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O Humor como Crítica Social

por Mirelle Ramalho

O humor, em um de seus vários significados, pode ser definido como uma “expressão
irônica e engenhosamente elaborada da realidade”. Dessa forma, grande parte das piadas
contadas são um reflexo do cotidiano vivenciado por todos, seja essa a maioria ou a minoria
da sociedade. O que muda nesse humor é: quem o faz e quem o sofre. Basicamente, pode-
se dizer que a facilidade para zombar do oprimido é maior do que a de zombar do opressor,
e quando você consegue inverter esses papéis e se junta ao lado dos que não tem voz, isso
se torna algo fantástico.
Exatamente por essa reflexão que as piadas ofensivas são a maior caricatura da
sociedade atual. Vê-se que os shows de stand-ups são recheados de machismo, homofobia
e racismo sob a máscara do entretenimento, escondidos na desculpa pronta que “é só uma
piada” se tornou. Bordões sobre como nordestino é preguiçoso, negro é bandido e mulher é
inútil só são usados com tanta frequência porque esses são pensamentos ainda muito
recorrentes na nossa realidade. Falar o que a grande maioria pensa não é inovador, pelo
contrário, é basicamente agir como um papagaio repetindo tudo o que é considerado
retrógrado e intolerante, não fazendo nada além de destacar e reforçar esses conceitos na
mente do público.
No momento em que o comediante consegue fazer com que a plateia reflita sobre o
mundo ao qual está inserida, ele alcança um novo nível de humor, passando assim a usar a
comédia como uma ferramenta de crítica social e não apenas como objeto de distração.
Quando você tira o poder de quem está no comando, ou zomba desse poder, você se colocar
ao lado das minorias que sofrem sob essa autoridade, passando assim a rir com elas da
situação. Infelizmente quando essa camada social mais baixa consegue se sobrepor e
mostrar a ausência de humor em piadas preconceituosas ou tornar aqueles que os
ridicularizam o alvo da piada, a reação, não surpreendentemente, muda e assim termos como
“racismo inverso” são criados.
Assuntos mais polêmicos e complexos exigem uma maior elaboração antes de se
fazer qualquer sátira sobre eles. Quando se está do lado de fora da situação, quando você
não foi exposto a um ato de violência como o abuso sexual, você vê todo o problema com
olhos diferentes. O que não seria ofensivo ou um trigger para quem faz a piada, com certeza
será para alguém que enfrentou tamanha agressão, por isso que a responsabilidade e o peso
dessas palavras se tornam maiores para quem as diz.
O humor não deve ser usado para normalizar o mundo podre em que vivemos, mas
sim para mostrar o tamanho dos absurdos que se enraizaram na nossa cultura, desde a
crença na superioridade branca até a cultura do estupro, e assim dar um banho de água fria
na população. O politicamente correto não precisa ser o único tipo de comédia, mas também
não deveria ser menosprezado e tratado como censura,

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