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1 – Qual o significado e a importância do Humanismo no início da Modernidade?

Uma das principais características do humanismo renascentista é a valorização do ser


humano e suas capacidades individuais, habilidades e talentos. Trata-se de uma nova
perspectiva ética em que o ser humano não espera mais por favores divinos. O espírito
do humanismo trazia o desejo de se buscar as fontes do conhecimento e submeter à
crítica as noções tradicionais sobre as coisas do mundo. O estudo da natureza humana
fazia uma oposição à visão essencialista, metafísica. Aceitava-se Deus como criador,
porém o ser humano também o era na sua própria medida. Era criador ao inventar a
pólis e as suas leis políticas, bem como quando exercia capacidades artísticas e
literárias. Havia crítica à noção hierárquica de que, no contexto do feudalismo, as leis
divinas reproduziam-se na terra.
Leonardo Bruni (1370-1444), chanceler da República Florence, foi o primeiro grande
político e pensador do humanismo renascentista a se opor à filosofia teocentrista, no
século XV. Estudou as humanidades (Studia Humanitatis), estudo daquilo que é próprio
da natureza humana. Bruni foi o primeiro a estabelecer uma periodização da história
(período clássico greco-romano, período medieval, período moderno). A Repúbica de
Florença representava o retorno aos modelos clássicos de República Romana e o retorno
à pólis grega. Naquele momento havia a dissolução do feudalismo em algumas regiões
da Europa. Em Florença, principal produtora de lã da Europa, a principal fonte de
riqueza passou a ser os empréstimos bancários. Rompia-se com o poder feudal e com o
poder da Igreja. Havia que se criar uma nova ordem. As negociações implantavam uma
nova forma de política. Aprendeu-se com a tradição e nela se encontrou as bases, sem
ser preciso reproduzi-la, pois, o contexto era outro. A recuperação da tradição clássica
greco-romana permitiria legitimar a nova experiência política. Bruni fazia oposição ao
determinismo existente na época, em que as coisas eram vistas como consequência de
uma ordem natural. Defendia que teriam vindo os povos de um desenvolvimento
histórico e cultural. Porém, ainda que viessem do período clássico, não seriam os
homens iguais aos gregos e aos romanos daquele período.
Leon Battista Alberti (1404-1472) foi um grande arquiteto, escultor e gramático do
período do Humanismo. Criou, arquitetou e esculpiu a obra “Fontana di Trevi”, Roma.
Foi a primeira das grandes criações artísticas da época. Trazia a noção de criatividade
do homem, que o conhecimento é aberto a todos. Giorgio Vasari (1511-1574) escreveu
“Vida dos mais ilustres arquitetos, pintores e escultores” (1550), tendo sido acusado de
supervalorizar Florença. Escreveu biografias e introduziu o termo “Renascimento” da
cultura greco-romana. Foi um pensador da arte.
O conceito medieval de “miséria hominis” situa o homem como um ser impotente,
imperfeito e pecador. Dessa forma, necessita ser governado. Um exemplo é a figura de
Adão sendo expulso do paraíso por ter errado, o que o torna um ser errante. O erro,
nessa concepção, é entendido como falha na natureza humana. O ser humano é dotado
de livre arbítrio e, muitas vezes, faz a escolha errada, como teria feito Adão.
Com a nova leitura humanista, o conceito “dignitas hominis” traz a noção de dignidade
humana. Uma das principais características da natureza do homem passa a ser a
capacidade de criar. Leonardo da Vinci teria dito que a arte é a “segunda natureza”. O
ser humano destaca-se também por sua capacidade de escolher. O livre-arbítrio passa a
ser entendido como liberdade de escolha, não mais como uma escolha que induz o
homem ao erro. O exercício dessa liberdade poderá levá-lo à criatividade em todas as
áreas. O conceito de dignidade, portanto, está vinculado à criatividade e à liberdade de
escolha do ser humano. No século XVIII este conceito ressurgirá com conotação
política. O humanismo não eliminou a figura de Deus. Porém, entende o homem como
co-criador, criado à imagem e semelhança de Deus, aquele que pode responder por si
em sua razão.
Giovanni Pico de la Mirandola (1463-1496) escreveu sobre isso em sua obra “Discurso
sobre a dignidade do Homem” (Oratio Dignitas Hominis) em 1486. Caracterizaram a
obra a busca de origens, a diversidade cultural, a criatividade, a referência à literatura de
origem árabe e ao ser humano como forma direta, o pluralismo, a ruptura com a tradição
escolástica, o livre exame de todas as correntes filosóficas. Embora entendesse o
homem como ser individual, haveria uma natureza que se manifesta de diferentes
formas e em diferentes tempos. Foi precursor de Michel Montaigne.
Enquanto Bruni pensava que se alcançaria a cidade ideal a partir do povo unido
coletivamente, Pico de la Mirandola entendia que a individualidade do pensamento dos
homens fundaria a cidade ideal. Para Bruni, a evolução da cidade dependeria do fim do
sistema feudal, a política traria a liberdade aos homens. Criou a Liga dos Artesãos, em
Florença, primeira reprodução arcaica dos sindicatos. Havia reuniões chamadas de
“grande conselho”, conselhos de comerciantes, tendo sido Maquiavel o segundo
secretário. Buscava recuperar a ideia de República romana e de democracia grega, em
que o indivíduo era parte da sociedade. Para Pico de la Mirandola, por outro lado, a
liberdade estaria associada ao indivíduo. E quem fazia a política seriam os indivíduos
que estavam compondo aqueles conselhos. As escolhas teriam sua expressão máxima
nas tomadas de decisão individuais. É o início do pensamento liberal.
A dimensão moral, estética, política, antropológica (natureza humana) e jurídica (na
discussão sobre o direito natural) emergem da sociedade a partir das ideias humanistas
do Renascimento do século XV. É preciso ressaltar, no entanto, que há diferenças entre
o humanismo do século XV e o humanismo do século XVI. Este último apresentou três
importantes fatores de inovação: a descoberta do Novo Mundo, a Reforma Protestante e
a Revolução Científica. O indivíduo, no século XV é entendido como membro de uma
comunidade, com direitos, dignidade, livre arbítrio, crenças. A mudança no contexto do
século XVI permitiu que, no século XVII, o humanismo desse lugar à noção de
subjetividade. O “sujeito” é um aprofundamento do “indivíduo” do humanismo.
Conserva as mesmas características, mas a ação vem pelo advento da subjetividade, é o
sujeito da auto-consciência, que constrói o conhecimento. O indivíduo passa a ser visto
não mais como uma entidade abstrata.
A manifestação da criatividade humana se revelou nas ciências e na filosofia. A
Reforma Protestante (século XVI) contribuiu para o surgimento da noção de
subjetividade e para a discussão sobre o livre arbítrio. Martinho Lutero, frade
agostiniano, rejeitou a autoridade imposta pela Igreja católica e alegou que só deveria
ser aceita a autoridade das Escrituras. O conceito agostiniano de interioridade foi
adotado por Lutero, seria como a autoridade sobre a consciência. A consciência do
indivíduo, segundo Lutero, seria a expressão da dignidade humana. Santo Agostinho foi
o autor cristão mais compatível com a modernidade. As ideias de criatividade e de livre
arbítrio vieram pela via agostiniana.
O humanismo trouxe de volta as ciências como história e filosofia para a natureza
humana. Surgiu algo de novo para deslocar a temática teológica para outro plano.
2 – Como se pode problematizar o pressuposto da universalidade da natureza
humana a partir do Ensaio Os Canibais de Montaigne?
“Os Canibais” é o único texto filosófico da Idade Moderna que se refere à Baía de
Guanabara. Nele, Montaigne fala sobre o curto período em que os franceses passaram
no Brasil. Durante o período de 1555 a 1557, tentaram fazer do país uma colônia em
que franceses católicos e protestantes pudessem conviver em paz. Entendiam que a
mudança de contexto tornaria possível a mudança de comportamentos e
relacionamentos.
Na tradição cristã, há uma concepção universalista em que “todos são iguais em Cristo”.
A teocracia medieval pode ser definida como governo que tem justificativas de natureza
religiosa para suas ações políticas e econômicas, com as normas divinas orientando a
formação do poder instituído.
A questão da universalidade da natureza humana é posta em cheque por Montaigne ao
descrever a experiência dos franceses. Além disso, levanta um problema ético e político:
como julgar os valores daqueles povos? Poderia se pensar em uma subjetividade
presente entre os nativos? Ele se pergunta que povo seria aquele com valores éticos tão
diferentes dos nossos. Seria uma espécie de modelo de forma de vida com simplicidade,
autenticidade, verdade, nudez. Com isso, traz a noção do relativismo cultural e
histórico. Mostrou a importância do reconhecimento da influência cultural e da
existência de outras perspectivas. A universalidade posta por Montaigne se instancia nos
diferentes povos com pluralidade de costumes. É possível afirmar que Montaigne é um
relativista moral sem abrir mão da universalidade da natureza humana. Introduziu no
pensamento moderno a questão da alteridade.
3 – Discuta a questão do natural X artificial em relação ao ser humano de acordo
com o Ensaio Os Canibais de Montaigne.
“É um país, diria eu a Platão, onde não há comércio de qualquer natureza, nem
literatura, nem matemáticas; onde não se conhece sequer de nome um magistrado; onde
não existe hierarquia política, nem domesticidade, nem ricos e pobres. Contratos,
sucessão, partilhas aí são desconhecidos; em matéria de trabalho só sabem da
ociosidade; o respeito aos parentes é o mesmo que dedicam a todos; o vestuário, a
agricultura, o trabalho dos metais aí se ignoram; não usam vinho nem trigo; as próprias
palavras que exprimem a mentira, a traição, a dissimulação, a avareza, a inveja, a
calúnia, o perdão, só excepcionalmente se ouvem. Quanto a República que imaginava
lhe parecia longe de tamanha perfeição!” (p.5)
No trecho acima, tirado do texto “Dos Canibais”, é possível notar as grandes diferenças
percebidas por Montaigne no que se refere à artificialidade dos europeus e a
autenticidade dos nativos. Havia uma enorme distância com relação a costumes, hábitos
e valores. Por isso, a indignação por parte dos europeus diante da aparente felicidade
dos nativos.
Os franceses tiveram a percepção de que os nativos eram felizes. E questionaram sobre
como poderiam ser felizes sem serem cristãos. Em resposta a essa questão, Montaigne
sugere que talvez fossem felizes por não serem cristãos.
Ao escrever sobre a experiência, concluiu que seria impossível interpretar o que os
nativos pensam, embora fosse possível construir uma relação com eles. Viviam em
outra realidade, havia um grande contraste entre a artificialidade dos franceses e a
simplicidade e pureza dos povos do “Novo Mundo”.

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