vinte metros mais longos e mortíferos de To-
ledo. Os ataques diretos ao Gobierno eram duplamente
alcançou o objetivo; era impossível avançarem juntos
nas ruas estreitas. Das janelas e telhados vinha uma
barragem de balas e granadas, pedaços de t elhas e ou-
perigosos. Os atacantes ficariam expost os ao fogo dos ri- tros projéteis que os forçou em poucos minutos a uma
fles e das metralhadoras das janelas n orte do Alcázar, retirada para o portão das viaturas. Embora a segunda
que assomava gigantescamente, como t ambém das pró- coluna tenha temporàriamente espant ado a milícia no
prias janelas do Gobierno. Zocodover, não esperava encontrar um carro blindado
estacionado numa esquina distante, fora das vistas do
Nenhum ataque imediato era esper ado pelo sul ou Alcázar. Ficaram retidos enquanto os milicianos esta-
oeste, pois nestes lados corria um emaran hado de ruas beleciam postos de fogo nas janelas fronteiriças à pra-
quase junto às muralhas do Alcázar. As colun as de as- ça . Um guarda designado para t omar o carro, encon-
salto não poderiam manobrar em espaço t ã o reduzido, tra va -se atrás de um ban co de concreto perto do coreto.
defender-se do fogo dos rifles e queda das granadas das Esvaziou quatro p en t es de rifle no inimigo antes de ba.
janelas acima. E, uma vez que os terrenos da Academia ter em retirada para as arcadas com uma carga de
davam para a margem da garganta do Tejo ao leste, chumbo de caça nas costas. ~ste foi o ponto máximo
era impossível empreender um ataque por lá. Os repu- de penetração atingido em território inimigo, por um
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d d Alcázar durante o cêrco. Os guardas volta-
II solda 0 t_o ao Gobierno deixando três companheiros
ram ' en ao,zocodover Capturaram t res
1nortos no · .
" re f'ens, mas suas por sua participacão na abortada insurreicão de 1932
~ontra .a. Repúblicâ. O capitão passou a substituir o pa_
cestas de vime estavam vazias. . . are, oficiando nos funerais e nas preces realizadas dià·
I Cada facção achava que ~a':l8: apreendido alguma riamente no Alcázar.
· om a escaramuça. A principio o Coronel Romero
I COISa
.
Iecus
C · · sem t reino
ou-se a acreditar . que os CIVIS,f" . .
. nem dis- . 25 de julho é dia de Santiago, o padroeiro do exér-
cito na Espanha. De acôrdo com os cronistas medievais
· 1·na tivessem vencido seus pro Issionais numa luta
Cip Santiago costumava intervir pessoalmente nas batalha~
aberta l ,
nas ruas. O insucesso d a Incur~ao
· ""' esp.an t ou-o .e
entre castelhanos e mouros. Segundo um cronista do
não mais surgiu um contra-ataque. Dai por diante, dei- Alcázar, um oficial reformado chamado Alfredo Mar-
xaria Moscardó resolver com Deus os probl~mas de abas- tinez Leal, o Apóstolo não intervinha nas batalhas entre
tecimento. Os republicanos. estavam tambem pe~turba­ castelhanos e castelhanos. O dia rompeu com as mais
dos com a sortida, a despeito de ?ua ~em su.cedlda re- pesadas barragens de artilharia que o Alcázar já tinha
sistência. Calculavam que os nacionalistas tinha~ al- recebido. O Major Martinez Leal registra o momento:
cançado o fim de s~us rec.u~sos e tentavam fu~Ir de "Logo que o manto da escuridão dissipou-se e o sol res-
Toledo. Para evitar Isso, engiram dezessete barricadas plandeceu em tôda sua pureza, a sêde de sangue do ini-
bloqueando tôdas as ruelas, próximas ao Alcázar, que migo enviou àvidamente, à guisa de saudação matinal,
pudessem ser usadas COJ?O via de escape. A~ barri~a­ uma rajada de projéteis que conseguiu incendiar um
das eram feitas dia e noite, antes que os fascistas VIes- automóvel estacionado no terraço norte. A punição cruel
sem fora lutar em vez de morrer à míngua lá dentro. do tiroteio covarde continua o dia jnteiro." O major
Para punir o Alcázar de sua incursão, um trimotor sentia-se ultrajado pelo fato de os republicanos escolhe-
sobrevoou-o mais tarde atirando quinze bombas 1 a maio- rem êste dia especial para desencadear seu "bárbaro
ria das quais caiu nas vizinhanças do terraço norte. silogismo", mas o comando dêles estava, sem dúvida,
ciente da amarga pilhéria. O dia sagrado para o exér-
o campanário noroeste incendiou-se e ardeu tôda a noi- cito foi brilhantemente celebrado com fogos de artificias
te, pois não havia extintor de incêndio e a passagem e o govêrno estava exultante por fazê-lo às suas pró-
norte estava seriamente danificada . Houve, porém, com-
pensações. Uma bomba extraviada caiu na Igreja da prias expensas.
Madalena e destruiu o pôsto de metralhadoras dos As- Os republicanos estabeleceram duas bases perma-
saltos. Entretanto, outro ninho foi instalado e entrou nentes de artilharia, uma em Dehesa de Pinedo, o bos-
em ação na manhã seguinte. que das oliveiras a três quilômetros ao norte, ~ out:a
As vítimas aumentavam no Alcázar; oito homens em Alijares, o velho acampamento da Academia, tres
foram mortos e trinta e sete feridos. O morgue impro- quilômetros a leste. Os canhões 7,5mm fazian1 pouco
visado, uma alcova pequena sob a escada central, tor- estrago nas espêssas paredes do Ale azar, mas a chegada
nou-se nociva no calor de julho . Antes do amanhecer de nove canhões 105mm constituiu uma séria ameaça.
os corpos foram envolvidos em capas de colchões e leva- o Major Mendez Parada concluiu que o seu ma:r:ejo ~ra
dos para o Picadero, onde eram enterrados nos grama- jneficiente. Muitas das balas passavam pelo Alcazar In-
dos do lado sudoeste. Como não havia padres, a ceri- do explodir na cidade ou mais adiante. ~le. sabia contu-
mônia limitava-se a uma curta prece, lida pelo Capitão do que os atiradores republicanos aprendenam e progre-
José Sans Diego, um jovem oficial expulso do exército diriam com o tempo.
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Para protegerem-se ~ontra as bala~, o Major ~endez
parada introduziu um sistema grosseuo mas eficiente. bora fôss~m capazes de desmontar uma metralhadora
Durante os bombardeios, o pátio fic~va inte:ditado para e ;emont~-la eram er:ganados pelos equipamentos elé-
qualquer pessoa, exceto os_ mensageiro~ e .aJudan~es-de­ tric?s. Fellzm~nt~ havia dois eletricistas entre os civis re-
ordens. Postos de observaçao em duas torres mantinham fugiados, os umaos Laba~de~a, aos .quais o serviço foi
entr~gue. Por volta de me1o-d1a do d1a 25 de julho, con-
0
contrôle de Dehesa e Alijares por meio de binóculos e seguiram apanhar fracos sinais da Rádio União de Madri.
periscópios. Quando viam o inimigo aproximar seus ca-
I nhões, um corneteiro alertava a fortaleza tocando "Aten- . Através. da estática cheg?u uma notícia que espan-
tou a todos. o locutor anunciava que o Alcázar de Tole-
ção". Quando a peça era carregada, um observador gri-
tava por uma corneta de chifre: "Canhão leste1" ou do se ren~era! A princípio isto foi tomado como uma
g.rar;de plad.a, ,~as logo suposições inquietantes subs-
I' "Canhão norte". Quando explodia, bradava ''Fuego !"
("fogo"), dando a todos tempo para proteger-se. O cof- tltuuam a pilhena. Se os Generais Franco e Mola acredi-
tassem nisso abandonariam os esforços para levantar
neteiro anunciava "tudo livre" quando os observadores o cêrco de Toledo. O boato tinha que ser desmentido.
viam os artilheiros abandonando suas peças, mas por
muitos dias o fogo foi tão pesado que êstes avisos não A ansiedade tornou-se crescente ao cair da noite
quando os aviões republicanos lançaram boletins no Al~
foram sequer ouvidos. cáza!. A maioria dêles impressa em papel vermelho
Houve cinco barragens diferentes durante o dia. continha a propaganda usual: apelos aos soldados pa-
Uma brecha foi aberta na entrada norte, bastante lar- ra q.ue matassem seus líderes, prometendo-lhes poupar
I ga para permitir a penetração de um carro blindado ou a v1da se desertassem. Mas, entre êles, havia páginas

I pequeno tanque. O Tenente Luis Barber, oficial-enge-


nheiro, teve que obstruir a brecha com fronhas cheias
de areia. Atrás desta barricada enterrou pequena car-
ga de dinamite e por detrás da mina Parada instalou
dos jornais de Madri, com artigos ilustrados com foto-
grafias fraudulentas descrevendo a rendição do Alcá-
zar. Era o mesmo que ler a própria certidão de óbito.
i um dos canhões 70mm - para o caso em que a mina
Moscardó, imediatamente, convocou uma reunião de
sua junta e pediu um voluntário que quisesse atraves-
não detivesse o tanque. Uma bomba desgarrada estraça- sar as linhas de fogo para informar o General Mola que
lhou o enorme relógio sôbre a arcada norte. Onze homens se sabia estar com seu exército em alguma parte das
for~ feridos quando ~m teta caiu sôbre êles. Alguém Montanhas de Guadarrama, a noroeste de Madri. ~le
bat1zou os novos canhoes republicanos "a dinastia de admitia que "havia uma chance em cem, da missão ser
Felipe" renovando uma velha piada da Academia 1 mas bem sucedida". O mensageiro teria que atravessar 90
era difícil manter o senso de humor entre êles.' quilômetros de território inimigo, todo êle infestado de
,u~a vez que a energia elétrica tinha sido cortada, milicianos. Dois capitães, ambos instrutores da Esco-
os tecn1cos da Guarda Civil tentavam operar os rádios la Central, deram um passo à frente e Moscardó es-
usando baterias de automóvel, mas sem sucesso. Em- colheu o Capitão Luis Alba. Um tipo aristocrático, Luis
Alba parecia a escolha ideal; era perspicaz e atlético,
. 1 -. "Felipe", e~ a o apelido tradicional de uma peça de
um dos melhores montadores de Toledo e como alpi-
artllhana do exercito espanhol. Muitos anos antes o solda- nista amador conhecia o terreno de Guadarrama. Gos-
do encarreg~do de fazer a saudação da tarde no Alcázar cha- tava, também, de pescar e caçar e a realização dêstes
~ava-se F~ll~;· Quan,do. o oficia! encarregado dava a orden1 esportes fazia com que estivesse e:tp. contato com o po-
ogo, Fehpe , o proprw canhao parecia obedecer ao co- vo de tôda a parte, que gostava dele por seu modo na-
mando.
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tensioso Se alguém podia alcançar o Ge- to da fábrica e av.ançou em , direção ao campo aberto
tural eMdrspr__esse alguém era o Capitão Alba. Todos ês-
0 para noroeste. Sabia que, quanto mais distante de To-
neral t" a,l e ados em conta a única reserva que Mos- ledo, maior sua chance de escapar. Ao amanhecer 0 Ca-
sesdf~ fore~a enva sua escolha ~ra: Alba
car o azi .
era casado e pai
h . pitão Alba, aliás Antonio Gomez, estava a dezenove qui-
de quatro filhos, 0 último dos quais nascera av1a uma lômetros da cidade em sua missão para Mola.
semana.
26 de julho era domingo. Não houve missa na ca-
A noite estava escura:.. Depoi~ de .vestir um mono pela do Alcázar porque não havia padre; não havia
1 Alba recebeu o cartao de Identidade de um re- tamb~~ .mis~a na? igrejas da cidade porque os líderes
::~,' Antonio Gomez, ass.inalado como =f =f= 173 9o n~- da m1llc1a nao deixavam. Mas neste primeiro domingo
c le 0 do Partido Comunista .de Alb Toledo. O cartao nao
, " pesc.a- do cêrco os turistas começaram a chegar em sua maio-
mencionava profissão, e assim a escreveu ria de Madri e ávidos para dar pelo me~os um tiro no
dor" os companheiros dera1n-lhe 100 pesetas e uma pis- odiado Alcázar. Da Porta de Bisagra chegaram até às
tola que usava dependurada .num cordel ao pescoço es: barricadas ao redor da fortaleza, onde poderiam esprei-
condida sob o 1nono. Os amigos acompanharam-no ~te tar, por cima dos colchões listrados, e pasmar-se dian-
a extremidade leste do terraço da ~scola de cavalar~a, te das paredes e janelas assomando sôbre êles a menos
onde ouviam o Tejo rugindo atraves da garganta. Ele de vinte metros adiante. Poderiam saborear a ilusão de
fêz continência uma ou duas vêzes e perguntou em tom estar em perigo e era-lhes permitido puxar o gatilho de
de pilhéria. "Eu me assemelho realmente a um pesca- um rifle que algum miliciano preparava para êles. 2
dor?" Então, saltou a cêrca e desapareceu na negritu- "Atirar uma bala no Alcázar" tornou-se em alguns
de embaixo, enquanto seus camaradas ~guardavam ten- círculos um símbolo de lealdade à República. Muitos
samente o som de um tiro que anunciasse a sua des- madrilenos vieram a Toledo nos domingos subseqüentes
coberta. trazendo as famílias, as cestas de piquenique e os ri-
Uma vez que a encosta sob o picadeiro era quase fles e pistolas. Depois de um banho no Tejo, um almô-
vertical e o Santiago dominava todo êste setor, o Ca- ço calmo en jamille e uma soneca no bosque de olivei-
pitão Alba sabia que não havia perigo de postos ini- ras juntavam-se a seus camaradas nas barricadas por
migos na região. O problema seria tentar atravessar a alg~mas horas, antes de tomarem o último ônibus pa-
Ponte Nova a cem metros acima do rio ou descer o rio ra Madri.
onde as casas dos trabalhadores agrupavam-se até às 2 - Geralmente êstes eram os moradores das classes mais
bordas da água em ambas as margens. Para evitar ês- baixas. Arturo Barca e outros republicanos falaram do seu
te perigo, Alba enrolou as roupas e deslizou para a desagrado com a atmosfera carnavalesca encontrad~ na fre,n-
água. A corrente era tão rápida como a do riacho de te de Toledo durante as primeiras semanas do cerco. Alem
montanha. Ela poderia conduzi-lo por tôda a cidade até disso observaram que muitos milicianos voltavam a Mad;i
sem 'consentimento. Era verdade que lutavalll: contra o Alca-
os baixios da fábrica de armas, mas como havia diques zar e em circunstâncias seguras como tambem contra Mola
e outras obstruções mais adiante, nadou para a mar- na Guadarrama ou contra Franco na Extremadura. Qua~­
gem oposta. Vestiu-se ligeiro e seguiu a rodovia, con- do um homem era citado como um "soldado de Toledo" nao
tornando a cidade para o sul, paralelamente ao rio. Na havia intenção de elogiá-lo. A medida que a~ semana~ P~::
savam e o Alcazár resistia, ~es!llo o~ repubhcan~s. ~~ls"tles
parte distante da cidade, onde o Tejo retoma seu cur- dicados apontavam para os in1m1gos la dentro e dizia ·
so para a banda oeste, Alba atravessou-o de nôvo per- lutam como espanhóis."

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o lugar mais popular para observar o cêrco eram ria longe, acre_ditavam, o .momento em que uma colu-
os ninhos de metralhadoras de. Dehesa Pinedo. A po- na de li.bert3;çao se apro:nmasse pel? _?este. o que êles
pulação divertia-se com o seu nbombar e com 0 torve- não sabiam e que o cadaver do Capltao Alba jazia nu-
linho de poeira que seguia a cada descarga. ma sarjeta junto ao marco do quilômetro sete da es-
os artilheiros, ao contrário da milícia, eram da ati- trada da pequena cidade Torrijos.
va. seus uniformes atraíam as mulheres, que por sua Naquela manhã, à medida que aumentava a dis-
vez atraíam os fotógrafos. Durante as primeiras sema- tância entre Toledo e o Capitão Alba, êle se tornava
nas do cêrco, os jornais ~e Madr~ freqüentemente pu- mais confiante. Quando o sol apareceu, deixou os cam-
blicavam retratos de bonitas garotas posando ao lado pos e seguiu pela rodovia. Ao se aproximar de Burujon
das armas de Dehesa Pinedo; e os observadores da Tôr- foi tomado por uma idéia ousada. Entrando galharda~
res do Alcázar com seus binóculos podiam avistar as mente na cidade, apresentou o cartão de identidade ao
môças puxando os cordões de disparo ou apertando os comitê da milícia e explicou que por estar encarregado
gatilhos que lançavam as bombas violentamente con- de uma missão secreta pela Comissão de Defesa de To-
tra êles. ledo, precisava de um automóvel e um chofer para le-
Para poupar munição, Moscardó ordenou que nin- vá-lo a Arenas de San Pedro, uma cidade sob contrôle
guém atirasse, a não ser em um alvo determinado e os dos republicanos em Guadarramas. Na história de Bu-
defensores logo perceberam que o silêncio era um de rujon nada de tamanha conseqüência ocorrera em qual-
seus mais efetivos aliados. Das linhas republicanas 0 quer tempo, e o comitê ficou encantado com esta opor-
Alcázar parecia vazio e, contudo, ameaçador. Nenhum tunidade providencial de ajudar na guerra contra os
fascista passav.a por detrás dos caixilhos das janelas· fascistas e mandar um homem buscar o único auto-
nenhum rifle sinistro apontava das seteiras. Um mili: móvel da cidade. Enquanto esperavam, o camarada Go-
ciano poderia ficar dias com seu rifle aponta do para mez foi conduzido para um bar local a fim de tomar
uma janela e não conseguir ver o inimigo, e se por des- um cofíac e dar-lhes em troca as últimas notícias da
cuido ou bravata ficasse exposto na barricada, o rifle guerra em Toledo e Madri. A_ sua chegada ~oi anu~cia­
aparecia em uma janela. ~ste único tiro era respondi- àa por tôda a cidade, que saiu para recepc1onar o Ilus-
do c~m ~entenas de outros da milícia, mas das jane- tre visitante. Alba tornava-se inquieto mas não ousa-
las nao VInha. resposta. Os fascistas pareciam estar sem- va mostrar impaciência em partir rápido, para não le-
pre obseryando, embora de modo invisível. Alguns dias vantar suspeitas. Quando êle en~;ou no bar~ ~ma voz
os ~·epubl~canos gastavam mais cartuchos que os nacio- amiga chamou-o de um canto: Como, Capitao Alba!
nallstas tmham gasto em todo o cêrco. o que está fazendo por aqui?" O ~nterlocutor, um ra-
paz que servira como batedor. ocas1o~almente ~os gru-
~ste do~ingo foi marcado no Alcázar por uma pe- pos de caçadores da Academia, caminhou ~~sioso pa-
quena elevaçao do mor~l; nem os tiroteios esporádicos, ra apertar-lhe a mão. A milícia ficou petnf1cada e o
ne~ o pesad~ paqueo tinha matado ninguém e os dois
bar ficou em silêncio.
avioes repubh~an?s qu~ ,9 sobrevoaram não lançaram
bombas. A, prime~ra ed~çao de um jornal mimeografa- O silêncio sinistro foi quebrado por Alba que "aper:
tou a mão do rapaz e disse: "Capitão? Quem voce esta
d?, ~l A;lcazar, fo1 publicada no Museu da Academia e chamando de capitão, José? Você deve estar pensand?
d1stnbu1da entre os defensores. Mas, acima de tudo es-
tavam exultantes com a idéia de que o Capitão Àlba que eu consegui me elevar na vida. Que tal uma be~l­
da?!' José compreendeu e tentou fingir que estava brm-
estava a caminho para o encontro com Mola. Não esta-
91
90
cando, mas os aldeões de Burujon não foram tolos duas ~aram, então, o corpo na vala e voltaram para Buru-
vêzes. Arrastaram Alba para fora e estavam quase a fu- JOn. Apena~ P~dro Rodriguez negou-se a dar um tir
zilá-lo mas o major e outros companheiros de Alba do Du.rant~ dois dias o corpo de Alba permaneceu naval~·
grupo' de caç~dores, Pedro ~?drigues, insi.stiram para Fo1 ·entao
que fôsse enviado para TornJOS e submetido a julga- t regue ' f levado
'1'
para
N.
a , fábrica de arma s para ser en-·
a am1 1a. Ir:guem apareceu. A espôsa e os fi-
mento. Como José, Rodriguez gostava e respeitava o lh?s esta~am no Alcc:zar e os parentes em Toledo. Te-
despretensioso jovem capitão. miam arnscar suas VIdas se anunci·assem 0 parent esco.
· 1m t .
Quando a delegação de Burujon chegou a Torrijos Fina· h- en ed o 1·corpo foi. levado
.
para Madri , Joga
· . do num
com Alba, tiveram uma fria recepção na prefeitura. o camin , ao de Ixo ef exibido·
pelas ruas com um c ar t az ..
juiz tinha sido removido e o prefeito recusou a en- d
O ca aver e um ascista de Alcázar. 3
volver-se nos negócios de Burujon. A opinião geral era . No Alcázar, porém, ninguém sabia que a missão
de que Alba devia ser morto em Burujon; uma vez que tmha fracassado. Todos os dias um observador na tôr-
isto não aconteceu, devia ser levado para Toledo. Em- re sudoeste vasculha~a o horizonte, buscando um sinal
bora irritada com a decisão, a delegação partiu para lá ?a e~perada col}-lna libertadora, mas a única coisa que
a vinte e nove quilômetros de distância. Em caminho, e~e v1a no, long1nquo oeste eram as montanhas, planí-
sofreram outra humilhação quando dois Assaltos fize- cies e o ceu. Talvez o fracasso da missão de Alba não
ram parar o carro e, após ouvirem a estória, insistiram importasse, enquanto o pessoal da fortaleza não sou-
para levar Alba em seu carro - temiam que o capi- besse da verdade. Não era melhor esperar por Mola que
tão fôsse executado sem julgamento. nada esperar?
Quando os Assaltos partiram levando Alba, os ho- As provisões de farinha terminaram na manhã de
mens de Burujon ficaram enfurecidos; num só dia fo- 27 de julho. Em lugar de pão o Capitão Cuartero dis-
ram enganados por um capitão fascista, considerados in- !ribuía u~ punhado de t~igo torrado do celeiro junto
competentes pelo prefeito de Torrijos e suspeitos de as- as cavalariças da Academia. Êstes grãos eram poucos
sassinos quando tentavam cumprir o dever. Movimen- melhores que o cisco do celeiro, mas havia o bastante
tando de nôvo o carro, saíram em furiosa velocidade para usar durante muitas semanas. Meticulosamente, o
atrás dos Assaltos. capitão armazenou as provisões que restavam para uma
emergência, guardando algumas latas de leite para as
Quando o carro em que Alba viajava subiu numa crianças e feridos. Estava claro que as rações de trigo
encosta, êle viu o Alcázar por um momento, à distân- torrado não sustentavam um ser humano e alguém su-
cia, antes que o veículo mergulhasse colina abaixo. Exa- geriu que se comesse os cavalos.
tamente antes de alcançar a taverna denominada Ven-
ta de Hoyo, o carro bateu num buraco, perdeu a dire- A princípio os oficiais de cavalaria preocupavam-se
ção e caiu numa vala. Os Assaltos assustaram-se. Em- como alimentar noventa e sete cavalos e vinte e sete
bora com as mãos atadas, o Capitão Alba conseguiu
sair do carro e subir para a rodovia no momento exa- 3 - Um amigo de Alba, José Rodrigues Valero, fêz uma
investigação detalhada sôbre sua morte, alguns meses mais
to em que apareceu a milícia de Burujon. Espantados tarde. O lugar onde foi enterrado não é conhecido, mas um
com o desastre e sentindo-se em parte responsáveis por monumento de granito marca o ponto onde foi morto, na es-
isto, um dêles gritou defensivamente: "Mãe de Deus, trada de Torrijos, perto da Venta de Hoyo. Na Espanha a
veja o que o fascista está fazendo agora conosco! É palavra Hoyo significa "vala"; uma outra significação é
Demais." Cercaram Alba e fuzilaram-no na estrada. Jo- "túmulo".
93
92
4 Alguns J.á haviam morrido durante os pa-
rouI as. .
rdeios por f enmen
· t os d.Ire t os ou por sem no Alcázar. Um tal cavalo não devia cair -
q ueos ou bomba ' t umu1to. Os do inimigo. em maos
·
escoice arem-se uns aos outros· durante o
Al , 1
restantes foram trazidos depois para o caza~ ~. co c- . tComo um ?u dotis cavalos cada dia não eram sufi-
eados nos porões inferiores da ala sul do e_?ifl.cio. O CI~n es para a 1nn.en ar 1 800 pessoas, foi inventado um
., do com êstes animais tornou-se quase
cwua . tao Impor-
, no;o ~ato. D~pois q~ separavam os bifes, as costelas
tante quanto 0 referente às mulheres e crianças: a agua o Iga o e ou rtasd pa. es esco.lhidas para a enfermaria'
o resto era cor a o em pedacinhos e fervido 0 - '
da p1·scina era reservada, para o uso dos cavalos e sua de trigo, dois litros de azeite e um pouco de cf .~ grNaos
forragem era fornecida as pessoas. · · d' d' · ei]ao os
pnm~Iros Ias ~ Icionava-~e 150 gramas de sal da:s ca-
Ao contrário dos franceses, os espanhóis tradicio- val~ridças, :nda~ estte luxo foi logo abolido. Alguns dos re-
nalmente não comiam carne de cavalo e só em pensar fugia os m. Igen es, para "quem qualquer carne era
em carne de mula era repugnante para êles. Ficou de-
cidido comerem primeiro os cavalos e esperar que o Al- 1
uma gul~~nr~a, ~c h,avam _este ensopado tão saboroso
(e a comi a o cazar tao opulenta) que aludiam
cázar fôsse libertado antes que fôsse preciso comerem s~a nova morada como "Casa Rockefeller". seu ent:
as mulas. El Alcázar reservou um editorial para mino- siasmo durou pouco; logo so_uberam que era possível
rar as dúvidas: "O cavalo é um animal limpo e ele- morrer de fome com boa comida se cada um não rece-
gante· êle só bebe e come aquilo que há de melhor ... besse dela o suficiente.
Todos' os preconceitos contra êle são infundados." Em ~uando as tochas de acetileno apagaram-se, o óleo
nenhum lugar a afinidade dos espanhóis pela raciona- extraido das carcaças dos cavalos iluminou o Alcázar.
lização é mais exemplificada do que na concludente Uma pequena lamparina improvisada com uma lata de
sentença: "0 valor nutritivo do cavalo é maior que sardinha montada ~om pavio de trapo queimava em
0 do bovino." Moscardó ordenou que o primeiro cava- cada quarto do porao durante a noite. A fuligem e 0
lo fôsse preparado para a refeição da noite. Todos con- mau cheiro eram desagradáveis, mas qualquer coisa era
cordaram que a vítima seria a Pistolera, uma égua ma- melhor que a escuridão - principalmente durante os
nhosa que derrubara ou escoiceara quase todos os ca- bombardeios. Alguns oficiais convidavam amigos para
valeiros da Academia. Muitos aproximaram-se especial- jantar com êles no dia em que eram servidos seus pró-
mente para assistir sua matança, esfolamento e esquar- prios cavalos, mas cada convidado trazia sua ração. Os
tejamento. Cajón, pelo contrário, era quase um cava- ossos dos cavalos e as vísceras eram queimados no Pica-
lo sagrado, famoso na Espanha como saltador. Os ofi- dero pelo menos durante as primeiras semanas. A se-
ciais da cavalaria pediam para que êle nunca fôsse aba- guir, quando os homens ficaram mais fracos e as barra-
gens mais pesadas êste lixo era atirado, juntamente
tido, mas para que o fuzilassem se os vermelhos entras- com os detritos das latrinas, pelas janelas no campo
de parada.
4 - Embora êste seja o número oficial de acôrdo com
a imprensa nacionalista liberada depois do cêrco, outras fon- O Alcázar foi salvo, temporàriamente, pelos cavalos
tes anotam duzentos e dez cavalos e trinta mulas. Para au- da Cavalaria Espanhola. O Capitão Cuartero agradecia
mentar esta confusão, o diário do Alcázar alude a 199 cava- a Deus pelo fato da Cavalaria não ser mecanizada. O
los e nenhuma mula - o que está errado certamente. A ex- El Alcázar imprimiu um editorial onde, s~ger~a que a
plicação provável para esta discrepância é que ninguém se
preocupou com o número específico de animais disponíveis inscrição da estátua de Carlos V, no patlo, fosse mu-
até que se tornaram fonte vital para a alimentação. dada para ficar de acôrdo com a emergência presente:

94 95

\
lo ' não 0 Imperador, que devia ser levantado fies nas viseiras eram manejado
era. o ·ca v aPodia
pnme1ro.
-
' en tao ' ser
t d ·d
. arras. a o e comi o. . por covardia.

dade. Poucos guardas foram de com notável habili-
Sigados da corporação
sàmente, porém, os mexpen~ntes. e. tolos acredita-
v~ que
as provisões durassem. mdefmidamente.-
Mos- Enquanto isto, Madri tornava .
rdo, dissera que Deus provena, mas, a nao ser que e embaraçada com a paralisa - -se ma1s angustiada
ca .
~le provesse algo mais, era provave que o
, 1 Alcazar se
r
Um punhado de nacionalistas r~~ na frente de Toledo.
rendesse pela fome. nas a sessenta quilômetros da c~f~~ndo a rebelião ape-
Embora os republicanos que cercavam o Alcázar monstrava, tanto dentro como n PI al ~a Espanha de-
parecessem estar com as cartas, relutavam em den~ubá- ra civil era importante. A Repú~liextenor' que a guer-
1o de pronto. Ninguém sabia o número exa~o da milí- do promessas de ajuda e interve c~ estava procuran-
cia na cidade, mas era calculada em sete mil. O Gene- ções neutras que, em troca exi ~çao das grandes na-
ral Riquelme estava nominalmente no comando, mas causa republicana iria pre~alecrra~ 1rovas de que a
não tinha nenhuma autoridade em qualquer das uni- ferida, os jornalistas estrangeiros · s regando sal na
dades individuais de anarquistas, socialistas e comu- tência do Alcázar como uma ro apo~tavam,_ a. resis-
nistas que iam e vinham quando lhes aprazia. Os anar- litar da República. Na verda~e v~s d: unp~rtanc1a mi-
quistas, em particular, exasperavam Riquelme. Eram varo sendo repelidos na Extrem~dura :p~~~cano.s esta- ../
os mais numerosos - e os menos cooperativos. Des- estas derrotas tiveram lugar longe e fo a~~c~a, mas
confiavam de todos, acima de tudo dos oficiais do exér- negadas, já que todos em Madri volta~:m acllmente
cito que eram legalistas. Muitos dêles discutiam aber- condições existentes em Toledo Se alg ~-sed pa!a as
tamente que numa primeira oportunidade liquidariam que o Alcázar ainda resistia b~stava saui.ermd uMvldda~se
·· · d ' e ane
os comunistas e socialistas nas barricadas e extermina- VI8:Jar. pouf~ m~s Af ;tma hora e certificar-se com seus
riam em seguida os fascistas no Alcázar. Resolviam tu- pt ropriofs o dos. R r cbalizar era um carbúnculo pustulen-
do pelo voto: se um líder ordenava um ataque e êles o na ace a epu . ca; era muito difícil ignorá-lo e
não gostassem da idéia derrubavam-no simplesmente esperar que_, se o deixasse e_m paz, êle desapareceria.
pelo voto. A paixão pela liberdade individual era tão Deram a Riq uelme . alguns
_ dias mais·, se no fim de" sse
absorvente que não podiam concordar com a única me- A d
t empo a ca emia nao se entregasse pela fome teria
dida que lhes poderia ter dado a liberdade permanen- que ser tomada alguma medida mais drástica. '
te: renunciar a uma parte dela, temporàriamente. . Riquelme acreditava na rendição iminente 0 que
Mesmo se tivesse um comando absoluto, Riquelme parecia conformar-se pelo testemunho de um soldado
não podia esperar que a milícia indisciplinada e des- da tropa que deser~a_ra na noi~e de 26 de julho e infor-
treinada - não importava sua superioridade numéri- mara que as provisoes de farmha tinham-se acabado
ca - arrasasse o Alcázar num assalto direto. Nas bar- as verduras apodrecido e a carne não existia. Até ali ~
ricadas a milícia mostrava coragem diante das janelas única coisa que tinham para comer era a forragem da
do Alcázar, mas isto era muito diferente do que desa- cavalariça. Isto encorajou tanto Riquelme que êle sus-
lojar soldados de posições protegidas, principalmente pendeu as barragens de artilharia pelo resto do mês
solàados que estavam lutando por suas vidas e, em al- para economizar munição. O desertor esqueceu de men-
guns casos, pela de suas famílias que estavam nos po- cionar para êles os cavalos.
rões. Garcia Lorca certa vez chamou os guardas, irô- Dentro do Alcázar cinco dias de bonança foram in-
nicamente, de "homens de almas de verniz", mas os ri- terpretados como um sinal de prenúncio de vitória.

96 97
· ava-se uma coluna de libertação ou o inimigo
Aprox~:a que as muralhas do Alcázar eram indestru- tinha de subir à torre noroeste para tomar emprestado
tnas
apr~n? As balas ainda borrifavam as muralhas exter-
Iveis. . s h ,
pois 0 paqueo c~nt1n~ava. e .um ?mem,.._ porem,
a corneta do observador de artilharia que a usava co-
mo um megafone. Havia dois centros de cultura, a bi-
e expunha e era fendo, so se podia queixar dele mes- blioteca da Cavalaria e a da Infantaria. ambas bem
~o. o fato esmagador era ~ para~isação ~o~ canhões. '
sortidas de livros, em prateleiras que alcançavam o te-
Ao cair da noite, durante estes dias, o patio parecia to. Ninguém previra que viria o dia em que êstes li-
I a plaza mayor de qualquer cidade provincial da Espa-
nha. Sentados ao centro em cadeiras de abrir, a ban-
vros, muitos em fina encadernacão de couro cordovês,
serviriam como barricadas nestas mesmas salas. Anun-
I da abafava o paqueo com seleções de operetas e mar-
chas militares. As mulheres tiveram permissão para su-
ciando seu expediente no El Alcázar o barbeiro da Aca-
demia advertia que aceitaria o pagamento em pesetas
I bir dos porões e foi-lhes possível apanhar um pouco
mais de água da bomba perto do Santiago, para lavar
ou em espécie: contudo, os fregueses deveriam trazer a
sua própria água se desejassem barbear-se. Como pou-
o rosto das crianças antes de caminharem pelas arca- cos conseguiram água, barba e piolhos floresciam.
das com suas famílias. Volvendo ao antigo costume es- :Êste período foi tão pacífico que o povo perdoou
panhol, os oficiais solteiros flanavam à esquerda do pá- Antonio Rivera (apelidado "O anjo") por sua sediciosa
tio, para ficarem face a face com as môças solteiras posição. O jovem Antonio, filho do prefeito anterior de
passeando de braços dados na direção oposta. Toledo e secretário da Ação Popular, o partido cató-
Numa dessas tardes, Moscardó organizou uma par- lico, refugiou-se no Alcázar, mas recusou-se a pegar em
tida de futebol entre a Guarda Civil e a Escola Cen- armas, ou tomar parte na defesa. ódio era pecado, di-
tral, ganha pelos acadêmicos, que receberam dois ci- zia êle, e para matar alguém, era preciso odiar. O que
garros para cada um. Mais memorável, mesmo, foi o aconteceria a êles, clamavam as mulheres, se todos pen~
circo improvisado, apresentando atrações como o ma- sassem como êle; naquele caso, dizia-lhes, não estaría-
labarista Chu-Ling-Kal-Var; travou-se uma luta de pê- mos no Alcázar de modo algum. Como a junta de Al-
so-pesado (no estilo greco-romano); dois mágicos famo- cázar não precisava de um filósofo, Antonio servia na
sos em Toledo de ponta a ponta; um fandango encer- brigada do açougue.
rou a festa - com música executada pela banda. Um Os poucos policiais secretos que se tinham juntado
casal que se conhecera pediu permissão para casar-se à guarnição continuavam seu trabalho. Nas p~imeiras
no civil, mas Moscardó categoricamente negou-lhes o semanas registraram-se pequenos roubos de alrmentos
pedido: cerimônias de casamento realizadas sem um e roupas, mas o maior trabalho dêles era perseguir os
padr~ era!? pouco melhores, no seu entender, que as ladrões que furtavam as amostras de trigo expostas na
relaçoes barbaras de amor livre existentes entre os ver- seção de agricultura do museu. Uma vez que o roubo
melhos. era comido, o culpado jamais seria encontrado. Nota-
Foram fundados clubes. Os intelectuais reuniam- va-se que a medida que o cêrco se estendia os in~id:n­
se no museu, escritório editorial do El Alcázar. Falan- tes de roubo declinavam· seria isto por que os cnstaos
' o A

gistas e adeptos dos nacionalistas espanhóis discutiam não desejavam morrer com pecados em, sua cons~le.n-
política e refutavam a teoria marxista na sala das ban- cia? A dúzia de reféns políticos no Alcazar era v1g1a-
deiras. Um maestro tocava trechos de óperas italianas, da de perto, somente à noite; ~abiam que se tentas-
embora tôdas as vêzes que o seu grupo se encontrava sem escapar de dia seriam abat1dos a tlros por todos

98 99
os lados. Recebiam a mesma ração que os outros -
com menos, morreriam de fome.
confiando em Deus, em Franco e no exército espa-
nhol a população do Alcázar esperava convicta de que
0 pi~r estava para acontecer. A frase "Neste dia não
houve baixas" apareceu duas vêzes no diário da Aca-
v
demia mas não iria mais ser encontrada nas semanas
que s~ seguiram. Agôsto trouxe uma repentina inter- O Bombardeio
rupção nos dias alegres da "Casa Rockefeller".

,. .Na ~arde de 19 de agôsto, sem aviso prévio, o si-


ler;,cio foi quebrado, quando um observador gritou "Fue-
go . Em. poucos segundos explodiu uma bomba no telha-
do do Picadero onde só havia um mulher de prêto ajoe-
lhada na sepultura do filho. Minutos mais tarde as bom-
bas calibre 105mm estouravam em todo o lado' leste do
Alcázar. ~as tôrres os observadores, completamente
surpreendidos pela erupção dos canhões olhavam uma
mulher não identificada, correndo em di~parada de um
lado para outro, na esplanada. Miraculosamente não
foi ferida e retornou a salvo para a fortaleza. Duran-
te duas horas os canhões bombardearam tôdas as de-
pendências e fizeram um bom trabalho de destruição.
No fim do fogo de barragem foram contadas 140 bom-
bas - o Picadero estava em chamas e o Alcázar com-
pletamente envolvido em nuvens de fumaça negra.
No Gobierno, os soldados agarravam seus rifles e
preparavam-se para esperar um ataque do Santa Cruz
com .a cobertura da cortina de fumaça. Os republica-
nos pareciam considerar a destruição do Picadero co-
mo trabalho suficiente para um dia. Esta estrutura era
semelhante à uma caixa de tijolo e argamassa com vi-
gas de aço sustentando um telhado constituído de fô-
lhas de metal cravadas em caibros de madeira. A me-
dida que os caibros queimavam, as fôlhas de metal
caíam ruidosamente sôbre o gramado. A fogueira con-
tinuou pela noite e ao amanhecer só restava o esque-
leto do edifício. Depois de aguardar muitos dias a ren-
dição do Alcázar, o General Riquelme recebeu ordens
101
de Madri para fazer explodir a f~rtaleza em pedaços,
I , rio pedra por pedra, a frm de quebrar a r e- .Muitos guardas-civis guardavam um pouco de sua
se· t"neccessa
I SIS en
·a
1 dos revoltosos. p· d
O sucesso com o Ica ero en-
· u os artilheiros. No dia . segu1n
· t e concent r aram
comida para que os filhos tivessem um pouco mais pa-
ra comer.. Uma fila de soldados aguardava do lado de
I coraJO
fogo na passagem curva que ligava · o AI cazar
,
aos c a- fora dep_91s de cada refeição: êstes tinham esgotado
I ~uchinhos _e a? re~eitório. Se esta ,t~sse ~est.ruída, as suas raçoes e era-lhes permitido catar as sobras _ se-
comunicaçoes mtenores. entre o pred1o prrnc;pal. e as bo e os~os, côtos ~e rabada postos de lado, baco e san-
I dependências estariam Int,errompidas., Por tres dias, a gue cozido. As cnanças recebiam outros privilégios. De
I passagem serviu de alvo as balas ate que começaram
a aparecer fendas nas paredes e no teto. Durante a bar-
quando em quando o Capitão Cuartero anunciava-lhes
uma sobremesa especial: uma ou duas amêndoas uma
I ragem, uma equipe de voluntários tentou colocar as
pedras, deslocadas logo que eram derrubadas, mas um
colher de compota de fruta e, como prêmio meno'r um
pacote de "Postre Ideal" que, se tivesse sido cozido' com
I
I homem morreu e dois foram feridos neste trabalho. Em- ovos e leite, teria sido um pudim caramelado.
I bora ainda fôsse possível usar a passagem, era neces-
sário agora correr por ela, agachando-se para não ser
. Para desmoralizar os defensores, a artilharia repu-
b~cana bombardeava o refeitório nas horas de refei-
I atingido pelos rifles que, das cabanas do outro lado çoes de modo que os horários eram alterados de tem-
pos em tempos. A fumaça da chaminé da cozinha sem-
do Tejo: aproveitavam as fendas nas paredes. Deserta-
I ram mais dois soldados da tropa na noite de 2 de agôs- pre afastava uma barragem, ou pelo menos um paqueo,
to, escapulindo pelo declive para o rio e atravessando das casas do ou~ro lado do Coralino. Havia dias em que
as linhas republicanas, que levaram notícias encora- a~ balas ..explodiam dentro ou perto da cozinha e eram
jadoras ao General Riquelme: uma epidemia de disen- tao .frequ~ntes e pesadas as explosões que os dois cozi-
teria estava tomando conta do Alcázar. O El Alcázar nheiros tinham que se esconder atrás das caldeiras e
trabali:ar no intervalo das mesmas. Era comum para
implorava aos leitores que não evacuassem fora das la- Eugenio Carrasco, o jovem e calmo chefe, preparar os
trinas. O povo receava que a forragem dos cavalos es- bifes para a enfermaria agachado atrás do fogão e co-
tivesse contaminada e deixou de comê-la. Distribuíam- zinhar a carne sem olhá-la. Certa ocasião, a colher foi-
se pílulas de bismuto com as rações de alimento. Só lhe arrancada das mãos.
restavam os cavalos e as mulas para comerem. A maioria dos alcazarenhos concordava que Eu-
As três refeições foram reduzidas a duas. Estas eram genio e seu ajudante, Gregorio Martinez - um tolo de
distribuídas no refeitório, onde o Capitão Cuartero con- cabeça redonda conhecido como "O Cão" -, eram os
feria cada nome numa lista. Cada um trazia sua vasi- dois heróis verdadeiros do cêrco e foram diversas vê-
lha, para a ração. Variavam desde potes floridos até zes citados por seu cómportan1ento diante do fogo. As
refeições às vêzes atrasavam; nunca, porém, deixavam
panelas esmaltadas. Um importante toledano, que se
de ser preparadas. Combustível para o fogão não era
dizia descendente de um rei de Espanha, comia sua problema. As explosões deixavam bondosamente a seus
ração de cavalo numa terrina de prata com o brasão pés os móveis danificados que eram usados como le-
da família, mas tinha que esperar na fila como todos nha. Nas casas do outro lado do Coralillo, a milícia da-
os outros. Exceto para Moscardó e certos oficiais · gra- va receitas obscenas aos cozinheiros através de mega-
duados não havia tratamento especial. Tal como amor- fones e ameaçava-os: "Eh! vocês filhos da puta! Vamos
te, a fome também era democrática. esfolá-los. Vamos cortar-lhes os cojones e carregá-los em
102 103
desfile pelo zocodover !" Quando uma bala explod. .iu e tros através do terraço. Embora a lua brilhasse tinham
lançou para 0 teta os pedaços da carne ?e cavalo, estes a proteção de uma ala de acácias ao longo da cêrca.
foram recuperados pelo "O Cão" e C_?midos pelos alca- Alcançaram o local diretamente por cima do telhado
zarenhos. Eugenio avisava que aqueles pedaços eram do suposto celeiro que jazia a alguns metros abaixo da
particularmente ricos em ferro. . , amurada do terraço.
No amanhecer do dia 29 de JUlho, o Alcazar esta- Enquanto os outros escondiam-se nas sombras com
va vibrando com o boato de que, e.m algum luga~ pró- os rifles empunhados, o ferreiro da Academia desceu
ximo à fortaleza havia um deposito secre~o. ci:eio, de para o telhado e começou a remover as telhas com um
sacos de trigo dourado. O autor d~sta estoria Ir:crivel pé-de-cabra. Uma telha escorregou e caiu estrondosa-
era Isidoro Clamagiraud, que posswa u~a :padaria e. .m mente na estrada, mas se as casas do lado oposto es-
Toledo embora fôsse realmente um cidadao frances. tavam ocupadas pela milícia não havia sinal. Depois de
A prin~ípio todos tomaram-no por l~uco, mas êle asse-
I diou o gabinete do Coronel Moscardo c~m tanta d~t~r­
alguns minutos de trabalho abriu um buraco bastante
grande para deixar entrar um homem e voltou ao
I minação que a junta começou a acred.Itar n~ noticia.
Don Isidoro insistia que o Banco de Bilbao tinha alu-
gado um prédio na encosta exatamente abaixo da ba-
terraço.
A tarefa de penetrar pela abertura coube ao sol-
dado Perez Molero que o fêz depois de atar uma corda
laustrada do terraço do Picadero e que havia tonela- à balaustrada. Quando atingiu o soalho, hesitou em
das de trigo recebidas pelo banco em pagam~nto de em- acender um fósforo, pois não sabia o que lhe esperava
préstimos. Os oficiais ~e~bravam-se dos ,diver_sos gal- no quarto. Em lugar disso, engatinhou até esbarrar em
pões desabitados nas viZrnhanças, mas ha multo tem- alguma coisa que lhe pareceu um corpo humano. Pas-
po nenhum dêles era usado. Parecia improvável que sando-lhe a mão por cima verificou que era um saco.
trigo ou qualquer outra coisa pudesse ser depositado Ao enfiar-lhe a faca saltou algo sibilando no chão. Pe-
nos terrenos da Academia sem que alguém tivesse ou- rez riscou, então, um único fósforo. Grãos de trigo des-
vide falar nisso. cascados cascateavam do saco. Empilhados até o teto
Tomado de excitação, Moscardó seguido de sua equi- h a via centenas de outros.
pe seguiu o francês que subiu a tôrre nordeste de on- Imediatamente os guardas-civis começaram a içar
de podiam ver claramente, por cima da balaustrada os sacos através do buraco feito no telhado. Quando ha-
do terraço, o telhado da casa por êle descrita. Ficava viam alçado vinte e três - cada um pesando cêrca de
ao pé da colina do Gobierno, ao longo da Calle del Car- 100 quilos - arrastaram-nos pelo terraç? do Alcáza~.
men. Do outro lado da rua havia uma fileira de bar- De algum ponto tinham sido ouvidos ou, v~stos p~la mi-
racões arruinados que se supunha ocupados pelos ati- lícia do outro lado da garganta. Ao minimo ruido na
radores da milícia. Assim, o dito celeiro ficava situado escuridão a metralha varria o terraço. Os homens per-
numa zona neutra. Ocorrera um milagre, ou era o fran- manecer~m quietos atrás dos sacos até que o fogo
cês um mentiroso meio débil? Para descobri-lo, Mascar- cessou.
dó ordenou que se fizesse um reconhecimento depois do Estava amanhecendo quando alcançaram o refei-
anoitecer. tório com o último saco. Moscardó retir?u-s.e para a ca-
Na noite de três de agôsto, vinte homens saíram pela da Academia, a fim de agradecer a. ~rrgem do Al-
do refeitório, saltaram as grades queimadas do Pica- cázar. Moscardó era olhado pe~a g?arniçao _com reno-
dera e começaram a se arrastar cêrca de noventa me- vado respeito: êle não lhes havia dito que nao se preo-
105
104
cupas Sem que Deus proveria?
C ·t-
Até aqui, êle havia sido
e explos.ões. Havia bastante combustível para acionar
um apurado profeta. O. api ao V~ Ia ca Icu Iav3; ~xistl-
. .
a motocicleta durante sessenta e oito dias. De me1·
rem dois mil sacos de tngo no celerro,. o n~c~ssar1o pa- . h ora a mo t oc1c
. 1.et a t·1nha que parar para esfriar
a em
ra suprir-lhes de pão por um tempo mdeflnido - tão me1a
longo que não podiam prever.
o. motor. Tentando aJudar, um pelotão de guardas-ci-
VIS lanç?u-se apressadamente para um carro que esta-
Converter os grãos de trigo em alimento era o va estacionado na esplanada oriental, apanhou e trou-
maior problema. O primeiro recurso foi cozinhá-los com xe-o pel~ passagem curva para dentro do Alcázar. Quan-
ensopado, mas_ os es~ômagos. já .em?rulhadc:s pela ~or­ do eq~u1do com um mac~co, funcionou melhor que a
ragem ruim nao podiam mais digerrr os graos. Multas motocicleta, mas consumia muito mais gasolina e ti-
soldados já estavam tão enfraquecidos pela disent eria ver~m que vol~ar para a AHarley Davidson. Embora 0
que mal podiam escalar as tôrres para tomarem seus moinho pr?duzisse uma. borra grosseira de trigo em lu-
postos. Os grãos em bruto foram distribuídos a seguir gar de fannha verdadeira, o produto parecia ser mais
para que cada pessoa os triturasse ou fizesse o que mais digestível. As queixas do estômago começaram a desa-
lhe conviesse. Os mais engenhosos resolveram o pro- parecer.
blema. Alguns empregavam pedras, como pilão, com as
quais batiam os grãos nas lajes do porão até t ra nsfor- No Alcázar havia um grande fogão de campanha.
má-los em farinha; outros usavam as cápsulas das bom- A.ssim como os cal~eir?es de ensopado, tornou-se o prin-
bas explodidas como almofariz, embora se queixassem cipal alvo dos artilheiros republicanos que descobriam
que a farinha ficava com gôsto de trilita - TNT. Pou- sua localização pela fumaça denunciadora. Teve que
cos tiveram a sorte de um guarda-civil que surrupiou ser mudado de lugar quatro vêzes durante o cêrco _
um almofariz e pilão neolítico do departamento de ar- da cozinha para a piscina, para o patamar da escada
queologia do museu e descobriu que o aparelho era es- principal e finalmente para o subporão da ala sul. Uma
pantosamente eficiente. O Alcázar retornou temporà- das primeiras perguntas que se fazia aos desertores era
riamente à Idade da Pedra. Como muitos estavam fra- sôbre a atual situação da cozinha e do fogão. Onde quer
cos e doentes e não podiam moer a própria farinha a que estivesse, o fogão era coberto com entulho e lixo
junta resolveu preparar o trigo para todos. ' como isolante. Em doze horas de operação eram assa-
Havia um moinho pequeno que fôra usado para tri- dos mil e setecentos pães em forma de bisnagas com
turar comida dos animais, mas não possuíam enerO'ia quinze centímetros de comprimento e pesando cêrca de
para operá-lo. Os irmãos Labandera, porém, solucio~a­ cento e vinte gramas. Na côr, forma e textura lembra-
ram o pro?lema construindo uma posição fixa para vam excrementos de cachorro depois de muitos dias de
u~a motocicleta Harley Davidson e passando uma cor- estagnação; um dêstes e duas porções de ensopado com-
reia de couro pela roda traseira e o rolête do moinho prendiam a ração diária do Alcázar, de primeiro de
de forragem. ou.tra correia aciona va o gerador que car- agôsto em diante. Além disso, havia duas gulodices que
reg~~a. as batenas usadas para funcionar o rádio. Os eram preparadas tôdas as vêzes que alguémA acumul~­
p~II~Iais, que antes andavam em motocicletas foram va ingredientes : uma era trigo tostado a seco depo1s
oficialmente apontados como "técnicos do moinho" e de separadas as cascas dos grãos; outra era "torta de
eram. responsáveis pela sua operação. Os tanques de cavalo" feita de massa de sebo de cavalo e trigo esma-
gasolina ~os auto!llóveis e caminhões estacionados nos gado. Uma mulher inventou uma receita especial par:-
terraços tinham sido esvaziados para impedir incêndios suas tortas de cavalo e guardava zelosamente o segre-
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do como um cozinheiro-chefe .. To~os que as provavam reram, por f~~' às árv?res do terraço. Experimentaram
concordavam que eram expec1ona1s. tôdas - acac1a, eucallpto, elmo e amora _ e a acá-
Tendo descoberto o esconderijo do trigo, Moscardó cia to;~ou-se a escolha, do especialista (e também 0
achou melhor que êle ficasse em paz onde estava. Me- temerarlo J?orque estas arvores encontravam-se nas po-
lhor do que transferir tôda a provisão para o Alcázar siçõe~ varnd~s P.elo fogo in~igo). As pétalas das ro-
em noites sucessivas, seria enviar pequenos grupos pa- sas secas do Jardim da supenntendência forneciam uma
ra transportar os sacos de que necessitavam. Podia tragada agradá":el, embora ~uito" fraca; o pior substi-
presumir que os republicanos descobrissem os celeiros tuto era o eucallpto, que multas vezes enjoava o fuman-
pelos interrogatórios dos desertores ou pela observação te. Certa vez um soldado caiu de um pé de acácia
de movimento desusado naquele setor à noite. Persistiu quando uma bomba explodiu próximo, mas voltou tri-
porém, em seu plano de buscar sàmente o que a guar~ unfante, trazendo um punhado de fôlhas. Pelo menos
nição necessitava. Nem mesmo procurou fortificar as um homem perdeu a vida numa cilada clássica: a isca
casas das vizinhanças. Era evidente que a milícia po- foi uma carteira de cigarros colocada na janela de uma
dia instalar algumas metralhadoras do outro lado da casa aparentemente abandonada que estava realmente
rua e interceptar a principal fonte de alimento do Al- cheia de milic~anos. Perguntado· sôbre o que pensava
cázar. O que se passava na cabeça dêste homem curio- que pudesse aJudar a moral da guarnição, um guarda
so? Acreditava êle que como presente de Deus o celei- respondeu áspero: "Comer menos e fumar mais." En-
ro não exigia defesa? Talvez imaginasse que se os re- tretanto, se alguém tivesse menos para comer provà-
publicanos o tomassem Deus forneceria outra, provàvel- vellnente não teria condições para fumar.
mente melhor localizada. No dia 4 de agôsto, os observadores das tôrres con·
Com exceção de algumas provisões particulares o taram 140 projéteis, dos quais a maior parte martelou
fumo tinha desaparecido do Alcázar. As pequenas ~e­ a passagem curva. No dia seguinte foram lançados se-
servas de cigarros das lojas da Academia tinham-se es- te na entrada norte. Depois os canhões permaneceram
gotado. A guisa de compensação o Capitão Cuartero silenciosos por quatro dias. O cessar do fogo não foi
ãistribuía simples papéis de cigarro em estoque e ca- planejado. Aconteceu porque os republicanos esgotara~
da soldado recebia duzentos - todos lindamente deco- as provisões de projéteis e os artilheiros estavam requi-
rados com o sêlo da Academia de Toledo. Os fuman- sitando transferência da frente de Toledo. A maior par-
tes que ~inda gu_!trdavam viva lembrança dos Havanas te dos artilheiros treinados eram soldados da ativa, e
ou que tinham força para superar o vício deixaram de con1o tal continuamente criavam dificuldades com a
fumar iJ?-teiramente. Aquêles de gostos menos fastidio- milícia anarquista que controlava as oper~çõ.es. A an-
sos, varnam as salas procurando resquícios perdidos de tiga suspeita dos anarquistas contra o E~e:c~to expl,o-
diu violentamente como resultado do ep1sodio Duran
f~.o e desencravavam farelos entre as lajes com uma
lamma ~e barbear. Com freqüência, grupos de três ou que parecia confirmar a desconfiança.
quatro lnnpavam o chão e contribuíam com a recom- Poucos dias antes 0 Tenente Mercedes Durán com-
pensa par~ obterem um único cigarro que, então, pas- pareceu ao Comitê de Defesa na prefeitura e pediu, sua
sava de boca em bôca. designação para um canhão que bombardea~a o. Alcaza:.
. Os homens realizavam coisas fantásticas para sa- Uma vez que a milícia ne~ess~ta~a de a~llherro~ trei~
nados - os papéis de Dur~n mdicav~m Isto - ele fo1
tisfa~er sua n~cessidade de fumo. Tendo experimenta-
do canhamo, fiapos de fazenda e palha de trigo recor- enviado para Alijares e foi-lhe confiado um dos que
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a fachada leste. A primeira coisa que co de cair numa cilada. Outros, irritando-se por esta-
bombardeav am , . Q d ·r ·
i:le fêz foi mudar a ~ra.jeto~a. uan ~ um mi Ic.Iano, rem confinados, s~íam para fingir que estavam atacan-
olhando alarmado, avisou-o de qufe. o a vot :r~'Emais .al- do o ini~igo. Ma1s por uma questão de honra do que
T ente Durán respon eu namen e. u sei 0 por proveito, os me~bros d~ Falange (muitos dos quais
to, 0
t~~ fazendo." Era um especialista em artilharia filhos de homens ncos, aflnal de contas) competiam
que es que esqueceu de avisar-lhes foi que era nacio- uns com os outros para ver quem traria o maior tro-
I mas. ta
na 1IS
arou
o até os ossos. Antes de ser Impe
,
.
sete projéteis: quatro ca1ram
d.d
I o, D uran
na. f !l''b nca
.
, .
dis-
d e ar- féu. Os resultados eram insignificantes. Se um razzia
ajuntava cuidadosamente duzentas e cinqüenta gra-
I p as dois no correio (o quartel do Comlte de Defesa e
:a 'Cheka) e um no seminário ~cu pado pela milí~ia
mas de café e uma caixa de sal, era o bastante para
ser anunciado no El Alcázar. Pedro Villascusa chefe da
I anarquista. Ainda que os danos fossem leves, o efeito
foi ruinoso para o ânimo dos republicanos. O tenente
Falange, apropriou-se de dois frangos e div~rsos ovos
descendo por uma corda de uma janela da ala oest~
I foi fuzilado no mesmo dia, e suas últimas palavras fo-
ram: "Servi ao meu país. Viva a Espanha." Daí em di-
e efetuando uma batida numa moradia dos arredores.
o Capitão Emilio Vela obteve permissão de Moscardó
ante, errar o alvo na frente de Toledo poderia custar para ligar um cabo elétrico na zona republicana e es-
a vida a um oficial. A milícia com pistolas carregadas tender um fio de volta, de modo a melhorar o alcance
jnvestigava cada movimento dos oficiais "legalistas" do rádio. Ajudado pelos falangistas, Vela rastejou pe-
oue dirigiam o fogo de artilharia contra o Alcázar. 1 las balaustradas queimadas das casas abaixo do Zigue-
· Desde o princípio do cêrco, pequenos grupos saíam zague, mas descobriu que os cabos e fios tinham sido
da fortaleza às escondidas para recolher sobras nas ca- derretidos pelo fogo. Em seguida, tentou as casas no
sas vizinhas. O propósito dêstes razzias era trazer ali- quarteirão do Coralino, onde conseguiu estender um,
mento para a enfermaria, mas cada incursão tinha seu mas foi interrompido quando um cão traiu a sua pre-
motivo pessoal. Uma vez que um pedaço de salsicha po- sença. O Alcázar nunca estêve tão próximo de obter
dia ser vendido por quarenta pesetas (cêrca de dois mil corrente para os transmissores da Guerra Civil. Apenas
cruzeiros) e um charuto por cem, alguns dos soldados o receptor funcionava e ainda assim muito fraco.
mais pobres aproveitavam a oportunidade para adqui- Enquanto isto, os aviões republicanos continuavam
rir dinheiro fácil, mesmo sabendo que era grande o ris- a bombardear esporàdicamente, decolando de sua pis-
ta de pouso em Getafe. Não importava q?antas vêzes
1 - O episódio Durán pode ser uma lenda engendrada eram avistados para o lado norte do honzonte, voan-
depois de terminado o cêrco, embora faça parte da história do vagarosamente para Toledo pois alguém sempre nu-
"oficial" do Alcázar, registrada por diversos historiadores na- tria uma falsa esperança gritando: "Desta vez é um dos
cionalistas. Que pelo menos um artilheiro foi morto pela mi-
lícia está fora de dúvida. AI Uhl, um correspondente da As- nossos!" Nunca eram. Aquêles que duvidavam que bom-
sociated Press, visitou várias vêzes um oficial de artilharia bas podiam destruir o Alcázar mudaram de idéia de-
que dirigia o fogo contra o Alcázar, mas quando Uhl um dia pois do ataque de oito de agôsto. Exatamente antes d~
não o viu mais, foi informado por um miliciano, "nós tive- oito da manhã, um único trimotor ~ançou deze~selS
mos que matá-lo. A princípio êle apontava as armas contra bombas de cinqüenta quilos. Quase todas explodiram
? ~cázar e dávamos golpes certeiros. Então, um dia, os pro-
Jéteis passavam pelo Alcázar e caíam nas nossas fábricas de nos Capuchinhos e reduziram o v~lho convento a ~.a
munição do outro lado. Devia ser um êrro, mas quando o êr- casa ôca. Os músicos da Academia e os gua:?as-clv~s
ro a~onteceu dura~te sete dias consecutivos compreendemos que o defendiam morreram queimados sob os tiJOlos, Vl-
que ele era urr.. traidor, e por isso o matamos".
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gas de madeira e tetas arria~ os. Olhand.o. P.ara êle, das va. O Major ,Parada, entre~anto, preparara-se para um
ianelas do Alcázar, Moscardo e seus oficiais constata- a~aque ~e gas. Por ~uges~ao de um farmacêutico, ha-
i-am que as posi~õe~, de defesa: ao sul haviam si~o. des- via empilhado madeua seca em cada canto do , t·
truídas. A milícia Ja se mov1a pelas casas proxrmas, Ate0u-lhe fogo com gasoUna e uma súbita rajaa: ~·
consciente de que se pudesse ocupar os Capuchinhos ~r _quente varreu do Alcázar tôda a fumaça do gás. o~
interromperiam as comunicações do Alcázar com tô- a~1m~s acalmaram-se quando a multidão apavorada
das as dependências leste. Alarmante era saber que ela fo~ av~sada de que as bomba~ c?nt~nham apenas gás la-
poderia então ter acesso à passagem curva e portanto crlrneJante: O ataque. pare~1a 1nd1car que gás veneno-
aos pontos vitais do Alcázar. Moscardó e Romero apres- so- a . .co1sa que ma1s tem1am- não seria empregado
saram-se em reforçar os homens nas janelas superio- contra eles.
res do lado sul, onde poderiam derrubar cada milicia- , . Dia 9 de agô~to era ~omingo, um dia em que a mi-
no que por aí se aventurasse. Ao mesmo tempo novos l~c~a, reforçada pelos tunst~s d~ Madri, sempre inten-
reforços foram enviados aos Capuchinhos, acom'panha- sificava os ataques. Os pnmeuos clarões trouxeram
dos pelo Tenente Barber, o engenheiro, para evacuar uma barragem de artilharia, um ataque aéreo e um
os feridos que gritavam por socorro. Cavando sob 0 paqueo de tal ferocidade que os defensores ficaram aler-
monte de escombros, levaram o resto do dia. Consta- tas todo o dia, esperando um assalto do norte. Embo-
taram que de uma fôrça de trinta homens quatro ha- ra êsse não se realizasse, a fôrça que defendia o Go-
viam morrido e seis estavam seriamente feridos. Dois bierno foi tão assediada pelo fogo do Santa Cruz que
corpos não foram encontrados. O calor de agôsto tor- nove soldados aguardaram até a noite e desertaram
nou êste setor o mais nauseabundo da defesa. Os sol- para o inimigo descendo para Calle del Carmen por
dados postados nas ruínas atavam lenços ao rosto e ain- meio de cordas. Alguns dêles, inclusive um cabo, Felix
da assim .não podiam controlar os vômitos. Com o tem- de Ancos, juntaram-se à milícia e foram vistos por seus
po, o cheiro desapareceu, mas os ratos ficaram. companheiros anteriores nas janelas do Santa Cruz.
Quando o teto desabou, um dos guardas-civis foi Quatro dias mais tarde outros sete seguiram-lhes o
~panhado pela madeira. A parede ruiu também tornan- exemplo. Para conter a onda de deserções, a Guarda
ao-se um alvo para a milícia localizada num~ casa a Civil reforçou o destacamento do Gobierno e dobrou o
alguns m.etros adiante. Como estavam expostos aos ri- número de oficiais. Daí por diante, punia-se com amor-
~es das Ja~elas do Alcázar, os milicianos atiravam a te aquêle que possuísse uma corda.
esmo e os tiros perdiam-se. Depois de uma hora e meia Para que o Alcázar pudesse ser alvejado à noite e
o guarda foi libertado pelo Tenente Barber. de dia os republicanos instalaram, em pontos estraté-
Enquan~o a operação de salvamento era realizada gicos, 'poderosos faróis, ~on~iscados de um estúdio de
nos Capuch~hos, outro avião republicano lançou três cinema em Madri. O pnme1ro apareceu no Castelo de
b~mbas. C~uram exatamente no centro do pátio, mas San Servando, do outro lado do rio, perto da ponte do
nao exp~odira~. so;,ta,ram uma fumaça espêssa e quan- Alcântara e iluminava tôda a fachada leste, fazendo
d? alguem ~ntou gas", o Alcázar foi tomado de pâ- incursões até o perigoso celeiro. O outro foi instalado
nico. A medida que o vapor se infiltrava nos porões 0 no final da Calle del Carmen, no ponto em que a rua
povo aco.tovelava-se e comprimia-se nas escadas t~n­ desemboca no Zocodover e iluminava as janelas do
t~ndo sair do edifíc~o. Tivessem êles conseguido ~ esta- Gobierno de tal modo que dificultava a visão do San-
nam expostos aos nfles da milícia que fora os espera- ta Cruz, a poucos metros de distância. Com o tempo,
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mais um colocado no Zocodover, clareava a fachada para a Calle del Carmen. As chamas alastraram-se p~~
norte e ainda outro lançava se~s ~eflexos no extremo la rua mas não atingiram o Gobierno. Os solda~~s. at1~
sul. Das janelas os d~fe~sores so VI~am. mesmo as suas ravam granadas pelas janelas, obrigando a mll1c1a a
luzes tornando-se vis1ve1s e vulnerave1s. Como se tor- uma retirada de junto dos muros para o alca?~e dos
nava' difícil enviar destacamento de socorro para o Go- rifles da defesa. Os atacantes dispersaram-se rap1dos e
bierno, quer de d!a quer à noite, o Tenente ~arber "ca- escaparam em direção ao rio. Centenas de galões de ga-
vou uma trincheira rasa sob a rampa que ligava este solina, bombeados de um carro de bombeiros da ci-
ao refeitório, possibilitando arrastarem-se cêrca de cem dade tinham sido esperdiçados neste ataque frontal.
metros sem serem vistos pela milícia do outro lado do '
o Gobierno .-
não registrou baixas, mas a guarn1çao com-
Tejo. preendeu que tivera sorte.
Talvez a cena mais espetacular da guerra tenha Durante o dia seguinte, 15 de agôsto, houve u:na
sido o Alcázar sob os jatos luminosos, imaculadamente barragem de vinte e quatro horas, quando os republlca-
branco acima da silhuêta apagada da cidade escure- nos lançaram duzentos projéteis, num esfôrço para da-
cida, principalmente durante os bombardeios. Bafora- nifica-r a linha de comunicações entre o Alcázar, o San-
das negras brotavam das muralhas iluminadas, frag- tiago e o refeitório, as duas depend~ncias ,qu~ re~tavam
mentos cinzentos e poeira arremessavam-se para baixo a leste. Um trimotor com bombas 1ncend1anas JUntou-
e um ruído sêco reverberava na garganta do rio. Para se ao ataque. Até então, estafetas levavam mensagens
os espectadores podia parecer bonito. Os de dentro olha- a pé para os prédios vizin~os, mas os :erraços eram
vam com horror as paredes externas caindo pouco a agora tão varridos pelos estilhaços que eles se atrasa-
pouco e os faróis sondando cada vez mais perto. vam. o Tenente Barber estendia linha~ de t~lef?ne de
campanha ligando o. gabinete da supenntendenc1a com
Os jatos de luz eram hàbilmente usados nos ata-
ques noturnos ao Gobierno, os quais tiveram início no o Santiago e o Gobierno.
dia 14 de agôsto. A noite, um oficial de plantão num Enquanto isso, a milícia em Santa Cruz ~repara­
pequeno pátio perto do Santa Cruz sentiu um fino bor- va uma surprêsa para o Gobierno. Dura~:lte o di~ cava-
rifo caindo sôbre êle. Pensou, a princípio, que estives- ram um buraco fundo na parede interior ao niv~l .do
se chuviscando. Sentiu, então, o cheiro. Não sabia de segundo andar e ao anoitecer ?esloc~ram um unico
qual janela do Santa Cruz a milícia estava vaporizan- bloco de granito da parede exter1or, deixan~o uma J?e-
do o Gobierno com um j ôrro de gasolina. O oficial deu quena abertura de cerca de 30x30.cm. Atra~es de~a, ~t;=
o alarma, os homens da defesa arremessaram-se para traduziam o esguicho da manguerr3: que ficava Ill~lS 1
vel na escuridão e borrifaram o Gobierno com g~solin~.
as viseiras e começaram a atirar ferozmente através da
estrada, mas por causa do clarão era impossível deter- A maior parte do líquido entornou_ na cav~l~nça n~­
mero uatro o porão rente ao chao. Frenetlca~en e,
minar a localização da mangueira. Antes que tivessem o oíici~t enc~rregado ordenou aos hom_:ns que sais~em.
tempo de estudar o que deveriam fazer o jato de luz Então antes que a milícia atacasse, ele. mesmo a ~u
foi desviado e as portas do Santa Cruz 'toram abertas; fogoà gasolina. A cavalariça foi envolv1da pelas c ba~
antes que suas pupilas pudessem dilatar-se, os milicia- cobertores e jaquetas os defensorles a.~
nos atravessaram a estrada com tochas flamejantes e m as mas corn
favam o incendio que se a1as t rava para as sa
" .
. as1 VIZl-
do
lançaram-nas no pátio. O ataque veio como uma sur- nhas e ao mesmo tempo, os atiradores. das Jane as
prêsa completa, mas foi prematuro. A milícia não con- Alcáza~ obrigaram a milícia a uma retirada antes que
tava que uma brisa ligeira tivesse soprado o líquido
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atingisse a metade do caminho na Calle dei Carmen. ral." O sentido era claro: esta senhora teria morrido
Embora algumas salas ficassem danificadas o fogo não naquele dia determinado se estivesse ou não no Al-
enfraqueceu as paredes espêssas do Gobierno, que per- cázar.
maneceu tão defensável quanto antes. Pelo momento
os republicanos abandonaram a gasolina como arma de As provisões de água baixavam perigosamente. No
dia 10 de agôsto a ração diária de água para cada pes-
guerra. soa fôra diminuída para uma quarta parte. Durante
Com o Picadero e os Capuchinhos destruídos e 0 duas horas, tôdas as manhãs, um "diretor de água" su-
Gobierno sujeito a ataques diários, o cêrco parecia en- pervisionava o racionamento com a lista da quantida-
trar numa fase séria, mesmo desesperadora. Haviam de permitida a cada setor, enquanto um capitão da
morrido apenas vinte e cinco defensores e o número de Guarda Civil acompanhava e supervisionava o "dire-
feridos atingia a casa dos cem, incluindo os que sofre- tor". A água tornava-se um item proeminente no mer-
ram contusões com as quedas das paredes e tetas. Mais cado-negro. Não havia, agora, possibilidade de lavar o j
alarmante, porém, era o aumento das baixas à medi- corpo e a roupa. Envergonhadas com a sujeira, as mu- ~
da que as r,ar~des protetoras er.am destruídas pelas lheres passaram a comprazer-se com a escuridão dos
bombas, proJeteis e balas. Em meio de agôsto o núme- porões. Algumas raspavam o gêsso das paredes para
ro de desertores subia a vinte e um, e havia evidente- usar como pó de arroz (o gêsso já tinha sido usado pa-
mel?-te outros que desejav~m ir, mas faltava-lhes opor-
A ra salgar o ensopado). Certa vez, quando pingava, o
tunidade. Talvez fosse preciso mais coragem para deser- povo saiu dos porões para ficar no pátio com as fac~s
tar do que para resistir, pois corria-se o risco de ser voltadas para o céu, a fim de lavá-las. A água da pis-
ataca~o pela frent~ e pelas costas. No dia 11 de agôs- cina era reservada para os cavalo.s; contudo, o~ guar-
to, a Junta do Alcazar colocou um aviso proibindo ab- das fingiam não ver quando as cnanças aparec1am pa-
solutamente as conversações com o inimigo - incluin- ra apanhar uma caneca do líquid~ verde .e mucoso. Os
do a troca de obscenidades - e três dias depois sus- homens lavavam as mãos com unna. Anstocratas que
pendeu os razzias a não ser previamente aprovados pe- remontavam sua linhagem aos obscuros reis da E?pa-
la mais alta autoridade. nha, fizeram seus primeiros cantatas com os parasitas.
~ara preencher as fileiras enfraquecidas uma de-
Em virtude dos bombardeios na esplanada :e~te tor-
leg~çao de mulheres pediu permissão a Mos~ardó para nava-se perigoso ir ao refeitório para .a~ refe1çoes e .o
se Jun~ar aos J:omens nos parapeitos, como estavam as fogão de campanha e os grandes caldeuoes eram tra~l­
rep.ubllcanas. Ele ficou horrorizado. Mulheres de cava- dos para o Alcázar. Juntamente com ? Qu~rtel Santia-
l~eiros (e os guardas-civis eram, pelos menos temporà-
go refeitório transformou-se no maiOr posto. de defe-
0
:Iam~nt~, caballeros) deviam manter certos padrões. Era
sa' contra qualquer ataque que viesse do Corallllo. Pou:
co a pouco, os nacionalistas estavam sendo forç~dos a
Improprio P.ara uma dama matar republicanos. Pro- retirada no perímetro do Alcázar. Qu~s_e um mes .ha-
meteu re~etidamente que nenhuma mulher ou criança via passado desde a revolta da guarn~ç~o ma~:oqulna.
tornar-se-la uma fatalidade para o cêrco. Tinha empe- Onde estariam Franco e Mola? A Rad1o Un1ao nada
nhado a palavra como cavalheiro e os oficiais eram obri- dizia. Ficavam assim hermeticamente separados do
gados a honrar ~sta promessa. Assim, quando uma ve-
3I:_a morreu n? dia 11 de agôsto, foi enterrada num cai- mundo exterior.
Embora os irmãos Labandera tivessem abando_nado
xa~ de madeira (em vez de na habitual capa de col- o trabalho no transmissor como infrutífero, contlnua-
chao) no qual estava escrito: "Morreu de morte natu-
117
116
/

vam aumentando a cadeia de recepção: dur~n~e todo e 0 rádio de Madri cost,umavam rid~cularizar ~s "l,o';I-
dia, um estenógrafo sentav~-se ao lado do .r~dlo ope- cos aprisionados no Alcazar" conduz1dos pelo notono
rador, anotando todos os Informes tran~mlt1dos pela imbecil José Moscardó de la Mancha". A defesa come-
Rádio União. ~stes eram levados para a JUnta que os çou a sentir que agora tinham uma chance: se pudes-
sujeitavam a uma elaborada "análise da mentira" uma sem agüentar um pouco mais seriam libe:tados. Que a
vez que a censura_ republicana não permiti~ transmitir chance era pequena não import~va -.I?ols as espera~­
as notícias que nao assegurassem que as forças gover- ças remotas de um espanhol sao suflc1entes para all-
namentais ganhavam terreno. Não sabiam quase na- mentá-lo.
da até o dia 16 de agôsto, quando um locutor falou que Estas notícias foram oportunas pois viera:n ao mes-
0 General Queipo Liano tomara a cidade de Sevilha pa- mo tempo da mais horrível descoberta do cerco -: os
ra os nacionalistas. Aqui, pelo menos, havia prova de republicanos estavam cavando uma mina sob o Alcazar.
que a revolta tinha êxito na Andalucia. Inesperadamen-
te, apanharam a Rádio de Milão. Ouviram claramente
até o locutor iniciar a resenha de notícias da Espanha.
Neste ponto a recepção foi interrompida pela estática.
Moscardó e Romero ~ que se haviam lançado para o rá-
dio, sentiram-se amargamente decepcionados, mas or-
I I
denaram aos irmãos Labandera que conseguissem uma
pilha e vistoriassem o rádio novamente.
Na manhã seguinte, os trabalhos foram recompen-
sados pois chegava pelo ar a Rádio Lisboa, a estação
amiga dos nacionalistas. Na sala do rádio e no corredor
os alcazarenhos retransmitiam as notícias em trêmulos
sussurros, enquanto o estenógrafo escrevia: "Os nacio-
nalistas tomaram Sevilha. . . General Franco voou pa-
ra Burgos, a sede do nôvo govêrno nacionalista. . . As
estradas entre os Pirineus e a Andalucia estão abertas ...
Bilbao foi bombardeada pelo cruzador nacionalista Al-
mirante Cervera. . . A legião e os mouros tomaram Mé-
rida e Badajoz e estão agora avançando para Madri ... "
Quando o locutor terminou, aplausos e vivas ecoaram
pelo Alcázar.
Os mapas foram arrancados dos livros de geogra-
fia e serviam para decorar as paredes das salas e dos
corredores, indicando o progresso do exército do sul. O
fato de Mérida ficar a cêrca de 33 quilômetros de dis-
tância e da coluna motorizada movendo-se para Madri
encontrar maior resistência republicana quanto mais
perto estivessem da capital, não os afligia. A imprensa

118
escuta para determinar a direção de onde vinha o tú~
nel e calcular o tempo para atingir o Alcázar. A úni-
ca maneira de destruir a mina seria localizar a sua
VI bôca em uma das doze moradias que ficavam do outro
lado da Cuesta del Alcázar.
A Descoberta Mesmo que a origem da mina fôsse descoberta, era
improvável que fôsse capaz de ser atingida e muito me-
nos destruída. Tôdas as casas do outro lado da Cues-
ta estavam infestadas de milicianos e as barricadas blo-
queavam tôdas as ruas e vielas das imediações. A ten-
Nas primeiras horas do dia 16 de agôsto, um sol- tativa, porém, tinha que ser feita e o Capitão Vela, vo-
dado ferido, deitado numa das salas do porão da ala luntàriamente, ofereceu-se para dirigi-la. t:le e Barber
oeste, começou a gritar. Num semidelírio, dizia ter ou- ficaram horas nas salas superiores, estudando o intrin-
vido o ruído de um grande inseto arranhando debai- cado emaranhado de casas junto à fachada da Acade-
xo da terra. Para consolá-lo, outros ouviram também mia e nos porões, tentando obter a verdadeira direção
o som - um longínquo ruído de escavação, interrom- do ruído subterrâneo. Enquanto isto, Cayetano Rodri-
pido de tempos em tempos por um ribombar distante, guez Caridad, um jovem guarda-civil experimentado em
como se fôssem cavalos escoiceando as baias. Pela ma- minas do Rio Tinto, ajudava voluntàriamente Barber
drugada as famílias dos camponeses foram arrebatadas a descobrir e traçar o mapa do túnel. A guarnição no-
pelo terror: acreditavam que o demônio estava cavan- tou com satisfação que o matronímico:l Caridad, pare-
do em sua direção. cia providencial.
Horas mais tarde, o Tenente Barber, com um es- A mina republicana foi idéia de uma mulher, Mar-
tetoscópio emprestado pela enfermaria, ascultava as la- garita Nelken, deputada socialista da Câmara. Quan-
jes do chão e as paredes da ala oeste. Ouvia nitidamen- do o Alcázar deixou de se render pela fome, el~ tele-
te uma perfuratriz pneumática e pequenas explosões grafou a vinte e cinco mineiros asturianos: "Prec1so de
de dinamite. Pensou, a princípio, que os republicanos vocês. Devemos fazer ir pelos ares o Alcáz~r." Nada po-
estivessem arrancando as lajes das ruas da cidade pa- deria agradar-lhes mais do que a oport?nidade de des-
ra fazerem barricadas ou abrindo velhos poços, uma vez truir o berço do exército espanhol, pois, ?a Espanha,
que os canos de água tinham sido cortados. Mas quanto os militares eram mais odiados pelos astur.Ianos do que
mais êle escutava mais apreensivo se tornava. Os sons por qualquer outro gru~o. Exa~amente do1s a?os antes
só poderiam significar uma coisa: os republicanos es- tinham sofrido sob a lei marcial, quando unidades do
tavam cavando uma mina debaixo do Alcázar. exército, comandadas por Franco, sufo,c~ram a revol~a
dos mineiros. Melhor treinados e politicamente mais
Moscardó e sua equipe, que observavam ansiosa-
sofisticados que os outros operários da Espanha, t<:ma-
~ente a operaçã? de B~rber, queriam saber o que pode-
riam fa~er. Sen:: passivei, por exemplo, lançar uma ram as fábricas e minas e ordenaram qu~ o ~o~erno
contr~mma. no tunel? Barber julgava que não, porque
cumprisse seu programa de reforma~ semi-soc1allstas.
o -Alcazar , ficava ajustado a um leito de rocha viva e Não esqueceram o que as tropas, especialmente de mou-
nao possuiam outras ferramentas além de pás e pica- ros fizeram ao povo e em particular às mulheres. Co-
retas. O melhor a fazer seria estabelecer um pôsto de mo' resultado da crise asturiana, Franco tornou-se um
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patife para os esquerdistas e um herói para os direi- horas da noite do dia 19 de agôsto e moveu-se furtiva-
tistas. mente pela Cuesta. (Por causa da declividade aciden-
os asturianos temiam q~e os n.a~ionalistas pudes. tada da coluna, a luz do farol no Zocodover iluminava
sem destruir um túnel, e ~ssim deci~ilram cavar para- apenas as janelas superiores do Alcázar.) Treparam
lelamente dois- um term:nado na torre sudoest.e e ou- nos telhados das casas baixas, atravessaram os cômo-
tro sob a muralha oeste, cerca de 15 metros mais para dos desertos, até alcançarem a casa designada. Ràpida-
0 norte. Uma vez que ê~ses túneis atingiss~m .o Alc~­ mente ensoparam-na com gasolina e voltaram enquanto
zar os asturianos cavanam buracos, depositanam di- o Capitão Vela amarrava duas granadas na ponta de
ver~as toneladas de TNT e detoná-las-iam em seguida. um fio e as arremessava pela janela. A explosão resul-
como entrada para os túneis, escolheram duas casas tante colocou em movimento todos os rifles quando a
na Calle de Juan Labrador, uma rua que passava para- milícia despertou, mas Vela e seus companheiros to-
lela a Cuesta, dois quarteirões a oeste. A~ casas tinham maram apressadamente seu caminho e chegaram a sal-
um pátio de bom tamanh? :r;ar~ depositar o,.. entulho vo antes que a milícia cercasse a área. Notificou-se que
sem ser visto da rua. A distancia entre as bocas das a casa tinha sido destruída e Moscardó trouxe uma
minas e o Alcázar era de aproximadamente sessenta e das últimas garrafas de champanha da Academia pa-
três metros - distância insignificante para os astu- ra beber à saúde do "Esquadrão da Morte".
rianos que eram trabalhadores fortes e entusiasmados. Na manhã seguinte, entretanto, o soldado em delí-
Calculavam que trabalhando simultâneamente nos rio começou de nôvo a. gritar. O Cabo Rodriguez Cari-
dois túneis, o barulho confundiria os _cálculos dos na- dad e Tenente Barber foram com Moscardó para o po-
cionalistas e, para aumentar a decepçao, colocaram os rão onde ouviram o som da escavação. Tinham des-
compressores um pouco mais embaixo, conservando-os truído a casa errada. A milícia parecia enfurecida por-
em movimento para que o som das máquinas pareces- que o paqueo era pesado. Durante uma calmaria no ti-
se originar-se de diferentes lugares. Os republicanos au- roteio os soldados ouviram pelas janelas da banda oes-
mentavam os homens no setor de Toledo. Uma unida- te uma voz escarnecedora do outro lado da Cuesta, "Ve-
de especial da milícia, que se chamou "Aguias da Li- nham, fascistas bastardos, tentem de nôvo! Tentem de
berdade" tinha a missão de defender as casas onde os nôvo!" A noite, o farol na tôrre da igreja de Madalena
túneis eram abertos. Os mineiros trabalhavam o dia iluminou a Cuesta. Não era prudente enviar o "Bata-
todo em quatro turmas. Ninguém tinha licença para lhão da Morte" pela estrada iluminada. Teriam que
se aproximar, a não ser que entregasse a contra-senha aguardar um momento mais propício.
que era mudada duas vêzes por dia. O progresso foi rá- Todos tinham uma única pergunta pa.ra o Tenen-
pido no início porque os mineiros usavam o velho pro- te Barber e o Cabo Rodriguez que estabelecera um pôs-
cesso de drenagem mourisco sob as casas, mas logo ti- to de escuta durante vinte e quatro horas no porão oes-
veram que usar dinamite para deslocar a sólida rocha. te: que prejuízo causará a mina? Por ordem direta de
Estas eram as explosões que se ouviam no Alcázar co- Moscardó êles diminuíam os perigos, mas poucos eram
mo um escoicear de ca valas. tolos. Compreendiam que em breve estariam_ sentados
Quando Vela e Barber pensavam ter localizado a num vulcão. As reações variavam. Alguns nao davam
entrada da mina, o "Esquadrão da Morte" constituído atenção ou confiavam na Providência, os mais fracos
de falangistas voluntários comandados por Vela esca- praguejavam contra a sort,e: Os mais. v~lhos lamer:ta-
pou pelas janelas perto do portão das viaturas, às onze vam que deixariam a familia; os ma1s JOVens quelxa-
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vam-se por não terem família para deixar. O tempo ar- Exas12.,erado com isto, êle berrou com tôda a fôrça dos
rastava-se. o povo começava a alegrar-se com o som pulmoes: "Carrión, Caarrión !" A algazarra no pátio in-
do paqueo que engolia os ruídos débeis da mina abusiva. terrompe~-se de pro~to e os rostos espantados volveram-
o fogo de morteiro contra o Alcázar começou no se para c1ma. Alguem bradava "Avión!" e a multidão
dia 19 de agôsto e contra esta arma o sistema de alar- a.cotovelava-s~ nas es~adas em busca dos porões. o pá-
ma era inútil. As balas principiaram a cair no pátio da tio estava vaz1o. Dep?!s de esgotarem-se os minutos sem
Academia e no Gobierno e os observadores das tôrres qualquer. som d~ av1oes um oficial botou a cabeça de
não podiam precisar onde estavam colocados os mortei- fora .e v~u Garndo e. Carrión completando a ligação.
ros, embora parecesse que estivessem no pátio do Santa Enra1vec1do pelo que JUlgava uma pilhéria, perguntou:
Cruz. Neste mesmo dia as provisões de leite condensado - Você viu avião?
baixaram tanto que o restante ficou destinado aos feri-
dos. A crianças ficavam sem as rações diárias : 90 gra- - Não senhor.
mas tirados com uma concha de uma vasilha onde três - Então, por que diabo você gritou avião?
latas de leite condensado eram misturadas com 45 litros - Eu estava apenas gritando, Caaarrión!
de água. Para levantar os ânimos, Moscardó assegurou O oficial divertiu-se com a explicação de Garrido.
li aos leitores do El Alcázar que a coluna de libertação es-
tava caminhando ràpidamente na direção de Toledo. Co-
Voltando-se para Carrión, perguntou
- Qual é seu nome de família pelo lado materno?
li locou no pátio e na esplanada leste grande telas de lo-
na em proveito dos aviões nacionalistas. (Nenhum ti-
nha, porém sido visto.) Escritas nas telas liam-se as pa-
- Moralez, senhor.
- Muito bem, Carrión, durante o resto do cêrco
lavras "Nós estamos resistindo", seguidas de setas e nú- você vai ser Moralez.
meros indicando a posição e distância das baterias re-
publicanas. Chegaram notícias piores dos artilheiros ob- Moscardó não achou graça no episódio. D-ias mais
servadores. Avisavam que os canhões de 155mm estavam tarde, quando sucedeu um fato quase idêntico (desta
sendo montados em Dehesa de Pifi.edo e Alijares. vez com um soldado chamado Cienfuego) , êle publicou
uma ordem proibindo qualquer pessoa, exceto os ofi-
Na manhã seguinte, o Alcázar foi alertado para pre- ciais de gritar no pátio.
parar-se para a barragem dos 155mm e os observadores
perscrutavam as bases inimigas, assinalando o mais le- A barragem dos 155mm chegou poucas horas de-
ve sinal de atividade. Os nervos estavam por um fio pois pois que Garrido evacuou o pátio. Seu alvo foi a entra-
os 75mm e 105mm já haviam causado grande dano. O da principal no terraço norte e os estragos foram alar-
que um 155mm seria capaz de fazer? mantes. Ainda que só tivessem atirado vinte e cinco
vêzes, as peças de verniz da Renascença caíam do Al-
, C! pátio. estava cheio de gente que desejava respirar cázar como nacos de glacê de um bôlo de casamento.
a ultima br:sa fresca antes que o canhoneio os forçasse Ao cair da noite, a junta convenceu-se de que o inimi-
para os poroes. Os guardas Garrido e Carrión trabalha- go tencionava abrir uma passagem na parede norte, de
vam na antena do rádio. O primeiro trepado na arcada modo que um tanque pudesse conduzir um ataque pas-
superior segurava o fio da antena na mão e o segundo
que ~e SUJ?unha estar fazendo a ligação desapareceu. sando pelo Gobierno, subindo pelo Ziguezague e pene-
Garrido ~ntava p~ra o povo embaixo perguntando se ti- trando no pátio. A não ser que se mantivesse o Gobier-
nham VIsto Carrión, mas ninguém prestava atenção. no, não haveria, naturalmente, defesa contra êste plano.
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Tendo verificado o raio de ação, o 155mm apontou •
os observadores preparavam-se para uma explosão. Na-
deliberadamente para a parede norte, no dia seguinte, da aconte~eu. _o avião fêz uma volta completa e retor-
atirando sessenta e oito projéteis. Quando cortavam o nou na d1reçao sudoeste. Pelo que sabiam não havia
ar, os projéteis produ:iam um som ~e sêda rasgada. am- campo de pouso naquela direção; gradualmente come-
pliado milhares de vezes. Nos dez dias que se seguiram çaram a compreender que podia ser um avião de reco-
explodiram mais de trezentos dêles, próximos ao por- n_h~cimento nac~onalis~a enviado por Franco para ve-
tão principal, até que a própria entrada ficou comple- rificar se o Alcazar a1nda se mantinha firme. Sabia-
tamente soterrada pela alvenaria caída. No meio da pa- se que o Exército Africano estava em algum lugar na-
rede norte as salas internas ficaram expostas ao fogo quela direção.
da metralhadora da tôrre da Igreja Madalena, que dêste
modo foram destruídas também. As salas do terceiro Os ânimos ficaram momentâneamente arrasados
pavimento acabaram-se; as do primeiro ficaram enter- quando .poucas horas mais tarde dois aparelhos republi~
radas. Do terraço norte, um imenso monte de escombros canos v1eram do norte e lançaram doze bombas e enor-
alcançava as janelas do segundo andar e descia até o mes latas ?e ~eite cheias de gasolina que se espalhou
sem ser atingida pelas bombas. Durante todo o dia o
pátio. Havia aqui uma trilha perfeita para um tanque paqueo originado de San Servando do outro lado do Te-
atacar. . foi. mais pesado que de hábito.' O Coronel Romero
JO,
A pressão contra o Gobierno aumentava; as inves- ordenou aos guardas-civis que tomassam posições nas
tidas com gasolina ocorriam quase tôdas as noites e os janelas leste e às cinco horas abriram fogo contra o
morteiros martelavam-no diàriamente. O interior era castelo. Durante quinze minutos esvaziaram seus rifles
uma destruição: objetos inflamáveis, mesa, mobília, na fortaleza republicana e conseguiram silenciá-la. Por
soalho sôlto e substâncias químicas dos depósitos mili- enquanto parecia que o inimigo tivera bastante e os
tares - eram empilhadas no pátio e queimadas para guardas retornaram a seus postos, exultantes com o
reduzir a ameaça de uma conflagração geral. Os ri- trabalho do dia.
fles e metralhadoras do Santa Cruz eram incessantes
dia e noite; os defensores gastavam mais tempo remen~ Na hora da refeição da noite, às seis e meia, um
dan.d~ s~cos de areia nos parapeitos do que atirando
atirador na tôrre sudoeste notou outro avião dirigin-
no mimigo. Os homens estendiam telas de arame nas do-se para o Alcázar tão baixo que parecia arrancar
janelas mais baixas para que as granadas atiradas das os telhados. Antes que tivesse tempo de alertar o oficial-
ruas voltassem contra a milícia. Cem homens manti- comandante, ê}e passou raspando como uma rajada de
nham o Gobierno - agora denominado "Esquina da metralhadora sôbre o edifício a menos de cem metros.
Morte".- e e_:am substituídos de quatro em quatro dias. Atirou uma grande quantidade de latas; elas bateram
violentamente mas não explodiram. Segundos depois o
Ve;o ent~o, ? 22. de agôsto, um dia que ninguém avião rumou para San Servando, lançou três bombas.
d.o ;\lcazar pode Jamais esquecer. O romper do dia coin- Ainda que errasem o alvo, as explosões encheram o
c:diu com um estranho incidente. Os observadores das
torres ou~iram motor de um avião, embora o céu esti- Alcázar de alegria. Todos gritavam: "Nossos aviões che-
vesse, ~az1o par~ o norte. Deram alarma para 0 pessoal garam." Abraçando-se uns aos outros os homens cor-
do patlo, ~as ainda não. tinham acabado de falar quan- riam pelos corredores e porões dando vivas até ficarem
do um av1ao passou acima de uma colina ao sudoeste roucos.
de Toled? e raspou .sôbre o edifício a menos de 150 me- Quatro recipientes de alumínio caíram em linha
tros. Muitos nao tiveram tempo de atirar-se ao solo; reta entre o portão das viaturas e a esplanada onde se

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abriram como melões maduros vomitando latas d~ leite, das para o gabinete do Superi?tendente e abertas. Numa
dinhas presunto conservas, chocolate em po. Um delas, enrolad~ numa bandeua monarquista vermelha
sa~ no p'a'ti·o e os 'outros do lado de fora. O Capitão e amarela havia uma carta. Moscardó leu-a alto com os
cuartero abriu caminho entre a mui"t·d-
caiu ·t d
I ao exc1 a a para lábios trêmulos e olhos rasos, de lágrimas: '
reclamar as provisões para o reembolso, , ~as era ta:de
para impedir o povo de apanhar ~s geleia~ e os graos "General do exército da Africa e do Sul
de café que se espalhavam no chao. ~s cnanças c.atc:- Uma saudação dêste exército aos bravos defensores
vam 0 pó de chocolate com o mesmo. gozo que os minei- do Alcázar! Estamos nos aproximando, nós os libertare-
ros na corrida para o ouro. - Considerando que o Al- mos. Enquanto isto, resistam. Até que chegue o momen-
cázar mantinha cêrca de mil e oitocentas pessoas, os to, poderemos ajudá-los um p_ouco. Vencendo todos os
suprimentos eram ínfimos, ~as eram prov~ tangível ,de obstáculos, nossas colunas estao avançando, destruindo
que não tinham sido esquecidos pelos amigos de :alem a resistência. Viva a Espanha! Viva os valentes defenso-
das muralhas. res do Alcázar!
Alguns não queriam nada daquele maná vindo do General Franco Bahamonde
céu. Achavam que era um avião republicano que lan- 22 de agôsto de 1936"
çara alimento envenenado para matá-los e atirara as
bombas em Sau Servando para enganá-los mais eficaz- O efeito desta curta e vaga mensagem foi eletrizan-
mente. Esta fantástica teoria lançou um silêncio nas te. Os oficiais choraram. A notícia alastrou-se pelo pátio,
celebrações. Moscardó viu-se impelido a pedir ao far- pelas escadas acima e pelas regiões fantasmagóricas dos
macêutico que analisasse o alimento no laboratório da porões. A carta foi fixada no pátio para que todos a les-
Academia. Existiam dúvidas se teria êle a experiência sem, admirassem e tocassem. Um único pensamento
e o equipamento para fazer tal análise, mas depois de dominava a todos: "Estamos salvos!" Não importava que
muitas horas trancado saiu para anunciar que nada es- o exército de Franco estivesse tão longe quanto Trujillo,
tava contaminado. a 240 quilômetros a sudoeste, nem que estivesse encon-
Neste meio tempo, os pesados canhões republicanos trando enorme oposição cada quilômetro que avançava
vingavam-se dos lançamentos de socorro para os nacio- pela estrada de Madri. Se resistissem o tempo bastante,
nalistas. Atiraram setenta e quatro projéteis na facha- Franco os salvaria.
da norte, tornando impossível enviar uma patrulha de A bandeira monarquista avisava-lhes que êste sím-
reconhecimento para procurar os recipientes que ainda bolo tinha sido adotado pelos nacionalistas. Mos-
restavam. Se poucos dormiam aquela noite não foram as cardá botou as mulheres fazendo botões de rosetas ver-
bombas que os mantiveram acordados, mas a esperança melhas amarelas. Ao pôr do sol, a bandeira foi colo-
que muitos já tinham quase perdido. Alguns chegaram cada no pátio e com um acompanhamento de rufar
mesmo a afirmar terem visto o Capitão Luis Alba na de tambores os soldados representantes de cada com-
cabina. panhia, ajoelhavam-se e beijavam-?a. Depois disso, foi
Ao raiar do dia, na manhã seguinte, houve uma ce- hasteada acima das paredes arruinadas do norte aos
rimônia na capela, na qual rezaram à Virgem para que últimos raios do noente. Cada homem recebeu uma
o socorro viesse logo. O Major Ricardo Villalba coman- roseta - feita de- velhos barretes estilo Navarra. Se-
dou, então, um destacamento até a esplanada leste para guiu-se um "banquete". Além do ensopado .de cavalo
recolher duas das vasilhas de alumínio que foram leva- e da ração de pão, todos receberam uma sardmha, uma
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,1·a e um naco de chorizo (salsicha espa-
colher de ge lemuito pouco, mas ·
muitos 1em b ravam-se O episódio mais incrível da defesa do Gobierno ocor-
nhola ) . Era . reu no dia 29 de agôsto. No outro lado do Gobierno uma
do milagre dos pães e dos peixes. "
Foram então lembrados. de que o cerco estava. longe ruela que desemboca na Calle del Carmen, na esquina
do fim durante o dia inteiro, ,quando os rep_ubllca~os noroeste do Santa Cruz. Durante as hostilidades , as ca-
sas do outro lado da viela foram destruídas de modo
mar t e1a' ram de pro]·éteis o Alcazar. Os· morteiross atln- '
iam as tropas no refeitório e nos a OJamen os an t·Ia-
1 t que o Convento da Conceição, que ficava atrás destas
go· um trimotor sobrevoou e lançou bombas e latas de ruínas, tinha uma visão completa do Gobierno. Sem o
:a~olina; cinqüenta petardos 155mm ca~saram tanto conhecimento dos nacionalistas, os republicanos insta-
laram um canhão de 75mm atrás da porta de madeira
dano nas salas sob a entrada norte que tiveram de ser
abandonadas para sempre. A milícia de Santa Cruz atra- d? c;onyent_? fronteri.ço à cavalariça número quatro; a
vessou a rua e lançou granadas pelas brechas das pare- distancia n~o era mais de setenta metros. Depois de abri-
li des do Gobierno. Abaixo dêles estava a implacável esca-
vação do túnel. Ainda assim os soldados em suas visei-
rem um painel na porta, os artilheiros introduziram a
bôca da peça por êle e começaram o tiroteio contra o
Gobierno.
ras freqüentemente começavam suas frases com "Quan- O soldado raso da Guarda Civil José Palomares es-
do eu sair daqui ... ". "Quando" substituiu o "se". tava de plantão numa janela da cavalariça quando co-
A defesa do Gobierno tornava-se insustentável. Co- meçaram a atirar. O primeiro projétil atingiu a parede
mo o Santa Cruz ficava ligeiramente mais elevado, a com tal violência que, por um momento, Palomares pen-
milícia trepava no telhado e de lá lançava granadas. Os sou que alguém o tivesse empurrado por trás. A máqui-
dinamitadores asturianos montaram um petardo com na estava tão perto que o estampido e a explosão eram
cartuchos de dinamite e aparas de ferro, colocaram nu- quase simultâneos. Espantado, pôs a cabeça do lado de
ma cartucheira com duas cordas atadas cada uma com fora da janela e viu fumaça e poeira na viela que des-
aproximadamente um metro. Agarrando as pontas o mi- cia para o convento. Só teve tempo de jogar-se no chão
liciano rodou-a sôbre sua cabeça até alcançar o impulso antes de que um segundo projétil passasse a meio me-
necessário. Arremessou-a então, para o Gobierno. O tro da parede. Um terceiro abriu um buraco maior ~
primeiro alvo foi um portão de ferro, um obstáculo frá- salpicou a cavalariça de estilhaços. Os que o consegui-
gil que bloqueava a passagem para o Ziguezaque. Êste ram abandonaram a sala. A não ser que alguma coisa
fica va localizado numa alamêda abandonada de uma fôss~ feita ràpidamente, a milícia logo conseguiria fa-
ala distante do Gobierno (denominada "passagem da zer um grande rombo ao nível da rua e entraria por
cavalariça" porque conduzia também ao Picadero) . A êle. Apertando sua Mauser, Pa1omares resolveu tomar
poucos metros adiante do portão de ferro , um caminhão uma decisão.
ficou estacionado na alamêda para formar o segundo A explosão seguinte ruiu uma parte da parede aci-
transportador. Os defensores colocaram um tapume de ma da cabeça de Palomares, mas êle se desvencilhou,
tijolos atrás do portão, uma vez que as grades de ferro saltou a janela e começou a atirar na direç~o da porta
não ofereciam maior proteção do que as barras de do convento. Três vêzes os abalos das explosoes dos pro-
uma gaiola e que o local era o mais perigoso da Acade- jéteis nas paredes externas derrubaram uma p~ha de
m~a. ~o ?ia 23 de agôsto, por exemplo, um guarda.-civil entulho na qual estava trepado. Perdera a aud1çao ~as
foi atmg1do por onze projéteis do Santa Cruz. Morreu continuava a escalar o monte de escombros e a atirar.
gritando histericamente "Viva Espana" - diante da mi- Companheiros entregaram-lhe rifles carregados ~as
lícia que assistia do outro lado da estrada. nenhum voluntàriamente tomou seu lugar. A cavalança

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·· t ada de fumaça amarela e o rombo era su-
esta va om · 1t A 1 · dos para repelir os ataques na Calle del Carmen. Ne-
ficiente para deixar passar uma motocic ~ a. ve oci-
dade do tiroteio estava afrouxando. D~pois de um. ~o­ nhum foi esperdiçado. No auge de um ataque um dê-
tal de doze tiros o 75mm ficou silencioso .... Um ~ficial les explodiu quase na porta da frente do Santa Cruz
ordenou a Palomares para cessar fogo. Êle nao ouviu o~ Foi a primeira vez durante o cêrco que a milícia en:
não deu importância ao comando. Como um louco, dei- frentou uma arma maior que uma metralhadora cali-
tado nos escombros, dentes cerrados e a fac~ lambu- bre 50mm. Foram castigados - por um momento.
zada com poeira de tijolo e fumaça neg~a, atirava su~ Durante um ~êsses ataques, a milícia chapinhou
cessivamente na porta do convento.. Finalment~, foi um balde de gasollna na porta de madeira da farmá-
arrastado à fôrça, lutando e pragueJand<;> atr~ves da cia e ateou fogo. As chamas principiaram a lamber pe-
fenda na parede. O soldado Palomares fo~ mais tarde las rachaduras até que o Tenente José Espiga instru-
promovido a cabo por ordem de Moscar~o. N_unca. re- to~ d~ c~valaria, apa~h?u uma :r::etralhadora e' apagou
cobrou a audição, mas por outro lado nao foi ferido. o 1ncend1o com uma un1ca explosao que arrancou a. por-
Quatro homens da milícia foram feridos enquanto ma- ta de madeira tão caprichosamente quanto um escalpê-
nobravam o 75mm e o canhão nunca mais foi usado lo remove a carne gangrenada.. Todos sabiam, porém,
desta posição. Davi tinha vencido Golias. que a defesa do Gobierno estava definhando. Cada explo-
Dois dias depois, o ataque ao Gobierno foi tão in- são monótona dos petardos atirados dos telhados des-
tenso que se pensou que o prédio tivesse de ser aban- truíam um pouco mais do edifício, tornando os defen-
sores mais vulneráveis. A maior parte do telhado mais
donado. Do telhado do Santa Cruz a milícia usava es- próximo a Santa Cruz fôra aberto e em pouco os cor-
tilingues para arremess~ os petar~os de di?amite na redores do prédio poderiam servir de cancha de boliche
farmácia militar (a esquina do Gob1erno mais perto do para os republicanos com granadas. O Tenente-Coronel
Zocodover) e no portão de ferro. Ao mesmo tempo outra Manoel Tuero, responsável por êste setor, advertiu a
milícia deslizou pela porta da frente do Santa c:uz e seus comandados que não deixassem a milícia atravessar
tomou posição por trás dos pilares d~ susten~açao do a Calle dei Carmen pois os problemas aumentavam
pátio. Então, enquanto os compa.nhe1ro.s alveJavam o quando ela o fazia. O aviso tinha boa intenção, mas
Gobierno pelas janelas dos fundos, podiam atravessar impossível de seguir, como também as nobres admoes-
a rua e arremessar latas de gasolina pelas janelas su- tações do coronel para não destruírem as molduras da
periores e pelo portão de ferro. Caso alcançassem as Renascença sôbre as janelas do Santa Cruz.
paredes, ficavam a coberto das fôrças inimigas, que os O Coronel Tuero, instrutor de infantaria da Acade-
poderiam repelir com granadas, não fôsse o fato das mia vivia num mundo totalmente desconcertante para
granadas serem reservadas para uma emergência de- '
os rudes guardas-civis e os recrutas que êle comandava
sesperadora. Os defensores deixavam cair blocos de al- durante seis meses. Êste velho oficial em lustrosas botas
venaria pelas janelas para desencorajarem os milicia- pretas brandia sua espada como saído das páginas de
nos a se manterem junto às paredes do edifício. Cervantes e exortava seus homens com aula de retórica
No dia 31 de agôsto, temia-se que a milícia entras- empolada que poucos podiam entender. Nunca decidi-
se no Gobierno por uma brecha na parede da cavala- ram se era muito corajoso ou parcialmente louco -
riça número quatro. O Major Mendez Parada obteve ou um pouco de ambos. Distraído e míope, confundia
permissão para instalar no pátio um morteiro 75mm algumas vêzes êstes homens tisnados com os :'caballeros
e foi-lhe dado seis projéteis, cuidadosamente reserva- cadetes" e parecia considerar a defesa do Gob1erno como
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roblema teórico de tática. Tuero, ~squadrinhava telas de El Greco, pois estas t inham sido cuidadosamen-
um P . la espetava cada saco de areia com a pon-
de cada Jane ' raramente parava d e f a 1ar.· "C UI'd a d o te guardadas. Ficou profundamente impressionado com
ta da espada e·ovem Nao - se expon h a sem necessi·d a d e. os. "se~blantes barbados de uma palidez fosforescente"
com o paq Ueo ] · · 1 ld d S ta e Imaginava por que El Greco pintou rostos de maneira
Acau t e1e-se para não destruir aque a mo , ura o an · .. tão extraordinária. Voltando porém ao Zocodover por
Cruz. É valiosa você sabe. Lembre-se, nos somos civlli- uma viela traseira, encontrou um grupo de pessoas
zados e respeitamos a arte, por m ais · que os r eb eld es
olhando alguma coisa caída na calçada . Era um cadá-
am fazer. Não se desen corage. C~do tomaremos ver. Um projétil ferira o ôlho da vítima e a face estava
posst e na marcha de vitória em Madri.
par d . Marcharemos verde e fosforecente. Era um rosto que êle já conhecia.
pela Calle del Alcalá, nos nossos an ~aJ os e com nossa~ Como resultado da barragem de 27, 28 e 29 de agôs-
barbas e orgulhosos delas. ,~aquele dia .a Esp':nha s~ra to a fachada norte do Alcázar desapareceu. Pedacos de
0 que foi nos dias do impeno e. dos reis. Voces verao. parede pendiam das tôrres, mas o resto tornara-se en-
Por falar nisso, conserte a barncada logo que possa. tulho e as balas rugiam pelas brechas e explodiam no
Vejo que a areia está escapando do saco." pátio. Sem exagêro, o Ministro da Guerra podia anun-
A areia estava também escorrendo da ampulheta. ciar na Rádio União: "O Alcázar não tem mais facha-
Quando o Coronel Tuero pair~va sôbre os_ ombr?s de da." Avisou à imprensa que um canhão de 240mm estava
seus homens no Gobierno, podia parecer tao desligado sendo instalado numa plataforma de concreto (algum
como um professor in c lin~ndo-se sôbre .o microscópio correspondente zeloso informou que o canhão era de
dos estudantes, mas ninguem compreendia melhor que 420mm) e logo entraria em ação contra o Alcázar.
êle a vulnerabilidade do edifício. Além disso, sabia que O dano causado por um 155mm era tão grande e
precisava manter êste esquema da defesa custasse o que tão desencorajador que Moscardó sentiu-se obrigado a
custasse. negar. No El Alcázar escreveu que embora os bombar-
Nas últimas semanas de agôsto, Santa Cruz foi deios dos últimos dias tivessem produzido algumas fen-
visitado por Louis Delaprée, correspond~nte de guerra das nas paredes não havia perigo iminente para sua
do Paris-Sair. O Santa Cruz permanecia um museu, segurança; mais adiante, afirmou que o ânimo na forta-
mesmo no meio da batalha fervilhando através da es- leza estava mais elevado que durante os primeiros dias
treita Calle dei Carmen. Era u ma miscelânea estranha de cêrco. Era evidente para qualquer um que quanto
de latas de alimentos vazios e obras de arte. A maioria mais perto as colunas de libertação estivessem de Tole-
das janelas estava estofada com colch ões. Delas a mi- do mais fortes os ataques dos vermelhos ; dias "fáceis"
lícia, com grandes chapéus de palha estilo P ancho Vi- preocupavam-nos mais.
la, atirava contra o Gobierno. Cada vez que um mor- Negar o que era, afirmar o que não era - tal era a
teiro era acionado jóias árabes, cerâmica, r etábulos fla- lógica de Moscardó. Era o argumento de um louco, mas
mengos, tudo balançava dentro das vitrinas. um homem mais sábio já se teria rendido.
- Por que não colocam todos êstes t esouros sob
proteção enquanto há tempo? - pergunt ou Delaprée
a um capitão, depois de saltar de uma vez os quatro
degraus de uma escada que um atirador nacionalista
tinha atingido.
- Não podemos transportar tudo de Toledo -
replicou. Delaprée obteve permissão para ver algumas
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janelas opostas trarvav1am-se duelos pessoais durante
semanas.
VII Aquêles que defendiam a frente norte raramente
viam o inimigo face a face. Neste setor, a guerra tor-
nou-se anônima. Era uma luta despersonalizada, na
"Moscas" e "Abisi11ios" qual a sobrevivência dependia do aperfeiçoamento de
um sexto sentido para perceber a queda das bombas.
O inimigo não era um homem, mas um teta desabando
ou uma parede ameaçando cair.
o cêrco do Alcázar diferia da maioria dos cercos da Todos eram unânimes em afirmar que o pior lugar
História de um modo impressionante: aqui os comba- para ser designado era o Gobierno. Do Alcázar havia
tentes não estavam separados por quilômetros, mas por apenas dois modos de se chegar lá; um era rápido e
poucos metros. Era difícil, como notou um correspon- extremamente perigoso e outro mais demorado e me-
dente, distinguir os sitiados dos sitiantes. Quando o nos .arriscado. Podia-se escapar pela porta do lado da
paqueo era leve e os canhões estavam silenciosos, era
tôrre nordeste, na esplanada leste (a porta da piscina)
expondo-se completamente à milícia do outro lado do
possível ficar atrás dos parapeitos e ouvir as conversas Tejo e da tôrre da Igreja Madalena e entrar no Gobier-
do inimigo. Era comum para um alcazarenho perceber no por uma porta no andar superior. Também se po-
um irmão ou primo no telhado adjacente e quase todos, dia sair pela porta da passagem curva (pela tôrre su-
mais cedo ou mais tarde, reconheciam um antigo ami- deste), descer a rampa e entrar no Gobierno pela trin-
go entre as fôrças inimigas . A guerra civil deturpou as cheira do Tenente Barber. Uma vez lá embaixo, porém,
relações sociais, reduzindo-as a formatos simples: aquê- os perigos se multiplicavam: não só a luta era implacá-
le homem numa janela oposta é um inimigo - não vel como também havia o atormentante pavor de que
mais espanhol, concidadão ou vizinho. o prédio fôsse desligado do Alcázar. Mesmo aqui, du-
As "regras" para matar variavam de setor para rante as primeiras semanas do cêrco, existiam regras
setor. Entre os soldados do refeitório e a milícia das informais. Duas vêzes por dia, o fogo cessava para per-
casas das redondezas do Coralino, por exemplo, havia mitir que os pedestres cegos subissem a Calle del Car-
um acôrdo tático de que não era de bom-tom atirar men pela manhã e retornassem à tarde. Deveria ser
para matar. A obscenidade era a arma mais comumen- uma cena curiosa - êstes inválidos hesitantes provo-
te empregada. A milícia de principiantes, se tivesse sor- cando silêncio por um momento, enquanto passavam.
te, era designada para êste setor, para aprender a mais Mais tarde êles devem ter sido avisados que a sua pre-
refinada arte de artilharia e da denúncia. No entanto, sença era um grave inconveniente para os sefíores que
a poucos metros para oeste, a frente de batalha era tentavam matar-se uns aos outros, pois não foram mais
dirigida por homens com uma particular habilidade vistos.
em liquidar o inimigo, pois as janelas ao longo das pa- Mos c a é o nome espanhol para môsca. Fazendo
redes sul abrigavam os falangistas toledanos, cujo ódio um trocadilho com o nome de Moscardó, os republicanos
pelos republicanos era apenas vencido pelo ódio dos chamavam os defensores do Alcázar moscas. O apelido
republicanos por êles. ~ste era um setor para um ho- tornou-se logo horrivelmente apropriado em vista dos
mem com algum ressentimento. Algumas vêzes, nas milhões de môscas que nasciam e floresciam na sujeira
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e no mau cheiro da Academia. O calor castelhano fer-
mentava os montes rançosos de lixo e as vísceras dos das janelas, ao longo da parede oeste, a Rádio Cigar-
animais abatidos lançadas pelas janelas da banda les- rai C~J?~çou sua transmissão para o Alcázar. O progra-
te. A mais suave aragem espalha va êste cheiro infecto ma diano geralmente consistia de discos de canções po ..
de modo que parte da cidade era infestada por êle. pulares, entrecortados de preleção marxista e pedidos
Não havia necessidade de olhos para determinar de que estridentes de rendição.
lado ficava o Alcázar. A milícia postada próximo das Ao romper do dia, os moscas eram acordados por
paredes conformava-se comparando sua miséria com a uma voz ampliada vinte vêzes- uma voz tão alta que
dos moscas lá dentro: os visitantes faziam seus passeios as palavras eram freqüentemente confundidas pela mi-
apertando o nariz com lenços. 1 crofonia: "Atenção! Atenção! Esta é a Rádio Cigar-
A admiraçã~ pela vitór~a dos italianos na Etiópia rai, com suas transmissões para os idiotas do Alcázar .
levou os do Alcazar a apelidarem os republicanos de Bom-dia, porcos fascistas. Como está aquêle Moscardó
abisinios. 2 Exatamente como Il Duce, que estava lu- filho da puta? Ainda está vivo, sem a sua ração diária
tando pela restauração do império romano, também de leite de vaca? Ouçam, soldados, vocês são nossos ca-
o General Franco desejava reviver o espírito do nacio- maradas. Vocês não têm culpa. A República autoriza-
os a desobedecer os oficiais. Mate-os. Traga-os para nós,
nalismo espanhol que se perdera desde o tempo de Car- vivos ou mortos. Matem Moscardó primeiro, depois os
los V. Os abisinios - que os sitiavam - eram os des- outros. São poucos contra vocês. Venham para nós.
troços de um naufrágio da História, bárbaros destinados Não há razão para que vocês morram por seus crimes
a cair diante dos profissionais do Exército da África Soldados, viva a República!"
soberbamente sanguinários. O fato da vanguarda dês~ Êstes apelos tiveram eco, pois durante o cêrco um
te exército de mouros ser africana, não parecia pertur- total de 35 soldados desertou para o inimigo. Poucos
bá-los, . se ~ que realmente preocupavam-se com isto. suportavam as transmissões sôbre o stalinismo ou co-
A admiraçao pelo nacionalismo italiano refletia-se mes- letivismo; geralmente interessavam-se pela propaganda
mo. nas barbas. que êles cultivavam sendo o estilo fa- que explorasse os assuntos mais vitais, como os alimen-
vonto a dos aviadores, espêssa e em forma de pás. tos e a família.. O anúncio mais eficaz para a deserção
. Em _:neados de a~ô~to uma nova arma de potência era o próprio desertor. O Cabo Felix de Ancas era usado
ainda nao testada foi Instalada pelos republicanos no pelos republicanos como prova palpável de sua boa
Zocodover, torn;:t~do-se a mais odiada de tôdas as ar- disposição para com os soldados do Alcázar.
mas. Era um solido carro, estacionado além do alcance "Fascistas!" berrava o alto-falante. "O que vocês
dos rifles do Alcázar. Quando novos alto-falantes fo- comeram hoje? Cavalo? O que estão bebendo? Mijo de
ram colocados atrás das trincheiras, a poucos metros cavalo? O companheiro Cabo Ancos está agora aguar-
dando por vocês no Zocodover com barris de cerveja ge-
.. ~- De ~côrdo com Peter Kemp, um escritor inglês que lada. Temos filé, presunto e pão fresco. Por que vocês
VISI u o Alc~zar em 1951, depois de uma ausência de quin- não descem e vêm juntar-se a nós? Não têm cigarros?
ze anos continuava o cheiro repugnante. Que pena! Aqui vai uma tragada para vocês." (Uma
bomba 155mm explodiu no Alcázar.)
é .2 - Como na Espanha um abisinio é também uma es-
krci~id~e aboimra ::_echdead~ de creme, os nacionalistas poden1 Uma tortura maior era o escárnio pessoal. "Ventas,
publicanos. n ençao e Insultar também a coragem dos re- eh Ventas! Ainda está vivo, aí em cima? Você é um co-
varde em se esconder aí. Ventas, se você soubesse que
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boas horas passamos com sua mulher e suas filhas an- amontoadas
tes de fuzilá-las." f da lá em baixo, humilhadas
. . com suas roupas
es arrapa , s e c_om sua SUJeira. Os homens visitavam-
Por vêzes, a milícia expunha a família de um sol- nas, mas a medi~a que as semanas passavam 0 desejo
dado do Alcázar na porta do museu Santa Cruz e anun- sexual des~parecia ,- a carne tornara-se repugnante.
ciava que era a última vez que veria seus parentes. As mulheres. tambem remendavam os uniformes, cos-
Alguns combatentes ol~avam. d~se.sperados, outros d~s­ turavam as fitas de metralhadoras e curavam pequeno~
paravam os rifles nas linhas mimigas no auge da vio- fe"rimentos. Ap,e~as uma mulh~r, Teresa González, es~
lência. Uns poucos retinham na mente estas cenas e, posa de u~ musico da Academia, tomou a posição dos
1nais tarde, uma noite fugiam para as hostes republi- homens. Ficou encarregada de cortar os bifes para os
canas para descobrirem se a milícia estava blefando. doentes da enfermaria e foi citada por sua conduta
A espôsa de um soldado local foi mandada até o meio exemplar sob o fogo.
da Cuesta perto da tôrre noroeste para pedir ao marido Havia pouco mais de duzentas crianças nos porões.
que viesse salvar a família da morte por inanição. Ela Algumas aprenderam a dar os primeiros passos no Al-
repetia obedientemente o que lhe ordenavam, mas o c~zar. Duas nasceram _lá e os primeiros sons que ou-
pessoal do Alcázar constatou que, ao mesmo tempo, ela viram foram as explosoes das bombas por cima e al-
fazia sinais com as pontas dos dedos para que êle ficas- gazarra do paqueo do lado de fora. Após algumas se-
se onde estava. manas, algumas das mais novas esqueceram-se aquêle
Uma jovem, forçada pelos pais a refugiar-se no Al- outro mundo que existia além das cavernas da fortaleza
cázar, conseguiu falar ocasionalmente com o noivo _ e as mães tentavam explicar-lhes o que significava o
um miliciano - de uma janela gradeada do lado oeste. sol, as árvores e o silêncio. Um menino tinha trazido
O rapaz ficou atrás das barricadas dedilhando sua gui- com êle o velocípede, mas não havia espaço para andar.
tarra para a bem-amada. Quando Moscardó proibiu ~le guardava como se a guerra estivesse sendo travada
qualquer comunicação, sem ordem expressa, entre as para arrebatá-lo. O filho de um falangista, com qua-
linhas a fim de diminuir a possibilidade de deserção, tro anos, usava um uniforme azul feito sob medida
o amor pereceu. A luta assumiu uma caráter no qual - completado com cinto Sam Browne e botinhas pre-
não havia lugar para a tradicional cortesia espanhola tas - como o pai. Sua saudação de mão espalmada era
- môça, rapaz, guitarra e balcão. quase perfeita e falava desdenhosamente sôbre os
Enquanto isto, a Rádio Cigarrai continuava suas "vermelhos". Durante os intervalos dos tiroteios os re-
ensurdecedoras transmissões. Os discos mais freqüentes publicanos podiam ouvir do lado de fora os gritos das
eram "A Cavalgada das Valquírias" e ''O Rodopio da crianças nos porões. Muitos apavoravam-se com êstes
Música". Aquêles que sobreviveram jamais as esque- sons: as crianças, certamente não eram fascistas.
cerão. Os garotos mais velhos divertiam-se com brinque-
As mulheres do Alcázar, engaioladas dia e noite dos feitos de cápsula de projéteis. Embora houvesse uma
nos porões iluminados apenas por lamparinas de gor- grande quantidade de trapos, não podia.m ser usados
dura d.e cavalo, tinham pouco que fazer além de cuidar para fazer bonecas porque eram reco~h1dos com fre ..
das crianças e dos feridos. A água que recebiam não qüência para fazer ataduras. Uma menm~" de. sete anos
chegava para lavar a roupa e muitas recusavam-se a fazia um diário. Nêle registrou suas expenenc1as de u~
~parecer no pátio, mesmo nos dias de trégua quando a só dia: "Não queremos brincar com Maria Luiza que e
JUnta dava autorização para subirem. Preferiam ficar muito tôla e não sobe para o pátio quando queremos

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matar aquêles malvados. Br~ncamos com car~uch?s va-
zios dos soldados. Uma menina cantou um hino a Vir- ser uma uarma t mortal, embora
, t'ICO . o mecanismo f"osse t-ao
gem muito bonito. Colocamos pedaços de papel nos rus q e se ornou pengoso manejá-lo.
sapatos e no cabelo. Algumas crianças sobem para as O El Alcázar aparecia sempre em dia exceto
tôrres. Eu só tive mêdo quando o telhado desabou." d? o d a t I.l,o~ra f o-e d't '
I or era ferido, o que aconteceuquan-
duas
vezes. Contmuava .b - levantando o ânimo com promessas
I Tinham um cachorro e um gato para brincarem.
Zoradia era uma gata arredia que poderia ter desertado
l
de pron t a I eraçao pelo Exército , . da Africa e cart ogra-
I mas preferiu ficar e mostrava total frieza durante 0
d l
fan d o o avanç~ .a co una a medida que as notícias che-
I tiroteio. Por outro lado, a luta era um negócio sério
para Jalifa, a mascote da Academia. Testemunhas ocu-
gavam. pelo radio. Sua seção de achados e perdidos
anun~Ia:va fatos dessa natureza: "Perdeu-se um pince-
I lares afirmam que ela tinha melhor intuição da apro- nez l~geir~men~e usado. Por favor, devolver ao gabinete
do edi~or. As listas de Mos~~rdó dos que se distinguiram
I
ximação do perigo que qualquer um no Alcázar. Antes eram Intercaladas .P?r crue1s atentados de humor. ("É

I
I
mesmo que o corneteiro desse aviso de um bombardeio
ou de aviões inimigos, Jalifa descia para o porão.
Passaram-se seis semanas de cêrco. As salas de
absolutamen~e proibi~o apanhar projéteis inimigos an-
tes de explodi.re~. ~ena uma pena não permitir que cum-
pram sua m1ss~o. ) Qualqu~r espaço vazio era geral-
aula, que em julho haviam sido limpas, estavam agora mente preer:chido c~m. capnchosa caligrafia: "Viva a
cheias de refugo. As carteiras e as mesas das salas dos Espanha! VIva o exercito! Viva a Guarda Civil' Viva
pavimentos superiores eram queimadas como lenha no os civis! Viva a Legião! Viva os Mouros!" Para ~s na-
fogão. Os mapas e as cartas caíam das paredes. Todos cionalistas, sempre incertos sôbre suas metas parecia
os peitoris das janelas estavam empilhados de pedras, que para fazer uma guerra eram necessários muitos
fronhas cheias de lixo ou livros e enciclopédias das bi- "vivas". Mesmo quando os combatentes estavam aca-
bliotecas. Cópias encardenadas do Illustraded London brunhados, êles apreciavam uma piada. Quando uma
News e L'Illustration eram muito úteis: quatrocentas bomba errava o Alcázar e explodia nas casas distantes
• páginas não somente detinham as balas sem desinte- alguém cantava alguns versos da canção popular
grar-se como um tijolo, mas também as páginas arran- "Adiós, Granada", fazendo trocadilho por "granada".
cadas proporcionavam uma leitura copiosa. Os vãos Uma fonte inesgotável de divertimento era colocar o
das jaJ?-elas estavam completamente lotados de cápsu- chapéu num pau acima do parapeito e contar o núme-
las vazias de balas. Os soldados deitavam-se sôbre elas ro de balas atiradas contra êle. Quando um bombar-
como se fôssem pilhas de trigo . Estas janelas eram deio republicano não aparecia um dia, o editor do jor-
guardadas durante vinte e quatro horas. Os homens nal publicava uma notícia nas colunas "achados e per-
dormindo. em serviço protegiam as esquinas quando didos": "Perdido um pequeno pássaro que há dois dias
voou nas vizinhanças da Nova Numância. 1 Respon-
estayam livres; um dêles descia para buscar água e
comida. NC:S horas de folga, muitos preparavam gra- 1 - Depois de um cêrco de muitos anos, a aldeia de Nu-
nadas a mao, segundo um desenho do Major Mendez mância foi capturada e destruída pelas legiões romanas em 133
Parada. A de melhor qualidade era feita embrulhando- a.C. É um exemplo da tenacidade dos espanhóis em batalha.
se dinamite em duas maçanêtas de porta de forma es- Sem o conhecimento dos defensores, outros jornais nacionalis-
tas estavam, ao mesmo tempo, fazendo a mesma referência ao
férica e unindo-as com arame de fardo ou fio de câ- cêrco do Alcázar. Esta comparação é agora feita comumen-
nhamo. Era detonada acendendo um fusível e provou te pelos espanhóis.
142 143
de pelo nome de trimotorci!o . .s~, algué~ o viu, por fa- Depois de ter sido publicado no El Alcázar h'
, o 1no
vor notifique-nos com urgenc1a. Em diversas ocasiões começou a so f rer cn't·Icas. AfiTmavam
·
que os projéteis
I um' soldado no Gobierno suspendeu o ataque inimigo
no portão de ferro apitando o sinal republicano de ces-
estavam desmontando a fortaleza, pedra por ped .
patriotismo do majo~ transcendia a fidelidade dorsa'fa~
II sar fogo.
A poeira, o suor e o uso combinavam-se para des-
tos. Um tanto desanimado tomou a pena e revisou a
estrofe:
truir os uniformes e os sapatos. As calças eram cheias
de remendos e as botas costuradas com barbante. Os Estas bombas e granadas
li guardas-civis serviam-se dos uniformes exóticos do mu- Que nos malham sem cessar,
seu da Academia e deve ter sido uma experiência es- Não nos poderão vencer,
tranha para um atirador republicano apontar armas Nem sequer amedrontar.
para uma figura distante nu1na das janelas, trajando
um uniforme hussardo, datando do período napoleôni- Esta afirmação fica va para ser provada mas a re-
co ou em um elmo de ferro como os que usava Carlos visão foi universalm~nte admirada. Martinez' queria que
V. (Êstes elmos, segundo souberam, eram fàcilmen te a banda da Academia se reunisse no pátio e tocasse 0
atravessados por uma bala calibre 30.) Uma tarde, no hino de modo que, lá fora, as hordas vermelhas pudes-
fim de agôsto, o Capitão Vela conduziu um razzia a sem ouvir. A sugestão foi, porém, abandonada. Tal rea-
uma alfaiataria das vizinhanças e retornou trazendo lização atrairia a ira inimiga e, como disse Moscardó,
os braços cheios de fantasias. Dias depois, um arlequim a banda já tinha bastante que fazer defendendo os Ca-
e um palhaço tomaram seus postos nas linhas de fogo; puchinhos. O major orgulhosamente alegava que a mú-
os homens que as usavam diziam que suas roupas ab- sica e a letra haviam sido compostas em vinte e quatro
surdas eram, pelo menos, mais confortáveis que os tra- horas, uma alegação que os críticos da música e dos
pos que usavam. Um soldado terminou o cêrco em tra- versos não discutiam.
jes de jogador àe futebol - calção e camisa listrada. Ninguém estava mais preocupado com as condições
O Major Alfredo Martinez Leal, o cronista comam- do Alcázar do que a equipe médica e com boas razões.
bições literárias, compôs um cântico intitulado "O Cêr- Estavam inadequadamente treinados para as responsa-
co do Alcázar de Toledo" (dedicado ao "heróico general bilidades de uma luta e os suprimentos de que dispu-
Sua Excelência Dom Francisco Franco"), que o maes- nham constavam apenas de artigos encontrados na en-
tro da banda da Academia musicou. Depois da primei- fermaria da Academia. O médico mais antigo, doutor
ra ~strofe, alu~~~o aos traidores "vermelhos", que re. Manoel Pelayo, costumava enviar os cadetes doentes
pud1avam a relig1ao, o major escreveu: mais graves para tratamento em Madri. Ajudando-o ha-
via o Dr. Pelayo Lozano, um dermatologista só de n~­
me. Sua experiência resumia-se a casos d~ acne e pe-
Estas bombas e granadas de-atleta, durante os muitos anos de serviço entre os
Que nos malham sem cessar cadetes. A cirurgia cabia a Lozano, que se prep~rou
Jamais poderão destruir para operações que nunca vira, estudan~o-as .nos . . .llvros
da biblioteca.. Da sua primeira amputaçao sa~u tao en-
O majestoso Alcázar sangüentado como um aprendiz de açougueiro e com
144 145
- tre"mulas Depois de amputar cinco pernas e
as maos . . . t h . t d . luz e as salas dos andares super!ores eram irnpraticá-
uatro braços adqu1nu um cer o con e~1men o e ci- veis por causa do contínuo canhoneio. Quando o ser-
q · Gabava-se de nenhum
rurgia. . de seus pacientes ter mor- rote cirúrgico quebrou, o Dr. Lozano apanhou enlpres-
'd sob seus cuidados (dois pe 1o menos morreram no tado o serrote de carne e o devolvia à cozinha quando
n o
hospital "
de Toledo quando o cerco t er_?.11nou
. ) . U m ter-
acabava.
ceiro médico, Daniel _?rtega, era ocunsta e tornou-se
especialista na extraçao de metal. Para os doentes n1entais, Deus era o único psiquia-
tra disponível. Um dos segredos mais cuidadosamente
o grande pavor era que grassasse uma epidemia. guardados no Alcázar era a respeito do número de pes-
Havia muita gente confinada em um~ :pequena área. o soas que enlouqueceram.
lugar era imundo: Era UJ?':L ~fe_nsa seria, ser ap~n~ado Em contraste, a vida entre os abisinios era folgada
fazendo as necessidades fls1olog1cas nas areas publicas. e mesmo festiva. A milícia comia bem e cada barrica-
Nos quartos isolados ou nos cantos. escuros, po_:ém, nin- da tinha suas cadeiras de vime e sofá acolchoado dos
guém via. Preparando-se para o p1or, os doutores estu- auais êles atiravam de modo desconexo e algumas vê-
davam nas enciclopédias e especulavam para saber qual z.es violentamente nas espêssas pa.redes do Alcázar. Os
a praga que mais provàvelmente irromperia. observadores russos, chocados ao verem milicianos co-
A enfermaria originalmente mantinha dezoito lei- brindo-se co1n sombrinhas ridicularizavam "a guerra de
tos. o número foi dobrado, depois triplicado e final- frou-frou", mas os guarda-sóis eram uma necessidade
mente os feridos inundavan1 os porões onde as mulhe- e não um luxo. O sol matava tamb§m. Houve ocasiões
res ajudavam a tratá-los. Logo que um paciente podia em que a milícia deixou feridos nos telhados que foram
caminhar, tiravam-no da cama. Os de perna amputada assados pelo sol. Os sitiantes observavam o ritual da
recebiam uma bênção e um par de cabos de vassoura sesta tão religiosamente como faziam-no en1. tempo de
para mancar pelas imediações. As cinco freiras refugia- paz. Além disso, não havia pressa - sabiam que eram
das no Alcázar cuidavam da enfermaria que mudava caçadores e não caçados.
constantemente de sala para sala devido às novas exi- Apenas de nome o General Riquelme comandava
• as fôrças republicanas de Toledo. De fato, porém, não
gências de espaço ou por receio de ser descoberta pe-
los atiradores republicanos. podia fa.zer nada sem a cooperação dos líderes d~ milí-
cia que, por sua vez, nada faziam sem o consentimento
A medida que o tempo passava, as provisões mé- dos homens que representavam. "Ordens" que chegas-
dicas acabavam, principalmente o clorofórmio, que era sem do Ministério da Guerra eram, em Toledo, pouco
o único anestésico. Os médicos só usavam-no em casos mais que recomendações. O resul~ado era a incor;nl?etên-
extremos. Se a bala ou estilhaço não se localizasse mui- cia militar e a confusão generalizada. Ao contrano dos
to profundamente era extraído com técnica medieval: nactonalistas, cuja submissão à casta mili~ar e à hie-
dava-se ao paciente um pano ou uma pedra para mor- rarquia eclesiástica condicionava-os a aceita;. um co-
der enquanto o fórceps penetrava. A mesa de operação mando indiscutível, os republicanos eram v~t~~as de
era uma mesa de professor em lindo estilo rococó. Ter- sua tão guardada autonomia. Embora os oflc_1a1s ten-
minada a intervenção, um ordenança removia o san- tassem escrupulosamente estabelecer uma cadela ~e co:
gue com um esfregão para economizar a água. Duran- mando, os capitães da milícia cor::un:ente seguiam. a
te as últimas semanas do cêrco, as operações eram fei- sua vontade e esperavam com pac1enc1a que os fascis-
tas quase no escuro pois as lamparinas davam pouca tas do Alcázar fôssem forçados a sair para lutar nas ruas.
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o único republicano e~ Toledo ,cie nte da mís.tica da casa e fuzilado diante da espôsa; ou matava-se in-
do poder era o Major Luis Barcelo, 2 que chefiava diretamente, recusando os talões de racionamento, o que
0 comitê de Defesa de Milícia com seu quartel no cor- significava morte por inanição se não fôssem alimen-
reio. Em julho, Barceló tin~a a se.u. car.go a execução tados por caridade.
dos oficiais nacionalistas feitos pr~s~oneiros em _Cara- Na fronteira oeste de Toledo, onde existira em ou-
banchel, perto de Madri, onde ad9-uinu ~ reputaçao por tros tempos o quarteirão judeu, fica hoje a velha Si-
sua cruel eficiência. Pouco depois partiu para Toledo nagoga de El Tránsito. Existe aí um parque sombrio
onde organizou um comitê para_ alicia~ os diversos g:u- chamado Faseo del Tránsito, no qual levant'aram o
pos da milícia uma confederaçao mais ampla com ele monumento a El Greco, que viveu numa casa das pro-
no comando. Em Toledo exercia seu poder como um ximidades. Sob estas árvores teve lugar a maioria das
czar. As sentenças impostas pela cheka, ou tribunal execuções ordenadas pelo comitê. Durante o verão de
informal eram finais e não tinham apelação; sua fôr- 1936, a frase "dar uma volta pelo El Tránsito" signifi-
ça polici;l serviu também como esquadrão de fogo quan- cava "ser prêso e fuzilado". Um cigano que morava nas
do as necessidades exigiam. Sem a cooperação de Bar- vizinhanças foi testemunha ocular de uma dessas exe-
celó, o General Riquelme não faria nada; sem sua per- cuções e mesmo permitindo-lhe um certo exagêro na
missão o general não podia entrar na cidade. narrativa, sua informação é semelhante à de outros:
A matança dos primeiros dias foi uma demonstra- "Havia centenas dêles, incluindo mulheres e padres. Re-
ção espontânea e desautorizada, dirigida contra o cle- zavam em seus rosários ou davam graças a Deus. Ha-
ro, cuja maioria foi morta nas ruas antes que a milí- via poças de sangue que eu não conseguia ~travessar.
cia entrasse na cidade. Depois disto, as execuções ti- Eram fuzilados à tarde e deixados até a noi~e quando
nham um caráter quase legal, o acusado ia a julgamen- vinha um caminhão para levá-los. Alguns ainda esta-
to na sede dos correios e era julgado pelo comitê. Todo vam vivos porque vi movimento dos corpos."
aquêle sob suspeita de nutrir simpatias nacionalistas Outro lugar favorito para execução era o !Jiata-
- e nesta cidade de igrejas e exército havia muito - dero - o matadouro municipal - ao .~é. da colina. A
estava em perigo de vida. Em casos duvidosos era medida que o tempo passava e a millcia torna~a-~e
aplicada a regra do polegar: se o prisioneiro emprega- mais sensível à opinião pública o Matad~ro substituiu
va um doméstico em casa ou dois operários em seu ne- 0
Faseo de Tránsito como campo ~e fuzilamento. P?r-
gócio, era fascista. Matava-se sem rodeios, como o ve- que nenhum jornalista curioso sena capaz de distin-
lho octogenário, proprietário do restaurante Venta de uir 0 sangue humano do gado. Os corpos eram despe-
Aires, que foi arrastado para uma pilha de lixo atrás Tactos junto ao muro do cemitério para que o zelador
dispusesse dêles como pudesse.
2 - Durante os últimos dias da República, em 1939, Bar- Os grupos de busca vasc~lhavam as ca~as dos ~:~
celó chefiou a revolta dos soldados comunistas do Exército cionalistas suspeitos e conduziam-no~ ~o t~lbunal P d.
do Centro cujo comandante era o Coronel Seigismundo Ca-
sado. Casado tinha-se comprometido a render Madri ao exér- interrogatório. O tratamento do prlslone~o d~pe~ià~
cito nacionalista, já que a República estava condenada; mas de sua atitude e do humor de seus .guar a:s. an Luis
Barceló tomou as áreas centrais, onde estavam localizados Cabello o advogado que tentou negociar a v:da de h -
os ministérios. Assim começou a Guerra Civil, dentro das pa- Moscardó pela rendição do Alcázar, era cor.slder~: c~­
tentes do exército republicano. A luta durou diversos dias, mano e mesmo hospitaleiro por alguns calvos. mas
durante os quais Casado venceu Barceló e o mandou execu- ta ocasião confortou um padre dizendo: "Sou ateu,
tar. Madri foi então entregue ao exército de Franco.
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não sei por que êles têm que matar alguém por ser sito, onde as manchas de sangue nos muros eram um
padre." Outra vez, quando a multidão tentava entrar monumento aos que não puderam escapar. As auto-
à fôrça para apanhar os prisioneiros, Cabello empu- ridades nacionalistas asseguram que foram executadas
nhou a pistola e afastou-os gritando: "Se vocês entra- oitocentas pessoas.
rem aqui, será passando sôbre meu cadáver!" Muitos toledanos devem suas vidas ao ódio à au-
Um troncudo anarquista entregou uma tigela de toridade que parece ter nascido com os espanhóis. A
café a um prisioneiro apavorado. Temendo que estives- ordem do comitê para que fôssem informados os no-
se envenenado êle disse docemente: "Não gosto de ca- mes de todos os simpatizantes fascistas, era freqüen-
fé." Enraivecido com a suspeita diante de sua boa in- temente desobedecida por ser uma ordem. Um garçom
tenção, arrancou do bôlso uma pistola e encostando o passava o dia nas barricadas, atirando lealmente con-
cano na testa do prisioneiro disse: "Beba êste café, fas- tra o Alcázar, e à noite transportando amigos cujos no-
cista porco, ou eu arranco seus miolos! " O homem to- mes constavam na "desejada" lista para lugares segu-
mou o café e admitiu que na realidade era um exce- ros. Acreditava que isto também era um dever. Caso o
lente café. comitê o tivesse descoberto teria sido fuzilado por
Isidoro Chamagirand, o padeiro que mostrara a traição.
Moscardó o celeiro, foi apanhado pela milícia em agôs- Os guardas dos Assaltos, em particular, recusavam-
to quando recolhia farinha para a padaria da família. se a apoiar os planos do comitê para executar pessoas
O comitê condenou-o à morte e ordenou que fôsse le- individualmente. Como fôssem a melhor unidade da
vado para El Trânsito. Neste ínterim, um de seus ope- luta, êste não ousava mover-se contra êles. Um certo
rários notificou o cônsul francês, Garrustu, que na oca- sargento Vila, que comandava um carro blindado no
sião estava em Toledo arranjando um salvo-conduto Zocodover, era considerado um dos mais valentes repu-
para diversos franceses e suas famílias para Madri. blicanos de Toledo. Era o único que se atrevia a atra-
Garrustu concebeu um plano ousado. Com a bandei- vessar a praça st>b os rifles do Alcázar, a passos vaga-
ra da França voando no pára-brisa, ficou no seu car- rosos. Certa ocasião sentou-se no meio dela e calma-
ro em frente ao correio até que Isidoro e seus guardas mente comeu um melão enquanto os projéteis salp~ca­
saissem. Então saltou e num rápido diálogo em fran- vam as lajes em seu redor. Um dos melhores amigos
c~s c~m a milícia, que nada entendeu, reivindicou o pri- de Vila o Tenente Celestino Vicente, estava dentro do
sionerro em nome da República Francesa. Enquanto Alcáza/ Vila tinha um plano para salvá-lo quando a
observavam de bôca aberta, Garrustu dirigiu-se calma- fortaleza fôsse tomada. Guardou um mono do tamanho
me~te co~ Isidoro para a estrada de Madri e, quando de Vicente no seu carro. Quando os Assaltos entrassem
a. cidade. ficou para trás, acelerou para a capital. No no Alcázar, tencionava procurar o amigo e fazê··lo v:s-
dia segun:t.e o .comitê enviou um emissário para recla- tir-se com o disfarce para poder escapar na confusao.
m~r o pnsioneiro mas a embaixada rejeitou o pedido. o que êle não sabia é que Vicente morrera .durante a
Isidoro Chamagirand chegou são e salvo na França. segunda semana do cêrco, varado por um tuo de um
, S?rte como e~ta era rara. Certos guias, por sua Assalto. .
propna conta, faziam um bom negócio conduzindo os De vez em quando, mesmo a fero~ FAI, a socie-
caçadores de emoções pelas ruas mal cheirosas e imun- dade secreta dos anarquistas, era dominada por um~
das (nem uma vez durante o cêrco foram varridas) inesperada compreensão. Uma de suas patrulhas apr1:
para a principal atração turística, o Faseo del Trán~ sionou um n1ajor em sua casa e preparava-se para le

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vá-lo aos quartéis. Antes que êle saísse a espôsa deu- ciano apelida~o El Verdugo, por ter cumprido uma e-
lhe uma medalha benta que tinha usado na guerra na por assassina to antes da insurreição Atara p1
d 't' · · mos pu-
marroquina. Um dos homens da FAI arrebatou-a e cha- sos as vi. Imas e uniram todos os prisioneiros em gru-
coteou: pos de dois numa longa corda. Luis e Carmelo estavam
- Olhe esta porcaria que ela lhe deu. lado a lado: Quando eram empurrados para a orta
_ Sim _ disse a mulher - talvez sua mãe te- ~m anarquista cha.mado El Granadino pergunfou ~
nha também uma medalha para você. 1dade. de Carmel?· Quando soube que êle só tinha de-
zesseis anos pediu aos camaradas:
Os anarquistas ficaram embaraçados. Então, um
dêles resmungou: . . . - V_?cês se importam se eu apanhar êste garôto
- .:Êstes homens queimariam uma 1greJ a e mata- e fiZer dele um bom revolucionário?
riam um padre sem remorso. Ainda conservavam. no - Fique com êle, não nos importamos - disse-
entanto, um certo respeito quando se ~n~o!ltrava~ dian- ram-lhe.
te de um amuleto religioso. Esta histona _conflr~a o Cortaram !L corda de Carmelo e seu lugar foi to-
que Unamuno disse "Na Espanha todos sao catollcos, rnado pelo Deao da Catedral. El Granadino ordenou-
mesmo os ateus." lhe desse adeus ao irmão. Quando a procissão se diri-
Uma das mais notórias matanças em massa ocor- gia para a. porta, um dos prisioneiros queixou-se de ha-
,, reu no dia 23 de agôsto. Ao meio-dia um trimotor re- ver esquecido o cobertor. Foi interrompido pelas garga-
publicano voou sôbre Toledo e lançou vinte e quatro lhadas da turba.
I bombas. Algumas caíram no Zocodover e feriram mui-
tos turistas domingueiros que lá estavam reunidos. Se
- Não se preocupe com cobertores- disse alguém.
- Você não vai precisar dêles para onde vai. Carmelo foi
bem que o pilôto fôsse o responsável, a multidão pro- novamente tranca.fiado.
curou vingar-se de qualquer forma. Aquela noite, a tur- Horas mais tarde, El Granadino voltou e Carmelo
ba foi reforçada pela milícia enraivecida, que cercou foi conduzido à sala de interrogatório. Quando pergun-
a prisão provincial e reclamou os presos. Sem consul- tou o que haviam feito com Luis a milícia disse:
tar as autoridades, o carcereiro deixou-os apanhar quin- - Foi feita justiça, como será feita agora. Um pa-
ze prisioneiros nacionalistas, inclusive o Deão da Ca- dre que havia sido esquecido na primeira leva de pri-
tedral, o comandante da Escola de Infantaria de ór- sioneiros foi trazido para ser inquirido. El Granadino
fãos e os dois irmãos Moscardó. discutiu com êle alguns minutos sôbre a existência de
Luis Moscardó estava nesta prisão desde o dia 23 Deus. Quando o padre venceu com sua argumentação,
de julho, quando Candido Cabello telefonou ao Coro- o anarquista perdeu a calma, pegou um rifle pelo ca-
nel Moscardó. Carmelo e a mãe ficaram até o dia 13 no e disse: "Isto acaba com a discussão." Quando Car-
de agôsto na casa da espôsa do Coronel Tuero, quan- melo olhou, apavorado, Granadino brandia o rifle co-
do a milícia apanhou-os. Carmelo e o irmão partilha- mo uma marreta e esmigalhou o crânio do padre com
vam da mesma cela. As espôsas dos coronéis do Alcá- um simples golpe. Carmelo voltou novamente para a
zar estavam juntas numa cela mais distante e não fo- cela.
ram perturbadas pela súcia de linchadores que irrom- El Granadino veio novamente na manhã seguin-
peu no dia 23. te. Disse a Carmelo que, embora o resto da milícia de-
Os instigadores da violência eram um bando que sejasse sua prisão, poderia juntar-se ao CN~ e ser pou-
se denominavam "Os arcanjos", chefiados por um mili- pado. O rapaz aderiu ao Sindicato Anarquista. Condu-

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ziram-no ao quartel dêles, onde derram~ram-lhe uma 0 símbolo de uma_ classe, odiada pelos anarquistas _
garrafa de vinho sôbre a cabe~a e batiz~ram-lhe ~o­ bem como os cordoe.s dos sapatos. Ambos estavam bar-
mo "Filho de Marx". El Granadino, que .~~nha p~lo }O- bados, c~b.elos crescidos e aparência taciturna. Não ti-
vem uma rude afeição, nomeou-o seu auxi.~.Ia:_. D~Is diél;S nhc:-m duvidas de 9ue q~ando _chegasse o tempo seriam
mais tarde teve permissão para que sua mae fosse li- fuzilados, mas o JOrnalista nao notou sinais de maus
bertada e viesse juntar-se a êle no quartel. ~ass~~os tratos.
mais dois dias, Carmelo pediu para retornar a .pnsao. Antes de subir para o telhado do seminário 0 guia
El Granadino ficou muito espantado, mas arranJOU pa-
ra colocá-los no asilo de loucos da capela de Toledo de Langdon-Davi~s meteu o casquete no bôls~~ expli-
onde ficaram a salvo. Ali permaneceram até o fim do cando que os atiradores - tinham menos probabili-
cêrco. De vez em quando Granadino enviava-lhes pa- dad~s de. acertar em .c~beças descobertas. Daí Langdon-
cotes de alimentos e outros presentes. Luis foi execu- Davles tinha uma VIsao ampla do Alcázar por sôbre a
tado no Matadero com os outros mas Carmelo devia vermelhidão dos telhados da cidade. A batalha que se
sua vida a um estranho capricho de um anarquista im- travava embaixo, como êle escreveu, era uma luta en-
plicado no assassinato do irmão. tre a República do futuro e "os últimos fragmentos de
um velho despotismo morrendo de fome". Os anarquis-

II Para um jornalista estrangeiro que estivesse em


Madri uma viagem a Toledo era fàcilmente arranja-
da de~de que êle figurasse na lista do Ministério da
Guerra como bueno ou muy bueno- o que significava
tas divertiam-no com anedotas sôbre o Alcázar. Os ofi-
ciais rebeldes, contavam êles, apoiavam as metralhado-
ras nos ombros dos reféns, de modo que os milicianos
não ousavam responder ao fogo; a guarnição estava
simplesmente que suas reportagens favoreciam a cau- reduzida a um pedaço de carne de cavalo e pequena
sa republicana. Em tal caso estava enquadrado o inglês ra.ç ão de água. Todos estavam convencidos de que a
John Langdon-Davies a quem foi dado um automóvel, fortaleza render-se-ia a qualquer momento, no que
um motorista e um guarda armado. Na quinta sema- Langdon-Davies concordou com êles, mesmo antes de
na do cêrco êle foi enviado a Toledo. Achou a cidade estudar o cêrco.
tensa e em expectativa. O "Exército de Macacão" ti- Seu guia conduziu-o mais para perto do Alcázar.
nha fortificado a Porta de Bisagra com metralhadoras A Calle del Arzobispal que descia para a Catedral ti-
apontando para o interior a fim de impedir os mosc~s vera seu nome trocada para Calle de Carlos Marx. Na
de lutarem fora da cidade. Quando o guarda conduz1a parede do Palácio do Arcebispo havia o aviso: NÃO
Langdon-Davies pelas ruas estreitas para o Quartel dos COLOCAR CARTAZES. Diretamente abaixo lia-se: RE-
Anarquistas via de relance o Alcázar sobrepujando as CRUTADO PELO QUINTO REGIMENTO, DADO A
casas baixas. Pequenas baforadas de fumaça saíam por CRUZ VERMELHA ESPANHOLA E AOS FASCISTAS
suas janelas estreitas. CANALHAS!
Independente do Comitê de Defesa da Milícia, os A medida que se aproximava, o paqueo tornava-se
anarquistas tinham sua própria cheka no seminário. Sô- mais barulhento. As ruas transversais que estavam na
bre a porta dessa Câma.ra inquisitorial lia-se ENTRA- mira dos rifles do Alcázar tinham sido interditadas pa-
DA PROIBIDA. Enquanto conversava com o guia, Lang- ra evitar que o povo acidentalmente fôsse apan~ado n~
don-Davies viu a porta aberta e dois prisioneiros sendo linha de fogo, mas em alguns lugares a corda tinha SI-
conduzidos para o pátio para urinar. Os colarinhos ti- do cortada por alguém que achou para ela .melhor uso.
nham sido arrancados das camisas - colarinhos eram O guia mostrou um lugar onde uma menina de nove
1[j4 155
1.

ue corria a trás de uma bola, além da perigosa Alén;t dos sacos de areia e das mobílias empilhadas
~~~~ ioi instântaneamente alvejada por um atirador, das b~rricaHdas. estava o refugo empestado da terra de
tendo a bala atravessado as bochechas e arrancado os ninguem. ~v1a ne1as esp~lhadas centenas de latas de
dentes superiores. Estando a menos de no~ent~ met.ros estanho vazias, uma espe.cie de rudimentar sistema de
a~arma no caso dos fascistas tentarem sair depois do
da pare de oes t e da fortaleza' Langdon-Dav1es ficou rm- t por do sol. Êstes postos eram a fronteira da Re , br _
· d com a vida aparentemente normal nes a
Pressiona o
zona Esquecidas de que a batalha se travava P.ou?as ca Espanhola. O Alcázar ficava mais longe empt~ d1
.
ocasiona l
r;;en t ~ pequena~ nuvens de fumaça 'pela 1 jane-
ln o
ruas · a d'Ian te , as mulheres negociavam ·com d o leiteiro,
d· h la como bornfos de p1ngos de chuva num lago em-
um menino · bri'ncava com uma lata ,. .vazia e sar 1nd a, baciado".
de uma sacada ornada com geran1os uma velha er-
e . d Quando o ~C?_l se,.. punha, Langdon-Davies ouviu 0
ramava líquido fétido no me1o a rua. . .
Num cruzamento, o inglês notou que seu gu1a fi- ronco de um av1ao sobre os telhados. Parecia aparecer
cou orgulhoso por estarem correndo num espaç~ de de nenhum 1ugar e segundos depois esvanecer-se nova-
seis metros na alça de mira dos a.tiradore~ do Al~azar. mente. Era o avião nacionalista que jogava provisões
e a carta de Franco. Um gartôo que penetrou numa
Havia um ritual de bravatas nesta esqu~na per.Ig?s~. casa da redondeza e voltou com um revólver descarre-
Alguém olhava desdenhosamente para a Janela Inimi- gado, apertou-o raivosamente contra o céu já vazio.
ga enquanto o outro atravessava correndo devagar, ,o
suficiente para demonstrar coragem mas bastar:te ra- Poucas horas depois o inglês retornou a Madri. A
pido para evitar ser atingido p~las bala~ que ncoche- coisa que mais o impressionou e não lhe saía da me-
teavam no muro. Langdon-Dav1es sugenu que est.en- mória era a recusa absoluta da milícia em estender
uma proteção no cruzamento da rua.
dessem lençóis no cruzamento de modo qu~ ,0~ atira-
dores não soubessem quando atirar, mas a mllicla zom- Enquanto a artilharia republicana descascava a
bou dêle. Estas telas eram boas "para estrangeiros", parte exterior do Alcázar, o Exército da Africa avan-
não para espanhóis. Se não houvesse um ,.,modo de. mos- çava pela rodovia da Extrematura para Toledo. Quan-
trar desprêzo pela morte, um homem nao poderia ser do se aproximava de Talavera de la Reina, uma cida-
considerado um verdadeiro herói. Êste ritual de cora- de a oitenta quilômetros a oeste de Toledo, uma onda
gem e insolência talvez fôsse herança das touradas. de alarma assolou a República. As colunas de Franco
alcançariam o Alcázar antes que fôsse capturado? Re-
Nas barricadas mais avançadas Langdon-Davies en- gressando a Madri de uma visita à Extremadura, o Pre-
centrou pouco mais de uma dúzia de milicianos espe- sidente e o Ministro da Guerra asseguraram ao povo
rando pelo contra-ataque que acreditavam ser inevitá- que o avanço dos nacionalistas estaria permanente:nen-
vel. Três ou quatro homens espreitavam pelas viseiras te detido em Talavera - "nossa Verdun" - por Inex-
ou atiravam contra as paredes cinzentas da colossal pugnáveis fortificações. Ao mesl?o tempo apressavam
fortaleza, enquanto outros descansavam em colchões a milícia para que sitiasse o Alcazar e acabar o traba-
ou poltronas de lona. Nas esquinas mais protegidas ha- lho tão depressa quanto possível, de modo ~ue pudes-
via um cantil de vinho. Numa barricada o jornalista sem juntar-se à linha de Talavera. O Presidente e o
encontrou quatro alemães antifascistas. Um dêles era Ministro sempre recebiam a mesma resposta:
uma môça de macacão azul que viera para a Espanha
para lutar pela República. - Dê-nos mais alguns dias.
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Arturo Barca, um censor de imprensa republica- davam ordens uns aos outros disparavam .,
. assoviavam estridentes. Ocasi~nalmente sa'os dnf 1es e
no, via o prognóstico otimista de seus supenores com , ' 1a e uma
um crescente desânimo. Decidiu por êle mesmo desco- janela d o. Al.cazar uma lufada de fumaça como de um
brir 0 que acontecia em Toledo. Assim, com seu ami- fumante Indiferente numa sala mas 0 som d f
go inventor Fausto, cujos desenhos para a construção abafado pela fuzilaria da multldão movendo-o Iro era
se da fortaleza. A cena recordava a Barca umsef"l na ba-
de um nôvo tipo de granada tinham sido enviados à · · - d 1 me em
fábrica de armas meses antes, desceu de Madri. Na fá- i~:u~ça~~.cronlzaçao o soln com a imagen1 estivesse
brica o comitê dos operários tinha ficado responsável
pela planta, mas a granada não foi construída porque Fa.ustto ~bor~ecita-s~. "'S'Sa~amo~ daqui", murmura-
ninguém quis tomar a decisão de levá-la para frente. M
va. ais ar e aJun ou. e 1sto e um símbolo va
Uma atmosfera de desconfiança geral invadiu o local. perder a guerra." ' mos
- Tivemos que fuzilar por sabotagem o técnico Entre o ~uartel Santiago e a garganta do Te·
em explosivos - disse - o encarregado, ou responsable. uma estrada 1ngre1ne e rochosa corre ao longo da b~~~
f;le se negou a fornecer pólvora para os cartuchos dos da, do. rochedo da Ponte Alcântara até 0 Coralino. Mais
rifles e por isso confiscamo-lhe todo o estoque. Mas os propria para mulas do que para veículos, não consti-
cartuchos explodiram. Tivemos, portanto, que fuzilá-lo. tuía um ponto de ataque temido pelos combatentes
Fausto examinou o explosivo em questão e disse: porque era co~t~olada .Pelas jar;elas do Santiago. Nu-
- Mas se vocês colocaram nos cartuchos mitra- ma tarde dos ultimas dias de agosto, uma sentinela pos-
mite, que é o que está estocado aqui, explode o rifle tada ~spantou-se ao v~r un: P~ugeot prêto, tipo sedan,
todo. com licença de Madn, subir este caminho com uma
O responsable resmungou: enorme bandeira vermelha flutuando ao vento. Pensou
que fôsse a vanguarda de uma coluna republicana e
. - Eu lhe disse que o cartucho explodiu no rifle e gritou por socorro. No momento em que os reforços che-
ISto é sabotagem. garam para juntar-se a êle, o veículo passara pelo San-
Antes que Barca e Fausto partissem da fábrica, o tiago e alcançara o Coralino. Quando lançaram uma
responsable mostrou-lhes um painel de contrôle no can- saraivada de projéteis na traseira do carro, êle parou
to do escritório. abruptamente. Em poucos segundos abriu-se a porta
- Se os fascistas vierem aqui, nós lhes prepara- do lado do motorista e um homem saltou tão rápido
mos uma agradável surprêsa. Se você abaixar esta ala- que ninguém teve chance de atirar antes que êle se
vanca agora, nenhuma das oficinas ficará de pé. Es- precipitasse sôbre o dique e desaparecesse de vista. Qua~
tão tôdas minadas com carga de dinamite. Então, num se ao mesmo tempo, a outra porta da frente abriu-se
sussurro ajuntou: e uma linda mulher saltou para a estrada. Sacudia a
- Mas isto é segrêdo. bandeira vermelha arrogantemente, antes que as ba-
Deixando a fábrica, subira1n a colina para ver a las a derrubassem. Por um instante ela permaneceu
batalha. Era mais deprimente. No Zocodover tôdas as contorcendo-se junto ao carro e depois ficou inerte.
vidraças estavam quebradas e a praça entulhada com Quando os soldados do Santiago tentaram arrastar seu
peda~os de pap~l. e trapos de uniformes. Das portas e corpo para enterrar foram rechaçad~s por um. pesado
e~qumas a millcia e os Assaltos, agachados em posi- paqueo da milícia. Naquela noite havia lua cheia e pu-
çoes estranhas e gritando e gesticulando os sitiantes, deram ver pequenos objetos movendo-se cautelosamen-

158 159
te em direção ao corpo da môça. Eram ratos. Revolta-
dos, expulsaram-nos com r~pi?as e_xplosões. <?s animais
voltaram, porém, em direçao as maos estendidas do ca-
dáver. Um falangista arrastou-se com uma lata de ga- VIII
solina e embebeu-o com ela. Quando tentou acender,
só conseguiu atingir o automóvel e atrair novamente
o paqueo do outro lado do Tejo. Os Três Emissários
Por todo o dia seguinte, ao sol ardente, o corpo da
jovem ficou estatelado na estrada. O cheiro de borra-
cha derretida afastava qualquer odor pior. Estivera um
cadáver exposto à vista na Ponte do Alcântara desde Debaixo do fogo constante de artilharia, o Alcázar
os primeiros dias do cêrco, mas para a guarnição do caía aos pedaços como um torrão de açúcar. Os anun-
Santiago isto era infinitamente mais horrível: era uma ciados canhões de 240mm não apareceram na frente
mulher. Seria, porém, suicídio para qualquer dêles ten- de Toledo, mas os nove 155mm, oito 105mm e sete
tar removê-la. A noite seguinte estava escura e os ho- 75mm em Dehesa de Pinedo e Alijares converteram a
mens deram graças por não poderem ver o corpo. Ao escultura da fachada norte em uma pilha amorfa de
romper do dia, olharam pela janela e não acreditaram escombros. As tropas que defendiam êste lado do Al-
- o Peugeot estava ainda lá, mas o cadáver não. O cázar, não mais se escondiam atrás das janelas; em
mistério permaneceu. Ninguém soube por que o car- lugar disto, cavavam fossos para ocultarem-se ao lon-
ro subiu aquela estrada (foi uma proeza de algum jo- go das cristas dos enormes monturos de pedra sôlta e
vem ansioso por mostrar coragem à sua namorada?) poeira. Tendo esburacado a muralha norte, os artilhei-
e ninguém descobriu quem recuperou o cadáver. ros republicanos começaram, no dia 2 de setembro, a
Setembro chegou. O Coronel Barceló anunciou que concentrar seu fogo na tôrre nordeste, esperando sem
os asturianos tinham atingido a Cuesta dei Alcázar com dúvida fazê-la cair no pátio. No dia seguinte, um bom-
os túneis da mina. Não tardaria, dizia confidencial- bardeio constante balançou a parte externa da tôrre
mente, o dia em que as paredes do Alcázar desmoro- e começou a arrancar os pedaços mais moles do reves-
nassem. timento interno, tão fácil como uma faca cortan~o
queijo. Ao fim do dia, havia uma abertura na tôrre tao
grande como um túnel de estra~a de ferro a 24 ~~­
tros acima da esplanada leste, deiXando o campanano
balançando no ar como se a fôrça da gravidade hou-
vesse desaparecido.
No dia 4 de setembro, ao amanhecer, os tell'~a??s
dos prédios vizinhos estavam entulhados pel~ m1hc~a
que aguardava ansiosa a queda da colossal torre. ~ao
demorou. Depois de mais uns tiros de 155mm a torre
soltou-se da muralha. Caiu a 30 metros da esplanada.
Contorceu-se por um momento como uma _co!sa viva
até que as vigas internas afrouxaram. O esp1gao apon-
161
tou para 0 lado da bateria de Alijares como um dedo No mesmo di~, 4 d~ setembro, os atacantes do san-
acusador. ta Crduz cor:segu1tram, Incendiar 0 Gobiemo e 0 fogo
o estrondo foi ouvido em tôda Toled.o, sen~o se- esten eu-se Inc~n ro 1avel pelo prédio inteiro. Abatidos,
I guido por aplausos e sirenas, quando o mito de ~des­
trutibilidade do Alcázar ~~s~pa~eceu num monta.~ ~e
os homens fugiram do holocausto, escapuliram pela
ra!fl,P~ para a esp~a:nada les~e e refugiaram-se no re-
alvenaria quebrada. A milicia, 1gnoran~o os proJeteis feitono. O laboratono de qurmica, uma construção de
dirigidos a ela dos outros p~ntos do Alcazar, ficava ~e estu9-ue na ala norte da esplanada, pegou fogo e ex-
pé sôbre as barricadas ou sobr~ ?S telha~os e sacudia ~lodiu laJ?-~a?do cham~s verdes e muita fumaça. Por
os rifles num excitamento frenetico. Aqueles que esta- flffi,. a nnllc:a conseguiu deslocar os nacionalistas do
vam nos porões do Alcázar sentiram o chão tremer Gob1erno: Na? puderam ocupar o prédio até que 0 fo-
como num terremoto. Caiu-lhes em cima uma poeira go se extmgu1sse. Na fumaça e confusão a retirada não
fina pelas rachaduras do teta abobadado, mas não hou- foi percebida;. a milícia sabia que os nacionalistas es-
ve desmoronamento. Podiam agradecer a Deus a tôrre tavam escondidos em qualquer parte do edifício espe-
ter caído no solo firme da esplanada. rando para saltar de emboscada, como já haviam fei-
Minutos mais tarde, a milícia alvejava as salas dos to antes.
pavimentos superiores, abertas pela destruição da tôr- A noite, a j?nta planejou um contra-ataque para
I
re. A esquina nordeste parecia agora uma casa de bo- recuperar o Gob1erno, mas nada podiam fazer também
necas com uma das partes levantadas. Os defensores enquanto êle estivesse queimando. Neste espaço de tem-
I
I
corriam como ratos para encontrarem novas trinchei- po. Moscardó enviou cinqüenta e cinco homens ao ce-
ras nos monturos dêsses andares, uma vez que uma leiro para trazerem os sacos de trigo, pois se o Gobier-
avenida inteira de fogo fôra aberta pelos republicanos. no não fôsse retomado, êste suprimento seria inter-
A junta do Alcázar estava horrorizada com os da- ceptado.
nos com a ameaça aos seus planos de defesa. A arti- Ao amanhecer, um furioso tiroteio varreu tôdas as
lharia podia agora atingir separadamente a ala leste, dependências do Alcázar e susteve o contra-ataque. Só
sala por sala, com tiros seguidos. As quatro tôrres maci· depois das cinco e meia da tarde, o Capitão Vela com
ças escoravam as muralhas ··como as pernas de uma me- um grupo falangista conseguiu tomar posição nas ruí-
,sa atarracada; com uma tôrre destruída, a estrutura nas do laboratório de química. Ao mesmo tempo o Te-
da fortaleza ficara em perigo. ·:Em -desespero, Moscardó nente José Espiga conduziu uma parte da tropa pela
chegou mesmo a conferenciar com Romero sôbre um rampa para a vizinhança da caval~riça, embaixo ?os
possível contra-ataque ao lado de ·fora,- preparatório pa- rifles dos falangistas. Enquanto a força de Vela atira-
ra a evacuação do edifício. Acontece~, então, alguma va na milícia que tinha ocupado o Gobierno, os homens
coisa que atribuíram à intercessão divina. A artilha· de Espiga armados na maioria com pistolas e facas de
ria inimiga começou a atiTar na -segunda· tôtre, na es- mato, arrbmbavam as portas do prédio aind~ arde~te.
quina noroeste. Para êles, a excitação de derrubar tôr- Instruídos para fazer o maior barulho poss1vel, gnt~­
res era aparentemente mais importante do que alar- vam "Matem os Vermelhos" e apontavam para a mi-
gar a passagem no ângulo-nordeste: As· tôrrés arrogan- lícia já combalida pelo fogo dos homens de Vela no
tes do Alcázar pareciam ter enfeitiçado os artilheiros terraço a poucos metros acima dêles. Completamente
porque nas semanas seguintes. constituíram -sos , alvos tomada de surprêsa a milícia não esperou para v~r
principais dos 105mm. __ _ ... ~ - __ __. .. _ ~ -~ _ __ quem ou o que se estava dirigindo para êles no me1o
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da fumaça. Abaixaram as armas e escaparam do pré- colocariam explosivos de tal modo que as muralha e ~
dio, alguns saltando pelas janelas P.ara ~ Calle dei C~r­ plodissem para o lado interno. Parte do Alcázar ~ic~­
men. Sem uma única baixa os nacionalistas reconquis- ria enterrada sob os escombros. As duas minas seriam
taram o Gobierno. naturalm~nte. de~onadas ao mesmo tempo. Poderia a
Durante os dois dias seguintes os 155mm vinga- fortaleza ,Inteira I;: pelos ares? Barber pensava que não.
ram-se. Mais de duzentas balas caíram sôbre o Gobier-
I no, mas a tropa que lá se acha~a tinha aprendido a
Era poss1vel, porem, que a onda do choque deslocas-
s~ .as pedras da fundação. e desmoronasse parte do edi~
sua lição: a retirada é mais pen~~s~ do q~e a toma- flciO. As passagens podenam ficar bloqueadas por pe-
da rápida. Como disseram seus oficiais - nao era me- dras e neste caso os alcazarenhos seriam enterrados vi-
lhor defender o edifício do que o perder e ser forçado vos ou encarcerados o tempo necessário para que as
a recapturá-lo? Agora estava claro para êles que Mos- colunas de assal~o republicanas ocupassem partes da
cardó e sua junta não tinham intenção de permitir fortaleza e os r~trrassem, um por um, à medida que es-
que os republicanos ocupassem êste importante ponto cavassem. Havia um detalhe encorajador: na impaci-
de defesa. ência para .completar o trabalho , os mineiros estavam
O eco das escavações das minas tornava-se mais usando maiores cargas de dinamitação dos túneis do
audível. Durante as primeiras semanas de setembro, o que deviam e isto podia confundir a sua orientação.
Capitão Vela chefiou duas missões ao anoitecer, ten- Se escavassem mesmo uns poucos centímetros além do
do, porém, mais uma vez calculado mal e bombardeou centro da parede, por exemplo, a explosão das minas
a casa errada. O Tenente Barber, encarregado de fazer lançaria toneladas de entulho fora do perímetro do Al-
o mapa do avanço do túnel, não acreditava mais que cázar. A mesma pergunta ocorreu a todos os oficiais
estas missões adiantassem muito: os mineiros podiam que ouviam o relatório de Barber: quanto tempo êles
estar usando qualquer uma das diversas casas das re- têm? O tenente calculou que gastariam ainda oito dias
dondezas e o Alcázar não possuía meios nem tempo para que os túneis alcançassem as muralhas, pois es-
para destruí-las tôdas. Como engenheiro, desejava es- tavam cavando rochas sólidas. Além disso era necessá-
tudar a mina de modo que pudesse diminuir os efei- rio mais tempo para colocar os explosivos, talvez um
tos, ou, pelo menos, predizer o máximo grau de dano. ou dois dias. Moscardó pediu aos oficiais que não fa-
No dia 5 de setembro, porém, arrastou-se até a lassem em público sôbre as minas, embora soubesse
Cuesta dei Alcázar com o estetoscópio emprestado e que provàvelmente fariam comentários.
passou uma hora ouvindo pacientemente o pulsar mo- As previsões do Tenente Barber trouxeram uma
nótono da escavação sob a estrada. Os faróis brinca- onda de desânimo no Alcázar. O dia 6 de setembro, que
vam nas janelas do Alcázar acima dêle, mas Barber tinha começado tão bem, terminou com uma nota de-
passou pelas sombras nas ruas cheias de bombas e re- sesperadora. Ao amanhecer um avião nacionalista lan-
gressou à salvo. Depois de rabiscar algumas notas num çou mais três caixas de alimentos. Não ~ram de Fra~co
pedaço de papel, pediu uma entrevista com Moscardó mas do General Mola. Duas caíram nas linhas republica-
e sua equipe. nas e as guloseimas - fígado de. ~a~so, sard~n~as, .cho-
Os republicanos, anunciou êle, estão cavando dois colate - foram comidas pela mllicla. (A Radio C1~ar~
túneis de mina - não um como êles pensavam. Um es- ral pediu a Moscardó para agradecer a Mola ~or el~s
tava send? dirigido para a tôrre sudoeste e outro pa- quando se encontrassem no inferno.) Na terceira cai-
ra o portao das viaturas. Acreditava que os mineiros xa havia, porém, um bilhete de Mola para os "bravos

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defensores do Alcázar", dizendo que as fôrças nacio- alg uma " coisa, se qui·ser É 0 , ·
nalistas estavam avançando em tôdas as frentes (Mola, por voce. , . maximo que posso fazer
entretanto, estava parado em Guadarrama há seis se- A despeito da proibição contra as . _
manas) e que Talavera de la Reina tinha sido toma- nos grupos de falangistas escapuliram p~:so.es, 1eque-
da pelo Exército da Africa. O bilhete de Mola foi co- ala sul, justificando-se com velhas descu~ Jan~ as da
mo um anticlímax. A mensagem de Franco tinha che- estavam, procurando alimento para a enfermpa~ e que
gado num momento em que a guarnição se conside- . ana ou um
rava desesperadamente cercada e abandonada e agora cabo. eletnco para restabelecer a corrente . Embora suas
consideravam-no como salvador. Mola, o principal rival razztas .rendessed raramente mais do que u m punh a-
de Franco no comando supremo dos exércitos naciona- do d e fIgos po res ou algumas latas de le1·t d
d 'lh - e con en-
listas, tinha sido logrado. sa ?' a pi agem nao era o principal motivo; tinham
Moscardó estava tão pouco impressionado com o ansiedade de provar que, a despeito de serem civis _
segundo presente que omitiu mencioná-lo no seu diá- . 1 ta f' · '
d Iam u r como pro lSSion~is treinados. :Êstes, por ou- po
rio operacional, mesmo sendo êle tão meticuloso que tro lado, davam aos falangistas a garantia de sua co-
registrava cada saco de trigo trazido do celeiro e ca- ragem, mas achavam ridículo prová-la. "Tudo atrevi-
da bomba - com seu tamanho - que atingia o Al- mento, nenhum miolo", diziam. Era, às vêzes düícil
cázar. Se Mola desejava ajudá-los, deveria mandar mais dizer onde a coragem acabava e a tolice começ~va cO-
do que retórica e fígado de ganso. A situação alimentí- mo ficou provado no dia 7 de setembro. '
cia tornava-se intolerável. O alimento substituíra o
Du~ante a barr~g~I? da manhã, seis falangistas
sexo como principal assunto das conversas entre os sol-
dados. Moscardó ficara profundamente deprimido ao conduzidos por Maximiliano Fink, que fôra citado no
descobrir que alguns guardas-civis saíram furtivamen- Gobierno por bravura em luta, escapuliram pela por-
te à noite para vasculhar os ossos nos pátios da espla- ta da ala sul. Uma vez que a milícia de plantão nas ca-
nada leste em busca de refugos das carcaças de cava- sas em frente à Plaza de Capuchinhos escondia-se du-
lo. Outros tinham invadido a farmácia da Academia rante as barragens para evitar ser atingida por esti-
e devorado todo tablete e pílula que tivesse sabor ado- lhaços, Fink calculou que pudesse saltar uma barrica-
cicado; felizmente nenhum era veneno. Moscardó vi- da sem ser detido. Estava errado. No meio da praça
nha tendo continuamente o mesmo sonho nas últimas passou por uma linha de fogo entre duas barricadas.
semanas: estava sentado diante de dois ovos fritos, en- Somente quando os outros se recuperaram atrás de um
charcados de gordura e cercado de batatas fritas. No muro baixo do Alcázar ficaram conscientes de que o
sonho, P.orém, êle nunca comia, colocava-os de lado corpo de Fink jazia massacrado no meio da praça a
para maiS tarde. Estava apavorado. Acreditava que se quinze metros adiante. A princípio julgaram que êle
chegasse a comer, a rendição do Alcázar seria um fa- se estivesse contorcendo mas era o sacolejar dos projé-
to consumado. teis dentro do corpo que dava a ilusão. Isto era mais
Um, dos oficiais, um queixoso notório, enfrentou do que Godofredo Bravo, o melhor amigo de Fink,
Moscardo abert~ente e insistiu para que lhe dessem podia suportar. Baixando o rifle, saltou o muro e cor-
para comer mais do que a miserável ração diária. O reu para recolher o corpo, mas foi morto também.
c?.ronel vasculhou os bolsos, tirou wna nota de cin- Neste momento a Plaza de Capuchinhos estava se
quenta pesetas e disse: "Tome isto, vá lá fora e compre transformando numa galeria de tiros. A milícia correu
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I
I
para lá a fim de investigar a raz~o do barulho: Os na- Iangista morto em ação 1
vindo das salas escuras do
cionalistas aglomeravam-se nas Janelas supenores da andar superior:
fachada sul. Logo que a pontaria dos alcazarenhos
começou a dominar a cena, um terceiro falangista, JO- "Camarada Maximiliano Fink!"
sé Canosa, chegou perto do corpo de Fink ·com uma Presente!" respondia o côro.
11

corda e conseguiu laçá-lo pelos braços. Quando corria "Camarada Godofredo Bravo!"
de volta para o muro uma bala zuniu nos seus ouvi- "Presente!"
dos e furando a parede fêz com que êle perdesse o con- "Viva Espana!"
trôle da corda. Quando um quarto homem tentou bus-
car a corda, outra bala atingiu-o no ombro, lançan- A_ despei~o da perda, ,a. Falange estava orgulhosa
do-o docilmente para trás do muro novamente. Neste da açao do d1a. A~guns cntlcos admitiam que ficavam
momento outro falangista, José Berzosa, correu, agar- alegres de ver os JOvens "fanáticos" lutar com 0 exér-
rou o corpo e usando-o como escudo arrastou-o para o cito e não contra êle. Outros, como o Coronel Romero
Alcázar. Milagrosamente saiu ileso, embora o cadáver consideravam o episódio como rasgos de loucura qu~
fôsse atingido duas vêzes. Um falangista - mesmo punham em perigo a segurança da fortaleza. Pediu, e
morto - era um troféu para a milícia e por isso fize- a junta aprovou, 9-':e os membros da Falange fôssem
ram várias tentativas para recuperar o cadáver. Um absolutamente pro1b1dos de fazer incursões e de parti-
intrépido anarquista conseguiu puxar a corda e arras- ciparem de escaramuças com a milícia a não ser no
tar Fink para perto dêle, mas foi fuzilado. Durante o caso de um ataque total. Os falangistas ficaram indig-
I nados quando souberam dêste veto, mas acalmaram-se
resto do dia uma selvagem vingança teve lugar na Pla-
I za de Capuchinhos. Republicanos abandonavam suas
posições em outros setores para se juntarem à brinca-
um pouco, pois Moscardó prometeu que os utilizaria
nas mais arriscadas missões que aparecessem.
deira ao longo da muralha sul. Tentavam alternada- A artilharia republicana castigou a tôrre noroeste
mente laçar o corpo e acertar tiros nêle. Os falangis- durante quatro dias, acertando 272 tiros com seu úni-
co 155mm. Do Zocodover a tôrre parecia um rosto mons-
tas lá dentro estavam lívidos. Moscardó teve finalmen- truoso: sob duas janelas, semelhantes a dois olhos, ha-
te que despachar Vela e outros oficiais para impedir via um enorme buraco do feitio de uma bôca bocej an-
que fizessem uma sortida em massa. Veteranos enca- te, que vomitava fumaça por tôda parte em que a tôr-
necidos da Guarda Civil reuniram-se pelas imediações, re havia sido atingida. O campanário parecia uma ab-
incrédulos, espantados com o fato de um cadáver na surda gaiola de passarinho e a fisionomia do monstro
estrada ser a causa real dêste tumulto. era marcada pela varíola e esburacada. No dia 8 de
Depois que escureceu os falangistas puderam tra-
\ setembro o 155mm atirou mais 29 balas na tôrre, que
zer de volta o corpo de Maximiliano Fink; estava tão balançou convulsivamente, jinclinou-se vagarosam~nte
perfurado pelas balas que quase se desmantelou quan- para oeste e caiu com estrondo na Cuesta del Alcaz~r.
do seus camaradas o carregavam para dentro. Com seu Por tôda Toledo celebrou-se a queda da segunda tor-
tipo germânico, grande e louro, Fink era considerado 1 - Logo depois das exéquias a Falang~ votou um~ Pal:
um dos mais corajosos nacionalistas. Algumas horas ma de Prata póstuma para o Bravo e propos o ~om~ de .ou
mais tarde a milícia ouvia perto das janelas do lado tros seis para êste prêmio, símbolo de sua organ1zaçao. Flnk,
sul um estranho canto, o serviço fúnebre para um fa- embora morto como Bravo, nada recebeu.
159
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Os defensores prepararam-se para um assalto da - Academia! El , Comandante. _ RoJ· o deseJ· a f a1ar
~antaria que não chegou a ser consuma. do.
. A cama- com C, orone1 M oscar d o ou Capitao Alamán.
da de poeira levantada pelo colap~o da to;re obscure- Ja q~e E! qomar:dante Rojo significava "Major
eu momentâneamente o sol e cobnu a estatua da Vir- ver~elho a replica foi um estouro de rifle dos homens
~em na capela. Não houve, porém, desabamento no nas Janelas sul, que calculavam que a Rádio Cigarral
porão. ia começar suas transmissões noturnas. o fogo não te-
Quando ao meio-dia a barragem cessou, Moscardó ve resposta. A voz chamou de nôvo:
e seus ajudantes escalaram os escombros. Observaram - Não! . vocês n~o me entenderam. Eu sou 0 co-
com satisfação que a tôrre desabada bloqueava a Cu es- mandante V1cen~e ~OJO e preciso falar com seu coman-
ta para veículos e tanques. Se os atacantes subissem dante, com urgenc1a.
esta rua, vindos do Zocodover, teriam que fazê-lo a pé ~o Alcáza~ os oficiais ~icaram espantados. o Ma-
e teriam que escalar um monte de entulho de nove me- jor V1ce~te ROJO er~ um antigo professor de História da
tros de altura para alcançarem as áreas onde as minas Acade~la e conhecido da maioria dêles. Rojo tinha de-
eram preparadas. Algu~s _oficiais ~entiam q~e a obs- saparecido quando a revolta explodiu e era considera-
trução melhorava a posiçao defensiva do Alcazar, mas do, p~r os ~eus ,companheiros o melhor estrategista do
o Tenente Barber estava preocupado. Uma vez que a exercito. Nmguem tinha certeza se êle era republicano
tôrre carregara o poço da escada noroeste, as salas su- ou nacionalista, mas reconheciam a sua voz.
periores só poderiam ser atingidas pela escada da tôr- Enquan~o. ?rdenanças alertavam todos os postos
re sudoeste, a qual, por sua vez, seria destruída quan- para a possibilidade de uma armadilha, Moscardó co-
do a mina explodisse. Tornar-se-ia, então, impossível locou-se numa das janelas mais baixas e, levando à bô-
alcançar qualquer destas salas. Barber temia que os re- ca as mãos em forma de concha, gritou:
publicanos pudessem subir aí pelo lado de fora. Nin- - Aqui fala o Coronel Moscardó. O que deseja?
guém concordou com êle. Diziam que a Guarda Civil, - Aqui é o Major Vicente Rojo.
entrincheirada na crista norte, os impediria. - Sei quem é - disse Moscardó.- O que deseja?
Ao entardecer, um silêncio assustador caiu sôbre - Tenho uma comunicação urgente do Govêrno.
Permitirá uma trégua amanhã pela manhã as 9 horas
Toledo. A milícia interrompeu o paqueo inteiramente. para que possa entrar no Alcázar?
Quando os falangistas lançaram-lhes insultos e obsce- Nos dez minutos que se seguiram houve um com-
nidades não responderam com um só tiro. A cidade pa- pleto silêncio, enquanto Moscardó consultava sua equi-
recia adormecida ou mesmo morta. Uma onda de de- pe. Chamou, então:
sassossêgo passou pelo Alcázar. Estaria sendo a cidade - Está bem. Pode vir.
evacuada, para a explosão da mina? Inteiramente im- - A minha segurança pessoal? O senhor também
possível, afirmava Barber. Estariam preparando um garante?- Moscardó ficou enfurecido com êste sinal de
ataque noturno? Moscardó ordenou que todos os ho- desconfiança. _ . .
mens em condições tomassem suas posições. A guarni- - Nós somos cavalheiros- gritou-, e nao 1gua1s
ção esperou ansiosa. à escória republicana. Terá uma hora.
As dez e meia da noite, um megafone numa das O resto da noite passou sem um tiro de amb~s ~s
casas destruídas na Plaza de Capuchinhos quebrou o partes. Mas foi uma noite de insônia p~a a ma1ona
silêncio: do pessoal do Alcázar. Circulavam rumores de que a
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República desejava um armistício P?r causa da ruptu- do estórias em favor dos defensores. 2 o melhor _
das linhas em Talavera · de la Reina. Outros . contu- tanto, era obter u!Tia rendiç~o total e caso isto não p;~­
do, achavam que Rojo trazia apenas um pe I o d e ren-
ra d"d desse se~ consegu1~o, ~rran]ar a evacuação das mulhe-
dição. . . res e, cnança.s. Feito Isso, a. República poderia reduzir
os acontecimentos da pnmerra semana de setem- o Alcazar a cinzas sem ultraJar a opinião mundial Q
bro causaram gran~es mua~n~as no g?vêr~o. O rápi- e"le comp,reen d ~ss~ ou nao,
- a maior arma defensiva . uer
de
do avanço do Ex~rcito . d~ Afnca, em. direçao a_ Ma?ri Moscardo c<2ns1st1a nas mulheres e crianças amontoa-
derrubou o Primeiro-Ministro Jose Girai, que nao diri- das nos poroes; pa~a arr.ebatar-lhes esta arma, 0 govêr-
giu a guerra com bastante energia, colocando n~ poder no m~ndara o MaJor y1eente Rojo a Toledo a fim de
0 popular socialista Largo Caballero que prometia unir negociar com seus antigos colegas da Academia.
o país e fazer da Espanha .o "t~mulo dos fascistas". Um As nove horas da n1anhã do dia 9 de setembro o
de seus primeiros atas foi designar o Coronel Asensio T?egafone anunciou 9-ue o Major Rojo atravessava as
Torrado para comandar as fôrças sitiantes do Alcázar. llni:as. Momentos m~1s tarde surgiu uma figura de ma-
l!ste oficial de quarenta e quatro anos, considerado um cacao azul, um bane na cabeça e um cinto das fôrças
dos legalistas mais brilhantes, recebeu ordens no senti- zrmadas na cintura. Penetrou por uma abertura feita
do de que "uma vez e para sempre o pesadelo toledano pelos projéteis na Plaza de Capuchinhos. Sob a estrê-
devia acabar". Chegou a Toledo no dia 7 de seternl:>ro, la de major, pregada no bôlso, Rojo usava as côres da
fêz uma inspeção e ganhou ràpidamente a confiança República, vermelho, amarelo e púrpura. Os oficiais re-
da maioria dos representantes dos sete mil milicianos. conheceram logo Vicente Rojo por sua estatura baixa,
Trouxe milhares de bonés tipo bico-de-pato) cada um bigode castanho ralo e fisionomia erudita atrás dos
com uma borla vermelha, para serem dist ribuídos aos óculos redondos de tartaruga. A medida que avançava
homens. Os anarquistas recusaram-se a usá-los por se- através da praça, olhava as janelas aparentemente va-
rem distribuídos pelo exército, enquanto outros pronta- zias do Alcázar e devia notar as bôcas das metralhado-
mente aceitaram esta dádiva que os assemelhava ao ras silenciosamente seguindo seus passos. Caminhava,
exército. A turba desordenada começou a desligar-se porém, confiante, quando uma voz ordenou-lhe que pa-
da disciplina militar. Asensio Torrado esclareceu que a rasse. Os binóculos surgiram nos peitoris das janelas,
frente de Toledo não era mais um lugar para insolen- examinando-o com uma atenção microscópica. A voz
tes e assassinos. orientou-o então, para a Cuesta del Alcázar, para o por-
Enquanto o coronel apertava o cêrco, surgia outro tão das viaturas, onde ficou esperando. Finalmente a
problema para Caballero: o que fazer com as mulheres porta abriu-se e saíram dois oficiais, o Major Blas Pi-
e crianças dos porões do Alcázar. Seria desumano ex- fiar e o Capitão Emílio Alamán, ambos apertando os
plodi-lo juntamente com a guarnição; além disso, se-
ria uma publicidade desastrosa. O govêrno estava sen- 2 - A simpatia pelos defensores espalhouA-se por entre
os leais republicanos, especialmente entre aqueles empenha-
do assediado com pedidos para que os não combaten- dos na luta. Mais tarde, quando correu o boato de que o Al-
tes fôssem evacuados da fortaleza. Mesmo os j ornalis- cázar tinha sido libertado pelo General Fran~o, Ola~f _de Wet,
tas mais simpáticos à causa do govêrno, esquivavam- um pilôto estrangeiro que tinha vo~c;Io. em"mmtas m1ssoes co~­
tra o Alcázar escreveu em seu d1ano: Eu espero que seJa
se à perspectiva da matança de inocentes. Muitos cor- verdade... admiro imensamente os heróic?s de!e~sores da
respondentes, seguindo um impulso natural para toma- velha fortaleza. Existem, mesmo entre os ma1s fanat1cos, quem
rem o partido dos oprimidos, estavam agora escreven- pensa como eu."
173
172
ülhOS por causa da exce~siva cla~idade. Estavam bran- menos
· de
· dezesseis
d R 'bli anos e entrega de tod os os out ros aos
cos como giz. Quando. p~eram smal a Roj 0 para que tnbunais a epu ca . que determinar1· am a ext ensao -
subisse até êles, um miliciano do outro lado da rua re de suas cu1pas. H avia dez assinaturas alg d
mungou: "Isto é o fim daquele camarada." s- · ·1 ' · t , umas as
q uais I eg1ve1s, na uralmente escritas por ma-o nao - acos-
Os oficiais do Alcázar vendaram os olhos de Roj tuma d as a se~urar um~ caneta. o último nome da lis-
conforme prescrição do regul~mento em campo de b~~ ta era o de VIcente, Ro]O. . Quando acabou de 1er o do-
talha, e cond~ziram-no atraves de um~ porta que foi cumen d
_ t o, M oscar o excitado bateu-lhe com as cost as
batida com força e t~ancada. Todos ti~~am recebido da mao e pas~ou-o a Barber. Disse então a Rojo:
o ordens para q~e mantivessem a~solut_o si~encio durante - Prefenmos que o Alcázar se transform
·t' · mas nao - num monte de estêrco. e num
a visi~a de RoJO, a fm de ~~e ele nao fizesse idéia de cerni erio
seu numero e de suas cond1çoes. Quando os guias ten- Sentando-se na mesa do superintendente Mascar-
tando confundi-lo, conduziram-no em círculos p~ra 0 dó e~c:eveu num. p~daço de papel: "Relativa~ente às
L gabinete do Superintendente, Rojo deve ter-se diverti- co?:llçoes de rendiçao do Alcázar, apresentadas pelo Co-
do, ,._Pois conhe~ia a pla~t~ da Academia tão bem quan- n:Ite, tenho o grande prazer de informá-los que do úl-
to eles. Levou Involuntanamente a mao ao nariz diver- timo soldado ao comandante todos rejeitam as ditas
sas vêzes, mas controlou-se. Quando finalmente para- condições e desejam continuar a defendê-lo e à digni-
ram, ouviu sussurros ao redor. A venda foi arrancada dade da ~spanha .até o fim." Levantou-se' e entregou
e encontrou-se piscando diante do coronel, alto vaga- isto a ~OJO ~ caminhou l?ara a porta. Rojo perguntou . . .
mente familiar, de pé na frente dêle, olhando-o' auste- se havia maiS alguma co1sa a fazer por êles.
ro. Imediatamente reconheceu o gabinete, que se con- - Sim, replicou Moscardó. Mande-me um padre.
( servava q~ase o I?-esmo, ex~~to por uma espêssa cama- Não desejamos nada mais de vocês. Deixou então a sala.
da de poeira e pilhas de tiJolos nas janelas. A identi- Logo que Moscardó se foi, o gabLn.ete encheu-se de
dade do coronel fugiu dêle por um momento. A face oficiais nacionalistas, que rodearam Rojo e martela-
estava escondida por uma espês.sa barba grisalha, 0 uni- ram-no com perguntas. A atmosfera era tão calma e
. forme rasgado e manchado, a figura em si sugeria mais cordial como a de um clube de oficiais. A maior parte
um espa~talho do que um homem. Quando reconheceu delas relacionava-se com as minas - de que tamanho
Moscardo, Rojo deu um passo à frente e estendeu-lhe seriam? Onde estavam localizados os túneis? Quando
a" mão. Voltando-se ~bruptamente, Moscardó fingiu não estariam prontos? Rojo disse que não tinha idéia de on-
ve-la. O coronel pediu que todos abandonassem a sala de estavam, mas que havia sido informado que detona-
exceto o Tenente Barber, que ficou para ser a testemu- riam dentro de uma semana. Indagado sôbre o avanço
nha oficial da conversa. nacionalista sôbre Madri, disse que Mola tinha sido
Sem maiores cerimônias Roj o disse : completamente detido nas montanhas de Guadarrama
- Tenho um documento do Comitê de Defesa de e que, embora Franco ainda avançasse, seu avanço era
Tole~o. Entregou a Moscardó um papel datilografado demorado. Acrescentou com um sorriso: "O inimigo tem
que ele leu com os lábios movendo-se com as palavras pouca munição." Quando alguém lhe, pergun~ou .por
a~ mãos tremendo, enquanto Barber acompanhava po~ aue não permanecia com êles no Alcazar, ROJO flcou
cuna. ~e seus ombros. O papel delineava os têrmos da pensativo. "Se eu o fizesse, esta noite m~nhaA mun~er e
rendiç~o: salvo-conduto para os ocupantes imediata li- meus filhos em Madri seriam mortos", disse ele. So de-
bertaçao para as mulheres, crianças e combatentes com
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pois alguém notou que Rojo tinha evitado dizer-lhes se O chefe do comitê pegou 0 t 1
êle queria ou não ficar com êles. - Baterias de artilharia? ót~ efone er:rel;ivecido.
Antes de ter novamente os. olhos vend,ados, Rojo Barceló. Fogo noite e dia no Alcáz~~ob Aqu1 e o Major
deixem nenhuma pedra maior d0 r. estruam-no! Não
deixou o seu fumo na mesa e disse: "Esta e a melhor cUnho. que 0 meu dedo min-
lembrança que lhes posso dar." Quando a venda era
apertada ao redor de seus olhos, subitamente gritou: As doze horas de silêncio em Tol .
repentinamente a um quarto ara edo termmaram
"Viva Espana", como faria um soldado que estivesse canhões republicanos entrara~ no as onze, quando os
enfrentando um esquadrão de fogo republicano. Mes- ção. Ao n:es~o tempo, a espôsa de vamente em erup:
mo sendo isto uma saudação monarquista, era ambí- luz ao prrme1ro filho numa mesa d um. c.adete dava ~
gua - a qual Espanha estava o Major Rojo aludin- cidade, um buraco imundo do -a oflcma de eletn-
do? O Major Piiíar e o Capitão Alamán conduziram-no d R t•t t , porao norte Recebeu o
ao portão das viaturas com outros oficiais seguindo-os nome e es I u o Alcazar Valera e f . f · .t
honorário" da Academia. OI ei o "cadete
silenciosamente. Quando a porta se abriu e a venda foi
removida, Rojo murmurou ao Capitão Alamán: "Pelo O Major Roj o regressou a Madri depois da . _
amor de Deus, procure a entrada das minas!" A porta cumprida. 3 Na mesma noite o corresponde t mfissao
,. L · D 1 , · n e ran-
bateu e Rojo ficou de pé lá fora ouvindo-os empilharem ces ou1s e a~re~ :ve1o da Capital para Toledo, a fim
entulho contra as almofadas da porta de madeira. Fal- de lhescreve~ a h1stor~a da rendição. Pesadas nuvens ver-
tavam cinco para as dez. O Major Rojo não gastou a me as prur~vam sobre a cidade, refletindo as foguei-
hora que lhe fôra concedida. Quando passou pelas li- ras que ardiam na fortaleza. Encontrou ambulâncias
nhas republicanas para entregar o papel de Moscardó d3: ç;~uz V~rme~ha rum~ndo para Madri com feridos da
os homens de uniforme azul, notando que seus olho~ millCia., O Interior da Cidade era um negro emaranhado /
estavam úmidos, afastaram-se e deixaram-no avançar de obstacul?s, despovoado e cheio de fumaça sufocante.
sem fazerem perguntas. Del8:p~ee encon~rou o Major Barceló cercado por
seu comlte nC? c~rreio e perguntou-lhe qual o resulta-
No Alcázar, Moscardó percorria um corredor escu- do das negoc1açoes para recuperar as mulheres e cri-
ro com um ajudante-de-ordens ao lado. Nada falou du- anças.
rante longo tempo. Então, parou e comentou: "Não pos-
- Não o conheço! Saia desta cidade! - berrou
so entender exatamente por que um homem da inte- Barceló.
gridade do Major Rojo não fica conosco." Depois de al-
g~ns passos de um lado para o outro voltou-se para o
Delaprée protestou dizendo que esta era sua sexta
aJudante e perguntou: "Você acha que seria natural viagem a Toledo e que, até então, todos haviam fa-
que eu lhe apertasse a mão? Desejava fazê-lo mas não lado francamente.
pude!"
3 - Diversos meses mais tarde Rojo tornou-se Chefe do
, No ?orrei?, Rojo entregou o pedaço de papel a Bar- Estado-Maior do Exército do Centro, e no fim da guerra de-
ceio e disse simplesmente: "Recusaram." ram-lhe o pôsto de general, por ter planejado as ofensivas
- Mas as mulheres, as crianças ... ? - perguntou de Brumete e Ebro. Depois da vitória final de Franco, em
1939, foi para o exílio. Contudo, em 1950 êle era um dos pou-
Barceló. #'
'' cos comandantes republicanos que tiveram permissão para
_- Um dêles disse para mim: "Nassas famílias mor- voltar à Espanha, onde agora vive, tranqüilamente reforma-
rerao conosco. Se pudermos, carregaremos o mundo in-· do, ainda hoje altamente respeitado por seus antigos ini-
teiro para morrer conosco." migos.
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_ Não conheço ninguém! - gritou o major. - É de mármore e escudos cavados em pedras ficavam es-
meu dever suspeitar de todos. palhados entre escombros menos importantes como se
Quatro milicianos escoltaram o corresponden~e. até esperassem o aparecimento de um arqueologista. A es-
. a da cidade ' onde esperaram para certificar- tát~a de bronze de Carlos V foi arrancada do pedestal.
a f ron t err . , · d Jaz1a por terra, revirada porém inteira. O queixudo
se de que êle partira para Madn. ~ A cazar a1n ~, a~-
1
dia acima dos telhados baixos da c1~ade e os pr?Je~els Habsburgo conservava ainda o pé sôbre o infiel em con-
da artilharia caíam de minuto a m1nuto. Pa.recla 1m- torções, embora os pedaços de seu escudo destacável se
possível que sêres humanos pudessen; sobrev1ver, mas espalhassem por tôda parte.
0 fogo das bombas e o furor de Barcelo provaram a De-
Seguindo o conselho do Major Rojo de continuarem
laprée que na verdade êles ainda lá estavam e que se a procurar as entradas dos túneis das minas, Vela che-
haviam recusado a render-se. fiou uma fôrça de guardas-civis e falangistas ao Capu-
Mesmo os artilheiros republicanos nas baterias de chinhos às quatro horas da manhã do dia 10 de setem-
Dehesa de Pinedo estavam excitados com a recusa de bro. Untados de lama e calçados com sandálias de cor-
da, pensavam escapar quando atingissem a primeira
rendicão. Sacudindo a cabeça em direção à fortaleza, rua paralela ao sul. Subitamente, caíram numa embos-
um atirador em manga de camisa dissera a outro cor- cada: o fogo era tão pesado que a rua escura era ilu-
respondente estrangeiro: "Se tivéssemos poucos - ape- minada pelos clarões dos rifles e explosões de grana-
nas poucos - como aquêles do nosso lado, esta guer- das. Os homens de Vela atiraram-se ao chão; êle espe-
ra acabaria logo." rou um contra-ataque, que não se consumou. Quando
Aumentava cada dia o número de projéteis que ex- regressaram ao Alcázar com um morto e treze feridos,
plodiam no Alcázar. Cada dia ficava menos da cons- Moscardó desistiu de destruir os túneis.
trução para alvejar. Foram instalados mais faróis no A barragem do dia 10 de setembro foi quase tão
Zocodover para ajudarem os artilheiros e os trimoto- pesada quanto a do dia anterior, havendo explodido
res que bombardeavam a 1 500 metros, a salvo das pis- 149 bombas no Alcázar. Ao cair da noite, entretanto,
tolas e rifles de baixo calibre. Uma bomba caiu na tôr- houve uma súbita interrupção do fogo. As 1.0 horas, os
re sudoeste, arrancou dois lances da escaãa e atingiu postos ao longo da ala sul foram surpreendidos ~o ou-
o solo sem explodir entre um grupo de falangistas no virem uma voz chamando-os da Plaza de Capuchmhos:
andar térreo. O Major Mendez Parada achou que o es- - Academia! Concedemos seu pedido. O Cônego
topim não tinha sido colocado. Vásquez Camarasa vai visitá-los às nove horas da ma-
- Significa isto que nossos simpatizantes infiltra- nhã por um período de três horas. Mandamos-lhes ?
ram-se na fôrça aérea republicana? - perguntaram- padre. _Apupos entre a m~lícia acompanharam o avi-
lhes os falangistas. so. Alguém nas sombras gr1tou:
- Não necessàriamente - replicou o major. - - o diabo que carregue suas almas! Poucos dias
Significa unicamente que são incompetentes. mais e vocês serão capazes de utilizar todos os padres
Os artilheiros de Dehesa não eram incapazes. Seus da Espanha.
projéteis explodiam através da grande fenda ao norte Moscardó que esperava lhe mandassem um padre
e explodiam no pátio, derrubando pedaços das arca- condenado à inerte pela República, soube para. seu de-
das- o grande pátio onde Afonso XIII, certa vez, pas- sapontamento que Camarasa tinha sido escolh1do para
sou em revista os cadetes. Pedaços maciços de coluna
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a missão. Na sua opinião, Camarasa, reputado como
um dos mais liberais clérigos da Espanha, era pouco tegendo o cônego ou impedindo que êle fugisse. Quan-
melhor que um marxista;. afinal, um .padre era melhor do alcançaram o correio, a barragem da manhã fôra
que nenhum. O coron:l ficou a!lgustiado _porque o pa- suspensa e o barulho das pequenas armas de fogo ao
dre não teria permissao par.a ficar .co_:n eles. De:r sua redor do Alcázar também cessara. Aqui encontraram o
palavra de que o côneg~ teria permiss.a? para deixar .a Major Barceló e seguiram caminho em direção ao Al-
fortaleza no fim das tres horas de VISita. Os republi- cázar através de um labirinto de vielas. A notícia da
canos naturalmente suspeitavam que tentassem usá- chegada de Camarasa espalhou-se por Toledo e o povo
lo como refém. voltava-se para observar a procissão. Alguém fêz a sau-
dação de punho cerrado, gritando: "Viva .a República"
Era a segunda noite calma e insone para os habi- e o padre agradeceu fazendo o mesmo gesto sem dizer
tantes do Alcázar; a espera do visitante pela manhã nada. Quando passaram pela Igreja das Carmelitas, Ca-
manteve-os acordados. Muitos aguardavam Camarasa marasa lembrou-se de que pregara o sermão da Qua-
com tanto fervor como se êle fôsse um anjo libertador. resma ali. Ninguém aludiu à matança ocorrida na igre-
Outros viam-no como anjo da morte~ pois um pensa- ja dois meses antes, mas, sem dúvida, Camarasa ouvi-
mento inquietante invadia-lhes o espírito: os republi- ra falar dela. Dobraram uma esquina e logo adiante
canos haviam permitido a vjnda do padre porque o fim ficava a muralha sul do Alcázar, mostrando-se ligeira-
do Alcázar estava próximo. Camarasa estaria adminis- mente azul através da fumaça que se desprendia em
trando os ritos da extrema-unção. tufos.
Logo depois das oito horas da manhã do dia 11 de Carregando uma bandeira do tamanho de um len-
setembro um carro de passeio parou do lado de fora çol, o Major Barceló e um capitão de milícia avansa-
da porta de Bisagra e cinco milicianos armados salta- ram pela Plaza de Capuchinhos, onde pararam e flca-_
ram. Com êles, num terno azul mal assentado, estava ram à espera. Abriu-se uma porta e saiu uma pessoa
um homem alto, grisalho, com a face gorda coberta com uniformizada. Era o Capitão Sanz de Diego. Asse;melha-
uma barba também grisalha. O Cônego Vazquez Ca- va-se a uma aparição do outro mundo. Seu uniforme,
marasa, anteriormente da Catedral de Madri, chegou a embora cuidadosamente escovado, estava manchado e
Toledo com sua escolta secular. 4 rôto; a face esquálida atrás da barba: tinpa a côr do
Com os rifles sôbre os ombros, os milicianos desfi- O'êsso velho. Uma atadura suja pendia sobre um dos
laram pelas ruas estreitas que conduziam ao centro da ~lhos, pois o Capitão Sanz, que desempenha~a alg~as
das funções de padre desde o comêço do cerco, tln~a
cidade. Camarasa caminhava entre êles. Um observa- sido ferido no rosto por estilhaços enquanto conduz~a
dor seria incapaz de determinar se a escolta estava pro- um serviço funerário no Picadero, semanas ap.tes. Nao
carregava uma bandeira branca como B~rcel~ -: M~~­
4 - André Malraux, em seu livro Man's Hope, diz que a cardó recusou-se a dar esta pequena satlsfaçao a mlll-
milícia tirou Camarasa de um bar em Madri para trazê-lo
a Toledo e que era considerado por êles como um "impostor" cia. Barceló abriu a conversação. "
porque gastava dez minutos para dizer aquilo que podia ser _ o senhor deve jurar garantir a vida do Cone-
dito em meio minuto; além disso, diz que Camarasa tinha se go Vazquez Camarasa e não tentar detê-lo. .
recusado a aceitar a designação a não ser que lhe prometes-
sem salvo-conduto. Embora Man's Hope seja uma obra de fic- _ o Coronel Moscardó dá a sua palavra - repli-
ção, permanece fiel ao espírito do cêrco e reflete apuradamen- cou o capitão. Camarasa atravessou os escombros. ~~
te o descrédito que gozava o clero entre os republicanos. mão esquerda carregava uma roupa branca mancha
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e um saco com os objetos religiosos. Na mão direita , ~as ~ssa admoestação foi engolida por voze d
apertava um crucifixo de bronze embaçado. Vagando propnas llnhas: s as
por ali estavam diversos repórteres que desejavam ver - Oh! cale a bôca! Deixe os pobres bastardos em
mais de perto o Alcázar, mas o Capitão Sanz levantou paz!
a mão espalmada como uma saudação fascista e gritou: . Os oficiais do _:1lcázar, contudo, estavam prontos a
- Voltem. Ninguém mais. - Os repórteres volta- aceitar a provocaçao. Um dêles gritou:
ram como se tivessem visto Lázaro. O capitão vendou os - Vocês, bandidos, são os únicos enganados. Nós
olhos de Camarasa com uma tira de sêda e os dois fo- estamos com Deus e o povo.
ram engolidos pelo Alcázar. - Deus? Isso é piada. As igrejas estão gordas e o
Uma vez dentro do prédio, Sanz agarrou Camara- povo morrendo de fome.
sa pela lapela e perguntou-lhe bruscamente: - Mentirosos! Nós somos os únicos a morrer de
- O senhor pode celebrar missa?- E segurou-o fir- fome. Vocês bastardos estão passando bem enquanto nós
me até que êle respondesse sem entusiasmo: "Posso, se não temos nem fumo.
desejar." Enquanto outro oficial examinava a venda os - O que é isto? - disse um miliciano um anar-
.
ombros de Camarasa contorciam-se. Os homens ao ' re- quista com uma tatuagem no braço. - Se~ fumo? -
dor riam e alguém disse: Caminhou para os oficiais com um maço de cigarros na
- Não se preocupe. Só a multidão lá de fora as- ~ão,. co;mo se tivesse intenção de atirá-los para êles e
sassina padres. - Sem mais demora, foi levado ao gabi- distribuiu-os um. a um. Vendo o que acontecia, os al-
nete de Moscardó para conferenciar com o comandante cazarenhos nas Janelas de cima romperam numa bal-
que suspeitava do cônego. Achava que não o tinha~ búrdia: "Hei, cigarros! Hei, homem, também queremos
enviado para salvar-lhes as almas, mas para compeli- cigarros! "
los à rendição. Outro miliciano gritou: "Espere um pouco!" Do-
brou uma esquina e voltou com uma fôlha de jornal
Enquanto isto, lá fora nas ruas, a trégua come- cheia de cigarros. Os homens nas janelas romperam em
çava a ser sentida como uma coisa palpável. Os mili- aplausos quando o Capitão Vela aceitou o presente e le-
cianos abandonavam as barricadas e vagavam confi- vou-o para o Alcázar. A amargura de dois meses não
ar:tes pela fronteira sul da Plaza de Capuchinhos. Os podia, todavia, ser apagada com um simples gesto. Os
atiradores !lletiam as cabeças pelos peitoris das jane- nacionalistas estavam tão envergonhados de aceitar co-
las _do Alca~ar para ver se seriam alvejados; ficavam, mo os republicanos de dar. A zombaria continuou:
entao, de pe e, por fim, debruçavam-se para respirar
o ar fresco. Diversos oficiais nacionalistas, chefiados - Pediram um padre? Parece que está tudo per-
por Vela, saíram da fortaleza passeando juntos na pra- dido para vocês.
ça. Os homens de ambos os lados desejavam entabu- - É o que pensam. Nassas tropas estarão logo aqui.
lar conversa entre as linhas mas ninguém sabia como Então vocês vão ver.
come~ar. Estavam isolados por uma parede de cons- - Vocês também podem esperar pelo Segundo Ad;
trangimento. Derrubando aquela parede um miliciano vento quanto a Franco. . ...
gritou: - Estão enganados. Não esperaremos m~lt_? - nao
está longe o dia em que seus homens fuguao como
- Rendam-se! Vocês estão sendo enganados pela
canalha fascista. Salvem-se! coelhos.
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_ Tudo mentiras! Por que estão de~xando cres- Enquant.o isso, no ~abinete do superintendente,
cer as barbas? Aprontando-se para o paraiso? Camarasél: p1nt~va . um llsonjeiro retrato da situação
_ como é que havemos de barbear-nos? Com es- em Madri: as IgreJas, embora fechadas, não estavam
sendo profanadas; se~s quarteirões eram protegidos por
padas? " " . uma guarda anarquista; havia muita comida. Então
outro miliciano tirou do bolso um pacote de lami-
nas de barbear e fêz menção de arremessá-lo aos ofici- afetando certa displicência, como se ignorasse a impor:
ais como quem joga amendoim a um macaco,. !?as COI_U tância militar da pergunta, indagou de Moscardó quan-
um olhar zangado entregou o pacote ao ofiCial mais tas pessoas h~via no Alcázar. Moscardó respondeu que,
próximo e afastou-se praguejando consigo mesmo. embora respeitasse o cônego, não lhe podia dar infor-
Quando os oficiais aglomeraram-se em volta ~o-pacote mações de caráter militar. Camarasa enrubesceu e des-
os milicianos riram do outro lado, mas o Capltao Vela culpou-se amplamente pela indiscrição. Moscardó tor-
nou-se frio.
ordenou que os oficiais se dispersassem.
- O senhor veio preparado para confessar-nos e
Repentinamente, um único tiro de rifle quebrou a celebrar a Santa Missa? É tudo o que queremos. - O
trégua. o Capitão Vela agachou-se como um boxa- clérigo concordou dàcilmente e seguiu Moscardó pelo
dor preparando-se para ~squivar um. golpe, en9uanto a corredor do porão onde os fiéis se ajoelhavam nas lajes.
milícia mergulhava atras das barricadas. Nao houve As cenas que se seguiram lembravam as crônicas
outros tiros e demorou um pouco até que alguém com- dos primórdios do Cristianismo - os esfarrapados fiéis
preendesse o que acontecera. ~lguns dos h~mens apon- reunidos numa catacumba ensebada pela fumaça das
taram então, para uma das Janelas superiores do Al- lamparinas; mas um detalhe destoava completamente
cázar. 'Um corpo pendia do peitoril. Era. Nicolas Hernán- do esquálido cenário: a plataforma do altar estava res-
dez, um jovem falangista, que tentara avistar a casa ulandescente, com um imenso e espêsso tapête com as
de seus pais não muito longe dali. O alvo tinha sido ârmas reais do Rei Afonso XIII, bordadas a ouro e
tentador demais para um miliciano anônimo. Os dois
homens provàvelmente estavam de rixa há muitas se- púrpura. , .
manas. Em seu sermão Camarasa falou no Juizo Fmal e
na danação. Dirigia~se aos fiéis c?mo se êles já f?ssem
Um praguejar furioso irrompeu dos dois lados, di- almas mortas enfrentando o Juiz Supremo. Avisava-
rigido ao assassino. A milícia gritava para o lado do lhes que quando o Alcázar fôsse des~ruído, a responsa-
Alcázar que êles podiam prendê-lo e matá-lo. No meio bilidade seria mais dos que o defendiam que dos que .o
dessa confusão, Vela ordenou aos oficiais que voltassem atacavam. Também êles seriam julgados. c~mo ass~sl­
à fortaleza e cobriu a retaguarda, vigiando cuidadosa- nos de crianças inocentes. Um of~cial maiS ~d~so, aJoe-
mente o inimigo do outro lado da praça, para não dar lhado mais perto, esfregava as maos e repetia.
à milícia uma oportunidade de atingi-los pelas costas. - Pela Espanha, pela Espanha, pela Espa~ha. -
Parou, um momento na porta, lançando um olhar fe- outros começavam a soluçar; algumas I?ulheres ficaram
roz aos cabisbaixos republicanos. Sem dizer uma pala- histéricas. Mesmo o Coronel Romero f.1~ou abalado pe-
vra, estendeu o braço numa saudação fascista, como se lo sermão aterrador; mais tarde, adm1t1u qu; as pala-
os provocasse a atirar nêle. Fêz, então, meia volta e vras de Camarasa tinham gelado seu coraçao. Outros (.
desapareceu. Não se ouviu nenhum outro tiro durante oficiais ficaram furiosos. Camarasa estava falando em
as últimas três horas de trégua. nome de Deus ou de Largo Caballero? ..J
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c0mo não havia tempo para confissões individuais
f·ciente a absolvição geral. Restituto Alcázar Va: . Pelo caminho, alguns oficiais cercaram camarasa
era su ·1ba tizado e a h os
, t 1a
· consagra d a 1evad a aos dO- ped~ndo-lh.e .certos ~avores quando chegasse a Madri Um
1ero f 01 ' · Depo1s
· d essas cenmonias
· "
t es gr aves da enfermana. antigo policial _Pediu-lhe para levar um anel crivado de
en d, f "' ·
Cama.rasa pediu a Mascar o uma con erenc1a .P::Ivada ·
esm~raldas e diamantes para um santuário local, 0 que
uma vez a sós, abordou o assunto da rend1çao. As o conego p~omete~. fazer. Outros desejavam mandar
~inas dizia êle, destruiriam a todos ~ o pêso da res- mensagens as f~rnllas. Quando Camarasa fêz menção
ponsabilidade recairia sôbre Mos?ardo. Embor~ fôsse de apanhar os bilhetes, Moscardó empurrou os oficiais.
certo que os soldados dessem a VIda no cu:npnmento - Não ,..dêem endereços aos republicanos. Vocês sa-
do dever não era justo que mulheres e cnanças fôs- bem o que eles podem fazer com suas famílias! cama-
sem obrigadas a sofrer - e talvez fôssem eternamente rasa estremeceu como se tivesse levado uma bofetada.
perdidas _ para satisfazer a vaidade pessoal de Mos- -. M~s. . . devem saber que sou um cavalheiro -
cardá. Mesmo que recusa~sem a rendiçã? .d? Alcázar, gagueJOU ele.
os inocentes deviam ser libertados. Os oficiais do lado
de fora ouviam as respostas de Moscardó ao padre: - Não nego isso - replicou Moscardó - mas a
gente com quem lida, não é. Os endereços ficarão aqui.
_ No, sefíor .. . no, sefíor . .. no, seiíor! - cada
Ao contrário do Major Rojo, Camarasa não deixou
vez mais alto. nenhu~a lembrança. ~o~ vendado e conduzido para fora
Quando Camarasa insinuou que as mulheres e cri- do Alc.azar com um unico escoltante, o Capitão Sanz,
anças eram mantidas contra a vontade, Moscardó, in- que gntava através da praça vazia: "Atenção! Reveren-
dignado chamou uma jovem, a senhora Carmen Rome- do Camarasa vai saindo!" Era hora do almôço e as úni-
ro de S~lamanca, filha do Coronel Romero e espôsa de cas pessoas que esperavam por êle nas linhas republi-
um tenente da Guarda Civil. Disse-lhe: canas eram dois repórteres. Mais tarde informaram que
- o Reverendo Cônego diz que em Madri acredi- seus lábios tremiam e não pôde dizer-lhes o que havia vis-
tam que as mulheres não deixam o Alcázar porque os to. No solarão do meio-dia o cônego tremia e parou no
oficiais não o permitem. Quer falar ao padre sôbre isso? meio da rua para amarrar a vestimenta branca sôbre a
Carmen voltou-se para Camarasa: cabeça. Pouco depois, deixou Toledo no carro prêto. Não
- Prêsa aqui?! Isto é uma mentira! Falei com tô- tinha ainda avançado muito pela estrada de Madri e
das as mulheres do Alcázar e tôdas pensam como eu. já ouvia o som da artilharia que novamente martela-
Ou sairemos daqui com nossos homens e filhos ou mor- va o Alcázar. s
reremos com êles nas ruínas.
5 - Duas semanas mais tarde Camar asa cruzou a fron-
Inutilmente tentou o cônego argumentar que o seu te ira da França, um temor injustificado para um padre den-
caso era diferente do de outras mulheres não casadas tro das linhas republicanas. ~le disse a um repórter de Le
ou aparentadas com oficiais; portanto, não disse mais Figaro que nunca interferira na política espanhola e que "os
nada. Estava derrotado e sabia disto. Embora as três eclesiásticos devem ser como estrêlas que brilham sôbre as
nuvens". Seis meses mais tarde, ainda em Paris, escreveu um
horas não tivessem ainda expirado, Moscardó chamou artigo afirmando que a proposta a Moscardó ?e qu~. as. m~­
um de seus ajudantes e anunciou: lheres e as crianças deveriam ser evacuadas fora Ideia Int~I­
- O Reverendo deixará o Alcázar. Por favor, escol- ramen te sua. Além do mais, admira va "o sacrifício e o ,~eroiS­
mo dentro daquelas paredes". Camarasa morreu no exibo de-
tem-no até lá fora. testado pelas duas facções.

186 187
(

Naquela noite, os jornais declararam que os fas- de ficar~am. sob a proteção da bandeira do Chile até a
cistas tinham perdido a ?ltima chance. de salvar. as vi- transferencia para as embaixadas em Madri.
das de suas mulheres e cnanças. Morrenam todos JUntos. Os dois diplomatas alcançaram as barricadas per-
No dia 11 de setembro, dia da visita de Cam~rasa, to da Plaza de Capuchinhos às sete horas da noite.
explodiram no Alcázar 74 pesadas bombas; no dia 12 Usando um megafone, Barceló gritou para o Alcázar:
foram 159 e 100 no dia 13. Desde a queda da tôrre no- - Atenção! O Embaixador da República ào Chile
li roeste as 'baterias republicanas concentraram ~ogo no deseja falar-vos. Nossas fôrças vão suspender fogo. se
lado sul para interromper. completame~te a linha de concordarem, levantem uma bandeira branca na tôrre

I comunicações entre o ~ob~erno e ~ Alcazar .. As explo-


sões subterrâneas nos tuneiS das minas contmuavam a
intervalos regulares. Muitas das famílias localizadas nos
mais próxima.
Decorrido,s os ci_nco minutos, a bandeira não apa-
receu. Barcelo repetiu a mensagem. Os diplomatas du-

I porões da ala oeste foram transferidas par~ as mas-


morras já atulhadas do leste e norte. As baixa~ ag?r;:t
subiam a 38 e os feridos a 208; tornava-se multo difl-
cil para os atiradores postados nos andares superiores
protegerem-se dos estilhaços e desmorona.~e~tos. devi-
vidavam que houvesse alguém dentrn do prédio silen-
cioso. Uma metralhadora pipocou numa das janelas.
Barceló repetiu a mensagem.
Finalmente ouviram a voz do Alcázar: f1
do a erosão das paredes externas e d1v1soes Inter- - Se êstes cavalheiros são sinceros em seus pro-
nas. 6 pósitos devem dirigir-se ao govêrno, em Burgos, o úni-
co reconhecido pelo Alcázar.- Ao ouvir a palavra Bur-
Durante êstes dias, enquanto a imprensa mundial gos os milicianos atiraram contra a janela de onde su-
proclamava a iminente explosão das minas, o corpo di- punham viesse a voz. Depois, houve apenas silêncio.
plomático de Madri tentava evitar r, tragédia. Como Por longo tempo, os diplomatas agachados atrás das
chefe de um Comitê, Nufiez Morgado~ embaixador do barricadas discutiram como conseguir falar com Mas-
Chile obteve finalmente permissão para visitar Toledo
e pedir .
' a Moscardó para evacuar as mulheres, crianças cardá.
e velhos. O Ministro da Guerra forneceu-lhe um carro - Por que os senhores não tentam atravessar.~
e uma escolta. Morgado chegou no dia 13 de setembro, praça e bater na porta? - disse sêcamente u~ mlll-
ciano. Por fim, nada fizeram porque nada p9d1am fa-
acompanhado do encarregado de negócios da Romênia. zer. Era evidente para ambos que a C?n~e?-çao de Ge-
Depois de conferenciar durante cinco horas com Bar- nebra e as "regras de guerra" nada ~1gn1flcavam para
celó e o Comitê de Defesa, os diplomatas conseguiram êstes homens presos a êsse combate selvagem.
a garantia de que seriam poupadas as vidas dos que
A meia-noite desistiram e voltaram para Madri.
abandonassem a fortaleza. Além disso, providenciava-
se asilo para êles em dois conventos abandonados, on- _ ~ste é um país valente - disse tristemente
Morgado - mas as mulheres são mais corajosas que
6 - O diário oficial do Alcázar distingue entre "muerto" os homens.
(morto), "falecido" (morto por causas naturais), "herido"
(ferido), e "contuso" (machucado por desabamento). Êstes
o Coronel Moscardó sentia que as conferên~i~s com
registras eram mantidos tão meticulosamente como as rela- os republicanos estavam desanimando a guarn1çao. Al-
ções indicando o número exato de projéteis atirados no Al- guns começavam a exigir paz a qua~quer p~eço. Anun-
cázar. Quando me refiro a feridos estão incluídos "heridos ciou, portanto, à junta, que não senam ma1s toleradas
e contusos".
18~
188
I
I discussões com o inimigo. Daí por diante as portas do sílios, amarrou uma corda a um cavalo t
Alcázar estariam hermeticamente fechadas e só se abri- bierno e deslizou por uma janela na n .t mâr ~ no Go-
riam de nôvo para a coluna libertadora de Franco. Os tembro. Quando a corda se partiu e ~{ e ~ 2 de se-
'I nervos estavam tão desgastados que foi necessário afi-
xar uma ordem proibindo a qualquer pessoa espalhar
boatos considerados alarmantes. Dizia-se à população
trondo na Calle Del Carmen teve o atreveun·caiut cdom es-
. , · '
çar 1mpropenos contra seu saro·ento qu "l · 1
en o e lan-
ter cortado a corda, antes de se bpôr a' sale e e JU gava
que confiasse em Deus e nos seus oficiais. Para melho- d o, d o ou t ro la do da rua. Nunca mais foivo,visto.
capengan-
l~ar o estado de ânimo, Moscardó instruiu o Capitão
cuartero para distribuir rações extras de trigo. mas is- Criaturas semiloucas vagavam e,
rando-se a todos que lhes d P J.a f?rtaleza, agar-
so pouco adiantou. .b. - d essem
d a prol Içao e Moscardó, contavam atencao A despeito
Je t·, . .
O pavor das minas parecia ter eliminado o interês- mentes: s onas depn-
se na comida.
/ Ocorreram diversos suicídios. No dia da visita de . . - Mais rr;tetralhad~ras estão sendo instaladas em
AliJares ... HoJe descobn que os vermelho t-
Camarasa, um soldado de meia-idade subiu à tôrre su-
doeste dizendo às sentinelas que desejava contemplar do out!o túnel para~ pátio de modo que ~o~~a~ ~~~~~
do chao quando estivermos de costas.
o entardecer sôbre a cidade. Quando o deixaram pas-
sar, caminhou calmamente para a janela e atirou-se Êst~s profetas agourentas eram geralmente evita-
do terceiro andar sem soltar um ai. No dia seguinte dos, po1s punham em palavras os temores angustian-
um guarda-civil estourou os miolos com um tiro. En- te~ 9ue todos sentiam. O pior era o professor de mate-
tre as mulheres o mêdo ocultava-se furtivamente. Se matlca de .Toledo que incessantemente mastigava nú-
as bombas não as matassem o que lhes faria a milícia? meros: registrava os segundos que tinham passado no
A espôsa de Eustasio Gómez, um guarda-civil, disse ao Alcázar.
marido: Por outro lado, em certas ocasiões, a adversidade
- Se você vir os vermelhos entrarem, desça ao mudava totalmente o caráter da pessoa. Antonio Ri-
porão, mate-me e a seu filho e retorne ao parapeito até vera, apelidado ultimamente "O Anjo" por causa de sua
que êles o matem. piedade e pacifismo, sofreu uma transformação. Por ra-
Uma nova onda de deserções varreu tôda a guar- zões só dêle conhecidas, pediu para ser colocado na li-
nição. No dia seguinte ao e.sfôrço inf'..·utífero do embai- nha de fogo:
xador Morgado como mediador, quatro guardas-civis es- - Talvez seja justo que eu devs matar - consi-
caparam pela encosta norte e renderam-se. Sabiam que derando que não mato com ódio - disse êle. Como
podiam ser executados como criminosos de guerra, mas não sabia nem de que lado sai o projétil num rifle, foi
talvez o esquadrão de fogo fôsse menos terrível para mandado para a encosta norte como armeiro da metra-
êles do que a idéia do que podia acontecer quando as lhadora pesada.
minas explodissem. Geralmente os desertores deixavam O Tenente Barber deixou bem claro que enquanto
para trás todo o equipamento, mas o Cabo Fidel Gu- a milícia permanecesse nas barricadas e a artilharia
tierrez, um corpulento soldado do Serviço de Recruta- mantivesse o fogo contra o Alcázar, as minas não ex-
mento, foi uma exceção. Depois de atar ao corpo com plodiriam. Por uma estranha inversão, os defensores
uma correia o rifle, a munição e uma mixórdia de uten- estavam confortados pelo estrondo do paqueo e pelas
190 191
I

explosões das bombas .. A. vista de u:n macacão azul nc:s


ruas ou janelas das vizinhanças nao provocavam mais
0
sentimento de ódio. O que temiam agora era o mo-
mento em que a milícia se afastasse do Alcázar e desa-
parecesse de vista, pois naquele vazio as minas fala-
IX
riam.
A Explosão

· Como t' previra


· o Tenente Barber , os do1·s t,une1s
· d
as
minas a Inguam a parede oeste do Alcázar do d' 14
de setembro. Logo de:pois ~o amanhecer, os comp~!sso­
res c~laram-se e um ruido novo, mais apavorante_ 0 som
d~ pas raspa~do n?s pedregulhos diretamente debaixo
deles. r:a:_a Impedir que os sapadores determinassem
sua posiçao, escutando-os lá de baixo Barber impôs
silên~io .absoluto. por todo o ladc sudo~ste do edifício.
Os tuneis ~arecia?l terminar sob duas salas de aula,
uma delas JUnto a base da tôrre e a outra quinze me-
tros para ? norte. ~ Tenente Barber e seu ajudante,
~abo ~odriguez C~ridad, ambos descalços, caminhavam
silenciosos como passaros ouvindo o som de insetos en-
terrados e comunicavam-se por estranha mímica. Dei-
tado de barrriga para baixo e colocando o estetoscópio
nas lajes, Barber ouvia vozes humanas no subsolo. Não
podia, contudo, precisar o que diziam ou a que distân-
cia estavam. Os sapadores pareciam não saber se tinham
penetrado o bastante porque de vez em quando a sonda
martelava por alguns minutos e parava. Os asturianos
sabiam que estavam numa situação delicada: se ca-
vassem muito perto da superfície o inimigo poderia mer-
gulhar uma ~ contramina e se ficassem muito no fun-
do a fôrça da explosão poderia ser interceptada por
uma camada de rocha viva.
Tendo localizado o melhor possível as prováveis ex-
tremidades dos dois túneis. Barber e Rodriguez esten-
deram uma cêrca de arame' farpado no perímetro dessa
área. Não se permitia que ninguém ultrapassassE: esta
193
I
I
frágil barricada que atr~!a ~r;;a multidão de ~lcaza­
renhos confiantes na "c1enc1a do tenente. Foi Mos- . -. Como_ poderíamos desalojar o contingente se
cardó, todavia, quem tomou a decisão de escorar a c!êEl- decidissem nao estourar as minas? o subalterno enca-
cia com a reli ião. Uma das salas na zona de demollçao bulado confessou que não havia pensado nisso.
era usada como uma enfermaria suplementar e os feri- . A noite o fogo a~randou e os que estavam de ser-
dos tiveram que ser removidos para ~.reas mais seguras VIÇO .no qu~rtel Santiago e no Gobierno ouviram uma
nos porões norte. Essa sala foi transformada em capela cantilena. VIndo ~as, ~osições republicanas do outro la-
do Alcázar e a imagem da Virgem colocada junto à do do TeJo. A pnncipio pensaram que a milícia estives-
cêrca de arame farpado do lado de fora. Moscardó re- s~ b~beda, ~as depois perceberam as palavras da can-
fletiu que essa seria a oportunidade para um excelente çao ImprOVISada, repetida monotonamente:
teste dos respectivos podêres: a Virgem Santa contra
as infernais minas. Mesmo que a Santa não pudesse Mandem sair as mulheres
impedir as explosões, pelo menos poderia amortecê-las. Em breve será muito tarde!
Mandem sair _as crianças,
Sob o Alcázar, aproximadamente no centro, fica- Em breve sera muito tarde!
vam as antigas cisternas. As explosões poderiam ra-
char-lhes as paredes ou soterrá-las e então não haveria Oito sem~nas ante~, os soldados teriam respondido
água, exceto a existente na piscina. Começaram a pu- co~ uma raJada de tiros, mas agora limitavam-se a
xar baldes cheios passando-os para uma cisterna quase ouvir e tentavam pensar em outra coisa. O cêrco torna-
vazia do mesmo tipo da existente no lado norte. Filas de va-os estóicos e além do mais estavam muito cansados
homens suaram o dia inteiro nesse trabalho até come- para atirar sem necessidade. Talvez nlguns preferissem
çar a cair de exaustão. O projeto teve que ser abandonado pensar na ordem do dia expedida no El Alcázar. "O pior
porque os homens já não tinham fôrças para êsse tra- passo~ ... " escrevera Moscardó, "o inimigo continua
balho e entornavam tanta água quanto a que transfe- destruindo o nosso precioso Alcázar, mas não se preocu-
riram. Se as cisternas fôssem destruídas a explosão pem. . . os vermelhos não têm disciplina e as massas
seria provàvelmentte bastante forte para demolir tam- recusam-se a obedecer aos oficiais ... confiem em Deus
bém a maior parte do Alcázar e em tal caso a água não e seus oficiais ... as colunas libertadoras estão conver-
seria mais necessária. gindo para Toledo ... "
Durante o dia todo o paqueo foi desusadamente Colunas libertadoras - frase mágica repetida com
pesado. Ao cair da noite, os estilingues inimigos lan- tanta freqüência e tão pouca justifi.C"!ação que os ho-
mens ficavam imaginando se elas existiam apenas na
çaram petardos contra o portão de ferro e das viaturas. imaginação do coronel. De fato, o Exército da Africa
A junta refletiu que tendo dispendido muito esfôrço marchava da Extremadura para Madri mas estava ain-
em cavar túneis, os republicanos provàvelmente não da muito longe. Fatigados por dois meses de luta feroz,
tinham intenção de lançar um ataque frontal sério. seu ímpeto afrouxava. A vanguarda da tropa não alcan-
Um oficial subalterno sugeriu que seria uma boa idéia çara ainda o pueblo de Maquetta, o entroncamento onde
permitir aos milicianos estabelecer uma cabeça-de-pon- uma estrada, a principal rodovia, conduzia diretamente a
te dentro da fortaleza pois, nesse caso, se explodissem Madri, a trinta e oito quilômetros para sudeste. Ni_n-
as minas destruiriam seu próprio contingente. O Ma- guém, exceto talvez Deus e Franco, sabiam se o .E~er­
jor Mendez Parada, porém objetou: cito da Africa se desviaria de seu principal obJetlvo,

194 195
Madri para vir em socorro do Alcázar . Tal desvio da-
ria a Madri tempo adicional para preparar sua defesa to~e:a_vam mais as explosões sôbre suas cabeças. os
e isso poderia ser fata~ para o plano nacionalista de oficiais acor:eram e restabeleceram a ordem, remo-
tomar a capital e terminar a Guerra. Nenhum obser- vendo os mais apavorados para os porões já superlota-
I vador perspicaz consideraria que a libertação do Alcá-
zar justificava tal risco .
dos da ala norte.
. Houv~ set,e . pequenas detonações na cavidade da
I · Enquanto isso, ao longo do Tejo, a milícia con-
tinuava a cantar: "Mandem sair as mulheres. Em
mina mais proxima da torre sudoeste. Como não vie-
ram sons d~ outro túnel, o Tenente Barber concluiu
l breve será muito tarde!"
Setembro 15. O raiar do dia trouxe um bombar-
deio de quatro horas. Projéteis das baterias de Dehesa
que os astunanos havi8,m completado o trabalho e es-
tavam carregando os explosivos.
An~es ~o meio-dia, três bombardeiros com prefi-
explodiam nas arcadas sul enquanto as de Alijares mar- xos nacionalistas voaram razante sôbre o Alcázar e larga-
telavam a tôrre sudeste. Embora as paredes do leste ram bombas na cidade. Causando embora poucos danos a
tivessem três metros de espessura em alguns pontos, presença dêles significava que o General Franco não 'os
ao cabo de um dia de bombardeio podia-se traçar uma e~quecer~ e os enc~rajava a resistir por mais alguns
longa rachadura vertical da esplanada até o telhado. dias. Minutos depois os combatentes republicanos ro-
A maior parte dos guardas-civis estava aquartelada deavam as baterias de Alijares, esperando sem dúvida
nas salas dos andares superiores desta banda. As bom- pela volta dos bombardeiros, mas êstes desapareceram
bas cobraram um pesado tributo, matando cinco e fe- para oeste. Esta foi a primeira vez qve os nacionalistas
rindo outros quatro. mostraram qualquer fôrça aérea sôbre Toledo. 1 Os
Dentro dos túneis das minas h3.via explosões pe- observadores do Alcázar ficaram satisfeitos ao ver os ar-
riódicas, seguidas pelo som das pás rascantes. Barber tilheiros republicanos fazendo esforços para camuflar
concluía que os asturianos estavam alargando a cavi- seus canhões que até então ficavam descobertos.
dade. Resolveu reunir um esquadrão com os dez homens Depois que escureceu, quarenta sacos de trigo fo-
mais robustos que pôde encontrar e começou a cavar ram trazidos do celeiro. Como ninguém tinha fôrças
uma outra mina. Depois de remover as pedras do piso para arrastar e, muito menos carregar os sacos de 95 kg
das salas de aula do porão, os homens .atacaram com para o Alcázar, o trigo era derramado em fronhas. Os
picaretas os veios de granito que se encontravam em- homens que há seis semanas apenas levantavam os sa-
baixo. Depois de algumas horas de trabalho compre- cos sentiam-se agora vacilantes sob o pêso de uma carga
enderam o quanto estavam fracos: revezavam-se a ca- quatro vêzes mais leve. Parte do trigo foi estocada no
da 5 ou 10 minutos, mas penetraram menos de quinze Gobierno, que continuaria a defesa se o Alcázar fôsse
centímetros e o trabalho teve de ser abandonadc. destruído pelas minas ou ocupado pela milícia.
Setembro 16. Uma hora depois de amanhecer as Depois dessa incursão em busca do trigo, os oficiais
baterias atingiam novamente os mesmos alvos. Na bi- descobriram que o Tenente Fernando Barrientos, jovem
blioteca da Cavalaria, exposta e nua, embora situada a
30 pés acima da esplanada, o entulho acumulava-se 1 - É estranho encontrar em L'Espoir, Malraux escre-
tão rápido que subindo no monturo era possível entrar vendo sôbre missões perigosas contra o Alcázar, como se a.
fortaleza fôsse uma espécie de Gibraltar de menores propor-
no Alcázar pela brecha da biblioteca. Nos porões em- ções. Durante o cêrco nenhum avião republicano fo~ abatido,
baixo irrompeu um tumulto entre os civis que já não nenhum aviador foi morto ou, pelo que se sabe, fendo.

196 197
/

oficial da equipe da Escola Central dr Educação Física, As ci~co horas houve uma barragem dirigida con-
tinha desertado. Deixara a fortaleza com os outros e tra os poroes da muralha leste. Os ofi.ciais amargurados
aproveitara-se da escuridão para eva(!ir-se. Barrientos, chamava.m-na "~ barragem Barnentos", pois supunham
embora veterano da luta marroquina uma década antes, que s~u Judas tivesse contado ao Comitê de Defesa que
gostava da peleja em campo aberto durante as primei- a maior parte do pessoal do Alcázar estava c0ncentra-
ras semanas do cêrco. Tornou-se depois extremamen- da nos porões daquela ala.
te deprimido pela claustrofobia do Alcázar que êle ape- A noite estava escura e sem luar. Na oficina elé-
lidou de "O Sarcófago". Seus amigos recordavam-se de trica, a espôsa de um guarda-civil trabalhava. El Al-
que êle expressara mórbidos temores de ser enterrado cázar saía sem atraso, como se tudo estivesse normal.
vivo e sua atitude era: O Coronel Moscardó lembrava a seus oficiais q_ue den-
- Apoiarei o lado que me deixar viver. Eu terei tro de algumas horas a "Cruzada" teria exatamente
muito tempo para ficar morto. dois meses. Para a maioria dos alcazarenhos, entretan-
Vinha usando há dias um macacão azul que apa- to, havia apenas um pensamento: as minas explodirão
nhara em algum lugar. Como, porém, era comum o esta noite ou amanhã?
uso de uniformes variados entre a guarnição, isso não
levantou suspeitas. Foi o único romtatente de catego- O Major Barceló, como Moscardó, estava bem in-
ria superior a desertar do Alcázar e seus companheiros teirado de que a noite de 17 de setembro marcava o fim
de oficialato sentiran1-se profundame"':lte ofendidos com do segundo mês de guerra. Cinco toneladas de TNT já
sua deserção. 2 estavam colocadas nas duas cavidades por baixo da pa-
rede oeste. Barceló tinha intenção de inaugurar c ter-
Setembro, 17 . Nenhum barulho vinha das minas. ceiro mês destruindo inteiramente o Alcázar. Uma hora
Tôda a ala oeste tinha sido evacuada. Restava apenas antes da meia-noite, ordenou que a cidade fôsse eva-
um punhado de atiradores selecionados que eram su- cuada. Os milicianos corriam de casa em casa batendo
bstituídos de hora em hora pois a explosão era esperada nas portas e gritando: "Toledo vai se dinamitada! "!fu-
1
'
de minuto a minuto. A milícia lá fora parecia mais iam da cidade depressa!" Mesmo sabendo que muitas
esparsa e o paqueo era mais barulhento que eficiente. partes da cidade não seriam atingidas, Barceló. usava
Era evidente que os republicanos est3.vam em retirada êste ardil para obrigar os nacionalistas a deixarem
para explodir as minas. Apesar disso, os sapadores ope- seus esconderijos.
ravam os compressores de v~z em quando. Barber sabia Uma onda de gente e animais inund~u logo -~ coli-
que faziam isso apenas para enganá-los. Hna transbordando na direção dos portoes ~a cidade,
ond~ a milícia conferia seus papéis de identidade· Os
2 - O Tenente Barrientos foi apanhado pela milícia na aue não conseguiam passar nesta inspeção er_am escolta-
mesma noite e levado para o Comitê de Defesa. Êle alegava
inocência para as acusações contra êle, dizendo que duran- dos para a Plaza de Toros, ao nort~ ~r Ho~pltal Tavera,
te sua estada no Alcázar não dera um único tiro contra os a fim de aguardar um interrogatono mais demorado.
republicanos; mas quando um outro desertor do Alcázar ju- Lá eram amontoados na arena enquanto os guardas,
rou ter visto Barrientos manobrando uma metralhadora, o ocupando os lugares acima, ~iziar::-lh:s que pela m~~
tenente perturbou-se e acabou confessando que era verdade. nhã os touros seriam soltos sobre eles. a queda do A
Foi executado por um miliciano no dia em que a coluna de cázar seria celebrada no velho estilo romano.
libertação se aproximava das redondezas de Toledo.
199
198
- Vocês provàvelmente gostarão dêle. Vocês cris- que não sabia das decisões de Madri e 0 ·
tãos não acreditam em martírio? t ava. As mina 1 d' ·
s exp o 1nam pela manhã. P uco se Impor-
Muitos toledanos recusaram -se a deixar suas casas. . t es,
Alguns duvidavam mesmo que as minas existissem; hIndagou sôbre
1
o que seria
,
feito dos sob reviVen
se. ouvesse. a gum1 Ba~celo disse que as mulheres e
julgavam que fôsse uma armadilha dos vermelhos para cnanças senam presas caso se rendessem" "E h
pilharem seus pertences na sua ausência. Um velho ?" O a· d' . os o-
mens. m JOr sacu 1u a cabeça. "Oh nãot 0 h
aguardeiro de 80 anos, que vivia com a espôsa não mui- serão todos mortos . " ' · s omens
to longe do Alcázar, recusou-se obstinadamente a sair,
argumentando que não gostava da "roça". Como o ca- , d Quando
· t acabou
- sua declaração à imprensa , Barce _
sal estava na zona perigosa, dois anarquistas carrega- lo . eu 1ns ruçoes aos dois comandantes republicanos,
ram-nos nos braços até a Porta de Bisagra. Os pacientes ma] ~r~s. Madronero e Torres, que seriam encarregados
dos hospitais eram evacuados em carros, ambulâncias e de d1ng1r o as,sa~to. As mina.s seriam detonadas por um
comutador eletnco na prefeitura, às seis e meia. Logo
caminhões. que todo o entulho tivesse caído ao solo dois mil e
As primeiras páginas dos jornais do mundo inteiro quinhent~s homens divididos em duas coiunas iguais,
preparavam os leitores para a terrível explosão: VASTA mover-se-Iam para atacar, com a cobertura de dois car-
ESPLOSÃO DE TNT PARA ARRASAR O ALCÁZAR, ros blindados e um tanque. Seiscentos assaltos uma
anunciava o New York Times. Em Madri, os repórteres fôrça bem ~Usciplinada,, es~aria à frente. Seriam 'segui-
negociavam e lutavam pelos veículos em condições de dos por unidades do exercito regular e pela milícia (mil
conduzi-los a Toledo. Por tôda a noite de 17 de setem- dos quais eram da província de Toledo) . A fôrça de
bro caravanas de jornalistas, fotógrafos, funcionários e ataque não incluía as centenas de milicianos que dei-
caçadores de emoções comprimiam-se pela rodovia. A xariam suas barricadas muito antes da explosão e que
três quilômetros da cidade eram desviados do caminho ficariam de reserva atirando dos telhados e janelas.
e estacionados nos basquetes de oliveiras. A maioria dor- O Major Madronero comandava a coluna que ata-
miu debaixo das árvores que bordejavam os sujos ca- caria o Alcázar pelo norte. Seu ponto de partida era o
minhos que davam acesso às baterias de Dehesa de Pi- Faseo del Miradero, um parque público abaixo do Santa
nedo. Poucos, incluindo um cinegrafista da Paramount, Cruz entre o Zocodover e a Porta de Bisagra. Depois
levaram seu equipamento até a Porta de Bisagra e to- da explosão, conduziria seus homens para o Zocodover,
maram lugar entre a fôrça de choque que se lançaria onde a coluna seria dividida: metade da fôrça subiria
sôbre as ruínas logo que as minas terminassem o tra- o Ziguezague atrás de um tanque, os outros seguiriam
balho. pela Cuesta dei Alcázar e entrariam na fortaleza atra-
Temendo que a demolição do Alcázar com a popu- vés da brecha na parede mais ao norte. A fôrça teri,a
Jação não combatente pudesse arruinar a imagem an- que cobrir apenas quatrocentos metros para alcança-
gélica da República, as autoridades de Madri, na espe- la, embora a maior parte da distância fôsse de subida.
rança de manter o público distante de Toledo~ nega- A coluna de assalto do Major Torres se concentra-
vam que as minas explodiriam pela manhã. Disseram ria na Plazuela de San Lucas, a oitocentos metros ao
aos jornalistas que a "terrível decisão" havia sido adia- sul do Alcázar . Como as ruas dêsse quarteirão eram
da por mais uns dias; poucos, porém, deixaram-se en- sinuosas e estreitas, os atacantes abririam caminho co-
ganar. Em Toledo, o Major Barceló disse aos repórteres mo pudessem, para dois pontos de encontro. Um gru-

200 201
po convergiria para a esquina sudoeste e entraria por Os moscas estavam agora sozinhos 1, .
uma fenda aberta pelas minas. Os outros fariam con-
tato com dois carros blindados estacionados perto do
t
e cinco a artilharia do Alijares abriu no al\o · As se1s
tel Santiago e gradualmente estendeougoa cbon ra o quar-
Coralillo e movendo-se por trás dêles devastariam os d le t arragem até
defensores no Capuchinhos e no refeitório. a pare_ e s ed, na es~erança de forçar a guarnição para
os poroes on e as minas os esperavam A ·" ·
A operação total, dizia Barceló a seus comandan- e oito a barragem cessou. · s seis e VInte
tes, era menos um ataque que uma operação de limpe- No silêncio
za. Haveria, sem dúvida, uns bolsões de defesa aqui e t · · absoluto
· que se segu1·u , os J.ornalist as
f or!laram-se 1m~ac.1entes. Examinaram os relógios con-
acolá, mas não se esperava uma resistência planejada. ~nr~m e recon enram ~s horas e murmuravam 'entre
Dez minutos depois da explosão, a primeira onda de Sl. assaram-se .dez minutos e não aconteceu nada
republicanos devia entrar na fortaleza. Se os moscas Movendo as man1velas de suas câmaras f t, f ·
tentassem render-se em massa, um comandante repu- praguejavam
_ - estavam desperdi·çando' osl' o ol gra
pe 1cu a mas os
blicano mais próximo decidiria como agir. O Comitê de n~o ousavam parar, com mêdo de perder o momento.·
Defesa prometera entegar todos os prisioneiros falan- FIXavam os ?lhos nas lentes ou no pico da tôrre, mas
gistas ao FAI, a ala militante dos anarquistas. nada.dpercebiam.
d · ,Talvez .os alcazarenhos se t'Ivessem
Enquanto isto, no gabinete do superintendente, ren 1 o - n1nguem podia censurá-los por isso.
Moscardó sentava-se à mesa iluminada pela luz crepi- Qú' est-ce que c'est?- perguntou um jornalista.
tante da lamparina de sebo de cavalo. Escreveu no li- - Uma. guerra de loja americana- resmungou o
vro de ocorrências: "Tendo feito tudo o que foi possível, outro.
entregamo-nos agora a Deus." Por baixo traçou uma
linha como se estivesse marcando a conclusão de uma - Trinta segundos atrasada - reclainou um cor-
respondente inglês.
narrativa.
No dia 18 de setembro, os repórteres em Dehesa de -Quarenta.
Pinedo levantaram-se cedo, imaginando o que lhes re- - Eu disse uma guerra de loja americana.
servaria o dia. O que parecia a princípio um nevoeiro - Cinqüenta.
não passava de neblina que emanava do vale do rio. As seis e trinta e um o Alcázar explodiu silenciosa-
Quando o sol nasceu, dissipou-a das faldas da colina, mente diante de seus olhos. Uma imensa nuvem ne-
de modo que o primeiro objeto visível ao sul foi a mas- gra foi expelida e imediatamente arrastada para o oes-
sa escarrapachada do Alcázar, que parecia flutuar no te. Segundos mais tarde, um repórter sentiu o chão
tôpo de uma nuvem densa. Por detrás da arruinada tremer sob seus pés e ouviu o barulho da erupção.
e disforme fachada norte, divisavam a ereta tôrre su- Mesmo a três quilômetros de distância obedeceram ao
doeste, o foco de suas atenções. Mesmo a essa distân- instinto natural de recuar e abaixar-se. Num campo
cia, ouviam lá em baixo o paqueo. As balas traçadoras em baixo um grupo de espectadores correu a tôda velo-
de San Fernando eram também visíveis ao descrever cidade. Compreendendo, então, quanto havia_m si,d~ ri-
dículos fizeram meia volta e retornaram tao rap1dos
arcos perfeitos deslizando até o outro lado do rio Tejo.
quanto ' haviam ido. _
As seis horas, a fuzilaria cessou abruptamente. Os A tôrre sudoeste foi pelos ares como um vagalhao
repórteres souberam que a milícia se retirava das bar- de pedras, flutuou ràpidamente no ~r e ca.iu aos pe-
ricadas próximas do Alcázar para posições mais seguras. daços verticalmente. De Dehesa de P1nedo v1am-se cla-

202 203
ramente pedaços da parede, vigas de aço e alguns ob- um buraco maior, deixando entre os d ·
jetos que os observadores garantiam tratar-se de sêres seção vertical da parede que se projetavo;s espaç?s uma
humanos. Um pedaço de tôrre caiu na encosta de uma mo um dente incisivo gigantesco para c1ma co-
cratera onde se assentou como uma cabana- um cubo Cam o Major Madronero à fr.ente os A lt
quase perfeito medindo quatro metros e meio de a..:esta. · ·
prrmiram-se em d'rreçao
- a, fenda mais, , ssa
· os com-
Um caminhão estacionado ao lado de fora do portao das çando sôbre os escombros que enchiam paroxnna, Atrope-
viaturas foi atirado pelos ares a quinhentos metros; o rerra. d e p edregu lh o conduzia a uma sala s ruas.
ao , 1bar-
d
bloco do motor caiu no pátio de uma casa a oitocentos pátio do edifício; fôra antes 0 laborato'r1·0 ,niye do
· Q d . qu1m1co a
metros e ficou quase enterrado no solo. Poucos segun- Aca d em1a. :uan o o maJor alcançou 0 tôpo desta es-
dos depois da explosão Toledo desapareceu de vista, en- carpada ladeua, olhou para trás da parede 1· t
volvida pela fuma.ça negra. O barulho da explosão foi ou- · d d ,t· n erna e
v1u as arca as . o pa .10 a poucos metros de distância.
vido nos subúrbios de Madri a mais de sessenta quilô- Para o sul, podia ouv1r. os aplausos dos homens do Ma _
metros. . T e
JOr orr st que se · aproximavam pelo sudoeste . E,.a ·
. m se1s
Dos bosques de oliveiras os jornalistas observaram e_ quaren a e ~1nco: Qua~orze minutos depois da explo-
êste espetáculo impressionante. Esperavam que o Al- sao ne~hum tiro tinha s1do dado contra os atacantes.
cázar desmoronasse como um edifício dinamitado e não Bastaria q~~ se elevassem um pouco mais e caminha-
que entrasse em erupção como um vulcão. Imediata- riam no patlo deserto.
mente os datilógrafos entraram em ação. A pr~meira Dentro do Alcázar a explosão tinha sido mais sen-
sentença de suas histórias era a mais simples: tida do que ouvida. O prédio estremeceu como se as
paredes estivessem caindo aos pedaços. A explosão ele-
"O Alcázar caiu." vou as pessoas acima do solo e a fumaça e a poeira ro-
Antes mesmo que a poeira assentasse completa- dopiou pelos corredores dos porões. Ficou tão escuro que
mente, as colunas republicanas puseram-se em movi- muitos julgaram estar enterrados vivos. As paredes e
mento para a matança - a fôrça de choque dos As- os tetas ao norte, leste e sul, onde quase todos os alca-
saltos do norte subia o Zocodover tão calmamente como zarenhos estavam abrigados, agüentaram-se firmes.
trabalhadores indo para o labor cotidiano. Atrás dêles Paroxismos de tosse sufocante foram seguidos de gritos
vinha a milícia gritando: "Matemos os cães! A êles!" agudos das mulheres e crianças. Tais sons eram tran-
Os Assaltos comandados por Madronero agitavam os q üilizadores - a morte não os chamara.
punhos cerrados ao cinegrafista da Paramount, antes de O Dr. Pelayo teve uma estranha experiência. No
dobrarem a esquina junto ao Hotel Suizo e partirem em momento da explosão êle estava debruçado sôbre a es-
fila única pela Cuesta del Alcázar. Depois de subir o pôsa de um guarda-civil, em trabalho de parto. O im- /
entulho da tôrre noroeste, derrubada pela artilharia pacto derrubou-o e a lamparina apagou-se. A mulher
duas semanas antes, encontraram um terreno desco- gritou e tentou levanta.r-se do banco enquanto o marido
nhecido pois a explosão tinha erradicado os pontos de agarrado a ela forçava-a a deitar-se novamente. Reto-
referência. Muitas das proximidades, por exemplo, ha- mando pé, o Dr. Pelayo procurava a mulher ~s apal-
viam desaparecido. A medida que subiam a rua, atra- padelas quando encontrou uma saudável menma..., que
sados pelos escombros soltos, viram que uma parte da tinha sido expelida do útero materno pela explosao. 3
parede com cêrca de quinze metros próximos do portão
das viaturas tinha sido talhada tão certa como uma fa- 3 - Esta segunda criança nascida no Alc~zar foi chama-
tia de pão. Mais para o sul, a tôrre foi substituída por da Josefa del Milagre. Ela é hoje uma professora na Espanha.

204 205
Nas proximidades, outro bebê foi abortado no mesmo oeste e, entretanto, era por êsse lad 0 .
momento quando alguém caiu sôbre a mãe na escu- publicanos eram mais fortes. que os gntos re-
ridão.
Meia duzia de homens da Gu ..
Os homens moviam-se na confusão procurando suas nhecimento ao museu da Acade ?-rda Civil, ~m reco-
famílias. Quando a fumaça se dissipou dos corredores, laboratório de química), ficaramm~~, (a .sala Junto ao
os gritos de pânico foram substituídos por intermiten- cobrir que a explosão tinha derrubadrronzados ao des-
tes aplausos. As minas explodiram - mas estavam vi- tremidade sul e era agora possível d 0 a parede da ex-
vos! Um espasmo de alegria surgiu pelos porões. Can- ta del Alcázar. Através dessa brecheascert para a Cues-
tavam, dançavam e abraçavam-se uns aos outros. Gri- "
a b er t o on d e f ora .
antenomente labo est, ava
. do espaço
, .
, " 0 ra ono e quiml-
tos de "Viva Cristo Rei!" ecoavam através das salas V d
subterrâneas. Alguns oficiais agarraram o Tenente Bar- ca. en o que ~? eles. estavam em posição de deter os
atacantes que Ja podiam . ouvir vindo s do zocodover
ber, alçaram-no sôbre seus ombros e desfilaram no meio começaram a construir um muro de pedra t'. 1 '
da multidão bradando "Salve nosso general dos enge- " d b . · -
b oca o uraco, a sltuaçao era tão crítica e lJO o
- ·na
nheiros". Os imundos celebrantes pareciam esqll,leci- veram tempo de pedir auxílio. que nao ti-
dos das colunas republicanas trepando nos escombros
lá fora. A barricada tinha apenas alguns centímetros de
altura quando o primeiro Assalto comandado por Ma-
Levou algum tempo antes que os oficiais recobras- dronero começo~ a subir a encosta. Os guardas ner-
sem a calma e começassem a forçar caminho entre a vosamente re~rairam-se para as profundas sombras da
multidão. "Todos os homens para cima! os vermelhos sal~. Inconscientes de que ela estivesse ocupada, 0 pri-
estão chegando! a postos!" Os soldados arremessaram- m~uo Assalto s~ltou a barricada sem notar os guardas
se para as escadas quando compreenderam que longe pois su.a atençao concentrava-se na porta aberta que
de terminar, o pior devia estar apenas começando. No conduzia ~o pátio .. Silenciosamente os guardas levan-
pátio, onde um corneteiro de quinze anos tocava repe- taram os rifles e atiraram no flanco direito dos Assaltos
tidamente "As armas", viram pelas fendas da parede a poucos metros adiante. Três dos atacantes vacilara~
oeste a cidade de Toledo emoldurada pacificamente pe- e caíram para trás pelo declive abaixo, enquanto os
lo sol da. manhã. Então, um som como os olés distan- outros, tomados de surprêsa, fugiam atrás dêles. Como
tes de uma tourada, alcançou-os - os gritos das van- o interior do museu estava escuro e os atacantes esta-
guardas republicanas. vam em nível mais baixo, julgaram êstes que a sala es-
Os defensores lançaram-se através dos escombros tivesse fortemente guarnecida, presunção reforçada pou.
para as trincheiras e parapeitos. Os homens responsá- cos segundos depois quando granadas rolaram do mu-
veis pela defesa da ala oeste entraram por um terreno seu ou foram atiradas na Cuesta pelas janelas da parede
desconhecido . :mste lado do Alcázar tinha sido redese- externa. Em vez de atacarem com tôda a tropa, retira-
nhado em formas bizarras pela queda das paredes, pelo ram-se para o Zocodover ou começaram a atirar no mu-
desaparecimento completo de tôdas as salas e pelo ema- seu por trás das obstruções na Cuesta. Os Assaltos pa-
ranhado de vigas contorcidas. Aquêles destacados para reciam tolhidos pela descoberta de que o inimigo esta-
defenderem o segundo e terceiro andares não tinham va vivo e atirando. De acôrdo com suas instruções a
jeito de subir as salas que ainda restavam porque as explosão deveria ter acabado com todos os nacionalis-
duas tôrres que apoiavam as escadas tinham sido des- tas da ala oeste. Esta demora engarrafou outros repu-
truídas. Não era possível um plano fixo de defesa pelo blicanos que vinham atrás dêles e que tiveram de escon-

206 207
der-se nas portas ao longo das ruas. Pequenos grupos de nacionalistas lançaram granadas na cratera, a t'rraram
Assalto arremessavam-se pelo declive, mas cada vez en- d t . ·
lhes pe ras e os a mgnam com rifles Foi t- . -
!I contravam fogo mais pesado pois, a cada minuto, mais como fisgar peixes numa rêde. · ao sunples
defensores chegavam ao museu. Os guardas-civis conti-
1 11 nuavam a empilhar tijolos na bôca da abertura até que Os tiros de tocaia continuaram por todo 0 dia no

I ' li
1
um ataque frontal fôsse suicídio. Seis homens tinha.m re-
pelido momentâneamente uma coluna de assalto.
canto sudoeste, mas o resultado era sabido.
- · Enviem-nos
T um tanque-
b' , gritava um m11c1ano.
·1· ·
o M aJor erres sa. 1a, J?Orem,. que aqui era inútil um
I jl Enquanto o Major Madronero conduzia seus ho-
mens ao laboratório de química, o Major Torres com a tanque. Se os nac1onallstas tivessem construído f t' _
_, . t , t' or 1
i
I
I metade de suas fôrças atingia o ângulo sudoeste que
se supunha ser o calcanhar-de-aquiles da fortaleza. Fi-
ficaçoes s1s ema. 1camente, não teriam sido mais efica-
zes do que as cnadas, por acaso, pela explosão da mina.
cou, porém, desanimado com o que viu. A tôrre havia Somente no C~ralillo, as colunas republicanas ti-
desaparecido mas em seu lugar estava uma pilha de veram um. ~a~po livre ~ara manobrar e atacar. Qui-
vigas de aço retorcidas que bloqueavam a entrada da nhentos mll1c1anos, chef1~dos por dois carros blindados
brecha com tanta eficácia, como um metálico chevau com metralhadoras: su!guam at:~vés da pastagem tor-
de frise. Atrás havia uma escarpada colina de pedre- rada pelo sol, em dneçao ao refe1torio a noventa metros
gulho e para diante uma cratera de seis metros de pro- adiante. Quando os carros alcançaram a parede do
fundidade. Muito tarde o major compreendeu que ha- edifício voltaram-se, movendo-se para frente e para
via se esquecido de trazer escadas para escalar. Em- trás cobrindo de projéteis os parapeitos. Os homens
bora o caminho fôsse acessível a homens com equipa- abaixaram-se, incapazes de travar combate com os veí-
mentos leves, movendo-se para a frente individualmen- culos de chapa de aço.
te, um ataque frontal estava fora de cogitação. Mili- No meio do Coralillo, a milícia saiu de forma e ar-
cianos decididos meteram-se pelas vigas, subiram a bar- remessou-se para o refeitório. Os tiros de tocaia isola-
reira, escorregaram para as crateras e começaram a dos que tinham saudado a sua aparição, haviam ces-
trepar a muralha dos alicerces do Alcázar. Apenas um sado quase inteiramente devido ao fogo mortífero dos
punhado dê. atacantes conseguiu avançar imediata- carros blindados que patrulhavam tôda a extensão do
mente. Os outros aglomeravam-se nas ruas esperando Coralillo. Outros atiradores em mangas de camisal jun-
sua vez. Foi enquanto êles estavam juntos que o pri- tavam-se a êles, arrastando-se para fora das janelas e
meiro atirador do Alcázar alcançou seu pôsto nas j a- saltando os muros do jardim adjacente ao refeitório.
nelas do sul. Seu objetivo era a ala sul, construída quase que
A milícia arremessava granadas nas janelas, mas só de vidro, como uma estufa. Uma vez que as vidraças
em sua maioria batiam nas paredes e voltavam caindo tinham sido arrancadas semanas antes, havia uma área
no meio dêles. Os alcazarenhos atiravam a queima- imensa através da qual podiam entrar, mesmo estando
roupa, obrigando os milicianos a voltarem para trás das as bordas das janelas a dois e meio ou três metros acima
antigas barricadas que haviam ocupado nos doiE: meses do solo. Dentro do prédio estariam em posição ade-
anteriores. Os homens na cratera foram isolados. In- quada para atacar com as janelas da ala leste. Além
capazes de se moverem para trás ou para a frente, €n- disso, seria impossível desalojá-los. Tar:_to . o Quartel
terraram-se nos escombros esperando a oportunidade Santiago como o Gobierno estariam entao Isolados do
de escapar para suas linhas. Poucos o conseguiram. Os Alcázar.

208 209
Exatamente no momento em que os primei.ros mi-
licianos tentavam trepar pelas janelas do refeitório uma ct.e ~ocaia do A~cázar. Não se livraram, porém, dos fu-
metralhadora estalou numa janela pequena e escondida zileiros d~ Gob1erno. E1n virtude do fogo que do Santa
do porão dos Capuchinhos. Essa janela ficava na la~ Cruz castig~va os defensores, somente oito homens pu-
vandaria da Academia e ainda não fôra fortificada por- deram ser dispensados para deter a Inilícia que escalava
que era fronteiriça ao Santiago e ao Refeitório. Três a. escarpa norte. Quatro dêles incluindo o tenente Jo-
guardas-civis que ouviram a milícia atravessando o Co- sé Espiga, eram considerados' como os melhores atira-
ralillo transportaram suas metralhadoras para trás das dores da guar;nição do Gobierno. Os outros quatro car-
janelas e esperaram. Era um lugar ideal para um fogo regavam os rifles para êles e esfriavam os canos com
cerrado porque uma só bala poderia ferir vários mili- panos úmidos. Em geral, a milícia dava atenção a seu
cianos a medida que se acotovelavam debaixo das ja- fogo devastador.
nelas do refeitório. As metralhadoras abriram, então, Nesse intervalo, um tanque apontou numa das vie-
fogo no flanco esquerdo dos atacantes. la.s além do Santa Cruz e moveu-se desajeitadamente
Os Assaltos talvez estivessem em condições de re- pela Calie dei Carmen em direção ao portão de ferro.
sistir a uma emboscada, mas não os milicianos. Mesmo Era uma imensa geringonça, semelhante a uma loco-
antes que seus líderes pudessem apontar as armas, os motiva equipada com lagartas de tratar. Construídos
homens bateram em retirada. Não pararam nem para de placas espêssas de aço, ligados por centenas de re-
recolher os mortos e feridos. Sem o apoio de infanta- bites, trazia um canhão leve sob a torrinha. Lateral-
ria, os carros blindados não tinham qualquer função. mente, era equipado com metralhadoras. Em outro
Como baratas tontas moviam-se para frente e para tempo, a vista desta máquina fantástica, que a tôda
velocidade não se rnovia mais depressa do que passos
trás, grotescamente. Os motoristas recusavam aproxi- vagarosos, poderia provocar mais hilaridade que pro-
mar-se muito do Capuchinhos, com mêdo de um ata- priamente mêdo, mas o Tenente Espiga e seus exímios
que de granadas. Finalmente, quando se certificaram atiradores logo compreenderam que êle era impenetrá-
de que a tropa indisciplinada não voltaria, os veículos vel às balas. O monstro movia-se inexorável para êles,
retornaram através do Coralillo. Um feroz fogo de to- indiferente às balas de chumbo que num ruído con-
caia continuou pelo resto do dia, mas os Assaltos não tínuo batiam contra sua espêssa armadura.
se renovaram. Enfiando o focinho pela passagem da cavalariça,
Simultâneamente com os ataques do sul, ao su- logo em baixo da janela de Espiga, o tanque projetou-
I doeste e oeste, os republicanos lançaram seus homens
contra a frente norte. Enquanto os artilheiros do mu-
se pelo portão de ferro, triturou as grades com tanta
facilidade como se fôssem de tela de arame. Para além
seu Santa Cruz atiravam nas janelas do Gobierno, e as do portão estava um caminhão carregado de pedras.
catapultas nos telhados lançavam petardos de dina- Êle derrubou-o como um brinquedo. Havia pouca pro-
mite pela Calle dei Carmen, a milícia penetrava pelo visão de granadas e bombas no Alcázar e por êsse mo-
Zocodover nas ruínas das casas ao pé do terraço norte tivo os oficiais ordenaram que as economizassem para
e subia o Ziguezague. Ali aguardaram o ataque que as emergências graves; agora Espiga decidira q~e e.s~a
deveria juntar-se a êles antes que atravessassem a bre- era uma delas. Em poucos segundos o tanque at1ngu1a
cha. Por ela atingiriam o pátio. Escondido pelo dique a entrada para o Ziguezague. Apanhou uma bo~b~
do terraço, os milicianos ficavam a salvo dos atiradores Lafitte e arremessou-a no tanque debruçando-se llge1-

210 211
ramente para fora da janela. 4 A bomba ricocheteou
no tanque e explodiu no ar enchendo de fragmentos 0 de uma ~rmadilha e subiram cautelosamente. o Assalto
caminho estreito. Um guarda-civil na janela mais pró- que caminhava na frente encontrou um buraco do ta-
xima foi ferido no ombro e o Tenente Espiga, que não manho de um homem perto do tôpo da escada. Olhou
se protegeu depressa, foi atingido no braço. receoso e depa.rou com mesas de bilhar, poltronas
O motorista parou o tanque por falta de visibilida- es~ofadas e equipamento de pinguepongue. Em poucos
de. O veículo não estava danificado. Percebendo, na- minuto~ os outros, acompanhados por uma combaten-
turalmente, que se fôsse danificado era impossível para te apelidada "Nariz arrebitado", passaram pela brecha
a tripulação escapar ou defender-se, o motorista voltou e entraram no que fôra antes o salão de recreação dos
da passagem da cavalariça e dirigiu-se para um lugar c~detes, localizados no. segundo andar, exatamente por
de maior segurança. A decisão republicana de desviar c1ma do muse';. Imediatamente abaixo ouviram tiros.
a guarnição do Gobierno foi um êrro que custou caro. Olharam atraves dos buracos do assoalho. Os nacionalis-
A milícia que se apegava às encostas sob o terraço nor- tas, cujos rifles os tinham obrigados a retroceder da bre-
te tinha agora que prosseguir sem proteção. Corajo- ~ha oeste, pouco momentos antes, estavam ali. Sem que
samente erguiam-se sôbre as grades e espalhavam-se eles notassem, uma dúzia de republicanos tinha asse-
em tôdas as direções pelo terraço. Entrincheirados ao gurado uma base no Alcázar.
longo da crista norte do Alcázar, estavam alguns mem- Na~ tôrres ficavam as únicas escadas que davam
bros da Guarda Civil obrigados a retroceder pelos ati- acesso as salas da ala oeste . Dês te modo o salão de
radores espalhados nas salas superiores da ala leste. recreação era inacessível para os defensores que tinham
Se êstes não conseguissem deter o ataque, os republi- evacuado esta região antes da explosão das minas. O
canos dominariam o monte de escombros que se elevava Tenente Barber estava certo: as salas podiam ser al-
acima do pátio. cançadas pelos atacantes pelo lado de fora. A posição
do~ ir;tvasores tinha, porém, uma desvantagem - seus
Enquanto o tanque forçava sua passagem através propnos companheiros não sabiam que estavam lá.
da cavala~iça, alguns Assaltos que tinham sido força-
dos a retirar-se da brecha do museu transferiram-se Enquanto alguns dos Assaltos construíam parapei-
para o norte, colocando-se estreitamente à parede oeste. tos dos quais pudessem abrir fogo contra os nacionalis-
Em lugar de voltarem, porém, ao Zocodover subiram o tas no pátio, os outros juntavam as granadas e enga-
.
caminho '
que conduz ao terraço norte. Escondendo-se tilhavam para os buracos no piso. O museu, nesse mo-
por trás das saliências das pedras dos alicerces da tôrre mento, estava cheio de oficiais. Imaginando que uma
fôrça disciplinada pudesse entrar pelas paredes derru-
noroeste, chegaram a uma esquina não atingida pela badas, estava1n lá preparando uma linha de defesa den-
batalha. Inadvertidamente haviam descoberto a zona tro da sala. Se alguém tivesse levantado o olhar para
~orta do ~lcázar, um lugar não coberto por qualquer o teta teria visto os Assaltos observando-os. Subitamen-
nfle. Sentiram-se tentados a subir por uma escada de te as granadas caíram e transformaram o museu numa
pedras q~e?radas que se encostava na parede exterior confusão de fogo, fumaça e estilhaços. Três oficiais
e conduzia as salas da ala oeste. A princípio suspeitaram morreram no mesmo instante e sçis guardas ficaram se-
riamente feridos. Os atacantes abriram fogo, então
4 -,A bomba La~itte era tão indigna de confiança que
para usa-la e~a preciso receber instruções especiais. Depois contra uma companhia de reserva da Guarda Civil que
de puxar o pino e arremessá-la, devia-se correr tão rápido estava no pátio, preparando-se para contra-atacar na
quanto possível em direção oposta. brecha norte, caso a milícia ganhasse a crista. Os As-

212 213
saltos eram excelentes atiradores. Seus tiros iniciais der-
rubaram seis ou oito nacionalistas. não se perturbou. Arrancou da parede uma vitrina e
colocou-a bem embaixo do buraco. Seus homens apoia-
o Major Mendez Parada, comandav~ no pátio. :E:~e ram a escada na abertura e a outra extremidade sôbre
havia trazido um dos obuses da Academia para repelir a vitrina.
0 tanque que, segundo tinham informado; dirigia-se
para a parede norte. De repent~, ~ companhia de re~er­ O Tenente Gómez imaginava que os Assaltos esti-
va junto dêle começou a ser a~Ing:1da, os homens cai.aJ? vessem tão preocupados com os Guardas das salas opos-
como boliches. Jatos de fogo Indicaram-lhe que o Ini- tas que não suspeitariam que alguém pudesse brotar do
migo ocupava o salão de recreação. Imediatamente en- chão. Cautelosamente começou a subir. A escada cur-
vava-se como um arco quando Gómez alcançou o teto.
viou seus melhores atiradores para as salas do andar Meteu a cabeça pelo buraco e recolheu-a.. Como nin-
superior da ala leste do pátio com instrução para des- guém o alvejasse, fêz sinal para os homens segui-lo
cobrir co1no o inimigo tinha entrado e para exterminá- e entrarem sorrateiramente no salão. Enquanto outros
lo. No comando dêles estava o Tenente de Infantaria seguravam as pernas da escada, o Tenente Gómez, mais
Benito Gómez Oliveres. familiarizado com provisões do que com luta) trepou
o Tenente Gómez não teve dificuldade em descobrir corajosamente seguido por três falangistas.
o escapamento da linha defensiva e colocou doi~ soldados Abrindo caminho, Gómez apanhou os Assaltos pelas
onde poderiam cobrir o ponto morto. DesaloJar os As- costas com sua pistola automática. Foi uma surprêsa
saltos era, porém, impossível no ~omento. Nenhum re- total. Quando o Tenente Castro correu para o salão,
fôrco seria capaz de subir até o salão de recreação. O quase colidiu com um Assalto empunhando um rifle.
inilnigo já havia limpado o pátio. da ~aior parte da Castro levantou sua pistola em direção ao homem e pu-
resistência e estavam acertando a llnha vital de hon1ens xou o gatilho. O Assalto e o tenente olhara~-se mu-
que sustentavam a crista da fenda norte. Quando a tuamente surpreendidos; o primeiro abaixou o nfle e cor-
milícia atacou pelo terraço norte quase não encontrou reu para a rota de escape, saltou pela abertura por onde
oposição. entrara. "Nariz arrebitado" também escapou. Os ou-
Enquanto outros praguejavam e enfureciam-se, o tros foram fuzilados por Gómez e seus homens. 5 Os
Tenente Gómez tomou a si o encargo de expulsar os Assaltos tinham atado uma bandeira vermelha a uma
Assaltos do salão de recreação . O grosso de sua tropa viga que sobressaía no entulho da. ~squina noroeste.
mantinha fogo .arrasador nas salas lestes. Gómez esco- Gómez subiu sob uma rajada de proJeteis e arrancou-a.
lheu seis guardas-civis e falangistas e entrou de man- Tendo expulsado o inimigo do segundo andar. da
sinho na sala debaixo da que ocupavam os Assaltos. ala oeste, os soldados foram mandados escada acrma
Observou os buracos no teto por onde haviam jogado
as granadas e julgou que era possível desalojar o ini- 5 - Embora o Tenente Gómez se~viss~ num regi~~~=
migo passando por estas aberturas. Como consegui- to de Oviedo e não tivesse nenhuma llgaçao â.~m ~~va tão
riam, todavia, alcançá-las? A distância do chão ao teta tuições militares de Toledo, o Coronel Mascar ~e ~~u torná-
do museu era de mais de sete metros e meio. Um ofi- impressionado com seu arroj a~o ataque . que o~nM~scardó até
cial-intendente, o Tenente Enrique Castro, lembrou-se lo seu ajudante-de-ordens. Gomez servlu c biografia oficial
de que havia escadas nos porões. Gómez mandou bus- a morte dêste último em 191~6 e e~~~~~u d~screve o contra-
de seu comandante. Nesse lvro, meu-
car duas, uniu-as com arame mas quando as ergueram ataque no salão de recreação de~a~hadamente, mas sem
verificaram que ainda não eram suficientes. Gómez cionar seu nome con1o dos partlclpantes.
215
214
para estabelecer uma linha de defesa. Não era sem tem-
po, pois a milícia já atingia o terraço ~orte através do perdiçada. Além do mais, as toneladas de pedras foram
Ziguezague. A medida que avançavam Iam arremessan- lançadas para oeste, para fora da parte interna.
do granadas no pátio, ma~ os defenso~~s .das arc~das su- <?s porõ.es haviam-se enchido de escombros. Na ca-
periores conseguiram dete-los. Os milicianos nao espe- pela lillprovisada na ala sul, Moscardó e Barber encon-
ravam encontrar tão dura resistência e tendo presencia- traram ~ma mulJ:er rezando diante da imagem da Vir-
do o fracasso de seu tanque em forçar caminho pelo gem. ~ I?Iagem tinha sido derrubada, mas estava ape-
Gobierno ficaram desanimados. Um a um eram atin- nas. ligeiramente. l~scada. Para os que acreditavam,
gidos e ~alavam a encosta. Não chegou refôrço. Os aq~I estava a evidencia de que o poder de Deus era
homens começaram a fugir para a retaguarda até que mais for~e que. o TNT dos asturianos ateus. Enquanto
nenhum miliciano restou no terraço, exceto os mortos Moscardo s~ aJoelhava e rezava, Barber examinava o
e agonizantes. ar~me que ele e ~o~ríguez haviam estendido para deli-
Pelas dez e meia tanto os republicanos como os na- mitar a zona atingida pela explosão. Estava intacto,
cionalistas sabiam que o ataque maciço havia falhado. embora a pouco mais de 30 centímetros houvesse um
O Alcázar não se rendera; seu perímetro defensivo man- ca.os de pedra caíd~ e alvenaria espalhada. O cabo não
tinha-se inalterado. f~I encontrado. Evidentemente, as minas terianl explo-
dido enquanto fazia sua vistoria. Soterrados com êle
Logo que os ataques foram repelidos, as baterias havia um oficial e dois guardas-civis designados para
dos 155 irromperam de nôvo contra as paredes les- êste setor. Sua função era impedir que os republica-
te. Os oficiais quase recebiam isto de bom grado, pois nos introduzissem aqui sorrateiramente alguns mili-
indicava que o inimigo reconhecia sua derrota. Cada cianos em vez de detonar as minas.
um dos 272 projéteis que explodiram no Alcázar no dia Além dêsses homens, ninguém mais foi morto pe-
18 de setembro - a barragem mais pesada até aquêle la explosão. Quase todos obedeceram às ordens estritas
dia - era um testemunho de fúria impotente do co- de não se deslocarem dos 1ugares indicados para salas
mando republicano. Durante todo o dia os combaten- distantes. Tereza González, a encarregada da carne, es-
tes permaneceram em seus postos, caso houvesse no- capou por pouco. No período de calma antes da explo-
vas investidas. são, ela e o marido, desobedecendo às ordens, ~ubiram
O Coronel Moscardó, em companhia do Tenente ao pátio por curiosidade. No momento da erupção fo-
Barber, foi imediatamente aos porões para examinar ram atirados a quinze metros e enterrados até o pes-
a extensão dos estragos. Barber estava preocupado com coço nos escombros. Os soldados que passaram pouco
depois em busca de seus postos de combate, ficaram
seu ajudante, Rodriguez Caridad, que não fôra visto espantados à princípio, pensando que se tratava de
desde manhã, quando pouco antes da explosão insis- duas cabeças sem corpos. Quando pararam para tirá-
tiu em fazer uma inspeção final na ala oeste. Queria los, Tereza disse:
certificar-se que tôda a área tinha sido evacuada. Su- - Não se preocupem comigo. Os vermelhos estão
pervisionando os danos, Barber achou que o principal atacando.
impacto da explosão fôra vertical. Com um pouco mais Foram retirados depois que os republicanos foram
de paciência os mineiros poderiam ter cavado túneis expulsos, assistindo de lugar privilegiado a batalha que
secundários à base da parede oeste e arruinado todo se travou no salão de recreação. Nenhum dos dois re-
êsse lado. A explosão tinha sido espetacular, mas des- cebeu ferimentos além de pequenos arranhões.
216 217
o maior número de baixas ocorreu quando os As-
saltos penetraram no salão de recreaç~o e atiraram gra-
nadas e balas nos defensores em baixo. Antonio Rive-
ra, "O Anjo", entrou em ação pela primeira vez como
carregador de uma metralhadora colocada na crista
norte. Sob uma chuva de granadas, durante o ataque
X
da milícia, a equipe da metralhadora teve que procu-
rar refúgio numa sala vizinha. Rivera decidiu recupe- A Última Investida
rar a arma. Alcançou a área e estava desmontando 0
tripé quando uma granada explodiu a poucos passos
dêle estilhaçando seu braço. Enquanto segurava o rosá-
rio na enfermaria, teve o membro amputado. O total
de mortos do dia subiu a treze. Cinqüenta e nove fe- . Na noite de 18 de setembro, o General José Asen-
ridos foram socorridos. Moscardó calculava que, pelo sio, comandante das tropas do govêrno na Espanha
Centr.al, conheceu por experiência própria 0 que seus
menos, cem milicianos jaziam espalhados pelo prédio. su~enores em M~dri chamavam "o pesadelo toleda-
Muitos foram retirados pelos camaradas durante a noi- no · Es:pe!ou ans1o?amente o dia inteiro pela notícia
te. Alguns dos mortos eram mulheres. da rendi~ao do ~lcazar. A bandeira vermelha vista pe-
A artilharia republicana malhou o Alcázar todo la manha, _podena ter sido substituída. por uma bran-
o dia e tôda a noite. Quando escureceu, os defensores ca, .mas nao compreendia por que suas colunas retro-
construíram barricadas, desobstruíram caminhes e en- cediam em vez de avançar pelas ruínas da fortaleza.
terram os mortos sob algumas pás de terra no Pica- Er:quanto a Rádio União anunciava que o Alcázar tinha
dera. Êste trabalho, todavia, fazia-se vagarosamente, ca1do, a est:·ada que conduzia à estação ferroviária fi-
pois estavam à beira da exaustão. Não houve tempo cava obstruida com ambulâncias tentando abrir cami-
para abater um cavalo por causa dos ataques da ma- nho por entre o povo que desejava retornar às suas ca-
nhã. O Capitão Cuartero foi obrigado a lançar mão da sas ag?ra que ~s t~rríveis minas tinham explodido. Os
reserva de emergência e serviu-lhes uma extraordiná- republicanos nao so foram repelidos como não trouxe-
ria refeição de arroz, feijão e salsicha. Tendo traba- ram nenhuma indicação da extensão dos danos infli-
lhado tôda a noite em revezamento, os soldados ocu- gidos ao adversário. Alguns oficiais calculavam em me-
param seus postos antes do amanhecer. A noite foi sur- nos de cinqüenta as baixas no Alcázar; outros, que mil
preentemente fria, soprava um vento gelado das mon- e duzentas pes~oas tivessem morrido. Será que um nô-
tanhas de Guadarrama. O outono se aproximava de vo assalto encontraria 1nenor resistência ou falhariam
Castela, trazendo outro castigo físico para os homens pela segunda vez? Asensio não tinha certeza e decidiu
não arriscar. Em declaração à imprensa contentou-se
em postos desprotegidos. Esperavam pelo sol que lhes em dizçr que os defensores seriam exterminados e rà-
haveria de trazer urn pouco de calor e muitos mili- pidamente.
cianos.
Em primeiro lugar, a defesa do Gobierno teria que
ser esmagada para permitir que um tanque chegasse ao
terraço norte e a milícia avançando pelo Ziguezague
não ficasse sujeita ao fogo de flanco. Para isto Asen-
sio requisitou de Madri un1 can1inhão-tanque de gaso-

219


lina. Seu plano era estender uma mangueira para o
Gobierno e bombear a gasolina nas salas mais baixas. um bombardeio tão rápido que seria suicídio ar
quer um aventurar-se a sair. P a qual-
D·epois atearia fogo. Quando o fogo se extinguisse os
dinamiteros fariam um rombo na parede para permi- - ~ tarde? os 155mm castigaram a lavandaria do po-
tir a entrada dos atacantes de Santa Cruz. Ao mesmo r~o . apuchinhos, onde a metralhadora da Guarda Ci-
tempo, um tanque forçaria a passagem pelo portão de VI~ tinha rechaçado ~eu ataque no dia anterior. Sua
ferro e subiria até o terraço norte. A artilharia no Ali- ~Ira era 9.uase perfe~ta. Os projéteis desbastavam as
jares continuaria a malhar a parede leste, concentran- Janelas baixas ou batiam com fôrça na parede acima
do o fogo na porta próxima à piscina para impedir pos- derrubando montões de pedra que soterravam 0 porão'
síveis reforços para o Gobierno. Em vez de tent ar pe- Os guardas recuaram para dentro das salas e aguar~
netrar na fortaleza por quatro direções diferentes se- daram um ataque, mas não veio ninguém.
ria melhor desfechar um golpe pela brecha norte. Asen- A milícia amontoava-se atrás dos portões do lado
sio marcou o ataque para o dia 20 de setembro. de fora do Santa Cruz, esgueirando-se até o outro lado
~a rua, para. as paredes carbonizadas do Gobierno a
A cortante friagem noturna do verão, que se des-
fin: de examinar o prédio que iriam atacar no dia 'se-
pedia dos castelhanos, dissipou-se na manhã de 19 de guinte.
setembro. Os soldados que ficaram expostos nas salas
dos pavimentos superiores estavam duros de frio. Mos- Depoi~ de uma defesa morna da guarnição, os ata-
cant~s retnarai?-se para o Santa Cruz, convencidos que
cardá mandou um carregamento de mantas de cavalo
para que as mulheres fizessem sobretudos para êles. u:n Impacto VIolento acabaria fàcilmente com 0 Go-
bierno.
Lá embaixo, ninguém necessitava de cobertores, pois
o calor fétido e envolvente de centenas de corpos em- .. Nos corredores e pátios do velho convento os mi-
pilhados uns por cima dos outros conservava-os aque- licianos carregavam pentes de balas e cintos de metra-
cidos. Como só restavam Cajón e doze mulas não havia lhadoras. Os braços estendidos de um apóstolo de ter-
com que se preocupa.r relativamente às mantas. racota,. olhos suplicantes voltados para o céu, serviam
de cabides p~ra os cintos vazios. A milícia esperava ale-
Tendo transferido a maior parte da artilharia de ~remente. TI~ham ouvido falar no caminhão de gaso-
Dehesa de Pinedo para Alijares, durante as horas da lina e tam bem na vinda do Primeiro-Ministro Largo
manhã os republicanos alvejaram furiosamente a pa- Caballero para observar o ataque do dia seguinte.
rede leste no lado mais próximo à tôrre sudeste a úl- No Alcázar a junta debatia se devia retirar tôdas
tima remanescente. A Academia ficou inteiramente iso- as unidades para a forta.Ieza pràpriamen te dita, uma
lada durante o dia, das guarnições de Capuchinhos vez que o Gobierno e o Santiago seriam isolados a qual-
Santiago e Gobierno. A passagem curva ficara soter~ qu~r momento. Decidiram, porém, esperar um pouco
r ada sob toneladas de pedras durante as barragens an- ma1s. Traçaram, entretanto, um plano defensivo para
teriores e a única saída possível para comunicar-se com o caso da milícia penetrar no Alcázar. A metade dos
as demais dependências seria a porta da esplanada les- homens ficaria nas salas dos andares superiores, en-
te que conduzia à piscina. quanto os outros defenderiam os civis nos porões. Os
Os artilheiros da milícia sabiam disso e assim con- oficiais subalternos estavam convencidos de um fato
centraram dois 75mm na porta e na área externa. Ob- desesperador: u1na vez que os vencidos seriam mortos
servadores com telescópios montavam guarda e ao mí- por um esquadrão de fuzilamento era melhor morrer
nimo sinal de movimento nas proximidades ordenavam no Alcázar com armas na mão.
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O salão de recreação tinha agora um nôvo nome,
"o salão da morte" e a escada construída pelo Tenen- estritamente proibido fumar L' . .
I te Gómez era chamada "a escada da morte". Era o en1endaram enormes · lgaram u~na b(Jmba e
ção. A mangueira foi pedaços de, mang~eira de irriga-
I I pôsto mais perigoso do Alcázar. Se os republicanos o
retomassem, seria impossível aos defensores escapar.
diante do Gobierno 0P~:~d~rate .u:m.a Janela superior
que dava para a c~ne del C a dingido para o canto
Além do mais, a metralhadora da Igreja de Madalena da cavalariça. A torrente de a~F;~ e para a passagem
alvejava-o regularmente. Mais cedo ou mais tarde, to- o canto ficou logo inundado d u 0 c?meçou a correr,
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dos os homens designados para êste pôsto eram feri- a milícia tentou alcançar a ca~a~as?hna,, mas quando
dos. A junta parecia apegar-se a uma regra simples: o a pressão não corres ondeu ança numero quatro
homem que subisse para a "sala de muerte" não des- apagado enquanto ca~re av~mo afarol do _Zocodove;.- foi
cia enquanto não fôsse uma baixa ou um cadáver. Era rua para introduzi-la g . mangueira atraves da
preciso um estômago forte e um coração duro para nhum dos homens e ~or uma Janela do Gobierno. Ne-
subir a escada com manchas escorregadias de sangue havia cobertura do s ava ar~ado, na escuridão não
que escorrera dos feridos ou mortos ao descerem com jetaram a gasolinas N- companheiros
. do Sant a c ruz. 1n-
o auxílio de cordas. , .. . · ao saiu nada. Em algum luo·ar
a t ras deles ouviram um barulho que · -, - o
Os registras do dia arrolavam oitenta e oito projé- guichando d parecia agua es-
. e um can? partido. Enquanto estavam in-
teis pesados, quatro mortos e trinta e três feridos. A troduzindo a mangueira pela ]·anela alO' , . lt
noite uma chuva fria começou a cair sôbre Toledo. e partiu a d · ouem so ou-a
. - .em Ois com um facão. A gasolina cascatea-
Meia hora antes da meia-noite do dia 20 de setem- va Inofensivamente pela Calle del Carmen.
bro, as baterias inimigas abriram fogo contra a facha- Alguém atiro';! un1a bomba. Tôda a área irrompeu
da leste do Alcázar, concentrando-se na tôrre sudeste em ch~mas que Instantâneamente incendiou o canto
e desviando-se gradualmente para a porta da piscina. do Gobierno e desceu pela mangueira até as poças es··
A barragem durou cinco minutos e desfechou 150 palhadas no Santa Cruz. A milícia trabalhava desespe-
projéteis de 155mm- uma média de trinta por segundo. radament~ par~ apagar as chamas. De algum modo a
Morosamente os homens tentavam manter-se acorda- b~mba foi ~eshga?~. e o caminhão ainda pela metade
dos, segurar as armas e esperar. O bombardeio, o mais nao ~:C~lod1u. A Ideia da mangueira foi abandonada.
intenso até então, devia ser o p~~elúdio de um ataque. A millcia recolheu garrafas de vinho e baldes e en-
Mas em que ponto? Moscardó imaginava que os repu- cheu-os com gasolina. ~stes seriam lançados no Gobi-
blicanos tencionavam invadir o Capuchinhos, onde os erno com as próprias mãos quando o ataque fôsse or-
homens não eram substituídos há dois dias. Ordenou denado.
que reforçassem aquêle setor imediatamente, mas sua A barragem da artilharia. na esplanada cessou às
ordem não pôde ser cumprida- a explosão de bombas cinco e meia. A milícia começou com uma chuva de
enchia a esplanada leste com estilhaços que se proj e- petardos, lançados com catapultas e pedaços de tubos
tavam furiosamente contra as paredes. Onde quer que de aço cheios de dinamite e acesos com cigarros. Isto
fôsse o ataque, os homens daquele ponto teriam que obrigaria a guarnição a recuar para o pátio interno ou
lutar sozinhos. o porão. Veio então o ataque. Os mineiros asturianos
O caminhão de gasolina chegou a Toledo algumas trepavam pelas paredes até atingirem a parte da ca-
horas antes de romper o dia e foi levado para uma valariça número quatro, onde havia uma abertura fei-
viela escura próxima do San ta Cruz; nesse se to r era ta pelo 75mm algumas semanas antes. Ali colocaram

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uma fila de cargas de dinamite, acenderam os fusos e metálicas de munição cheias d . .
fugiram. Com a explosão desabou a quarta pa.rte da ta guarda-civis reuniam s e rocha, vmte ou trm. .
parede para o lado da Calle del Carmen. Outros mili- nas salas destruídas e n-ae parado ataque. Acima dêles,
cianos jogaram a gasolina e incendiaram o fluido com radores para dar-lhe s arca as.' havi· a sold a dos at·l-
1
granadas. Os homens lá dentro retiravam-se pelos cor- entretanto, estava pe:ig~s~':n~n:foio. ~ II?-aiori~ dêles,
redores em direção leste e construíram uma barricada balas atiradas dos telhados da e~~os a as raJadas de
de pedras bem no fundo. Com as costas na parede es- sul do pátio, uma companh· ~VIZinhanças. No lado
peravam o inimigo com um ódio desvairado de animais civis esperava com b · Ia e reserva de guardas-
aionetas para contra t
apanhados numa armadilha. Os primeiros milicianos republicanos ganhassem a . t .-a acar se os
75mm do Major Mendez Pc;;~~ 0 nan.z d~ canhão
a penetrar na brecha perceberam que constituíam bri-
lhantes alvos para os desesperados soldados lá dentro. monte de tiJ'olo para at aparecia sobr~ um
acar o tanque qua d
Foram derrubados imediatamente. Os que vinham mais cesse uma brecha norte ~ _ n o apare-
atrás tentaram arremessar granadas e garrafas de ga- anos atirara apenas em. 1sse fc~nhao, ~urante vinte
"I . a vos IXOs e ninguém sabia
solina, mas isto era tão difícil como atirar uma bola como e e se portana quando os alvos usados fôssem vi-
em túnel de mina. Experimentaram derrubá-los , mas vos. Como os defensores estavam em , 1 d t
as baias dos cavalos desviavam os projéteis. mais elevad d' , nive e erreno
. . . o po Iam facilmente forçar a retirada do
O dia inteiro meia dúzia de jovens soldados per- 1~rm1go com granadas, mas só possuíam algumas dú-
manecia atrás da precária parede de pedra, enquanto ZI.~s. rro CO~eço do cêrco havia apenas duzentos e cin-
os milicianos atiravam a esmo contra êles, inicialmen- quen. !1'. e c1nco bombas Lafitte e sessenta granadas in-
te com fogo direto e mais tarde fazendo as balas rico- cendiarias no arsenal do Alcázar. No fim do cêrco res-
chetearem nas paredes como bolas de bilhar, a fim de tavam quatorze granadas. O tanque anunciou sua che-
atingirem os alvos atrás das barricadas. gada. ~~ terraço con: o pio característico para ataque.
O Gobierno era agora a cena de uma luta corpo- A mllicla avançou sobre _o dique, arremessando-se pela
a-corpo. Nesta luta de sala a sala a vantagem ficou encosta enquanto o canhao leve do tanque fazia voar pe-
com os nacionalistas, que conheciam intimamente o los ares a testada de cobertura dos Guardas. Tomaram
edifício. Além disso, a milícia tinha sido tantas vêzes posição a trás dos escombros da brecha norte e puse-
enganada na tática do seu "jôgo de morte" que esta- ram em retirada os defensores das arcadas e salas dos
va receosa e avançava vagarosamente. Os defensores andares superiores com granadas. O tanque subiu a
estavam mais interessados em defender a vida do que encosta.
o Alcázar. A superfície estava muito pouco compacta e o ân-
As nove e meia os republicanos intentaram o seu gulo era de quase quarenta e cinco graus. Na primei-
principal ataque à fortaleza pràpriamente dita. Nova- ra tentativa as esteiras do tanque não conseguiram tra-
mente o tanque subiu a passagem da cavalariça. Não ção suficiente. O monstro desengonçado deslizou para
havia nada para impedi-lo. Vagaroso, atingiu o Zigueza- trás. O motorista tentou novamente. Na metade do ca-
gue soltando uma nuvem de fumaça azul. minho o tanque rateou um momento e tornou a desli-
Algumas centenas de milicianos esperavam por êle zar para o terraço. Na terceira tentativa quase atingiu a
agachados por baixo do dique do terraço norte. crista, mas projetou-se de encontro a uma viga de aço
Deitados ao longo da crista, em trincheiras cava- que o fêz retroceder como uma mola de metal. As es-
das nos escombros ou atrás de uma testada de capas teiras vomitavam pedregulhos pela colina abaixo. A má-
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quina não conseguia mover-se para frente. Ficou esta-
cionada com suas metralhadoras descarregando. A mi- dência. Observadores informaram que um oficial e qua-
lícia avançou. tro soldados correram pela passarela numa tentativa
O Coronel Romero, que tomara conta desta orla de retirada para o Alcázar, mas foram alvejados. Tiros
esparsos eram ouvidos do Gobiemo, mas se isto indi-
enfraquecida de linha de defesa compreendeu que o cava resistência ou uma limpeza por parte da milícia,
tanque escarrapachado perto da crista tinha que ser ninguém sabia. Teria a guarnição sido exterminada?
retirado. Seu canhão ensurdecedor já h a via forçado os
Guardas lá em cima a retirarem-se para o pátio. Equi- Para descobrir isto Mosca.rdó requisitou voluntá-
pou a companhia de reserva com garrafas de gasolina e rios. Essa ordem era justamente o que a Falange aguar-
bomba Lafitte e ao comandar: "Agora", os guardas lan- dava. Apresentaram-se seis, inclusive o chefe Pedro Vil-
çaram-nas por sôbre a crista. Elas explodiram quase laescusa.
ao mesmo tempo e a encosta irrompeu em chamas. o Embora advertidos de que equivalia a um suicídio
motorista foi obrigado a retroceder e parou no sopé do atravessar a barragem da esplanada leste êles insisti-
monturo para alvejar as arcadas superiores. Fêz então ram em tentar. Acocorando-se atrás da porta da pisci-
meia volta e desceu vagarosamente o Ziguezague. na esperaram por uma trégua no bombardeio. Quan-
do os canhões cessaram por um momento, Villaescusa
. A companhia de reserva dos guardas subiu para a precipitou-se pela porta e lançou-se pela passarela se-
cnsta e avançou de baionetas contra a milícia. Não guido de perto por seus homens. O chão esburacado
deram um único tiro e não tiveram que fazê-lo. Dian- atrasava-os. Estavam a cêrca de vinte metros do pon-
te d~ arma-branca a milícia perdeu completan1ente a to de partida quando uma bala calibre 155mm explo-
coesao. Tornou-se uma turba enfrentando policiais vin- diu entre êles. Uma pasta vermelha lambuzou a pare-
gadores. Os milicianos fugiram, saltando a balaustrada de leste. Villaescusa e dois outros desapareceram na
do terraço norte em direção ao Zocodover. Os guardas nuvem de poeira negra e os outros arrastaram-se de
retornaram ao pátio prontamente e os rifles nas trin- volta. Romero e Moscardó concordaram que o Gobier-
cheiras da crista entraram de nôvo em ação. O Coronel no tinha que ser evacuado depois que escurecesse - se
~omero estava tão entusiasmado que mandou as últimas é que havia alguém vivo para voltar à fortaleza. Isto
cinco garrafas de vermute das existentes na Aca.demia significava que tôdas as dependências da fortaleza
para os homens que defendiam a crista e as arcadàs. O Santiago, o Capuchinhos e o refeitório -. tin~am
Mal dava para um homem umedecer os lábios mas um que ser abandonados. A linha de defesa, daqui em dian-
cabo esfarrapado sacudiu o rifle e gritou: "Dê-nos co- te seria apenas o Alcázar.
nhaque em lugar de vinho e nos apoderaremos do Zo- A artilharia republicana lançou seus últimos 472
codover para o senhor! " projéteis às seis e meia. Logo que anoi~ece~ Ressenta
Milicianos isolados ocuparam as casas destruídas guardas-civis deixaram o Alcázar em dueçao. ao Go-
entre o Ziguezague e o Santa Cruz de onde dominavam bierno para evacuar o prédio. ~ Tenente Ennqu~ ,d~l
a pas~arel~ que _corria sôbre a passagem da cavalariça Pino avisou seus homens para nao entrarem no ediflcio
- a llgaçao mais direta entre o Alcázar e o Gobierno. através das janelas porque se houvesse lá d~~t~o a~­
O ataque, porém, havia terminado. guns soldados poderiam confundi-los com a mll1c1a. S~­
O Alcázar perdeu contato com o Gobierno quando lenciosamente deslizaram pela passagem da cav~larl­
ça e esperaram em vão por algum som do Gob1erno.
o telefone de campanha ficou avariado. A tarde os ca-
Não ouviram nada. Por fim o tenente bateu de leve na
nhões de Alijares castigaram severamente essa depen-
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porta sob a passarela. Ouviu um estalo como. s: alguém
tivesse caído sôbre um rifle e hesitasse dec1d1r se de- A barragem inimiga do dia 21 de setembro concen-
veria ou não abrir e em seguida alguém abriu de den- trou-se na única tôrre que restava no canto sudeste.
tro. A porta escancarou-se e um soldado raso meteu A biblioteca da cavalariça vizinha à tôrre estava com-
a cabeça para fora. pletai_?ente soterrada e os livros estavam espalhados pe-
o Tenente Pino encheu-se de fúria: "Seu asno! lo chao como sementes de uma abóbora partida. Atlas,
Nós poderíamos ser vermelhos! " volumes encadernados do ilustrated London N ews, li-
- Não - disse o soldado descansadamente. - Vo- vros de estudo com títulos tais como A Arte da Guerra
cês bateram e os assassinos nunca batem. - tudo isto se espalhava desordenadamente no mon-
Cêrca de quarenta ou cinqüenta homens exaustos te de escombros que enchia o espaço do que antes fôra
e semimortos encontravam-se no Gobierno. A maioria a biblioteca. Antes do pôr do sol, a grande tôrre incli-
era constituída de jovens soldados que tinham defen- nou-se para fora e projetou-se na esplanada soterran-
dido êsse canto castigado durante dois meses. Pela úl- do o que restava da passagem curva. Depois do bom-
tima vez reuniram-se nas masmorras das cavalariças na bardeio do dia que constou de 238 projéteis pesados,
ala leste; pareciam curvados e encarquilhados como ve- quase a metade da fachada leste foi devastada. Ha.via
lhos. Empunhando os rifles enfileiraram-se na passagem pouca obstrução nesta ala. Uma fôrça de ataque teria
da cavalariça e arrastaram-se para o Alcázar tomando pouca dificuldade em escalar a encosta ligeira e en-
cuidado para não serem alcançados pelos faróis . Muitos trar na fortaleza pelas dezenas de aberturas existen-
trouxeram como lembrança as placas com os nomes dos tes ao nível do pátio ou dos porões logo abaixo.
cavalos que antes haviam montado e depois comido. Durante os bombardeios, Moscardó mantinha uma
O grupo de libertação sob o comando de Del Pi- conferência com a junta no gabinete do superintenden-
no ficou para trás a fim de recolher os suprimentos de te quando uma bomba explodiu dentro da sala espa-
trigo e a munição. Temendo que seus chapéus lustro- lhando estilhaços para todos os lados. Ninguém foi m?r-
sos chamassem a atenção da milícta do outro lado do to apenas o Major Mendez Parada foi bastante fendo,
rio, os guardas abandonaram-nos. O Gobierno foi en- p~ra ter que ser afastado do serviço. O oficial foi tr~ns­
tão incendiado. Das janelas do Alcázar os homens as- ferido para uma sala próxima ao porão sul. :tsse cubicu-
sistiam penalizados a agonia. do edifício que fôra até lo completamente escuro, pouco maior do que uma ce-
então o elo mais forte da cadeia defensiva. A evacua- la de prisão, tornou-se o último pôsto de comando do
ção das dependências foi realizaàa eficientemente; na- Alcázar.
da de importância. foi deixado para trás. Um êrro cras- No fim do dia havia cinco mortos e vinte e cinco
so foi cometido, entretanto, sem que ninguém se lem- feridos, perfazendo um total de doze e oitenta e três
brasse em tempo. Perto do portão de ferro havia uma respectivamente em dois dias. Como os homens est~­
abertura do esgôto que corria da esquina nordeste do vam próximo de um colapso físico, os cadáveres nao
Alcázar. Era um túnel que conduzia diretamente ao eram mais levados para o Picadero. Eram mergulhados
âmago da fortaleza e além disso bastante largo para na piscina e colocados verticalmente nas alcovas fecha-
permitir que homens se arrastassem por êle. Seria fá- das. Empilhavam sôbre êles tijolos e pe~ras de n:odo
cil para os asturianos depositarem TNT na extremidade que aqui e ali os corpos e uniformes pod1am ser viSt~s
final dêle e mandar pelos ares a região ma.is povoada nas frestas da rocha. Em vinte e quatro ??ras o chei-
do prédio. Todos se haviam esquecido da existência des- ro tornava-se tão nauseabundo que os CIVIS das saias
sa passagem de tijolo. próximas tinham que trocar de lugar com os cava os
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e mulas que estavam nos porões sul, mais aba.ixo. A
água da piscina continuava, porém, a ser usada na co- contraram sessenta cruzes de madeira e removeram-
zinha. nas logo. Nas paredes do refeitório escreveram com le-
tras vermelhas "Viva a Rússia" e "Viva. a República".
Os alcazarenhos não sabia.n1, mas o Exército da Comeram suas rações na louça de jantar, marcada com
Africa tinha, naquele dia, rompido as ~inhas. :epubli- o sêlo imperial dos Bourbons e depois quebraram os
canas na aldeia de Maqueda a tnnta e oito quilometras pratos em desa.fôro.
e esta era a última posição importante separando Fran- Os jornalistas e cinegrafistas seguiram o avanço da
co do seu principal objetivo, Madri. Franco enfrentava milícia que se arrastava através das dependências si-
uma decisão crucial. D·evia tentar libertar o Alcázar? lenciosas como gatos cautelosos de costas curvadas e
Os pilotos na.cionalistas relatavam que a Ac~demia e.s- olhos abertos. Dois meses de cêrco haviam ensjnado a
tava quase irreconhecível e naturalmente nao podena êstes homens que as balas dos fascistas eram mais pe-
mais ser usada· ainda mais, a guarnição parecia pron- rigosas depois dos longos períodos de silêncio. Um cor-
ta para se entr~gar a qualquer momento. A maior par- respondente inglês recebeu uma fôlha mimeografada
te da equipe de Franco aconselhava-o a avançar rápi- apanhada no Gobierno e a princípio não descobriu o
do para Madri e terminar a guerra com um só golpe, que era. No alto da página lia-se El Alcázar e em bai-
mas Franco ordenou ao General José Varela para con- xo havia uma partitura musical para um hino intitu-
duzir uma coluna da Legião Estrangeira Espanhola e lado "O Hino do Alcázar".
dos Mouros Regulares para Toledo imediatamente.
A barragem de artilharia foi ligeira comparada com
- O senhor sabe, general - perguntou o Coronel a dos dias anteriores. Nesse dia, apenas vinte e quatro
Alfredo Kindelan, comandante da Fôrça Aérea -, que projéteis pesados foram atirados e os observadores no-
Toledo pode lhe custar Madri? taram que muitos canhões tinham sido desmontados e
- Eu sei. Pensei muito . sôbre as conseqüências de transferidos para outros lugares. Supunham que as pe-
minha decisão - replicou Franco. ças estavam sendo deslocadas para o noroeste a fim de
Nos dois anos e meio que se seguiram, o general bloquear a coluna libertadora; mas de qualqu~r. mo?o
deve ter tido muito tempo para considerar as conse- a artilharia não seria por muito tempo necessan.a, v!s-
qüências de sua decisão. Não entrou em Madri antes to que o Alcázar já entrara em terrível desorgan1zaç~o.
de 1939. Os defensores sabiam que a milícia apertava o cer-
Ao romper do dia 22 de setembro, a milícia come- co ao redor da fortaleza., pois o paqueo deslo,cara-se
çou um pesado ataque contra as salas vazias do Go- para leste. Êste lado era especialmente vulneravel ao
bierno. Os lança-chamas lambia.m as paredes das ruí- ataque porque havia bastante espaço na esplana?a· :pa-
nas destelhadas que se assemelhavam agora a ruínas ra manobrar uma coluna de Assalto e os c_am1nhoes
arqueológicas. Cartuchos de dinamite explodiam nas sa- queimados, as cra.teras das bombas e os mont~e~ ~e en-
las onde se suspeitava existissem grupos fascistas e só tulho proporcionariam boa cobertura. Os of1c1a~s pu-
por volta do meio-dia a milícia convenceu-se que o lu- seram, entretanto, seus homens nas janelas .e Vlsenas
gar tinha sido evacuado. Logo principiaram a ocupar observando a esplanada. Tôda a noite mantiveram a~
os outros edifícios, examinando o cemitério no Picade- pistolas de sinais de prontidão. Mas o se~o~ e~tava o~r
ro com grande cuidado para calcular o número de mor- nosamente quieto. Mesmo sem o ataque .lnlmlgo as feri~
tos e estimar quantos estariam vivos na. fortaleza. En- xas do dia registravam dois mortos e vinte e sete
231
230
dos, em sua maior parte vítimas do ricochetear dos
projéteis pontiagudos. Quando o fogo extinguiu-se as duas faccões la!lçaram-
se pelo morro. ~
Um paqueo feroz ao longo do perímetro norte
manteve acordada tôda a guarnição antes do alvore- ?s nacionalistas alcançaram o tôpo primeiro e a
cer do dia 23 de setembro. As oito horas o tanque su- ~are da batalha mudou - a milícia retrocedeu pelo
biu o Ziguezague como ponta-de-lança para .a milícia dique. O tanque moveu-se pesadamente em direção ao
contra a brecha, mais uma vez. Na frente VInham os Zocod?~e:, deixando em seus sulcos os restos putrefatos
asturianos, alguns usando jaquetas de alpaca e t~dos dos ?IIllcianos mortos no dia anterior, esmagados pelas
com bandoleiras especiais contendo cartuchos de dina- esteiras de ferro. Por volta do meio-dia o ataque ces-
mite. Os ouvidos estavam obstruídos com algodão e as sou. A tarde, um dos últimos canhões 155mm insta-
faces sujas de poeira. Os cigarros pendiam-lhe dos lá- lado em Dehesa de Pinedo castigou a colina norte, ten-
bios- êles os usavam para acender explosivos. Na ba- tando sem dúvida abrir caminho para o tanque. De-
pois de lançarem vinte e nove bombas, a crista de es-
se da encosta arremessaram os bastões de dinamite nas combros havia baixado de um metro e meio a três, po-
trincheiras da crista e com a cobertura do fogo do tan- sição que tinha sido atingida pelo tanque no ataque
que começaram a escalada. O barulho era ensurdece- da manhã.
dor - mais terrível que as bombas de artilharia - e As seis horas, a milícia investiu de nôvo, mas o tan-
os defensores fugiram para o pátio. A primeira onda que não foi além do Ziguezague. Por uma hora e um
de milicianos alcançou o tôpo e tentou descer para o quarto travaram escaramuças mas não tentaram abrir
pátio, mas nitidamente desenhados contra a linha do caminho através da crista.
horizonte eram fuzilados de pronto. A segunda onda,
O pior veio à noite. Os civis nos porões do canto
porém, protegeu-se da crista e usando-a como para-
nordeste informaram que tinham ouvido um som de
peito trocava tiros com homens embaixo. O tanque sul- escavação. Com fisionomias de pavor observaram o Te-
cou a encosta com suas metralhadoras luzidias e escor- nente Barber auscultar as paredes e o chão com o es-
regou para o terraço. A milícia trabalhava para limpar tetoscópio. "Não é nada. Nada", repetia êle não dese-
caminho e na segunda tentativa quase atingiu o tôpo. jando alarmá-los. Mas, na verdade, havia al&uma coi-
Os defensores concentraram reforços da ala leste vul- sa. Barber avisou os oficiais de que os republicanos es-
nerável e puseram homens nas arcadas. O Coronel Ro- tavam colocando outra mina na esquina- e foi então
mero enviou para lá garrafas de gasolina a fim de se- que se lembraram do velho conduto perto do portão
rem atiradas no tanque. Ambos os lados do morro ao de ferro. Barber achava que os asturianos estavam ca-
longo do norte, irromperam em chamas, logo transfor- vando à mão, provàvelmente alar~and~ ? túnel .P~r.a
mando-se numa enorme fogueira alimentada por gaso- colocar aí os explosivos. Moscardo proibiu os of1c1a1s
lina, dinamite e bombas Lafitte. O calor forçou a milí- de fazerem comentários com seus homens e civis pois ~
cia para o terraço e o tanque acompanhou-a. A sirena nada podia ser feito. Tais como estavam as coisas a~o­
assemelhava-se ao grito de um animal ferido. Os sol- ra) nem mesmo podiam transferir o pessoal dos poroe.s
dados das arcadas arremessavam nêles matacões e ro- para lugares mais seguros pois todos os pontos hab1- /
chas. Se não fôsse o tanque, ao espetáculo só faltava táveis estavam superlotados.
uma chaleira de óleo fervente para tornar-se uma re- A notícia da mina era particularmente desalenta-
presentação razoável de uma batalha da Idade Média. dora pois na mesma noite a Rádio de Portugal anun-

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ciou que o exército da Africa estava se aproximando de
Torrijos, a menos de trinta quilàmetros de Toledo. ~o. de fri?· . Os observadores, em cima, vasculhavam o
Na metade da manhã do dia seguinte, o restante ando cena~Io I?ara oeste com seus binóculos procuran-
canhão de 155mm alvejou a crista da brecha norte num do des~o~nr la a.lgum sinal de movimento, enquanto
ritmo vagaroso, demolindo as trincheiras que os solda- a multld~o embaixo permanecia calada, esforçando-se
dos construíram depois do ataque do dia anterior. Du- para ouvir som de uma artilharia distante.
rante o dia inteiro, os observadores notaram carninhões, D"e repente um corneteiro de quinze anos gritou de
ônibus e automóveis chegando a Toledo. Estavam lo- seu "posto no alto.: "Eu os ouço! Eu os ouço! Atenção!
tados de milicianos mas seu objetivo não era o Alcá- Voces podem ouvn?'~ O povo lá embaixo ficou rígido;
zar. Pelo contrário, contornavam a Porta de Bisagra e a~gun"s punh~m a mao em cone no ouvido. Então taro-
tomavam o caminho para Avila em direção a Torrijos. bem. el~s ~uviram alguma coisa. Era o som - a gran-
A junta concluiu que estavam fortificando a ribancei- de distancia - de um duelo de artilharia. Das galerias
ra leste do rio Guadarrama, que era um dique fàcil- d~s porões ,a notícia transmitiu-se como um choque elé-
mente defendido controlando a planície através da qual tnco. Alguem bradou: "O Alcázar pela Virgem Santa!"
o Exército da África teria que cruzar. Se essa linha r e- mas poucos tiveram fôrças para aplaudir. Muitos cho-
sistisse, a coluna seria retardada por diversas sema- ravam. Soldados barbados dobravam os joelhos e solu-
nas. Moscardó, contudo, alentava os espíritos no El Al- çavam como crianças. Foi então que o som da metra-
cázar, assegurando à guarnição que poderiam ser sal- lhadora inimiga sufocou a artilharia longínqua. O cêr-
vos dentro de poucas horas. Mesmo fazendo um enor- co estava longe de acabar.
me esfôrço para bloquear o avanço nacionalista fora Mais tarde, pela manhã, três bombardeiros nacia..
de Toledo, os republicanos não retiraram a tropa si- nalistas sobrevoaram a cidade e lançaram bombas no
tiante. Na verdade, a milícia cavou trincheiras durante canhão republicano em Dehesa de Pinedo e minutos
a noite, na esplanada leste, a apenas quarenta metros mais tarde a artilharia nacionalista abriu fogo contra
das paredes da fortaleza. Quando quisessem, poderiam o mesmo alvo. Depois de dois meses os artilheiros ini-
juntar-se em massa no refeitório sem ser percebidos e migos aprendiam o que era ser bombardeado. Os mili-
lançarem-se pela brecha da biblioteca da cavalariça. o cianos a pé ou em caminhões derramaram-se então na
inimigo, porém, não atacou; esperava pela conclusão cidade, vindos do leste. Na Porta de Bisagra êles ruma-
da mina. O tempo esgotava-se agora para sitiantes e ram para o norte ao longo da rodovia de Madri. A tar-
sitiados. de, o mesmo grupo foi visto voltando para Toledo. Re-
A noite um jornal de notícias da Rádio Portugal almente tinham sido interceptados por um tenaz mo-
mencionou "Rio Guadarrama", mas a recepção estava vimento nacionalista rumo ao norte. Logo a área ao
tão fraca que os radiotécnicos nos porões do Alcázar redor da praça de Touros e do Hospital Tavera ficou
não puderam entender o teor. cheia de homens, cavalos, caminhões e equipamentos.
Intrigados, os soldados caminhavam de um lado para
O alvorecer do dia 25 de setembro foi gloriosa- outro, percebendo vagamente que estavam sendo ar-
mente claro e brilhante, embora muito frio para a épo- rastados para uma armadilha. A única via de escape
ca do ano. Esperando algum sinal ou traço da coluna ficava ao leste, para Aranjuez, mas os chefes da milí-
de libertação, muitos alcazarenhos não conseguiram cia recusavam-se a permitir que seus homens o tomas-
dormir por causa da excitação. Mesmo antes que o sol sem. Deviam deter os fascistas em Toledo, não impor-
despontasse no horizonte, reuniram-se no pátio, tremen- tava quantas vidas isto custasse. Entre a milícia corria
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um boato que o Exército da África dirigia-se para o Temia que a milícia pudesse disfarçar-se como nacio-
Alcázar para procurar refúgio na fortaleza. nalistas e capturar o Alcázar por trapaça.
A milícia regressava a Toledo porque seus coman- O céu sôbre o Alcázar era cenário de combates aé-
dantes não haviam tentado deter o Exército da Africa reos. À tarde três aviões de caça republicanos derru-
nas ribanceiras do rio Guadarrama, perto de Torrij os. baram um trimotor nacionalista. Três pontinhos sal-
Os republicanos explodiram a ponte, mas o rio era es- taram de pára-quedas. Um dos caças metralhou as fi-
treito e vadeável. Os nacionalistas subjugaram a milí- guras balouçantes, mas os que observavam de binócu-
cia com desembaraço profissional e rechaçaram-na pa- los não podiam assegurar se os homens haviam sido
ra linhas defensivas fracamente preparadas. Velozes ca- atingidos, uma vez que os mortos descem de pára-que-
valeiros de turbante, montando magníficos cavalos ára- das do mesmo modo que os vivos. Os homens do Alcá-
bes, chapinharam através do rio e galoparam pela pai- zar não testemunharam o resultado. O avião arremes-
sagem: "Uma guerra de livro de estória", exclamou H. R. sou-se por trás das linhas nacionalistas e os três pára-
Knickerbocker, um correspondente americano que acom- quedistas aterrissaram perto da cidade. O pilôto defen-
panhava o exército de Varela. O caminho para Tole- deu-se contra um bando de milicianos, atingindo três
do estava aberto. As lajes estavam salpicadas de san- dêles com sua pistola antes de ser morto. O segundo
gue. Algumas vêzes o correspondente podia seguir uma foi abatido quando atingia o solo e o terceiro captu-
trilha vermelha por quilômetros - um ferido incapaz rado vivo. Os mortos foram atirados na bagaceira de
de estancar sua hemorragia. Tôda a estrada de Maque- um carro e levados para a cidade com as mãos arras-
da estava coalhada de cadáveres. Torrij os ficou devas- tando pela estrada. O pára-quedista vivo foi amarrado
tada; "nenhuma casa do lugar ficou ilesa", escreveu o e entregue a um grupo de mulheres que trabalharam
americano, enquanto seu motorista murmurava triste nêle durante sete horas. Retalharam-no com navalhas,
e desgostoso: "Espanhóis! Todos são espanhóis! " Os pisotearam-no e, de acôrdo com uma testemunha, con-
oficiais nacionalistas carregavam recortes de jornais verteram-no em "uma posta de sangue". As únicas pa-
mostrando fotografias das execuções nos quartéis de lavras que êle exclamava eram "Oh! Mãe!" Finalmente
Montafia. Não faziam prisioneir0s. os Assaltos souberam disto, interromperam a brinca-
deira e trouxeram a vítima para Madri porque dizia-se
No Alcázar tudo estava tranqüilo. Cêrca de duas que era irmão de um anarquista de renome; isto lhe
horas do dia 26 de setembro, o paqueo irrompeu, mas salvou a vida. Os oficiais do Exército da Africa soube-
extinguiu-se quase imediatamente. O canhão republi- ram do ocorrido com os pára-quedistas e prometeram
cano descobriu algum alvo invisível para noroeste de retribuir aos republicanos com altos juros - o que foi
Toledo; disto os defensores concluíram que uma parte feito.
da coluna continuava a avançar para o norte, a fim de
impedir que os republicanos se retirassem nessa dire- Para todos no Alcázar êsse período final de espera
ção. A despeito da diminuição do fogo inimigo contra era intolerável. Para os que sabiam da mina era an-
a fortaleza, Moscardó estava mais apreensivo do que gustiante. Voar pelos ares ou ser subjugado com a co-
de costume. Fêz, pessoalmente, uma inspeção em tôdas luna de libertação a poucos quilômetros, depois de ter
as posições, convencido de que o inimigo pretendia ata- sofrido tanto, por tanto tempo, parecia uma zomba-
ria cruel do destino. Recusavam-se a acreditar que tal
car de surprêsa. Advertia os homens exaustos que não
coisa pudesse acontecer, mas ao mesmo tempo sabiam
ficassem confiantes e sobretudo não permitissem qual- que podia. Alguns homens estavam tão cansados, tão
quer aproximação do prédio sem permissão específica.
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esgotados que já não se importavam. Depois do ata-
que de 23 de setembro, disciplina e autodomínio afrou- na imensa de fumaca e oeir .
grande pluma por al.,a P a que sub1u como uma
xaram como um fio que perde tensão - dez semanas - b umas dezenas de m t

enfraqueceram-lhes os corpos e corroeram-lhes a von- entao vagarosamente es alhou- e ros no a.r ,e


mide gigantesca de f p se parecendo uma pira-
tade. Os soldados dos pavimentos superiores recusavam- do ressoou e ficamos ~~çad negra. Um grande estron-
se a descer para apanhar as rações. Era muito difícil, dira ... Não seria tal en °, q~e outra bomba expio-
perigoso mesmo, subir outra vez. As vêzes os homens pensar que tinhaiu 1 ~::d_ 0° a~~tin;o golpe?'~ Era triste
mais fortes erguiam os mais fracos até os parapeitos simplesmente para ocu ar um laves de. ~ei~ Espanha
mais altos. As salas superiores eram tão castigadas pe- de assistir a agonia fin~l d Al ~gar pr~vllegiado de on-
los bombardeamentos que os soldados não ousavam . t . o cazar. Tivessem chegado
afastar-se à noite; muitos camaradas tinham-se proje- um d Ia an es e tenam evitado o desastre.
tado por fendas no chão por não quererem fazer suas Na ·tesplanada leste ' os líderes da m1.1Ic1a
, .
sopravam
necessidades fisiológicas nos lugares em que lutavam. seus apl os e .d apressavam os homens em direçao - a, f or-
t a leza escondI a na densa cortina d
Neste ínterim, a milícia de Toledo avisou a popu- · D0 f · , . e negra f umaça e
lação de que devia evacuar a cidade outra vez. A mi- R e~r3:.
0
re eltono subiram a encosta que conduzia
a . biblioteca
. da cavalariça · Outra onda de m1.1lCianos
. . .
di-
na ia explodir na manhã seguinte. Poucos obedeceram rigiu-sez·para a porta da piscina · Outro s a1n · da esca1a-
à ordem. Durante a noite trouxeram mais milicianos ram o Iguezague para alcançar o monturo de escom-
para o refeitório e para outros pontos da esplanada les- bro~ _na brecha norte. Era uma turba desesperada e
te. A mina, segundo diziam, destruiria o canto nordes- decidida. Os f,ra~os havi,am desertado muitos dias antes
te do prédio; atacariam pelas aberturas e ocupariam quando o Exercito da Africa se aproximava da cidade.
os porões, enquanto outros atacariam pela fenda da
biblioteca da cavalariça e pela brecha norte. Para eco- No Alcáza: a súbita e ofuscante explosão veio co-
~o uma s~rpresa total para a maior parte da guarni-
nomizar minutos preciosos a milícia não seria retirada ç~o. Parecia um terremoto. Os defensores apertavam os
para posições mais seguras antes da explosão. Teriam r1fle~ e debruçavam-se, mas não havia alvos visíveis.
que expor-se ao perigo da própria mina. Todos sabiam Ouviam-se apenas os gritos da milícia vindo de tôdas
que esta seria a última oportunidade para tomar o odia- as direções. Não conseguiam descobrir o que causara
do Alcázar. A mina continha uma tonelada de TNT. a e~plosão ou avaliar os estragos. Uma nuven1 negra
Às cinco e meia da manhã de 27 de setembro a cobnu a esplanada e protegeu os atacantes tão eficaz-
peça de artilharia de Dehesa de Pinedo atirou vinte mente :om? uma tela de fumaça. Os homens das ja-
e nove projéteis na esquina nordeste. Mal cessara essa nelas nao tinham alvo; enfiavam simplesmente os car-
barragem quando o edifício estremeceu com o impac- tuchos e alvejavam a nuvem negra e corrosiva.
to da explosão da mina. Numa montanha a seis e meio A primeira onda de milicianos galgou as ruínas até
quilômetros de distância os oficiais do Exército de Va- a biblioteca. Um guarda-civil que estava atrás de um
rela focalizavam seus binóculos na Academia onde mui- pedaço de pé, no cimo dos escombros perscrutando a
tos tinham estudado. Procuravam uma bandeira ver- escuridão, viu a figura de um macacão azul materiali-
melha e amarela para assegurarem-se de que a guar- zar-se diante de seus olhos a um metro e meio adian-
nição de Moscardó ainda resistia. Com êles estava Ha- te. Muito espantado para pensar no rifle, atacou vio-
rold Cardozo, o correspondente do Daily Mail, que mais lentamente com o pé e eh u tau o inimigo pela encosta.
tarde descreveu o que viram: "Levantou-se uma colu- Só então empunhou o rifle e atirou pela escarpa. Quan-

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do a fumaça dissipou-se, havia meia dúzia de milicia-
nos estatelados na esplanada. Outros haviam-se reti- tu;ra,. só conseguiram dar alguns tiros antes de serem
rado para o refeitório. atingidos. Nenhu:n ~utro miliciano os substituiu.
A.ntes do meiO-dia os atacantes bateram em retira-
Desde o princípio as coisas foram mal par~ c;: ~i­ da deixando os camarad::s ~ortos pelas encostas e jun-
licianos no ataque à esquina norte. A uma d1stanc1a to das paredes co;mo animais marinhos inofensivos en-
de sete metros da parede caíram num buraco de seis calha~os pela b~Ixa da maré. Tinham fracassado na
metros de profundidade e trinta metros de largura. Era conquista do Alcazar. Com a Legião e os Mouros avan-
a cratera resultante da explosão da mina. O edifício çando para Toledo pelo norte e pelo oeste chegou a vez
não sofrera nenhum dano. A milícia escapou do bura- de fugirem pelo leste.
co e lançou-se pela porta da piscina. Esta havia sido Depois de dez semanas de cêrco os caçadores tor-
bloqueada pelas pedras desprendidas formando uma navam-se caçados. O Alcázar não se rendeu.
barricada atrás da qual se instalara uma metralhado-
ra. Mesmo na fumaça as silhuêtas dos milicianos tor-
navam-se nítidas contra o sol. À medida que entravam
a metralhadora os derrubava. Seis vêzes outros inves-
tiram contra a porta e de tôdas as vêzes foram detidos.
Usavam as bordas da cratera para travar combate com
os defensores numa distância de seis metros. Logo que
a fumaça se dissipou, ficaram também sob o fogo dos
combatentes localizados nas janelas. Alguém gritou na
cratera: "Aguias da Liberdade, ataquem!" mas nin-
guém atacou. Alguns dias mais tarde foram içados vin-
te cadáveres da cratera.
O ataque mais sério teve lugar na frente norte on-
de a milícia subiu o Ziguezague arrastando uma man-
gueira. Estava ligada a um tanque de gasolina. Rega-
ram a abertura e atearam fogo com granadas. Uma
enorme nuvem vertical de fumaça elevou-se e embaixo
nos porões as mulheres gritavam à medida que o líqui-
do incandescente as atingia pelos tubos de ventilação.
As pedras, porém, não queimaram e havia pouco o que
pegar fogo nos escombros da encosta norte. Quando
a milícia atacou, os defensores chegaram ao cume pri-
meiro e rechaçaram-nos. Dois anarquistas seminus co-
rajosamente instalaram uma metralhadora no meio do
terraço norte a fim de dizimar os postos das arcadas
superiores. Trabalhavam calmos e rápidos não dando
importância aos projéteis lançados no solo junto dêles.
Foi, porém, um esfôrço perdido. Sem qualquer caber-

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r~am de Madri para reforçar as linhas de Toledo e su-
b~u n? telhado da Diputación para descobrir qual a ar-
tllhana que estava em ação. Mal divisou os turbantes
XI b:ancos ~os mouros, um projétil explodiu sôbre o pré-
dio. "FuJamos daqui!", gritou êle. Correndo pelas es-
O Fim - e Depois cadas com sua comitiva foi interceptado por um ca-
pitão de milícia que perguntava: "Governador que fa-
remos?" "Salve-se se puder!", replicou o go~ernador,
empurrando-o para o lado e entrando num automóvel
que o esperava na rua. O governador e sua equipe ofi-
Toledo era um manicômio. Algumas unidades ocu- cial rodaram para Oca:fia.
param posições defensivas na cidade ou nas proximi- O Major Barceló, porém, não estava disposto a de-
dades como no seminário ou no Hospital Tavera, pre- sistir tão fàcilmente. Resolveu defender Toledo com o
parandO-se para uma última resistência desesperada; mes~o plano usado por Moscardó, dez semanas antes:
outras juravam defender a cidade mas fugiam na pri- fortlflcando Cambrón, a Porta de Bisagra, a Escola
meira oportunidade. Quando o último ataque foi re- Central e o Hospital Tavera. Pela manhã, quando a
chaçado no Alcázar muitos milicianos escapuliram pa- milícia foi rechaçada pelos nacionalistas do oeste e do
ra a margem do rio, onde encontraram um esquadrão norte da cidade, foram conduzidos para os edifícios e
de Assalto com uma metralhadora na Ponte de Alcân- exortados a lutarem até a morte. O próprio Barceló va-
tara. O cabo ordenou que os milicianos se retirassem gava pela parte montanhosa da cidade, tentando arre-
porque tinha ordem de atirar em qualquer um que ten- banhar bandos de milicianos espalhados e mandá-los
tasse sair da cidade sem passe. "~!les não atirarão! So- para as novas posições de defesa.
mos camaradas!" gritou um anarquista conduzindo os
companheiros pela ponte. A metralhadora futlcionou e Clara Condiani, correspondente de La Dépêche, vi-
o líder caiu para frente. Os outros voltaram. Sem parar sitou o Zocodover quando a manhã já ia alta. Era uma
para responder ao fogo, largaram as armas e arrasta- cena de Goya, confusa, porém, colorida. A decadência
ram-se para as bordas da água. Atravessaram o Tejo dos republicanos podia ser constatada por seus unifor-
em barcos, jangadas rústicas ou a nado. Os que não mes: capas azuis dos oficiais legalistas, capas pretas
sabiam nadar mergulhavam no rio, voltavam debaten- dos Assaltos, lenços vermelhos e prêtos no pescoço dos
do-se e então submergiam desaparecendo de vista. Ao anarquistas e macacões azuis da milícia. Homens de
longo das margens o Tejo ficou tinto de vermelho pe- ternos atiravam preguiçosamente sôbre o Alcázar. Sen-
los feridos republicanos. Insatisfeitos com esta insen- tado sôbre uma barricada estava um anão com uma
sata matança, os Assaltos largaram a metralhadora e cabeça disforme. O Major Barceló, usando uma jaque-
abandonaram a tentativa de evitar que refugiados em ta de couro marrom, discutia com um truculento llder
pânico desertassem de Toledo. O caminho ficava livre anarquista.
para uma retirada para Ocafi.a e Aranjuez. - Munição! Nós necessitamos munição! - pedia
Os projéteis de uma bateria situada a cinco qui- o anarquista.
lômetros a oeste começaram a cair na cidade. O gover- - Peça ao capitão no depósito.
nador Vega fôra levado a crer que dez mil homens vi-
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- Pedi, êle não estava lá. Ninguém estava lá. Nós
vamos partir. Não estamos aqui para ser fuzilados pe- :eto p~la peculiaridade com que os espanhóis davam
los rebeldes como porcos! enfase a morte. Arturo Barca registrou um discurso que
- Não, homem, não vá - pediu Barceló. - Você c~_:ta vez ouviu Millán Astray fazer aos recrutas da Le-
está enganado. Não deixe seu pôsto. giao: "Voc~s estavam liquidados, mortos, quando che-
Outro anarquista interrompeu-os dizendo: garam aq~n. Levantaram-se da morte. Vieram aqui pa-
- Vamos para o Capuchinhos. Podemos trepar ra uma VIda nova, pela qual devem pagar com a mor-
num telhado e ver o que está acontecendo fora da ci- t~. É ~ara morrer que alguém se junta à legião. Vocês
dade. sao n?1vos da morte. Viva a morte!" Tolice, talvez, mas
tambem poderoso remédio. Junta1nente com os Mouros
Deixaram o Major Barceló sozinho. Um espectador a ~egião era considerada pelos republicanos como o~
que ouvira a conversa dirigiu-se a êle e aconselhou: mais ferozes lutadores que êles encontraram no curso
- Major, o senhor deve impor sua autoridade a da guerra. <?om. êles estavam os Regulares, os Mouros
êstes homens. que pela pnme1ra vez entravam na cidade desde que
- Autoridade! - exclamou Barceló. - Eu não pos- seus ancestrais foram expulsos de Toledo em 1085.
so impor o que não tenho! Que posso fazer? O aparecimento destas tropas provocou discussão
A Senhorita Condiani seguiu o major de volta ao entre os oficiais do Alcázar sôbre a maneira de coope-
seu gabinete. Durante duas horas, ouviu o Comitê de rar com elas. O Capitão Vela pediu permissão para
Defesa discutir se,? plano secreto de portas completa- conduzir uma fôrça de contra-ataque que entraria com
Exército da África e os ajudaria a derrubar os grupos
mente abertas. Nao deu em nada. Cada minuto que republicanos na cidade. Moscardó recusou terminante-
passava, os Mouros e a Legião fechavam o cêrco em vol-·
ta da cidade condenada. mente. Não podia dispensar um só homem. Ponderava
que os homens que avistaram poderiam ser milicianos
Quando a bateria começou a bombardear a Dipu-- disfarçados. Não foi, porém, bastante inflexível para
tación, os homens do Alcázar tiveram a primeira pro- permitir que instalassem um canhão 75mm na brecha
v~ tangível de. que a coluna de libertação estava pró- da biblioteca da cavalariça. O Major Mendez Parada
xuna. A bandeira vermelha e amarela dos nacionalis- fôra levado para o porão horas antes por ter sido feri-
tas fêz seu aparecimento. Quatro guardas-civis tinham do no ataque da manhã. Trouxeram-no de volta e êle
recebido instruções para hasteá-la no ponto mais ele- supervisionou o bombardeio do caminho de Aranjuez,
vado do canto noroeste. Como lhes faltasse fôrça para
escalar a parede a bandeira foi amarrada numa viga atulhado de republicanos fugitivos. O major esperara por
de aço que se projetava dos escombros. Quase ao mes- esta oportunidade durante dez semanas. Atirou até que
mo tempo captaram uma mensagem heliográfica: "V e- a milícia desapareceu. Ao longo da fenda norte, agora
ne~os .. Varela." O General Varela estava chegando. Ao
estranhamente tranqüila, um grupo de guardas-civis,
meiO-dia os defensores nos baluartes do norte avista- agachados atrás de um parapeito, debatia o que fazer
:a~ h?mens descendo a colina do cemitério em direção para prestar auxílio à coluna. Um dêles lembrou-se que
a fabrica de armas. Eram guerrilheiros da Legião Es- Santa Cruz fôra uma das mais famosas construções da
panho.l~, cuja saudação peculiar era "Salve a morte". Espanha. Deviam recapturá-la. "O que pensam da
A Legiao foi fundada em 1920 pelo General José Millán idéia?" perguntaram a um dos mais jovens que nos dez
Astray e era semelhante à sua congênere francesa, ex- últimos' dias estivera na defesa da encosta norte. "Se

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(

não faz diferença para vocês", disse o rapaz, "eu pre- para escalar um penedo perto do quartel Santaigo. To-
feria que o Diretor de Turismo o tomasse." dos permaneciam indiferentes ao aviso de que a cida-
A tarde os Mouros e a Legião tinham feito retro- de ainda estava apinhada de milicianos.
ceder a milícia para as vizinhanças da Porta de Bisa- O Tenente Lahuerta atingiu as arcadas do Zoco-
gra e capturado a fábrica de armas (que, ao contrário dover sem encontrar qualquer smal do inimigo. Para-
do juramento feito pelo responsável não foi explodida, ram na praça cheia de lixo e entulho, fascinados pelo
mas se rendeu sem resistência). Três bombardeiros, co- misterioso silêncio reinante. De repente, um rifle esta-
bertos por cinco aviões de caça, voavam de um lado lou de uma janela. Dois mouros saltaram como animais
para o outro sôbre os magotes de milicianos nas estra- supertreinados, descalços, para o prédio conver~indo
das, metralhando-os e lançando bombas. O General Va- para êle pelos dois lados. Um mouro encostou-se a pa-
rela susteve o avanço das tropas, pois preferia dar aos rede e lançou uma granada pela janela, enquanto o
republicanos uma chance de evacuar Toledo durante outro pulava pela porta. Alguns minutos depois regres-
a noite. Nos campos abertos na direção de Aranjuez, sou limpando cuidadosamente a faca com um trapo.
uma planície crestada sem um mínimo de cobertura, Ouvindo os estampidos, Isidoro Basarán, um com-
seriam alvos fáceis para os aviões, na manhã seguinte. batente em uma das salas oeste do Alcázar, ficou tã.o
Por outro lado, se se enfurnassem na cidade seria uma espantado que derramou a .comida do prato. Er~n: se1s
enorme amolação livrar-se dêles. e meia e acabavam de serv1r-lhe uma lauta refe1çao de
Os oficiais, porém, tinham um grande desejo de arroz e feijão, um manjar especial oferecido pelo Ca-
dormir aquela noite no Alcázar. Cada qual desejava ser pitão Cuartero, em vez do usual en~op,a~o de carne de
cavalo. Praguejou e enfiou seu penscop1o, um espe~o
o primeiro a entrar na fortaleza. Varela, um esportis- prêso numa vara, pela janela para ver o que aco~tec~a.
ta que entrou na batalha usando macias luvas de pe- Havia homens no Zocodover! Durante ~ cerco t~na Slg-
lica e jaqueta de camurça, decidiu fazer um concur- nificado morte certa alguém se expor la. Basaran espa-
so entre os Mouros e Legionários para ver quem che- lhou a notícia. .
garia em primeiro lugar. Ali estava uma chance de Enquanto os alcazarenhos apinhavam-se. nas Jane-
mostrar quem eram os melhores soldados. Os da Le- las do oeste para observar, os i~vasores subuam p3:ra
gião eram mais competitivos: um de seus passatempos o terraço norte. Latiam como caes de caça - o ~~lt.o
era apostar quem engolia o maior pedaço de vidro, ou de batalha característico dos Mouros -, mas os oflclals
quem urinava mais alto ou mais longe. Para infiltrar da encosta norte não estavam conve~cidos e ordenaram
posições inimigas, os Mouros não tinham igual. O Te- a seus homens que atirassem se os. 1ntrusos tentassem
nente Luis Lahuerta, com vinte mouros, foi escolhido cruzar o terraço. Os gatilhos dos nfles estal~rarr: e os
para disputar com o Capitão Carlos Tiede, com vinte defensores espiaram na claridade que se ,extmgula. .
legionários. - Quem vem lá? - perguntou em arabe o Cap~
Como a Porta de Bisagra ainda estava defendida tão Frejo. Não veio resposta. Repetiu a pergunta e
por um grupo de artilheiros republicanos vivendo sua espanhol. ... t· so
última noite sôbre a terra, as unidades rumaram para - Espanhóis- veio a resposta.- Nao a uem, -
leste pelo quarteirão de Covachelas e mergulharam por mos amigos. Onde entramos? . _
um portão escuro e abandonado perto do Tejo. Ali, se- - Quem são vocês? - indagou o Capltao Ange1
pararam-se, os Mouros subiram direto para o Zocodo- Frejo.
ver e os Legionários seguiram em direção à corrente
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- Somos os Regulares de Tetuán. tadores os defensores prepararam um banquete. O Te-
Os vultos no terraço não podiam ser vistos nitida- nente Tomás Rabina trouxe uma bandeja cheia de "tor-
mente mas não fazia diferença. Um delírio apossou- tas de cavalo". Cheiravam a car!le podre, mas os Mou-
se dos alcazarenhos defensores. Desobedecendo as or- ros e Legionários valentemente tentaram. comê-las. _
dens dos oficiais, os soldados saíam de suas trincheiras - Não é boa? - perguntou Rab1na. - Nao
e despencavam pela encosta em ãireção aos Mouros en- gostam?
quanto um guarda-civil nos parapeitos gritava: "Os - Mas - murmurou um libertador - é isto que
Mouros! Estão no terraço!" Quando os Mouros viram comem no Alcázar?
os soldados descendo, subiram aos pulos como cervos e - Nem sempre - replicou Rabina mordendo uma
abraçaram-nos; içaram-nos como sacos de palha e os torta -, mas hoje nós estamos celebrando. _
co~duziram até a crista. O Capitão Frejo fraquejou e Para a maioria, o cêrco tinha acabado, mas nao
caiu nos br~ços do Tenente Lahuerta. Eram seis e qua- para Moscardó. Enquanto outros ~ormiam ou se em-
renta do dia 27 de setembro, un1 domingo. briagavam, como homens sob a açao de entorpecentes,
Tomados de emoção, os homens saíam dos porões êle fazia ronda por todos os postos, de hora_ em h?ra,
para deleitar os olhos nas figuras dos Mouros. Dese- para certificar-se de que os republicanos nac;> _?avlam
penetrado na fortaleza, acobertados pela escund~o. Em-
javam ouvi-los falar e apertá-los para provar que eram bora os marroquinos tivessem assegurado repetldamen-
de carne. e osso. ~m setenta dias, eram as primeiras te que o inimigo fôra vencido, passeava nervoso. pelas
face~ amrgas que vmham de fora e que não desejavam ruínas sem se convencer de que sua responsab1lldade
mata-los. Os Mouros eram dóceis como criancas. Abri- acaba;a. Não se ouvia nenhum barulho na cidade. Mos-
ram suas mochilas e distribuíram fumo e ~alimento. cardá lembrava-se contudo dessa última noite como a
Quando um guarda-civil, macilento e com uma assus- meio de lanternas. ' Moscardó' . pro-
avisou que ha v1a
tadora barba preta rompeu em lágrimas, um mouro ba- profundos nestas horas finais era de que a milícia co-
teu-lhe nas costas dizendo: "Pronto, pronto. Fique cal- metesse represálias contra os nacionalistas presos na
mo. Esta no~ te. vocês comerão bem, para que amanhã cidade. Para impedir que isso acontecesse, e~creveu .um.a
possamos sarr JUntos e matar todos os vermelhos." nota prometendo que os nacionalistas serram mlser~­
, . Cinco minutos depois ~ capitão Tiede e seus legio- cordiosos quando entrassem na cidade, desde que a n:_1·
nanos penetraram no Alcazar pela porta da piscina. licia não praticasse crimes ou atrocidades. Sua facçao
Bordado em suas túnicas estava o emblema da cavei- desejava, apenas "paz, trabalho, justi9a e_ uma E?pa-
ra. Tiede e Lahuerta foram quase esmagados pelos al- nha completamente espanhola" jsto e, nao marx1sta.
cazarenhos que não queriam deixá-los ir embora. Eram Um dos reféns levou a mensagem às linhas republi-
como deuses que tivessem caído do céu. O Capitão Cuar- canas.
tero desencavou três garrafas de champanha que havia Mais tarde Moscardó e Varela comunicaram-se por
' .
meio de lanternas. Moscardó avisou de que havia pro-
sep~rado para os primeiros homens que entrassem no
Alcazar. Nenhuma mulher tomou parte na celebração. metido bom tratamento a qualquer miliciano que se
Envergonhad~ do estado em que estavam, permane-
rendesse mas Varela mostrou pouco interêsse pela in-
ram n~s po~oes escuros. Os homens pediam apenas formaçãb. Desejava, em vez disso, detalhe,s ~o sítio P3:-
uma coisa: crg~rros. Um dos homens fumou quatro ci- ra transmitir aos jornalistas adidos ao Exercito da Afrl-
garros em seguida e caiu numa espécie de transe. Pa- ca. Os repórteres estrangeiros importunavam-no, p~­
ra serem sobrepujados pela generosidade de seus liber- dindo permissão para entrar na cidade, mas Varela nao
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dava ouvidos às solicitações. Na verdade, compreendia
a existência das relações públicas. Embora a epopéia bróm e Alcântara nos extremos leste t .
e
d . Bem na frente ia um gru e oes
po escasso d e da c1da-
· ·
do Alcázar fôsse uma excelente publicidade para a cau- tas em granadas que venciam ual u e. e~pe?lalls-
sa nacionalista, a limpeza da milícia pelos africanos mo se não existisse, forçando a iuní~iaera re~stendcla co-
evidentemente não o seria. Nem êle nem suas tropas ra o centro da cidade. Mesmo os padre re roce er pa-
desejavam amolaa:-se com prisioneiros; contudo, com h s que os acom-
exceção de pequeno número de jornalistas nacionalis- pan av~ e. que geralmente atenuavam as atrocida-
tas - em quem podia confiar - o General Varela só des nac~nalls~~s,. admitiam que a matança fôra hor-
permitiu aos repórteres visitar Toledo dois dias depois. rores~. m bm1 1c1ano ~e olhos arregalados foi acossa-
do ate. un; . eco sem sa1da. Caiu de joelhos e rendeu-se
Era agora a vez dos republicanos encurralados em ao leg1onano q~~ o caçava. O soldado enterrou a baio-
Toledo temerem a chegada do alvorecer. Talvez a es- neta em sua v1~rma ~om tanta fôrça que 0 rifle ene-
I pera fôsse mais fácil para aquêles que acreditavam no trou em seu pelto ate o ferrôlho e não pôde ser !rran-
I, que lhes haviam dito seus líderes - chegaria um re- cado. Os homens da retaguarda tiveram que saltar
fôrço de dez mil homens pela rota de Madri. A verda- grandes. poças de sangue quando atravessaram a Por-
de era que êsses reforços só existiam na imaginação e ta de Bisagra, horas mais tarde.
que seus líderes, inclusive Barceló, já estavam em ~l~uns .mil~ciano~ espalharam-se buscando refúgios
rápida fuga pela estrada de Aranjuez. em sotaos, J~rdins, torres de igreja e esgotos. Se tives-
Fôra uma noite perfeita, com uma lua maravilho- sem um amigo entre os simpatizantes nacionalistas ti-
sa e um céu cristalino. De manhã, os alcazarenhos ou- nham uma chance de escapar. Tais amizades eram
viram cantar os galos na cidade e não os estalos dos entretanto, muito raras. Outros depunham as ~rmas ~
rifles nas barricadas vizinhas. As seis horas os Mouros tentavam passar por não combatentes. Os oficiais na-
e Legionários que ficaram de pernoite abriram a por- cionalistas estavam acostumados a êsses truques. Exa-
ta para a Plaza de Capuchinhos inundando os corredo- minavam a manga do casaco onde ela se junta ao om-
res com o sol da manhã. bro e, se apresentasse sinais de gasto pelo uso dema-
Depois que os Mouros inspecionaram suas facas e siado, concluíam que o cativo estivera atirando contra
os Legionários testaram as metralhadoras, saíram para. o Alcázar e o matavam. A milícia mais disciplinada re-
o trabalho do dia - eliminar os grupos de milicianos tirou-se para seu quartel na cidade e preparou-se para
da cidade. Alguns riam e acenavam para os ociosos no, vender caro suas vidas.
Alcázar. Por hábito, Moscardó ficou perturbado com a No Colégio de las Herman as Marianistas a milícia
abertura da porta, mas não ordenou que a fechassem~ alvejou o primeiro nacionalista que incautamente se
Foi preciso pouco tempo para que o Exército da aproximou do prédio, mas logo sofreu um futioso ti-
roteio. Um legionário conseguiu galgar uma janela e
Africa repelisse a milícia com suas fileiras desfalcadas lançar por ela uma granada incendiária. O interior ir-
pelas deserções, das imediações do Alcázar - e a fi-
rompeu em chamas. Um ou dois homens que saltavam
z~sse recuar para a cidade. As tropas de Varela atin-
grram os republicanos em movimento tríplice. No cen- para a rua foram fuzilados instantâneamente. Os ou-
tro os Mouros tomaram o Hospital Tavera a ponta de tros foram rechaçados pelas labaredas para os andare.s
faca e galgaram com escadas de escalar as muralhas· superiores. Sabendo que a rendição era inútil; conti-
d~ cidade perto da Porta de Bisagra. Nos flancos, a Le- nuaram a subir. Acabaram alcançando o telhaúo, don-
giao avançava com baionetas para as Portas de Cam- de se atiraram na rua um a um. A maioria espatifa-
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va-se na queda ou feria-se com a rajada de projéteis que e frouxos e as faces escaveirada
os cortava em pedaços enquanto permaneciam estira- tudo isto contava a história s;~~ olhos encovados
dos nas calçadas. Miolos e intestinos "chiavam como lavras. e or do que as pa-
salsichas" nas lajes quentes da pavimentação. A fanfarra foi adiada até 0 di .
Setenta milicianos esconderam -se numa barricada General Franco e os membros da.1 a segumt~ quando o
no palácio do bispo, mas saíram com as mãos para ci- gramado uma visita de inspecão Tt~ren~~ tlnha.m pro-
ma quando um pelotão de Legionários sob o comando co a fazer. Padre Pujal desceu · arae en ~o ha~1a pau-
missa para os sobreviventes Ao "ine· ~~OVIdenc1a.r uma
de um te_n,el?-te ~uito jovem cercou o esconderijo. Logo xou o Alcázar com os me~bros d~o~~a Mo~cardó ~e~­
que o edificio foi evacuado o tenente enfileirou-os con- giu-se ao Hotel Castilla onde . . . a equipe e dnl-
tra a. :p~rede e alv_ejou-os um a um. Mas outro grupo A ' 1n1c1ou suas atividad
de milicianos continuava a resistir no seminário. como novo governador
A h t 1f .
A
militar da prov1nc1a.
, . Durante es
O cêrco do Alcázar terminou oficialmente às 10 o. cedrco, :sse ho ~ dol o quartel dos Assaltos e o chão
a1n a es ava c e1o e cartuchos vazios d
horas do dia 28 de setembro quando o General Varela pel e latas vazias. ' pe aços de pa-
subiu à fortaleza pelo Zocodover. A manhã estava quen-
N~Cuesta dei Al~~zar, Moscardó especulava sôbre
te e en.solarada e o general se apresentou em mangas o destino
de camisa como os veteranos do Exército Africano. Não . de sua. fam1lla , quando um home m que nao-
usava chapéu. Um cinturão envolvia-lhe o ventre sali-
c?nh ec1a aproxunou-se para cumprimentá-lo pela vito-
riosa defesa. O corone~ tocou de leve 0 seu chapéu e
ente e seu rosto era redondo e liso como o de um j o- preparava-se para continuar quando 0 homem ajunt .
vem. C?m êle veio sua ~uarda pessoal e um padre, Pa-
d:e PuJai, da Companhia de Jesus, a quem foi conce-
"~prese~to-lhe ~inhas c?ndolências pela morte de~~~
filho Luis, ocornda em v1nte e três de agôsto."
~Ida a honra de celebrar a primeira missa. Os Mouros
Moscardó ficou imóvel como se tivesse sido atingi-
fiXavam o_s olhos agudos. nas janelas que podiam es-
conder atiradores republicanos. Alguém observou que do por. um golpe. "Mas por quê? Não! o que fêz êle?"
balbUCIOU. '
naquele dia o Papa caminhava pelo braço de Maomé.
O homem não ignorou as perguntas e acrescentou a
, ~ cot?itiva oficial vagou a esmo pelos escombros seguir: "Também fuzilaram seu filho Pepe em Barce-
proximo~ as paredes, sem encontrar, por algum tempo, lona, o senhor sabe."
um caminho para entrar. Dois soldados à frente de Va- Os joelhos de Moscardó cederam. Sufocou um so-
rela. pisot:avam o entulho para certificar-se de que não luço enquanto dois ajudantes-de-ordens puseram-no de
h a via perigo do gene.ral pisar em alguma granada não pé. "É êsse o preço da glória?", murmurou. O estranho
explodida. Quando f1~~lmente atingiram o pátio, en- não mencionou Carmelo nem sua espôsa; encot.1trou-os
contraram. uma multidao de defensores apática e can- esperando por êle no hotel. Tinham sido ambos liber-
sa?a demais para ,produzir mais do que um "viva" ne- tados do asilo de loucos pela manhã. Um funcionário
gligente. Moscardo, entretanto, fêz uma continência e escondera-os sob um monte de palha na cavalariça de
anunciou: "Mi general, sin novedad en el Alcázar." A modo que a milícia não os encontrara.
frase "Nada de nôvo no Alcázar" não impressionou A senhora Moscardó estava fraca demais para se
a~uêles 9ue a ouvir~m tanto quanto o fato de que não
levantar quando o coronel chegcu ao hotel. Marido e
foi seguida por mais nada. O que mais se poderia di- mulher olharam-se de modo estranho. Tinham ambos
zer? ,As paredes destruídas que pareciam balançar-se mudado tanto que a princípio não se reconheceram.
no ceu, os homens, espantalhos em uniformes rasgados
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o último ato do drama do Alcázar ocorreu em 29 Seguiu-se uma busca pelo Alcázar. Foi curta De-
de setembro com a visita do General Franco. S 1biu pe- pois , d~ alguns passos nos. porões um cheiro de u~üda­
lo Zocodove~, entre aplausos e vivas. Dois bombardei- de feti<:Ia- um mau cheiro pestilento_ quase os pôs
ros voavam tão ra.zante sôbre a fortaleza que os cor- em ~~tirada. Num qu~rto, un: soldado em delírio grita-
respondentes podiam divisar os pilotos levantando os va: ~les at~c~~! Nel:o ?S deixem entrar! Os canhões!
braços em saudação ~ascista. F:anco usava um. unif~r­ Para os por~es · A_ piscina, era o lugar mais chocante
me cáqui de infantana, com faixa escarlate. Se:ts legio- de todos, .POIS aqui os cadaveres semienterrados eram
nários com rifles automáticos, alertas como panteras, vistos proJetando-se fora de um pilha de pedras de en-
rodeavam-no. Nada havia que temer. Tôdas as janelas contro à parede. Um jornalista perguntou a um oficial
estavam enfeitadas com uma bandeira branca e eram do Alcázar: "Pelo amor de Deus, por que não os quei-
ocupadas por mulheres silenciosas, rapazinhos e velhos. maram?"O oficial ficou chocado com a idéia. "Sefwr''
Numa janela, perto do Zocodover, havia uma bandeira disse, "nós somos católicos!" '
vermelha, mas do parapeito pendia imóvel o corpo de Como souvenir deram a Franco um pãozinho prê-
um homem. Uma fila de buracos de metralhadoras tra- to que fôra a ração de pão diária. Para os repórteres
çava um caminho pela parede dividindo ao meio a êle fêz uma declaração: "A libertação do Alcázar é o
janela. fato mais importante de minha vida. Agora a guerra
O desfecho tinha sido cuidadosamente ensaiado. O está ganha" ... No dia seguinte Franco foi nomeado
pelotão de demolição abriu caminho pelos escombros da Chefe de Estado por uma junta militar e encarregado
parede oeste e o general e sua escolta avançaram cui- de continuar a guerra pela causa nacionalista. Nenhum
dadosamente por entre as pedras sôltas, entrando no outro general espanhol estava em condições de compe-
Alcázar pela brecha. No pátio, Franco parou para sau- tir com o "Salvador do Alcázar".
dar a bandeira atada nas ruínas. Moscardó usava seu Os repórteres continuavam a explorar as ruínas.
uniforme empoeirado. Avançou um passo à frente e re- As pessoas surgiam aos poucos dos porões e semicegos
petiu a frase: "Sin novedad en el Alcázar", d~sta vez pela luz cambaleavam pelos escombros a caminho de
ajuntando: "Encontrará o Alcázar destruído, mas a hon- suas casas na cidade. Havia muitos que se recusavam
ra intacta." Franco abraçou-o enquanto os cinegrafis- a deixar as catacumbas. Vivendo como sombras, enco-
tas rodavam suas máquinas, os bombardeiros troveja-
vam sôbre as ruínas e os espectadores gritavam "Viva lhiam-se plangentemente qu~ndo as l~~padas de n;~g­
Espana!" nésio explodiam na escuridao. A,.., ma~ona das famihas
dos guardas-civis ficou porque nao ~mham ou~ra casa
Depois de pregar a cruz de S. Fernando, a mais e as cinco freiras ficaram para cozinhar e cuidar de-
alta condecoração militar da Espanha, na túnica de las. Estranhos entraram no Alcázar, trazendo cestas de
Moscardó, o General Franco proferiu um discurso ade- alimentos. H. R. Knickerbocker, o corresponden~e ame-
quado: "A Espanha não esquecerá ... entre nossos an-
ricano viu dez sobreviventes avançando. na com1da das
tigos heróis ... um exemplo para a Nova Espanha ... cestas' enquanto a multidão ao redor na e c?orava de
levanta-se das ruínas do Alcázar." A cerimônia foi su-
alegria. Mais tarde, quando vagava pelas :_uinas, uma
bitamente interrompida pela voz aguda de um velho
mulher meteu-lhe na mão um pedaço de ~~o do t:ma-
baixinho que gritava: "Os cães! Pensaram que podiam nho de um ôvo e a consistência de u~, tiJolo e ISSe-
apanhar-nos. Ah! Ah!" Os espectadores interromperam
lhe: "Tente comê-lo com sebo de mula.
o riso horripilante.
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Quase todos os jornalistas, a:o des~reverem as fi- zar. Esperavam-nos dolorosas revelações _ lares perdi-
sionomias dos sobreviventes, aludiram as faces,.. encon- dos, perdas de haveres, de amigos e parentes. o mun-
I I tradas nas telas de El Greco. "Tinham aquela cor cada- do que ga~gay~m. ~ova!llente estava dràsticamente mu-
vérica pálido-esverdeada, aquela lúgubre expressão e dado; a Histona UI~ dispensar-lhes pouca consideração.
aquela aparência misteriosa e distante nos. on:os':, . No Hotel Ca~tlllo, o Coronel Moscardó era agora
escreveu Harold Cardozo, o correspondente Ingles. DI- General Mosca:do. Com? ~ua casa havia sido saquea-
ficilmente poderia alguém imagin,ar q~e falassem ou da durante o_ cer~o e o unico uniforme que possuía era
se movessem. Embora libertados ha mais de doze horas o rasgado, nao tinha tempo de mandar costurar a in-
ninguém ria ou sequer esboçava um sorriso." Mas se síg!ü~ na manga pois havia obrjgações mais urgentes.
El Greco desenhou estas faces Dante planejou o cená- Existia, por exemplo, um grupo de milicianos concen-
rio. As paredes restantes ou estavam enegrecidas pelo trados no seminário; além disso, o General Franco de-
fogo ou amareladas pelos vapôres de enxôfre e suas sejava uma relaçã~, e.statística o mais rápido possível.
formas estranhas pareciam esculturadas por um ser de- Por causa do ~eu S2n novedad en el Alcázar'' adqui-
moníaco. "Um capítulo tirado de um livro medieval", rir~ a reputaç.ao de ser o ~estre d~ sobriedade Os jor-
dizia o New York Times. O que os jornalistas encon- nalistas .assediavam-no mais que d1spostos a criar uma
traram era ruína, desolação, mau cheiro e fome; con- imagem ~e um. El Cid contemporâneo. o que encontra-
tudo havia ali nobreza também. Os sobreviventes for- ram, porem, foi um velho cansado, com uma aparência
mavam uma hierarquia de resistência. Sentados ao sol, de morte nos olhos que prefaciava a maioria das obser-
os soldados mastigavam pão branco sem afrouxar os vações com: "Todo fué un milagro en el Alcázar." Co-
punhos nos rifles. Êsses homens tinham-se tornado he- mo era impossível fazer um herói de um homem que
róis, não porque desejassem mas porque foram obriga- reiterava que "tudo foi um milagre no Alcázar", desis-
dos. Poucos desejariam figurar de nôvo nas primeiras tiram e Moscardó pôde completar sua relação. Isto é
páginas da História, mas no momento faziam parte de parte dela:
uma. lenda contemporânea. Por algum tempo seriam
apontados como "os homens do Alcázar". Dias de cêrco:
Numa sala do porão, Knickerbocker encontrou uma de 21 de julho a 28 de setembro .......... .. 70
mula esquelética, comendo a tampa de papelão de uma Projéteis atirados no Alcázar - 155 mm ....... . 3 300
caixa de munição. Esta era uma das quatro mulas que Projéteis atirados no Alcázar - 105 mm ....... . 3 300
chegaram vivas ao fim do cêrco. O famoso garanhão Projéteis atirados no Alcázar - 75 mm ....... . 3 500
Cajón reduzido a rocinante, tivera sua vida poupada, Tiros de morteiro atirados no Alcázar ......... . 2 000
conforme a promessa dos oficiais. Nenhuma mulher ou Granadas de mão arremessadas .............. · · · 1 500
criança foi morta no curso do cêrco. Mas muitas delas Petardos ... . ........... ·. · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · 2 000
recusavam-se a mostrar-se até que lhes fôssem envia- 30
Ataques aéreos ..... · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · ·
das roupas limpas. As vestimentas infestadas de piôlho Bombas lançadas no Alcázar ... · · · · · · · · · · · · · · · 500
8
que usaram durante dez semanas, foram atiradas no Assaltos inimigos ....... · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · ·
3
pátio, derramaram sôbre elas os últimos cinco galõ~s Minas .......... · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · 10
de gasolina, sendo então queimadas. As pessoa~ da ci- Incêndios causados por projéteis e bombas ..... .
1 100
dade ajudavam as mulheres, crianças e velhos a des- Número total de combatentes · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · 92
.............
cerem os montes de escombros para a Cuesta del Alcá- Mortos ........ · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · ·
257
256
Êste número não ir..clui cmco outros que morreram
de morte natural durante o cêrco e outros dez que fa- - ? que aconteceu a Toledo? - perguntou.
leceram mais tarde em conseqüência de ferimentos-:-Hou- - E nosso! - veio um côro de vozes.
ve também três suicídios. - Vocês podem estar certos - disse um oficial -,
m~s eu não. A estrada está impedida a cem metros da-
qui.
Feridos .......................................... 504 Naquele momento um repórter do Madrid Heraldo,
um jornal esquerdista caminhou para a Srta. Viollis e
Muitos dêles, naturalmente, foram feridos mais de uma disse:
vez. (Major Mendez Parada mantinha o recorde; foi ferido - Esta manhã, às onze horas, eu estava em Toledo.
quatro vêzes.) ~ste número inclui também quatro civis - duas Juro-lhe que a cidade está completamente tranqüila.
mulheres e duas crianças - três dos quais foram feridos quan- Mas quando a Srta. Viollis lhe fêz mais algurnas per-
do explodiu a primeira mina. guntas êle explodiu: "Está duvidando da minha pala-
vra? Chama-me de mentiroso? Toledo está em nossas
mãos, garanto."
Desertores 35 Naquele momento, Franco e os repórteres estavam
Nascimentos 2 examinando o Alcázar. O único lugar que ainda estava
nas mãos dos republicanos era 0 seminário, o quartel dos
Enqua.nto Toledo celebrava a libertação do Alcázar anarquistas. Trinta milicianos estavam ainda presos na-
o caminho para Madri estava livre, com as estradas atu- quela armadilha.
lhadas de milicianos que buscavam a capital. As valas Na tarde de 30 de setembro a Legião recebeu ordem
estavam juncadas de pilhas de roupas, rifles, bandolei- para expulsá-los. Arremessaram-se contra o edifício, in-
ras, cobertores, placas de estanho, garrafas de vinho e cendiaram-no e começaram a forçar a porta com uma
viga. Os anarquistas começaram a atirar pelos painés
prataria. Mais havia confusão em Madri quanto à to- da porta de madeira e feriram dois Legionários. Uivan-
mada de Toledo. O Ministério da Guerra continuou a do como animais enfurecidos, os legionários arromba-
negar que a milícia tivesse sido rechaçada do rio Tejo ram a porta e invadiram o seminário. Só havia se~e
até o meio-dia de 28 de setembro, quando Lago Caballe- anarquistas vivos. Um dêles encostou-se à parede, pos
ro anunciou pelo rádio: "Por motivos estratégicos, o alto o cano da pistola na bôca e puxou o gatilho. Os ~utros
comando ordenou a retirada." Na hora do jantar cir- correram para uma porta traseira, mas foram fuz1lad~s
culavam rumores de que o primeiro trem de socorro che- instantâneamente. Os três restantes ganharam a adml-
gava à estação de Atocha cheio de feridos republicanos. ração da Legião por sua luta desesl?erada pelos corredo-
res do edifício mas finalmente flcaram encurralados
A estação encheu-se de gente que queria saber a verda- numa sala do fim do segundo pavimento. Enquanto a
de sôbre Toledo. Rabiscadas nos prédios ao lado da es- Legião se aproximava o líder escre~eu uma mensagem
trada estavam as palavras: "No pasarán!", em tinta ver- na parede com um pedaço de carvao:
melha. A onze quilômetros de Toledo seu carro foi
desviado da rodovia. A senhorita Viollis não conseguiu "Manuel Gómez Cota, miliciano de Esquerd~ If~pu­
ir .além. Encontrou uma centena de milicianos caídos blicana de Madri, no dia 27 tomou o ~err:znano . ,e
numa vala, seriamente atingidos pelos aviões inimigos. depois de lutar ferozmente contra o inzmzgo e por
259
258
em liberdade as mulheres, crianças e velhos, incen-
diamos o local. São cinco horas da tarde. O lugar
está queimando e os únicos vivos são:

Manuel Gómez (chefe dos leões vermelhos)


Tomas Parques (sargento)
Eduardo Ruiz (socialista)
Viva Azaiía! Viva a República!"
EPÍLOGO
Fecharam-se, então, numa privada apertada e ex-
plodiram uma bomba Lafitte. "A9uê~e~ homens. so?be-
ram morrer!" - disseram os Ieg1onanos, especialistas
Só depois do dia 6 de outubr0 foi reiniciada a ofen-
no assunto. Assim ficou encerrado o último episódio do siva nacionalista contra Madri. o General Emilto Mola
cêrco de Toledo. comentou galhofeiramente que no dia 12 de outubro es-
taria tomando café em Puerto del Sol. E o General Fran-
co prometeu uma rápida capitulação da cidade e o fim
da guerra. Com o desvio para sudeste, em Maqueda, a
fim de libertar o Alcázar, o avance do Exército da Afri-
ca atrasou-se de três semanas e uma vez perdido o ím-
peto do ataque não era fácil re~uperá-lo. Os republi-
canos tiveram tempo suficiente para reorganizar-se e
manter uma linha defensiva nos arredores de Madri.
Os grupos pouco coesos da milícia eram postos sob um
comando unificado e reforçados pela chegada de briga-
das internacionais compreendendo antifascistas volun-
tários de quase todos os países da Europa. ~stes homens
entrincheiraram-se e bloquearam o avanço do inimigo
em Carabanchel, em Casa de Campo e na Cidade Uni-
versitária. O que principiara como uma revolta do exér-
cito tornou-se uma guerra civil em grande escala. E~­
bora Madri estivesse cercada e o govêrno houvesse fugi-
do para Valência, o Exército do Povo ficara firme .e in-
terceptava a passagem da máquina de guerra nact?n~­
lista. Quando Madri caiu, por fim, a Segunda Re~u~ll­
ca Espanhola já estava morta, não obstante. a resist~n­
cia isolada dos republicanos no campo. Ainda. ~sim!
Franco não capturou a cidade pela fôrça. A rendiçao foi
negociada e muitos dos conquistadores chega:a:n ao cen-
tro de Madri em trens subterrâneos, como viaJantes co-
muns.
261
Sem o Alcázar, José Moscardó, não teria tido ne-
nhuma biografia. Mas houve o Alcázar e Moscardó foi Com a derrota, Moscardó foi transferido para a
herói do drama. Entrou na Academia como coronel Fren.te de Aragon. Antes de deixar Soria, uma delegação
"qualquer coisa" e saiu dez semanas depois como a maior da cidade desejando homenageá-lo, perguntou-lhe o que
celebridade da Espanha Nacionalista. A elite que cerca- lh_e po~ia dar como lembrança. Sem hesitação, Moscar-
va o General Franco ficou surpreendida ao descobrir que do pediu um altar. Desde aí a igrejinha de Santo Do-
D. Quixote era realmente El Cid, pelo menos no que se mingo na cidade de Soria possui um altar dedicado à
referia à opinião pública. Precisavam encontrar para Virgem do Alcázar. Durante o resto da guerra Moscardó
êle um pôsto de acôrdo com a incomensurável reputação comandou ~m corpo do exército, mas quase sempre nos
de criador de milagres militares, mas ao mesmo tempo setores ma1s calmos entre Zaragoza e os Pirineus. Ao
tinham de estar certos de não o colocarem numa posi- terminar a guerra êle chegara ao pôsto de General-de-
ção onde suas limitações ficassem expostas. Divisão.
Em suas cartas, Moscardó começava a aludir ao
No princípio de outubro o General-de-Brigada José "meu Alcázar".
Moscardó foi transferido para uma frente militar estag-
nada na província de Soria, uma região desolada, co- Moscardó fêz uma viagem à Alemanha, afinal. No
inverno de 1941 visitou os "voluntários" da Divisão Azul
nhecida principalmente como o pior inverno da Ibéria. Espanhola, uma unidade que lutava com os alemães na
Por ironia, sua primeira missão foi capturar os mil re- Rússia. Foi grandemente festejado e manteve conversa-
publicanos sitiados na Catedral de Siguenza. Invertera- ções "secretas" com Hitler. Ficou muito alegre ao en-
se o problema do Alcáza.r. A milícia rendeu-se em três contrar um gelado pôsto avançado da Divisão Azul cha-
dias. Moscardó era paternalmente popular entre seus mado "El Alcázar de Toledo".
homens. Conservava ainda seu entusiasmo por jogado- Nas Olimpíadas de Londres e Helsinque em 1948 e
res de futebol e achava as môças irresistíveis. 1952 o Tenente-General Moscardó representou a Espa-
Seus comandados consideravam-no como um "fácil nha. Era agora Conde do Alcázar de Toledo, um título
disciplinador". Quando um jovem tenente foi ameaçado não hereditário. Depois de sua reforma do exército, Mos-
de côrte marcial por trazer sua amante para a frente cardá gostava de passar suas folgas em Toledo, onde
Moscardó interviu, salvando-o. Sua frase "Sin novedad conduzia visitantes oficiais pelas ruínas e contava-lhes
en el Alcázar" tornou-se o mais famoso bon mot de guer- como tudo acontecera. No restaurante Venta de Aires os
ra. Foi logo seguida por "Sin novedad en el frente" garçons apontavam Moscardó e em sussurros explica-
(Nada de nôvo na frente), litera1mente verdadeira no vam quem era êle. Usava sempre um~ g:avata preta,
setor de Soria, embora a frase implicasse algo mais ("Na- em sinal de luto pela morte de seus do1s fllhos.
da de nôvo na fronte") como diziam sarcàsticamente Depois de sua morte em 1956, aos oitenta anos, Mos-
os j avens oficiais. cardá foi promovido a capitão-gener~l, como .uma home-
nagem póstuma. Muitas ruas estreitas e v1elas da Es-
~uando . os italianos avançaram do nordeste para
panha têm seu nome, mas as avenidas geralmente levam
Madri, na pnmavera de 1937, Moscardó escorou seu flan-
co direito na .72~ divisão. Os italianos foram estraça- nomes de outros.
lhados em Bnhuega, e Moscardó como muitos outros o que aconteceu aos outros ''Cavalheiros do Alcá-
oficiais e~panhóis, ficou secretam~nte satisfeito porque zar" como os chamavam os repórteres? ~enhu~ outr.o
sobr~vivente atingiu grande projeção nas h1erarqu1as mi-
os conquistadores da Etiópia tinham fracassado na to- litares da Espanha. O Coronel Pedro Romero, o Coro-
mada de Madri.
263
262
nel Mamede Tuero e o Major Mendez Parada desapare-
ceram do cenário. O Capitão Enlilio Alamán, o oficiai co antes de morrer e disse-lhe: "Você me recorda um
que conduziu o Major Rojo ao Alcázar, chegou a Gene- asceta numa pintura de Surburán com o aspecto de um
ral. O Capitão José Carvajal, o ajudante-de-ordem que santo." A qualificação "santo" ~ão foi esquecida. De
entregou o telefone a Moscardó no dia em que Cândido tempos e~ tempos, há um movin1ento público para ca-
I I
Cabello chamou o Alcázar, também foi a general e ocu-
pa agora o antigo pôsto de Moscardó como Diretor da
nonizar Rivera, mas isto ainda não aconteceu.
A epopéia do Alcázar tem figurado repetidas vêzes
Escola Central. ·O Tenente Benito Gómez, que conduziu nas ~rt~s e }etras espanholas. Foram escritos poemas in-
o contra-ataque no salão de recreação, alcançou a divisa contaveis sobre ela, mas a história do cêrco foi mais ex-
de major e tornou-se o biógrafo de Moscardó. O Capi- pressiva que a poesia que inspirou. Alguns críticos ten-
tão Julian Cuartero, o oficial consciencioso da intendên- taram elevar o vulgar Diario de Operaciones de Moscardó
cia do Alcázar, permaneceu na Academia, onde antes en- a um nível de epopéia clássica espanhola, mas ninguém
sinara História e divertia-se guiando grupos de visitan- levou isto a sério. A tela de Ignácio Zuloaga "O Alcázar
tes pelas ruínas. Cada tiro contra o Alcázar fôra uma em chamas" retrata a cidade de El Greco flamejante,
afronta pessoal a êle, como contava aos convidados. O enquanto burros pastam no primeiro plano. Os patrio-
tempo engoliu o Tenente Barber, o oficial-engenheiro e tas discutem a superioridade dessa tela sôbre a "deca-
o Tenente Espiga, o jovem e valente oficial que defendeu dência" da "Guernica" de Picasso, sem conseguir con-
o Gobierno. verter a opinião mundial. O E~ Alcázar, o jornal mimeo-
grafado, é ainda publicado. Hoje, porém, é um dos maio-
Muitos dos defensores repousaram em sepulturas res jornais da Espanha.
anônimas durante os dois anos e meio de guerra que se Quase três décadas decorreram desde o cêrco. A im-
seguiram ao cêrco. O Capitão Emilio Vela, mn dos mais pressionante pilha de ruínas na colina mais alta de To-
bravos, recrutou uma companhia entre os sobreviventes ledo vem sendo removida para em seu lugar ser com-
a Bandera deZ Alcazar ,
e foi morto numa terrível luta' pletada a construção de um nôvo Alcázar, exatamente
ern dezembro de 1936 nas redondezas de Madri, em Casa igual ao original.
de Campo. Vela não viveu o bastante para alcançar sua
Homens de macacões azuis formigam pelo prédio,
ambição de comandar uma companhia de tanques e sua
carregando martelos e talhadeiras em vez de rifles e
bandera foi horrivelmente dizimada na luta de Madri.
granadas.
Dos desertores, dois foram capturados e presos. ~oje ~stes mesmos homens são os herdeiros dos milicia-
podem ser vistos entre a multidão do Zocodover. Os ou- nos que em 1936 arrasaram a d.etestad~ fortaleza,. ~go­
tros foram mortos pelos republicanos, pelos nacionalis- ra reconstruída. Fica-se a imaginar se eles destruuiam
tas ou simplesmente desapareceram. o prédio, como seus pais, se tivessem oportuni~ade.
Além de Moscardó, talvez a figura mais celebrada A Espanha é um país pobre e a reconstruçao. . do Al:
do drama do Alcázar foi Antonio Rivera "O Anjo do Al- cázar custa milhões de pesetas. A fortaleza .nao. ~era
cázar". Logo que o cêrco terminou, foi levado para .a ca- uma função prática porque uma nova Academia ~1lltar
sa do pai, em Toledo, mas seu braço amputado não cica- já foi construída nos penedo~ do .outro, l~do do no. ~
trizou. Muita gente vinha ver o jovem pacifista que se nôvo Alcázar é uma construçao fna e ngida, co:n. os Sl
convertera em soldado e conservavam na memória o seu nais do nôvo em cada pedra. É um castelo gotlco de
"perene sorriso". Morreu em meaãos de novembro. Joa- Disneilândia, um monumento grotesco ao orgulho es-
quim Arrarás, o historiador nacionalista, visitou-o pau-
265
264
panhol, um mausoléu sugerindo que a República está
enterrada ali. As ruínas falam de orgulho, coragem e P,its?urgo, os embasamentos dos canhões estão ainda vi-
nobreza com muito mais eloqüência. s1ve1~, !llonturos como imensas sepulturas. As áreas cir-
As atuais visitas ao Alcázar, concentram-se mais nos ~U?VlZl~h~s foram aplainadas e o solo envenenado com
porões lúgubres, que permanecem quase como era há ac1do p;cnco, ~e modo que ali nada brota. A lâmina de
trinta anos. Placas nas paredes dos corredores re- uma pa traz a superfície uma lata de sardinha.
gistram a conversa telefônica entre Moscardó e seu fi- , O sold~do republicano que a lançou ali três décadas
lho, em francês, inglês, italiano, japonês, árabe, grego e atras acreditava, se.m ,d~vida, que a Espanha pertencia
quase tôdas as línguas conhecidas - exceto russo. ·Os ao futuro e. q_ue a h1.stona contemporânea era mais forte
guias são todos sobreviventes do cêrco. Há um pequeno que a trad1çao medievaL Estava errado. O Alcázar ele-
museu que contém a motocicleta usada para moer trigo, va-se de suas ruínas e os principais produtos de expor-
a vasilha de metal atirada pelo avião nacionalista, o tação de Toledo são ainda padres e soldados.
esfregão usado para limpar o sangue da mesa de opera-
ção depois das amputações, uma garrafa de óleo de ca-
valo, um pãozinho negro de trigo e outras lembranças
do cêrco. No fundo do museu a parede está coberta de
fotografias mofadas de homens que morreram no cêrco
- alguns de cabeça descoberta, outros com chapéus tri-
cornes. Os guias não se lembram mais de seus nomes.
Há muitos espaços vazios indicando que não foi conse-
guida a fotografia do morto.
A excursão ao Alcázar encerra-se com a visita ao
gabinete de Moscardó, que guarda o mesmo aspecto des-
de que êle saiu dali pela última vez. Apenas a fotogra-
fia de Azafia foi substituída por um retrato a óleo de
Moscardó, com óculos espessos de lentes escuras. ladea-
do por outro de Luis em manga de camisa. O chão de
madeira e ,o rebôco das paredes estão cortados por balas;
o ~eto esta rasgado e pende em tiras longas como ban-
deiras e~farrapadas. No pátio, a estátua de Carlos V ga-
nhou novo pedestal. Um dos lugares ainda fora dos li-
mites permitidos ao visitante é a piscina, ainda atulha-
da de escombros do bombardeio àe setembro de 1936.
Os artilheiros republicanos construíram um caminho
para Dehesa de Pinedo. Embora esta estrada figure
no.s map~s, da Guerra Civil está desgastada, esquecida
e 1ntransitavel. Sobe-se a pé para os basquetes de oli-
veiras. Não fôssem os coelhos saltando sôbre feixes de
cardo, a colina estaria deserta. Como em Verdun ou

266
lhes referentes à mob~lização da Guarda Civil provincial
do Coronel R?mero VIeram de La Epopeya deZ Alcázar
d~ Muro Zegn, que também faz referência ao plano ori-
ginal de defesa da cidade. Os resultados do tumulto no
Notas Bibliográficas Z?codover na noite de 18 de julho são mencionados em
Risco. O papel de Vela na reunião dos falangistas de
Toledo é narra_?o por Muro, embora Stanley Payne dê
a melhor relaçao dos objetivos dessa organização.

I - A Revolta
I I - O Blefe
A viagem de Moscardó a Madri é mais amplamente
tratada em La Epopeya del Alcázar de Toledo de Alber- A partir de 19 de julho o diário oficial do Alcázar
to Risco, um manuscrito lido e aprovado por Moscardó El I?iario de Operaciones (reeditado por El Asedio Dei
antes de sua publicação. O atual exame da vida de Mos- Alcazar de Toledo, de Alfredo Martinez Leal, e EZ Sitio
cardá antes de sua publicação. O atual exame da vida del ~lcázar de . Toledo, de Joaquim Arrarás, de Pozas)
de Moscardó antes e depois do cêrco é baseado em Ge- contem um registro esboçado, mas muito preciso dos fa-
neral Moscardó, uma biografia escrita por Benito Gómez tos de cada dia. Quando os detalhes de outras fontes
Oliveres, depois de vinte anos de investigação sôbre o não concordavam com os do Diario, preferi confiar nêle,
assunto. O vociferante anti-republicanismo de Moscar- que só registrava coisas vistas e sabidas.
dó é apresentado por Claude G. Bowers em My Mission As conversas telefônicas de Moscardó com o Gene-
to Spain (1954). A prematura conspiração da Falange ral Cruz, o Coronel Hernandez Sarabia, o General Pozas
para marchar sô bre Madri é explicada por Stanley e o General Riquelme, estão registradas, linha por linha,
P.ayne em The Falange. Gómez examina as reações de na História de la Guerra de Espana, de Manuel Aznar.
Moscardó a ela. Estão também sumariadas em Risco e Muro. Que Mos-
Todos os fatos importantes do cêrco comprovam o cardá estava contente com seu blefe fica bem claro na
papel destacado do Capitão Emilio Vela. Risco conta o afirmação que fêz a Gómez: "Respondi pessoalmente a
episódio em que Vela reunia os cadetes em férias para tôdas as ordens com os mais absurdos pretextos que po-
trazê-los de volta a Toledo; em Heroes of the Alcázar, de dia inventar; que precisava de uma ordem escrita, que
Rudolphe Timmermans, o acontecimento é confirmado.
A participação de Vela na primeira "revolta" dos cade- as ditas munições não poderiam ir para insurretos, que
tes da Academia e seu "exílio" para Alijares é discutida um telegrama não era suficient~, uma v.ez que n.ão po,~
detalhadamente por Gómez. Informações biográficas dia considerá-lo uma ordem escnta e assnn por diante.
sôbre o Tenente Luiz Barber são encontradas em Risco; A retirada da munição da fábrica de armas para o
em The Spanish Civil War, Hugh Thomas descreve o Alcázar é descrita em Muro e Risco. Os mesmos auto-
funeral do tio de Barber, Coronel Calvo Sotelo. res também examinam a luta no Hospital Tavera, c?mo
A volta de Moscardó para a cidade e sua atividade o faz Geoffrey MacNeil-Moss em The Epic of the Alca~ar.
na defesa do Alcázar é tirada de Risco e Gómez. Deta- As fotografias tomadas por Rodriguez são reproduzidas
269
268
em Arrarás e MacNeil-Moss; o papel subseqüente de Ro-
driguez é baseado em entrevistas particulares. ~n~~ção de cad8; pess?a estão anotados nas obras de
Havia reféns no Alcázar e as autoridades naciona- artine~ e Arraras. O mventário dos alimentos e arma-
listas nunca tentaram negá-lo, embora a imprensa es- men os e encontrado em Muro.
querdista afirme que tôdas as mulheres e crianças eram . O exame mais detalhado do "terror vermelho" na
reféns. Isto não passa de lenda. Em suas M em árias Cidade de Toledo é encontrado no livro de Ri t·-
1921-1947 Ilia Ehrenburg assevera que viu trinta e oito cular~ente no cap~t~lo oito, devotado inteir~~~!t~r ~s
fotografias no quartel da milícia. tôdas elas de pessoas atrocida~es da mllicia. Risco inclinava-se mais a pro-
prêsas no Alcázar; a milícia era encorajada a recordar ~urar tais detalhes (e, talvez, a acreditar em todos êles)
suas fisionomias para que estas pessoas não fôssem mor- o que os outros ~nvestigadores como Muro e MacNeil-
tas quando a fortaleza fôsse tomada. A exposição de Moss que .se ~moc1onavam muito menos com êles. Para
uma fotografia não prova, porém, a existência de um uma avallaçao geral dos crimes, vermelhos e brancos,
refém. Arthur Koestler, cujas informações sôbre o Al- durante a gue~ra, o. l~itor poderá consultar Hugh Tho-
cázar em Spanish Testament (1937) são baseadas em mas, '!'he Span2sh C2v2l War, apêndice II. o incidente de
El Cnsto de la Vega foi tomado em Arrarás.
material colhido em fonte indireta, fala de uma empre-
gada da cozinha, de quatorze anos, que fugiu para a Os fato~ definitivos sôbre os movimentos da família
cidade pelo esgôto e jurou que havia sido violentada por de ~os.cardo em Toledo, a captura de Luís, a conversa
t~lefonlCa et;tre o coronel e o filho, são encontradas no
oito ou nove oficiais do Alcázar. Nenhum dos outros es- livro O Alcazar Nunca se Renderá de Manuel Azmar
critores pró-republicanos sôbre o cêrco deram crédito a uma monogr~f~a escrita exclusivamente para demons~
essa história. Em Man's Hope, André Malraux admite t~a~ a autenticidade do último episódio, o qual foi visto
que a lenda dos reféns era maior do que seu verdadeiro cet1camente por Herbert L. Matthews em seu livro The
número e não tenho dúvida de que êle esteja certo. Mi- Yoke and the Arrows (1937). Gómez, entretanto, diz
nha opinião, baseada nas conversações com sobreviven- q~e Moscardó, na verdade, não acreditava que os repu-
tes, é de que havia de dez a vinte reféns no Alcázar. blicanos consumariam a ameaça de matar seu filho.

III - O Alcázar Nunca se Renderá IV- Esperando Pelo General Mola


-<4 ,.., .
Não existe uma estatística acurada relativa ao nú-
O relato completo da retirada de Tavera e de outros mero de milicianos armados f]_Ue cercavam o Alcázar e
pontos de Toledo para o Alcázar é feito por Muro; Mac- duvida-se que mesmo os comandantes republicanos sou-
Neil-Moss acrescentou pouca coisa ao resumo dos fatos bessem exatamente quantos homens tinham. Azmar cal-
encontrados no Diario. A conversação entre Moscardó cula êste número em sete mil e Muro em dez mil. Em
e Barnes é registrada por Azmar; Gómez relata a de- Behind the Spanish Barricadas e Life and Death of the
cepção de Moscardó ao descobrir o desejo de rendição de Spanish Republic (1940); respectivamente escritos por
alguns oficiais. John Langdon-Davies e Henry W. Buckley, sente-se a
El Alcázar mencionou que um recenseamento dos evidência de que os republicanos temiam contlnuame~te
defensores foi tomado no dia 25 de agôsto; o nome e um contra-ataque do Alcázar. Buckley e outros acredlta-
271
270
vam que os nacionalistas tinharl2 condiçõe~ ?e sair da Gómez afirma que o nom~ do francês era Ratier, enquan-
fortaleza. Sabiam, porém, que nao consegu1nam tomar to Muro fala em Clamagnaud, que deve ser mais prová-
a cidade e neste caso não havia para êles nenhum lugar vel pois havia nas primeiras semanas do cêrco no Alcá-
mais seguro que a Academia. za~ um padeiro com aquêle nome. De qualquer modo,
Em todos os trechos literários relacionados com o Moscardó disse a Gómez que a presença inesperada das
cêrco há referências à missão e ao destino do Capitão provisões de trigo era uma prova de que Deus havia in-
Alba, embora os detalhes específicos variem. terferido no cêrco; além disso, Moscardó falou do fran-
cês: "Estou seguro de que o cavalheiro não tinha outro
Risco, por exemplo, declara que vinte milicianos bê- propósito no cêrco senão fornecer-nos a informação sô-
bedos saíram da taverna Venta de Hoyo quando o carro bre o trigo." Muito mais espantosa, contudo, é a reação
foi acidentado e alvejaram Alba fatalmente. Muro es- dos republicanos. Os desertores devem ter revelado a
merou-se mais em verificar os detalhes do episódio e mi- existência do celeiro, mas inexplicàvelmente não fize-
nha narrativa é baseada nêle. O caminhão de lixo trans- ram esfôrço para alvejá-lo ou bloquear as incursões, o
portando cadáveres de fascistas pelas ruas de Madri era que poderiam fàcilmente realizar.
uma cena comum no verão de 1936 (descrita em The O incidente Duran é sumariado por Arrarás; Mar-
Forging of a R ebel pelo pró-republicano Arturo Barco). tinez o inclui entre os mortos durante o cêrco,. e seu
Em The General Cause, Moscardó afirma que a Rá- nome figura numa categoria intitulada: "Assassmados
dio União anunciou a rendição do Alcázar em 23 e 24 por terem-se recusado a atirar no Alcázar."
de julho. O Diario de Operaciones contudo não alude a Knoblaugh faz referência ao relato de Al l!hl do
isto a não ser em 25 de julho, quando Alba partiu em
oficial de artilharia anônimo morto pelos republicanos.
sua missão para Mola. A mais antiga manchete de jor-
nal alusiva à rendição que eu vi foi a do Ahora, de Ma- Muro e MacNeil-Moss descrevem os ataques co~ ga-
dri, do dia 28 de julho. A rendição foi, entretanto, anun- solina ao Gobierno. A abertura na pa~ede supenor d.o
ciada muitas vêzes durante o cêrco, mas não há razão santa Cruz, na qual foi intr~duzido ? bico da manguei-
para que se duvide das anotações do Diario. ra pode ainda ser vista. Risco regiStra a:' mensagens
As atividades dos beligerantes e não beligerantes tu- ra~liofônicas da Rádio Lisboa em 12 de agosto.
ristas em Toledo, são examinadas por Barca e Malraux
e no Correspondent in Spain (1934) de H. Edward Kno-
blaugh.
Os breves acontecimentos sociais no Alcázar duran- VI _ A Descoberta
te as tréguas dos bombardeios no fim de julho, estão Muro a anta Margarita Velken como re.sponsável
p~ra Tale: os d~~a:~:e~~r~u:s~~r~~~~~1!:
descritos por Risco, Arrarás e Martinez.
por trazer
The General C~use, ~sc~e minas para a parede oeste,
nos cavaram tres tunels , ltun·os dias do cêr-
V - Bombardeamento . -- , dade Durante os u
mas Isto nao e ver . · tX lesão nas vizinhan-
co os asturianos rea~Izaram uma n/o foi servico subter-
O Diario registra que o conteúdo do celeiro perten- ças do portão das viaturas, mas J

cia ao Banco de Toledo, não ao Banco de Bilbao, e sua râneo.


existência foi revelada "através de uma confidência". 273

272
A partir de 19 de agôsto, o Diario registra o número
e o calibre de cada projétil atirado contra o Alcázar; aludem a três mulheres que se suicidaram; o registro
antes dessa data são anotadas apenas as horas da bar- oficial fala, contudo, em duas mulheres mortas no curso
ragem. Martinez refere-se à anedota entre os soldados do cêrco, "de causas naturais".
Carrion e Garrido. As execuções do Matadero e no Faseo del Tránsito
o relato mais detalhado do primeiro ataque aéreo são examinadas em detalhe por Risco e Muro; o último
·é encontrado em Muro. Em seu livro, Martinez repro- calcula que oitocentas pessoas foram mortas durante a
duz uma fotocópia da carta de Franco. Todos os histo- ocupação da cidade pelos republicanos, um número que
riadores do cêrco concordam que o primeiro avião na- parece muito elevado, embora impossível de desmentir.
cionalistta trouxe o maior encorajamento que sentiram O assassinato do proprietário do Venta de Aires é nar-
<Iurante o sítio. Moscardó disse a Risco que foi domina- rado por MacNeil-Moss e confirmado por sua filha, a
do pelo pensamento: "Estamos salvos." Poucos dias atual dona do restaurante.
·m ais tarde alguns defensores organizaram uma Irman- As execuções de represália efetuadas em 23 de a9ôs-
dade do Alcázar. Seu emblema consistia de quatro da- to são amplamente tratadas por Azmar em O Alcazar
tas: dia da rebelião, dia do lançamento de socorro de Nunca se Renderá, que é também a fonte donde foram
Franco, dia do fim do cêrco e dia da vitória final. extraídos os sucessivos movimentos de Carmelo e sua
mãe. Para Azmar, o principal vilão é Candido Cabello,
Como recompensa por silenciar o canhão, Paloma-
mas Muro achava que êle evitou muita .matanç~ d~sne­
res recebeu uma promoção de guerra para o pôsto de cessária. A dramática fuga de Clamag1raud fo1 tirada
cabo em 4 de setembro. O livro de Muro contém o in- de Arrarás.
cidente relacionado com o Tenente Espiga e Coronel
Tuero no Gobierno. A descrição de Toledo durante o cêrco é baseada na
descrição das seguintes testemunhas ~culares: John
A visita de Delaprée a Toledo está registrada em seu Langdon Davies, Behind Spanish Ba_rncadas; , Arturo
livro Mort en Espagne. Barca The Forging of a Rebel; Lou1s Delapree, M ort
en Espagne, !lia Ehrenburg, Memoirs 1921.-1941; He~~
ry W. Buckley, Life and Death of the. Span'lsh, Republte,
Franz Borkenan, The Spanish Cockptt; Andre Malraux,
VII - Moscas e Abisinios L'Espoir. .
Muro refere-se ao Peugeot trazido .Pa~a o Coralillo,
Muro cita trechos transmitidcs pela Rádio Cigarrai. mas uma explicação mais completa do 1nc1dente (e uma
Tanto Risco como Martinez falam do cão e do gato de fotografia do veículo incendiado) é encontrada em Mac-
estimação do Alcázar. A mais ampla narrativa sôbre as Neil-Moss.
mulheres é encontrada em Risco; entretanto, é Arrarás
que cita a página do diário da menina. A história dos
defensores fantasiados é repetida na maioria das fontes.
A~ palavras e a música do hino do Alcázar estão incluí- VIII - Os Três Emissários
das no livro de Martinez, o que era de esperar, pois foi
êle o autor da letra. Arrarás menciona uma entrevista Muro, Risco e Martinez estão de ac?rdo ~o r~feren­
com o cirurgião e imprimiu uma fotografia da sala de te a êste capí~ulo, exc~to. por pequeMs ~screÀ~~~:~~:
operação. Koestler e outros escritores pró-republicanos datas que estao no D'lano e em El cazar.
275
274
sôbre Moscardó e suas reações ~iante d~ R~jo e. Cama-
rasa são tiradas de Gómez. O ra1de de F1nk e mais com- e trinta e um minuto. Muro e Moscardó (General CatL-
pleto no relato de Muro. A missão de Rojo teve a cober- se) dizem seis horas e vinte e um minutos.
tura de Delaprée, cuja histó:ia foi po_: sua vez usada por Os detahes do nascimento de Josefa de Milagro fo-
Koestler. Utilizei-me das Informaçoes de Ehrenburg) ram tirados de Risco. MacNeil-Moss afirma que o tan-
Malraux e Delaprée para a visita da Camarasa, incluin- que atingiu o terraço norte no dia dezoito de setembro e
do a troca de lâminas, fumo e escárnios. A menção da descreve seu esfôrço para entrar no pátio.. O Dia~ ~
partida de Camarasa da Espanha e exílio na França, Muro registram que o tanque voltou depois de se dJ.n-
foi tirada de Arrarás, que cita jornais franceses. Arrarás gir ao Ziguezague. MacNeil-Moss estava fazendo ~a
também trata do episódio da visita abortiva de Nufiez narrativa de ficção ou então confundiu os fatos desse
Morgado. dia com os de outro dia mais tarde.
A fuga do cabo Gutierrez é descrita por Muro. Mar- Tôdas as fontes falam da façanha e Gómez é au-
tinez, que estava no Al?ázar na época, fala das ?r~a~uras toridade na constatação dos estragos causados pelas mi-
desgraçadas que assediavam a fortaleza; o ep1sod1o de nas no Alcázar.
Rivera, "O Anjo", é abordado por Gómez.

X - A última Investida
IX - A Explosão
Delaprée e Malraux descrevem as cenas da milícia
o canto da milícia encontra-se na obra de Muro que em Santa Cruz. O último, contudo, deve ser usado cau-
também apresenta uma informação completa sôbre a telosamente como fonte; descreve, por. exemplo, lut:~
deserção de Barrientos. Além disso, conta detalhada- nas passagens subterrâneas entre o Gob1er11:o ~o Mus
Santa Cruz. Houve época em que êsses ed1fic1os foram
mente a evacuacão da cidade. As duas bôcas das 1ninas
..>
ligados por uma ponte coberta sôbre a Calle Del Carmen,
estavam localizadas no n9 20 e n9 6 na Calle de Juan mas eu não encontrei qualquer evidência de que houves-
Labrador, dois quarteirões adiante do Alcázar. A maio- se um corredor subterrâneo. Knoblaugh .confl;m: ? ~!~
ria dos autores diz que o dispositivo de explosão estava que com gasolina. A defesa da cavalariça n. e
localizado na prefeitura, embora Martinez afirme que narrada por MacNeil-Moss. .
era no seminário - o que é muito possível se conside- Muro e MacNeil-Moss contêm as melhores l~fo~~
rarmos que aí era o quartel dos anarquisttas. O plano ções sôbre os ataques contra a frente norte. Nmg d
de ataque de Barceló, um dos poucos documentos repu- melhor que MacNeil-Moss menciona .o contra-ataque a
blicanos existentes do cêrco, foi encontrado no Colégio Guarda Civil sôbre a crista com baionetas. . ,.
das Ermanas Marianistas e aparece impresso tanto em . , , t · ado do livro deste
O diálogo Franco-Kmdelan e u .
Aznar como em Arrarás. último Mis Cuardernos de Guerra. Martinez afumta q~:
'd ob o ângulo nordeste an es
MacNeil-Moss é a melhor autoridade no relato das os ruídos eram o':v1 os. s . Diario e a maioria
relações dos jornalistas em Dehesa de Pinedo. A explo- explosão da terceua mina, m~, 0 . uma com-
são foi ton1ada em filme. A hora exata da explosão das fontes dizem que a explosao veio como
varia: o Diario e MacNeil-Moss assinalam as seis horas pleta surprêsa.
277
276
A rotura das linhas de combate na ponte de Gua-
darrama é descrita em Cêrco do Alcázar de H. R. Knic- s~ntes na ~casião. Além disso, não há escassez de filmes
kerbocker. Risco narra as reações no Alcázar aos pri- deste ato fmal do drama. Gómez descreve a partida de
meiros indícios da coluna de Libertação. Em The M areh Moscardó do Alcázar e é a melhor fonte de consulta re-
oj a Nation, Harold G. Cardozo, um correspondente com ferente à sua carreira daí por diante.
as fôrças de Varela, escreve sôbre a explosão da última Barca e Cox são o? melhores na descrição da retira-
mina e seus efeitos sôbre os oficiais da coluna liberta- d~ c<_:>nf?sa do~ republicanos para Madri. o episódio de
dora. Knickerbocker viu os aviões nacionalistas serem v:olli? e men?Ionado em Arrarás. A história da opera-
derrubados e os homens descerem de pára-quedas; Ris- çao final de limpeza no seminário é transcrita em Muro
co descreve as conseqüências. e Risco.

XI - O Fim e Depois FONTES

A tentativa dos assaltos para interromperem a luta Para uma visão compreensiva do assunto, The Spa-
da milícia e o episódio da fuga do Governador Vega fo- nish Civil War, 1961, de Hugh Thomas é incompa-
ram tomados de Muro. A anedota do jovem guarda- rável e indubitàvelmente permanecerá assim por muito
civil que preferiu deixar o Santa Cruz para o Diretor de tempo. Em The Spanish Labyrinth, 1943, Gerald Bre-
nan examinou os problemas religiosos, econômicos e so-
Turismo é de Risco. ciais desesperadamente emaranhados da Espanha do Sé-
A matança em Toledo depois da chegada da coluna culo XX que conduziram à Guerra Civil Espanhola. The
de libertação é baseada nas narrações de Knickerbocker, Spanish Cockpit, 1937, de Franz Borkenau, é outro tra-
Cardozo, Malraux e MacNeil-Moss; mesmo os escritores balho que ilumina o cenário e os estágios mais recentes
nacionalistas, como Risco e Muro, não tentam escondê- da guerra, com uma análise invulg~r ~ acurad.a .. Cada
la. Koestler calcula que dois mil milicianos foram mor- um dêles é um clássico em sua propna especialidade:
tos pelos nacionalistas em três dias, mas êste número cada um foi útil ao fornecer as bases para minha narra-
parece exagerado. De acôrdo com Langdon-Davies, cem tiva.
anarquistas foram mortos quando os nacionalistas cer- Muitos outros trabalhos gerais foram emp~egados
caram o Hospital San Juan. Nenhum dêstes repórteres perifericamente neste estudo e ~erecei? atençao. Re-
estava em Toledo na ocasião e os cálculos entre mor- form and Reaction, 1964, de Jose M. Sanchez, traça a
tos e feridos durante a Guerra Civil Espanhola tendem interação entre a igreja e o estado; The Falange, ~961,
a ser exagerados por ambas as partes. As extravagân- de Stanley Payne, é um e?tudo ~etalhado do Fascism~
cias das reportagens são notadas quando comparamos es anhol· The Civil war 1.n Spa2n, de Robert Payne, e
a estória de Langdon-Davies com as de Geoffrey Cox, u~a col~tânea útil de fatos contemporâneos da ,gu~rr~.
The Defence of Madrid (1937), onde escreve que os mou- O cêrco do Alcázar foi assunto de inumeraveis .li-
ros fuzilaram o médico do Hospital San Juan e mataram vros monografias, ensaios e tratados. Em sua maior
mais quatrocentos feridos atirando granadas de mão na part~, podem ser sumàriamente disp.ensados ~om~ r~p~~
enfermaria. As melhores narrativas da visita de Franco tições sem valor de alguns trabalhos Importan es a 1S
ao Alcázar são de Knickerbocker e Arrarás, ambos pré- que segue abaixo.
279
278
o estudo de maior valor sôbre o cêrco, a despeito
de sua estrutura acidental, é La Epopeya deZ Alcázar, cardá, 1936, de Benito Gómez Oliveres f
1937, de Muro Zegri. Quando se considera que o autor, tacad~men_te no ,. e. pis~di~ do ''Salão cte' ~~~re~~~~?,~ ~~~
um simpatizante nacionalistta, estava pesquisando e es- bd~raGeste llvtro dbe' mais enfase, naturalmente, a Mascar-
crevendo seu livro numa época em que os resultados da O: omez am em descreve muitos fatos - .
nados em outros livros. nao menc1o-
guerra não eram ainda definidos, a maneira objetiva e
a atenção cuidadosa para os detalhes são, acima de tu- ~he General Cause (tradução inglêsa, 1953)' uma
do, notáveis. Um dos trabalhos mais úteis é El Asedio coleçao de d~cumentos ~acionalistas preparados para
del Alcázar de Toledo, 1937, do Major Alfredo Martinez acusar, ·o Governo
d ,. . Republicano ' contém um rela+-~.o f rag-
Leal, um dos sobreviventes do cêrco. men,.t. ano o cerc~ por Moscardó. Embora algumas vê-
As edições posteriores são mais valiosas. A quarta zes ele se contradiga em seu diário, a causa é indubità-
velmente falha de memória.
edição, por exemplo, contém o jornal guardado pelo au-
tor; uma lista completa das baixas e do pessoal que ~umários_ do_ cêrco contendo fragmentos de infor-
suportou o cêrco; uma cópia do Dia rio de Moscardó, El maçoes que nao s~o encontr~dos em nenhuma outra par-
Diario de Operaciones, inquestionàvelmente o documen- te, podem ser obtidos em Htstoria de La Cruzada de Es-
to simples mais importante pertencente ao cêrco e um pana, 1940, de Manuel Aznar e a Historia de La Cru-
apêndice cheio de mapas e plantas baixas do Alcázar. zada Espa'iíola, vol. XXIX, 1934-1943. Resumen Histó-
rico de la Academia de Infantaria - 1935, de Hilário
Muito mais partidária é La Epopeya del Alcázar de Gonzalez, contém uma narrativa histórica da Academia
Toledo (3~ edição- 1941), de Alberto Risco, um padre de Toledo e valiosos diagramas do plano do Gobiemo.
que chegou a Toledo antes da libertação do Alcázar. Ris- Arquivos do El Alcázar têm mais valor como curiosidade
co estava especialmente interessado em entrevistar so- do que outra coisa, visto que o jornal diário era mais
breviventes, técnica que casualmente fornecia informa- destinado .a erguer os ânimos do que difundir notícias.
ções de grande valor, aceitas por outros escritores do Em inglês, o mais notável livro sôbre o cêrco é The
cêrco. Freqüentemente êle é crédulo e polémico. Risco Epic of the Alcázar, 1937, de Geoffrey MacNeil-Moss,
interessava-se também em seguir a pista da evidência que chegou a Toledo exatamente quando o cêrco foi sus-
das "atrocidades" republicanas que, como se admite, penso, e aí permaneceu por três meses. Entrevistou pes-
eram extensas. Como é de esperar, seu livro é a mais soas da cidade como também defensores e ficou profun-
popular narrativa espanhola do cêrco, enquanto o de damente impressionado com a história do cêrco. Ao
Muro Zegri é quase impossível de encontrar. construir sua narrativa MacNeil-Moss seguiu o esquema
Completamente diferente de tôdas estas é El Sitio do Diario de Moscardó, expandindo-o com suas próprias
Del Alcázar, 1937, de Joaquim Arrarás e L. Jordana de pesquisas. O arranjo cronológico rigoroso é às vêzes mo-
Pozas, que contém mais uma antologia do que um estu- nótono e desinteressante, embora narre as cenas com
do do cêrco. Possui uma reimpressão do Diario de Ope- desusado vigor. Menos informado que Muro Zegri, êle
raciones de Moscardó; importantes extratos do El Alcá- €screve porém melhor.
zar, o jornal publicado pelos defensores; uma valiosa The Siege of the Alcázar; A Warlog of the Spanish
coleção de fatos pertencentes ao cêrco, editados por jor- Revolution, 1936, de H. R. Knickerbocker, um orrespon-
nais republicanos, nacionalistas e europeus; fragmen- dente americano, foi o primeiro livro sôbre o assunto,
tos tomados de diários e cartas não encontrados em qual- embora o título seja enganador. O autor acomp~nhou
quer outra parte. Outra fonte preciosa é General Mos- o Exército da Africa para o norte desde Andaluzia e a
281
280
maior parte do seu livro relaciona-se com as observações
em rna1·cna ao que propriamente com o cêrco. Colll.eu tra-se em The Struggle tor Madrid 1938 por Rob t G
mrormaçoes 1n01retas aep~1s ae chegar _em '.l' Ole~o, ~as Colodny. ' ' er .
seus relatos aos wtirnos aias d.o s1t1o sao da maior un- Diversas novelas foram escritas sôbre 0 Al ,
portancla. outro 11v1·o em 1ng1es neroes OJ the .Atcazar, '!he Brave and the Blind, 1940, de Michael Bla=~~t
J.~iS'l, ae Ructolphe 'rnnmermans e o menos seguro de
e ~x:agerada, mas Malraux em L'Espoir, 1938, é menos
toaos. Chegou a 'folecto depois da coluna, aaquu·1u al- reJe~tado. Os detalhes reais desta novela são muitas vê-
gumas estarias em primeira mão e escreveu o livro rà- zes ~exatos, ~~s .Malraux capta com êxito o espírito es-
pictarnen te. sencial dos milicianos cercando o Alcázar. Embora se
Ninguém escreveu um relato compreensivo do cêrco ocupe da. gue~ra da Espanha como um todo, a obra de
do ponto de vista republicano e é pouco provável que a1- Jose _Mar~a ~rro~ella, One Million Dead, 1963, reflete a
guem queira fazê-lo. Há, contudo, lindos fragmentos re- reaçao publica diante da vitória do Alcázar.
contando dias em que os escritores passaram em Toledo Por cortesia da Biblioteca de Filmes da Sherman-
durante a batalha. Louis Delaprée viSitou Toledo muitas Grinberg de New York, assisti o jornal cinematográfico
vêzes; sua Mort in Espagne, 1937, é um livro no qual o d~ Paramo~t sôbre o cêrco. Assisti não só as explo-
jornalismo se transforma em literatura. M emoirs - soes das min~s co~o os ataques subseqüentes, as bar-
1921-1941, de !lia Ehrenburg, 1964, descreve a cidade na ragens de artilharia e a libertação da fortaleza. As re-
época da visita de Camarasa ao Alcázar. Behind Spa- portagens jornalísticas sôbre o sítio não constituíram
nish Barricadas, 1936, de John Langdon-Davies, contem fontes de informações muito úteis. Durante o cêrco a
um capítulo relacionado com um dia nas linhas de fogo imprensa nacionalista não tinha qualquer idéia do que
republicanas. The Forging of a Rebel, 1946, de Arturo se passava no Alcázar e a República distorcia a verdade
Barca, encerra notável comentário sôbre o cêrco e a luta. com finalidades de propaganda.
em Toledo. The Patrol is Ended, 1938, de Olaff de Wet, A idéia que ocorre aos espiritos é de que a "Guerra
o aviador da Fôrça Aérea Republicana, descreve as ba- de Libertação", como a chama o govêrno atual, é um
talhas aéreas. assunto ainda não examinado com objetividade e desta-
No The Alcázar Will Never Surrender, 1937, Manuel que. As conseqüências daquela guerra ain~a f~rvem sob
a superfície e o observador que busca minuciosamente
Aznar colecionou e publicou documentos, cartas e teste- um passado recente, deve sentir, às vêzes, tão.pouca ac?-
munhos pertencentes à chamada telefônica entre Mos- lhida quanto um ministro luterano nos arquivos pap~Is.
cardó e seu filho que devem silenciar para sempre aquê- O espanhol fica satisfeitíssimo quando o estrangeiro
les que tentam negar a história. Além disso, traça os mostra interêsse por sua história, m~s, ao mesmo. tempo,
movimentos da família de Moscardó durante o sítio. suspeita que alguém possa descobrir alguma co1sa. Os
Outros jornalistas e observadores registraram suas nacionalistas ganharam a guerra, mas sua causa te1n
impressões de Toledo e das ruínas, logo após a suspen- sido distorcida por historiadores e obs~rvadores preten-
são do cêrco. Os mais úteis dêsses livros são: The March samente "neutros". Portanto, o aparec1me~t? de um es-
of a N ation, 1937, de Harold Cardozo; The Road to Ma- trangeiro com ~r;n caderno ~e not~s e o hablto de fazer
drid, 193~ de Cecil Gerahty e Mine Were of Trouble, perguntas sign1f1ca aborrec1mer:to. nada de bom pode
1937, de Yeter Kemp. resultar daí, diz o espanhol cons1go m.esmo. Por e,st~ ra-
O estudo mais meticuloso da continuação para o zão se um forasteiro desejasse exammar um~ cop1a d.o
registro de cadetes da Academia em 1936, ser1a envolvl-
Alcázar do avanço dos nacionalistas para Madri, encon-
2B3'
282
do numa série de apresentações a personagens que varia- trizadas
vam desde o cabo da guarda até o governador da provín- 't' quando
· · o Alcázar
· fôr por fun' lembradonaoco-
-
mo Vl ona nac1onallstta ou, uma derrota republicana~
cia. A experiência é memorável: todos são encantado- mas com~ um monumento a determinação d0 h
Tes, mas o registro não aparece. de sobreviver. ornem
No decorrer do meu trabalho palmilhei tôda Toledo
e imediações. Durante o dia pagava a entrada de cinco
pesetas e vasculhava o Alcázar de ponta a ponta; o meu
passe para a noite eram cigarros par~ os vigias .. con- AGRADECIMENTOS
versei com dezenas de pessoas que estiveram na cidade
.ou na Academia durante o cêrco. Os espanhóis são ge- O meu maior débito é para com a Junta de Consul-
ralmente solícitos e loquazes, mas poucos me contaram ta do Con~elh~ de Pesquisa Associado, por indicar-me
algo que eu já não soubesse. Um major recuou horrori- para a Universidade de Salamanca no período de 1961-
zado quando lhe perguntei se poderia usar seu nome na 1963, dando-me, desta forma, a oportunidade de fazer
minha lista de agradecimentos. Não seria prudente, dis- as pesquisas para êste livro e aos oficiais administra-
se êle. Arruinaria sua carreira? :Ê:le pensava que não tivos e membros do Conselho-Diretor das Universidades
mas não lhe traria nenhum benefício particular. Assim, de Lee e Washington, por me darem férias e assistência
seu nome não foi mencionado, nem o nome de outros financeira para escrevê-lo. Além disso, desejo agradecer
que me auxiliaram com informações específicas. às equipes das seguintes bibliotecas- nos Estados Uni-
dos: Harvard University, Biblioteca do Congresso, Uni-
Uma outra experiência deve ser recordada aqui. A versidade de Lee e Washington, Universidade de Virgí-
testemunha viva mais importante do cêrco voltou ago- nia, Instituto Militar de Virgínia e Universidade de
ra à Espanha depois de muito tempo de exílio. Sômentte Duke; e na Espanha: Biblioteca Nacional e Universi-
êle poderia esclarecer muitos detalhes da saga do Alcá- dade de Salamanca.
zar, contudo não tem permissão. :Ê:ste republicano pro- Ramon Bela e senhorita Matilde Medina, da Comis-
meteu aos atuais governadores da Espanha que não dis- são de Intercâmbio Cultural entre a Espanha e os Es-
cutiria a guerra sem prévia autorização. Eventualmen- tados Unidos, em Madri, generosamente forneceram su-
te, teria o que dizer, mas no momento silenciava. A gestões, apresentações e inform~ções. A. ê}es devo agra-
Espanha não esta va pronta para assumir sua obrigação dáveis recordações como tambem grat1dao. Sou reco-
diante do julgamento imparcial da história. nhecido a Antonio To var e a Francisco Alonso por suas
Talvez a dificuldade real seja que a história nunca informações de natureza geral sôb~e ~ época da G?erra
foi imparcial e justa para com a Espanha. Os espanhóis Civil Espanhola. Não agradeço publlcam_ente a Infor-
sabem disso. Nós nos recordamos do Maine, da Armada, mantes específicos na Espa?ha, por ::azoes dadas em
..1a Inquisição e ignoramos Las Navas de Tolosa e Le- outro local, porém agradeci-lhes particularmente. .
ponto. Antes de nos tornarmos condescendentes com Todos os livros têm padrinho- pessoas qu~ contn-
a atividade defensiva do espanhol sôbre a história de seu buíram direta ou indiretamente com seu encoraJamento
país, devemos lembrar nossos próprios capítulos ocultos. e solidariedade. Os meus são Frank Nulf e Paxton D~~
A história é um registro, não do que acontece, mas do vis. Meus agradecimentos também. a Perry Knowlton t, _
que alguém disse que aconteceu. Nunca é imparcial, Curtis Brown Ltd., que apoiou o llvro em ~o dos 0 ~~~ 0~
mas, ao mesmo tempo, não necessàriamente partidaris- gios de sua preparação; a Robert D. Loonis de R
ta. As feridas da Guerra Civil Espanhola estarão cica-
285
284
House Inc., cuja assistência editorial sempre foi além
das obrigações do dever; a Barbara Wilson, também de Índice
Randon House e a Patricia McGuire Eby que ajudaram
de modo incalculável. Clare Eby forneceu o último in-
grediente necessário - os contrastes cômicos. Toledo - julho de 1936 ....................... 9

CAPíTULO I
LEVANTE ................... ....................
........... 21
S6BRE O AUTOR
CAPíTULO II
ENGANO ................................................
Cecil Eby visitou pela primeira vez as ruínas do Al- 47
cázar em 1950. Em 1962 passou um ano na Espanha CAPíTULO ID
pesquisando enquanto servia como lente (em literatura "O ALCAZAR NUNCA SE RENDERA" .................. 64
americana) na Universidade de Salamanca. Viajou
CAPíTULO IV
32 000 quilômetros na Espanha coletando filmes, livros A ESPERA DO GENERAL MOLA 81
e panfletos relacionados com o cêrco e entrevistando so- •••••••••••••••••••• o •••

breviventes e espectadores da batalha. CAPíTULO V

É autor de Porte Crayon: A Vida de David H. Stro- O BOMBARDEIO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101


ther e editor dos jornais da Guerra Civil de Strother. CAPITULO VI
Vem publicando artigos sôbre história e literatura ame- A DESCOBERTA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 120
ricana. É agora professor de inglês na Universidade de
CAPíTULO VII
.Michigan. "MOSCAS" E "ABISINIOS" . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 136

CAPíTULO VIII
OS TR~S EMISSARIOS . . . .. .. . . .. . . . . . . .. . . . .. . . . . .. . . 161

CAPíTULO IX
A EXPLOSAO ........................................... 193

CAPíTULO X
A úLTIMA INVESTIDA ................................ 219

CAPíTULO XI 242
O FIM - E DEPOIS ...................... · · . · · · · · · · · · · ·

Epílogo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ......... . 261

No tas Bibliográficas .................. · · · · · · · · · · 268

Fontes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ........... . 279

285
Agradecimentos .............. · · · · · · · · · · · · · · · · ·
286
Sôbre o autor ............... · · · · · · · · · · · · · · · · · ·
!continuação da 1. 0 orelha)
havia quilômetros entre sitiante s e si-
tiados. No do Alcazar de Toledo, a dis-
tância era de metros. Uma pausa no

I tiroteio e ouviam-se as conversas no


c.ampo inimigo. A Guerra Civil simpli-
ficara tudo: o homem ali adiante não
L era outro espanhol, um concidadão, ou
um vizinho: era, apenas, um inimigo. Nas
ruas, crianças brincavam com cartuchos
vazios (trecho do diário encontrado de
uma menina:· Hoje brincamos no telha-
do. T1ve mêdo quando o teto caiu:) No
Alcazar, a água e a eletric1dade toram
logo cortadas. Cavalos e mulas. os pra-
tos na ração diaria dos sitiados. Os
mortos, a principio, era'n enterrados no
pic21deiro: nas últimas semanas eram,
simplesmente, empilhados nos armários
do vestiário da piscina . Um soldado
armado de rifle travou duelo com um
canhão de 75 mm. Debaixo do bombar-
deio incessante da artilharia e dos aviões
quase 60% dos sitiados morreu ou toi
terido . Duas crianças nasceram - uma
delas litera l mente expelida do ve ntre ma -
terno durante a explosão de uma mi na.

Como tunda dêste impressionante


livro de violência, heroísmo e sangue,
o leitor encontra um retrato da Espanha
daqueles dias. No verão, em Madri, um
caminhão de lixo tr ans port a cadáve res
(um quadro familiar). Numa rua, a ima -
gem em tamanho natural de São Fran -
cisco. apoi da no banco traseiro de um
carro, tem as mãos serradas, um ritle
ao ombro e uma nota cravada no peito·
" É\ está con nosotros" . Em letras verme -
lhas. O vermelho era o sangue de um
padre.
Livros e mais l iv ros toram escritos

~~~~
sôbre o cêrco do A lcc.'lZar de Toledo.
tste é o defini tivo. Baseado em pes-
ESTA OBRA FOI EXECUTADA NA CIA. EDITORA quisas rea lizadas em ton tes esp )nhol ;1s
FON-FON E SELETA, RUA PEDRO ALVE'S 60 RIO e inglesas. inclusive en trev1stas pes -
PARA EDITORA NOVA FRONTEIRA s'. A. ' soais. é u'na recr iação memora vel e
absorvente do engenho, da co ragem e
da torta leza do Homem.
.Jll H I 9?lfi
Cabello. u ornem obeso ae e"ormes e grossas
len:es, so riu amà elmen e para o Jovem
Luís osca,.dó. Ti a eJ")con•rado a chave para
ab i o A 'cazar. Eram rês horas. Apanhou o
tele•o e e charrou a Acaaerria. Após :dentificar-se,
disse ao Coro~""~e oscaraó, comandante do Alcazar .
-O senha~ é responsáve 1 por odos os cr:mes e tudo
o que está aco'1tece'1do em Toledo. Dou-lhe dez
m rutos para se render. Do contrário, fuzilarei
seu f; no Luís, que está aqui ao meu lado.
-Acredito - disse Moscardó.
-Para que sa.ba que digo a verdade - continuou
Cabe lo - êle vai falar:
-Papal. - gritou Luís ao telefone.
-O que é, meu filho?
-Nada. Éles d1zem que me matarão se o Alcazar
não se rerder. Mas não se preocupe comigo.
-Se fôr verdade - replicou Moscardó -
encomende sua alma a Deus, grite "Viva a Espanha."
e morra como um herói. Adeus, meu filho. Um beijo.
-Adeus, meu pai, Um beijo grande para o
senhor também.
Quando Cabello voltou ao telefone, disse Moscardó:
- Pode esquecer o prazo que me deu. O Alcazar
nunca se renderá!
E desligou o telefone.

EDITÔRA NOVA FRONTEIRA


F~ud rio Cnrm0. 27 - 4." élndar - te!: 32-2324 • - GB .

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