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A FILOSOFIA NO MUNDO ANTIGO

A Cidade Ideal e a Justiça

Unidade Escolar Anísio Brito


Profa. Maria Ilda Santana de Sousa
Unidade Escolar Anísio Brito
Educação de Jovens e Adultos

A CIDADE IDEAL E A JUSTIÇA

Platão (427-347 a.C.) afirma que o homem somente pode ser livre na pólis1,
participando da vida e dos assuntos da cidade. Além disso, como os conceitos de
indivíduo e cidadão se identificam, a ética é uma parcela essencial da política. Antes
de avançarmos nessa discussão, é necessário estabelecermos
alguns conceitos.
Platão foi discípulo de Sócrates e herdou a crença de
que o conhecimento se constrói por meio do diálogo. Quase
todas as obras de Platão são escritas dessa forma.
Geralmente, Sócrates é o personagem principal e as ideias são
Platão
expostas e discutidas por ele e seus interlocutores. Elas partem
de definições que se aproximam do assunto tratado até chegar a uma concepção que
expresse mais perfeitamente o conceito a ser construído.
Essa maneira de lidar com o conhecimento é um dos aspectos da dialética
platônica. Não há uma definição simples para a palavra “dialética”, no entanto, nesse
caso específico, ela pode ser entendida como uma conversação quanto como uma
divisão lógica que separa conceitos e proposições para analisa-los particularmente e
reconstituí-los, formando conceitos gerais que permitem uma aproximação dos
princípios primeiros do conhecimento.
Para que possamos compreender melhor essa ideia, é importante lembrarmos
que Platão possuía uma visão dualista da realidade. O que isso quer dizer?
Para ele, a realidade que se apresenta a nós é apenas a cópia de uma outra,
que é perfeita e imutável. Nós estamos presos ao mundo, que é corruptível2 e
imperfeito, e por isso não vemos plenamente a verdade. O mundo em que vivemos é
denominado por Platão de mundo sensível, pois é fruto das sensações e percepções
que possuímos das coisas ao nosso redor.
Para a maioria dos críticos da obra de Platão, a realidade para ele estaria em
outro lugar, conhecido como mundo das ideias ou mundo inteligível. Neste, residiria
a verdadeira essência de tudo que há, pois se trata de um mundo constituído pelas

1 Era como se denominavam as antigas cidades-Estado gregas, cidades que tinham autonomia e a
soberania de Estados independentes. Essa concepção dura desde o período arcaico (séculos VIII
a.C. a VI a.C.) da história grega até o período clássico (séculos V a.C. a IV a.C.), somente perdendo
força com a dominação romana.
2 O que pode ser corrompido; aquilo que se desgasta com o tempo.
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formas, que são eternas e imutáveis. Praticamente, toda a filosofia platônica irá
partilhar desses princípios, levando-nos a constatar que sua visão ético-política
passará por essa compreensão.
O mito da caverna, ilustra justamente essa divisão. O mundo exterior
representa o mundo das ideias, e o ambiente da caverna, o mundo sensível. O homem
que é libertado e realiza a trajetória de ida e volta entre os dois mundos representa o
filósofo.
É justamente ele que, dotado do conhecimento propiciado pela razão, se afasta
das aparências do mundo sensível tomadas como reais e se aproxima do verdadeiro
que conhecimento que reside nas essências do mundo inteligível. É ele que vê a ideia
do bem, representada no mito pela figura do Sol. Por isso é o mais apto a conduzir
todos para a verdade e para a justiça.
Na concepção platônica, a cidade deveria ser governada por filósofos, pois
seria quase impossível separar filosofia da vida política. O filósofo garantiria que a
cidade fosse conduzida por meio da justiça. Na verdade, sua obra A República é
concebida para responder a questões que para ele são primordiais: o que é a justiça?
Quais as características da cidade justa?

Cidade ideal para Platão, valorizando a ideia de perfeição e de regularidade do mundo das
ideias, com construções simetricamente dispostas.

Da mesma maneira que Sócrates, Platão crê que o filósofo possui um papel
articulador de extrema importância na sociedade. Por isso, é preciso que a
contemplação elevada das coisas inteligíveis não seja a única ocupação do filósofo, é
preciso que ele olhe para a cidade e seus negócios de maneira a contribuir com ela e
reforma-la. Não se trata aqui de uma reforma física. A cidade, para Platão, está sob o
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comando dos impulsos irracionais de grupos que a governam segundo seus


interesses e emoções. A cidade ideal é fruto de um processo de limpeza e
reconstrução da cidade corrompida pelas ações mutáveis e injustas dos homens.
Somente o filósofo, guiado pela racionalidade, seria capaz de realizar essa tarefa. Ele
seria como um pintor que vê a realidade no mundo das ideias e a desenha no mundo
sensível, comparando a um modelo que é justo em sua essência.
Diferentemente da matéria, as ideias não se corrompem, e a construção de
uma sociedade justa deve seguir a regularidade existente no mundo das ideias, pois,
se sua inspiração fosse tomada no mundo sensível, guardaria as imperfeições que
este mundo carrega, como as sombras que haviam dentro da caverna. Portanto, a
ideia primordial de uma reforma da cidade consiste na imitação do estado social mais
perfeito.
A política, assim, não é o mero exercício do poder: é a realização da justiça
para o bem comum da cidade. Justamente por isso, só pode existir liberdade civil
dentro desse contexto, ou seja, a civilidade é algo que se dá e se conquista entre
cidadãos. Não é possível pensar eticamente em um ambiente onde não haja
organização política e leis preestabelecidas. Desse modo, a moral privada do
indivíduo é inferior à ética pública, pois esta também só é possível dentro da pólis.

Brasília é uma cidade que foi planejada, mas isso não a define como cidade ideal, visto que
apresenta os mesmos problemas socioeconômicos daquelas cidades que se formaram e
cresceram espontaneamente.

Mas como chegar a esse nível de comprometimento dentro da cidade?


O que se nota de maneira muito precisa e eficaz nas concepções políticas de
Platão é a importância do processo de formação dos indivíduos. Para ele, a educação
desempenha um papel central na reforma da cidade. Os futuros cidadãos devem ser
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educados para o bem da coletividade e serem designados para as atividades vitais da


cidade por meio da aptidão que apresentam para exercer determinadas funções.
A palavra grega que corresponde a educação é Paideia. Porém, essa palavra
possui um sentido muito amplo, pois também significa a própria cultura construída por
meio da educação. Trata-se de uma formação integral que insere o indivíduo no modo
grego de compreender as coisas e a sociedade que o cercam.

Uma educação consciente pode até mudar a natureza física do Homem e


suas qualidades, elevando-lhe a capacidade a um nível superior. Mas o
espírito humano conduz progressivamente à descoberta de si próprio e cria,
pelo conhecimento do mundo exterior e interior, formas melhores de
existência humana. (JAEGER, 2003, p. 3).

Para Platão, a política é a verdadeira e suprema Paideia. Da mesma maneira


que o cidadão deveria ser educado para a vida na cidade, a formação do governante
deveria ser mais precisa e criteriosa. Platão não concebia outro modo de construir
uma cidade justa, senão acompanhar muito proximamente a formação do governante
ideal. Para isso, descreve um processo bastante complexo e demorado para a busca
daqueles que estariam aptos a desempenhar esse papel.
Na cidade platônica, haveria três classes sociais: a classe econômica, formada
por agricultores, comerciantes e artesãos; a dos guerreiros ou guardiões, que
desempenhavam as atividades militares; e a dos magistrados, que exerceriam o
governo e as atividades legislativas. Até os 7 anos, todas as crianças receberiam a
mesma educação. A partir dessa idade seriam selecionadas a cada período específico
de tempo. Os que mais se destacassem receberiam a educação destinada à classe
imediatamente superior à que pertenciam. A educação do governante, que pertenciam
à classe dos magistrados, passaria pela de todas as outras e só se daria por completa
em torno dos 50 anos. Com isso, Platão acreditava que os governantes estariam
preparados para pensar nos bens públicos antes de pensar em governar segundo
seus desejos particulares.
A visão política de Platão segue a lógica de que a sociedade justa é aquela que
é conduzida de maneira racional e não por impulsos, cobiça e favorecimentos. No
decorrer de sua obra, ele não se preocupa se esse modelo ideal da cidade seria de
fato utilizado, mas em sua vida se preocupou muito em tentar alterar as atitudes dos
governantes tiranos que viveram em sua época, como Dionísio e Dion.
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Há nele uma preocupação explícita em aliar o conhecimento à realidade. Sua


filosofia não intencionava apenas uma mera contemplação do mundo, mas uma
imitação dos ideais de justiça e ética localizados no mundo inteligível. Sendo assim, a
teoria das ideias de Platão não é apenas um simples idealismo. Na verdade, podemos
entendê-la como um “realismo das ideias”, já que, para ele, estas constituem uma
realidade autônoma (o mundo inteligível), realidade que existe por si mesma e não
está somente em nosso pensamento.

PARA REFLETIR

Em um dos diálogos de A República, um homem chamado Glauco, um dos


interlocutores de Sócrates no livro, defende a ideia de que a justiça somente é
praticada porque os homens temem as consequências de não terem sido justos.
Assim, o importante não seria ser realmente justo, mas apenas parece-lo. Para
explicar sua visão, ele narra o Mito do Anel de Giges.

Durante uma tempestade o pastor Giges se refugia numa caverna onde


encontra um anel de ouro. Ele vai para a corte, onde os pastores devem
prestar contas ao rei. Por acaso, ele gira o anel no dedo e fica invisível. Ele
chega ao palácio, seduz a mulher do rei, usa o anel para ficar invisível e matar
o rei. Toma o poder e passa a governar sem que ninguém saiba que usou
meios fraudulentos. Conclui Glauco: não é preciso ser justo, basta parecer
justo (CHAUÍ, 2002, p. 305).

A música “quatro vezes você” da banda Capital Inicial, de certa forma, também
fala das coisas que fazemos quando não temos olhares para nos repreender.
Seríamos realmente livres e justos se pudéssemos ser invisíveis? Vejamos a letra da
canção:
Quatro vezes você
Alvin Lee
Rafaela está trancada há dois dias no banheiro,
Enquanto a sua mãe,
Toma prozac, enche a cara
E dorme o dia inteiro.
Parece muito, mas podia ser.

Carolina pinta as unhas roídas de vermelho,


Em vez de estudar
Fica fazendo poses
Nua no espelho.
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Parece estranho, mas podia ser.

O que você faz quando


Ninguém te vê fazendo
Ou o que você queria fazer
Se ninguém pudesse te ver.

Gabriel e a namorada se divertem no escuro


E o seu pai
Acha tudo que ele faz
Errado e sem futuro.
É complicado, mas podia ser.

Mariana gosta de beijar outras meninas,


De vez em quando
Beija meninos
Só pra não cair numa rotina
É diferente, mas podia ser.

O que você faz quando


Ninguém te vê fazendo
Ou o que você queria fazer
Se ninguém pudesse te ver.

Após a leitura dos dois textos, responda às questões:


1. Qual o papel da invisibilidade na interpretação do Mito do Anel de Giges?
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2. Você concorda com Glauco? Justifique sua resposta.
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3. Que relações podemos fazer entre o Mito do Anel de Giges e a música “Quatro
vezes você”?
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4. Você considera justas as atitudes que ocorrem na música? Por quê?
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5. Levando em consideração os textos e as questões anteriores, o que caracterizaria
então o ser humano justo?
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