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Dez da manhã; ai que enxaqueca do caralho.

Dois macaquinhos percussionistas


martelando minha cabeça, pá pá pá e não para. Levantei da poltrona e fui ao
cortador de palha para dar um trato na minha cabeça. Não exatamente no crânio,
mas sim na pele. Já estava ensaiado e tudo; falarei “cara, vê se corta essa porra ai,
mas cuidado com os caroços” e “quanto que é?” - no fim das contas estava
fechado e voltei fazendo careta. Fotofobia. Não nasci com a danada mas ela veio
junto com o tinnitus, o olho Ernesto Cerveró e o pré-seizure causado pelo proto-
acidente-vascular-cerebral. Para ser mais simples; a derrocada de um homem
perdendo seus neurônios pouco a pouco.

O início de tudo fora um coito interrompido. Receita federal na porta de casa,


justo na hora da minha punheta matinal. Não posso me enfurecer, pois a
enxaqueca ataca e é de horário integral. Acho que os porcos não perceberam o
volume na cueca, mesmo que eu tenha percebido uma mudança brusca de humor
em um deles. O imbecil olhou para baixo e deu uma de Clint Eastwood, arqueou a
sobrancelha esquerda e cuspiu no chão. “O filho da puta é sem vergonha, hein,
Ariagildo… O cara recebeu a gente de pau duro, porra” - De fato, mas não
entendo essa raiva com o meu teco-teco, a real vítima de toda essa merda.

Faça o que quiser comigo, mas não me interrompa enquanto o teco-teco estiver
trabalhando. “Teco-teco! Está na hora de afogar o golfinho; espancar o macaco;
descabelar o palhaço; agasalhar o patê!”, não querendo dar uma de falso
moralista, mas… olha, quem não brinca com o seu teco-teco, gente boa não é.

Essa minha enxaqueca, então, pode ter sido causada por um nódulo cerebral em
estágio primeiro, a luz do Sol batendo na minha testa ou uma raiva por não ter
gozado. Não vou ao médico para não quebrar minha rotina de reclusão. Coitado
dos meus vizinhos que aturam um recluso. Aposto como a vizinhança do João
Gilberto sentia nojo dele. Ao menos o Seu Gilberto fez seu nome na história. A
garotada gosta mesmo é de barulho e discussão familiar. Não me surpreenderia se
o senhorio não soubesse meu nome. É João.

Não gosto daqueles que não me chamam pelo nome mesmo dividindo parte do
seu tempo próximos a mim. Por exemplo um companheiro de faculdade. Qualquer
tipo de “fulano, mocinho, rapaz, carinha, menó, bichinho...” já me deixa puto. E
sim, a enxaqueca retorna com força. Pode parecer prepotente o “meu nome é
João, não (carinha)”, mas é uma questão de honra. Sim, uma honra boboca já que
meu nome está sujo. Ninguém liga, porra! Pessoas com enxaqueca têm fetiche em
atormentar a ira.

Então, em um estalo de tempo, deito de bruços no colchão como um remédio


natural para curar a enxaqueca. Não fecho os olhos, nem fico sonolento. Ah, é
dessa maresia que eu gosto. O saco estirado no lençol, sendo pressionado pelo
peso da mina pélvis e o ruído branco do ventilador de 1992 com nome de puta de
supermercado enquanto mariposas pousam na minha bunda cabeluda e a dor de
cabeça se aquieta. Sei que é momentâneo, mas quer saber...? É do caralho! Vou
acordar lá para as cinco da tarde.

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