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Arte na Infância

Construindo Novas Memórias


Edmundo Cezar

edmundocezar@gmail.com

Ao ler o Reformador de abril de 2018, um artigo chamou minha atenção: Tristeza excessiva
e depressão em crianças. A autora, Marta Antunes Moura, apresenta levantamento
estatístico realizado junto às Federativas Estaduais, analisado nos aspectos psicológico,
social e biológico de pesquisadores e técnicos respeitáveis, além de abordar a importância
da família no período da infância para o espírito que reencarna.
Em função de minha formação e vivência na área das Artes, reagi aos quadros mentais que
se formaram desta leitura com a imediata expressão: “Se esta criança fizesse arte, estaria
melhor.”

Passada a intempestividade de minha pseudo-fácil solução, pseudo-fácil porque nenhuma


solução é simples quando se trata do espírito humano e essa abordagem cresce em
complexidade ao adicionarmos o olhar da eternidade da alma e das possibilidades da
reencarnação, passei a refletir sobre as implicações e possibilidades da atividade artística
no quadro apresentado pelo artigo.
A primeira lembrança que me veio foi a de O Evangelho Segundo o Espiritismo, quando em
seu capítulo 5 registra a mensagem do espírito François de Genève, intitulada A Melancolia:

Sabeis por que, às vezes, uma vaga tristeza se apodera dos vossos corações e vos leva a
considerar amarga a vida? É que vosso Espírito, aspirando à felicidade e à liberdade, se
esgota, jungindo ao corpo que lhe serve de prisão, em vãos esforços para sair dele.
Reconhecendo inúteis esses esforços, cai no desânimo e, como o corpo lhe sofre a
influência, toma-vos a lassidão, o abatimento, uma espécie de apatia, e vos julgais infelizes.
(KARDEC, 2007, int 25.)

Minha imaginação criativa elaborou em minha tela mental o espírito reencarnado,


contando com 4 ou 5 anos, que conhece intuitivamente seu planejamento
reencarnatório e os desafios que se apresentarão durante a vida e, por isso mesmo,
imagina se terá forças morais para suplantá-los. Seus pensamentos divagam pelas
imagens das vidas anteriores, o esforço e as promessas no Plano Espiritual e, agora
reencarnado, a verdade da vida física que se expressa em seu corpo limitado e
frágil. Um mundo de pensamentos e sentimentos em revolução interna.
Recordei-me ainda de trecho de um artigo da pedagoga Daniela Soares1, em livro
publicado pela Abrarte (Associação Brasileira de Artistas Espíritas), quando ao
relacionar trechos de O Evangelho Segundo o Espiritismo com outros autores do
universo da Pedagogia afirma que:

1
Daniela Luciana P. Soares – Graduada em pedagogia pela UNESP/Rio Claro, especialista em Educação Musical
e Pedagogia do Movimento para o Ensino da Dança pela UFMG/Belo Horizonte.
“(...) temos na infância o período mais propício para a educação em seu sentido integral e,
por conseguinte, o momento mais importante para colocar a criança diretamente sob o
estímulo da beleza, do bem e do belo...” (SOARES, 2012, p.50.)

Olhar para a criança com o entendimento da pré-existência da alma e de que ela é


um Espírito eterno, reencarnado, iniciando esta vida em busca de novas conquistas
íntimas, nos oferece a compreensão de que os sentimentos vividos em sua
intimidade e que se expressam no convívio familiar, no ambiente escolar ou da Casa
Espírita, têm origem em sua “bagagem espiritual” trazida de vidas anteriores e das
relações afetivas estabelecidas nesta nova encarnação.
Oferecer a Arte para a criança, desde seus primeiros instantes de vida, é oportunizar
ao espírito o investimento na sua relação com o Belo, valorizando o sensível, dentro
dos recursos emocionais que ele traz para esta encarnação, permitindo-lhe
compreender-se e expressar-se, conhecendo e educando seus sentimentos,
atividade fundamental proporcionada pela atividade artística, quando bem
direcionada.
Kardec, com sua percepção natural e experiência de pedagogo, não se furtou a nos
oferecer reflexões a respeito do período da infância descrevendo as possibilidades e
benefícios para o Espirito em passar por esta fase.
Em O Evangelho Segundo o Espiritismo afirma ele que:

(...) no curso dos primeiros anos, o Espírito é verdadeiramente criança, por se


acharem ainda adormecidas as ideias que lhe formam o fundo do caráter. Durante o
tempo em que seus instintos se conservam amodorrados, ele é mais maleável e, por
isso mesmo, mais acessível às impressões capazes de lhe modificarem a natureza e
de fazê-lo progredir. (KARDEC, 2017, cap 8, it 4)

Em O Livro dos Espíritos o Codificador nos oferece ainda o questionamento que


norteia as ações de evangelização das instituições espíritas e que nos auxilia,
trazendo luz às possibilidades da Arte para os Espíritos que atravessam
momentaneamente a período da infância.

Qual, para este, a utilidade de passar pelo estado de infância?

“Encarnando, com o objetivo de se aperfeiçoar, o Espírito, durante esse período, é


mais acessível às impressões que recebe, capazes de lhe auxiliarem o
adiantamento, para o que devem contribuir os incumbidos de educá-lo.” (Kardec,
2016, q.383)
Os espíritos na fase da infância estão mais suscetíveis às impressões que
recebem. Impulsionados por esta crença, milhares de trabalhadores espíritas
dedicam-se voluntariamente a ações educativas nas instituições espíritas
espalhadas pelo país, acreditando assertivamente que a Doutrina Espírita tem
potencial transformador para a alma e necessita ser oferecida aos Espíritos nesta
fase.
A reflexão que ofereço é a de que boa parte de nossa atenção e esforço pedagógico
se concentrem nas impressões que este espírito recebe nesta fase. Os sons, as
imagens, aromas, sentidos, emoções, vibrações, são capazes de alcançar o sensível
da criança, permitindo que ela acesse seus medos, tristezas, vibrações arquivadas
do passado, tendo a possibilidade de expressar esse manancial represado, por meio
da atividade artística, produzindo a ressignificação do que trazem de outras vidas
com o que lhe é oferecido por aqueles que estão incumbidos de educá-la.
A ausência do Bem já ocupou nossos espaços íntimos por muito tempo e hoje
estamos aprendendo e exercitando passos em sua direção. Precisamos ser
redundantes no Bem, insistentes em sua prática até que ele se torne natural na
intimidade da alma.
Ao recomeçar, em uma nova encarnação, desejamos o acerto, a amorosidade, a
transformação de antigas emoções em nossos registros espirituais, novos
sentimentos, novas memórias.
A criança necessita de novas memórias. As do passado lá estão, eventualmente
explícitas em lembranças rápidas de outras vidas, que quando verbalizadas, podem
espantar pais menos familiarizados com a reencarnação, ou discretamente alojadas
na mente pelo recurso divino do esquecimento do passado. No presente, elas
necessitam construir novas estruturas de vibrações que fortaleçam sua alma.
Perceber e acreditar na beleza, sentir-se criatura divina, fortalecer-se na crença que
agir no bem é um valor para a alma, construir um pensamento vibrante e firme que
deseje alimentar-se de entusiasmo pela vida, são pequenos exemplos de memórias
novas a serem construídas pelos espíritos encarnados e registradas em vibrações
no corpo espiritual.
Como não lembrar do espírito Charles, através da mediunidade de Ivone Pereira ao
afirmar que:

(...) o Belo é tão necessário às almas em progresso quanto o Amor (...) sendo o
Universo a expressão da Beleza Divina (...) deverá igualmente [o homem] comungar
com o Belo, a fim de poder compreender o Universo e com ele vibrar (...). (PEREIRA,
2016, Fréderic Chopin, na Espiritualidade, p74)

Ainda refletindo sobre as possibilidades da Arte para o Espírito que atravessa a fase
da infância na reencarnação, vieram-me à mente as palavras de Leon Denis,
apóstolo do Espiritismo, registradas em seu livro O Espiritismo na Arte:
Dissemos que o objetivo essencial da arte é a procura e a realização da beleza; é,
ao mesmo tempo, a procura de Deus, pois que Deus é a fonte primeira e a
realização perfeita da beleza física e moral.
Quanto mais a inteligência se apura, se aperfeiçoa e se eleva, mais se impregna da
ideia do belo. O objetivo essencial da evolução, portanto, será a procura e a
conquista da beleza, a fim de realizá-la no ser e nas suas obras. Tal é a norma da
alma na sua ascensão infinita. (DENIS, 1994, Pt. 1, Conceito de Arte, p. 9)

Somos aprendizes do Bem e necessitamos ser redundantemente alimentados pelo


Belo.
Para o Espirito na fase da infância, o sentimento pode ser alavanca de
transformação da moralidade e apoio para o enfretamento da solidão desafiante da
reencarnação.
O entendimento de que Deus é a inteligência suprema do Universo, causa primária
de todas as coisas, permite a compreensão de que estamos inseridos em um
Universo infinito sob a égide de uma força superior, mas, a sensação registrada na
alma, de se estar deitado no jardim do Centro Espírita no início de noite tranquila,
durante um encontro de evangelização, observando as estrelas do céu, sentindo a
temperatura da natureza ambiente, quem sabe esbarrando com uma estrela
cadente, riscando o azul da noite, pensando em quem são os espíritos que moram lá
naqueles pequenos pontos brilhantes, talvez possa oferecer à criança lembranças
emocionais de tempos antigos vividos pelo Espírito eterno, agregando novo
sentimento e relação com o Divino e, quem sabe ainda, o desejo oculto do suicídio,
possa ser iluminado por pequena fresta de esperança à respeito da beleza de viver.
Finalizei a leitura do artigo de Marta Antunes, lembrando do saudoso pedagogo
Walter de Oliveira Alves, desencarnado em abril de 2018, quando, tratando destas
mesmas possibilidades da arte escreveu:

“A arte é forte elemento de interação vertical, onde a alma interage com as energias
espirituais superiores, propiciando à criança o desenvolvimento de seu potencial
anímico e ampliando sua faixa vibratória; estimula a capacidade criativa, traçando ao
mesmo tempo canais para sua expressão; é uma forma de crescimento interior e
desenvolvimento das potências da alma; representa forte elemento de estímulo à
energia criadora do Espírito, que é uma das maiores forças que impulsiona a
evolução; sensibiliza e oferece estímulo à vontade direcionada para os ideais
superiores; pode liberar energias bloqueadas, canalizando-as para níveis superiores
e estimulando essa energia a vibrar de forma superior; pode ser usada como terapia,
liberando bloqueios, causas profundas de estados depressivos; propicia a vivência
de estados vibratórios ou sentimentos que o intelecto apenas, por si, não atingiria.”
(ALVES, 2000, p193)
Fazer ou ver, experimentar ou contemplar, praticar ou assistir as mais diferenciadas
formas de expressão artística, em especial aquelas que valorizam a esperança, a
vitória sobre si mesmo, a beleza e a sintonia com o Bem, constituem instrumento de
construção no espírito de pensamentos firmes e vibrantes e de potencial
transformador de suas próprias vibrações.

REFERÊNCIAS
DENIS, Leon. O espiritismo na arte. 2ª. Edição. Niterói: Lachâtre,1994.
KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Guillon Ribeiro. 93ª ed. 2ª impressão. (Edição Histórica). Brasília: FEB,
2016
_____. O evangelhos segundo o espiritismo. Trad. Guillon Ribeiro. 131ª. Edição 8ª. Impressão. (Edição Histórica)
Brasília: FEB, 2017.
ALVES, Walter O. Educação do espírito: introdução à pedagogia espírita. 16ª ed. Araras. IDE, 2000.
PEREIRA, Yvonne do A. Devassando o invisível. 15ª. Ed. 4ª. Impressão. Brasília: FEB, 2016.
SOARES, Daniela, [et. Al.]. Dançando com a alma: diálogos sobre dança espírita. 1ª. Ed. Belo Horizonte: Educere,
2012.

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