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INTRODUÇÃO ÀS

CIÊNCIAS SOCIAIS

Daniela Ferreira
P100 | ANTÓNIO JOSÉ MIGUEL CAMEIRA | FPCE-UP
Enquadramento das Ciências Sociais
(A) A emergência do pensamento sobre a sociedade
Antecedentes Filosóficos, Sociopolíticos e Ideológicos

1. PRÉ-HISTÓRIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

1.1 SÉCULOS ANTES DE CRISTO.


Foram os gregos que deram os primeiros passos nas ciências sociais a partir da filosofia,
mais concretamente no pensamento e na preocupação acerca da política – note-se que,
neste contexto, política adquire um significado especial visto que polis = cidade.
Política seria, então, o modo como se vivia na cidade – a sociedade, termo abstrato, cor-
porizava-se na cidade – especialmente em Atenas.

1.1.1 Platão [séc. V a.C.]


Platão, aluno de Sócrates e professor de Aristóteles, é um dos filósofos gregos mais co-
nhecidos e estudados até aos dias atuais, visto que foi um dos filósofos mais conscientes
do modo como a filosofia deveria ser concebida. Atualmente seria descrito como um fi-
lósofo racionalista - pois parte de uma definição de raciocínio como uma operação mental
discursiva, pautada pela lógica e utiliza proposições para extrair conclusões -, realista –
em relação à existência de universais, as formas ideias -, idealista – com a sua teoria das
ideias, na qual a verdadeira realidade estaria no mundo das ideias, sendo acessível apenas
à razão – e dualista – conceção baseada na existência de duas substâncias irredutíveis
uma à outra.
(1) Refletiu sobre a sociedade grega.
Concluiu que a polis real tende a ser corrupta porque o interesse particular sobressai ao
público – essa corrupção é gerada pelo egoísmo. Percebeu também a existência de uma
confusão de papéis sociais e inerente desorganização social.
(2) Uma cidade ideal necessitava de ter uma separação estrita entre função de-
fensiva, económica e governativa semelhante ao equilíbrio existente na alma
humana entre o coração, o desejo e a razão.
Platão estabelece uma ordem da sociedade, dividindo-a por funções sociais. A conclusão
sobre a sociedade perfeita de Platão é simples: todos teriam oportunidades iguais, porém
ocupando cargos diferentes na sociedade.
FIGURA 1 - ESQUEMA DA ORGANIZAÇÃO SOCIAL NA REPÚBLICA DE PLATÃO

(3) Adquire então uma perspetiva estritamente política.


Para combater a corrupção as crianças deveriam ser retiradas de suas casas, pois era den-
tro delas que se tinha noção do particular que favorecia o egoísmo. Essas crianças seriam
educadas por filósofos.
Platão defende que uma relação entre o estado e a educação – onde esta tem uma função
esclarecedora. Para ele, o homem que se distancia das normas da justiça é considerado
desonroso, visto que a justiça é um direito anterior a todos os outros direitos, ela precede
a política – os males do mundo só terão fim com o retorno do homem justo.

1.1.2 Aristóteles [Séc. IV a.C.]


Discípulo de Platão, foi um filósofo grego do século V a.C. cujo trabalho se estende por
todas as áreas da filosofia e ciências conhecidas do mundo grego. É referido por Dante,
na Divina Comédia, como o “Mestre dos que sabem”.
(1) Perspetiva teológica
Na perspetiva teológica coisas têm uma finalidade inerente – tudo tem um objetivo e um
propósito – que se realiza na sua atividade.
Para Platão, os seres humanos entregam-se a comportamentos com propósitos – fazemos
coisas com razões e agimos tendo fins em vista. Aristóteles considera existir algo de re-
levantes nestas facetas relacionadas do comportamento, que fazemos coisas por razões e
que as nossas razões podem subordinar-se a razões de ordem superior até chegarmos a
uma razão final e última subjacente a todas as nossas ações intencionais.
(2) O homem como um animal político
O homem é intrinsecamente social, ou seja, é levado pela sua natureza a viver em socie-
dade. Um homem que não viva em sociedade ‘ou é um monstro, ou é um deus.’
O homem é um animal da polis [cidade, em grego] e por isso é um animal que tem a
tendência para constituir uma cidade, que é a mais perfeita das comunidades e não uma
qualquer sociedade. Então Aristóteles afirma:
“Aquele que não tem polis, naturalmente e não por força das circunstâncias, é
ou um ser degradado ou está acima da humanidade.”
A exigência da perfeição, a procura do bem melhor, a tendência para a realização daquilo
que é o seu bem impelem o homem para a polis. Aristóteles considera que a polis é um
bem maior e não apenas uma consequência da satisfação das necessidades vitais.
(3) Sociedade preexistente ao individuo
Acredita que a sociedade é um fenómeno natural preexistente ao indivíduo: ou seja, está
representada na mente humana; sem sujeitos não existiria sociedade, graças ao inacaba-
mento humano que se prolonga – papel importante da cultura.
A sociedade é por natureza anterior à família e a cada um de nós individualmente. Ou
seja, o todo é necessariamente anterior à parte.
(4) Conceção orgânica da cidade
Uma cidade é constituída por partes diferentes [escravos, artesãos, homens livres], indi-
víduos com funções diferentes graças às suas capacidades diferentes, mas que constituem
um todo.
A propriedade particular é de importância fundamental para que uma cidade possa pros-
perar, visto que o homem cuida melhor do que é seu do que aquilo que pertence a todos.
A polis ideal é aquela que possa garantir não só o cumprimento das leis, mas também a
felicidade dos seus cidadãos e famílias – defende a aristocracia. Porém isto não deve eli-
minar o sentimento de pertença a um grupo essencial numa cidade até porque o todo é
mais do que a soma de todas as partes.

1.2 SÉCULO V – SÉCULO XIII.

1.2.1 Santo Agostinho


Santo Agostinho nasceu em Tagaste, norte de África, no dia 13 de novembro do ano 354
d.C. Era um ‘pecador’ – não-cristão - e converte-se mais tarde ao Cristianismo.
(1) A fronteira entre as duas sociedades atravessa o coração de individuais ho-
mens e mulheres, não podem ser distinguidas e identificadas neste mundo.
Escreveu o livro ‘A Cidade de Deus’, onde faz a separação entre duas cidades simbólicas:
a cidade terrestre – onde existe o amor-próprio e o desprezo a Deus – e a cidade celestial
– onde o amor próprio é posto de lado em função do amor a Deus. A separação entre
estas duas cidades passaria pelo coração dos homens: pela crença em Deus.
(2) É dada à Humanidade uma segunda oportunidade – depois do pecado origi-
nal.
Há o dever de aceitar as imperfeições da cidade terrestre – que nasceu desse pecado – e
submeter-se às suas regras, por mais injustas que sejam, vivendo nelas como forasteiros
[peregrinos], na esperança da redenção e da passagem para a cidade celeste.
(3) ‘A Cidade de Deus’ é tanto uma filosofia da história, como uma teoria do
Estado e da vida social, um resumo das relações entre o espiritual e o tempo-
ral.
Os crentes que vivem na Cidade Terrestre, sujeitos às suas normas, devem viver como
forasteiros numa cidade. Quando Roma é tomada pelos Visigodos, Santo Agostinho
afirma que Roma estará sempre destinada ao enfraquecimento.

1.2.1.1 Racional da Doutrina Social da Igreja até ao Século XIX

(4) A obra proporciona uma visão lógica e ordenada da existência humana.


A obra não é de fácil interpretação, levando a várias simplificações: a corrupção da ideia
de Santo Agostinho deu a possibilidade de identificar na cidade os corruptos – os ‘não-
cristãos’ – símbolo da cidade terrestre, e o símbolo da cidade celestial: os cristãos.
(5) Este racional da igreja católica manteve-se até ao século XIX e teve conse-
quências.
A sociedade e a Natureza seriam obras de Deus. Não valeria a pena analisá-las e fazê-lo
seria um sacrilégio. Existe então a interdição de qualquer tentativa de refletir sobre os
fundamentos da vida em sociedade.
A humanidade seria então uma entidade única, com um determinado percurso: génese,
travessia e juízo final – este imaginário foi muito bem aceite.
(6) Existe uma visão dicotómica da sociedade.
A sociedade pode ser vista, nesta altura, como “preto ou branco”. Permanece a ideia que
a qualidade de Crente é a base dos direitos civis e, portanto, a divisão principal baseia-se
no: Crentes vs. Ímpios; sendo que estes não têm possibilidade de redenção.
Surge, no ano 534, as Leis Judaicas de Justiniano – os judeus são vistos como cidadãos
de segunda. E em 1452, o Papa Nicolau V permite que os portugueses escravizem os
indígenas das terras recém-descobertas – exceto os que se converteram.
(7) Interpenetração dos poderes temporal e religioso
Defende que o Rei é o representante de Deus na Terra; este efeito atingirá o auge na
Europa com o Absolutismo do século XVIII.

1.2.2 Antecedentes Políticos


Relações entre o poder religioso e o poder temporal:
(1) Século V
Queda do Império Romano > Supremacia da Igreja > Submissão dos Monarcas à
Igreja de Roma

O Império Romano entrou em crise sobretudo após o colapso do sistema escravista, o que
acabou por provocar uma decadência dos centros urbanos e da atividade comercial nas
cidades. Outro fenómeno que ganhou proporção com a crise do Império foi a ascensão do
Cristianismo – os cristãos, que já habitavam os domínios do Império há bastante tempo,
passaram a crescer numericamente - este facto levo o Imperador Constantino a instituir o
cristianismo como religião principal do Império Romano, tendo ele próprio se convertido.
(2) Séculos XIII – XVI
Disputas de monarcas à supremacia da igreja > Desenvolvimento do antigo regime:
sistema social, político e económico tendo no centro o rei e a aristocracia
Na transição da Idade Média para a Idade Moderna, as monarquias que se colocavam no
domínio político dos nascentes Estados associaram a nobreza para integrar o corpo aris-
tocrático que incluía ainda o clero, assim, juntamento com o estabelecimento do absolu-
tismo, também se consolidou o Antigo Regime.
Este regime dividia a sociedade em três estados: o clero, a nobreza e o povo – acima de
todos eles estava a figura absolutista do monarca (rei) que comandava todos eles.
(3) Séculos XVI – XVIII
Enfraquecimento da igreja e da nobreza > Emergência da monarquia de direito di-
vino.
Com o enfraquecimento do poder do clero e da nobreza, começa a surgir o Direito Divino
dos Reis, ou seja, acreditava-se que aquele que reinava tinha esse direito por ter sido
coroado por Deus. Este Direito Divino dos Reis garantia a legitimidade e soberania do
monarca no Estado.

1.3 PARALELAMENTE OCORRE…


1.3.1 Renascimento Cultural Europeu
Com a tomada de Constantinopla em 1453, os intelectuais bizantinos refugiam-se em
Itália, a partir de onde fundem a cultura clássica da Europa.
A importância do Renascimento prende-se com o facto de ter sido apresentado como uma
rutura com o mundo medieval que estava a agonizar a Europa, baseando as suas caracte-
rísticas na cultura greco-romana da Antiguidade Clássica. Dessa forma, o Renascimento
foi uma rutura com a Idade Média, mas que dependeu do trabalho de muitos eruditos
deste período para florescer, devido ao trabalho de preservação e reprodução das obras
dos pensadores da Antiguidade.

1.3.2 Reforma Religiosa


Em 1522, Lutero fez a primeira tradução direta do Novo Testamento iniciando o movi-
mento Reformista.
(1) Questionar a perspetiva da Igreja
Desenvolvimento de um espirito inquisidor sobre a Natureza, livre dos dogmas da
igreja > Surgimento de ideias que questionam e desafiam a perspetiva da igreja sobre a
sociedade.
No final da Idade Média surgiu um forte espírito nacionalista que se desenvolveu em
vários países onde a figura da Igreja já estava em descrédito. Esse espírito nacionalista
foi estrategicamente explorado por príncipes e monarcas, empenhados em aumentar os
poderemos monárquicos.
Ao traduzir a Bíblia para outras línguas, vislumbrou-se a possibilidade de cristãos e não
cristãos interpretá-la sem mediação, recebendo conhecimento imediato sobre o
cristianismo e suas verdadeiras práticas. Através da tradução da Bíblia para o idioma
alemão, o número de adeptos às ideias de Lutero aumentou largamente; e, por outro lado,
o poder da Igreja diminuiu consideravelmente.
Seus ideais reformistas religiosos desencadearam revoltas e assumiram dimensões politi-
cas e socioeconômicas que fugiram do seu controle. A revolta social instalou-se e o des-
contentamento foi geral

1.3.3 As Grandes Ruturas


(1) Revolução Intelectual e das Mentalidades [Iluminismo]
O Iluminismo foi um movimento global – filosófico, político, social, económico e cultural
– que defendia o uso da razão como o melhor caminho para se alcançar a liberdade, a
autonomia e a emancipação. Teve como centro a cidade de Paris.
O nome ‘Iluminismo’ faz uma alusão ao período vivido até então, desde a Idade Média –
um período de trevas, no qual o poder e o controle da Igreja regravam a cultura e a soci-
edade, censurando as “ideias perigosas”.
Este não foi um movimento homogéneo, ou seja, não se trata de um conjunto de ideias
sistemáticas; trata-se de uma postura e mentalidade em comum que envolve intelectuais
da época que procuravam, acima de tudo, deixar-se guiar pelas ‘luzes da razão’, para
darem a sua contribuição ao progresso intelectual, social e moral.
(2) Revolução Político-Ideológica [Revolução Francesa]
A situação social era tão grave o nível de insatisfação popular tão grande que o povo foi
às ruas com o objetivo de tomar o poder e arrancar do governo a monarquia comandada
pelo rei Luís XVI. A Queda da Bastilha em 14 de julho de 1789 marca o início do processo
revolucionário, pois a prisão política era o símbolo da monarquia francesa. O lema dos
revolucionários era “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”.
(3) Revolução no sistema de produção económico [Revolução Industrial]
A revolução industrial foi uma profunda transformação econômica, tecnológica, política
e social. A Revolução Industrial ocorreu na Inglaterra, em meados do século XVIII, dando
início à era do capitalismo.
A transição do artesanato, da manufatura para as máquinas e indústrias, originou a
produção acelerada, em série, resultando em grandes lucros, e muita mão-de-obra
disponível e barata. Influenciou também as relações sociais, dividindo-as em duas classes,
a dos proprietários e dos operários.

1.3.4 O espírito do Iluminismo


(1) Tinha como objeto de estudo o individuo.
Como FORTES [1985] defendia: “o espírito do nosso século parece ser da liberdade” e
“O que caracteriza as luzes, além da valorização do homem [...] é uma profunda crença
na Razão humana e nos seus poderes”, o que quer dizer que o homem não se deveria guiar
pelos pensamentos de outrem, mas pensar por si só.
Existe, portanto, uma crença na perfetibilidade do homem e da sociedade, ou seja, o Ilu-
minismo acredita na progressão da raça humana e por esse motivo há uma preocupação
com os Direitos do Homem – principalmente o direito de ser livre da opressão e corrupção
dos governos.
(2) Respeitava determinadas virtudes, tais como:
a) Ceticismo – é o estado de quem dúvida de tudo, de quem é descrente. Um indivíduo
cético caracteriza-se por ter predisposição constante para a dúvida, para a increduli-
dade.
b) Racionalismo – teoria filosófica que dá prioridade à razão, como faculdade de conhe-
cimento relativamente aos sentidos.
c) Naturalismo – movimento artístico-cultural que atingiu as artes plásticas, a literatura e
o teatro; é considerado uma ramificação radical do Realismo visto que tem o objetivo
de retratar exatamente a realidade.
d) Tolerância – ato de indulgência perante algo que não se quer ou não se pode impedir.
e) Liberdade de Pensamento – direito de pensar segundo o seu livre arbítrio.
(3) Detestava vícios como:
a) Ignorância – estado da pessoa desprovida de conhecimentos, sem cultura; e/ou com-
portamento carregado de grosseria;
b) Superstição – presságio infundado e vão, tirado de acontecimentos meramente fortui-
tos
c) Intolerância – intransigência a diferentes opiniões
d) Tirania – opressão, crueldade e abuso de poder.
(4) “Ousar saber”
O Iluminismo substitui também o supranatural pelo natural, a Igreja pela Ciência, o de-
creto divino pela lei natural e os padres pelos filósofos.
Como Kant refere: “Tem a coragem de te servir do teu próprio entendimento”. Este asse-
vera ainda que o homem não pode renunciar ao esclarecimento, pois esse é um direito
sagrado da humanidade, e não pode ser um governante a decidir sobre o esclarecimento
do seu povo – o governante deve ser a fonte para a busca do esclarecimento.
(5) Exaltação da Razão
Como já foi referido anteriormente, o Iluminismo exalta a razão guiada pela experiência,
vendo esta como um instrumento de resolução de todos os problemas sociais, políticos e
religiosos.
“Agora é o momento da razão, guiada pela experiencia, atacar em sua fonte os preconcei-
tos de que a humanidade vem sendo vítima, há tanto tempo… Pois ao erro é devida a
escravidão em que a maior parte das pessoas caiu… Ao erro são devidos os terrores reli-
giosos que envolvem o homem com medo ou faz com que massacre outros homens por
ilusões. Ao erro são devidos os ódios inveterados, as perseguições bárbaras, a continuada
mortandade e as tragédias revoltantes.” – Holbach, 1770

1.4 TEORIAS DO CONTRATO SOCIAL: HOBBES, LOCKE E


ROUSSEAU
Estas teorias refletem o espírito do Iluminismo centrado no individuo e na razão;
recusam o carácter natural da Sociedade - defendido por Platão e Aristóteles – e também
o seu caracter divino – acreditado por Santo Agostinho.
Para os Iluministas, toda a sociedade resulta da decisão dos indivíduos que a com-
põem de deixar o estado natural, de se associarem livremente e delegarem o poder num
governo. A sociedade surge, portanto, como subordinada à vontade dos indivíduos.
Assume-se assim que, para ser funcional, a sociedade tem que se fundamentar em
convenções sobre os direitos, os deveres e as liberdades dos indivíduos – o contrato social.
Resumindo, a sociedade surge como algo voluntário: os homens, no seu estado
natural, têm tudo o que necessitam – individualidade, liberdade, etc. – no entanto, deci-
dem abandonar parte disso e constituir uma sociedade, que surge como algo formal – com
normas convenções e leis – está então criado o contrato social.
Resumindo, um contrato social é uma contrato simbólico, onde o individuo abdica
da sua liberdade para se submeter à proteção do estado.

1.4.1 Thomas Hobbes


O primeiro filósofo moderno a articular uma teoria detalhada do contrato social, com a
sua obra ‘Leviatã’, escrita em 1651, Thomas Hobbes foi um filósofo inglês do século
XVII, reconhecido como um dos fundadores da filosofia política e da ciência política
moderna.
(1) Recusa a noção aristotélica de ‘animal político’
O homem, no seu estado natural, seria um individuo belicoso – em constante guerra, fa-
zendo valer a lei do mais forte. Assim, se não existir sociedade, o Homem estaria em
permanente conflito.
Como nenhum individuo pode estar certo de ser sempre superior aos outros, surge a ne-
cessidade de um Leviathan [Deus Mortal], ou seja, uma autoridade superior na qual cada
individuo aceita delegar o seu poder natural.
1.4.2 John Locke
John Locke foi um importante filósofo inglês. É considerado um dos líderes do empirismo
e um dos precursores do liberalismo político e do iluminismo.
(1) Perspetiva mais otimista
Na sua obra ‘Tratado do Governo Civil’ de 1690, Locke adota uma perspetiva mais oti-
mista dizendo que o ser humano é naturalmente sociável; é regido no seu estado natural
por um direito inato e racional.
No entanto, e dada a ausência de garantia de respeito pelo direito natural leva à renuncia
do poder natural [força] e delega-o num Governo Civil. Defende a monarquia parlamen-
tar, contudo, é apologista da relativização do poder dos governantes – Bill of Rights.
Critica todas as formas de absolutismo e defende o direito de rebelião dos povos.

1.4.3 Jean-Jacques Rousseau


Foi um dos principais influenciadores da formação do pensamento político e educacional
moderno com grande importância na obra “O Contrato Social” [1762]
(1) O aparecimento da ciência coincide com o declínio da moral
No seu estado natural, o humano é pacífico e bom: livre, feliz, honesto, sadio. No entanto,
surge o direito de propriedade e origina guerras e conflitos entre os indivíduos. Então, a
passagem para um estado civil que garanta os direitos individuais torna-se necessária e
útil.
Esta passagem ao estado civil implica a limitação da liberdade individual à vontade geral:
“A partir do momento em que um povo se atribuir representantes, esse povo deixa
de ser livre.”

1.5 REVOLUÇÃO FRANCESA (1789)


É considerado um ponto de viragem política – a primeira queda da monarquia
absolutista. Tinha como ideais: igualdade, fraternidade e liberdade – diferente da socie-
dade hierarquizada da idade média. Luta contra o Antigo Regime e dá-se com o rei morto
– decapitado – e nasce a república.
O individuo relaciona-se com o estado sem intermediários [ideia do contrato so-
cial] – por oposição à sociedade ‘antigo regime’ em que entre o individuo e o poder estão
imensos intermediários [igreja, administração, corporações, instituição familiar].
Estes novos ideais negam a estrutura hierárquica do antigo regime e pretendem
manter o estado natural dos indivíduos – o ser humano é altruísta, não precisa da proteção
do governo. Atacam também a instituição familiar. Começa assim uma época de mudan-
ças radicais.
2. NO RESCALDO DA REVOLUÇÃO
Pensamento sobre a sociedade no século XIX

2.1 DEPOIS DA REVOLUÇÃO [INICIO DO SÉC. XIX]


Enquanto a igreja dominava era necessário cumprir os dogmas – não pensar, nem
raciocinar, apenas acreditar.
(1) Derrota de Napoleão na Rússia
Napoleão Bonaparte defendia a ideia de que a ideologia revolucionária teria de se
espalhar e, portanto, tentou fazê-lo. No entanto, em 1812, no auge do seu poder e influ-
ência na Europa, Napoleão invadiu a Rússia com o seu Grande Armée [exército imperial].
Conseguiu fazer o exército russo recuar bastante, até que em setembro Fyodor
Rostpchin [o governador russo] ordenou que Moscou fosse queimada. Em outubro, sem
possibilidade clara de uma vitória, Napoleão começou a desastrosa retirada do seu exér-
cito da Rússia.
Os franceses tentaram chegar à cidade de Kaluga, onde poderiam encontrar co-
mida e outros suprimentos, no entanto o exército russo bloqueou o caminho, sendo Na-
poleão forçado a retirar-se pelas áreas destruídas. O seu exército foi apanhado no meio
do inverno russo e para além de sofrer com o frio, sofreu também com a falta de alimentos
e com as constantes ações de guerrilha dos militares russos.
(2) Congresso de Viena (1815) – Santa Aliança
Assim que o Império Napoleônico ruiu, os reinos reuniram-se no Congresso de
Viena para reorganizar o mapa político da Europa. Daí surge a Santa Aliança, ou seja, um
tratado que tinha por objetivo contar a difusão do ideário revolucionário francês, semeado
por Napoleão Bonaparte.
Surgem também na altura, múltiplas convulsões políticas e sociais marcadas pelo
antagonismo entre adeptos da Repúblico e os do Antigo Regime.
(3) Avanço da Revolução Industrial e do Capitalismo
Paralelamente aos acontecimentos descritos em (1) e (2), ocorre um avanço da
revolução industrial e do capitalismo. Começa a evidenciar-se a urbanização [processo
de transformação das características rurais de uma localidade ou região para característi-
cas urbanas] e dá-se uma estratificação socioeconómica – surge a burguesia [proprietários
do sistema de produção] e o proletariado [classe social mais baixa formada dentro das
sociedades industrializadas]. Anteriormente a tendência era para se ser autossuficiente.
As máquinas a vapor são a nova energia e viram a substituir tudo visto que é ines-
gotável e possível de se colocar em qualquer lugar. A criação de aglomerados populacio-
nais comerciais trazem a necessidade de capital – surge o capitalismo [anteriormente, o
sistema económico baseava-se na terra].
(4) Duas linhas de pensamento
Dá-se também uma mudança de paradigma no pensamento da sociedade e, portanto, for-
mam-se duas linhas de pensamento:
a) Conservadorismo: é uma reação contra ao espírito do iluminismo e permanece contra
os valores modernistas da revolução e do capitalismo industrial. É uma forma de
pensar tradicionalista e está na origem dos partidos mais conservadores.
b) Socialismo: é uma reação à devastação moral causada pelo espírito liberal do mer-
cado autorregulado, atacando o capitalismo que procura o lucro, os valores materia-
listas e a exploração do proletariado. É, portanto, contra o capitalismo e os seus ideais
assentam na reconstrução da sociedade a partir de um esquema abstrato.

2.2 CONSERVADORISMO
Pensamento Conservador: os “Profetas do Passado”
O conservadorismo é um termo usado para descrever posições político-filosóficas, ali-
nhadas com o tradicionalismo e a transformação gradual, que em geral se contrapõem a
mudanças abruptas (cuja expressão máxima é o conceito de revolução) de determinado
marco econômico e político-institucional ou no sistema de crenças, usos e costumes de
uma sociedade.

2.2.1 Edmund Burke (1729-1797)


É um famoso político inglês do século XVIII e já era conhecido quando escreve “Reflec-
tions on the Revolution in France”, publicada em Novembro de 1790; esta obra foi lida
por toda a Europa e incentivou os dirigentes a resistir à Revolução Francesa.
(1) A ideia da Limitação da Razão
“Nossa paciência conquistará mais do que a nossa força.”
Para Burke, a Revolução Francesa baseava-se numa teoria - a Teoria dos Direitos Huma-
nos – com preposições simples, universais e dogmáticas, que fazia apelo às leis da razão
[claras e indiscutíveis], que se justificam a si próprias e que levavam a eliminar parte das
tradições e costumes sociais de séculos, para remodelar a sociedade de acordo com um
plano inteligível e racionalmente justificado. Ora, na sua perspetiva, este racionalismo
esta completamente fora de lugar na atividade política – a sociedade humana era demasi-
adamente complexa para ser suscetível de uma compreensão racional simplista e muito
menos de uma alteração completa.
Burke defende assim a ideia da limitação da Razão em face da complexidade das coisas,
propondo que, perante a fragilidade da razão humana, a humanidade deve proceder com
respeito para com a obra dos seus antecessores.
Temia, portanto, a chegada da ideologia da Revolução Francesa à Inglaterra e a conse-
quente afirmação do povo, visto que isso colocaria em risco as propriedades privadas das
classes dominantes ou seja, o terror à democracia popular dos sans-culottes.
Edmund Burke não apelava à igualdade, para este, o povo era o cidadão proprietário – o
povo com posses capaz de intervir na atividade parlamentar – desta forma, um governo
composto por trabalhadores era um facto anti-natural, o que ele designou de ‘guerra civil
contra a natureza’.
(2) Conservadorismo Político e Social Moderno
“Todas as reformas que fizemos até hoje foram realizadas a partir de referên-
cias ao passado; e espero, ou melhor, estou convencido de que todas as refor-
mas que possamos realizar no futuro estão cuidadosamente construídas sobre
precedentes análogos, sobre a autoridade, sobre a experiência.”
Para Burke, a Liberdade [o grande ideal revolucionário] é um bem; mas a justiça, a ordem
e a paz, também o são, e são indispensáveis à existência prática da liberdade. Assim, o
objetivo não deve ser um fim perfeito de uma sociedade, mas aquele que for mais prati-
cável.
É, por isso, considerado o pai do conservadorismo politico e social moderno e, por esse
motivo, defende a família, a igreja e as corporações. Este conservadorismo moderno não
se trata de um conservadorismo do medo, do pessimismo e do pecado original, mas de
uma filosofia política que tem uma visão otimista da função do estado e dos objetivos
últimos da sociedade humana
(3) Capitalismo como a face económica da Democracia Popular
Edmund Burke vê o capitalismo como a face económica da democracia popular. Ou seja,
o dinheiro ou a sua posse não é exclusiva às classes dominantes e o estatuto deixa de ser
determinado pelo nascimento – posição social dos parentes.

2.2.2 Louis Ambroise DE BONALD (1754-1840)


É um filosófo e politico tradicionalistque teve de abandonar a França após a revo-
lução, tem como obra de referencia “Ceuvres Complétes” de 1790; influenciou Saint Si-
mon e Comte.
É Anti-Rousseau pois acredita que Deus criou a Sociedade e a Sociedade é que
cria o Homem. Critica também o paradigma individualista do Iluminismo, dizendo que
as morais do altruísmo estavam corrompidas.
Defende a preponderância da sociedade sobre o individuo, ou seja, acredita que
existe uma irredutibilidade do social ao individual – a sociedade é superior ao individuo.
Para De Bonald, a origem de toda a moral está na sociedade e não no instinto ou
na razão dos indivíduos, contrariamente à ideia iluminista de que a moral deriva de emo-
ções ‘naturais’ como a compaixão ou o altruísmo. Segundo este filosófo, o homem só
existe em função da sociedade e só nela se realiza – todo o individuo que vá contra a
sociedade erra moralmente e vai contra aquilo que a sua própria natureza tem de melhor.
(1) Importância das Associações Intermediárias
No espírito do contrato social, a revolução era contra todos os intermediários entre cada
individuo e o Estado político: as corporações de todo o tipo. No entanto, De Bonald de-
fende que as corporações constituem a estrutura das sociedades, sem elas, o individua-
lismo predomina e a sociedade desagrega-se. A igreja funciona como uma dessas corpo-
rações intermediárias na coesão social e a família é vista como uma molécula social.
(2) Autoridade
Para De Bonald, o principal objetivo da vida social é a autoridade – autoridade da família,
da comunidade, da igreja e da corporação – visto que a hierarquia é a essência do laço
social. Vê também a igualdade como uma coisa ociosa e iniqua, com ela desapareceria
todo o esforço pela promoção social – uma igualdade absoluta leva à injustiça e conse-
quentemente à estagnação.
Com a Revolução Francesa, o Estado apropriou-se da autoridade pertencente à família, à
igreja e a outras instituições.

2.3 SOCIALISMO UTÓPICO


Preconiza uma sociedade descentralizada, baseada na solidariedade comunitária
de pequenas unidades autónomas; defende uma sociedade sem desigualdades, com a pro-
moção da fraternidade e do altruísmo. Tem presente a ideia de contrato social. O socia-
lismo utópico aponta para uma sociedade que ainda não existe – acredita que é uma or-
ganização complexa que corrompe o homem.
O Socialismo Utópico pretende restabelecer o altruísmo atribuído à natureza hu-
mana se não fosse corrompido pelo espirito do lucro e da exploração; vê o homem como
produto da sociedade – se transformarmos esta, aquele surgirá radicalmente diferente.
Pretende aplicar as ideias de regresso à origem de Rousseau.

2.4 SAINT SIMON (1760-1825)


Claude Henri de Rouvroy, Conde de Saint-Simon, nasceu em Paris [1760] des-
cendente de uma família nobre. Teve uma educação tradicional, embora com influências
dos principios liberais. Aderiu às ideias republicanas em curso em França, mas abando-
nas por volta de 1793 quando foi preso pelo Comitê de Salvação Pública.
Um positivista, materialista e crente no progresso através da técnica, ou seja, era
necessário a existência de condições materiais para se viver bem. Adepto do programa
liberal mas com o Estado investido de autoridade real. Defende a regeneração da igreja
no novo sistema.
Atacou a exploração dos trabalhadores na medida em que esses estavam sujeitos
a um sistema que se baseava no direito de propriedade. Para Saint-Simon, a sociedade
humana encaminhava-se para um sistema de associação universal, que seria a garantia de
paz e do desenvolvimento progressivo da humanidade.
Influenciou Comte, Durkheim e Marx.

2.5 ALEXIS DE TOCQUEVILLE (1805-1859)


Alexis de Tocqueville foi um pensador político e estadista francês, considera um dos
grandes teóricos sobre a democracia americana. Especulou sobre a natureza essencial da
própria democracia, as suas vantagens e os seus perigos. Aristocrata francês que, ainda
assim, foi membro do governo após a revolução. Tem como obra principal “A democracia
na América” de 1840.
É um discípulo de Montesquieu e vê a sociedade através da ótica analítica e da descoberta
das leis sociais; é também considerado por muitos o primeiro sociólogo moderno, no en-
tanto é reformista [mais do que conservador]. Defende a democracia, mas critica os ex-
cessos revolucionários.
Tem dificuldade de conjugar os seus temas mais recorrentes numa mesma sociedade: li-
berdade, igualdade e coesão social. Questiona-se sobre as consequências que a revolução
francesa e a queda do antigo regime têm para a sociedade bem como quem substituirá a
figura de monarca como símbolo agregador das sociedades, como figura personificada do
país.
(1) Análise comparativa das sociedades americana e europeia:
a) A religião como fator agregador da sociedade americana:
As igrejas estão completamente separadas do poder político e existe uma aceitação
da diversidade das crenças. As igrejas atuam ao nível da família e da moral, assim,
indiretamente, influenciam as instituições; são menos dogmáticas e mais próximas
dos indivíduos. Existe a aceitação de uma necessidade de bens materiais e até mesmo
o encorajamento do enriquecimento (calvinismo).
b) Substituição da aristocracia pela classe média na governação:
Com uma moral ‘vulgar’ e uma classe média pouco instruída, apesar da governação
ser medíocre é possível, se não existirem conflitos externos.
c) Perigos da democracia:
Provoca um despotismo da maioria, ou seja, a conformidade à opinião comum; e a
privação relativa no desejo pela igualdade, visto que igualdade gera necessidade de
mais igualdade.
O individualismo começa a acentuar-se: os indivíduos tornam-se cada vez mais
iguais entre si no estatuto social, nas condições de vida e todos procuram enriquecer,
tratar dos seus interesses pessoais e procurar o seu bem-estar e o da sua família. O
interesse dos cidadãos pelas coisas públicas começa a perder-se e existe uma conse-
quente emergência de despotismo.
Existe uma mobilidade e fluidez social [é possível trocar de classe social], ou seja,
impossibilidade de reprodução social [em caso de reprodução social, se os pais estão
numa classe social os filhos manter-se-ão nessa classe] e cria-se uma sociedade sala-
rial: assente em relações contratuais [uma sociedade na qual o individuo consente
mediante um preço em colocar-se temporariamente à disposição de um dos seus
iguais.
d) Principais diferenças:
Europa - desigualdade de condições; ocupações mais ou menos nobres; relações rí-
gidas entre as classes; relações de subordinação; fraca mobilidade social e reprodu-
ção social.
Estados Unidos – igualdade de condições; ocupações com idêntico estatuto; relações
fluidas entre as classes; relações contratuais; forte mobilidade social e mudança so-
cial.
e) Democracia no estado puro
Causas históricas – ausência da revolução, cultura puritana e laboriosa dos emigrantes
Causas físicas – continente virgem e isolado, sem vizinhos poderosos
Causas institucionais – descentralização administrativa do poder para a comunas, or-
ganização do poder judicial, federalismo
Costumes – espirito religioso de liberdade, espirito de associação, patriotismo isento
de fanatismo, forte coesão de opiniões.
f) Estados Unidos vistos como um modelo para as democracias e federações euro-
peias.

3. A CIÊNCIA POSITIVA DOS FENÓMENOS SOCIAIS

3.1 AUGUSTE COMTE


Auguste Comte é um filosofo francês que ingressou inicialmente no Curso de
Medicina porém vem a ser expulso por causa de suas ideias. É considerado um dos
grandes precursos da Sociologia, tendo exercido influência direta em muito pensadores –
destaque principal para Émile Durkheim.
A importância de Comte deu-se sobretudo pela criação da corrente filosófica do
positivismo. Fez um curso de filosofia positiva1 em 1842, onde conclui que cada ramo do
conhecimento passa por 3 etapas:
Teológico – os acontecimentos ocorrem por ação dos agentes sobrenaturais;
Metafísico - os acontecimentos ocorrem por ação de forças abstratas como a lei natural,
a justiça ou a igualdade…
Cientifico ou Positivo – é descoberto pelo uso combinado do raciocínio e da observação,
as suas leis efetivas, mas existe uma impossibilidade de chegar à essência das coisas (à
sua causa última); Este tipo de conhecimento tem como finalidade o controlo sobre o
meio: ‘saber prever, prever para poder’, ou seja, a descrição, predição e controlo.
Para Comte, as ciências, dependendo da respetiva área de conhecimento, são mais
ou menos complexas, gerais e positivas. A psicologia está muito perto das ciências exatas,
a matemática é a ciência mais simples que existe pois controlamos tudo, porém as ciências
sociais são mais complexas.

1
Guiada pela ciência e pela técnica, a filosofia positivista crê no progresso do sistema capitalista e nos
benefícios gerados pela industrialização; prega também a necessidade de uma reestruturação da sociedade.
O grande objetivo de Comte, era desenvolver uma ciência positiva dos fenómenos sociais
pela aplicação do método cientifico ao estudo da sociedade – a física social. O objetivo
da física social é descobrir as leis naturais e imutáveis do progresso: rejeita os ‘verbalis-
mos’ filosóficos da sociedade, rejeita os ‘a priori’ da sociedade e observa/experimenta
com vista à descoberta das leis sociais. Posteriormente passa a denominar esta disciplina
de Sociologia.
(1) Fenómenos Sociais
Os fenómenos sociais podem ser de dois tipos:
Estática Social – instituições reguladoras da ação individual [trabalho, família, proprie-
dade, etc.]
Dinâmica Social – ação transformadora dos indivíduos sobre a sociedade.
(2) Tipos de Sociologia
Sociologia Estática – estudo dos determinantes de ordem e consenso social
Sociologia Dinâmica – estudo do progresso das sociedades e do espírito humano.
A sociologia é então constituída para fins essencialmente práticos – necessidade
de uma sociedade orientada simultaneamente pelos princípios da ordem e do progresso.

3.2 APLICAÇÃO DO MÉTODO CIENTÍFICO AO ESTUDO DOS FE-


NÓMENOS SOCIAIS
Inicialmente é necessária a observação, depois passa-se para uma comparação sin-
crónica (aproximação racional de diversos estados coexistentes da sociedade humana), de
seguida vem a comparação diacrónica (aproximação sucessiva de diversos estados da hu-
manidade) e por último a experimentação (não a experimentação laboratorial, mas a ex-
perimentação indireta que resulta da analise de experimentos naturais).

3.3 INFLUÊNCIA DE COMTE EM DURKHEIM


Existem vários pontos em que Comte influenciou Durkheim, tais como:
(1) A autonomia da sociologia em relação às outras ciências;
Tal como a Matemática ou a Química, a Sociologia tem de ter a capacidade de se distin-
guir: ter um objeto de estudo diferenciado e único, mas ao mesmo tempo verificável e
observável;
(2) A Sociologia como uma ciência positiva;
Os fatos sociais, embora com uma dimensão moral, podem e devem ser analisados como
coisas, ou seja, atribuir-lhes o mesmo estatuto de fatos da natureza. A sociologia não se
deve basear na subjetividade do investigador, mas sim nas provas verificáveis.
(3) Uso de leis
Para que seja possível ver a sociologia como uma ciência exata ou positiva, é necessário
que esta possua leis semelhantes às leis das ciências naturais, que demonstrem o rigor e a
opinião aceite globalmente sobre determinado tema.
(4) Dois tipos de análise sociológica
As explicações estáticas e dinâmicas de Comte, em Durkheim surgem como a análise
funcional e a análise histórica.

4. ÉMILE DURKHEIM E A INSTITUIÇÃO DA SOCIOLOGIA


Émile Durkheim é francês e, como foi diretamente influenciado pelo positivismo de
Comte, dedicou a sua carreira intelectual a elaborar uma ciencia que possibilitasse a
compreensão dos comportamentos coletivos. A sua grande preocupação era explicar os
elementos capazes de manter a coesão na nova sociedade que ia surgindo após as
Revoluções acima descritas.
Durkheim destaca-se por ser considerado o pai da sociologia moderna – mais institu-
cional e mais positivista – visto que introduziu a sociologia como disciplina académica
[a partir de 1913, leciona na Sorbonne a primeira cátedra de Sociologia; em 1898, funda
a primeira revista cientifica de Sociologia “Année Sociologique”].

4.1 PROJETO DURKHEIM


No pós-revolução, faltava à sociedade referências de valores morais e de normas civis a
seguir. Substitui-se, então, a igreja, através de uma moral laica – a Religião Civil2, que
corresponde à face mais moralista de Durkheim.
Durkheim pretende também estabelecer a Sociologia como uma disciplina cientifica ri-
gorosa e fornecer a base empírica, racional e sistemática da religião civil da sociedade
moderna.

4.2 INFLUÊNCIAS
(1) Auguste Comte
Como já referido em 3.3, a sua influência reflete-se no objetivo de Durkheim de estabe-
lecer a Sociologia como uma disciplina cientifica rigorosa e autónoma das outras ciências:
- Os fenómenos sociais como fatos e o seu estudo por métodos semelhantes aos das ciên-
cias naturais: formação de princípios que têm o mesmo estatuto objetivo que os formula-
dos pelas ciências naturais;
- Como nas outras ciências, o conhecimento sociológico avança com a acumulação de
leis que vão sendo identificadas pela análise;
- Diferença fundamental entre estruturas e dinâmicas da sociedade na explicação de fe-
nómenos sociais: Comte - Estática vs. Dinâmica, Durkheim – Funcional vs. Histórica.
- Finalidade prática da analise social visando a melhoria concreta das condições sociais.
(2) Saint-Simon

2
A religião civil não é uma religião propriamente dita, pois não possui templos nem estruturas de poder –
é um corpo doutrinário comum às religiões históricas e tem por fim viabilizar a coexistência pacifica entre
crentes de diversas opiniões teológicas no Estado.
Influenciou Durkheim pela sua tentativa de desenvolver uma religião que representasse
um sustentáculo moral adequado à nova sociedade industrial.
- O industrialismo levou a uma substituição das crenças religiosas pelos valores egoístas
associados ao interesse económico, levando a sociedade a um estado pré-religião, sem
uma estrutura de valores morais;
- Necessidade de uma ‘religião civil’ de uma ‘moral leiga’ que substituísse a religião da
igreja na função de agregar os indivíduos: o novo sistema moral [novo cristianismo] con-
sistiria na ética social cristã do altruísmo e da fraternidade despida de todos os dogmas a
ela associados.
- Os estudos de Durkheim sobre a religião refletem essa preocupação: necessidade de um
conjunto de crenças consensuais agregadoras dos consequentemente, a desorganização
da Sociedade.
(3) Emanuel Kant
Em ‘Fundamentação da Metafisica dos Costumes’ [1785], forneceu os fundamentos à
crença de Durkheim nas possibilidades de uma moral social não necessariamente religi-
osa.
- Para Kant, existem condições mentais a priori que condicionam as perceções sensoriais.
Os a priori do tipo moral corresponderiam a uma realidade moral (não necessariamente a
Deus) que transcende o individuo e que vincula a sua ação (fazendo com que determinada
ação seja necessária): o ‘imperativo categórico’, autonomia da vontade relativamente às
considerações racionais
- Para Durkheim, a realidade moral de Kant corresponderia aos códigos morais da própria
Sociedade, também ela anterior ao individuo e transcendendo-o. Partindo desta ideia,
Durkheim defende que a realidade moral pode divergir de sociedade para sociedade, con-
soantes as suas normas e regras morais [diferente da moral universal de Kant].

4.3 PRESSUPOSTOS DA SOCIOLOGIA DE DURKHEIM


Para Durkheim, a sociedade é fundamentalmente moral. Através da socialização,
a sociedade é internalizada constituindo assim o meio interno do individuo; as institui-
ções, sistemas legislativos, produtivos, etc., correspondem à materialização dessa moral.
Os momentos de ‘efervescência coletiva’: recordados por comemorações e feriados para
manter viva a presença da Sociedade na consciência dos indivíduos. Essa consciência
coletiva consiste num conjunto de crenças e sentimentos comum à média dos membros
de uma sociedade que operam como uma força unificadora na sociedade.
[embora defensor da Revolução Francesa e da República, Durkheim inseria-se na tradição soci-
ológica francesa (Saint-Simon, Proudhon, Comte) ao enfatizar a necessidade de estabilidade e
coesão sociais, considerando como objetivo da ciência sociologia a promoção dessa coesão so-
cial]

4.4 OBJETO E MÉTODO DA SOCIOLOGIA


A sociologia necessitava de apresentar métodos e um objeto de estudo para anali-
sar a sociedade de forma científica.
(1) Objeto
Então, o objeto começa a ser os factos sociais (de forma positivista). Um facto
social é ‘toda a forma de fazer, fixa ou não, suscetível de constituir sobre o individuo um
constrangimento externo’. Embora representações sem existência física, são coisas e
constituem constrangimentos à ação individual. A reificação dos factos sociais permite-
nos vê-los como objetivos. Estes têm uma existência independentemente dos indivíduos
que os pensam ou observam e têm um tipo de explicação própria.
“De todas as vezes que um fenómeno social é diretamente explicado por
um fenómeno psíquico, podemos estar certos que a explicação é falsa.”
Assim, a sociedade é vista como algo externo, que se impõem ao individuo – constrangi-
mento.
(2) Método
O sociólogo deve encarar o seu objeto de estudo como algo concreto, tal como o faz um
físico ou um químico. Deverá, portanto, submeter todos os conceitos a um trabalho me-
tódico de clarificação e depuração, obtendo assim uma definição a partir de critérios ob-
serváveis [exemplo: um crime não deve ser definido pelo ato em si, mas sim pela pena
atribuída pela lei].
Este procedimento traz duas vantagens: o facto social passar a ser (a) mensurável e (b)
comparável entre culturas.
(A) Método Genérico
Recorrendo à etnologia e à história, investiga qual a forma primitiva, a forma mais sim-
ples, que está na origem do fenómeno – seja uma crença religiosa, uma regra moral, um
preceito jurídico, uma técnica artística ou um regime económico. [ex: formas elementares
da vida religiosa].
(B) Método das Variações Concomitantes
Recorrendo à utilização dos dados estatísticos, põe em evidência uma evolução paralela
das séries de valores qualitativos relativos a vários grupos sociais e/ou várias sociedades
pertencentes a um mesmo tipo social. [ex: relação entre a evolução das formas de direito
e os tipos de solidariedade em a “Divisão do Trabalho Social” e o alongamento do dia e
as taxas de suicídio em “O suicídio”]

4.5 DIVISÃO DO TRABALHO


Segundo Adam Smith, um economista, as sociedades primitivas têm uma menor
especialização do que as sociedades atuais que sofrem de uma ultra especialização; de-
fende também que a repetição de uma determinada atividade nos torna mais eficientes, a
este fenómeno dá-se o nome de funcionalização.
Segundo Durkheim, em pequenas comunidades todos fazem de tudo um pouco e
não há perigo de competição. Mas atualmente, em grandes concentrações urbanas, devido
à tendência humana para constituir grandes grupos, todos fazem a mesma coisa, o que
origina uma maior competição. Esta situação é ultrapassa através da especialização: divi-
dindo o trabalho, existe uma maior complementaridade entre sujeitos, que cria uma de-
pendência. Cria também solidariedade, anula a competição visto que a transforma em
cooperação.
No entanto, isso não muda o facto de que na aldeia existe um sentido de solidari-
edade mais forte, devido às relações mais intensas; enquanto que, em sociedades maiores,
esta solidariedade é mais abstrata, graças à afirmação da individualidade.
(1) Solidariedade Mecânica vs. Solidariedade Orgânica
São dois tipos de forças agregadores nas sociedades complexas e nas simples.
Numa sociedade simples, as pessoas são parecidas entre si, fazem de tudo um pouco.
Como a semelhança gera atração, essa atração leva à cooperação; está presente uma soli-
dariedade mecânica.
Em sociedades complexas, os sujeitos são diferentes, mas logados pela dependência, o
que leva à cooperação; ou seja, dependemos uns dos outros para que tudo funcione, tal
como os diferentes órgãos do ser humano – estamos perante uma solidariedade orgânica;
porém, é importante referir que também nestas sociedades existe o pressuposto de uma
solidariedade mecânica, visto que todas as fases mais avançadas assentam nos pressupos-
tos de uma fase anterior.
(2) Sociedades Simples
Tal como referido anteriormente, a sociedade simples baseasse na solidariedade mecâ-
nica. Existe uma preponderância na consciência coletiva sobre a individual, até porque
nas aldeias a pressão do grupo é mais direta do que na cidade.
Existe uma solidariedade originária nas semelhanças entre individuo que os vinculam di-
retamente à sociedade e cria-se uma enorme pressão do grupo.
(3) Sociedades Complexas
Baseada na solidariedade orgânica e emerge da dependência gerada pela especialização
ocupacional dos indivíduos. Existe uma consciência coletiva menos forte, visto que a
personalidade dos indivíduos predomina sobre a consciência coletiva, forma-se socieda-
des mais individualistas.
Contudo, a divisão do trabalho não se pode efetuar senão entre membros de uma socie-
dade já constituída, ou seja, a solidariedade orgânica depende da pré-existência de uma
solidariedade mecânica.
(4) Conceção Evolucionista da Sociedade
Da sociedade simples em que a pressão do grupo se exerce diretamente sobre os indiví-
duos à sociedade complexa onde os indivíduos são livres e autónomos.
(5) Conceção Prescritiva da Sociedade
Defende que a solidariedade orgânica é o tipo ideal de relacionamento dos indivíduos em
sociedade, porque, não deixando de se fundar no coletivo, concede ao individuo a sua
autonomia, liberdade e justiça social.
Contudo, a divisão do trabalho deve ser apenas a suficiente para que os indivíduos se
possam realizar individualmente, não deve ser levada ao extremo porque isso implicaria
a perda dos laços essenciais à sociedade.
4.6 O SUICÍDIO
Para Durkheim, o suicídio é considerado o ato mais individualista do ser humano, porque
o agressor é também a vítima. No seu estudo ‘O suicídio’ visou demonstrar a dimensão
social dos comportamentos individuais; mostrou que o suicídio é uma questão para a so-
ciologia e através de uma análise estatística [revelaram-se fortes associações com a reli-
gião, a profissão, o estado civil, etc.] desenvolveu uma tipologia de suicídio em função
de dimensões sociais.
(1) Tipologia do Comportamento Suicida em Função de Dimensões Sociais
(A) Nível de Integração das Sociedades, ou seja, ligação dos indivíduos aos grupos sociais
Excesso de Integração – possível de existir o sacrifício da vida pelo grupo; os indivíduos
perdem a individualidade e incorporam o grupo; este é designado por Suicídio Altruísta.
Defeito de Integração – designado Suicídio Egoísta; ocorre quando não existe um senti-
mento de pertença social forte. [por exemplo: os protestantes suicidam-se mais do que os
católicos e estes mais do que os judeus – há uma crescente de rituais e normas na pertença
social].
(B) Nível de Regulação das Sociedades, portanto, a força da regulamentação social
Excesso de Regulamentação – o sujeito sente-se aprisionado visto que há uma imposição
de limites ao desejo individual; considera-se um Suicídio Fatalista.
Defeito de Regulamentação – não existem limites para a ação individual, com o conse-
quente enfraquecimento das normas [anomia]; é considerado um Suicídio Anómico
[exemplo: predomina entre os profissionais livres].

Notas:
(1) O suicido egoísta [exemplo: os solteiros tem menor capacidade de integração do
que os do grupo de viúvos e este com menor integração social do que o dos casa-
dos] decresce em épocas de guerra ou quando existe um inimigo do grupo, porque
estes fatores aumentam a consciência coletiva. Este tipo de suicídio está mais pre-
sente em intelectuais.
(2) Existe a anomia aguda [uma crise económica leva à rutura no equilíbrio da socie-
dade – desemprego, abaixamento do nível de vida, etc.] e a anomia crónica [au-
sência de regulamentação, é mais frequente entre profissionais independentes, in-
dustrias e comerciantes].

5. MAX WEBER
Juntamente com Émile Durkheim e Karl Marx, o alemão Max Weber integra o trio
dos grandes pensadores clássicos responsáveis pela função da Sociologia, dedicou a sua
obra [“A ética protestante e o espírito do capitalismo” – 1906 – e “Economia e Socie-
dade” – 1921 – entre as mais importantes] a compreender a nova sociedade que se for-
mava com a consolidação do capitalismo industrial na Europa e a sua propagação pelo
planeta.
Em 1909 forma a Sociedade Alemã de Sociologia com Simmel e Tonnies; em 1918
torna-se um participante ativo na reconstrução alemã do pós-guerra [é um dos membros
do Partido Democrático – República de Weimar] e no ano seguinte passa a Regente da
cátedra de Sociologia na Universidade de Munique.

5.1 INFLUÊNCIAS FILOSÓFICAS


(1) Crise do Projeto Racionalista e Empirista do Iluminismo
Critica-se a forma demasiada objetiva e reducionista com que se analisa fenómenos soci-
ais complexos, tipo o suicídio; dá-se uma revolta intelectual contra o positivismo o que
leva a um reencontro com a subjetividade e a intuição. Inicia-se uma aspiração à totali-
dade espiritual.
(2) Reencontro da dicotomia kantiana entre realidade e o conceito
Relembra-se que para Kant, o que conhecemos é apenas uma parte da realidade; ou seja,
a realidade existe para além do que é percebido. A realidade em si é irracional e incom-
preensível e os conceitos são apenas modelos mentais, lógicos por natureza, visto que a
realidade está sempre mudar.
(3) Dois tipos de Conhecimento
Os filósofos neo-kantianos retomam esta dicotomia para definirem dois tipos de conhe-
cimento: o nomotético [as ciências naturais] e o ideográfico [as ciências sociais].
Segundo Windelband: as ciências da natureza procuram o conhecimento ‘nomotético’
[aspetos de um fenómeno que se aplicam a outros fenómenos – leis], enquanto as ciências
histórico-culturais (ciências sociais) devem procurar o conhecimento ‘ideográfico’ [o in-
dividuo histórico, particular, concreto e irracional) o qual se esgota no conhecimento do
caso especifico – este conhecimento não é capaz de ser generalizado e/ou formular leis.
Ao cientista não interesse compreender os fenómenos repetíveis em todas as sociedades
e ao longo da história – formular leis – mas sim compreender os valores subjetivos dos
atores e descreve-los de forma objetiva.
Segundo Rickert, é possível induzir leis numa cultura e aplicá-las nessa mesma cultura
[mas não noutras culturas, ou seja, as conclusões da pesquisa têm uma validade limi-
tada]…

5.2 SOCIOLOGIA
Ao contrário dos positivistas que têm como objeto o facto social, para Weber o objeto da
sociologia é a ação social, pois o sociólogo não trabalha sobre um objeto passivo, como
os cientistas naturais, mas sobre relações as quais estão em constante mudança e que se
manifestam em ações – diferentes de comportamentos.
Uma ação social é uma ação cujo significado tem em conta a ação dos outros, Weber
propõe 4 tipos de ação social.
(1) Tipos de Ação Social
Ação Racional Instrumental – orientada para os objetivos do próprio ator racionalmente
calculados [tem o conta o interesse do individuo].
Ação Racional de Valor – determinada por uma crença consciente no valor em si, ou
orientada por formas éticas, estéticas ou religiosas, independentemente do grau de su-
cesso previsto.
Ação Afetiva – determinada pelos afetos e estados emocionais do ator.
Ação Tradicional – determinada por hábitos e costumes.
Trata-se de uma questão de racionalidade vs. Irracionalidade, nem tudo é logico
no ser humano e não nos pudemos focar só em fenómenos lógicos. Todas as ações são
racionais, mas, na ação racional instrumental, a ação é motivada pela própria racionali-
dade dos motivos – não contem em si qualquer ponto de partida irracional.
(2) Definição de Sociologia
Weber vê a sociologia como uma ciência empírica na realidade, não é apenas teórica e
reconhece a subjetividade do investigador, mas, aceita que a compressão da atividade
humana passa pela explicação casual. Defende que a sociologia tem bases do positivismo
e da subjetividade, então tenta ultrapassar a oposição entre ambos.
(3) Método da Sociologia – Método Compreensivo
Porque os fenómenos sociais surgem da ação social de múltiplos atores, eles não podem
ser estudados como objetos inertes, sem tentar compreender os motivos que estão subja-
centes às ações constituintes, ou seja, os significados que os atores atribuem as ações.
O estudo da ação não pode residir apenas na explicação das condições objetivas em que
ela ocorre – como proposto pelo positivismo – é necessário também compreender os va-
lores subjacentes aos motivos para a ação – a vontade dos indivíduos.
Em sociologia, a compreensão só é total quando se compreende as causas da ação assim
como os motivos e significados atribuídos a essa ação.
(4) Causalidade Múltipla dos Acontecimentos Sociais
Em ciências sociais, existem sempre diversas causas para um fenómeno e o investigador
deve aplicar o seu critério para atribuir um peso relativo a cada uma das causas, de forma
a não cair num reducionismo.
Também neste tipo de ciências, os processos de causa-efeito sucedem-se numa sequencia
indefinida, ou seja, tem um caracter mutável da realidade social [o que hoje é causa ama-
nha pode ser consequência e vice-versa]. Existe, portanto, um distanciamento do deter-
minismo económico marxista – a economia, nalgumas situações, faz parte das causas
[juntamente com a politica e a religião] mas noutras faz parte das consequências.
É importante relembrar que o rigor continua a ser importante.

5.3 NECESSIDADE DE CONCEITOS SOCIOLÓGICOS RIGOROSOS


– O TIPO IDEAL
Devemos definir muito bem o conceito para referir a realidade visto que há uma diferença
inultrapassável entre os conceitos e a realidade. Um conceito é uma imperfeição na des-
crição da realidade quer devido ao facto de descrever apenas alguns aspetos dessa reali-
dade, quer devido às transformações que impõem à mesma realidade. Os conceitos não
são um fim, mas um meio útil para apreender a realidade afim de a organizar, clarificar e
ordenar.
O tipo ideal é uma imagem ou modelo mental; uma espécie de caricatura ideal [ideal no
sentido de ideia, não de perfeito]. É ficcional, uma construção utópica que não pode ser
encontrada empiricamente e que permite descrever de forma mais rigorosa as situações.

5.4 PRINCIPIO DA NEUTRALIDADE EM RELAÇÃO AOS VALO-


RES
A forma como alguém vê a realidade depende sempre dos valores individuais. A única
forma de contornar a questão da parcialidade do investigador é através da obediência ao
principio da probidade [honestidade] intelectual. O investigador deve assumir o seu pró-
prio sistema de valores reconhecendo tratar-se apenas de um ponto de vista entre os ou-
tros.
É impossível determinar uma hierarquia de valores que motivam a ação já que eles emer-
gem da irracionalidade. A ciência não tem competências especiais nem está particular-
mente qualificada uma vez que não pode demonstrar cientificamente a superioridade de
um valor sobre o outro. A afirmação sociológica só tem validade dentro da própria ciência
e nunca fora dela.

6. RACIONALIZAÇÃO

6.1 O HOMEM E A SOCIEDADE MODERNA


(1) Marx
O Homem está alienado da sua individualidade pela transformação que lhe é imposta pelo
sistema social e pela sua inevitável inserção em determinadas categorias socioeconómi-
cas.
A sociedade moderna nasce com a divisão social do trabalho social e a emergência da
solidariedade orgânica.
(2) Durkheim
Não nega a individualidade do Homem, mas enfatiza os aspetos coletivos da sua consci-
ência que resultam da assimilação das normas e crenças das comunidades em que se in-
serem.
A sociedade moderna surge com a implantação do sistema económico capitalista.
(3) Weber
O Homem auto alienou-se da sua natureza, encontrando-se numa ‘gaiola de ferro’ cons-
tituída pelas regras da racionalidade que a si próprio se impôs. Na sociedade moderna
ocidental, a racionalidade tornou-se o modo normal de agir afastando, assim, o homem
da sua verdadeira natureza, a qual, é parcialmente irracional.
A sociedade moderna aparece com a progressiva racionalização da atividade humana.
7. BUROCRACIA
Estudo da Burocracia enquanto sistema organizativo característico da sociedade moderna
ocidental.
(1) Atributos do seu tipo ideal
(a) Divisão racional do trabalho – baseado no Taylorismo
(b) Rotinas e procedimentos padronizados – os procedimentos são fixados previamente,
pela sua racionalidade face aos fins, e repetidos invariavelmente.
(c) Impessoalidade nas relações – os participantes não são indivíduos, mas ocupantes de
cargos
(d) Hierarquia de autoridade – a autoridade é inerente ao cargo e não ao individuo que o
ocupa
(e) Caracter legal das normas – as normas são previamente estabelecidas e obtém a sua
legitimidade da racionalidade face aos objetivos fixados.
(f) Separação entre propriedade e administração – administração como ciência e profis-
são.
(2) Vantagens
Máxima eficiência da organização; completa previsibilidade do funcionamento.
(3) Desvantagens
Restrição da autonomia e liberdade dos indivíduos; excesso de formalidade e impessoa-
lidade nas relações; rotinização e resistência à mudança; híper-conformismo; excessos de
uso da autoridade.

8. ÉTICA POLÍTICA

8.1 ÉTICA DE RESPONSABILIDADE NA POLÍTICA VS. ÉTICA DA


CONVICÇÃO
(1) Ética Kantiana [deontológica]
“De boas intenções, está o inferno cheio.”
A ação deve ser orientada pelo dever, o imperativo categórico, independentemente das
consequências que produz. O agente orienta-se não pelos fins, mas pelos meios; está ape-
nas interessado em que a sua ação seja moralmente iniciada e não nas consequências que
a ação produzirá.
Uma ação deve ser julgada pelas intenções subjacentes, pelos seus valores últimos, e não
pelas consequências que produziu. Contudo, esta observação traz problemas, tais como:
confere objetividade a opiniões subjetivas – não existem valores universais últimos – e
uma versão intelectual da moralidade popular.
(2) Perspetiva Utilitária [consequencialista] – Bentham, Stuart Mill.
“A opção válida é aquela que der maior felicidade ao maior número de pessoas.”
A moralidade de um ato depende apenas das suas consequências – independentemente da
natureza intrínseca do ato ou de qualquer seu antecedente. O utilitarismo mantém que um
ato é moral se e só se o ato maximiza o bem, ou seja, se o total de bem produzido relati-
vamente ao total de mal produzido é maior nesse ato do que noutros atos que estejam
disponíveis ao agente nessa situação.
Segundo a perspetiva hedonista, o prazer é o único bem intrínseco e a dor o único mal
intrínseco. Logo, um ato é moralmente correto se e só se o ato ‘causa a maior felicidade
ao maior numero de pessoas’.
A virtude de uma ação reside na compreensão dos efeitos causais e na reorientação cal-
culada dos seus elementos de forma a atingir o desejado resultado. O julgamento de uma
ação centra-se na correção e adequação do procedimento que levou a iniciação da ação.
Os problemas que daí advém são: falta de orientações e excesso de exigência em termos
cognitivos.
(3) Segundo Weber
Para Weber, a atividade politica, como qualquer outra atividade, pode ser orientada por
dois tipos de éticas fundamentalmente diferentes e opostas: a ética da convicção [orien-
tada por princípios deontológicos] e a ética da responsabilidade [orientada por princípios
consequencialista].
A racionalidade da ética da convicção [procurar os valores últimos envolvidos nos diver-
sos cursos de ação possível] opõe-se à racionalidade da ética da responsabilidade [prever
as consequências dos diversos cursos possíveis].
Embora admita esta oposição, Weber considera que ambas não são irreconciliáveis e que
o ‘político com sentido de vocação’ possui uma ‘personalidade total’ que combina a con-
vicção passional em ideias supramundanas com o cálculo racional [“Quais serão as con-
sequências da minha ação?”] e o sóbrio sobre a sua aplicabilidade real, uma vez que am-
bas são necessárias à atividade política.

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