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2.2.

DISTINÇÃO ENTRE AS OPERAÇÕES DA INTERPRETAÇÃO, APLICAÇÃO E

RESOLUÇÃO DE CONFLITOS NORMATIVOS

4. Como ponto de partida, interessa, embora com alguma brevidade, traçar a


distinção entre três operações: (i) interpretação; (ii) aplicação; e (iii) resolução de conflitos
normativos. A primeira nota a fazer tem que ver com o facto de, previamente à
interpretação, serem necessárias outras duas operações: com efeito, a resolução de uma
questão jurídica pressupõe, em primeiro lugar, a determinação do «universo do discurso»1
— sucintamente, a delimitação factual do caso — e, em segundo lugar, a identificação do
«material jurídico relevante» — basicamente, a especificação dos enunciados que, à primeira
vista, se relacionam com o caso2. A segunda nota reside no facto de a ordem apresentada
não ser um mero acaso: a operação da interpretação precede logicamente a da aplicação;
por seu turno, a operação da aplicação pode ser dividida ela própria em dois momentos: a
prima facie e a definitiva. Com efeito, a aplicação prima facie precede necessariamente o
momento da resolução dos conflitos normativos, uma vez que só sabemos se existe um
conflito se houver mais do que uma norma aplicável ao caso. Resolvido o conflito,
chegamos à norma que será, definitivamente ou tudo-considerado, aplicada. Claro está que
daqui não pode retirar-se a inexistência de uma relação entre as três operações, como se
verá, mas isso não afecta a ordem lógica enunciada.

4.1. No que toca à interpretação, importa dizer que, partindo de uma concepção
pragmática (ou essencialmente semântica)3, esta operação consiste na «descodificação de
significados» contidos em enunciados (embora não necessariamente, pelo menos em
ordenamentos jurídicos como o português, em regra, os enunciados são linguísticos
escritos)4. De onde se intui que, em toda a interpretação linguística — e, logo, também na
jurídica —, uma coisa é o enunciado interpretado (ou o significante), outra é o enunciado

1 Cfr. CARLOS ALCHOURRÓN/EUGENIO BULYGIN, Introducción a la metodología de las ciencias jurídicas y

sociales, Buenos Aires, 2006, p. 32.


2 Cfr. DAVID MARTÍNEZ ZORRILLA, Metodología jurídica y argumentación, Madrid, 2010, pp. 39 ss.
3 Poderia, por exemplo, partir de uma concepção meramente semântica da interpretação (sobre estas

concepções, entre outros, cfr. JORDI FERRER BELTRÁN/JORGE LUIS RODRÍGUEZ, Jerarquías normativas y
dinámica de los sistemas jurídicos, Madrid, 2011, pp. 35 ss). Ainda assim, a verdade é que muito dificilmente tal
concepção poderia explicar o facto de existirem significados (pelo menos alguns) cuja compreensibilidade
apenas é possível mediante o seu enquadramento num determinado contexto de fundo. Sobre isto, cfr.
VITTORIO VILLA, Deep Interpretive Disagreements and Theory of Legal Interpretation, ALESSANDRO
CAPONE/FRANCESCA POGGI (Eds.), Pragmatics and Law - Philosophical Perspectives, Springer, 2016, pp. 113 ss.
Seja como for, daqui não deve retirar-se, muito pelo contrário, que desconsidero o aspecto semântico —
parece-me ser o mais importante.
4 Cfr. DAVID DUARTE, Linguistic Objectivity in Norm Sentences: Alternatives in Literal Meaning,

Ratio Juris, Volume 24, Issue 2, June 2011, pp. 112 ss. DAVID DUARTE salienta ainda, a este respeito, que da
utilização de uma língua natural nos enunciados normativos escritos decorre que a operação da interpretação
é, no essencial, um processo de análise semântica.
interpretativo (ou o significado); ou em termos mais simples: uma coisa é o enunciado
normativo, outra é a norma5. Podíamos, assim, representar a estrutura de um enunciado
interpretativo da seguinte forma: «EN (enunciado interpretado) significa N»6. Por outro
lado, cumpre também referir que, na linha de GUASTINI7, é possível subdividir a operação
da interpretação em dois momentos diferentes: (i) «interpretação cognitiva» – identificação
de todos os significados contidos num enunciado; e (ii) «interpretação decisória» – escolha de
um significado de entre os identificados8. Deste modo, o que se encontra ligado à distinção
entre enunciado e norma, é de mencionar que de um enunciado podem decorrer várias
normas9, bem como que as normas são, de alguma forma, o resultado da interpretação. Em
último lugar, não posso deixar de referir que, no referente às diferentes teorias da
interpretação normativa10, parto de uma concepção intermédia da interpretação, de acordo com a
qual, de uma forma hartiana11, nalguns casos — os fáceis — é possível falar num significado
correcto, ao passo que noutros casos — os difíceis12 —, na falta de resposta correcta, o
significado não é mais do que uma decisão do intérprete13/14.

4.2. No respeitante à aplicação, antes do mais, cumpre explicitar que o termo pode
respeitar a várias coisas15. Quando me refiro a aplicação estou a falar de um momento

5 Sobre a distinção entre enunciado e norma, cfr., entre tantos outros, RICCARDO GUASTINI,

Interpretar y argumentar, Madrid, 2014, pp. 77 ss.


6 Cfr. DAVID MARTÍNEZ ZORRILLA, Metodología jurídica, p. 47.
7 Todavia, GUASTINI fala também de «interpretação criativa», ainda que alertando que esta operação

vai para além da mera interpretação e pode, por isso, ser qualificada como criação de direito – cfr. RICCARDO
GUASTINI, Interpretar y, pp. 45 ss.
8 Como é natural, esta escolha não é livre: (i) é orientada pelas normas aplicáveis à interpretação no

respectivo ordenamento jurídico; (ii) caso não seja possível escolher um dos significados por o resultado das
regras da interpretação aplicáveis ser inconclusivo, então a escolha deve ter em atenção as normas de
princípio que subjazem à norma a determinar, mediante um juízo de ponderação. Assim, cfr. DAVID
DUARTE, Linguistic Objectivity, pp. 132 ss.
9 Cfr. RICCARDO GUASTINI, Interpretar y, pp. 77 ss.
10 Sobre as teorias cognoscitivistas, cépticas e intermédias da interpretação, cfr. RICCARDO GUASTINI,

Interpretar y, pp. 346 ss; JOSÉ JUAN MORESO, La indeterminación del Derecho y la interpretación de la Constitución, 2ª
ed, Lima, 2014, pp. 157 ss.
11 Ou seja, partindo de uma concepção positivista próxima da defendida por HART, nos termos da

qual, por um lado, o direito está parcialmente indeterminado e, por outro e em consequência, os intérpretes-
aplicadores do direito têm uma discricionariedade limitada (cfr. HERBERT HART, The concept of law, 3rd ed.,
Oxford, 2012, pp. 124 ss e 251 ss).
12 Sobre a distinção entre «casos fáceis» e «casos difíceis», cfr. NEIL MACCORMICK, Legal Reasoning

and Legal Theory, Oxford, 1994, cap. VIII.


13 Como diria HART, todos os enunciados possuem um «núcleo de certeza» (negativa e positiva) e

uma «penumbra de incerteza». Neste sentido, uma interpretação que chegasse a uma norma que colidisse com
o núcleo de certeza seria, muito provavelmente, uma interpretação incorrecta – cfr. HERBERT HART, The
Concept, p. 123; sobre isto, cfr. ainda DAVID DUARTE, Linguistic Objectivity, pp. 125 ss.
14 Quanto a saber se a maioria dos casos são fáceis ou difíceis, esta é uma questão meramente

estatística. Na realidade, existem casos de diferente complexidade, pelo que reconduzir maniqueisticamente os
casos existentes a casos fáceis ou difíceis nem sequer será o mais apropriado.
15 Como, exempli gratia, à selecção e uso do material jurídico relevante para justificar uma

determinada decisão jurídica (ou seja, resolver um caso) (cfr. RICCARDO GUASTINI, Interpretar y, p. 249).
Parece-me, contudo, que a selecção antecede inclusive o momento da interpretação.
posterior à selecção dos preceitos e eventuais normas que, em princípio, podem vir a
determinar a resposta jurídica ao caso a resolver — refiro-me já ao momento da
qualificação deôntica da acção. Isto é, para solucionarmos um determinado caso concreto é
necessário qualificar juridicamente os factos — por outras palavras, para saber se uma
norma é aplicável a um determinado caso, é preciso proceder à operação da subsunção dos
factos (do caso individual) à previsão (genérica) da norma escolhida16. Nesta medida, está
em causa um momento em que se procura determinar se o caso concreto, em face das suas
propriedades, se subsume à previsão da norma ou das normas seleccionadas. Aplicando-se
as normas de forma condicional, se o caso se subsumir à previsão da norma, então esta será
utilizada como premissa maior do raciocínio que nos levará a uma norma individual e
concreta17. Em suma, recorrendo à distinção feita por MORESO e NAVARRO18/19 entre
«aplicabilidade externa»20 e «aplicabilidade interna», é a esta última que me refiro, nos
termos da qual uma norma é internamente aplicável a um determinado caso se o caso
individual se subsume ao seu campo de aplicação.

4.3. Finalmente, caso mais do que uma norma seja aplicável ao mesmo caso
concreto, podemos estar perante um conflito normativo que terá de ser resolvido de modo a
podermos avançar das normas aplicáveis até à norma, tudo-considerado (all things considered),
aplicada. Quanto aos conflitos normativos, importa começar por dizer que os ordenamentos
jurídicos são inconsistentes, uma vez que, pela sua extensão e complexidade, estão pejados de
antinomias entre normas. São duas as condições para a verificação de um conflito
normativo: (i) sobreposição (total ou parcial) das previsões de duas ou mais normas; e (ii)

16 Cfr. DAVID MARTÍNEZ ZORRILLA, Metodología jurídica, pp. 127 ss. Note-se que neste momento
podem colocar-se vários problemas, como por exemplo dúvidas sobre se, em virtude de problemas
linguísticos — a norma contém um conceito vago ou polissémico —, um determinado caso individual é ou
não subsumível à previsão da norma em causa. Cfr. NEIL MACCORMICK, Rethoric and the Rule of Law, Oxford,
2005, pp. 32 ss.
17 Estamos, pois, a falar da justificação interna de um raciocínio que pode ser descrita assim: (i) primeira

premissa – de acordo com N1 que se aplica ao caso, «é proibido torturar»; (ii) segunda premissa – «O João
espetou agulhas nos olhos do terrorista»; (iii) terceira premissa – «Espetar agulhas nos olhos de alguém
subsume-se ao conceito de “tortura”»; (iv) quarta premissa – «João torturou o terrorista»; e (v) quinta
premissa – «O João violou a norma que proíbe a tortura». Neste sentido, cfr. ROBERT ALEXY, Teoria da
argumentação jurídica – A teoria do discurso racional como teoria da justificação jurídica, Landy, 2004, pp. 176 ss;
RICCARDO GUASTINI, Interpretar y, pp. 253 e 254. Sobre os conceitos de justificação externa (raciocínios
mediante os quais o intérprete-aplicador justifica as premissas da justificação interna) e interna, cfr., por todos,
Cfr. JERZY WRÓBLEWSKI, Legal Decision and Its Justification, Logique et Analyse, n.º 53/54, 1971, pp. 409 ss;
cfr. também DAVID MARTINEZ ZORRILLA, Conflictos Constitucionales, Ponderación y Indeterminación Normativa,
Madrid, 2007, pp. 38 ss.
18 Cfr. PABLO E. NAVARRO/JOSÉ JUAN MORESO, Applicability and Effectivess of Legal Norms,

Law and Philosophy, May 2005, Vol. 16, Issue 2, pp. 201 ss.
19 Ainda que com a simplificação que pode ser encontrada em JORDI FERRER BELTRÁN/JORGE LUIS

RODRÍGUEZ, Jerarquías normativas, pp. 61 e 62.


20 Nos termos da qual uma norma N1 é externamente aplicável num tempo T a respeito de um caso

individual C, que é subsumível a um caso genérico, se e só se outra norma N2, que pertence ao sistema
jurídico em T, obriga ou permite aplicar N1 aos casos individuais que são instâncias de C.
incompatibilidade dos efeitos decorrentes da estatuição da norma em função do modo
deôntico (por exemplo, de acordo com N1 é proibido α, ao passo que de acordo com N2 é
permitido α21. Isto significa que é possível identificar três tipos de conflitos: (i) total-total;
(ii) total-parcial; e (iii) parcial-parcial22. Para o presente estudo acerca da NDH, em virtude
da sua estrutura, interessa em especial o terceiro tipo de conflitos: nos conflitos de tipo
parcial-parcial, verifica-se uma sobreposição parcial do âmbito de aplicação de cada uma
das normas, ou seja, uma determinada situação preenche, ao mesmo tempo, um ou mais
pressupostos de ambas as normas, existindo igualmente outros pressupostos das duas
normas que não se sobrepõem. Assim, a norma N1 pode ser aplicável nuns casos sem que
esta colida com uma norma N2 e noutros casos N2 é aplicável sem que colida com N123.
Por exemplo, num conflito entre a norma da liberdade de imprensa e a norma do direito à
honra, verifica-se uma sobreposição parcial-parcial na medida em que uma acção de
expressão jornalística é simultaneamente uma acção que se subsume e activa a norma da
liberdade de imprensa e pode ser uma acção de interferência da norma do direito à honra.
Como é natural, os ordenamentos contêm formas de resolução dos conflitos
normativos. Em regra, destacam-se as seguintes normas de conflitos de 1º grau
(metanormas): (i) norma da superioridade hierárquica; (ii) norma da posterioridade; e (iii)
norma da especialidade24/25. É ainda de salientar que estas normas de conflitos estabelecem
relações de prevalência entre as normas colidentes, afastando-se a aplicabilidade da norma
derrotada26. Conforme se deixou já antever, habitualmente, (i) os conflitos entre normas
constitucionais pertencem ao terceiro tipo, (ii) são compostos por normas de princípio —
embora não necessariamente —, e (iii) as três normas de conflitos mencionadas não se
aplicam, na maioria das vezes, a este tipo de conflitos, tendo em conta que as normas em
causa (iii1) se encontram no mesmo patamar hierárquico, (iii2) foram aprovadas ao mesmo
tempo e (iii3) não se encontram numa relação de especialidade. É justamente para os casos

21 Cfr. DAVID DUARTE, Drawing Up The Boundaries of Normative Conflicts That Lead to

Balances, JAN-R. SIECKMANN (Ed.), Legal Reasoning: the Methods of Balancing, Stuttgart, 2010, pp. 51 ss.
22 Por todos, cfr. ALF ROSS, On Law and Justice, New Jersey, 2004, pp. 158 ss.
23 Cfr. DAVID MARTÍNEZ ZORRILLA, Metodología jurídica, pp. 145 ss.
24 As conhecidas lex superior derogat legi inferiori, lex posterior derogat legi priori e lex specialis derogat legi

generali.
25 Importa aqui referir dois aspectos (que não podem, porém, ser desenvolvidos): (i) os critérios

enunciados podem também colidir entre si — levando a soluções contraditórias —, caso em que estaremos
perante conflitos de 2ª grau, que, por sua vez, requerem normas de conflitos de 2º grau (metametanormas) para
a resolução; (ii) a interpretação também pode, embora apenas até um certo ponto, servir para resolver
conflitos normativos: a interpretação conforme à Constituição é justamente um exemplo disso mesmo.
26 Afigura-se óbvio que os efeitos da prevalência sobre a norma derrotada são diferentes consoante a

norma de resolução aplicada, podendo ir desde a remoção da norma derrotada do ordenamento jurídico (pelo
menos, em termos estáticos) até ao mero afastamento naquele caso concreto, como acontece na esmagadora
maioria dos conflitos entre normas constitucionais.
em que nenhuma das restantes normas de resolução de conflitos resolve a antinomia que é
necessário recorrer à chamada ponderação27. Desta forma, é possível afirmar que as
condições de aplicação da norma da ponderação são duas: (i) existência de um conflito
normativo; e (ii) impossibilidade de resolução do conflito mediante as demais normas de
conflitos — pelo que parece ter um carácter residual28/29. Por outro lado, a ponderação
significa simplesmente a atribuição de discricionariedade de escolha entre as normas
colidentes ao aplicador30: sendo de afastar o cenário de non liquet, o aplicador fica obrigado a
escolher de entre as normas colidentes a que prevalecerá e se aplicará ao caso 31. Isto dito,
sobra uma dúvida: como se leva a cabo a operação da ponderação?32 Como é intuível, na
maioria dos ordenamentos jurídicos, é possível encontrar normas reguladoras da ponderação33,
como a norma da proporcionalidade, que, de certa forma, nos diz como devemos
ponderar34.

2.3. CONCEITO DE NORMA – ENTRE A CONDICIONALIDADE E A

DERROTABILIDADE NORMATIVA

5. Por se tratar de um aspecto com influência sobre vários dos problemas que serão
abordados neste estudo — como deixei logo referido, uma das ideias comummente
expostas neste âmbito consiste na alegada natureza absoluta da NDH, o que apenas
procederia se existirem normas inderrotáveis; outra das ideias consiste no facto de apenas os
princípios serem ponderáveis, ao passo que as regras se aplicariam numa lógica de tudo-ou-
nada, como se a operação da subsunção apenas operasse na aplicação de regras —, cumpre

27 Cfr. DAVID DUARTE, Rebutting Defeasibility as Operative Normative Defeasibility, Liber


Amicorum de José de Sousa Brito. Coimbra, 2009, pp. 168 e 169.
28 Cfr. PIERLUIGI CHIASSONI, Técnicas de interpretación jurídica, Madrid, 2011, p. 326.
29 O que, de antemão, significa que, de forma contrária ao que normalmente é veiculado pela

doutrina (entre outros, cfr. ROBERT ALEXY, A Theory, pp. 66 ss), ainda que a esmagadora maioria o seja, nem
todos os conflitos entre princípios constitucionais são resolvidos por ponderação — pense-se numa revisão
constitucional, por exemplo, ou numa situação em que uma norma constitucional é especial relativamente a
outra.
30 Cfr. DAVID DUARTE, Drawing Up, p. 61. Não obstante, pode discutir-se sobre se esta

discricionariedade não será reduzida, pelo menos, por imperativos de coerência ao nível do discurso.
31 No que concerne à ponderação, esta actividade parece ser subjectiva no sentido guastiniano e,

assim, implicar um regresso ao momento da ponderação em todas as situações em que duas normas colidem
no contexto de um determinado caso, uma vez que as relações de prevalência criadas são móveis e só valem
para aquele caso, o que nos coloca num cenário de «particularismo jurídico». Contudo, este particularismo
pode ser mitigado: de facto, do resultado das ponderações resultam regras de decisão, as quais podem servir
para orientar a qualificação deôntica de casos posteriores, na eventualidade de as propriedades relevantes do
caso se repetirem (naturalmente, será necessário identificar critérios para a determinação destas propriedades),
o que, aliás, acontece recorrentemente na actividade judicial. Neste sentido, mas indo bem mais longe, cfr.
JOSÉ JUAN MORESO, La Constitución: modelo para armar, Madrid, 2009, pp. 283 e 284. Cfr. ainda DAVID
MARTINEZ ZORRILLA, Conflictos Constitucionales, pp. 211 ss e 229 ss.
32 Cfr. DAVID MARTÍNEZ ZORRILLA, Metodología jurídica, pp. 155 ss.
33 Cfr. DAVID DUARTE, Drawing Up, p. 59.
34 Cfr. DAVID MARTÍNEZ ZORRILLA, Metodología jurídica, pp. 161 ss.
agora discutir se a condicionalidade e a derrotabilidade são ou não propriedades necessárias das
normas. Este aspecto é tanto mais importante no presente estudo, se se recordar que
aqueles — a esmagadora maioria — que defendem que a NDH é absoluta costumam
começar por caracterizá-la dessa forma e só posteriormente constroem uma tese que o
sustente. Contudo, sob pena de incorrermos numa petitio principii, o percurso argumentativo
tem, necessariamente, de ser o inverso: em concreto, temos de começar por demonstrar
que existem normas inderrotáveis e apenas depois será logicamente possível concluir que a
NDH, por conter certa propriedade, é inderrotável ou absoluta35.

5.1. Primeiramente, é possível definir norma jurídica como o significado de


enunciados normativos36, que se traduz num sentido de dever ser de âmbito genérico37, ou
seja, que expressa que acções ou estados de coisas são obrigatórios, proibidos ou permitidos38 a
um conjunto indeterminável de destinatários39, emitida por uma determinada «autoridade
normativa»40, e que faz parte de um determinado ordenamento jurídico41.
No que toca à estrutura das normas, muito resumidamente, partirei da ideia de que
uma norma completa é composta simplesmente pelos seguintes três elementos: (i) previsão –
condições de aplicação da norma42; (ii) operador deôntico – sentido ordenador da norma43;
e (iii) estatuição – efeitos da norma44/45. Neste sentido, é possível afirmar que são
desnecessárias para a individuação de uma norma completa (i) as condições de validade, (ii)
as condições de aplicabilidade e (iii) as condições negativas (defeaters)46.

35 Como é compreensível, a crítica esvai-se caso esteja em causa uma mera intuição que, em seguida,
é normativamente demonstrada.
36 Cfr. RICCARDO GUASTINI, Interpretar y, p. 31; GIORGIO PINO, Derechos e interpretación - el

razonamiento jurídico en el Estado constitucional, Bogotá, 2014, p. 37; AULIS AARNIO, The Rational as Reasonable - A
Treatise on Legal Justification, Dordrecht, 1987, pp. 61 ss.
37 Cfr. DAVID DUARTE, A norma de legalidade procedimental administrativa – a teoria da norma e a criação de

normas de decisão na discricionariedade administrativa, Coimbra, 2006, pp. 72 ss.


38 Cfr. EUGENIO BULYGIN/DANIEL MENDONCA, Normas y sistemas normativos, Madrid, 2005, p. 15;

ROBERT ALEXY, A theory, pp. 51 ss; JAN-R. SIECKMANN, Norma Jurídica, JORGE LUIS FABRA
ZAMORA/VERÓNICA RODRÍGUEZ BLANCO (Eds.), Enciclopedia de Filosofía y Teoría del Derecho, Vol II, p. 896.
39 Cfr. DAVID DUARTE, An Experimental Essay on Its Antecedent and Its Formulation, i-lex, 16,

Luglio 2012, p. 54.


40 Cfr. EUGENIO BULYGIN/ DANIEL MENDONCA, Normas y, p. 15.
41 Cfr. JAN-R. SIECKMANN, Norma Jurídica, p. 905.
42 No que toca à previsão, pode identificar-se três elementos necessários: (i) existência de

destinatários; (ii) regulação de uma conduta; e (iii) oportunidade(s) para a realização da estatuição. Sobre isto,
cfr G. H. VON WRIGHT, Norm and Action – A logic enquiry, London, 1963, pp. 72 ss; ALF ROSS, Directives and
Norms, London, 1968, pp. 106 ss.
43 Como é sabido, são três as modalidades deônticas: (i) proibição; (ii) obrigação; e (iii) permissão.
44 Por exemplo, distinguindo seis componentes das normas: (i) o carácter prescritivo; (ii) o conteúdo;

(iii) a condição de aplicação; (iv) a autoridade normativa que promulga a norma; (v) os destinatários; e (vi) a
ocasião, cfr. G. H. VON WRIGHT, Norm and, p. 70.
45 Ou seja, a presença destes três elementos é condição necessária e suficiente para a existência de uma

norma.
46 Cfr. DAVID DUARTE, An Experimental, pp. 39 ss.
5.2. Cabe agora analisar a propriedade da condicionalidade, de acordo com a qual os
efeitos de uma norma (o seu conteúdo normativo) ficam dependentes da verificação de,
pelo menos, uma condição. Noutros termos, trata-se das condições que, no mínimo,
devem ser satisfeitas se houver uma oportunidade para realizar o conteúdo de uma norma47.
As condições de aplicação de uma norma correspondem à sua previsão (ou antecedente).
Assim, se a condicionalidade é uma propriedade necessária das normas (o que aqui se
assume), então, é possível afirmar que todas as normas têm, pelo menos, uma condição de
aplicação e, nessa conformidade, todas as normas têm uma previsão48. A partir daqui é
possível enunciar logicamente a estrutura da norma «se fizer frio, é obrigatório fechar a
porta» da seguinte forma: «se p então obrigatório e» ou «p → Oe»49.

5.3. Em relação à derrotabilidade, mais recentemente, tem vindo a crescer o interesse


por este fenómeno50. Pese embora a derrotabilidade não seja univocamente apontada a uma
área específica, muito pelo contrário51, aqui iremos apenas considerá-la como propriedade
(necessária) das normas — enquanto «sensibilidade» das normas ao «contexto factual e
jurídico»52 —, de acordo com a qual o preenchimento das condições de aplicação de uma
determinada norma não significa, necessariamente, que essa norma seja, tudo-considerado,

47 Cfr. G. H. VON WRIGHT, Norm and, p. 73.


48 Sublinhe-se que as normas categóricas não têm de corresponder necessariamente a normas
incondicionais, isto é, também as normas categóricas possuem condições de aplicação. Assim, cfr. DAVID
MARTÍNEZ ZORRILLA, Conflitos constitucionales, pp. 81 ss.
49 Em que «p» é a previsão (condição) e «e» a estatuição (efeito).
50 Sobre a derrotabilidade, mais recentemente, cfr., entre outros, os vários estudos contidos em

JORDI FERRER BELTRÁN/GIOVANNI BATTISTA RATTI (Eds.), The Logic of Legal Requirements – Essays on
Defeasability, Oxford: OUP, 2012; BARTOSZ BROZEK, Defeasibility of Legal Reasoning, Krakow, 2004; DAVID
DUARTE, Rebutting Defeasibility, pp. 161 ss; PEDRO MONIZ LOPES, Derrotabilidade normativa e normas
administrativas, Dissertação de Doutoramento submetida à Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa,
policopiado, 2016, pp. 160 ss.
51 Com efeito, os fenómenos que em seguida se elencam têm vindo a ser considerados derrotáveis: (i)

factos, (ii) crenças, (iii) conceitos legais, (iv) formulações normativas, (v) interpretações normativas, (vi)
normas, regras ou princípios, (vii) argumentação jurídica, (viii) posições legais, (ix) construções jurídicas, (x)
pretensões jurídicas, (xi) conclusões legais (cfr. PIERLUIGI CHIASSONI, Defeasibility and Legal Indeterminacy,
JORDI FERRER BELTRÁN/GIOVANNI BATTISTA RATTI (Eds.), The Logic, pp. 160 ss), bem como (xii)
propriedades (cfr. HERNÁNDEZ MARÍN, Defeasible Properties, JORDI FERRER BELTRÁN/GIOVANNI
BATTISTA RATTI (Eds.), The Logic, pp. 137 ss), (xiii) argumentos, e (xiv) formas de argumentos (cfr. HENRY
PRAKKEN/GERARD VREESWIJK, Logics for Defeasible Argumentation, DOV GABBAY/FRANZ GUENTHNER
(Eds.), Handbook of Philosophical Logic, 2nd ed., Vol 4, Dordrecht, 2002, pp. 219 ss). De outro prisma, é possível
encontrar referências doutrinárias acerca de vários tipos de derrotabilidade, tais como (i) ontológica, (ii)
conceptual, (iii) epistémica, (iv) deôntica e (v) lógica (cfr. JAAP HAGE, Studies in Legal Logic, Dordrecht, 2005,
pp. 8 ss; BARTOSZ BROŻEK, Defeasibility of). Por seu turno, autores como SARTOR e PRAKKEN focam-se
noutro aspecto e, nesse quadro, distinguem entre derrotabilidade (i) baseada em inferências, (ii) baseada no
processo e (iii) baseada na teoria (cfr. HENRY PRAKKEN/GIOVANNI SARTOR, The three faces of defeasibility
in the law, Ratio Juris, 17:1, 2004, pp. 118 ss). Por fim, a derrotabilidade tem inclusivamente sido relacionada
com conceitos como a (i) vagueza, (ii) textura aberta e (iii) revisabilidade (cfr. BRIAN BIX, Defeasibility and
Open Texture, JORDI FERRER BELTRÁN/GIOVANNI BATTISTA RATTI (Eds.), The Logic, pp. 193 ss).
52 Cfr. PEDRO MONIZ LOPES, “Implicações da genericidade na (in)consistência e na (in)completude

dos sistemas jurídicos”, artigo apresentado no XXII Seminário Luso-Hispano-Franco-Italiano de Teoria do


Direito (disponível em file:///C:/Users/jsilvasampaio/Downloads/lopes%20-%20genericidade.pdf), 2016,
pp. 7 e 8.
aplicada ao caso; por outras palavras: o preenchimento dos pressupostos de aplicação
constantes da previsão de uma norma, embora seja condição necessária para a sua aplicação ao
caso, não é condição suficiente. E não é condição suficiente pela simples razão de que podem
existir outras normas também aplicáveis ao mesmo caso. A conclusão a extrair do que
venho a dizer é a de que as normas só são aplicáveis prima facie, uma vez que a aplicação de
cada norma fica dependente (i) da identificação das demais normas aplicáveis ao caso e, em
virtude de as várias normas aplicáveis poderem colidir, (ii) da resolução do conflito
normativo verificado. Logo, sempre que mais do que uma norma seja aplicável a um
determinado caso, a aplicabilidade definitiva dessas normas fica dependente do resultado
do conflito normativo: tudo-considerado, somente será aplicada a norma prevalecente,
saindo a(s) outra(s) derrotada(s).
Em suma: por um lado, possuindo todas as normas uma previsão, é possível
distinguir três aspectos diferentes: (i) preenchimento das condições de aplicação de uma
norma, (ii) aplicabilidade de uma norma; e (iii) aplicação de uma norma — a primeira é
condição necessária mas não suficiente para a segunda, e a segunda é igualmente condição
necessária mas não suficiente para a terceira53; por outro, como todas as normas podem
entrar em conflitos normativos — tenham a natureza de regra ou de princípio —, todas as
normas são meramente aplicáveis prima facie, uma vez que caso sejam derrotadas em
concreto, não são aplicadas (tudo-considerado) ao caso54/55.
Não obstante ser possível distinguir entre «derrotabilidade refutativa» (undercutting),
nos termos da qual uma norma prevalece sobre outra em virtude de uma norma terceira de
prevalência, e «amputativa» (rebutting), de acordo com a qual uma norma pode prevalecer
sobre outra no contexto de uma ponderação — que se aplica justamente nos casos em que
nenhuma outra norma de resolução de conflitos resolve a antinomia —56, para o presente
estudo, interessa em especial a derrotabilidade amputativa.

53 Assim, embora por referência a regras, cfr. BARTOSZ BROZEK, Defeasibility of, pp. 98 e 99.
54 Partimos aqui do entendimento de que todas as normas (e, por isso, também as regras) são
derrotáveis. No sentido de que a distinção entre regras e princípios é indiferente para este efeito, cfr.
ALEKSANDER PECZENIK, On Law and Reason, Dordrecht, 2008, pp. 61 ss. Em Portugal, cfr. DAVID DUARTE,
Rebutting defeasibility, p. 173; PEDRO MONIZ LOPES, Implicações da, pp. 7 ss; Derrotabilidade normativa, pp.
226 ss.
55 É de notar que uso o termo prima facie para me referir à propriedade da aplicabilidade (norma que

embora pareça ser aplicável, tudo considerado afinal pode não ser), ao passo que usarei o termo pro tanto para
me referir à ideia de que, numa colisão, uma norma pode ter mais peso (ou resistência) do que outra e, por
conseguinte, prevalecer. No fundo, a relevância da distinção coloca-se em momentos distintos. Sobre a
distinção entre os dois conceitos, por exemplo, cfr. SUSAN HURLEY, Natural Reasons, Oxford, 1989, p. 261;
SHELLY KAGAN, The Limits of Morality, Oxford, 1989, p. 17. Referindo-se a ambos os conceitos, cfr. ainda
ROBERT ALEXY, Deber ideal, LAURA CLÉRICO/JAN-R. SIECKMANN/DANIEL OLIVER-LALANA (Coords.),
Derechos fundamentales, principios y argumentación – Estudios sobre la teoría jurídica de Robert Alexy, Granada, 2011, p.
18.
56 Sobre isto, cfr. DAVID DUARTE, Rebutting Defeasibility, pp. 172 ss.
Um aspecto com manifesto interesse para a temática da dignidade humana, no
contexto da derrotabilidade amputativa, reside na possibilidade, de forma intuitiva e no
quadro de uma perspectiva meramente estatística — à luz dos resultados ponderativos de
conflitos normativos em que determinada norma entrou —, de identificar diferentes graus
de derrotabilidade das normas existentes num ordenamento jurídico. Exemplificativamente,
poderíamos falar em normas de derrotabilidade (i) elevada, (ii) intermédia ou (iii) baixa,
consoante fossem na maioria das vezes derrotadas em conflitos, não fossem normalmente
derrotadas mas também não prevalecessem quase sempre, ou prevalecessem na maioria das
vezes.
Como se deixou antever, a distinção entre regras e princípios é indiferente no que
toca à derrotabilidade das normas. De facto, mesmo no que concerne à categoria da
derrotabilidade amputativa, a verdade é que qualquer uma das normas referidas — regras
ou princípios — pode ser derrotada num determinado caso, uma vez que é possível
identificar casos de conflito normativo entre regras a cuja resolução são inaplicáveis os
tradicionais critérios de resolução de conflitos (superioridade, posterioridade e
especialidade), tendo de se recorrer também aí à ponderação. Neste sentido, basta recordar
o exemplo clássico da colisão entre a regra que proíbe parar em frente a um quartel e da
regra que obriga a parar num semáforo vermelho que se encontra justamente em frente de
um quartel57.

2.4. A DISTINÇÃO ENTRE REGRAS E PRINCÍPIOS

6. De forma a fechar as premissas conceptuais de que parto, interessa ainda


proceder à distinção entre regras e princípios, aspecto com importância para o presente
artigo para efeitos de caracterização normativa da NDH, na medida em que poderá ajudar
na compreensão e explicação do seu comportamento normativo. Como é sabido, desde
que DWORKIN defendeu a existência de uma diferença entre estes dois tipos de normas58,
tem sido defendido que é possível distingui-los de uma forma (i) qualitativa (tese forte)59,
(ii) quantitativa ou de grau (tese fraca)60, ou até mesmo defender que (iii) não existe critério

57 Cfr. PEDRO MONIZ LOPES, Implicações da, pp. 8 ss. Quanto à ponderação de regras, cfr. ainda

CARLOS ALCHOURRÓN, Conflicts of Norms and the Revision of Normative Systems, Law and Philosophy, 10,
4, 1991, pp. 423 ss; ALEKSANDER PECZENIK, On Law, pp. 66 e 67.
58 Por exemplo, cfr. RONALD DWORKIN, Taking Rights Seriously, Cambridge, 1977.
59 Entre outros, cfr. RONALD DWORKIN, Taking Rights; ROBERT ALEXY, On the Structure of Legal

Principles, Ratio Juris, 13, 2000, pp. 295 ss; JAN-R SIECKMANN, Los Derechos Fundamentales como
Principios, JAN-R. SIECKMANN (Ed.), La Teoría Principialista de los Derechos Fundamentales – Estudios sobre la
Teoría de los Derechos Fundamentales de Robert Alexy, Madrid, 2011, pp. 28 ss, DAVID MARTINEZ ZORRILLA,
Conflictos Constitucionales, pp. 81 ss.
60 Entre outros, cfr. JOSEPH RAZ, Legal Principles and the Limits of Law, 1972, pp. 834 ss; NEIL
para efectuar a diferenciação61. Para proceder à distinção «forte» ou «fraca» entre regras e
princípios é ainda possível identificar vários critérios62: (i) semântico – relacionado com o
significado das palavras usadas no enunciado respectivo63; (ii) pragmático – ligado ao uso
das duas categorias no discurso jurídico64; e (iii) sintáctico – atinente aos elementos da
estrutura normativa e às suas relações lógicas65/66.
Sendo impossível entrar na discussão aludida no presente artigo67, limitar-me-ei a
partir do pressuposto de que a distinção entre regras e princípios reside na estrutura das
normas, mais concretamente, na sua previsão68. A ideia a reter aqui é a de que as condições
de aplicação a que corresponde a previsão dos princípios, contrariamente ao que acontece
com as regras, são dotadas de indeterminabilidade69 ou, em termos próximos (ainda que não
coincidentes), de genericidade70 — ou seja, têm um conjunto ilimitado de pressupostos de
aplicação disjuntivos (termos em que o preenchimento de qualquer um dos pressupostos
de aplicação suscita o efeito da norma), mostrando-se cada condição suficiente para
accionar a respectiva estatuição, provendo a solução prima facie do caso — quanto às
condutas ou estados de coisas que constituem o antecedente. Como é normal, a estatuição
não deve ser totalmente arredada da distinção: como as condições de aplicação dos
princípios são determinadas a partir da acção que constitui o conteúdo da norma em causa,

MACCORMICK, Legal Reasoning, cap. VII; HERBERT HART, Postscript, The Concept, pp. 238 ss; JOSÉ JUAN
MORESO, La Constitución, p. 277; GIORGIO PINO, Derechos e, pp. 110 ss.
61 Cfr. BARTOSZ BROŻEK, Legal Rules and Principles: a Theory Revisited, i-lex, 17, p. 224; JULIANO

MARANHÃO, Positivismo Jurídico Lógico-Inclusivo, Madrid, 2012, pp. 79 e 120 ss.


62 Desenvolvidamente sobre isto, cfr. PEDRO MONIZ LOPES, Derrotabilidade Normativa, pp. 112 ss;

CLAUDIO LUZZATI, El principio de autoridade y la autoridade de los princípios – La genericidad del derecho, Madrid,
2013, pp. 42 ss.
63 Sobre esta característica, cfr. GIORGIO PINO, Derechos e, p. 108.
64 Precisamente o critério utilizado por autores como ROBERT ALEXY, para quem os princípios são

usados como normas derrotáveis e razões prima facie que, ao contrário das regras, se encontram sujeitos a uma
condição geral de ponderação com normas conflituantes. Assim, cfr. ROBERT ALEXY, On the Structure, pp.
300 ss.
65 Neste sentido, por exemplo, cfr. DAVID DUARTE, An Experimental, pp. 37 ss; PEDRO MONIZ

LOPES, Derrotabilidade Normativa, pp. 127 ss.


66 É justamente no contexto desta distinção que se costuma afirmar, entre outras coisas, que os

princípios são, prima facie, mais genéricos, vagos e indeterminados (em virtude da «abertura» da respectiva
previsão) do que as regras, que conectam consequências jurídicas a condições de aplicação precisas; que a
aplicação dos princípios está dependente de considerações de «peso» e «importância», ao passo que tais
considerações seriam irrelevantes no caso das regras, porque estas ou se aplicam ou não se aplicam; que os
princípios seriam normas derrotáveis, enquanto as regras, caso se verifiquem os pressupostos de aplicação,
seriam sujeitas a uma forma de aplicação categórica, de tudo-ou-nada; ou que os princípios seriam «mandatos
de optimização» e, por isso, diferentes das regras que impõem uma regulação fixa. Sobre isto, cfr. GIORGIO
PINO, Derechos e, pp. 107 ss.
67 Para uma análise crítica, cfr. PEDRO MONIZ LOPES, Derrotabilidade Normativa, pp. 112 ss.
68 No presente artigo, não vou discutir sobre se a distinção é, necessariamente, forte ou fraca.
69 Cfr. DAVID DUARTE, An Experimental Essay, pp. 51 ss.
70 Apontando a característica da genericidade (da previsão) como o critério distintivo das regras e

princípios, chegando assim a uma distinção forte, cfr. PEDRO MONIZ LOPES, Derrotabilidade Normativa, pp. 127
ss; Implicações da, pp. 4 ss. Salientando, além de outras, a propriedade da genericidade e da indeterminação
como uma característica tendencialmente mais presente nos princípios do que nas regras, chegando a uma
distinção fraca (de grau), cfr., por exemplo, GIORGIO PINO, Derechos e, pp. 112 ss.
as características da indeterminabilidade ou genericidade repercutem-se igualmente sobre a
estatuição dos princípios, isto é, de alguma forma, a indeterminabilidade a priori da conduta
estatuída na norma, que é provocada pela sua inespecificidade71, manifesta-se identicamente
sobre a estatuição da norma. Enfim, a genericidade seria uma propriedade necessária para a
existência de uma norma de princípio72.
Finalmente, o que se acaba de dizer permite ainda explicar a intuição de que a
regulação adveniente de uma regra ou de um princípio é diferente: a regulação das condutas
imposta pela estatuição dos princípios é variável, o que explica a natureza de «aplicação
gradual» e de «mandatos de optimização» habitualmente assacada aos princípios; ao passo
que no caso das regras os pressupostos de aplicação que constituem a sua previsão são
«determinados» e «fechados» (não admitem excepções implícitas à sua aplicação), pelo que
a regulação proporcionada por uma regra, quando aplicável, é fixa, e isto explica a natureza
de «tudo-ou-nada» geralmente imputada a este tipo de normas73.

3.2.4. Regulação de ponderações com a norma da dignidade: norma da


proporcionalidade

21. A ponderação, tal como acabo de escrever, não é, em princípio, totalmente


livre, pois é uma operação sujeita a normas que determinam como deve ser levada a cabo74.
A proporcionalidade é precisamente uma norma que regula o modo de ponderar,
orientando a operação e, nesse sentido, influenciando o resultado a que se há-de chegar.
A norma da proporcionalidade pode ser traduzida normativamente da seguinte
forma: se (i) [previsão] se verificar um conflito normativo cujas propriedades imponham o recurso à

71 Estão aqui em causa condutas altamente inespecíficas que podem ser realizadas, em diversas
ocasiões, através de uma variedade de condutas mais específicas, as oportunidades para realizar aquelas
condutas compreendem as oportunidades para realizar as condutas mais específicas. A título de exemplo, cfr.
JOSEPH RAZ, Legal Principles, pp. 836 ss; GIORGIO PINO, Derechos e, pp. 110 ss; CLAUDIO LUZZATI, El
principio, pp. 21 ss e 86 ss. Entre nós, PEDRO MONIZ LOPES, Derrotabilidade Normativa, pp. 127 ss; Implicações
da, pp. 9 ss.
72 Claro está que, como admite PEDRO MONIZ LOPES, esta construção pressupõe um critério sólido

para distinguir condutas específicas das genéricas, o que remete para a filosofia da acção. Uma hipótese, como
a que por aquele é seguida, reside meramente em «saber se os enunciados descrevem uma categoria de
condutas (e a indiferença implicada) ou condutas cuja realização pode variar apenas de acordo com
propriedades diferenciadoras, nomeadamente, ferramentas, objectivos ou estilo» — pense-se na diferença
entre a conduta de fumar, que é específica (a não ser que se individualize, por exemplo, estilos de fumar), e a
de expressar uma opinião (que pode ser feita mediante um conjunto indeterminável de condutas mais
específicas, como escrever um livro ou compor uma música). Por exemplo, cfr. PEDRO MONIZ LOPES,
Implicações da, pp. 11 e 12.
73 Cfr. DAVID DUARTE, An Experimental, pp. 51 ss.
74 A forma de a levar a cabo é normativamente contingente: pode, obviamente, variar de

ordenamento jurídico para ordenamento jurídico.


ponderação e (ii) estiver em causa uma relação de meio-fim75, [operador deôntico] o Estado está
obrigado a [estatuição] escolher um meio (i) adequado, (ii) necessário e (iii) proporcional em sentido
estrito76.
Para a economia do presente estudo importa apenas fazer uma breve nota sobre o
efeito da proporcionalidade em sentido estrito (muitas vezes, também apelidado de
ponderação ou sopesamento77). Concretamente, este efeito da proporcionalidade traduz-se na
obrigação de, quando se afecta uma norma (N1) com a justificação de satisfazer uma outra
norma (N2), a afectação de N1 ser equilibrada à luz da satisfação de N2. A «lei da
ponderação» de ALEXY aponta justamente neste sentido: quanto maior for o grau de não
satisfação ou restrição de um princípio, tanto maior terá de ser a importância da satisfação do outro 78.
Cabe notar que esta lei não apresenta, nem tem como pretensão apresentar, uma «pauta
material» para resolver o conflito, senão um «procedimento para a justificação da decisão»,
apresentando-se, portanto, como um verdadeiro «modelo de justificação»79.

22. De qualquer forma, nenhuma destas considerações nos dá efectiva orientação


sobre como ponderar e é aqui que a «fórmula do peso» releva80. Esta fórmula traduz-se
numa operação de medição da intensidade da compressão imposta sobre determinadas
normas (como as de direitos fundamentais), no âmbito da qual se analisa um conjunto de
grandezas relevantes para a operação de determinação da norma que deve prevalecer num
certo caso. Habitualmente, são tidas em conta três variáveis diferentes às quais terão de ser
atribuídos valores, de modo a estabelecer a prevalência entre as normas colidentes: (i) o
peso abstracto das normas colidentes (W)81; (ii) a intensidade da interferência sobre essas
normas (I); e (iii) a fiabilidade das assunções empíricas e normativas (R)82/83. Para efeitos de

Desenvolvidamente sobre este pressuposto, cfr. DAVID DUARTE, A norma, pp. 631 ss.
75

Sobre os efeitos da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, entre outros,


76

cfr. LAURA CLÉRICO, El examen de proporcionalidad en el Derecho Constitucional, Buenos Aires, 2009, pp. 163 ss;
CARLOS BERNAL PULIDO, El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales, Madrid, 2007, pp. 763 ss.
77 Referindo-se a sopesamento, cfr. TIAGO ROLO MARTINS, A Configuração do Princípio da

Proporcionalidade e a sua Aplicação na Ponderação de Normas de Direitos Fundamentais: a Fórmula da


Proporcionalidade, Revista Jurídica AAFDL, n.º 30, Lisboa, 2016.
78 Cfr. ROBERT ALEXY, On Balancing, pp. 436 ss.
79 Permitindo, pois, racionalizar a argumentação jurídica. Assim, cfr. LAURA CLÉRICO, El examen, pp.

196 e 197.
80 Sobre a fórmula do peso, cfr. ROBERT ALEXY, On Balancing, pp. 433 ss; CARLOS BERNAL

PULIDO, On Alexys’s Weight Formula, AGUSTÍN MENÉNDEZ/ERIK ERIKSEN (Org.), Arguing Fundamental
Rights, Dordrecht, 2006, pp. 101 ss.
81 Não obstante o recurso à grandeza «peso» me parecer discutível neste contexto, não sendo este o

momento para aprofundar exaustivamente tal aspecto e, enfim, por se tratar de uma metáfora elucidativa (é a
sua maior virtude), será a utilizada.
82 A notação da fórmula pode ser a seguinte: W
I1 · W1 · R2
N1/N2C = . No fundo, com esta fórmula
I2 · W2 · R2
procura-se ilustrar a estrutura da ponderação com a ajuda de um modelo matemático. ‘W N1/N2C’ representa o
peso concreto da N1, i.e., o peso de N1 nas circunstâncias concretas do caso a decidir (C), em relação com
N2, a norma colidente. ‘I1’ (IN1C) representa a intensidade da interferência (restrição) sobre N1 mediante o
comparação, é possível atribuir, simplisticamente, três tipos de intensidades às variáveis
enunciadas em relação a cada uma das normas colidentes: (i) leve; (ii) moderada; (iii)
elevada84. O principal problema que aqui se coloca respeita à determinação e atribuição dos
valores a estas variáveis85. Para o presente artigo, irei apenas abordar, ainda que de forma
concisa, as duas primeiras variáveis.
No que toca ao peso abstracto, que implica a atribuição de pesos a cada uma das
normas de direitos fundamentais sem recurso ao caso concreto — e, nessa medida, apela à
determinação da sua importância no contexto do ordenamento em causa —, não posso
deixar de realçar a sua questionabilidade, uma vez que parece implicar uma forma de
hierarquização cujo fundamento normativo é muito duvidoso senão inexistente86. Este peso
abstracto poderá, porém, ser reinterpretado enquanto «peso abstracto relacional»: trata-se
do peso atribuído a cada uma das normas no contexto da colisão entre ambas; ou seja, é o
peso abstracto atribuído a uma norma em termos comparativos com outra norma. Os
critérios para a determinação do peso abstracto relacional podem ser os três seguintes87: (i)
a força dos interesses que subjazem a cada uma das normas88; (ii) outras normas que
funcionem como razões normativas de reforço89; e (iii) a existência de decisões anteriores

meio ou a medida M, cuja proporcionalidade se deve apreciar.


83 No fundo, é a fiabilidade das assunções relativas ao que significa certa medida M para a não

realização de N1 e a realização de N2 nas circunstâncias do caso concreto. Por seu turno, os valores a atribuir
são (i) certo; (ii) plausível; (iii) não evidentemente falso. Sobre esta última variável, cfr., por exemplo,
MATTHIAS KLATT/MORITZ MEISTER, The Constitutional Structure of Proportionality, Oxford, 2012, pp. 111 ss.
84 Por um lado, esta escala pode ser complexificada e, por outro lado, é possível atribuir valores

numéricos às intensidades (embora tal não seja indispensável): (i) leve – 1; (ii) médio – 2; e (iii) elevado – 4.
Assim, ainda que com termos ligeiramente diferentes, cfr. ROBERT ALEXY, On Balancing, p. 445. É ainda de
salientar que, como referido na nota anterior, as intensidades e os respectivos valores a atribuir no caso da
fiabilidade das assunções são diferentes: (i) certo – 1; (ii) plausível – 0,5; (iii) não evidentemente falso – 0,25.
85 Os raciocínios expendidos para este propósito não podem deixar de ser justificados

racionalmente, pelo que o recurso à argumentação jurídica é, assim, indispensável neste contexto.
86 Cfr., por exemplo, JOSÉ JUAN MORESO, La Constitución, p. 312.
87 SIECKMANN refere estes três critérios para a determinação do peso abstracto, ainda que pareça,

por outro lado, dizer que o peso abstracto tem algo de relativo e, embora sendo diferente, tem uma ligação ao
peso relacional (cfr. JAN-R. SIECKMANN, The Logic, pp. 100 ss). Precisando, porém, que o primeiro e o terceiro
dos critérios podem ser tratados como subcritérios do segundo, cfr. LAURA CLÉRICO, El examen, pp. 221 e
222.
88 Para estabelecer a importância dos interesses, é possível recorrer às necessidades da pessoa, que

podem ser mais ou menos fortes e/ou urgentes (cfr. JAN-R. SIECKMANN, The Logic, p. 101). Contudo, importa
aqui referir que a avaliação dos interesses de cada um pode divergir consoante o ponto de vista, pelo que
podem ser determinadas de forma subjectiva ou objectiva. Por exemplo, numa colisão entre a liberdade
religiosa e o direito à vida, consoante o sujeito em causa na situação concreta, a importância dos direitos em
relação pode variar. E isto indicia também que, em bom rigor, pode haver aqui recurso a elementos do caso
concreto. Talvez possa isto significar que nem o próprio peso abstracto relacional é totalmente imune ao caso
concreto.
89 Podendo estar em causa uma combinação com normas de princípio materiais ou formais (neste

sentido, cfr. LAURA CLÉRICO, El examen, pp. 222 ss). Pense-se, por um lado, nas situações em que a
instrumentalização afecta também o direito à vida; por outro lado, considere-se o exemplo da norma da
liberdade de expressão que, de certa forma, é auxiliada pelo princípio formal da democracia. Tratando os
princípios formais como uma espécie de razões normativas que dão peso adicional aos princípios materiais
em colisão, cfr. MARTIN BOROWSKI, The Structure of Formal Principles − Robert Alexy’s ‘Law of
que estabelecem preferências entre as normas em conflito90.
No respeitante à intensidade das interferências, esta variável implica a determinação
da intensidade da compressão de um meio sobre uma norma de direito fundamental, bem
como da correlativa intensidade da compressão sobre o direito colidente no caso de não
permissão de utilização do meio. A intensidade da compressão será determinada à luz de
várias grandezas factuais — ou seja, à luz de certas propriedades de cada caso concreto91 —
, como o volume, a eficiência ou a duração da interferência92/93.
O resultado da equação em que se traduz a fórmula do peso dá-nos o «peso
concreto» das normas em colisão94, que é um «peso relativo relacional», que variará
naturalmente à luz das circunstâncias relevantes que consubstanciam um determinado caso
concreto95. O caso resolve-se de acordo com a solução estabelecida pela norma que tiver o
peso concreto superior na respectiva relação colidente, isto é, o estatuto deôntico do caso
concreto é determinado pela norma prevalecente96. Por exemplo, se N1 (dignidade
humana) proíbe a conduta α (abater avião), e N2 (direito à vida) permite a conduta α, então,
se N1 prevalecer nas circunstâncias y (as que conformam o caso em análise) perante N2, o
resultado da ponderação traduz-se na seguinte norma: nas circunstâncias y, é proibido α (Cy 
Ph α).

Combination’, MARTIN BOROWSKI (Ed.), On the Nature of Legal Principles, Stuttgart, 2010, pp. 19 ss.
90 Se for possível concluir que um determinado direito fundamental prevalece, em regra, perante

outro, é possível dizer que o seu peso abstracto relacional é superior. SIECKMANN, aliás, considera que a
partir desta conclusão pode ser possível inferir a existência de um peso abstracto superior (cfr. JAN-R.
SIECKMANN, The Logic, p. 97).
91 Parece-me ser possível evitar cair aqui num particularismo radical, caso se proceda à determinação

das propriedades relevantes do caso. Assim, caso tais propriedades estejam presentes num caso futuro, a
norma decisória resultante daquela ponderação poderá ser aplicada a esse caso sem necessidade de reabrir a
ponderação.
92 Em sentido próximo, mas não coincidente, cfr. CARLOS BERNAL PULIDO, Consideraciones acerca

de la fórmula de la ponderación de Robert Alexy, EDUARDO MONTEALEGRE (Coord.), La Ponderación ene k


Derecho, Bogotá, 2008, p. 128.
93 É de sublinhar que no que concerne à determinação da intensidade da interferência sobre um

direito fundamental — que é apreciada no âmbito da proporcionalidade em sentido estrito — pode também
ter-se em consideração a insuportabilidade de uma medida para um particular afectado (ou seja, à luz dos seus
interesses concretos) (neste sentido, cfr. LAURA CLÉRICO, El examen, pp. 271 ss). Entre nós, autonomizando
este momento como um teste autónomo da proporcionalidade, apelidando-o de razoabilidade, cfr. JORGE REIS
NOVAIS, As restrições, pp. 765 ss.
94 Cfr. ROBERT ALEXY, Derechos constitucionales a protección, ROBERT ALEXY, Derechos sociales y

ponderación, Madrid, 2007, pp. 59 e 60.


95 Sobre este conceito, ainda que em termos não totalmente coincidentes, cfr. JAN- R. SIECKMANN,

The Logic, pp. 96 e 97.


96 Caso se atribuam efectivamente valores numéricos às diferentes intensidades no âmbito de cada

uma das variáveis, a restrição é admitida se o valor que resulta da equação for superior a 1 (se for 1, no
entanto, há uma situação de empate, considerando ALEXY que nesse caso há discricionariedade para a
autoridade normativa). Assim, por exemplo, cfr. ROBERT ALEXY, Derechos constitucionales, pp. 64 e 65;
Postscript, A theory, pp. 394 ss.

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