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Direito e Paixao Luis Roberto Barroso
Direito e Paixao Luis Roberto Barroso
DIREITO E PAIXÃO
I. A PAIXÃO
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Artigo de Luís Roberto Barroso
Mas, retoma-se o raciocínio, este narcisismo supostamente
científico do mundo do Direito, excessivamente apegado à lógica formal e ao
racionalismo, jamais se considera espaço para reflexões que incorporassem valores,
princípios e conceitos de domínios menos ortodoxos. Como a psicanálise e os
limites insondáveis do inconsciente. Como o domínio das paixões.
Notem que falo de paixão, e não de amor. Com isto não quero
endossar a oposição ideológica que se faz entre amor e paixão, captada com
maestria por Maria Rita Kehl, “em que a paixão é representada como o momento
fulgurante – mas impossível – do encontro entre duas pessoas, enquanto o amor é
1 Adauto Novaes. Apresentação ao livro Os sentidos da paixão, coletânea, Funarte / Companhia das
Letras, 1987.
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visto como a água morna do dia-a-dia cinzento, com o qual somos obrigados a nos
conformar”.2
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propostos, é digno de registro que a palavra Direito assume, dentre outros, três
conteúdos: o de Ciência do Direito, o de Direito Positivo e o Direito Subjetivo.
Cada um desses domínios mobiliza diversamente o professor, o advogado, o
cidadão. E suas paixões.
1) A ciência do direito
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O mundo, tal como apreendido pela ciência, aspira à
objetividade. As conclusões a que se chegam, mediante a observação e a
experimentação, podem ser verificadas por qualquer outro membro competente da
comunidade científica. É que a racionalidade desse conhecimento procura despojar-
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se do emotivo, tornando-se impessoal na medida do possível.
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2) O direito positivo
11 Também os costumes constituem o direito positivo. Para não se percorrerem sutilezas inoportunas
nesta instância, equiparam-se, aqui, as idéias de direito positivo e de direito objetivo.
12 M. Seabra Fagundes, O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário, 1979, p. 20.
13 Roberto de Ruggiero, Instituições de direito civil, vol. I, p. 26. A estrutura lógica aqui referida aplica-
se, especificadamente, às normas destinadas a reger comportamentos sociais.
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Direito: “Governo de leis e não de homens”. A legalidade foi a superação do estágio
do poder absoluto, autoritário, enfeixado nas mãos do monarca. Além de instrumento
de produção das liberdades individuais, é possível identificar na lei um conteúdo de
relevo na busca de justiça social. Foi a constatação de Laccordaire, em passagem
célebre: “Na luta entre o forte e o fraco, entre o servo e o senhor, é a lei que liberta e
a liberdade que oprime”.
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futuro. No verso inspirado de Drummond: “O tempo é minha matéria, o tempo
presente, os homens presentes, a vida presente”.
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De repente, lá no fundo dos pilotis, alguém desfraldou uma faixa
impensável, radical, utópica, onde se lia: “Pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita”. Isto
em pleno Governo Geisel, que chegou a balançar por tentar abolir a tortura. Ainda
era tempo de censura e de cassações. Pois bem: não se passaram dois anos e veio
a anistia ampla, geral e irrestrita. E nós aprendemos ali, na luta, na prática, na vida,
que certos estavam os rebeldes franceses do chienlit, naqueles dias atônitos do final
da década de 60, com seu slogan desafiador: “Seja realista, peça o impossível”!
3) O direito subjetivo
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17 M. Seabra Fagundes, ob. cit., p. 169. Embora não haja referência do autor, esta definição
identifica-se, em seus elementos essenciais, com as de Ruggiero e Maroi, Michoud e Trotabas e
Ferrara (v. Caio Mario da Silva Pereira, Instituições de direito civil, vol. I, 1974, p. 42). Ela tem
conteúdo eclético, no sentido de que utiliza, conjugadamente, elementos da teoria da vontade, de
Windscheid, pela qual o direito subjetivo é o poder de ação assegurado pela ordem jurídica, e da
teoria do interesse, de Ihering, para quem ele é um interesse juridicamente protegido (v. José Carlos
Moreira Alves, Direito romano, vol. 1, 1987, p.104, e Caio Mario da Silva Pereira, ob. cit., p. 40-3).
18 É pertinente, aqui, o emprego da palavra faculdade, como fazem inúmeros autores, porque, em
verdade, o titular do direito pode fazer ou não uso da norma para exigir a efetivação da conduta
prevista. Faculdade designa, precisamente, a possibilidade de praticar ou não determinado ato, sem
um correspectivo dever jurídico de outrem (v. Arnold Wald, Curso de direito civil, vol. 1, 1962, p. 136).
19 V. José Carlos Moreira Alves, ob. cit., p. 103. Utilizou-se a idéia de direito subjetivo por seu caráter
universal e aceitação relativamente pacífica, apesar de objeções respeitáveis, como as de Hans
Kelsen e Leon Duguit, cujos fundamentos não cabem aqui comentar e aos quais não aderimos.
Aceitamos, todavia, que os direitos subjetivos sejam a espécie principal do gênero situação jurídica
subjetiva (ativa ou de vantagem), que compreende, também, pelo menos – para não avançar em
terreno polêmico – os interesses legítimos e as faculdades. Para aprofundamento dessa questão,
com ampla referência doutrinária, veja-se José Afonso da Silva, ob. cit., p. 153 e segs.
20 San Tiago Dantas, Programa de Direito Civil (Aulas proferidas na Faculdade Nacional de Direito,
1942 – 1945), s. d., p. 150.
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jurídica coloca à disposição de seu titular um meio jurídico – que é a ação judicial –
para exigir-lhe o cumprimento, deflagrando os mecanismos coercitivos e
sancionatórios do Estado.
21 Sobre o tema, v. Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo penal, vol. I, 1979, p. 298 e segs.
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intensos: amor, ódio, medo, glória, ciúme, cobiça, desespero, sede de justiça. Os
Tribunais são lugares de paixões revoltas, desencontradas.
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Estará sempre condenado a conviver com 50% de rejeição. No mínimo, porque às
vezes desagradará a todos ). O juiz há de ser o árbitro desapaixonado dos conflitos
de interesses.
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Mas o advogado não deve ser instrumento da provocação
injusta23, impondo-lhe, ainda, o Código de Ética, o “dever de urbanidade”, delineado
em capítulo próprio, explicitado nos seguintes dispositivos:
23 Lei nº 8.906/94, “Art. 34. Constitui infração disciplinar: … XV. Fazer, em nome do constituinte, sem
autorização escrita deste, imputação a terceiro de fato definido como crime”.
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Não em rimas – que, na prosa, não vai bem – mas em ritmo, em métrica, em
sonoridade.
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surpreendente, uma inspiração insuspeita, um momento de humor ou de ridículo, a
ser flagrado numa palavra. Não posso evitar algumas sugestões pessoais. Em meio
a tudo, não deixem de ler Fernando Pessoa. É o que de mais lindo já se produziu
em língua portuguesa. Não deixem de ler Mafalda, do Quino, porque nem tudo na
vida é erudição. Ser espirituoso é fundamental. Não deixem de ouvir Caetano Veloso
e sua constatação desconcertante de que “de perto, ninguém é normal”. Como
poucos, essa gente – em meio a tantos outros – professa, com fascínio e carisma, a
paixão pelas palavras.
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mais elevada reputação e vasta obra publicada. Nele se liam passagens como
estas:
“1. Porticum
‘No instante solene em que se descerram os reposteiros do ano
letivo da mais antiga das faculdades de Direito do País, e as
solarengas arcadas mais ainda se arredondam para acolher, em
maternal amplexo, a algaravia dos neófitos que se congraça
com a solércia dos veteranos.
(...) Nossa lucubração é assim uma homenagem a toda a
Faculdade, manirrota nas dádivas da diuturna generosidade (...)
graças a cuja seriedade e devotamento nossa heráldica ciência
passou a iluminar as eras e a nortear os povos...
(...) Mas o nosso testemunho fica manifestado, não obstante a
semente corra o risco de arrostar a canícula da preguiça mental
dominante e o vendaval desagregador do imediatismo e da
ambição”.
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terminologia próprios. Jamais minimizem a importância de empregar as palavras
adequadas para identificar as idéias que se quer expressar. Chamar coisas distintas
pelo mesmo nome, ou coisas iguais por nomes diversos, inviabiliza a produção e
transmissão do conhecimento. Não se esqueçam que é a palavra, a linguagem, a
capacidade de comunicação verbal e escrita que distinguem o homem dos outros
animais e o fazem instrumento da civilização.
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(...) A gente já nasce numa língua periférica, escrever uma coisa
em português e ficar calado mundialmente é mais ou menos a
mesma coisa”.
“O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha
aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.
O Tejo tem grandes navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está
A memória das naus.
O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E de onde ele vem.
E por isso, porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia”.
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Há uma bonita passagem em “O Pequeno Príncipe”, um livro
simpático, desmoralizado por gerações de misses iletradas. É um diálogo entre a
raposa e o príncipe, que assim corre:
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pressa outro escravo, diz-lhe ao ouvido rápidas palavras, agarra
o machado, separa-lhe a cabeça, e berra. ‘Vai!’. Esquecera-lhe
algum detalhe no seu pedido ao Mulungu ... O segundo escravo
era um pós-escrito ... Esta maneira simples de comunicar com
Deus deve regozijar o seu coração.”
IV. CONCLUSÃO
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