O documento discute o significado e importância do Humanismo no início da Modernidade, destacando a valorização do ser humano e suas capacidades individuais. Também aborda pensadores como Leonardo Bruni, Leon Battista Alberti e Giovanni Pico della Mirandola, que defenderam a dignidade humana e a noção de que o homem pode ser criador.
Descrição original:
Anotações de comentários sobre Humanismo e sobre a obra de Michel Montaigne
O documento discute o significado e importância do Humanismo no início da Modernidade, destacando a valorização do ser humano e suas capacidades individuais. Também aborda pensadores como Leonardo Bruni, Leon Battista Alberti e Giovanni Pico della Mirandola, que defenderam a dignidade humana e a noção de que o homem pode ser criador.
O documento discute o significado e importância do Humanismo no início da Modernidade, destacando a valorização do ser humano e suas capacidades individuais. Também aborda pensadores como Leonardo Bruni, Leon Battista Alberti e Giovanni Pico della Mirandola, que defenderam a dignidade humana e a noção de que o homem pode ser criador.
1 – Qual o significado e a importância do Humanismo no início da Modernidade?
Uma das principais características do humanismo renascentista é a valorização do ser
humano e suas capacidades individuais, habilidades e talentos. Trata-se de uma nova perspectiva ética em que o ser humano não espera mais por favores divinos. O espírito do humanismo trazia o desejo de se buscar as fontes do conhecimento e submeter à crítica as noções tradicionais sobre as coisas do mundo. O estudo da natureza humana fazia uma oposição à visão essencialista, metafísica. Aceitava-se Deus como criador, porém o ser humano também o era na sua própria medida. Era criador ao inventar a pólis e as suas leis políticas, bem como quando exercia capacidades artísticas e literárias. Havia crítica à noção hierárquica de que, no contexto do feudalismo, as leis divinas reproduziam-se na terra. Leonardo Bruni (1370-1444), chanceler da República Florence, foi o primeiro grande político e pensador do humanismo renascentista a se opor à filosofia teocentrista, no século XV. Estudou as humanidades (Studia Humanitatis), estudo daquilo que é próprio da natureza humana. Bruni foi o primeiro a estabelecer uma periodização da história (período clássico greco-romano, período medieval, período moderno). A Repúbica de Florença representava o retorno aos modelos clássicos de República Romana e o retorno à pólis grega. Naquele momento havia a dissolução do feudalismo em algumas regiões da Europa. Em Florença, principal produtora de lã da Europa, a principal fonte de riqueza passou a ser os empréstimos bancários. Rompia-se com o poder feudal e com o poder da Igreja. Havia que se criar uma nova ordem. As negociações implantavam uma nova forma de política. Aprendeu-se com a tradição e nela se encontrou as bases, sem ser preciso reproduzi-la, pois, o contexto era outro. A recuperação da tradição clássica greco-romana permitiria legitimar a nova experiência política. Bruni fazia oposição ao determinismo existente na época, em que as coisas eram vistas como consequência de uma ordem natural. Defendia que teriam vindo os povos de um desenvolvimento histórico e cultural. Porém, ainda que viessem do período clássico, não seriam os homens iguais aos gregos e aos romanos daquele período. Leon Battista Alberti (1404-1472) foi um grande arquiteto, escultor e gramático do período do Humanismo. Criou, arquitetou e esculpiu a obra “Fontana di Trevi”, Roma. Foi a primeira das grandes criações artísticas da época. Trazia a noção de criatividade do homem, que o conhecimento é aberto a todos. Giorgio Vasari (1511-1574) escreveu “Vida dos mais ilustres arquitetos, pintores e escultores” (1550), tendo sido acusado de supervalorizar Florença. Escreveu biografias e introduziu o termo “Renascimento” da cultura greco-romana. Foi um pensador da arte. O conceito medieval de “miséria hominis” situa o homem como um ser impotente, imperfeito e pecador. Dessa forma, necessita ser governado. Um exemplo é a figura de Adão sendo expulso do paraíso por ter errado, o que o torna um ser errante. O erro, nessa concepção, é entendido como falha na natureza humana. O ser humano é dotado de livre arbítrio e, muitas vezes, faz a escolha errada, como teria feito Adão. Com a nova leitura humanista, o conceito “dignitas hominis” traz a noção de dignidade humana. Uma das principais características da natureza do homem passa a ser a capacidade de criar. Leonardo da Vinci teria dito que a arte é a “segunda natureza”. O ser humano destaca-se também por sua capacidade de escolher. O livre-arbítrio passa a ser entendido como liberdade de escolha, não mais como uma escolha que induz o homem ao erro. O exercício dessa liberdade poderá levá-lo à criatividade em todas as áreas. O conceito de dignidade, portanto, está vinculado à criatividade e à liberdade de escolha do ser humano. No século XVIII este conceito ressurgirá com conotação política. O humanismo não eliminou a figura de Deus. Porém, entende o homem como co-criador, criado à imagem e semelhança de Deus, aquele que pode responder por si em sua razão. Giovanni Pico de la Mirandola (1463-1496) escreveu sobre isso em sua obra “Discurso sobre a dignidade do Homem” (Oratio Dignitas Hominis) em 1486. Caracterizaram a obra a busca de origens, a diversidade cultural, a criatividade, a referência à literatura de origem árabe e ao ser humano como forma direta, o pluralismo, a ruptura com a tradição escolástica, o livre exame de todas as correntes filosóficas. Embora entendesse o homem como ser individual, haveria uma natureza que se manifesta de diferentes formas e em diferentes tempos. Foi precursor de Michel Montaigne. Enquanto Bruni pensava que se alcançaria a cidade ideal a partir do povo unido coletivamente, Pico de la Mirandola entendia que a individualidade do pensamento dos homens fundaria a cidade ideal. Para Bruni, a evolução da cidade dependeria do fim do sistema feudal, a política traria a liberdade aos homens. Criou a Liga dos Artesãos, em Florença, primeira reprodução arcaica dos sindicatos. Havia reuniões chamadas de “grande conselho”, conselhos de comerciantes, tendo sido Maquiavel o segundo secretário. Buscava recuperar a ideia de República romana e de democracia grega, em que o indivíduo era parte da sociedade. Para Pico de la Mirandola, por outro lado, a liberdade estaria associada ao indivíduo. E quem fazia a política seriam os indivíduos que estavam compondo aqueles conselhos. As escolhas teriam sua expressão máxima nas tomadas de decisão individuais. É o início do pensamento liberal. A dimensão moral, estética, política, antropológica (natureza humana) e jurídica (na discussão sobre o direito natural) emergem da sociedade a partir das ideias humanistas do Renascimento do século XV. É preciso ressaltar, no entanto, que há diferenças entre o humanismo do século XV e o humanismo do século XVI. Este último apresentou três importantes fatores de inovação: a descoberta do Novo Mundo, a Reforma Protestante e a Revolução Científica. O indivíduo, no século XV é entendido como membro de uma comunidade, com direitos, dignidade, livre arbítrio, crenças. A mudança no contexto do século XVI permitiu que, no século XVII, o humanismo desse lugar à noção de subjetividade. O “sujeito” é um aprofundamento do “indivíduo” do humanismo. Conserva as mesmas características, mas a ação vem pelo advento da subjetividade, é o sujeito da auto-consciência, que constrói o conhecimento. O indivíduo passa a ser visto não mais como uma entidade abstrata. A manifestação da criatividade humana se revelou nas ciências e na filosofia. A Reforma Protestante (século XVI) contribuiu para o surgimento da noção de subjetividade e para a discussão sobre o livre arbítrio. Martinho Lutero, frade agostiniano, rejeitou a autoridade imposta pela Igreja católica e alegou que só deveria ser aceita a autoridade das Escrituras. O conceito agostiniano de interioridade foi adotado por Lutero, seria como a autoridade sobre a consciência. A consciência do indivíduo, segundo Lutero, seria a expressão da dignidade humana. Santo Agostinho foi o autor cristão mais compatível com a modernidade. As ideias de criatividade e de livre arbítrio vieram pela via agostiniana. O humanismo trouxe de volta as ciências como história e filosofia para a natureza humana. Surgiu algo de novo para deslocar a temática teológica para outro plano. 2 – Como se pode problematizar o pressuposto da universalidade da natureza humana a partir do Ensaio Os Canibais de Montaigne? “Os Canibais” é o único texto filosófico da Idade Moderna que se refere à Baía de Guanabara. Nele, Montaigne fala sobre o curto período em que os franceses passaram no Brasil. Durante o período de 1555 a 1557, tentaram fazer do país uma colônia em que franceses católicos e protestantes pudessem conviver em paz. Entendiam que a mudança de contexto tornaria possível a mudança de comportamentos e relacionamentos. Na tradição cristã, há uma concepção universalista em que “todos são iguais em Cristo”. A teocracia medieval pode ser definida como governo que tem justificativas de natureza religiosa para suas ações políticas e econômicas, com as normas divinas orientando a formação do poder instituído. A questão da universalidade da natureza humana é posta em cheque por Montaigne ao descrever a experiência dos franceses. Além disso, levanta um problema ético e político: como julgar os valores daqueles povos? Poderia se pensar em uma subjetividade presente entre os nativos? Ele se pergunta que povo seria aquele com valores éticos tão diferentes dos nossos. Seria uma espécie de modelo de forma de vida com simplicidade, autenticidade, verdade, nudez. Com isso, traz a noção do relativismo cultural e histórico. Mostrou a importância do reconhecimento da influência cultural e da existência de outras perspectivas. A universalidade posta por Montaigne se instancia nos diferentes povos com pluralidade de costumes. É possível afirmar que Montaigne é um relativista moral sem abrir mão da universalidade da natureza humana. Introduziu no pensamento moderno a questão da alteridade. 3 – Discuta a questão do natural X artificial em relação ao ser humano de acordo com o Ensaio Os Canibais de Montaigne. “É um país, diria eu a Platão, onde não há comércio de qualquer natureza, nem literatura, nem matemáticas; onde não se conhece sequer de nome um magistrado; onde não existe hierarquia política, nem domesticidade, nem ricos e pobres. Contratos, sucessão, partilhas aí são desconhecidos; em matéria de trabalho só sabem da ociosidade; o respeito aos parentes é o mesmo que dedicam a todos; o vestuário, a agricultura, o trabalho dos metais aí se ignoram; não usam vinho nem trigo; as próprias palavras que exprimem a mentira, a traição, a dissimulação, a avareza, a inveja, a calúnia, o perdão, só excepcionalmente se ouvem. Quanto a República que imaginava lhe parecia longe de tamanha perfeição!” (p.5) No trecho acima, tirado do texto “Dos Canibais”, é possível notar as grandes diferenças percebidas por Montaigne no que se refere à artificialidade dos europeus e a autenticidade dos nativos. Havia uma enorme distância com relação a costumes, hábitos e valores. Por isso, a indignação por parte dos europeus diante da aparente felicidade dos nativos. Os franceses tiveram a percepção de que os nativos eram felizes. E questionaram sobre como poderiam ser felizes sem serem cristãos. Em resposta a essa questão, Montaigne sugere que talvez fossem felizes por não serem cristãos. Ao escrever sobre a experiência, concluiu que seria impossível interpretar o que os nativos pensam, embora fosse possível construir uma relação com eles. Viviam em outra realidade, havia um grande contraste entre a artificialidade dos franceses e a simplicidade e pureza dos povos do “Novo Mundo”.